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Aula 7 - A Aldeia Global

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Aula  7

A aldeia global:
revolução
tecnológica e
impactos culturais
Massimo Sciarretta
História Contemporânea II

Metas da aula

Apresentar e avaliar o fenômeno da globalização no tocante aos elementos que o


proporcionaram e às consequências culturais que ele engendrou.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. identificar as causas da guinada do capitalismo mundial rumo à “era pós-industrial”,


na última parte do século XX, e suas peculiaridades;
2. reconhecer, dentro deste contexto, o tema da “revolução da informática”;
3. identificar o debate dos estudiosos em torno da globalização e das repercussões
causadas por este fenômeno.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

INTRODUÇÃO

Globalização, este termo hoje utilizado até a exaustão, tornou-


se a palavra-atalho para definir, julgar, enfatizar ou condenar os
O holismo é um
mais diversos processos proporcionados por esta transformação conceito teórico,
das dinâmicas mundiais, ocorrida no período compreendido entre segundo o qual todos
os seres ou as coisas
a última parte do século XX e o novo século XXI. Da criação de um
interagem, formando
único mercado mundial para o aumento exponencial dos movimentos um todo, sem que
migratórios do Sul do mundo para o Norte; do estreitamento das se possa entendê-los

distâncias geográficas para a adoção universal de estilos de vida isoladamente. Seu


adjetivo utiliza-se
ocidentais, tudo pode ser resumido nesta palavra-conceito holística.
para definir algo que

Como veremos mais adiante, na opinião de muitos estudiosos, engloba tudo em si.

tal fenômeno remontaria a um processo de mais longo período,


Desterritoria-
que colocou as bases para o atual desenrolar da chamada “época
lização
pós-moderna”. A desterritorialização
é um termo utilizado
Seja como for, a emergência da “sociedade global” com
para indicar
a velocidade e a abrangência que conhecemos hoje manifesta- uma série de
se de forma mais evidente a partir do momento em que ocorrem “desarraigamentos”,

determinadas contingências históricas, tais quais: o fim da divisão causados pela


globalização, tais
bipolar e a possibilidade (na verdade, muitas vezes frustrada) de uma
quais: o aumento
ampla circulação de pessoas, mercadorias, ideias e interligações da mobilidade
culturais em presença de uma revolução nos meios de transporte e das pessoas, a
hibridização cultural
de comunicação.
e o enfraquecimento
A ausência, portanto, de obstáculos políticos e tecnológicos das culturas locais
sob o impulso da
à mundialização das práticas econômicas, sociais e culturais leva,
cultura hegemônica
nos últimos trinta anos – como nunca tinha acontecido –, a uma ocidental – fenômenos
desterritorialização dos mercados, das decisões, dos hábitos e que levam à perda
das ideias que colocam em xeque não apenas um pilar da época de controle físico e de
referências simbólicas,
contemporânea, como o “Estado-nação”, mas também identidades
concernentes aos
pré-nacionais, pautadas na religião, na língua, na etnia etc. territórios de origem,
produzindo, ao
mesmo tempo, uma
homogeneização sem
integração.

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História Contemporânea II

Dito isto, “globalização” não é – por isto só – sinônimo de


homogeneização.

Com certeza, não é tal com relação ao conceito de igualdade


econômica, tendo o pensamento único neoliberal aumentado de
forma exponencial as diferenças econômicas entre o mundo dos
pobres e o dos ricos, dentro e fora das fronteiras territoriais nacionais.

Com efeito, aos fenômenos mundiais da liberalização


desenfreada das mercadorias e dos capitais, e da desregulamentação
do mercado do trabalho, estão correspondendo, por parte dos países
ricos, ações unilaterais de construção de barreiras à entrada de
pessoas provenientes de outras regiões do globo e o aproveitamento
voraz dos recursos naturais do planeta inteiro. O que, conforme o
prêmio Nobel Joseph Stiglitz (A globalização e seus malefícios),
engendraria mais um fenômeno de relação globalizador/
globalizado do que um efetivo processo de integração paritária
entre os vários grupos sociais no interior de cada nação e/ou entre
os diversos hemisférios do mundo.

Igualmente, a globalização não parece até agora ter carreado


um processo de formação de uma cultura mundial compartilhada.

Decerto, a dicotomia que separava cultura erudita e cultura


popular vem sendo rebaixada, e o processo de transmissão e
produção da cultura vem se alastrando até alcançar uma boa parte
da população mundial.

Entretanto, como assinala Eric Hobsbawm, a interligação


entre os saberes, que está proporcionando o surgimento de uma
cultura popular global como produto da disponibilidade planetária
para a mistura de elementos diversos provenientes de várias
regiões do planeta, ainda encontra uma barragem em fatores, tais
quais: a língua e a religião, que se mostram mais refratários a ser
englobados numa única cultura. Daí a diferença substancial – a ver
do historiador britânico – entre “a globalização, real e ampla (...)
e o cosmopolitismo, ainda hoje bastante restrito” (HOBSBAWM,
2009, p. 120).

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

De acordo com as reflexões de Octavio Ianni, a globalização


assinala-se, portanto, como um universo, formado por “diversidades,
desigualdades, tensões e antagonismos, simultaneamente às
articulações e integrações regionais, transnacionais e globais”
(IANNI, 2008, p. 220).

Tratando-se de um tema caracterizado por linhas de


descontinuidade que tornam o discurso em volta do tema
“globalização” multifacetado e contraditório, decidimos repartir o
assunto encarando-o sob vários pontos de vista que serão analisados
em capítulos temáticos (meio ambiente, arte, trabalho, política
internacional etc.). Nesta aula, portanto, nós nos limitaremos a
colocar perguntas mais genéricas sobre o fenômeno “globalização”:
de que maneira o mundo chega à mundialização das práticas
socioeconômicas? Quais fatores a possibilitaram? Quais são seus
aspectos peculiares? Trata-se realmente de um fenômeno recente
ou, ao contrário, de um acontecimento que apoia suas bases em
dinâmicas de mais longo alcance?

A guinada do capitalismo na última


parte do século XX: o ocaso da
sociedade industrial e o surgimento da
“New Economy”

Nos anos 1970, nenhum dos dois blocos geopolíticos no qual


o mundo estava dividido parecia gozar de boa saúde.

Se as contradições presentes no bloco soviético eram de tal


porte a serem destinadas a estourar de forma dramática na década
sucessiva, elas – devido ao fechamento do sistema político comunista
– corriam, todavia, de forma bastante subterrânea.

No Ocidente, ao contrário, a crise energética, monetária


e de produção, começada neste período, era mais manifesta,

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História Contemporânea II

sendo, portanto, considerada até mais perigosa do que o impasse


socialista, até gerar perplexidades sobre o prosseguimento do
capitalismo tout court.

Até aquele momento, a prosperidade das nações ocidentais,


lideradas pelos EUA havia proporcionado principalmente nestes
países (mas não apensas nestes) a expansão do consumo em
Urbi et orbi massa, produzindo, se não a homogeneização dos estilos de vida,
(Expressão latina que válido urbi et orbi, pelo menos a promessa hegemônica de sua
significa “À cidade [de
realização para aquela parte de mundo que tivesse adotado seu
Roma] e ao mundo”).
Era uma abertura projeto socioeconômico.
comum em
Enquanto isso, a “Guerra Fria” tinha gerado aquele mundo
pronunciamentos
romanos, utilizada bipolar que, por ser fundado sobre o “equilíbrio do terror”, havia
quando Roma era a simplificado – embora de forma amedrontadora – a estabilização
caput mundi (capital
da política mundial.
mundial) do Império.
Tal expressão ficou Por volta de 1970, entretanto, tais processos chegaram ao seu
no vocabulário
ápice, produzindo, ao mesmo tempo, algumas tendências contrárias.
contemporâneo,
indicando algo Com efeito, o processo de descolonização abriu caminho
proclamado para o
para a formação de novos Estados-nação, capazes de comprometer
mundo inteiro.
o equilíbrio próprio da lógica bipolar, ao passo que o fim da
equivalência dólar-ouro (1971), própria do chamado gold dollar
standard, e a adoção por parte dos EUA de uma política protecionista
proporcionaram uma nova época de instabilidade para o sistema
monetário internacional. Ao mesmo tempo, a geração de jovens
filhos da prosperidade econômica ocidental (nota como baby boom
generation), revoltava-se contra a sociedade consumista e hipócrita,
criada por seus pais, enquanto que o embargo petrolífero por parte
dos países do cartel do petróleo (OPEP) para os países capitalistas
gerava uma recessão atípica, conhecida como “estagflação” por
ser caracterizada pela concomitância de estagnação com inflação.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Como vimos na aula sobre a “idade de ouro”


do capitalismo, o gold dollar standard deter-
minava a convertibilidade do dólar em ouro,
oficializando de fato o papel-guia dos EUA como
superpotência econômica do Ocidente e sancio-
nando a estabilidade monetária mundial.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%B3lar_dos_
Estados_Unidos

O sistema foi abandonado em 1971 quando, por


causa das despesas sustentadas para arcar com a
Guerra do Vietnã, criou-se uma discrepância conside-
rável entre a moeda americana circulante no mundo
(distribuída em larga quantidade) e o valor não
equivalente das reservas de ouro efetivamente guarda-
das no Banco Central Americano (a Federal Reserve),
pondo em sério risco de bancarrota a economia
estadunidense. O gold dollar standard punha fim aos
acordos de Bretton Woods com uma decisão unilateral
dos EUA: a partir daquele momento, a moeda ameri-
cana foi deixada flutuando no mercado, sem que seu
valor fosse atrelado a alguma riqueza tangível.

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História Contemporânea II

No entanto, mais uma vez, o capitalismo soube sair das


dificuldades, com a crise dos anos 1970 representando o estímulo
para uma guinada nos processos de produção rumo a uma nova
fase de desenvolvimento.

Com efeito, o problema dos países industrializados tornou-se


o de reconverter a economia pautada “num crescimento extensivo,
caracterizado pelo aumento dos volumes materiais da produção e
do consumo de matérias-primas e energias para um desenvolvimento
intensivo”, compatível com o declínio da natalidade, a saturação
dos mercados e a crise energética (REVELLI, 1995, p. 169).

A grande transformação que se delineou no final dos anos


1970 partia, portanto, de uma exigência defensiva, mas soube
se configurar como realmente inovadora, tendo seu objetivo na
“desindustrialização”, o que marcou a transição da sociedade
industrial para a pós-industrial, na qual a indústria – embora ainda
existente – não representava mais o eixo das atividades produtivas
e das relações humanas e sociais.

As novas tecnologias e a ênfase na “flexibilidade” (termo


que, como veremos proximamente, no âmbito da produção será
equivalente à fabricação just in time, enquanto com relação às
relações de trabalho se tornará sinônimo de “precarização”)
acarretaram a rápida realização dos processos de desregulamentação
e privatização, proporcionando a ruptura do modelo de contrato
social entre capital e trabalho, próprio do velho modelo industrialista.

De forma concomitante, num espaço de tempo restrito,


o mundo contemporâneo assiste a um paulatino processo de
“desmaterialização” da economia, rumo à construção de uma
New Economy na qual o “centro de gravidade” da economia
capitalista desloca-se da indústria para o terciário, privilegiando
o setor ligado aos serviços (transportes, sociedades de seguro,
bancos, comércio, turismo, telecomunicações), os quais, aos poucos,
acabam absorvendo uma cota cada vez mais alta de mão de obra,
produzindo também mais riqueza.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Inovação, projetação, pesquisa científica, matérias-primas e


tecnologias leves tornam-se fatores centrais da produção.

Entretanto, os produtos não são a única coisa que vai


perdendo materialidade.

Como corolário direto deste novo trend, emerge um padrão


de acumulação em que as principais atividades lucrativas passam
através de canais financeiros em vez de passar através da produção e
do comércio. A incidência das atividades financeiras no conjunto das
atividades do sistema econômico planetário adquire, assim, um papel
central, dando lugar ao fenômeno da chamada “financeirização”
da economia, com as trocas nos mercados financeiros de títulos que
envolvem milhares de bilhões de dólares por dia, desindexados, em
boa medida, do andamento da economia real.

Figura 7.1: Propaganda de cartão de crédito no mercado oriental.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3f/HK_Wan_Chai_Tin_Lok_
Lane_Master_Card_Tram.JPG

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História Contemporânea II

Nesta “nova economia”, do mesmo modo, o próprio dinheiro


vai se desmaterializando, acarretando o declínio da poupança
e o aumento do endividamento. O sistema da compra a crédito,
mediante um sistema de pagamento eletrônico (cartão de crédito)
que oferece ao usuário a possibilidade de adiar a cobrança do
valor gasto para um momento futuro, revolucionou a maneira de
os consumidores relacionarem-se com o mercado e a compra. A
atitude em prol de consumos imediatos, unida à compra a prazo,
tornou-se a maneira mais consuetudinária de lidar com a gestão
das finanças domésticas, fazendo da poupança uma “virtude” cada
vez mais subestimada. Pelo contrário, induzindo o consumidor a
gastar mais dinheiro do que está realmente ao alcance de suas
possibilidades, engendrando um sistema econômico que não
apenas não repele as dívidas e a indisponibilidade de dinheiro
no presente por parte do comprador, mas que torna a “cultura do
consumo e da dívida” seu motor e seu maior sustentáculo.

De tal forma, junto com a velocidade das transações financeiras


e das interconexões via internet, também o consumo passou por um
processo de paulatina aceleração, deixando o usuário-consumidor
cada vez mais refém da “síndrome do colecionador”, que o faz mais
aflito pela peça da coleção da qual ele não dispõe do que feliz pelo
restante das peças que já possui. Também o espaço do trabalho
reduz-se de maneira constante, propiciando os comportamentos
nômades dos funcionários, aos quais as empresas entregam um
celular e um computador portátil para trabalharem em casa, em
lugares públicos ou nos escritórios dos clientes.

A prevalência do peso desta New Economy na balança da


economia mundial, todavia, não quer dizer que o mundo da indústria
acabou, mas que se deslocou para as áreas mais atrasadas do planeta,
onde a mão de obra é, de fato, menos cara, protegida e sindicalizada.

Introduzimos, assim, mais um elemento típico desta primeira


fase da globalização: a “deslocalização” do trabalho industrial do
Norte para o Sul do mundo. Um fenômeno cuja característica peculiar
é a participação dos países mais desenvolvidos na qualidade de

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

“cabeças pensantes” da economia mundial, concentrando em


si as funções gerenciadoras, estratégicas e financeiras, além da
realização dos produtos com alto valor agregado e tecnológico, e
baixa ocupação de mão de obra, enquanto às economias menos
desenvolvidas é reservada a produção tradicional de objetos com
baixo valor agregado e alto conteúdo de trabalho humano.

Muitas destas transformações foram permitidas pela “revolução


do computador”, uma vez que a informática tornava-se o elemento
imprescindível ao desenvolvimento de uma economia pautada nos
serviços, além de possibilitar a transmissão em tempo real de um
número cada vez mais ingente de capitais pelas praças financeiras
do mundo, e de favorecer o controle a distância de amplas fases
do ciclo produtivo industrial.

No próximo parágrafo, analisaremos de perto os aspectos


peculiares deste que se assinala como o maior símbolo da nova
era: o computador.

Atende ao Objetivo 1

1. Aponte as características peculiares da New Economy, identificando seus aspectos


principais e definindo seu conceito.

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História Contemporânea II

Resposta Comentada
Em meados dos anos 1970, mesmo quando o capitalismo dos países ocidentais começou a
dar sinais de esgotamento de seu projeto hegemônico (crise petrolífera, contestação juvenil,
instabilidade do sistema monetário internacional, descolonização dos países africanos e
asiáticos e Guerra do Vietnã), aviou-se uma nova fase que passou por um reprocessamento das
dinâmicas do capital.
Graças, sobretudo, às inovações tecnológicas propiciadas pela chamada Terceira Revolução
Industrial, assistiu-se, assim, a uma paulatina reconversão do sistema econômico capitalista,
ora centrado na preeminência do setor ligado aos serviços sobre os da indústria, o que
inaugurou o surgimento de uma era definida como “pós-industrial”, cujos pontos cardinais são a
desmaterialização e financeirização da economia, a deslocalização das atividades industriais
para os países mais atrasados do globo e a flexibilização do trabalho e da produção.
Nascia, portanto, uma “Nova Economia”, regulada numa menor “fisicidade” dos seus produtos,
que exigia menos gastos de energias e matérias-primas e mais cuidado com a questão do meio
ambiente, mas que acentuava ainda mais um perfil econômico feito de consumismo desenfreado
e endividamento, por incentivar a utilização generalizada das compras a crédito.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

A revolução do computador

Um novo mundo está tomando forma neste fim de milênio.


Originou-se mais ou menos no fim dos anos 60 e meados da
década de 70, na coincidência histórica de três processos
independentes: revolução da tecnologia da informação; crise
econômica do capitalismo e do estatismo e a consequente
reestruturação de ambos; e apogeu de movimentos sociais e
culturais, tais como: libertarismo, direitos humanos, feminismo
e ambientalismo. A interação entre esses processos e as
reações por eles desencadeadas fizeram surgir uma nova
estrutura social dominante, a sociedade em rede; uma nova
economia, a economia informacional/global; e uma nova
cultura, a cultura da virtualidade real. A lógica, inserida nessa
economia, nessa sociedade e nessa cultura, está subjacente à
ação e às instituições sociais em um mundo interdependente
(CASTELLS, 2000, 411).

Este trecho do sociólogo espanhol Manuel Castells ajuda-nos


a ingressar na análise da revolução proporcionada pelo advento
das novas tecnologias da informação.

Como já antecipamos, de fato, estreitamente atreladas ao


processo de desmaterialização da economia estavam as novas
tecnologias (sobretudo as ligadas à informática), que começaram
a ocupar um papel central na vida de um número sempre crescente
de pessoas, propiciando a chamada “Terceira Revolução Industrial”
da história, mais bem definida como “Revolução Técnico-Científica-
Informacional” pelo fato de marcar justamente a redução do peso
da indústria na economia. Um evento tanto mais revolucionário ao
considerarmos – de acordo com o historiador Piero Bevilacqua – que,
se as duas primeiras revoluções caracterizaram-se pela substituição
do trabalho manual pelas máquinas, na terceira as máquinas
chegaram a substituir não apenas as mãos, mas também o cérebro
dos trabalhadores.

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História Contemporânea II

De fato, no final dos anos 1970, com a comercialização do


primeiro personal computer (PC), a chamada inteligência artificial
fazia seu ingresso no palco da história.

Mediante a abertura e o fechamento de uma série de circuitos


elétricos, estes aparelhos são capazes de reproduzir, em certa
medida, os mecanismos de funcionamento do cérebro humano,
efetuando operações matemáticas sem erros em poucos instantes,
armazenando em suas “memórias” milhões de informações e dados,
reagindo, se programados, aos comandos externos, dirigindo, por
sua vez, a atividade de outros aparelhos eletrônicos.

Figura 7.2: Notebook da Apple: o emblema da “Revolução Informacional”.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Apple_Inc.

A primeira revolução em tecnologia da informação teve seu


fulcro nos Estados Unidos, na década de 1970, e mais precisamente
no Vale do Silício, na Califórnia. Como assinala Castells,

Apesar do papel decisivo do financiamento militar e dos


mercados nos primeiros estágios da indústria eletrônica,
da década de 40 à de 60, o grande progresso tecnológico

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

que se deu no início dos anos 70 pode, de certa forma, ser


relacionado à cultura da liberdade, inovação individual e
iniciativa empreendedora, oriunda da cultura dos campi
norte-americanos da década de 60 (CASTELLS, 2000, p. 25).

Com efeito, é neste novo “templo da tecnologia” que jovens


de várias nacionalidades encontram-se, marcando o surgimento
de uma geração de ex-universitários brilhantes, emblematicamente
representada por Bill Gates e Steve Jobs.

Em 1980, a IBM, a maior corporation mundial em calculadores,


adotou os programas operacionais criados pela Microsoft, empresa de
informática fundada em 1975 por Bill Gates e Paul Allen, enquanto,
em 1984, a Apple (fundada, em 1976, por Steve Jobs e Steve
Wozniak) lançava no mercado o Macintosh, uma nova geração
de computador de fácil utilização, destinado à videoescritura, à
elaboração de dados e à gráfica.

O computador podia, assim, tornar-se um novo bem de


consumo com uma difusão em massa.

A “revolução do computador” possibilitou o desenvolvimento de


outras tecnologias a ele atreladas, tais quais: a informática (ciência
que tem como objeto a elaboração e a transmissão das informações);
a cibernética (ciência que estuda os processos de controle e de
comunicação nos organismos viventes, tentando reproduzi-los nas
máquinas, com ênfase particular no setor da chamada robótica); a
telemática (isto é, a aplicação das técnicas da informática ao setor das
telecomunicações, mediante a utilização de ondas eletromagnéticas,
capazes de substituir a velha rede via fiação).

No tocante a este último aspecto, o computador possibilitou


a transformação do sistema das comunicações de massa mediante
a invenção da internet, um sistema que concebe a utilização
dos computadores não mais isoladamente, mas numa rede de
interconexões.

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História Contemporânea II

Igualmente ao que tinha acontecido antes com os calculadores,


também a criação da internet deve-se à utilização que dela se fez
para fins militares. Com efeito, a internet nascia no final dos anos
1960 com o nome de Arpanet (Advanced Research Project Agency),
uma rede criada por uma agência do Pentágono com vistas a
possibilitar a transmissão de informações entre os computadores do
Departamento de Defesa dos EUA.

Após aquela primeira utilização, na década seguinte este


sistema de rede saiu da área militar, passando a ser utilizado também
nas universidades americanas, até quando, em 1991, o Conselho
Europeu para Pesquisas Nucleares (CERN) criou o primeiro server
world wide web (www) para os cientistas trocarem informações,
gerando o sistema hoje mundialmente conhecido que possibilita
a interconexão planetária de informações, acervos, sonoridades,
imagens, programas etc.

Desde então, começou a grande expansão da rede entre os


usuários privados, com a criação dos sites, dos provedores que
organizam o acesso à rede, do comércio online (e-commerce), do
correio eletrônico (e-mail) etc.

A Bolsa de Valores de Wall Street, desde 1971, já calculava


um índice Nasdaq para as sociedades do setor tecnológico
avançado, ligado à eletrônica, com uma capacidade de transacionar
cerca de 6 bilhões de ações num dia, o que a torna, por número
de ações transacionadas e número de negócios, a maior Bolsa de
Valores do planeta.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Figura 7.3: Um mensageiro instantâneo na tela de conversa.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet

Como ocorre com todas as verdadeiras revoluções, a


“Revolução Técnico-Científica-Informacional”, longe de se limitar aos
aspectos econômicos, está proporcionando uma mudança relevante
da cultura e da sociedade, lançando-se mão do que o sociólogo
francês Alain Touraine definiu como “sociedade pós-industrial”, com
um papel crucial da informação e do conhecimento.

Atende ao Objetivo 2

2. Relacione os diferentes aspectos que tornam a “Revolução Técnico-Científica-Informacional”


de extrema relevância para as dinâmicas do mundo atual.

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História Contemporânea II

Resposta Comentada
A “economia informacional/global” e “a cultura da virtualidade real”, descritas por
Manuel Castells, representam o produto mais tangível da revolução econômica, social e
cultural, produzida pelo ingresso na história do computador. Se a época atual é a época
da desmaterialização da economia, eis que o computador e seus derivados tecnológicos –
com seus dados eletrônicos, a possibilidade de navegar em rede e de gerir e controlar os
ciclos produtivos a distância – representam o emblema desta nova fase econômica mundial.

A telemática, a cibernética, mas sobretudo a informática são os setores nos quais a


inteligência artificial mais claramente influencia os novos rumos da humanidade. Um produto
direto das invenções atreladas à computação, a internet, possibilitou a transformação
do sistema das comunicações de massa, conectando não apenas os computadores entre
eles, mas o mundo como um todo, numa rede de inter-relações que não conhece pausas e
distâncias. Para o bem ou para o mal, os fenômenos da financeirização, da deslocalização,
da informação em tempo real e, finalmente, da formação de uma cultura mundial de massa
devem boa parte de seu nascimento e sucesso à eletrônica.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Globalização: fenômeno antigo ou pós-


modernidade?

Se o processo de globalização destaca-se, antes de mais


nada, por seu caráter de interdependência entre as economias,
as sociedades e as culturas do mundo, é legitimo se perguntar se
estamos realmente diante de um fenômeno original.

Com efeito, a civilização ocidental alcançou uma primeira


abrangência global já na época das descobertas geográficas,
no período entre 1450 e 1640, que o francês Fernand Braudel
definiu como o “longo século XVI”, quando a crise de crescimento
da Europa fez com que os países do Velho Continente saíssem de
sua área geográfica e se lançassem aos mares, em busca de novas
terras e, com elas, de novos fornecedores de matérias-primas e de
novos mercados.

Apesar das arguições do grande historiador dos Annales, é


difícil não constatar que, até a metade do século XIX, o processo de
mundialização não passava de um estágio embrionário.

Todavia, na opinião de vários pesquisadores, a partir da


“empreitada imperialista” de 1870, a evolução colonial, econômica
e financeira, determinada por esta nova partilha do mundo,
começava a incluir um número cada vez maior de países no interior
de uma “sociedade internacional” que englobava as comunidades
locais e que, portanto, já podia se definir como “global”.

De tal forma, na esteira do pensamento de Braudel, o


sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein escreveu, entre
1974 e 1989, uma obra pautada na ideia da existência – desde
o brotar do capitalismo europeu de época moderna – de uma
“economia-mundo”, isto é, de porções econômicas de mundo
integradas, organizadas em torno de um núcleo central capaz de
atrelar a tais porções outras áreas territoriais, mediante relações
comerciais desiguais. Em seu Capitalismo histórico e civilização
capitalista, de fato, Wallerstein descreve o brotar de um sistema-

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História Contemporânea II

mundo de produção e circulação de mercadorias cuja supremacia


teria se concentrado no Ocidente. Um sistema baseado na divisão
e subordinação entre regiões centrais e periféricas e caracterizado
pela divisão internacional do trabalho (mão de obra livre, salários
altos e manufatura no centro; escravidão e recursos naturais na
periferia), que, no período incluído entre 1750 e 1850, sofreu
uma “planetarização” da qual os sucessivos períodos históricos
representam apenas uma continuação.

Se Wallerstein ocupa-se de mostrar as razões econômicas de


uma integração mundial que precede de mais de um século a chamada
globalização, outros pesquisadores, como o inglês Christopher Bayly,
põem ênfase na mundialização das ideologias políticas. Antes de tudo
do nacionalismo, cuja “linguagem” ultrapassa as culturas europeias,
como reação às tendências de homogeneização que perpassam o
mundo nos Oitocentos, uma vez que:

Em várias regiões do mundo, incluindo sociedades


extraeuropeias como o Vietnã, a Coreia, o Japão e a Etiópia,
as lideranças, com decisão e mediante práticas de longo
período, transformaram os velhos sentimentos de apego
patriótico à terra em concepções de nacionalidade mais
exclusivas e agressivas. O que ocorre sob a pressão da guerra,
das mudanças econômicas e culturais, do desenvolvimento das
comunicações (BANTI, 2010, p. 305-306).

Na opinião dele, porém, tais identidades locais nacionais


que resultam de processos globais de troca, interação e dominação,
longe de se tornarem totalizantes, mesmo porque provenientes de
um processo de tentativa imperial de homogeneização das práticas
mundiais, estimulam tendências transnacionais (como as religiões)
ou internacionais (como, por exemplo, a Internacional Socialista),
exatamente opostas ao nacionalismo, isto é, já no século XIX, os
impulsos para a integração global e a supremacia do Ocidente
convivem com reações diametralmente opostas, nisto antecipando
em mais de um século as dinâmicas dos nossos dias.

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Também o processo de contínuo deslocamento de pessoas de


um lugar para outro do planeta não parece constituir uma novidade,
ao considerarmos que as migrações internacionais ocorridas entre
a metade do século XIX e a Primeira Guerra Mundial foram mais
intensas do que as do período 1980-2000.

Da mesma forma, finalmente, já antes da “era do computador”,


o telégrafo, o telefone, o rádio e a televisão tinham provocado uma
evidente aproximação entre os quatro cantos do mundo e uma parcial
ocidentalização das culturas alheias ao mundo industrializado.

Em que, então, o processo de globalização destas últimas


três décadas seria original? Com certeza, com relação à sua
abrangência e velocidade, o que determinou um salto qualitativo e
quantitativo no próprio processo de mundialização.

De fato, indubitavelmente, as possibilidades oferecidas pela


rede telemática, ativa vinte e quatro horas por dia, conduzem a um
nível de interação que não encontra comparações com o passado,
como simbolizam as contratações que estão na base dos mercados
financeiros mundiais.

Não apenas tal mundialização chega, como nunca tinha


acontecido antes, a interessar cada canto do mundo.

Este fenômeno também desenvolve-se com uma rapidez


assustadora, aliás, fazendo dela seu traço mais característico, uma
vez que – citando um trecho de um livro do escritor Milan Kundera
– a “velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu
de presente ao homem”.

Como se não bastasse, o nível de interação planetária


está chegando a colocar em xeque dois pilares da sociedade
contemporânea, originados pelas revoluções políticas e econômicas
eclodidas no fim do século XVIII: o Estado-nação e o trabalho
assalariado fabril, haja vista que as novas dinâmicas mundiais
perpassam constantemente as fronteiras nacionais e diminuem a
necessidade de concentração dos recursos humanos e naturais.

21
História Contemporânea II

Pela especificidade e importância destes temas, eles serão


objeto de uma mais ampla reconstrução e análise em etapas
posteriores deste curso.

No entanto, as grandes transformações proporcionadas pelo


conúbio entre as novas invenções tecnológicas (Terceira Revolução
Industrial) e a situação geopolítica mundial brotada do pós-89 (fim
da “Guerra Fria”) não se limitam a estes dois aspectos.

No tocante ao primeiro fator de grande transformação, o setor


ligado à revolução dos transportes ocupa um lugar de primeiro plano.

O transporte marítimo para a mercadoria e o avião para


as pessoas estreitaram – respectivamente – as relações comerciais
mundiais e o encontro entre culturas diferentes, embora – é bom
lembrá-lo – nem sempre com resultados bem-sucedidos.

Relativamente ao comércio da mercadoria, os contêineres


possibilitaram o transporte marítimo intermundial, baseado na
integração entre vários vetores, permitindo a considerável redução
dos custos e dos tempos. Uma estratégia por sua vez combinada com
a prática dos landbridges, percursos rodoviários que atravessam os
continentes, para transferir os contêineres de um porto para outro.

Com relação ao setor da aviação civil, um dado estatístico


destaca mais de mil palavras sobre a centralidade do avião como
meio de transporte por excelência do mundo globalizado: em 2009,
2,4 bilhões de pessoas viajaram neste meio de transporte, símbolo
de um mundo em movimento constante.

“Aerotropolis” é o título de uma pesquisa levantada por dois


pesquisadores norte-americanos, Greg Lindsay e John Kasarda,
sobre as novas metrópoles que estão nascendo, tendo como cerne
os aeroportos, assim como as cidades mais antigas nasciam perto
dos rios ou das baías.

22
Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

O aeroporto, na época global, torna-se assim o “coração


pulsante” da modernidade, o templo do aprimoramento tecnológico de
cada nação em volta e dentro do qual surgem habitações, comércio,
diversão, negócios. Sobretudo, representa a grande artéria dentro da
qual conflui, cruza-se e mistura-se a humanidade planetária.

Como assinalamos antes, igualmente revolucionárias foram as


invenções do computador e da rede internet. Isto, porém, não apenas
na esfera econômica, mas também no âmbito cultural, contribuindo
para modificar as maneiras de se expressar e os horizontes culturais
de milhões de pessoas, graças à possibilidade de acesso a fontes de
informações contendo orientações das mais variadas proveniências,
não apenas no tocante ao aspecto geográfico, mas também político e
cultural, o que ocasionou um processo de “mundialização” da cultura
de massa, interpretado por alguns como uma ótima oportunidade
de diálogo e enriquecimento recíproco entre as diversas civilizações
do planeta e por outros como um processo de homologação e
aniquilamento das culturas locais e do homem, enquanto tal.

Figura 7.4: A mundialização via computador.


Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Globalizaci%C3%B3n

23
História Contemporânea II

Entre os entusiastas, autores como Bill Gates (A estrada do


futuro) e Nicholas Negroponte (A vida digital) enfatizaram as novas
capacidades da globalização de conseguir uma socialização e um
compartilhamento das emoções que prescindem da necessidade
da vizinhança física e rompem com as velhas fronteiras nacionais.

Com um olhar mais crítico, estudiosos, como o sociólogo


Zygmunt Bauman, enfatizaram a crise identitária e a incerteza
nas relações sociais dos tempos da globalização, identificando na
liquidez o caráter peculiar da sociedade atual, pelo fato de ela conter
as principais particularidades dos fluidos, isto é, a inconstância e
a mobilidade. Uma sociedade na qual, portanto, tudo é frenético,
volátil, onde as relações humanas não são mais tangíveis e a vida
em conjunto (familiar, de casais, de grupos de amigos, de afinidades
políticas etc.) perde consistência e estabilidade.

Para o economista norte-americano Jeremy Rifkin (A era do


acesso), a globalização e a revolução do computador provocaram
o surgimento de uma nova fase do capitalismo, caracterizada pela
transição de conceitos como posse e propriedade para outros
focados no acesso just-in-time a bens e serviços, que proporcionam
também uma nova divisão social: entre os que gozam do acesso e
os que são interditados à fruição de suas vantagens.

Ao ver dele, nesta visão do “acesso como modo de vida”


– típica de uma economia centrada nos serviços –, o objetivo das
empresas se tornaria não mais a venda de um produto por vez ao
máximo de clientes possível, mas sim o estabelecimento de um laço
de longo prazo com o cliente, substituindo a lógica comprador-
vendedor, o nexo fornecedor-cliente, o que engendraria, por um
lado, a tendência das empresas para um controle rígido dos gostos
e das atitudes dos consumidores e, por outro lado, a formação de
uma sociedade cada vez mais “virtual”, incapaz de comunicar
emoções e de provar empatia para com os outros seres humanos.

24
Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

A nova meta do marketing na sociedade globalizada,


portanto, seria a de conseguir vender experiências, relações,
cultura, entretenimento, numa época na qual experimentar é mais
importante do que possuir, a população gastando tanto no acesso
de experiências culturais quanto na aquisição de bens materiais.

Apesar de o processo ligado à Terceira Revolução Tecnológica


(por ter na imaterialidade seu traço consubstancial) sempre ter
se revelado refratário às limitações geográficas e políticas, não
há dúvida de que uma grande ajuda à sua propagação veio do
desabamento das barreiras geopolíticas, consequente ao fim da
divisão bipolar do mundo.

Com efeito, após a derrocada do socialismo, o bloco das


democracias capitalistas, liderado pelos EUA, que saía vencedor
do conflito extenuante entre modelos alternativos de sociedade,
tornava-se livre para expandir para o mundo inteiro seu modelo de
desenvolvimento.

Autores como o cientista político norte-americano Francis


Fukuyama (num livro que ficou famoso pelo seu título e pelas suas
teses atrevidas: O fim da História), haviam enxergado neste trend
o fato de a História ter chegado à sua parada final, com o triunfo
das democracias liberais, cujo modelo tinha sido capaz de realizar
o sonho kantiano de “paz perpétua”.

Como é evidente no momento atual, caracterizado pela


emergência de novos atores globais e pela persistência de guerras
e de instabilidade internacional, a interpretação do novo século por
parte de Fukuyama não passou de uma provocação.

Entretanto, também a nova situação geopolítica favoreceu


sem dúvida a instauração e a afirmação da “globalização”, palavra
multifacetada difícil de englobar numa definição heurística, cujo
denominador comum pode ser encontrado no que o economista
britânico Frances Cairncross chama de “morte das distâncias”, ou
seja, a interligação mundial (econômica, política e cultural) sem
vínculos espaciais.

25
História Contemporânea II

Em definitivo, a partir da revolução da rede de telecomunicação


(telefonia fixa e móvel, internet, televisão, aparelho de fax, redes
sociais) e do abatimento dos muros ideológicos, tornou-se possível a
visão de mundo como “aldeia global”, preconizada pelo psicólogo
canadense Marshall McLuhan.

Termos como: “interconexões”, “redes”, “circuitos”, “fluxos”


entraram no vocabulário do novo milênio, assinalando a onipresença
congênita da “pós-modernidade”, pautada na criação do que o
escritor francês Jean Chesneaux define como sistemas “fora do
chão”, que tornam as singulares posições no espaço concreto de
importância meramente secundária.

Mais do que ao “fim da História”, em substância, estaria se


assistindo ao que o pesquisador Richard O’Brien chama de “fim da
geografia”, com os controles nacionais e os espaços de soberania
que se reduzem à medida que os processos de globalização do
capital aceleram.

Na verdade, o conceito de “pós-modernidade” engloba teorias


que, longe de se limitarem a conjeturar a crise do Estado-nação,
põem em xeque a própria sobrevivência da ideia de modernidade,
apontando para uma alteração radical da condição antropológica
e cultural do gênero humano.

Com efeito, já a partir do fim da década de 1960, uma


vertente de intelectuais, oriundos dos mais variados âmbitos do saber
(Filosofia, Literatura, Geografia, Arquitetura, Arte etc.), vislumbrou
no processo iniciado na última parte do século XX um divisor de
águas na idade contemporânea.

Ao ver do crítico literário Frederic Jameson e do geógrafo David


Harvey, seria – a pós-modernidade – um produto típico do terceiro
estágio do capitalismo, nascido das cinzas do sistema de Bretton
Woods e pautado na “acumulação flexível” e numa lógica cultural
que interpenetra as diferentes culturas buscando uma uniformização
nas diferenças (como, por exemplo, ocorre com a world music).

26
Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Devido às dimensões planetárias da economia e dos mercados


financeiros, à ingerência dos meios de comunicação na nossa vida,
ao fluxo ininterrupto de informações telemáticas, à coexistência
de dinâmicas opostas no seio da sociedade que determinam
ambiguidades e descontinuidades, o pensamento – conforme o
filósofo italiano Gianni Vattimo – tornar-se-ia, portanto, “fraco”
porque sem mais aquelas certezas e aqueles valores absolutos típicos
do Iluminismo. De tal forma, como sobressai o norte-americano
Charles Jencks, ortodoxia alguma pode ser seguida sem gerar
embaraço e ironia. Em lugar dela, estariam, ao contrário, confusão
e ansiedade, vistas como traços peculiares desta nova época,
caracterizada pela escolha incessante.

No dizer do filósofo alemão Jürgen Habermas, a pós-


modernidade revelaria, assim, o ressurgir de tendências políticas e
culturais neoconservadoras, determinadas a combater o universalismo
dos ideais iluministas pautados – conforme outro filósofo, o francês
Jean-François Lyotard – na ideia da emancipação da exploração
dos indivíduos, na fé no progresso como melhoramento durável das
condições de vida e na convicção da dialética como elemento de
legitimação do saber.

É evidente que afirmações tão audaciosas (o definitivo ocaso


de uma entidade ainda enormemente presente em nossas vidas,
como o Estado nacional, com sua ação de forjamento da identidade
político-cultural dos povos, para não falar do fim da modernidade
em seu conjunto) devem ser recebidas com extrema cautela.

É, todavia, difícil desmentir o fato de o gênero humano estar


passando – na época da globalização e da New Economy – por
uma guinada histórica que, se é duvidoso considerar como uma
superação da modernidade, por outro lado, evidencia a tendência
de o tempo a dominar cada vez mais o “espaço”, a unidade de
medida da vida tornando-se o segundo e não mais o loci (o lugar).

27
História Contemporânea II

Atende ao Objetivo 3

3. Identifique as diferentes visões sobre o debate em torno do surgimento do fenômeno da


globalização.

Resposta Comentada
O termo globalização adquiriu significados vários (de cunho econômico, social, cultural etc.) que,
todavia, podem encontrar um elemento comum na sempre crescente interdependência mundial.
As práticas de mundialização das atividades humanas remontam a um passado remoto, que,
para alguns historiadores, como o francês Braudel, começa já no século XVI, e que, para outros,
impõe-se de forma mais evidente com o alastramento do projeto hegemônico ocidental para
a Ásia e a África, na fase imperialista do século XIX. Embora chegando de longe, o processo
de globalização vivenciado pelo nosso planeta nos últimos trinta anos apresenta um nível de
capilaridade, abrangência, velocidade e interligação entre países, povos e continentes que o
tornam um fenômeno sem dúvida peculiar da era em que vivemos. O computador, a rede de
internet, os navios e o avião estão na base deste processo que, além de decretar uma redução

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

da centralidade dos Estados-nação e do trabalho de fábrica, está proporcionando também uma


revolução no tocante aos aspectos sociais e culturais, favorecendo a formação de uma cultura
global de massa e, para alguns, até o fim da modernidade.

CONCLUSÃO

No momento, a análise objetiva de um período tão


contemporâneo torna-se algo difícil para quem, como assevera Eric
Hobsbawm, deveria abordar os acontecimentos históricos com um
“olhar a voo de pássaro”.

Portanto, nunca como neste caso se torna oportuno terminar


este capítulo com uma “conclusão em aberto”. Qual? Que nos últimos
trinta anos a humanidade conheceu a aceleração paulatina dos
processos sociais, caracterizada por um turbilhão de acontecimentos
que para alguns estudiosos representam a continuação de dinâmicas
começadas na época moderna, com a expansão pelo mundo afora
do projeto hegemônico europeu, enquanto que, para outros, traz
elementos de novidades tão marcantes a determinar o começo de
uma suposta idade pós-moderna.

A criação de um único mercado mundial, o estreitamento das


distâncias geográficas, o surto dos fluxos migratórios, o advento
da comunicação mundial e, por reflexo, a criação de uma cultura
global de massa são apenas alguns entre os traços distintivos da
época em que vivemos.

Numa sociedade com um nível de frenesi, mobilidade,


interdependência e consumismo jamais conhecidos antes, as
dinâmicas da globalização acabaram engendrando um debate
acirrado entre seus simpatizantes, que enxergam neste fenômeno
oportunidades únicas para o ser humano, e seus críticos, pelos quais

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História Contemporânea II

o mundo/“aldeia global”, além de ter ampliado as desigualdades


sociais, está esterilizando a alma humana, encurtando as distâncias
geográficas, mas também ampliando as distâncias afetivas.

Atividade Final

Atende aos Objetivos 1, 2 e 3

“New Economy”, “globalização”, “sociedade líquida”, “era do acesso”: descreva os


elementos distintivos de cada uma destas expressões.

Resposta Comentada
A expressão “New Economy” refere-se à nova economia, brotada da crise que afetou o
capitalismo ocidental na metade dos anos de 1970, que havia seu cerne na centralidade
dos processos produtivos, ligados ao setor dos serviços, na desmaterialização da economia
e na deslocalização para os países periféricos da atividade atrelada à indústria. Já o termo
“globalização” articula uma miríade de significados, cujo denominador comum, entretanto, pode
ser individualizado numa maior interdependência entre as dinâmicas mundiais. “Sociedade
líquida” é a fórmula utilizada pelo sociólogo Zygmunt Bauman para descrever a sociedade
pós-moderna, pautada na inconstância e na mobilidade, no frenesi e na intangibilidade das
relações humanas. A “era do acesso”, finalmente, seria – para o pesquisador norte-americano

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Aula 7 – A aldeia global: revolução tecnológica e impactos culturais

Jeremy Rifkin – a época atual, na qual o triunfo da informática está determinando a centralidade
do acesso às informações e ao consumo, ao fornecimento de serviços e das experiências como
novo padrão de relação (e de diferenciação) entre os seres, a cada vez menos “humanos” e
mais “virtuais”.

RESUMO

Nesta aula, abordamos o tema da formação do mundo como


“aldeia global”, um fenômeno possibilitado pela Terceira Revolução
Tecnológica, simbolizada pelo computador e pela suas multíplices
utilizações.

Apontamos para o percurso histórico que levou o mundo a


passar da era industrial para o período atual, em que a centralidade
da economia é confiada ao setor dos serviços.

Relatamos, finalmente, o debate científico sobre os impactos


culturais, derivados deste novo mundo globalizado.

Informação sobre a próxima aula

Na próxima aula, indagaremos sobre dois temas específicos


e centrais, promovidos pelo processo de reconversão da economia
capitalista no final do século XX, estreitamente ligados entre si: o
mundo do trabalho e a crise do Estado do “bem-estar social”.

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