Os Apotegmas Dos Padres Do Deserto
Os Apotegmas Dos Padres Do Deserto
Os Apotegmas Dos Padres Do Deserto
8. Disse o abade Joo o Nanico: - No meu parecer o homem deve ter algo
de todas as virtudes. Assim ao te levantares a cada manh, recomea a
perseguir as virtudes e os mandamentos de Deus com grande perseverana,
com temor e pacincia, no amor de Deus, com transporte de corpo e alma e
muita humildade; s constante na aflio do corao e guarda-a para ti
mesmo com numerosas oraes, invocaes e gemidos, sempre
conservando a pureza e o bom siso das palavras, bem como a modstia do
olhar. Suporta a injria sem te pores em clera, s pacfico e no pagues o
mal com o mal, no atentes aos defeitos alheios. No te meas a ti mas
humildemente te submete a toda criatura. Renuncia a tudo quanto
material e conforme a carne pelo sofrimento, pela luta, pela pobreza de
esprito, por uma vontade determinada e pela mortificao espiritual. Pelo
jejum conquista a pacincia e as lgrimas; pela aspereza do combate o
discernimento, a pureza dalma. Recolhe o bem, trabalha com tuas mos
guardando a hesequia (2 Th., 3, 12) . Vela, jejua, suporta a fome e a sede, o
frio e a nudez e os trabalhos. Encerra-te no sepulcro como se j fosses
morto, de modo que penses a cada instante que prxima tua morte.
[hesequia, tranqilidade dalma, quietao, seja a do cenobita ou a do
anacoreta] (Joo o Nanico, 34).
9. Disse o abade Jos de Tebas: - Aos olhos de Deus, trs castas de gentes
so honradas: em primeiro os doentes que padecem as tentaes e aceitam
os males rendendo aes de graas; em segundo os de ao pura diante de
Deus, sem que haja mescla do humano; enfim os que permanecem na
submisso (hiptage) do pai espiritual e renunciam a todas as vontades
prprias (Jos de Tebas).
10. O abade Cassiano conta este passo do abade Joo, outrora higmeno
do Grande Monastrio: estava ele s portas da morte e ia-se alegremente e
de bom corao para o Senhor; os irmos o cercavam e lhe imploravam
para lhes deixar por herana uma palavra curta e til que lhes permitisse
elevarem-se at perfeio em Cristo. Ele gemeu e disse: - Jamais fiz
minha prpria vontade e nada ensinei que antes no houvesse eu mesmo
praticado. (Cassiano, 5).
15. Disse o abade Pastor: Se o monge odeia duas coisas, liberta-se deste
mundo. - Quais so? - O bem-estar e a v glria. (Pormo, 66).
16. Conta-se que o abade Pambo, no instante que abandonava esta vida,
disse aos irmos que o assistiam: - Desde que estou neste deserto e me
erigi uma cela e nela habitei, no me lembra ter comido po sem hav-lo
ganho com minhas mos nem at agora ter lamentado uma palavra dita. E
eis contudo que me vou ao Senhor como se no houvera comeado a servir
a Deus. (Pambo, 8).
17. Disse o abade Sises: - Reputa-te por nada, lana tua vontade atrs de
ti, permanece sem preocupaes e repousars. (Sises, 43).
23. Disse um ancio: - Ora a Deus para que te meta no corao o pentos e
a humildade. Observa incessantemente teus pecados. No julgues a
outrem, mas a todos te submete. No tenhas familiaridade com mulheres,
nem com crianas, nem com herticos. Arreda de ti toda parrsia. Detm a
lngua e o apetite; priva-te do vinho. Se te falam dum trato qualquer, no
discutas. Se for bom, diz: - Bom. Se for mal, diz: - Isto l contigo!
Mas no discutas sobre o que te falam. Assim tua alma ser em paz.
[parrsia, pode ter sentido bom ou mau; em sentido bom o esprito de
quem fala a palavra de verdade; no sentido mau - que o caso presente -,
vaniloquacidade] (N.330).
3. Quando ainda era ulico, o abade Arsnio orou ao Senhor nestes termos:
- Senhor, conduzi-me salvao. Sobreveio-lhe uma voz, que disse: -
Arsnio, foge dos homens e sers salvo. J dentro da vida monstica,
orou novamente nos mesmos termos, e escutou a voz a lhe dizer: -
Arsnio, foge, cala-te e pratica a hesequia! Eis as razes da
impecabilidade. (Arsnio, 1-2).
6. Conta-se do abade Arsnio que sua cela distava trinta e duas milhas e
dela quase no saa; outros lhe representavam nas comisses (diakonema).
Porm, quando devastaram a Ctia, ele foi embora chorando e disse: - O
mundo perdeu Roma, e os monges a Ctia. (Arsnio, 21).
9. Na Ctia um irmo foi ao encontro do abade Moiss para lhe pedir uma
palavra. - Fica sentado na tua cela, lhe respondeu ele, ela te ensinar
tudo. (Moiss, 6).
14. Disse uma monja: - Muitos dos que estavam sobre a montanha
pereceram, pois agiam como mundanos. Mais vale viver com muito e em
esprito levar vida solitria que estar s e viver com o corao junto
turba. (Sincltica S., Guy p. 34).
6. Os irmos diziam que certo dia, durante uma gape, um irmo desatou a
rir mesa. vista disso o abade Joo se ps a chorar e disse: - Que h no
corao desse irmo que desata a rir? Antes devia chorar, porque come a
gape! (Kolobos, 9).
10. Certo dia, de viagem no Egito, o abade Pastor viu sentada sobre um
sepulcro uma mulher, que chorava amargamente: - Nem todos os prazeres
do mundo que se lhe oferecessem, disse ele, tirariam sua alma do pentos.
Assim deve o monge sempre conservar o pentos. (Poemo, 26).
11. Outra vez caminhava o abade Pastor com o abade Anub pela regio de
Diolcos. Aproximando-se dum tmulo, viram uma mulher que com crueza
se batia e amargamente chorava. Eles pararam para observ-la; aps
retomar o caminho um tanto, encontraram-se com outrem. Interrogou-o o
abade Pastor: - Que se d nessa mulher para chorar assim?. -Ela perdeu
o marido, o filho e o irmo, respondeu ele. O abade Pastor disse ao abade
Anub: - Afirmo-te que quem no mortifica todos os desejos da carne e
no possui pentos semelho, no pode ser monge. Naquela mulher, a alma e
a vida inteira esto no pentos. (Poemo, 72).
12. Disse ainda o abade Pastor: - O pentos tem dupla funo: cultivar e
guarnecer (Gn. 2, 15). (Poemo, 39).
15. Certo dia estava o abade Silvano sentado com os irmos, quando
entrou em xtase e caiu de cara na terra. Muito tempo depois, levantou-se
banhado de lgrimas. Perguntaram-lhe os irmos: - Que tens, Pai?. Mas
ele chorava em silncio. Como insistissem, lhes disse: - Conduziram-me
ao lugar do julgamento; vi muitos dos que usam nosso hbito ir ao
suplcio, e muitas gentes do mundo entrar no reino. Deste ento o ancio
entregou-se ao pentos e no queria mais sair da cela. Se o foravam, cobria
o rosto com o capucho e dizia: - Que necessidade h de ver esta luz
efmera que nos no serve de nada. (Silvano, 2).
18. Alguns irmos foram onde o abade Felix na companhia de segrais e lhe
pediram para dizer uma palavra. O ancio se calou. Solicitado com
insistncia, disse-lhes enfim: - Quereis escutar uma palavra? - Sim,
Pai, responderam eles. Disse-lhes pois o ancio: - Agora, no h mais
palavras. Quando os irmos interrogavam os Ancios e cumpriam o dito,
Deus inspirava nos Ancios a maneira de falar. Atualmente, como
interrogam e no pem em prtica o que escutam, Deus retirou dos ancios
a graa da palavra, que no sabem mais dizer, pois no h quem as
execute. Escutando essas palavras, os irmos gemeram e disseram: - Pai,
ora por ns. (Felix, 1).
19. Certo dia o abade Teodoro e o abade Ouro embarravam o teto da cela.
- Que faramos, se perguntavam eles entre si, se Deus nos viesse visitar
agora?. Ento se puseram a chorar e, abandonando o trabalho, retirou-se
cada um na sua cela. (Ouro, 1).
22. Um irmo perguntou a um ancio: - Pai, donde vem que meu corao
duro e no temo o Senhor? No meu parecer, respondeu ele, quem se
acusa do fundo do corao obter o temor de Deus. Que acusaes?.
Respondeu-lhe o ancio: - Em toda circunstncia, deve-se acusar-se
dizendo: - Lembra-te que deves comparecer ante Deus, ou bem, - Que
tenho eu de comrcio com homens? . Acredito que o temor de Deus vir
se uma pessoa permanece nessas disposies. (N. 138).
23. Um ancio viu algum a rir e lhe disse: - Devemos dar conta de toda
nossa vida ante o Senhor do cu e da terra, e tu ris!. (N. 139).
5. Dizia ainda o abade Daniel que o abade Arsnio s trocava uma vez por
ano a gua com que limpava as palmas [com que tranava]; o mais do
tempo contentava-se de complet-la. Com as palmas fazia esteiras que
cosia at a hora sexta. Os ancios lhe perguntaram porque no trocava a
gua das palmas, que cheirava mal. Eu preciso, respondeu ele, usar agora
desse fedor em troca dos perfumes e leos cheirosos de que me servia no
mundo. (Arsnio, 18)
6. Conta ele ainda: Quando o abade Arsnio percebia que os frutos de
cada espcie estavam maduros, mandava traz-los e provava uma s vez
um pouco de cada um, dando graas a Deus. (Arsnio, 19)
7. Conta-se que o abade Agato ficou com um calhau na boca durante trs
anos, at que conseguisse guardar silncio. (Agato, 15)
9. Certo dia um ancio que fora morada do abade Aquilies percebeu que
este cuspia sangue: Que isto, Pai?, lhe perguntou ele. Isto a,
respondeu, a palavra dum irmo, a qual me contristou e que me vi
forado a guardar em mim sem retruc-lo. Rezei a Deus para tirar de mim
essa palavra, que se tornou em sangue em minha boca. E eis que a cuspi:
reencontrei a paz e esqueci a tristeza. (Aquiles, 4)
10. Certo dia na Ctia o abade Aquiles adentrou na cela do abade Isaas e o
encontrou a comer. Ele pusera sal e gua num prato. Mas vendo que ele a
cuspia atrs dumas cordas de palma, perguntou-lhe o abade Aquiles:
Dize-me o que comias? Perdoa-me, Pai, respondeu o outro, eu cortei
umas palmas e voltei na calma da tarde. Ento temperei com sal somente
um pequeno bocado e o pus na boca. Mas a garganta me estava to
ressequida que ele no descia. Fui logo forado a emborcar uma pouca
dgua sobre o sal para engoli-lo. Perdoa-me! Hei!, replicou o abade
Aquiles, vinde ver Isaias, o comedor de sopa da Ctia! Se queres sopa,
retorna ao Egito!. (Aquiles, 3)
11. O abade Amos era doente e tivera de ficar deitado durante anos. Mas
jamais permitira que bisbilhotassem o interior de sua cela e examinassem o
que tinha sua disposio, pois lhe traziam muitas coisas como si a um
doente. Quando seu discpulo Joo entrava ou saia, ele fechava os olhos
para no ver o que aquele fazia. Ademais sabia que Joo era monge
confivel. (Amos, 3)
12. O abade Benjamim, padre das Celas, fora at onde um ancio da Ctia
e quisera lhe dar um tanto de azeite. Este lhe disse: V onde est a
quartinha que me trouxeste h trs anos ela est tal como ma trouxeste.
Ao escutar isso, ficamos admirados da prtica desse velho. (Benjamim, 2)
16. Dizia-se que o abade Eldio morou vinte anos nas Celas sem nunca
alevantar os olhos para olhar o domo da igreja. (Eldio, 1)
17. Certo dia a abade Zeno viajava pela Palestina, quando fatigado se
sentou para comer perto dum cultivo de pepinos. Soprava-lhe o
pensamento: Pega um pepino para ti e come-o. Que um mero pepino?
Mas ao pensamento respondeu ele: Os ladres so postos a tormento:
experimenta-o para ver se podes suport-lo. Ele se levantou e durante
cinco dias exps-se ao sol a pino e, enquanto grelhava, dizia-se a si: No,
no posso suportar as torturas! Pois bem, continuava ele, se no as
pode suportar, no roubes para comer. (Zeno, 6)
18. Disse o abade Teodoro que a privao extenua o corpo do monge. Mas
conforme outro ancio as viglias extenuam-no mais (Teodoro, 2).
19. Disse o abade Joo o Nanico: Quando um rei quer conquistar uma
cidade dos inimigos, primeiro corta a gua e os vveres; ento, esgotados
pela fome, capitulam. Assim com as paixes da carne. Quem vive no
jejum e na fome h de ver os inimigos que lhe despedaam a alma
derrocarem. (Joo Kolobos, 3)
20. Disse ainda o abade Joo o Nanico: Certo dia eu percorria o caminho
da Ctia levando cordas de palmas. Vi um caravaneiro cujas intenes me
encolerizaram. Ento, abandonei meu fardo e fugi. (Joo Kolobos, 5)
21. O abade Isaque, o padre das Celas, disse: Conheo um irmo que, ao
fazer a colheita dum campo, quis comer uma espiga de trigo. Ele pediu ao
proprietrio do campo: Permite-me comer uma espiga somente.
Respondeu-lhe o homem, cheio de admirao: Pai, este campo est a tua
disposio e tu me perguntas isso?A fineza desse irmo chegava a tal
ponto. (Isaque, 4)
27. Na Ctia o abade Macrio o Ancio dizia aos irmos aps reuni-los em
assemblia: Fugi, irmos!. Um deles lhe perguntou: Pai, para onde fugir
mais seno neste deserto? O abade ps o dedo sobre a boca dizendo: Eis
donde eu digo para fugir. E ele mesmo entrou na cela, fechou a porta e
ficou s. (Macrio, 16)
31. Citaram ao abade Pastor o caso dum monge que no bebia vinho.
Respondeu o abade Pastor: O vinho no convm a todos os monges.
(Poemo, 19)
32. Disse o abade Pastor: O fumo espanta as abelhas e permite tirar o seu
produto saboroso; assim o bem-estar corporal espanta da alma o temor do
Senhor e lhe retira toda boa obra. (Poemo, 57)
33. Eis o que contou um ancio sobre o abade Pastor e seus irmos: Eles
moravam no Egito. Sua me desejava v-los, mas no o lograva. Certo dia
ela ficou de atalaia e se lhes apareceu quando iam igreja. A sua vista eles
retornaram para a cela e lhe fecharam a porta na cara. Ento de p ante a
porta, ela se ps a gritar e a chorar amargamente. O abade Anub, que a
tudo escutava, foi at onde o abade Pastor e lhe disse: Que poderamos
fazer por essa pobre mulher que chora porta? O abade Pastor se dirigiu
at porta e, de dentro, escutou os gemidos realmente dignos de pena. Ele
lhe disse: Por que choras assim, boa mulher? Mas ela ao escutar a voz
redobrou os gritos e gemidos. Quero-vos ver, meus filhos, disse ela. Que
h de acontecer se vos vejo? No sou vossa me? No vos aleitei, e no
so meus cabelos agora todos brancos? Com que emoo no escutei a tua
voz! Disse-lhe Pastor: Preferes nos ver a ns c embaixo ou no outro
mundo? Se no vos vejo c embaixo, ver-vos-ei l no alto, meus
filhos?, replicou ela. Se tens coragem para nos no ver c embaixo,
ver-nos-s l no alto. Da se foi a mulher, alegre a dizer: Se estou certa
de vos ver l no alto, j no vos posso ver c embaixo. (Poemo, 76)
34. O abade Pior comia andando. Algum lhe pediu a razo disso. Ele
respondeu que no comia como quem faz uma obra (ergn), mas como
quem faz algo de acessrio (parergn). A outro que lhe viera com a mesma
questo respondeu: Para a alma no sentir deleite corporal enquanto
como. (Pior, 2)
35. O abade Pedro Pionita, que habitava nas Celas, no bebia vinho.
Quando ficou de idade, os irmos instavam-no a beber um pouco. Como
ele no aceitasse, misturaram-no com gua e assim lhe ofereceram. Disse-
lhes ele: Acrediteis em mim, meus filhos, considero isso um luxo. E
condenava-se a si por causa dessa gua tinta de vinho. (Pedro Pionita, 1)
37. Um irmo interrogou o abade Sisis: Que devo fazer? Quando vou
igreja, mido os irmos me detm amicalmente para a refeio mui
perigoso, respondeu o ancio. Seu discpulo Abrao ento disse: Se o
irmo vai igreja o sbado e o domingo, muito beber trs copos?
No seria muito se Sat no existisse. (Sisis, 2).
39. Certo dia o abade Sisis dizia com parresia: Crede-me: h trinta anos
que j no rezo a Deus por meus pecados, mas Lhe digo em orao:
Senhor Jesus Cristo, guardai-me de minha lngua!. Mas at agora eu caio
por causa dela e cometo o pecado! (Sisis, 5)
43. Ela disse ainda: No te deixes seduzir pelos prazeres que os ricos
buscam neste mundo, como se esses gozos tivessem alguma utilidade. Por
isso essas gentes tm em considerao, por conta do prazer, a arte
culinria. Mas tu consideres mais delicioso que suas refeies o jejum e o
alimento abrutalhado. No te satisfaas nem de po e no desejes vinho.
(Sincltica, 4)
45. Disse o abade Hiperquios: O leo terrvel para os onagros (cf. Sl.
13, 23); assim o monge experimentado para os pensamentos
concupiscentes. (Hiperquios, Exhort. ad monachos, 66).
46. Ele disse ainda: O jejum o freio do monge. Quem o abandone vem a
ser como um cavalo abrasado. (Hiperquios, 2; Exhort. ad monachos, 80).
48. Ele disse ainda: O monge casto ser honrado na terra e coroado no
cu pelo Altssimo.
49. Ele mesmo disse: O monge que no retm a lngua na hora da clera
no reter as paixes da carne no momento azado. (Hiperquios, 3;
Exhort. ad monachos, 97)
50. Ele disse ainda: Mais vale comer carne e beber vinho que comer a
carne dos irmos, denegrindo-os. (Hiperquios, 4; Exhort. ad monachos,
144)
51. Ele disse ainda: O monge no dir palavras ms, pois a vinha no traz
espinhos. (Hiperquios, Exhort. ad monachos, 112)
53. Num certo dia de festa na Ctia levaram uma copa de vinho a um
ancio. Ele a recusou dizendo: Afasta de mim esse veneno! (literalmente:
essa morte). A vista disso os outros que comiam com ele no beberam
mais. (N. 144).
54. Outra vez na Ctia levaram uma bilha de vinho novo para dele
distribuir um copo para cada um. Um dos irmos chegara e, vendo que
aceitavam vinho, fugiu para sob a cpula dum cmodo; mas a cpula
desabou. Ao barulho os irmos acorreram e encontram o irmo estendido e
meio morto. Eles comearam a escarnec-lo: Bem feito para ti, diziam
eles, pois foste acometido de vanglria! Mas o abade o reconfortou
dizendo: Fica tranqilo, meu irmo, fizeste uma boa ao; e, pelo
Senhor!, enquanto eu viver essa cpula no ser reconstruda, para que o
mundo saiba que uma cpula desabou na Ctia por causa de uma copa de
vinho. (N. 148)
56. Certo dia um ancio foi at onde outro ancio que disse a seu
discpulo: Faz-nos um pouco de lentilhas, e ele lhes fez. Depois: Parte-
nos o po, e ele o partiu. Mas os ancios ficaram a conversar de coisas
espirituais at sexta hora do dia seguinte. Ento o ancio disse pela
segunda vez a seu discpulo: Filho, faz-nos um pouco de lentilhas.
Preparei-as ontem, respondeu ele; e puseram-se a comer. (N. 149)
57. Outro ancio visitou um dos Padres. Este mandou cozer um pouco de
lentilhas. Recitemos um pequeno Offcio, propusera ele, depois
comeremos. Um disse o psaltrio inteiro, e o outro recitou de cor e na
ordem as leituras dos grandes profetas. De manh, o visitante se foi: eles
haviam esquecido de comer. (N. 150)
58. Um irmo estava com fome desde a manh. Ele lutou contra a
sugesto, para s comer depois de teras; em teras, ele se fez violncia
para esperar sextas. Ele partiu o po e se sentou para comer, mas logo se
levantou dizendo: Resistirei bem at noas. Em noas rezou e viu a
tentao diablica sair de si como fumaa; e ele parou de ter fome. (N.
145)
59. Um ancio caiu doente e no pde tomar alimento durante dias. Seu
discpulo lhe pediu a permisso de lhe preparar algo para fortific-lo: ele
fez um piro de farinha. L havia um pote pendurado com um pouco de
mel e outro cheio do ftido azeite de linho que s servia para a lmpada.
O irmo se enganou e em lugar do mel ps o azeite de linho no piro. Ao
provar o ancio nada disse e comeu em silncio. O ancio se fez violncia
para comer outra colher. O irmo lhe deu uma terceira vez, mas o ancio
recusou: Pai, est bom, disse o irmo, vou comer contigo. Ao provar
compreendeu o que fazia e caiu de cara na terra. Infeliz de mim, Pai, eu te
assassinei e tu me deixaste em pecado ao no dizer nada! No te
amofines, meu filho, respondeu o ancio; se Deus quisesse que eu comesse
mel, tu irias cobrir o piro com mel. (N. 151)
60. Conta-se que certo dia um ancio desejou comer um pepino. Quando
ele conseguiu um, antes de tudo levantou seus olhos e, ainda que no
cedesse ao desejo, fez penitncia s por t-lo desejado demais. (N. 152)
61. Um monge foi visitar sua irm, que estava doente num monastrio.
Essa monja era bem observante: no consentia em ver homem nem queria
dar a seu irmo ocasio de se chegar em meio a mulheres por causa dela;
lhe disse ela: Afasta-te, meu irmo, e ora por mim; com a graa do Cristo,
ver-te-ei no reino dos cus. (N. 153)
64. Um irmo carregou para a cela pes frescos e invitou os ancios sua
mesa. Quando eles comeram cada um dois pezitos, pararam. O irmo, que
lhes conhecia a agra ascese, fez ume metania e lhes disse: Pelo amor do
Senhor, comei hoje conforme a vossa fome; cada um ento comeu dez
outros pes. V-se assim o quanto esses verdadeiros ascetas comiam
abaixo de suas necessidades. (N. 155) [metania: mudana de idia,
converso, penitncia; ato exterior que evidencia esses estados -
geralmente uma prostrao em terra].
65. Certo dia um ancio ficou to doente que suas entranhas expulsavam
cmaras de sangue. Um irmo tinha umas ameixas secas; fez um piro, p-
las dentro e o ofereceu ao ancio: Come, propos ele, talvez isto te faa
bem. O velho fitou-o longamente e disse: A bem dizer quisera que Deus
me deixasse mais trinta anos doente desta enfermidade! Mesmo
gravemente enfermo o ancio no aceitou tomar sequer um pirozito.
Ento o irmo pegou o que trouxera e retornou a sua cela. (N. 156)
66. Outro ancio morava no mais longe do deserto; um irmo foi at onde
ele e o encontrou doente. O irmo lhe lavou o rosto e preparou uma
refeio com o que levava. Ao v-lo prepar-la o velho disse: verdade,
irmo, esqueci que os homens encontram conforto no comer! O irmo lhe
ofereceu tambm um copo de vinho. Quando o ancio o viu, desatou a
chorar dizendo: Estava certo de no mais beber vinho at minha morte.
(N. 157)
68. Um irmo viajava com sua me, que era de muita idade. Eles chegaram
diante de um rio que a velha no podia baldear. O filho pegou o manto
dela, embrulhou as mos para no tocar o corpo da me e atravessou o rio
carregando-a. Disse ento sua me: Meu filho, por que embrulhaste as
mos? Porque o corpo duma mulher feito de fogo, respondeu
tocando-a, ele me atearia com a lembrana de outras mulheres. (N. 159)
70. Certo dia na Ctia os irmos foram convocados para limpar cordas (de
palmas). Um deles, doente por causa de austeridades muito extremas,
comeou a tossir e a escarrar sem querer sobre um irmo. Este ltimo se
obsedava no pensamento de lhe dizer: Pra, no escarra mais em mim!
Mas para se dominar, ele pegou o escarro, levou-o boca e o engoliu.
Disse ele ento a si mesmo: De duas uma: ou bem no digas a teu irmo o
que ir atrist-lo, ou bem come o que te desagrada. (N. 357)
9. Um irmo foi at a morada do abade Pastor e lhe disse: Pai, que fao?
Sofro tentaes de impureza; fui at a morada do abade Ibistio, e ele me
disse que no devia eu lhes permitir que se demorassem em mim. Disse
ento o abade Pastor: A vida do abade Ibistio se passa na companhia dos
anjos, no mais alto do cu; ele ignora que ns, tu e eu, somos atormentados
pela impureza. Se o monge permanece no deserto retendo a lngua e o
apetite, pode ficar tranqilo que no morrer. (Poemo, 62)
11. Acerca disso ainda se contava: Certo dia, esse demnio da impureza
atacava-a mais sanhudamente que nunca e lhe sugeriu o pensamento de
vaidades do mundo; mas ela, no menos sanhuda do temor de Deus e dos
propsitos de ascese, subiu no teto [da cela] para orar. O demnio impuro
visibilizou-se e lhe disse: Tu me venceste, Sara No, no te venci, lhe
respondeu ela, mas o Cristo meu Senhor. (Sara, 2)
12. A impureza atacou um irmo; a refrega era como um fogo que ardia no
peito dia e noite. Ele pelejava sem comprazer-se nem consentir com seu
pensamento. Muito tempo depois a tentao se afastou, pois no pudera
vencer sua perseverana. E logo uma luz penetrou no seu corao. (N.
163)
13. A impureza atacou outro irmo; durante a noite ele se levantou e foi at
a morada de um ancio, a quem revelou seus pensamentos. O ancio o
consolou; reconfortado, o irmo reentrou na cela. Mas ainda o tentava o
esprito de impureza, e a coisa se repetiu mais e mais vezes. O ancio no
o desencorajava, antes o esperanava com a utilidade da tentao e lhe
dizia: No cedas ao demnio; no te deixes levar mas, ao contrrio, a
cada ataque do demnio vem me encontrar, e o demnio abatido vai se
distanciar Nada repugna tanto ao esprito de impureza quanto a confisso
dos seus ataques; nada contudo lhe regozija mais que a escondedura dos
pensamentos. Em onze investidas o irmo fora abrir-se com o ancio e na
ltima vez lhe disse: Pai, s caridoso e dize-me uma palavra.
Respondeu-lhe ento o ancio: Cr em mim, meu filho, se Deus
permitisse que os pensamentos que assombram minhalma se pudessem
transmitir tua, no os suportarias e tombarias para o bem fundo. As
palavras do ancio, devido virtude de sua grande humildade, pacificaram
o aguilho da impureza no irmo. (N. 164)
20. A impureza combatia o discpulo dum grande ancio. O ancio que lhe
via em pena lhe disse: Se quiseres, vou orar ao Senhor para te tirar dessa
luta. Mas respondeu o outro: Pai, bem sei que estou penando, mas sinto
tambm o fruto que em mim nasce dessa pena. Antes pede a Deus de me
dar a fora para suportar. Disse-lhe ento o seu abade: Vejo agora, meu
filho, que fizeste grande progresso e me superaste. (N. 170)
21. Conta-se que um ancio foi de visita Ctia com seu filho, que ainda
era de peito como se criara no monastrio, ignorava o que fossem
mulheres. Quando veio a ser homem os demnios lhe figuraram imagens
de mulheres, mas como ele se espantasse, deu notcia a seu pai. Ora certo
dia foram ambos ao Egito; ao ver mulheres o moo disse a seu pai: Pai,
so eles que me vm visitar na Ctia durante a noite! Eles so monges
que vivem no mundo, meu filho, lhe respondeu ele; eles se vestem deste
modo, e os eremitas doutro. O ancio se admirou que os demnios lhe
tivessem mostrado na Ctia imagens de mulheres e logo retornaram
cela. (N. 171)
23. Certo dia um homem foi Ctia para se tornar monge. Consigo trazia o
filho, que acabara de se desaleitar. Quando este tornou-se um jovem
homem, os demnios comearam a atac-lo e a tent-lo. Disse ele ento a
seu pai: Vou retornar ao mundo, pois no consigo tolher as paixes do
corpo. O pai o encorajava, mas o filho tornou a dizer: No tenho mais
foras, Pai, deixa-me ir. Disse-lhe ento o pai: Meu filho, escuta-me
ainda mais uma vez: toma quarenta pes e folhas de palma para quarenta
dias de trabalho. Vai para os longes do deserto e fica l quarenta dias e
que seja feita a vontade de Deus!. O jovem obedeceu a seu pai: tomou
caminho e partiu para o deserto. Demorou-se por l e deu-se a extremos
tranando cordas de palmas secas e comendo po seco. Depois de passados
vinte dias na hesequia, ele viu se aproximar uma apario diablica: uma
espcie de etope se apresentou ante ele: ela era to nojosa e dum ordor to
nauseante que ele no podia suportar a fetidez, lanando-a para longe de si.
Disse-lhe ento ela: Sou aquela que parece suave ao corao humano;
mas por causa da obedincia e da ascese perseverante, Deus me no
permitiu seduzir-te, dando-te a conhecer minha corrupo. O monge foi-
se dali e, dando graas a Deus, retornou at a morada de seu pai: Pai, no
mais quero voltar ao mundo, pois vi a obra do demnio e lhe senti o odor.
O pai, que recebeu uma revelao sobre a matria, lhe disse: Se
permaneceras quarenta dias e observaras meu preceito, haverias de ter
visto bem melhor. (N. 173)
24. Um ancio habitava no grande deserto. Havia uma sua parenta que lhe
desejava ver aps muitos anos. Ela se informou do local onde ele morava e
se ps a caminho; ela topou com alguns cameleiros, a eles se juntou e
adentrou o deserto em sua companhia. Ora o diabo era quem a levava. Ao
chegar porta do ancio ela se apresentou: Sou eu, tua parenta, e passou
a morar com ele. Outro anacoreta, que vivia na parte inferior do deserto,
encheu dgua a sua bilha na hora da refeio. De chofre a bilha emborcou
e a gua se derramou. Ento, sob inspirao divina, ele disse para si: Irei
ao deserto dizer aos ancios o que essa gua me inspirou, e foi-se ele.
noite ele dormiu dentro dum templo pago que ficava no caminho. Durante
a madrugada escutou os demnios conversarem: Esta noite fizemos cair
na impureza um anacoreta. Ao ouvir tais palavras o irmo ficou pasmado.
Ao chegar morada do ancio, encontrou-o triste e lhe disse: Que devo
fazer, Pai? Eu enchi dgua minha bilha, mas ela emborcou no momento
da refeio. Respondeu-lhe o ancio: Tu vens me interrogar porque tua
bilha emborcou no momento da refeio, mas o que devo eu fazer, que
nesta noite ca na impureza. Eu o sabia, respondeu o outro. Tu?
Como se deu isso? Eu dormia num templo e escutei os demnios a
falar de ti. Arre! Vou retornar ao mundo. Mas suplicava-lhe o irmo:
No, Pai, fica aqui e despede esta mulher; ela veio aqui por culpa do
inimigo. O ancio o escutou e retomou coragem; redobrou a ascese e
derramava lgrimas at que retornou ao estado antigo. (N. 176)
27. Dois irmos foram cidade para vender o seu fabrico. Na cidade
ambos se separaram, e um deles caiu na impureza. Pouco mais tarde o
outro irmo retornou e lhe disse: Irmo, retornemos para a nossa cela.
No, no vou para l, respondeu o outro. Por qu, meu irmo?
Quando me deixaste, confessou ele, fui tentado e cai na impureza. Mas
seu irmo qui-lo convencer e comeou a lhe dizer: O mesmo aconteceu
comigo: depois que te deixei, cai eu tambm na impureza. Mas retornemos
ambos, faamos penitncia com todas as nossas foras, e Deus perdoar os
pecadores que somos. Quando retornaram s suas celas, contaram aos
ancios o que acontecera, e estes lhes prescrevam o modo por que deviam
se penitenciar. Todavia um deles no se penitenciava por si, mas pelo
irmo, e como se ele mesmo pecara. Mas Deus, vendo a disciplina a que se
submetia por amor, aps alguns dias revelou a um dos ancios que
perdoava o que cara na impureza devido grande caridade do que no
pecou. Eis o que se chama dar a vida pelo irmo. (N. 179)
28. Certo dia um irmo foi dizer a um ancio: Pai, meu irmo me deixou
para ir no sei onde e por isso sofro. Encorajou-o o ancio: Irmo,
suporta sem te irritares e Deus, que v a pacincia com que obras, o trar
para perto de ti. Bem sabes que a severidade e a dureza no mudam
facilmente a idia de uma pessoa. Tu o trars pela mansido. Nosso Senhor
atrai as almas pela persuaso. E ele contou a histria seguinte: Dois
irmos viviam na Tebaida, e um deles tentado pela impureza disse ao
outro: Vou retornar ao mundo. Chorando o outro lhe respondeu: Irmo,
no quero deixar-te partir e perder a virgindade e o fruto dos teus
trabalhos. Mas o primeiro no aceitava: No quero ficar aqui, vou-me
embora; das duas uma: ou tu vens comigo, e aps retornarei contigo, ou
deixa-me partir, e permanecerei no mundo. Nosso irmo se foi a contar
tudo a um grande ancio. Vai com ele, aconselhara este, e Deus por conta
da pena que sofres no o deixar sucumbir. Ambos os irmos retornaram
ao mundo e no momento em que chegaram cidade Deus, que via a pena
do que acompanhava o irmo por amor e necessidade, suprimiu do outro o
desejo mau. Irmo, disse o irmo tentado, retornemos ao deserto;
suponhamos que tenha eu pecado com mulher: de que me serviria? E eles
retornaram indenes s suas celas. (N. 180)
29. Tentado pelo demnio um irmo foi dizer a um ancio: Dois irmos
que andam juntos agiram mal. O ancio percebeu que ele estava infludo
pelo demnio e mandou-o buscar os dois irmos. Caindo a noite o ancio
estendeu uma esteira e aps lhes cobriu com um pano dizendo: Os filhos
de Deus tm alma magnnima e santa. Em seguida disse a seu discpulo:
Fecha aquel'outro irmo sozinho numa cela, pois ele tem o vcio de que
acusa os outros. (N. 181)
32. Um irmo interrogou um ancio: Pai, que devo eu fazer: penso todo o
tempo em impureza, no tenho repouso; minhalma est exaurida!
Respondeu-lhe o ancio: Quando os demnios metem pensamentos em
teu corao sem que percebas, no te ponhas a discutir interiormente. Com
efeito a funo dos demnios sugerir o mal; mas se bem que eles se no
privem de faz-lo, eles te no podem forar. Depende de ti aceitar ou no.
Mas que fazer, respondeu o irmo, j que sou fraco e a paixo me
domina? Presta ateno ao que te vou dizer, acrescentou o ancio.
Sabes o que fizeram os medianitas: ataviaram suas filhas com todos os
adereos, as puseram vista dos israelitas, mas no foraram a ningum a
pecar com elas. Na sua indignao os israelistas os ameaaram e
vingaram-se matando os autores dessa impureza (cf. Nb. 25). Devemos
fazer o mesmo contra a impureza: quando ela comea a te falar no fundo
do corao, no lhe respondas, mas te levanta, faz uma metania e ora
dizendo: Filho de Deus, tende piedade de mim! Disse-lhe ento o irmo:
Pai, eu medito, mas meu corao no se compunge, pois no compreendo
o sentido das palavras. Medita mesmo assim, respondeu o ancio;
escutei o abade Pastor e muitos outros Padres dizerem que o encantador de
serpentes no atina o significado das palavras que pronuncia, mas a
serpente que o escuta o compreende, se humilha e se submete. Pois bem,
faamos o mesmo! ainda que ignoremos o sentido das palavras que
pronunciamos, os demnios que as escutam se amedrontam e fogem. (N.
184)
34. Dois irmos a quem a impureza combatia tomaram mulheres para si;
mas depois se disseram entre si: Que ganharamos em abandonar a
condio dos anjos por este estado de corrupo ao qual se seguir o fogo
e as maldies? Retornemos ao deserto e faamos penitncia por o que
ousamos cometer. De volta ao deserto eles confessaram sua falta e
pediram aos ancios que lhes impusessem uma penitncia . Os ancios os
encerraram durante um ano inteiro e deram a cada um a mesma quantidade
de po e de gua. Ora, de compleio ambos eram iguais. Quando
cumpriu-se o tempo da penitncia saram: os ancios viram que um estava
exangue e triste, e o outro saudvel e contente, e disso se espantaram pois
os irmos receberam a mesma quantidade de alimento e bebida. Eles
interrogaram o que estava triste e abatido: Sobre que meditavas na tua
cela?, lhe disseram eles. Respondeu-lhes: Pensava no mal que fiz e na
punio que vou receber; o temor me colou a pele nos ossos. Interrogado
o outro por seu turno lhes respondeu: Dava graas a Deus de haver me
livrado das sujidades deste mundo e me reconduzido ao estado angelical;
ficava cheio de contentamento ao pensar continuamente em Deus. Os
ancios lhes disseram que suas penitncias tinham igual valor aos olhos de
Deus. (N. 186)
37. Um anacoreta vivia no Baixo-Egito. Ele era mui clebre, sendo o nico
de seu monastrio que vivera na solido; mas por instigao do diabo uma
mulher depravada, ao escutar falar dele, disse a algums moos: Que me
dareis vs para que faa cair vosso anacoreta?, e esses avanaram o
preo. Ela partiu noite e foi at a cela, fingindo estar apavorada. Bateu na
porta; o anacoreta saiu e ficou turbado ao v-la. Como chegaste at
aqui?, lhe disse ele. que eu me perdi, respondeu ela chorando.
Confrangido de piedade o monge f-la entrar na morada; ele reentrou na
cela e se trancou. Mas a desgraada comeou a gritar: Pai, as bestas
ferozes me vo devorar! Perturbou-se novamente o monge e disse, no
temor do julgamento de Deus: Donde me vem esta dureza [de corao]?
Ele abriu a porta e f-la entrar. O diabo comeou a lhe picar o corao com
frechas, e o monge compreendeu que as pontadas vinham do demnio. Os
caminhos do inimigo so trevas, se disse a si, mas o Filho de Deus luz.
Ergueu-se para acender a lamparina, mas a paixo o devorava. Ah!,
pensava ele, os que cometem tal vo a tormentos. Pois bem!, prova-te:
podes tu suportar o fogo eterno? Enfiou um dedo no fogo, que o queimou
e consumiu; contudo, ele nada sentiu, tamanha a violncia da flama dos
desejos maus. E assim fez at o amanhecer, queimando todos os dedos.
Quanto desgraada, sentiu ela tal medo ao assistir a cena que ficou
petrificada. No primeiro claro do dia os moos foram at a morada do
anacoreta e lhe disseram: Veio aqui uma mulher ontem noite? Sim,
respondeu ele, e foi ali que ela dormiu. Eles entraram e descobriram-na
morta. Pai!, gritaram eles, est morta! Ento ele retirou brucamente seu
manto e lhes mostrou as mos: Eis o que me fez esta filha do diabo:
perdeu todos os meus dedos. E contou-lhes o ocorrido e acrescentou:
Est escrito: no pagues o mal com o mal. Ele ps-se em orao e a
ressussitou. A mulher se converteu e doravante manteve boa conduta. (N.
189)
38. Tentado pela impureza um irmo fora at uma vila do Egito e viu a
filha dum sacerdote pago; tomou-se de paixo e disse a seu pai: D-me a
ela por mulher. Mas o outro respondeu: No ta posso dar antes de
interrogar meu deus. Ele se dirigiu ao demnio ao qual adorava e lhe
disse: Veio me ver um monge, pois deseja desposar minha filha. Devo d-
la a ele? Respondeu-lhe o demnio: Pede-lhe que renegue a seu Deus,
seu batismo e sua profisso monstica. O sacerdote voltou at ao monge:
Renega teu Deus, teu batismo e tua profisso monstica, e depois dar-te-
ei minha filha. O irmo aceitou e logo viu uma pomba sair de sua boca e
voar para o cu. O sacerdote mais uma vez consultou o demnio: Ele
prometeu fazer as trs coisas, lhe disse ele. Mas o outro respondeu: No
lhe deis tua filha em casamento, pois seu Deus no o abandonou e ainda o
ajuda. O sacerdote retornou e falou ao irmo: No te posso dar minha
filha, porque teu Deus no te abandonou e ainda te ajuda. Ao escutar isso,
o irmo se disse: Deus me demonstra tanta bondade enquanto eu,
miservel, o renego a Ele, a meu batismo e a minha profisso.
verdadeiramente bom o Deus que vem ao socorro do crpula que agora
sou. Por que eu o abandonaria?" De novo na sua razo ele recobrou a
calma e foi ao deserto at a morada dum grande ancio lhe contar o
acontecido. Disse-lhe o ancio: Fica comigo nesta gruta e jejua trs
semanas seguidas; vou orar a Deus por ti. O velho comeou a se
disciplinar em favor do irmo e suplicou a Deus dizendo: Senhor,
imploro-vos, dai-me esta alma e recebei sua penitncia. E Deus o ouviu.
Ao fim da primeira semana o ancio foi at onde o irmo e lhe perguntou
se vira alguma coisa: Sim, respondeu ele, vi a pomba acima da minha
cabea, no bem alto do cu Vigia-te bem, disse o ancio, e ora a Deus
com todas as foras. Aps a segunda semana retornou o ancio: Viste
algo? Vi a pomba se aproximar da minha cabea, disse o irmo. O
ancio lhe recomendou controlar os pensamentos e orar. Ao fim da terceira
semana reveio o velho mais uma vez: Nada viste de mais?, perguntou
ele. E o irmo respondeu: Vi vir a pomba, que pousou na minha cabea.
Estiquei o brao para agarr-la mas, alando vo, ela entrou na minha
boca. Ento o velho rendeu graas a Deus e disse ao irmo: Eia! Deus
aceitou tua penitncia. No futuro s mais atento e guarda-te a ti.
Respondeu-lhe o irmo: Doravante, fico contigo at a morte. (N. 190)
39. Um ancio de Tebas contou este passo: Eu era filho dum sacerdote
pago. Durante minha infncia eu ficava no tempo e amide via meu pai
entrar no santurio para oferecer sacrifcios ao dolo. Certa vez entrei
furto aps ele e vi sat na sua s rodeado por seu exrcito. Um dos seus
comandantes lhe veio adorar: Donde vens tu?, lhe disse sat, e aquele
demnio lhe respondeu: Estava num tal pas onde suscitei guerras e
grandes perturbaes, nas quais se derramou sangue. Eu vim para to
anunciar. Interrogou-o sat: Em quanto tempo tu o fizeste? Em trinta
dias. Sat ordenou que lhe vergastassem e disse: Tanto tempo para s
isso! Outro demnio lhe veio adorar: Donde vens tu?, lhe disse ele.
Estava sobre o mar; suscitei tempestades, engolfei navios e matei grosas
de homens. Eu vim para to anunciar Em quanto tempo tu o fizeste?,
perguntou sat. Em vinte dias. Sat ordenou que lhe vergastassem como
ao outro e disse: Por que levaste tantos dias para faz-lo? Veio um
terceiro demnio ador-lo. E tu, donde vens?, lhe disse ele. Estava em
tal cidade. Num casamento excitei rivalidades, fiz espalhar muito sangue e,
em particular, consegui a morte do marido. Eu vim para to anunciar.
Em quanto tempo tu o fizeste? Em dez dias e sat ordenou que lhe
vergastassem pelo muito tempo que levara. Ainda outro demnio veio
ador-lo. Donde vens tu?, lhe disse ele. Estava no deserto: lutava h
quarenta anos contra um monge e, nesta noite, fi-lo cair na impureza.
Quando sat escutou isso se levantou e o abraou e depois, tirando a coroa
de si, lha ps na cabea e mandou-o sentar no trono onde estava, dizendo:
Eis um grande feito que me trazes, digno de um valente! E acrescentava
o ancio: Eu que escutava e via aquilo tudo dizia comigo:
Verdadeiramente o estado monstico algo de grande. (N. 191)
16. Um irmo perguntou a um ancio: Que devo fazer para ser salvo?
Este desvestiu-se da tnica, cingiu os rins e estendeu as mos ao cu
dizendo: Assim deve ser o monge: nu para as coisas materiais e
crucificado para as tentaes e provas deste mundo. (N. 143)
17. Uma pessoa instou um ancio a aceitar dinheiro para ajud-lo nas
necessidades, mas este no o queria, pois o trabalho lhe asssegurava do
necessrio. Como o outro insistisse e suplicasse para aceitar pelo menos
em nome dos pobres, lhe respondeu o ancio: Seria para mim uma dupla
vergonha: receberia a esmola sem preciso e recolheria a v glria ao d-la
a outrem. (N. 258)
18. Certo dia uns gregos foram a Ostracina para distribuir esmolas. Eles
levaram consigo os ecnomos da igreja para que lhes apontassem os
pobres mais necessitados. Os ecnomos os conduziram em primeiro lugar
at um leproso e os gregos lhe quiseram fazer uma oferta. Mas este no
quis receber coisa alguma e lhes disse: Vedes estas palmas: eu as trano e
fao esteiras; como do po que ganho. A seguir conduziram-nos ao quarto
que uma viva ocupava com as filhas. Eles bateram porta; a me saira
para o trabalho. Uma das filhas foi atender mas estava sem roupa: a me
que sara para trabalhar era lavadeira. Os gregos deram filha uma roupa e
dinhero. Mas a criana no queria aceitar, pois sua me vinha de lhe dizer:
Tem confiana, Deus quis por bem que hoje eu encontrasse trabalho;
teremos o que comer. Quando a me retornou, os gregos instaram-na a
aceitar alguma coisa, mas ela recusou e lhes disse: Tenho meu Deus para
atender minhas necessidades; agora quereis mo tirar? Ento vendo sua f
glorificaram a Deus. (N. 263)
10. Certo dia Macrio desceu da Ctia a Terenute. Ele entrou para dormir
num templo onde estavam sepultados cadveres de pagos. Ele pegou um
dos corpos e meteu-o sob a cabea como se fosse um travesseiro de juncos.
Mas os demnios ficaram ofendidos com sua audcia. Para terrific-lo eles
fingiram que chamavam uma mulher: mulher, diziam eles, vem banhar-
te conosco. Outro demnio, fingindo ser um dos mortos, respondeu de
sob a orelha de Macrio: No posso, tenho um viajante sobre mim! Mas
o ancio no se amedrontou. Seguro de si apostrofou o cadver dizendo:
Pois bem, se tu conseguires, vai-te! Escutando isso os demnios
gritaram a plenos pulmes: Tu nos venceste, e envergonhados
desacamparam. (Macrio, 13)
12. Conta-se que outrora o abade Milsios habitava na Prsia com dois
discpulos, quando dois filhos do imperador sairam para caar segundo seu
costume. Eles espalharam armadilhas num espao de quarenta milhas para
matar tudo quanto fosse nelas apanhado. Ora ali se achava o ancio e os
dois discpulos. A vista dum homem peludo e como que selvtico os dois
filhos, intrigados, perguntaram: s tu um homem ou um esprito?.
Respondeu ele: Sou um homem, um pecador; vivo retirado para chorar
meus pecados. Eu adoro o Filho do Deus vivo. Os nicos deuses que
h, disseram eles, so o Sol, o Fogo e a gua. Adora-os e vm lhes
oferecer sacrifcios. No, isso so criaturas, vs estais enganados.
Convertei-vos, imploro-vos; reconhecei o Deus verdadeiro, o Criador
destas e doutras cousas. Mas eles mangaram do ancio: Um condenado!
Um crucificado! Como tu chamas a isto de Deus verdadeiro? Sim, ele
crucificou o pecado e matou a morte; afirmo que ele o Deus verdadeiro.
Ento ele e seus companheiros foram torturados; os filhos do rei tentaram
faz-los sacrificar. Aps inmeras torturas eles decapitaram os dois irmos.
Mas continuaram a torturar o ancio dias a fio. Enfim, segundo o estilo da
caa, eles o puseram entre si e lhe atiravam flechas um por trs, outro
pela frente do velho. Disse-lhes o ancio: Eis que estais unidos para matar
um inocente; pois bem, amanh nesta mesma hora e de chofre vossa me
no ter mais filhos e ser privada de vossa afeio: vs vos matareis com
vossas prprias flechas. Mas eles escarneceram de suas palavras. No dia
seguinte saram para caar. Um cervo se alteou entre eles; montados em
seus cavalos foram emps ele para peg-lo. E como lanassem suas
flechas, atingiu um o corao do outro e morreram ambos como predissera
o ancio. (Milsios, 2)
13. Disse o abade Pastor: Na tentao que se reconhece o monge.
(Poemo, 13)
14. O abade Pastor contara que o abade Isidoro, padre da Ctia, disse certo
dia aos irmos em assemblia: Meus irmos, no viemos aqui em busca
de labor? Mas percebo que no h labor aqui. Tudo bem! Vou pegar meu
bornal e ir aonde h labor, e ento encontrarei repouso. (Poemo, 44)
20. Disse o abade Hiperquios: Que teus lbios entoem hinos espirituais:
a recitao continuada consolar-te- do peso das tentaes que te
acometam. O viajor sobrecarregado tima comparao: ao cantar
esquece a fadiga do caminho. (Hiperquios, Exhort. ad monachos, 137)
22. Disse um ancio: Quando vem a tentao, por todo lado multiplicam-
se os incmodos para nos desmoralizar e fazer murmurar. Assim um irmo
tentado que vivia nas Celas: ningum o cumprimentava ou recebia em casa
quando percebiam-no tentado. Se precisava de po, ningum lho
emprestava. Quando voltava da colheita, no o convidavam para se
reconfortar na igreja, como era o uso. Certo dia ele voltava da colheita na
calma do dia, e no havia mais po na cela. Mas a tudo isso ele rendia
graas. Assim Deus, vendo sua pacincia, livrou-o da guerra das tentaes.
E eis que algum lhe bateu porta conduzindo do Egito um camelo
carregado de pes. Ao ver isso o irmo se derramou em lgrimas e
exclamou: Senhor, no sou digno sequer de sofrer em vosso nome!
Finalmente a tentao passou e os irmos comearam a receb-lo em suas
celas ou na igreja e eles o reconfortaram. (N. 192)
27. Um irmo pediu ao abade Arsnio: Que devo fazer, Pai, pois sou
fustigado por este pensamento: j que no podes jejuar nem trabalhar,
visita ao menos os doentes! Essa ao merece recompensa! O ancio
reconheceu a as sementes do diabo: Ento, respondeu ele, come, bebe,
dorme; s no saias da tua cela. Com efeito ele sabia que a fidelidade
cela torna o monge tal como deve ser. Trs dias depois o irmo caiu na
acdia. Mas se deparando com algumas palminhas desfiou-as e no dia
seguinte comeou a tranar com elas cordas. Quando sentiu fome disse
para si: Eis outras palminhas; trancemo-las, e aps comerei. E enquanto
fazia a leitura: Recitemos algumas linhas dos salmos, aps o qu
comeremos sem escrpulos. E com a ajuda de Deus, a pouco e pouco
progrediu at se tornar tal como deveria ser; e tomando as rdeas dos maus
pensamentos, triunfou. (N. 195; Arsnio, 11).
34. Perguntou um irmo a um Padre ancio: Que devo fazer? pois nada
fao do que do fazer do monge: acomodado no relasso, como, bebo e
durmo. Ademais estou cheio de inquietao e mergulhado em pensamentos
vergonhosos; passo dum trabalho a outro e dum pensamento ao que se lhe
segue. Respondeu-lhe o ancio: Fica na tua cela, faz o possvel sem te
turbar. O pouco que fazes vale os grandes trabalhos do abade Anto no
deserto; tenho confiaa de que quem fica tranqilo na cela por amor de
Deus e vela sobre a conscincia, ver-se- no mesmo lugar onde est o
abade Anto. (N. 202).
35. Perguntaram a um ancio como o monge zeloso poderia se no
escandalizar com o retorno dalguns irmos ao mundo; respondeu ele: O
monge deve observar como os ces caam as lebres: um deles lobriga a
lebre e corre ao seu encalo; os demais ces que s ao companheiro
percebiam seguem-no um tanto, mas a fadiga f-los dar atrs. O co que
viu a lebre continua s at que a tenha abocado; a direo da corrida no se
lhe mudou porque os demais deram passo atrs; ele no cura dos
precipcios, dos carrascais ou dos bosquedos; lanha-se todo e de tempos
em tempos se fere nos espinhos, mas no encontrar repouso enquanto a
no pegar. Tal deve ser o monge e quem segue ao Cristo Senhor: ficar
sempre de olhos fitos na cruz e passar por cima dos escndalos com que
topa, at ir ao Crucificado. (N. 203).
39. Durante nove anos um irmo foi atormentado pelo desejo de abandonar
o cenbio. A cada dia preparava a matalotagem como para partir, mas
quando caia a noite, dizia de si para si: Amanh parto daqui! Mas
manh dizia: Faamo-nos violncia e hoje fiquemos em honra ao
Senhor. E assim fez dia aps dia durante nove anos, at que o Senhor lhe
arredasse a tentao e ele ficasse em paz. (N. 207).
41. Um ancio estava sempre doente. Mas certo ano, como no tivesse
nada, ficou atristado e se ps a chorar: Deus me abandonou, dizia ele, Ele
no me visitou. (N. 209).
42. Contava o seguinte um ancio: Certa feita um irmo foi tentado com
pensamentos durante nove anos, a tal ponto que na ansiedade desesperou
da salvao e condenou a si: Minhalma est perdida, e j que sou morto
retorno ao mundo. Quando se ia indo, escutou uma voz ao caminho: As
tentaes que suportates durante nove anos eram as tuas coroas. Retorna
aonde estavas, que livrar-te-ei dos maus pensamentos. O irmo entendeu
que no devia desesperar por conta dos pensamentos que lhe sobrevinham:
eles nos ofertam coroas, desde que os suportemos como si a monges. (N.
210).
44. Um ancio das Celas cara doente. Vivia como anacoreta e, como no
houvesse quem lhe servisse, levantava-se para comer o que estava na cela.
Assim fez durante certo tempo e no houve quem o visitasse. Ao fim de
trinta dias, como ningum viesse, Deus enviou um anjo para servi-lo.
Estava assim h sete dias quando os padres se lembraram do ancio:
Vamos a ver, diziam entre si, se o ancio no caiu doente. Ao chegarem
bateram porta e o anjo se foi. Desta arte, ancio desatou a chorar l
dentro: Irmos, i-vos daqui! Mas eles empurraram a porta, adentraram e
perguntaram ao ancio por que chorava. Respondeu o macrbio: Havia
trinta dias era atormentado de minhas enfermidades e ningum me visitou.
Eis que uma semana h que o Senhor me enviou um anjo para cuidar de
mim, anjo que partiu a vossa chegada. A essas palavras dormiu em paz.
Cheios de admirao, os irmos glorificaram a Deus e disseram: O
Senhor no abandona os que Nele esperam. (N. 212)
13. Certo dia quis o governador da provncia visitar o abade Pastor, mas
este no lho consentira. Para lograr seu intento, mandou prender juiz que
era o filho da irm do abade, qual fosse ele um malfeitor, e jogou-o na
priso; depois fez saber de que relaxaria a pena se o ancio lhe viesse pedir
a liberdade. Foi a me da criana at a morada do irmo, o abade Pastor, e
derramou muitas lgrimas ante a porta da cela, mas ele no disse palavra.
Golpeada de dor, ps-se ela a lhe repreender: Se teu corao bronze,
dizia ela, e no te demove a compaixo, ao menos tem piedade do teu
sangue. Contudo, mandou Pastor lhe ripostar que no tinha filho. Partiu
dali sua irm. Ciente do ocorrido, fez saber o governador: S uma
palavra, e eu o soltarei. Mas o ancio lhe mandou este recado: Examina
a causa segundo a lei; se caso de morte, morra; se no , faz como bem te
sares. (Poemo, 5).
14. Disse o abade Pastor: Que aprenda teu corao a observar o que tua
lngua ensina aos outros. Disse ainda ele: Quando falam, querem os
homens parecer perfeitos; mas na prtica dos dizeres, j no querem
tanto. (Poemo, 63 e 56).
15. Certo dia foi o abade Adelfo, outrora bispo de Nilpolis, render visita
ao abade Sisis montanha. Quando estava prestes a retornar, Sisis lhe
ofereceu comida e aos discpulos ao despontar o dia; ora, aquele era dia de
jejum. J estavam aprestando a mesa, quando alguns irmos bateram
porta de Sisis. Disse ele a um seu discpulo: D-lhes um pouco de caldo,
pois esto fatigados. Interveio o abade Adelfo: Deixai-os esperar um
tanto, para que no saiam por a contando que Sisis comia desde a
manh. Cravou-lhe os olhos Sisis, surpreso, e disse ao discpulo: Vai
logo e d-lhes o que comer. Quando viram o caldo, perguntaram os
irmos: Tendes hspedes? Come convosco o ancio? Decerto,
respondeu o outro. Atristaram-se os irmos e comearam a dizer: Que
Deus vos perdoe por permitir que o ancio comesse a tais horas! No
sabeis que ele o h de expiar dias a fio? A tais palavras o bispo fez uma
metania e disse ao ancio: Pai, perdoa-me, pois cogitei ao estilo dos
homens, mas agiste segundo Deus. Ripostou-lhe o abade Sisis: Se vem
do homem a glria do homem, e no de Deus, sem consistncia. (Sisis,
15)
17. Certo dia foi-se o governador da provncia visitar o abade Simo, mas
este, assim que o soube, pegou da correia que lhe servia de cinta e a usou
para trepar numa palmeira, que comeou a podar. Apropinquaram-se os
visitantes e lhe perguntaram: Onde est o ancio que habita neste ermo?
Aqui no h anacoretas, respondeu ele. Ante tal resposta afastou-se o
governador. (Simo, 1).
21. Certo dia de festa nas Celas, comiam juntos os irmos na igreja. Disse
um deles a quem o servia: No como alimento cozido, somente sal com
po. O servo chamou outro e lhe disse ante todos: Este irmo c no
come alimento cozido; oferece-lhe sal. Ento se ergueu um ancio e
disse: Para ti melhor seria comer vianda na cela que te ouvir dizer isso na
presena de tantos irmos. (N. 256).