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SILVA, Ivanilson Bezerra - A Cidade A Igreja e A Escola Relações de Poder Entre Maçons e Presbiterianos em Sorocaba Na Segunda Metade Do Século XIX - Dissertação (Lido)
SILVA, Ivanilson Bezerra - A Cidade A Igreja e A Escola Relações de Poder Entre Maçons e Presbiterianos em Sorocaba Na Segunda Metade Do Século XIX - Dissertação (Lido)
SILVA, Ivanilson Bezerra - A Cidade A Igreja e A Escola Relações de Poder Entre Maçons e Presbiterianos em Sorocaba Na Segunda Metade Do Século XIX - Dissertação (Lido)
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
Volume I
FEUSP
SO PAULO - 2010
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FEUSP
SO PAULO - 2010
AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
Aprovado em:
Banca Examinadora
D. Ediralda Borges dos Reis, que aps sua aposentadoria na direo do Grupo
Escolar Antonio Padilha, aceitou o desafio que lhe coloquei de transcrever assuntos dos
jornais do sculo XIX relacionados ao Presbiterianismo contidos no Gabinete de Leitura
de Sorocaba.
Ao Rev. Ismael Andrade Leandro, professor e amigo, que com sua inigualvel
inteligncia, fez as correes gramaticais e a correo da traduo em Ingls.
Aos meus pais, Jos Bezerra da Silva e Vera Pires da Silva, que sempre me apoiaram.
RESUMO
Nome: Silva, Ivanilson Bezerra da. A Cidade, a Igreja e a Escola: relaes de poder
entre maons e presbiterianos em Sorocaba na segunda metade do sculo XIX.
Dissertao de Mestrado. Faculdade de Educao. Universidade de So Paulo, So
Paulo, 2010.
In the second half of the nineteenth century between the years 1870-1900, the
city of Sorocaba begins to experience a strong process of modernization articulated by
social workers who were part of the political Sorocaba. This period is characterized by
the redesign of urban space, end of slave labor to wage labor, beginning the process of
industrialization and the establishment of the Republic. This socio-historical context
several educational institutions were part of the educational Sorocaba, including the
School of Protestant confession of the Presbyterian faith. According to the perspective
adopted in this study, this school has maintained relations of power with various social
fields, for his proposal met the modernizing ideals and Republicans demanded by elite
sorocabana formed by masons, merchants, industrialists, merchants, teachers,
intellectuals and others, I saw education as an instrument to solidify its ideals.
Therefore, the objective of this study is to investigate how the proposed educational
Protestant North American Presbyterian confession (1876-1896) contributed to the
modernization of the city of Sorocaba, in the setting of a religious Sorocaba and the
structuring of power relations made by various social actors. Emphasis is also that
Presbyterianism in Sorocaba not only played in the religious field, but also educational,
and to this end, positioned himself politically (the political) choosing to legitimize the
Republican ideals of matrix-Masonic
INTRODUO.............................................................................................................. 1
Em 1997, fui convidado pelo pastor Rev. Matheus Benevenutto Jnior para ser seu
pastor-auxiliar na Igreja Presbiteriana de Sorocaba. Na ocasio, cumpria minha licenciatura
em Alumnio, numa pequena congregao presbiteriana localizada na periferia daquela
cidade, contexto completamente diferente da Igreja Presbiteriana de Sorocaba. Esta era uma
Igreja urbana, que tinha sido organizada em 1869 por missionrios norte-americanos. Em
setembro de 1997, a Igreja Presbiteriana de Sorocaba comemorava seu 128 aniversrio de
organizao. As celebraes eram permeadas de acontecimentos histricos que relembravam
a vinda dos primeiros missionrios norte-americanos. O Rev. Matheus, apaixonado pela
histria do presbiterianismo em Sorocaba, discorria em suas prdicas temas relacionados
insero deste movimento na cidade. Vrios nomes, acontecimentos, pessoas, instituies
eram citados.
1
muito citada na historiografia protestante e pouco havia sido escrito sobre ela na perspectiva
da histria da educao.
2
Alm de mostrar a iniciativa educacional da Loja Manica Perseverana III, o texto
aponta uma situao vivida no contexto da cidade em relao ao movimento protestante.
Afirma que dos 117 alunos, 65 saram da escola noturna porque se espalhava na cidade um
boato de que aquele estabelecimento de ensino era protestante. Qual era a razo de levantar
suspeita ao contedo daquilo que se ensinava na escola noturna? Que ligao tinham os
maons com os protestantes? Por que a necessidade de se utilizar a imprensa para dizer que a
escola noturna no tinha nenhum vnculo com a religio protestante? Por outro lado, qual a
inteno de se espalhar um boato, que na viso do redator malvolo, a respeito de tal
instituio e do prprio protestantismo? O protestantismo representava algum tipo de ameaa?
3
como relaes de poder. Bourdieu entende que todo o campo um campo de foras para
conservar ou transformar esse campo de foras (2004, p. 22). Para ele, qualquer que seja o
campo, ele objeto de luta tanto em sua representao quanto em sua realidade. Os agentes
sociais esto inseridos na estrutura e em posies que dependem do seu capital e desenvolvem
estratgias que dependem, elas prprias, em grande parte, dessas posies, nos limites de suas
disposies (ibid, p. 29). Nesta perspectiva, o conceito de campo ajuda a entender que foram
construdas estrategicamente relaes de poder pelos diversos agentes sociais na construo
de um espao social marcado por novas idias polticas, religiosas e, principalmente,
educacionais. Este espao social se configura como um campo de poder capaz de modificar,
solidificar e redefinir o que interessante para a construo da hegemonia da elite. A partir
disto, surgiram novas perguntas: a insero do presbiterianismo na cidade de Sorocaba
representaria a configurao de um novo campo religioso? A presena de presbiterianos
afetaria tambm o campo poltico, educacional e cultural da cidade? Existia luta pelo poder
na cidade de Sorocaba na segunda metade do sculo XIX? Existiam relaes de poder entre
maons e presbiterianos? Se sim, como elas se configuraram no espao social sorocabano?
Observando que, neste perodo, a liderana poltica local era oriunda do campo
manico mediante os nomes de Maylasky e Ubaldino do Amaral, segundo cujo
entendimento era necessrio modernizar a cidade de Sorocaba, perguntei se a insero do
presbiterianismo em Sorocaba passava pelo apoio poltico dessas figuras, e em sentido mais
restrito pela participao dos protestantes na poltica partidria sorocabana no final do sculo
XIX. Quais eram as razes que levaram os presbiterianos em Sorocaba a participarem do
campo poltico? Por que o pastor Zacharias de Miranda se tornou vereador da cidade? Quais
eram as razes que o motivavam a participar do campo poltico sorocabano? O envolvimento
dos presbiterianos com os maons exerceu alguma influncia a fim de que a Igreja
Presbiteriana de Sorocaba e seus lderes pudessem ter um papel decisivo na poltica,
garantindo desta forma, um lugar no campo poltico, educacional e religioso de Sorocaba? A
participao do pastor presbiteriano Zacharias de Miranda na poltica sorocabana, como
presidente da Cmara Municipal tinha o objetivo de garantir a expanso do protestantismo em
Sorocaba e tambm um lugar para a escola protestante no campo educacional?
5
Terceiro, considerando as lacunas a respeito da relao da escola protestante com os
movimentos sociais e do processo de urbanizao e modernizao de Sorocaba, e as respostas
que poderia ter oferecido aos anseios sociais, econmicos, culturais e polticos da cidade
frente ao processo de transio poltica e econmica que ela experimentava, surgiram outras
indagaes: existia apoio por parte da elite que configurava o espao social da cidade de
Sorocaba escola protestante? O modelo educacional implantado em Sorocaba construdo
para atender a elite? uma continuidade do projeto educacional norte americano que
configurou-se em So Paulo ou representa uma mudana desta proposta educacional? Ao
priorizar a educao particular, que grupo social a escola protestante em Sorocaba estava
atendendo e que posicionamento tomou frente aos problemas relacionados ao processo de
industrializao da cidade? Ela referendava o processo de modernizao ou era uma
instituio que oferecia uma resposta contra-hegemnica aos interesses da elite sorocabana?
Para responder estas questes tomei como hipteses, primeiro, que a educao
protestante no perodo de insero do presbiterianismo em Sorocaba necessitava de apoio para
se solidificar na cidade, devido ao contexto de resistncia e por propagar idias que
contrariavam interesses da religio catlica e do governo monrquico. Segundo, que a escola
protestante era um instrumento para legitimar os interesses do protestantismo na cidade de
Sorocaba e alcanar novos adeptos atravs de uma evangelizao indireta. E em terceiro, que
a proposta viria ao encontro dos interesses da elite que se configurava na sociedade
sorocabana e que defendia os assuntos da nova ordem poltica, a Repblica.
6
influncia do protestantismo na Amrica Latina, especificamente, no Chile. Temos ainda o
importante trabalho realizado por David Gueiros Vieira (1980) em que analisa as ligaes
entre o protestantismo, a maonaria e a questo religiosa no Brasil.
7
trabalho de Marly Geralda Teixeira (1975) investigou a insero dos missionrios batistas
norte-americanos na Bahia, no perodo de 1882 a 1925.
A partir de 2000, temos o trabalho de Gomes (2000), que entre outras coisas, analisa
como a educao norte-americana contribuiu para a formao do empresariado paulista no
incio do sculo XX. Temos o trabalho de Schulz (2003), que descreve que o protestantismo
no processo de insero no Brasil tinha como proposta o ideal da Universidade. Podemos
destacar ainda os trabalhos de: Jos Luis Novaes (2001), Loureno Stelio Rega (2001). Ainda
neste perodo, temos a produo acadmica de Ester Nascimento (2005), a qual afirma que a
expanso do presbiterianismo no interior da Bahia tinha como proposta trs eixos temticos:
religio, educao e sade. Em 2007, temos o trabalho de Marcel Mendes sobre a
Universidade Presbiteriana Mackenzie, em que discute a nacionalizao desta instituio
educacional e sua vinculao eclesistica entre os anos de 1957-1973. Este trabalho alm
desta discusso, apresenta as origens da Escola Americana em So Paulo e traz novas fontes
histricas para a histria da educao confessional protestante no Brasil.
9
resultar em avanos quando o historiador faz perguntas relevantes documentao que
prope analisar. Mas, todo historiador deve ter conscincia dos perigos que a confiana
excessiva nas fontes pode implicar, pois elas no so necessariamente a expresso do real.
Na reconstruo dessas verdades/realidades, fontes e documentos so tambm
interpretaes (Monarca, 1999, p. 15). Elas so expresses dos seus autores e como tal
devem ser problematizadas atravs da reflexo crtica. Segundo Le Goff: Nenhum
documento inocente. Deve ser analisado. Todo documento um momumento que deve ser
desestuturado, desmontado. O historiador no deve ser apenas capaz de discenir o que
falso, avaliar a credibilidade do documento, mas tambm saber desmitific-lo (2003, p.
110).
Os jornais locais foram uma das principais fontes de anlise, entre eles: O Americano,
O Dirio de Sorocaba, O 15 de Novembro, O Alfinete, A Voz do Povo, O Sorocabano, A
Gazeta Comercial, O Ypanema, e O Colombo. Eles expressavam de formas diferentes as
opinies dos dirigentes da cidade acerca da necessidade de modernizar a cidade atravs da
estrada de ferro, da industrializao, da educao e outros meios. Tais discursos eram
revestidos da ideologia da elite, que por sua vez, buscava atravs das suas aes polticas e
intelectuais estruturar uma sociedade que solidificasse ainda mais o seu domnio no espao
social. Para anlise do discurso contido na imprensa jornalstica, foi relevante o trabalho de
Teun A. Van Dijk (2008). Ele apresenta uma anlise detalhada de como se configura a
dominao atravs do discurso. Para ele, as elites simblicas que tm acesso privilegiado aos
discursos pblicos, tambm controlam a reproduo discursiva da dominao na sociedade.
Ele procura mostrar como uma manchete de jornal se relaciona com as relaes de poder de
uma determinada sociedade, na perspectiva de Bourdieu. Para ele, o jornal desempenha um
papel vital na comunicao pblica (2008, p. 73).
Tambm fiz uso de dois jornais confessionais organizados pelos presbiterianos: A
Imprensa Evanglica (1864), organizado pelo pastor norte-americano Ashbel Green
Simonton, e o jornal O Estandarte (1893), organizado pelo pastor brasileiro Eduardo Carlos
Pereira. Tais jornais apresentavam entre outros tpicos, a viso teolgica do presbiterianismo,
questes relacionadas poltica, estratgias de expanso missionria no Brasil, crtica ao
catolicismo, apoio maonaria brasileira, e outros assuntos. Por representar o discurso oficial
do presbiterianismo atravs da imprensa jornalstica, eles tambm foram problematizados com
o objetivo de compreender as estratgias utilizadas pelos seus agentes sociais na expanso da
proposta religiosa presbiteriana em solo brasileiro.
10
Outras fontes importantes utilizadas neste trabalho foram os relatrios e cartas dos
missionrios norte-americanos enviados Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, contendo
informaes sobre as estratgias missionrias no Brasil, o contexto poltico brasileiro, e uma
viso crtica do catolicismo local. Utilizei tambm as Resolues da Assemblia Geral da
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, que representam fontes primrias importantes, pois
do informaes significativas sobre as estratgias de insero do presbiterianismo norte-
americano no Brasil, concepes acerca da educao como estratgia de evangelizao, dados
estatsticos do trabalho missionrio no Brasil e outros assuntos. Consultei ainda os relatrios
dos missionrios norte-americanos e nacionais encaminhados ao Presbitrio do Rio de
Janeiro. Estes relatrios contm informaes sobre a estratgia para se implantar o
presbiterianismo em solo brasileiro, as atividades pastorais dos missionrios, a criao de
escolas em vrias localidades do Brasil. Algumas destas fontes foram utilizadas de forma
indita na perspectiva da histria da educao e tambm da historiografia presbiteriana.
Parte desses relatrios foram levantados no Arquivo Histrico da Igreja Presbiteriana
do Brasil. Outros foram xerocopiados de um levantamento feito pelo professor Alderi Souza
Matos, que gentilmente cedeu o material. Outros foram obtidos atravs de contatos por meios
como obteve
eletrnicos com o Departamento Histrico da Universidade de Princeton.
os relatrios.
Em busca de informaes sobre a educao protestante na cidade de Sorocaba, realizei
uma pesquisa no acervo do Arquivo do Estado de So Paulo. Encontrei muitos ofcios, mapas
da educao e relatrios de instituies pblicas e particulares da cidade de Sorocaba,
encaminhados por inspetores distritais ao Inspetor Geral da Instruo Pblica da Provncia de
So Paulo, porm obtive poucas informaes especficas sobre a educao protestante em
Sorocaba.
Alm dele, outros acervos foram visitados com o intuito de encontrar informaes
sobre a escola protestante em Sorocaba: Gabinete de Leitura de Sorocaba, Arquivo da Loja
Manica Perseverana III, Arquivo da Igreja Presbiteriana do Brasil, Arquivo Histrico da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Museu Sorocabano e Arquivo da Igreja Presbiteriana
de Sorocaba.
11
supracitados como critrios para a configurao do trabalho e a estruturao dos seus
captulos.
No primeiro captulo, trabalho o campo poltico na cidade de Sorocaba, tendo como
eixo analtico as relaes de poder entre maons e presbiterianos na reconfigurao e
modernizao da cidade, que foi analisada como campo de poder. Maons e presbiterianos
atuaram no espao social como polticos, intelectuais, negociantes, professores, industriais.
O segundo captulo versa sobre o campo religioso. Antes da insero protestante em
Sorocaba (1861), a cidade tinha a predominncia da ideologia catlica. O protestantismo
promove de certa forma uma disputa por um lugar de domnio no campo religioso da cidade.
Alm disso, procurei compreender que a insero do presbiterianismo na cidade de Sorocaba
pode ser vista como fruto do processo civilizatrio (Elias 1994) norte-americano que se
estruturava e expandia em outras localidades do Brasil.
O terceiro captulo procura investigar o campo educacional da cidade de Sorocaba.
Entre o fim do Imprio e o incio da Repblica, o campo educacional em Sorocaba tem um
considervel desenvolvimento, que pode ser justificado pelo processo de modernizao que a
elite sorocabana postulava. Dentro do campo educacional sorocabano estava a escola
protestante, mantida pela misso norte-americana.
Ao realizar esta investigao, que tem como centro de interesse a proposta educacional
norte-americana de confisso presbiteriana na cidade de Sorocaba (1874-1896), na
perspectiva da sua insero nos campos poltico, religioso e educacional, pretendo contribuir
para mostrar sua importncia histria da educao brasileira.
12
1. O CAMPO POLTICO NA CIDADE DE SOROCABA:
Ao olhar a cidade de Sorocaba como campo de poder, entendo que este espao social
formado por campos, microcosmos ou espao de relaes objetivas, que possui lgica
prpria e irredutvel. Isto se aplica aos trs campos especficos que sero discutidos neste
trabalho: poltica, a religio e a educao, porque representam organizaes e instituies em
que se concretiza a luta pelo poder. Os trs campos so importantes para o trabalho, porque
representam praticamente os trs instrumentos utilizados pelos agentes sociais pertencentes
maonaria, ao presbiterianismo, ao catolicismo em Sorocaba para solidificarem sua
hegemonia no campo de poder sorocabano.
Nesta perspectiva, pretendo com este tpico investigar como os agentes sociais
pertencentes maonaria, presbiterianismo e catolicismo articularam a configurao e o
domnio dos vrios campos sociais da cidade de Sorocaba, transformando-a num espao
social de poder configurado a partir da ideologia destes agentes e que interferiu no modo de
13
ser e viver da sociedade. Tambm pretendo demonstrar que o campo poltico era articulado e
dominado pela Maonaria.
Segundo Hilsdorf, este perodo marcado por algumas transformaes, entre elas:
Neste contexto, a cidade escolhida pelos imigrantes do campo como lugar onde se
exerce as atividades industriais e artesanais, tornando-os pequenos e mdios proprietrios.
Hilsdorf ressalta que: da perspectiva do capital, pelo crescimento desses setores do
comrcio e servios no processo de imigrao-urbanizao que vai se dando a formao da
camada de empresrios industriais, muitos deles tambm agroexportadores (2003, p. 58). J
na perspectiva dos trabalhadores, nota-se a formao do proletariado urbano pelos imigrantes
estrangeiros e tambm a migrao do trabalhador nacional, bem como o processo de
marginalizao de ex-escravos.
Hilsdorf (2003) afirma que este perodo de transformaes marcado pelo fim da
monarquia, o fim do trabalho escravo e o incio do trabalho livre e assalariado e ainda pela
14
participao do capital estrangeiro tanto ingls como norte-americano. Pontua, tambm, a
intensa circulao de novas tendncias de pensamento: positivismo, industrialismo, ruralismo.
15
capitais e, para gerir os negcios, fixa residncia no centro da cidade, ocupando a os
espaos ainda remanescentes... Se de um lado o crescimento populacional traz certa
prosperidade, do outro gera grandes problemas, como a falta de equipamentos urbanos
para atender s necessidades da populao, acrescida, no final do sculo, pelo
contingente de imigrantes e ex-escravos. A pobreza ganha visibilidade na cidade; as
habitaes coletivas abrigam precariamente tanto os trabalhadores das indstrias
fabris e do comrcio, quanto os desempregados e aqueles que se ocupam com servios
avulsos. A pobreza atinge uma populao adulta, em grande parte analfabeta, e uma
populao infantil, que deveria estar na escola, mas que tambm faz parte do
contingente de operrios empregados na indstria txtil. E os jornais produzem a
imagem daquelas crianas que, no podendo freqentar a escola, so tidas como
vadias e difceis de serem controladas, pois no foram treinadas na disciplina escolar.
Na imprensa, as denncias so contumazes, chegando-se a organizar campanhas
contra as mesmas (2000, p. 04).
Segundo o censo, a cidade tinha uma populao de 4.793 habitantes. A maior parte da
populao era catlica 12.892. Neste perodo tinha apenas 67 acatlicos. O censo aponta que a
cidade de Sorocaba tinha naquela ocasio 2.070 escravos. Embora a cidade fosse pequena
havia uma populao considervel de escravos. Esta populao escrava pertencia aos
principais comerciantes e agricultores da cidade. Em 1869, os agentes sociais pertencentes
maonaria sorocabana comeam uma luta pela libertao dos escravos na cidade de Sorocaba.
A motivao, que ser analisada ainda neste trabalho, aponta que esta luta estava atrelada ao
1
ALMEIDA, Aluisio. Histria de Sorocaba 1882-1889. Sorocaba, SP: Grfica Guarani, 1951.
16
novo ciclo econmico que caracterizava a vida da cidade, fulcrado no plantio de algodo e
mais tarde no processo de industrializao.
Neste sentido, parte da elite sorocabana estava convencida de que a escravido era
anacrnica e um empecilho para o desenvolvimento social e econmico da cidade. A
alternativa, portanto, era incentivar a imigrao com a finalidade de substituir a mo de obra
escrava sem trazer prejuzos vida da cidade. Porm, boa parte dos escravos libertos
encontrou na mendicncia a forma de sobrevivncia. Ao negro sobrou a excluso social.
Com raras excees no havia lugar para ele na nova sociedade industrial e moderna, onde os
trabalhadores, na sua maior parte era imigrantes, j ocupavam seu espao (Cavalheiro, 2006,
p. 15). Para Cavalheiro, a falta de habilidade do escravo em lidar com as novas tcnicas
industriais foi preenchida pelo trabalho dos imigrantes. Porm, como mostrarei, alguns dos
ex-escravos foram trabalhar nas novas fbricas instaladas na cidade de Sorocaba.
Americanos 12
Portugueses 110
Ingleses 4
Franceses 3
Italianos 19
Alemes 49
Espanhis 7
Suos 5
Prussianos 21
Hngaros 3
Africanos 498
17
creio q o relatrio faa referncia a essa fazenda Ipanema.
Fazenda Ipanema, trabalhadores na construo da Estrada de Ferro e no plantio de algodo.
Estes imigrantes no trouxeram apenas mo de obra qualificada, que vinha ao encontro dos
interesses da elite sorocabana, mas tambm empreendimentos que modificaram
paulatinamente o modo de viver e pensar da cidade.
Segundo Barreira:
No dia 3 do corrente teve lugar uma reunio em casa do Sr. Jeremias Vanderique,
composta de alemes residentes nesta cidade, seu municpio, e na fbrica de ferro So
Joo do Ipanema, com o fim de obter scios, organizar um gabinete de leitura nesta
cidade para entretenimento de seus habitantes, visto a falta de sociabilidade que h, e
eleger um Diretrio composto de um presidente, um tesoureiro e um escrivo. Obtido
o nmero de 31 scios, e depois de um discurso anlogo ao ato feito pelo sr. Luiz
Matheus Maylasky, procedeu-se a eleio do Diretrio dando o resultado seguinte:
Presidente, o sr. Luiz Matheus Maylasky, para tesouraria, o sr. Jeremias Vanderique e
para escrivo sr. Francisco Berendtz (2002, p. 279)
A vida nos grandes centros urbanos mudou o homem e suas relaes sociais a partir
do sculo XIX. O trabalho, o lazer, o comportamento, as relaes com a natureza, a
poltica, a literatura, o tempo, enfim, o mundo material e cultural dos homens, foram
profundamente afetados pela nova vida urbana. Pobres e ricos, burgueses e
proletrios, intelectuais e analfabetos, jovens e velhos, homens e mulheres, ningum
escapou a essas transformaes (Moraes, 1994, p. 18).
18
Lavradores 2456
Negociantes 338
Empregados pblicos 22
Padres, 5
Advogados 5
Solicitadores 2
Mdicos 2
Farmacuticos 2
Relojoeiros 3
Ourives 5
Fotgrafo 1
Pintores 18
Msicos 23
Tipgrafos 3
Alfaiates 52
Marceneiros 27
Carpinteiros 111
Seleiros 72
Sapateiros 55
Serigoteiros 52
Armadores 2
Tranadores 24
Chapeleiros 27
Ferreiros 97
Pedreiros 61
Latoeiros 8
Fogueteiros 19
Barbeiros 2
Ferradores 8
Estes dados levantados pelo censo ajudam a entender como era configurado o espao
social da cidade de Sorocaba na dcada 70 e como eram organizadas e distribudas as
profisses. Este espao social era formado por vrios grupos sociais. Entre os que faziam
parte da elite estavam: lavradores, negociantes, padres, mdicos, farmacuticos, advogados. A
maior parte da populao elitizada era formada por lavradores, mas as novas profisses
urbanas j foram destacadas pelo censo.
2
Ver anexo 1, vol II, p. 01: Mapa da cidade de Sorocaba.
3
Ver anexo 2, vol II, p. 02, (foto 1): Cidade de Sorocaba 1886.
4
No apresento o nome de todos os maons citados por Aleixo em virtude do seu grande nmero, pois somente a
Loja Constncia neste perodo registrava em seu Livro de matrcula a participao de 95 maons.
20
Antonio Joaquim Dias Rua So Bento, 1 Comerciante
Jos Antonio Galvo Rua da Direita, 1
Joaquim Pereira A. Vasconcelos Rua So Paulo, 19 Escrivo do Juri
Antonio Maria de Ges Largo da Matriz, 2
Nicolau Jos dAthouguia Rua So Bento, 3 Dentista
Manuel Alves Lobo Rua das Flores, 20 2 Tabelio
Francisco Jos da Piedade Rua do Hospital, 46 Escrivo da coletoria
Jos Lycio Gomes e Silva Rua da Penha, 75 Escrivo de Polcia
Joaquim Pinto Bandeira Rua do Rosrio, 22 Suplente de Juiz de Paz
Camilo Rodrigues de Barros Rua da Direita
Francisco Ferreira Prestes Rua So Bento, 25 Suplente de Juiz de Paz
Amrico Antonio Aires Rua das Flores, 3 Juiz Municipal
Frederico Guilherme Hummel Rua das Flores, 30 Relojoeiro
Jos Feliciano da Costa Ferreira Rua Municipal, 18 Juiz do Comrcio das Terras
Pedro Rodrigues de Mello Rua do Comrcio, 11 Sarg da Guarda Municipal.
Florentino Garcia Vieira Rua do Hospital, 31 Ourives
Jos Mascaranhas Camelo Rua da Penha, 101 Ourives
Joaquim Antonio de Andrade Rua do Hospital, 7 Padre
Justiniano Maral de Souza Rua So Bento Comerciante e Dentista
Jos Anthonio de S. Bertholdo Rua So Bento Comerciante
A elite sorocabana morava na regio central da cidade e tinha como porta vozes
Matheus Maylaski, Jlio Ribeiro, Ubaldino do Amaral e outros. Matheus Maylasky estava
convencido que a vida econmica da cidade centrada no comrcio de animais era um
impedimento para o seu progresso. Para tanto, fazia-se necessrio convencer a populao de
adequar a sociedade a um novo modo de produo, pois comparada a outras cidades,
Sorocaba estava atrasada. O jornal O Sorocabano foi uma das ferramentas utilizadas por seus
redatores-proprietrios Maylaski, Jlio Ribeiro e Ubaldino do Amaral para convencer a
populao e, mais especificamente, a elite sorocabana no ano de 1870. Mais tarde o jornal
passou a se chamar O Sorocaba e continuou sob a responsabilidade de Jlio Ribeiro e com a
mesma perspectiva ideolgica.
21
Ora, Maylaski, Ribeiro e Amaral estavam ligados s Lojas Manicas Perseverana III
e a Constncia5, organizaes integrantes da maonaria sorocabana. O que fortalecia suas
relaes de poder e tomada de posio.
Neste contexto, a cidade de Sorocaba pode ser vista como um espao social que
circula, legitima, organiza e propaga interesses dos agentes sociais pertencentes aos mais
variados campos. Este espao social se configura sobre duas posies matriciais: o centro e a
periferia. Segundo Arajo (2000), Centro e Periferia no so lugares de excluso, de poder ou
no poder. H poder em todo lugar, fortalecido ou enfraquecido pelas relaes estratgicas.
Mas, o centro o lugar onde o poder se configura com maior fora e intensidade e representa
o locus das articulaes, estratgias e divulgao dos interesses dos agentes sociais
dominantes. O poder dentro de um espao social determinado pelo capital econmico, social
e cultural que circula dentro deste espao.
5
Iniciado na Loja Constncia, saiu para organizar a Loja Perseverana III. Porm, mais tarde, como mostrarei
no prximo captulo, Luiz Matheus Maylasky, por questes polticas, encaminha atravs do Venervel Mestre da
Loja Constncia um parecer afirmando que nunca havia deixado o quadro da referida Loja.
22
portanto uma viso nica da sua identidade, e uma viso idntica da sua unidade (Bourdieu,
2000, p. 117).
Uma das estratgias utilizadas para a circulao das idias defendidas pelos agentes
que compunham o espao social urbano nesse perodo era a imprensa, que por sua vez,
divulgava os interesses dos republicanos pela educao. Nela se travam vrias lutas com o
objetivo de legitimar os interesses em jogo. O jornal O Americano (03/06/1871) traz um
manifesto da Maonaria contra os ataques da Igreja catlica. Outros assuntos estavam na
ordem do dia da imprensa sorocabana: crtica do modelo de educao defendida pelo iderio
monrquico, defesa da repblica como instrumento poltico para construo de uma nova
ordem social, educao como meio de desenvolvimento social e econmico da cidade.
Apenas um caso particular das lutas propriamente simblicas em que os agentes esto
envolvidos quer individualmente e em estado de disperso, que coletivamente e em
estado de organizao, e em que est em jogo a conservao ou a transformao das
relaes de foras simblicas e das vantagens correlativas, tanto econmicas como
simblicas; ou, se se prefere, a conservao ou transformao das leis de formao
dos preos materiais ou simblicos ligados s manifestaes simblicas (objetivas ou
intencionais) da identidade social. Nesta luta pelos critrios de avaliao legtima, os
agentes empenham interesses poderosos, vitais por vezes, na medida em que o valor
da pessoa enquanto reduzida socialmente sua identidade social que est em jogo
(2000, p. 124).
Os dominados nas relaes de poder que se estabelece no espao social entram na luta
em estado isolado, no tm outra escolha a no ser a da aceitao (resignada ou provocante,
submissa ou revoltada). Mas, de qualquer forma a sua identidade construda a partir da viso
dos dominados e no da sua prpria viso. Porm, deve se acentuar que Bourdieu no exclu a
possibilidade de revolta por parte dos dominados. O espao social e as diferenas que nele se
configuram tendem a funcionar simbolicamente como espao dos estilos de vida, ou seja,
23
espao caracterizado por estilo de vidas diferentes, portanto, com concepes diferentes de
mundo. O espao social um espao multidimensional, formado por um conjunto aberto de
campos relativamente autnomos, ou seja, subordinados quanto ao seu funcionamento e s
suas transformaes. No interior de cada subespao, os ocupantes das posies dominantes e
os ocupantes das posies dominadas esto ininterruptamente envolvidos em lutas de
diferentes formas, sem contudo, necessariamente, constiturem antagonistas. Percebe-se que
naquele momento histricos, no interior de campos diferentes, eram instauradas alianas mais
ou menos duradouras. Os agentes dominantes ocupavam posies homlogas as dos
relao dominados, mas recorriam freqentemente a eles, mediante uma espcie de capital cultural
entre acumulado e ao tentarem fazer dos seus interesses econmicos o interesse dos prprios
dominantes
e dominados dominados, ou seja, algumas das reivindicaes polticas e econmicos da elite sorocabana
em eram divulgadas como se fossem interesses das parcelas mais desfavorecidas da cidade.
Sorocaba
Pode-se dizer que a cidade de Sorocaba neste perodo organizou-se como espao
social de acordo com trs dimenses fundamentais: os agentes se distriburam de acordo com
o volume do capital possudo, de acordo com a estrutura desse capital e de acordo com a
evoluo, no tempo, do volume e da estrutura de seu capital.
Podemos ento falar em campo poltico (lutas entre partidos polticos), campo
educacional (lutas entre diferentes tipos de escolas) e campo religioso (luta entre diferentes
religies). Os trs conceitos de campos so importantes para o trabalho, porque representam
24
praticamente os trs instrumentos utilizados pela elite Sorocabana e pelo protestantismo em
Sorocaba. A permanncia de um campo determinada pela ao dos indivduos e dos grupos,
constitudos e constituintes de fora, que investiam tempo, fora, trabalho, dinheiro e outras
aes que interessavam ao grupo e que garantiam a sua hegemonia.
O Sorocabano (1870) teve como editores Jlio Ribeiro e Pereira Salles. Neste jornal,
Jlio escrevia uma srie de artigos em defesa da instalao da ferrovia, cuja proposta era
sustentada por Matheus Maylasky. O jornal foi fundado em 13 de fevereiro de 1870. Vendido
ao preo de 8$000 ao anno na cidade e 9$000 fora, tinha por princpio pugnar pelo bem
25
pblico, com especialidade pelos interesses do municpio. Dar voz a todas as reclamaes
justas e comedidas. Reproduzir os clamores da lavoura e do comrcio. Abrir espaos a
discusses de interesse geral (13/02/1870, p. 01). Era seu principal colaborador Ubaldino do
Amaral, maon, abolicionista e republicano. Em 01 de setembro de 1872, transformou-se em
O Sorocaba, que teve em Jlio Ribeiro seu redator-chefe. Deixou de existir em 1883.
O A Gazeta Commercial tambm era dirigida por Julio Ribeiro. O jornal chegou a
circular diariamente. A este somavam-se O Colombo (1871), sob a direo de Domingos
Silva, O Votorantim (1877), jornal literrio e instrutivo, cujo redator chefe era o professor
Fidelis de Oliveira, e a Gazeta de Sorocaba (1878), de propriedade de Gaspar da Silva. O
Ypanema (1872 1892): com assinatura no valor de 8$000 por ano em Sorocaba e 9$000
fora, foi editado pela primeira vez em 25 de abril de 1872. Publicado 6 vezes por ms, o
jornal se propunha a defender os interesses morais e materiais do municpio e do Sul da
provncia. E procura dar na parte literria alguns bons artigos e vulgarizar os melhores
escritos de autores nacionais (25/04/1872, p. 01). Seu editor e proprietrio foi Manoel
Janurio de Vasconcellos, maon, sorocabano de nascimento e coronel da guarda nacional.
Participou ativamente da campanha pela instalao, pelo Estado, da rede de esgoto na cidade.
Em 1880, transformado em dirio, passou a chamar-se Dirio de Sorocaba. Este jornal
contm ricas informaes sobre a situao de Sorocaba do ponto de vista da educao escolar.
26
Povo, do nmero 22-55. O nmero 49, publicado no dia 30/04/1876, foi publicado em cor
verde. O mesmo aconteceu com o jornal no 54 (18/05/1896) e o no 55 (24/05/1876). Este
jornal dizia ser de interesse pblico e que combatia os interesses de grupos sociais elitizados.
27
1871 (Aleixo, 1999, p. 103). Matheus Maylasky pertencia tambm maonaria sorocabana.
Seu registro encontra-se no livro de matrcula da Loja Constncia6, que diz:
Luiz Matheus Maylasky, hngaro, natural da Hungria, morador desta cidade, idade 28
anos, solteiro, negociante, religio catlica, apostlica, romana, recebeu o grau 3 no
dia 17 de junho do mesmo ano. Riscado do quadro por pertencer Loja Perseverana
3, em sesso de 2 de agosto de 1869.
Neste editorial, o redator explicita de forma clara que o objetivo do jornal era lutar
pelos interesses pblicos, dar voz s reclamaes justas e reproduzir os interesses da lavoura e
do comrcio. Fica evidente que o interesse estava relacionado ao prprio projeto do grupo
liderado por Matheus Maylaski, que tinha interesse poltico de solidificar o domnio do seu
grupo social na cidade de Sorocaba. No final, diz que o objetivo do jornal era tornar
conhecido o projeto de implantao da estrada de ferro.
Ao lado deste editorial, ainda na primeira pgina, Ubaldino do Amaral faz uma crtica
situao da cidade de Sorocaba:
Sorocaba mal conhecida, ainda dos visinhos em sua atual fase de prosperidade.
Famosa outrora pela sua feira compartilhou a sorte desse ramo de comrcio. Durante
dez meses a populao inteira se preparava para a feira. No descansavam a bigorna, o
burril, o tear e o cadinho. Todos os ofcios, todas as artes, todas as indstrias, inclusive
as ilcitas, todos os gneros de comrcio, cobravam vida e fora, durante os dois
venturosos meses. O proprietrio no lamentava de ter suas casas fechadas e o resto
do ano nem o capitalista de ter seus cofres em descanso. A felicidade, porm,
6
Primeiro Livro de Atas da Loja Manica Constncia. Arquivo da Loja Perseverana III. O primeiro livro de
matrcula da Loja Constncia foi aberto pelo Grande Inspetor Geral, grau 33 e Venervel Antonio Augusto de S
Fleury, aos 7 de junho de 1886, da era vulgar.
7
Ibid, sob n 162.
28
inconstante: baixou o preo das bestas, sucederam-se feiras ms, a runa entrou em
muitas casas, a banca rota ameaou as mais fortes. Uma desgraa traz sempre outra. O
flagelo das bexigas dizimou a populao. Foram anos de dura provao. O silencio
interessante, os substituiu o rudo dos martelos e o gemido dos teares, as gramneas lanaram suas
missionrios redes em liberdade sobre as caladas , e a morte parecia adejar sobre a cidade do
falam sobre isso. comercio, a esperana da indstria. O princpio regenerador no estava, entretanto,
perdido. Sorocaba nunca tinha de todo abandonado a cultura do algodo, seno para
exportar, ao menos para o fabrico de redes, e de alguns grosseiros tecidos. Quando as
atenes se voltaram para o algodo, Sorocaba foi a primeira que despertou. A reao
comeou, e recrudesceu de dia para dia, todos os braos inteis emigraram para a
lavoura, e em breve s no ganhou dinheiro o ocioso (O Sorocabano, 13/02/1870, p.
1-2).
Fica evidente que o interesse do grupo liderado por Maylaski era convencer a
populao e em especial os negociantes de animais da cidade sobre a importncia de se
adaptar a um novo ciclo econmico, o plantio de algodo, que na perspectiva deles garantiria
o progresso da cidade de Sorocaba, como aconteceu em outros pases, conforme a
argumentao deles e para o qual a instalao de uma estrada de ferro concorreria
positivamente permitindo o escoamento da produo.
8
Ver anexo 2, vol II, p. 3, (foto 2): Ubaldino do Amaral
9
O registro da iniciao do agricultor Roberto Dias Baptista encontra-se no livro de matrcula da Loja
Constncia, sob o n 20. Roberto Dias Baptista, idade 36 anos, natural de Apia, residente nesta cidade,
negociante, solteiro, de religio catlica, apostlica, romana. Foi iniciado. Tomou os graus de companheiro e
mestre a 24 de agosto do mesmo ano. Foi eleito 2 experto no dia 1 de abril de 1848. Eleito mestre de cerimnia
a 19 de maro de 1849, 10 experto a 26 de maro de 1850. Foi elevado ao grau 18 a 29 de setembro de 1850. Foi
elevado ao grau 30 a 12 de outubro de 1850. Riscado do quadro por pertencer ao da Perseverana III em sesso
de 2 de agosto de 1869. Faleceu em 13 de julho de 1885.
29
Segundo Aleixo:
O articulista aponta a situao transicional vivida pela cidade de Sorocaba, que vivia
do comrcio de animais e que experimentava o progresso atravs do plantio de algodo. Ele
tenta de todas as formas mostrar atravs do seu discurso a contribuio que a explorao do
algodo daria cidade. Afirmava que a explorao do algodo foi o primeiro passo para o
progresso da cidade.
Na mesma edio ainda, Maylasky publica uma circular com o ttulo Algodo em
rama. Descreve o declnio do preo do algodo em alguns pases, devido a escassez do
produto e afirma que a cidade de Sorocaba produziria em boa quantidade. Em uma nica
edio, o grupo liderado por Maylasky apontava de forma diferente a necessidade de se
construir a via frrea para a modernizao da cidade.
vlido frisar que estes homens no estavam ligados apenas com a explorao e o
cultivo de algodo. Eles eram maons, segundo Aleixo:
31
Luiz Matheus Maylasky10 se articulava com seu grupo atravs dos jornais na tentativa
de modernizar a cidade, o que favorecia o empreendimento particular dos agentes que
compunham seu grupo.
O projeto seria aprovado por conta das articulaes feitas por Ubaldino e Maylasky e
publicado sistematicamente nos jornais. Eles escreviam justamente para a classe dirigente.
Esta fazia as presses necessrias, a fim de que os dirigentes polticos atendessem os apelos
de Ubaldino e Maylasky. Por outro lado, os dois contavam com o apoio de vereadores. No
haveria dificuldades para aprovao do projeto, alguns vereadores j tinham comprados suas
10
Ver anexo 2, vol. II, p. 4, (foto 3): Luiz Matheus Maylasky.
32
aes da Companhia da Estrada de Ferro: Joo de Aguiar, Fernando Lopes Souza Freire,
Antonio Lopes de Oliveira. Estes vereadores faziam parte do grupo liderado por Ubaldino,
Julio Ribeiro e Maylasky. A articulao do grupo liderado por Maylasky e Ubaldino vinha do
campo manico e do campo poltico sorocabano. Enquanto redatores e articulistas
representavam os interesses da nova elite sorocabana.
33
de Maylasky. Portanto, eles no aguardavam passivamente a aprovao dos ideais postulados
pelo grupo de Maylasky.
No mesmo jornal, Maylasky dirige uma carta aos Lavradores, dando-lhes informaes
e criticando a m qualidade, limpeza e beneficiamento do algodo. Ele havia comprado 872
fardos de algodo e exigia que o algodo fosse melhor explorado. Na pgina 3 do jornal,
Maylasky convida a diretoria da Sociedade Progresso Sorocabano para uma reunio
extraordinria no dia 27 do corrente ano, s 11:00, no edifcio da mesma sociedade. Assinam
a convocao: Luis Matheus Maylasky, Manoel Lopes de Oliveira e Jeremias Wenderico.
Observa-se que o grupo liderado por Matheus Maylasky circulava em vrios campos
sociais da cidade de Sorocaba. Manoel Lopes de Oliveira foi um dos principais industriais da
cidade de Sorocaba. Estava ligado a Maylasky pela maonaria.
Neste sentido, a anlise de Bourdieu nos ajuda a entender que dentro de qualquer
campo existem disputas internas entre os prprios agentes pelo domnio de determinado
capital ou at mesmo a luta por uma posio mais privilegiada. Parece ser o caso aqui.
Aleixo procura registrar os feitos destes homens como um feito herico. Ele tenta
mostrar que a iniciativa em torno da estrada de ferro foi nitidamente manica. Muito mais do
que a iniciativa manica, estava o interesse particular deste grupo. Aleixo no observa as
aes do grupo liderado por Maylasky por um prisma crtico, mas com a perspectiva de
manter o idealismo em torno das aes manicas lideradas por Maylasky, Ubaldino e outros
maons. Por traz dessas iniciativas, havia propostas mais arrojadas, a de ter o domnio da vida
social e poltica da cidade. Eles no eram motivados simplesmente por interesses relacionados
vida pblica, mas muito mais por interesses econmicos e que visavam solidificao da
hegemonia do grupo que pertenciam.
Van Dijk (2008), ao analisar a estrutura do discurso poltico, afirma que ele
elaborado dentro de um contexto com a finalidade de estruturar os processos polticos em
desenvolvimento, ou seja, eles so estrategicamente elaborados com o objetivo de conduzir as
tomadas de deciso em torno do assunto que se postula. O grupo liderado por Ubaldino,
Maylasky e Jlio Ribeiro objetivava formar um consenso em torno da idia que eles
defendiam e que achavam importante para o processo de modernizao da cidade. Como
redatores e articulistas de alguns jornais (O Sorocabano, Gazeta Comercial), eles ao
associarem o problema da iluminao com os vcios e os problemas de ordem moral,
buscavam provocar uma reao dos dirigentes polticos, o que de fato ocorreu da parte de
Olivrio Pillar. Segundo Van Divk, as definies das questes oferecidas pelas elites podem
ter um efeito significante sobre a interpretao e a opinio pblica (2008, p. 225). Este mesmo
autor afirma a existncia de um dilogo institucional, ou seja, so dilogos realizados com e
dentro de instituies e organizaes e representam formas de interao institucional e,
35
portanto, tambm exercem, apresentam, sinalizam ou legitimam uma variada gama de
relaes de poder. Isto pode acontecer no cenrio poltico, nos jornais e organizaes sociais e
outras (p. 63). Esta anlise aplica-se ao nosso caso, pois os debates construdos pelos agentes
sociais que compunham essa parcela da elite sorocabana nos jornais, na Cmara e at mesmo
na Loja legitimavam suas aes dentro do espao social e poltico sorocabano.
36
progresso. Eles at expressam um valor religioso educao ao afirmarem que sem instruo
no existe moralidade e sem moralidade a sociedade um caos. Percebe-se que para eles, a
cidade de Sorocaba estava mergulhada neste caos, pois era carente de educao e de outros
empreendimentos. Viver da explorao econmica oriunda da Feira de Muares era dar
continuidade ao caos. Para romper com este ciclo econmico era preciso investir em novos
empreendimentos, no caso: construo da estrada de ferro, explorao do algodo e instruo
pblica.
A meno Loja Perseverana III remete-nos a outro fator que contribuiu para a
reconfigurao do campo poltico da cidade: a ruptura com a antiga Loja Manica
Constncia. Segundo Aleixo (1999), o grupo liderado por Ubaldino e Maylasky entendia que
37
esta Loja defendia os ideais conservadores diante da realidade histrica da cidade de
Sorocaba.
11
Primeiro livro de atas da Loja Perseverana III, 31 de julho de 1869. Arquivo da Loja Perseverana III.
12
Cpia do original. Acervo pessoal. Encontrei o original do Livro de Atas da Loja Constncia, do livro de
matrcula e do livro da tesouraria no Gabinete de Leitura Sorocabano. Os livros estavam colocados entre outros
livros no catalogados. Aps a retirada para leitura e sua devoluo, no os encontrei mais para consulta.
13
Livro de matrcula da Loja Constncia, inscrito sob n 10, 8 de abril de 1847 da era vulgar, Oriente de
Sorocaba, rua da Boa Vista, subordinada ao Grande Oriente do Brasil e ao Grande Oriente do Rio de Janeiro.
14
Ibid, sob n 13.
15
Ibid, sob n 20
38
Foi elevado ao grau 30 a 12 de outubro de 1850. Riscado do quadro por pertencer ao
da Perseverana 3 em sesso de 2 de agosto de 1869. Faleceu a 13 de julho de 1885.
16
Ibid, sob n 19.
17
Ibid, sob n 26.
18
Ibid, sob n 66.
19
Ibid, sob n 163.
20
Ibid, sob n 105.
21
Ibid, sob n 151.
22
Ibid, sob n 89.
23
Ibid, sob n 150.
24
Ibid, sob n 152.
39
Vicente de Paula Gomes25 iniciado em 01/07/1865: brasileiro, natural e morador desta
cidade, idade 26 anos, solteiro, de religio catlica, apostlica, romana. Recebeu o
grau de mestre a 22 de julho de 1865. Recebeu o grau 17 a 14 de abril de 1866. Eleito
secretrio a 27 de maio de 1866. Reeleito em 1867, idem em 1868. Serviu de mestre
de cerimnias interino por 2 meses antes de ser secretrio. Riscado do quadro por
pertencer ao da loja Perseverana 3 em sesso de 2 de agosto de 1869.
Jos Ferreira Braga26 iniciado em 26/03/1850: natural e morador desta cidade, 32 anos,
casado, negociante e de religio catlica romana. Foi regularizado, recebeu o 1 grau
de aprendiz. Riscado do quadro por pertencer ao da loja Perseverana 3, em 2 de
agosto de 1869.
Luiz Matheus Maylasky28, hngaro, natural da Hungria, morador desta cidade, idade
de 28 anos, solteiro, negociante, de religio catlica, apostlica, romana, recebeu o
grau 3 no dia 17 de julho do mesmo ano. Riscado do quadro por pertencer a Loja
Manica Perseverana 3, em sesso de 2 de agosto de 1869.
25
Ibid, sob n 142.
26
Ibid, sob n 139.
27
Ibid, sob n 153.
28
Ibid, sob n. 149
29
Ibid, sob n 77.
30
Ibid, sob n 93.
31
Ibid, sob n 69.
40
suas ocupaes identificadas. Praticamente, todos eram do grau 3 e alguns tinham alcanado
posies de destaque dentro da maonaria sorocabana32.
Eles parecem representar grupo social elitizado, que seria responsvel pela
diversificao do comrcio, das indstrias, da estrada de ferro na cidade de Sorocaba, como
discutido anteriormente. Eles moravam na regio central da cidade, significando um
posicionamento estratgico e de diferenciao social: a ocupao do espao social permitiu
uma maior propagao das suas idias e o controle do poder da cidade. Alm disso, as Lojas
tambm estavam localizadas na regio central da Cidade. Nota-se, tambm, que estes
maons foram iniciados praticamente na mesma poca, o que significa que quando
organizaram a ruptura com a Loja Constncia, eles no fizeram apenas por causa dos ideais
que defendiam, como veremos a seguir, mas tambm, pelo vnculo manico originado na
iniciao e a solidificao dos seus interesses polticos representados pela atuao e controle
da Cmara Municipal da cidade de Sorocaba. O ano da formao da Loja Perseverana III
est atrelado s disputas ideolgicas que seus principais agentes realizaram no campo poltico
e no campo manico sorocabano. Segundo Aleixo (1999), a ruptura com a Loja Constncia
significava para os organizadores da Loja Perseverana III, a ruptura com o retrocesso, com a
ideologia retrgrada marcada pela monarquia. Mas, como pontuei, a ruptura estava atrelada
aos seus interesses polticos e econmicos.
Em seu estudo sobre a urbanizao no Brasil no sculo XIX, (Costa, 2007), faz a
seguinte anlise:
32
A maonaria formada por vrios graus. Ela dividida em Loja base e graus filosficos. A Loja base vai do
grau 1 (aprendiz maon), grau 2 (companheiro maon) e grau 3 (mestre maon). Os graus chamados filosficos
vo do grau 4 ao 33.
41
Controlar a vida urbana atravs da sua ao poltica foi a forma pela qual o grupo
liderado por Maylasky disseminou e legitimou seus interesses econmicos, sociais e polticos.
Como veremos, eles no somente dominaram o campo poltico, mas tambm educacional e
ajudaram na configurao de um novo campo religioso, que representava para o grupo o
surgimento na cidade de uma ideologia que vinha ao encontro dos seus interesses
progressistas.
Eles se organizavam no somente pelas profisses, mas tambm por ideais polticos e
interesses afins. Neste momento de incio da histria poltica republicana33, ser maon parece
significar um compromisso, o selo de uma aliana em torno de ideais e interesses comuns,
hiptese que reforada pelo fato dos mais altos graus da hierarquia manica pertencerem
queles mais diretamente comprometidos com a propaganda e, posteriormente, com a
construo do estado republicano (Hilsdorf, 1986; Souza, 1998).
Moraes afirma:
33
vlido lembrar que o manifesto Republicano de 3/12/1870.
42
partido poltico na clandestinidade, rgido e organizado quando ainda invivel, pelas
vias legais, a ao partidria aberta (2006, p. 100)
Moraes acentua que a Maonaria em certos momentos da histria pode ser vista como
uma organizao poltica. Numa perspectiva, diferente da adotada por Moraes, entendo que a
maonaria sorocabana pode ser analisada como um campo de poder e um campo poltico, e
no necessariamente como organizao poltica.
O grupo que liderava a organizao de uma nova Loja manica em Sorocaba tinha
muito claro as motivaes. A reunio liderada por Jos Leite Penteado traava as estratgias
necessrias para a organizao da nova loja sob motivaes inspiradas nas articulaes do
jovem Rui Barbosa, que no interior da Loja Amrica, em So Paulo, articula um projeto para
a emancipao dos escravos e a proclamao da Repblica. O grupo dissidente da Loja
Constncia compreendia a necessidade de libertar os escravos e de educ-los.
44
Atravs da Ata acima mencionada, podemos observar a construo de relaes de
poder formada por intelectuais maons que tinham muitas afinidades: ideais manicos, os
laos de amizades e a ideologia do grupo. Neste sentido, no interior de da Loja manica na
cidade de Sorocaba que os agentes sociais legitimam e do visibilidade a um movimento
poltico que reorganiza o espao social, configurando um novo campo de poder. neste
campo de poder institudo pela Maonaria Sorocabana que vai acontecer todo um processo e
divulgao de novas idias.
O fim da escravido e a instruo popular seriam para estes agentes sociais o incio de
uma era de modernizao da sociedade. Alm destas bandeiras, eles defendiam o fim do
regime monrquico, a implantao da Repblica. A cidade no tinha mo de obra qualificada
para operar as maquinarias vindas do exterior. Neste sentido, a reconfigurao do modo de
produo era uma bandeira ideolgica da elite sorocabana formada neste perodo por maons
que se definem progressistas.
45
maonaria como organizao poltica q participou ativamente do
movimento q instaurou a Repblica.
como a Maonaria atuou num momento decisivo da histria brasileira. Sua proposta esclarece
aspectos importantes da maonaria como organizao poltica, que assume uma posio na
histria, que luta para a configurao e solidificao do poder.
A segunda abordagem sustentada por Mansur Barata (2000), que por sua vez procura
compreender a maonaria como uma rede de sociabilidade, embora no descarte o carter
poltico do movimento.
46
nos meios urbanos e rurais (Tasifanato, 2004, p. 34). Propunha a extino do trabalho
escravo:
Neste sentido, os ideais republicanos vinham ao encontro das aspiraes polticos dos
principais expoentes da Maonaria Brasileira. Os maons compreendiam que:
Segundo Aleixo (1999), a ciso que ocorreu em 1869, na Loja Manica Constncia,
era em razo de que boa parte dos agentes manicos pertencentes a esta Loja defendiam
48
ideais conservadores, neste caso o modelo poltico monrquico. Os dissidentes que
organizaram a Perseverana III defendiam os ideais liberais e mais tarde republicanos.
O mesmo Ir.. Ven.. disse estar autorizado pelo Ir.. Luiz Matheus Maylasky a
declarar solenemente em Loj.. que, conquanto fizesse parte na instalao da Loj..
Perseverana 3 desta cidade, todavia nunca tinha deixado de pertencer ao quad.. da
Loja Constncia, por isso que constava-lhe ter sido riscado de seu quad.. sem ser ele
ouvido; que por desavena pessoais com IIr.. desta Offic.. (que hoje esto fora
della) tinha deixado de freqentar, mas que desejando tomar parte ativa nos trab.. da
Loj.. o tinha encarregado e autorizado a fazer a declarao pedindo que fosse
considerado de nenhum efeito a nota tomada sobre a sua excluso do quad..
Consultado a Loj.. a respeito da declarao e manifestao por parte do Ir..
Maylasky, foi unnime deliberado e resolvido que se declarasse de nenhum efeito a
aludida nota, e que o Ir.. Ven.. transmitisse esta resoluo aquele Ir.. (2. Livro de
Ata da Loja Manica Constncia, 09/03/1875, p. 117).
Segundo esta nota, Matheus Maylasky tentou esclarecer o episdio que relacionava a
sua pessoa na ocasio da ciso da Loja Constncia efetuada pelos maons organizadores da
Loja Perseverana III. Ele afirma que foi riscado do quadro da Loja Constncia sem ter sido
ouvido e que deixou de freqent-la por desavenas pessoais com alguns irmos da Loja
Constncia. O seu posicionamento levado pelo Venervel Mestre Antonio Augusto de Pdua
Fleury foi aceita por unanimidade pelos irmos que participaram da reunio realizada em
9/03/1875, reintegrando Maylasky Loja Constncia. Esta reunio precedeu a reunio do dia
13/03/1875, cujo objetivo era a eleio da nova diretoria da Loja Manica Constncia. Nesta
reunio Luiz Matheus Maylasky foi eleito venervel Mestre da Loja Constncia (2. Livro de
Ata da Loja Constncia, 1875, p. 118). Instalado como Venervel desta Loja em (Ibid,
49
13/06/1875, p. 123). Maylasky passa a assinar as atas subseqentes como venervel,
rompendo assim com a Loja Perseverana III, talvez porque no teve apoio para suas
pretenses polticas.
A ata consultada permite perceber que Matheus Maylasky, interessado em concorrer
liderana da Loja Constncia, esclarece que teve problemas pessoais no interior da Loja. Sua
permanncia na Loja Constncia vai durar poucos anos, pois em 1878 funda a Loja Manica
Araoiaba, com a participao de dois membros da mesma Loja: Alexandre Marchisio e
Francisco Almeida. A criao desta Loja parece estar ligada s intenes polticas de
Maylasky em relao s eleies municipais que se aproximavam. A sua circulao em vrias
lojas manicas parece sugerir no somente a necessidade de estabelecer relaes de poder
com outros grupos, mas tambm, a necessidade de se obter apoio para a sua pretenso poltica
municipal, que provavelmente, no foi apoiada pela Loja Perseverana III.
H um conflito recorrente no campo poltico sorocabano entre os agentes que
compunham a maonaria sorocabana. Maylasky e Coronel Antonio Lopes entram em
demanda nas pginas dos jornais da cidade. Maylasky utiliza o jornal O Colombo para se
posicionar, enquanto Antonio Lopes utiliza o jornal Ypanema. O partido liberal sorocabano
neste contexto apia a candidatura de Teixeira Cavaleiros e do major Bernardo de
Mascarenhas Martins. Maylasky recebe apoio de liberais de Tatui. (Aleixo, Vol I, 1999, p.
229). Em Sorocaba, Maylasky enfrentou muitas acusaes sobre sua pessoa. Neste contexto, o
partido liberal sorocabano estava dividido. Roberto Dias Baptista e Manuel Monteiro criaram
um partido chamado Progressista. Apoiavam a candidatura de Maylasky atravs do jornal O
Colombo. Os que permaneceram no partido liberal apoiavam a candidatura do Cel. Antonio
Lopes de Oliveira atravs do jornal Ypanema.
possvel dizer que o campo poltico sorocabano estava em conflito. Estes agentes
faziam parte da maonaria sorocabana, mas por interesses polticos se dividiram neste
contexto.
O historiador maon Aleixo afirma que a Loja Manica Perseverana III foi
organizada por defender ideais abolicionistas (Vol I, p. 58). Mas, observei tambm no
segundo Livro de Atas da Loja Manica Constncia um movimento neste sentido:
O Ir.. Orad.. props, pedido do preto Bernardino, escravo do Ten. Cor. Francisco
Gonalves de Oliveira Machado, que a Loj.. subscrevesse uma quantia qualquer para
ajud-lo em sua liberdade; que no indicava a quantia por ignorar o estado do cofre do
Ir.. de Ben.. Informado ento pelo Ir.. Hosp.. existir em seu respectivo cofre trinta e
tantos mil ris, o Ir.. Sa Fleury indicou que se subscrevesse dez mil reis, para ser
entregue logo que se realize a alforria. Posto em disc.. a indicao, reinou silencio, e
votos foi por unanimidade aprov.., ficando o Ir.. Orad.. autorizado a despender a
50
quantia indicada (2. Livro de Atas da Loja Manica Constncia, 29/05/1875, p.
122).
Com a libertao dos escravos, esta parcela da elite sorocabana percebeu que no seria
possvel participar da nova configurao poltica nacional, se a sociedade no estivesse
preparada do ponto de vista educacional. Da, a necessidade de se criar escolas para
responder as lacunas do novo momento poltico e econmico do Brasil.
52
Jernimo Antonio Gonalves. Neste mesmo dia, instalou-se em Sorocaba o Clube
Republicano.
Salve 89! Acaba de se realizar a reforma mais grandiosa e por conseqncia a mais
importante reclamada pela alma nacional, para dar vida a esse corpo inerte, movido
apenas pelos impulsos de uma velha mquina, j gasta a Monarquia. Somos livres,
no cessamos de expansivamente repetir. Quebraram-se os ferros que nos
aguilhoavam e o povo convulsionado pelo entusiasmo de momento corre s praas
pblicas festejando o faustoso acontecimento e dando mostra de que o Brasil, vtima
at agora de certos preconceitos, embaidos pela sua educao poltica, hoje se ergue
desiludido abrindo para seus filhos uma nova era de felicidade e recompensas. Povo!
Se s livres, deves ser grande e tambm pela fora de vontade; rasguem-se os ttulos
de nobreza comprada; mas ergam-se altura de verdadeiros princpios os ttulos
nobilirios que nos ho de vir da honra e do trabalho a nobreza inata no corao
e aperfeioada pela conscincia de nossos atos. Faamos do trabalho os degraus da
escada social. No nos arreceis de que mais venham arrancar-vos os amargos frutos
de vossos pungentes esforos! ... Salve, 15 de Novembro de 1889. Viva a
Repblica! Viva o Brasil!.
Compreendo que a aproximao com o segmento elitizado da cidade foi possvel por
causa das idias, objetivos, interesses comuns e a nfase dada educao como instrumento
instaurador da modernidade, do progresso e da emancipao do ser humano. O que aproxima
das anlises realizadas por Hilsdorf (1977 e 1986). Por outro lado, a aproximao foi possvel
tambm pela valorizao de determinado capital cultural, social e econmico compartilhado
pela elite sorocabana liderada por maons. A relao estabelecida entre maons e outros
seguimentos da sociedade era uma relao de poder, que visava a legitimao, a dominao e
um lugar no espao social em Sorocaba, marcado pela lgica dos interesses de cada grupo.
Trago, subscrita por essa presidncia, por Leite Penteado e por mim, a seguinte
proposio que esperamos merecer a aprovao da oficina: 1o) a jia da iniciao ser
de 25$000; 2o) a mensalidade de 1$000; 3o) colocar-se- na oficina uma caixa
Emancipao, na qual os iniciados, a convite do venervel e de qualquer irmo,
quando queiram, depositaro suas ofertas; 4o) o produto dessa caixa ser
exclusivamente destinado libertao de crianas do sexo feminino de 2 a 5 anos de
idade; 5o) as crianas assim libertadas ficam sob a proteo da oficina; 6o) sero
absolutamente proibidos os banquetes, ceias, copo dgua que o uso tem admitido nas
iniciao, devendo o venervel convidar os recipiendrios para converter em quantias
que despediriam com isso em donativos Caixa de Emancipao; 7o) sero criadas
escolas para adultos e menores. As escolas sero noturnas; mantidas pela oficina para
o ensino gratuito das primeiras letras.
A proposta redigida pelo Venervel Leite Penteado e por Ubaldino, aprovada por
unanimidade, sugere a libertao de filhos de escravos e a construo de escolas a eles
55
destinadas. Para tanto, seriam proibidos os banquetes e foi sugerida a construo da caixa
emancipatria, destinada libertao de filhos de escravos. Aleixo afirma: Essa propositura
mostra a distancia entre a Perseverana e aqueles que ficaram na Constncia, teimosos em no
se definir, no momento histrico em que a prpria poltica nacional impunha ao e lutar
pelas reformas da estrutura social e econmica do pas (1999, p. 58). Como j mencionei
acima, Aleixo tenta de todas as maneiras mostrar que as duas Lojas estavam distanciadas por
questes polticas e ideolgicas. Porm, como j demonstrei, a Loja Constncia tambm
adotou a implantao de uma escola noturna e libertou alguns escravos que pertenciam a
maons integrantes dessa loja.
A iniciativa da Perseverana III no lhe era exclusiva, porm foi pioneira. Outras
Lojas estavam adotando esta ao poltica34: a articulao da maonaria na construo de uma
nova ordem poltica era ampla, portanto, no estava restrita apenas a cidade de Sorocaba, e
alguns exemplos da mesma luta pode ser percebido na atuao da Loja Independncia de
Campinas, organizada em 1867. Em novembro de 1869, esta Loja resolveu mudar o nome do
Tronco de beneficncia para Tronco de Libertao, cuja arrecadao seria integralmente
destinada alforria de escravos. Em 6 de fevereiro de 1869, a Loja Independncia de
Campinas idealizou atravs do maon e agricultor Antonio Pompeu de Camargo o colgio
Culto Cincia, que s foi organizado em 12 de janeiro de 1874 (Neto, 2008).
Outro trabalho interessante foi realizado pela mesma historiadora em 2003, intitulado:
A socializao da fora de trabalho Instruo popular e qualificao profissional no Estado
de So Paulo (1873-1934). Entre outras coisas, ela tambm destaca a ao educacional da
maonaria na organizao de escolas e cursos noturnos para os operrios. Ela analisa que
algumas lojas manicas organizaram escolas noturnas com o objetivo de atender homens
34
Giusti, Antonio. A Maonaria no Estado de So Paulo. Revista Manica. Grande Oriente de So Paulo,
1918. Este rgo oficial da Maonaria traz a ao de vrias Lojas no Estado de So Paulo que implantaram
escolas noturnas.
56
pobres de condio livre, mas tambm escravos (p. 90). Ela elenca as iniciativas das seguintes
lojas: Amrica de So Paulo, Loja Unio e Fraternidade de Mogim Mirim, Loja
Independncia de Campinas, Loja Cruz dOeste de Araraquara, Loja Regeneradora de Tatu,
Loja Constncia de Sorocaba, Loja Fraternidade de Taubat. Percebe-se, portanto, que a ao
educacional da maonaria era uma ao mais ampla, ou seja, fazia parte de um movimento
educacional liderado pela Maonaria brasileira e no um movimento isolado e independente
de cada Loja.
o caminho para alcanar a liberdade e o progresso era difundir a educao, e isso era
parte do projeto das lojas manicas paulistas. A grande campanha pela instruo do
povo foi deflagrada na Provncia de So Paulo pela maonaria republicana e,
posteriormente, pelos clubes republicanos. As lojas manicas foram as primeiras a
criar, na provncia, escolas ou aulas noturnas para alfabetizao de adultos,
trabalhadores livres e escravos (p. 6).
57
e os menores com autorizao dos pais, tutores, etc. A aula diurna foi aberta a 15 de
A escola manica junho do mesmo ano, e funciona das 8 horas ao meio dia. So professores da primeira
era gratuita e ainda os senhores: Antonio Jos Cardoso, Henrique Antonio Barnab Vicent, Vicente
fornecia o material Rodrigues da Silva, Luiz Gonzaga Pinto da Gama. professora da segunda a senhora,
didtico. D. Guilhermina de Santa Anna Junker. A escola diurna funciona rua 25 de maro.
Nestes estabelecimentos, alm de ensino gratuito, fornecido aos alunos todo o
material do ensino. (Correio Paulistano, 3/04/1870).
Percebe-se pela nota publicada no jornal Correio Paulistano que existiam pessoas de
vrias classes sociais freqentando a escola noturna e a escola diurna organizada pela Loja
Amrica, inclusive vemos a presena de escravos, estrangeiros e pessoas oriundas de classes
sociais desfavorecidas.
35
A Loja Manica Sete de Setembro em So Paulo fundada por iniciativa de Francisco Rangel Pestana,
Campos Salles, Quirino dos Santos, Luiz de Vasconcellos, Pereira Coutinho e pelo Frei Vicente Ferreira Alves
Rosrio, organizada em 1862, tambm aderiu ao movimento de abertura de escolas noturnas motivados por
vrias Lojas no Brasil. Em 1918, a Loja mantinha sob sua responsabilidade 24 escolas mistas e cinco grupos
escolares, perfazendo 1.967 alunos. Destes 1.710 eram brasileiros, 101 italianos, 95 portugueses, 51 espanhis, 6
argentinos, 2 japoneses e 2 alemes. Dos 1.967, 1.057 eram filhos de italianos, 330 de portugueses, 315 de
brasileiros, 198 espanhis, 40 filhos de srios, 10 de alemes, 4 de belgas, 6 de argentinos, 3 de austracos, 2
filhos de franceses e 2 de japoneses, consultar: GIUSTI, Antonio. A Maonaria no Estado de So Paulo. Revista
Manica. Ano VIII, julho de 1918, n. 6, p. 89. As informaes foram extradas pelos maons do jornal O Pas
que circulava no Rio de Janeiro. Eles dizem que era uma carta encaminhada por uma pessoa de So Paulo ao
referido jornal. Eles reproduzem na ntegra a carta no jornal para mostrar que a Loja Manica Sete de Setembro
tinha sido alvo de ataques dos catlicos no 5 Congresso da Confederao Catlica. Segundo a revista,
representantes do catolicismo fizeram o seguinte pronunciamento: O 5 Congresso da Confederao Catlica
reprova como contrrias aos princpios da nossa f e portanto vedadas aos verdadeiros catlicos as Escolas
Maternais, Sete de Setembro, da Associao Crist de Moos e as chamadas Americanas. Alm da disputa de
poder tanto no campo religioso, poltico e educacional, a carta sugere que o movimento educacional da
maonaria se estendia por outros lugares do pas.
58
O projeto de Rui Barbosa propunha, ainda, punio as Lojas que no integrassem o
movimento encabeado pela Maonaria. No artigo 5o afirma:
Nenhum individuo poder mais obter o ttulo e os privilgios de legitimo maom sem
que primeiramente, antes de receber a iniciao, declare livres todas as crianas do
sexo feminino que da em diante lhe possam provir de escrava sua (Ibid, 1871)
Esta interpretao feita por Aleixo, em mostrar que a abolio e educao foi uma
postura adotada antecipadamente pela Loja Perseverana III, parece tambm demonstrar certa
necessidade de legitimao no campo manico. Leite Penteado dirigiu as seguintes palavras
aos dissidentes da Loja Manica Constncia:
Ubaldino do Amaral e Leite Penteado em visita Loja Amrica discutiram com Rui
Barbosa as idias que legitimariam suas aes polticas na cidade de Sorocaba. Em 7 de
agosto de 1869, Leite Penteado afirma:
59
Ubaldino do Amaral na mesma sesso prope um aditivo, que dizia: no dia 7 de
setembro de todos os anos obrigatria a libertao de uma criana, ao menos. Na falta de
fundos correr uma subscrio entre os irmos (1o Livro de Atas Perseverana III, 1869). A
proposta foi aprovada pelos membros presentes. Nesta mesma sesso os membros da Loja
fazem uma arrecadao de 1$200 ris para a benemerncia. Na sesso seguinte levantaram
10$000 ris para a libertao do escravo Jos e seus filhos, propriedades de Ana do
Sacramento. Nesta mesma sesso foi aprovado o regulamento da escola noturna (1o Livro de
Atas, 29/08/1869).
Consulto ao irmo Penteado se desincumbiu, com xito, da tarefa que lhe foi
confiada. Leite Penteado Sim, ven. Mestre. Quatro so as crianas que a loja, hoje,
pode oferecer liberdade. Vicente Eufrsio Congratulo-me com todos pela
aquisio que fizemos, visando um ideal maior. As condies e os preos ficaro para
serem acertados na prxima sesso econmica, uma vez que a de hoje tem o fim
especial e por isso extraordinria, de regularizao e sagrao do templo.
O que se observou que estes agentes sociais exerciam uma liderana no interior da
prpria Loja antes mesmo de conquistar o poder poltico da cidade. No nosso caso, a
hegemonia da elite manica sorocabana entra numa crise em relao ao modelo poltico
mantido pelo poder Imperial. A elite em formao, no caso, os republicanos, confrontou a
hegemonia da prpria elite monrquica atravs de reconfigurao do seu papel na sociedade
sorocabana, provendo uma luta de poder dentro do prprio campo manico.
61
1.3. OS INTELECTUAIS MAONS E PROTESTANTES
62
indstrias, imprensa, comrcio, escolas) construram alianas com diferentes grupos sociais,
modernizaram a cidade e utilizaram a imprensa para a formao de um consenso em torno das
novas ideologias.
os ideais dos encontro do modelo poltico que a elite sorocabana pretendia implantar (Hilsdorf, 1977, 1986;
protestantes Ramalho, 1975 e Mendona 2008).
vinha ao
encontro do Tanto o movimento republicano como o movimento protestante utilizaram-se da
interesse dos
imprensa para divulgarem suas ideologias. A Maonaria atravs de vrios jornais, como j
maons
exposto acima, e o protestantismo atravs do jornal de circulao nacional, A Imprensa
Evanglica, e dos jornais locais, O Sorocabano e Gazeta Comercial, que pertenciam a Jlio
Jlio Ribeiro Ribeiro, intelectual protestante e membro da Loja Manica Perseverana III.
intelectual
protestante e No contexto sorocabano, a escola era vista como um instrumento capaz de formar
maom intelectuais de diversos nveis, qualificar os alunos para o trabalho e at mesmo de
estabelecer uma sociedade moderna. Cada categoria de escola no mbito econmico e a
adversidade de aspirao das vrias classes sociais determinavam a postura e a especializao
do seu intelectual, estabelecendo desta forma a sua relao com o mundo da produo. Os
protestantes e maons perceberam na escola o instrumento para legitimar sua forma de
dominao. O protestantismo criou uma escola voltada para a formao do ser humano
atravs dos valores tico-morais. A maonaria atravs da educao queria preparar o
individuo para atuar naquele momento histrico marcado por profundas transformaes
econmicas. Ela pretendia preparar a classe dominada para a utilizao das novas tcnicas
que o processo de industrializao exigia (Moraes, 2003).
Entendo que a relao que o intelectual estabelece com o mundo de produo uma
relao mediatizada e determinada pelo tecido social, ou seja, ele atua conforme os interesses
da classe que est inserido. Do ponto de vista da dominao, o intelectual definido pela elite
como representante da sua hegemonia, agente do grupo social que pertence e responsvel pelo
consenso ideolgico. O fato de pertencer ao campo letrado, no significa que o intelectual no
possa participar de outros campos. Pelo contrrio, o campo letrado e o campo poltico podem
63
se aproximar e estabelecer relaes de poder atravs dos seus agentes, que possuem
determinado capital simblico e cultural.
36
Ver anexo 2, vol II, p. 5, (Foto 4): Jlio Ribeiro (1886).
64
Na edio de 3/06/1870, escreve um artigo sobre a necessidade que a cidade tinha de
gua. Nesta mesma poca, ele tinha companheiros maons na Cmara Municipal: Olivrio
Pillar, Joo de Aguiar, Fernando Lopes Souza Freire, Antonio Lopes de Oliveira. Os
problemas discutidos no interior da Loja ganhavam dimenso pblica atravs do jornal com a
finalidade de construir um consenso em torno das idias postuladas. Em seu artigo sobre a
necessidade da gua, Ubaldino pede o bom senso dos dirigentes polticos sobre o assunto.
Outros assuntos que aparecem no mesmo jornal faziam parte das reflexes de
Ubaldino e Maylasky: a questo do matadouro (19/06/1870), o Brasil e a inquisio
(29/06/1870), a industrializao (21/07/1870); neste artigo em especial, Ubaldino transcreve
um texto publicado no jornal O Americano, onde se afirma que o industrialismo h de
revigorar o mundo moral, dando-lhe alimento novo. No mesmo jornal, eles retomam a defesa
do algodo, descrevendo a importncia do seu cultivo. Diziam tratar dos interesses da
municipalidade (O Americano, 03/08/1870), porm, seus artigos se relacionavam com os seus
prprios interesses polticos e econmicos. O jornal de 11/03/1870 publicou os atos da
Cmara dos Deputados que aprovaram o projeto de construo da estrada de ferro que ligaria
os maons no Itu Sorocaba. Defendiam a necessidade de um cemitrio protestante, bandeira levantada por
estavam Julio Ribeiro em Sorocaba (Sorocabano, 06/10/1870). .
interessados
no interesse no O Sorocabano de 23/04/1871 que comeam a ser publicados alguns artigos de
pblico e sim
Julio Ribeiro. Enquanto intelectual protestante e maon, Jlio Ribeiro defendia tambm os
em seus
prprios interesses de Maylasky e de Ubaldino. Estes, por sua vez, defendiam os interesses de Jlio
interesses. Ribeiro ligados ao campo religioso protestante.
Segundo Lessa (1938), Jlio Ribeiro foi recebido por profisso de f e batismo pelo
Rev. Chamberlain em 17 de abril de 1870 em So Paulo. No ano seguinte, casou-se em
Sorocaba com a filha do comerciante Jos Anthonio de Souza Bertholdo (4/2/1871). o
segundo registro de casamento no-catlico que ocorre na cidade, como vemos na certido
expedida pelo celebrante, o mesmo missionrio americano Rev. G.W. Chamberlain:
65
de Souza, estado solteira, da idade de quatorze anos, filha legitima de Jos Antonio de
Souza Bertholdo e Antonia Maria de Souza com domicilio em Sorocaba, e moradora
atualmente na mesma cidade, do que tudo passo esta certido que por ser verdade
assino. Sorocaba quatro de fevereiro de mil oitocentos e setenta e um. Rev. Sr. G.W.
Chamberlain (Livro de Registro de casamento de Nacionais e Estrangeiros, no-
catlicos, n. 85).
Aos onze dias do ms de Outubro de mil oitocentos e setenta e cinco, nesta cidade de
Sorocaba, provncia de So Paulo, perante mim e em presena das testemunhas no fim
nomeadas e assinadas, compareceu Julio Ribeiro, escritor, natural da Provncia de
Minas Gerais, e residente nesta cidade, e declarou: Que no dia vinte e quatro de
dezembro do ano prximo passado, a uma hora da madrugada, nesta cidade, nasceu
uma criana de sexo masculino batizada segundo os ritos da Igreja Evanglica
Presbiteriana com o nome de Jorge Washington Ribeiro, filho legitimo dele declarante
e sua mulher dona Shofia A. L. Ribeiro, esta natural desta cidade e residente em
companhia dele declarante, no existindo e nem tendo tido outros filhos com igual
nome. So seus avs paternos Jorge Washington Vaughan e sua mulher dona Maria
Francisca Ribeiro; e maternos Jos Antonio de Souza Bertholdo e sua mulher Dona
Antonia Maria de Souza Bertholdo.- E para constar fiz este assunto que depois de lido
estar conforme comigo assinado o declarante com as testemunhas Antonio Pedro
Correa da Silva e Francisco de Figueira Coimbra. Eu Francisco Teixeira de Souza
Leite, escrivo o escrevi (Livro para registro de nascimento de Nacionais e
Estrangeiros, 1875, p. 04).
66
para tornar-se conhecido, materializou sua bagagem intelectual na imprensa jornalstica
sorocabana, na produo de obras literrias e aes polticas. Mas ele no dependia somente
do seu capital cultural, utilizou-se tambm de forma estratgica das relaes de poder que lhe
garantiam sua ascenso social e poltica. Jlio Ribeiro foi transferido da Loja Amrica, de So
Paulo, segundo Aleixo (1999, p. 103 ), e filiou-se Perseverana III em 25 de fevereiro de
1871.
O trabalho de Silveira traz uma rica abordagem da figura polmica de Jlio Ribeiro.
Aborda sua vida e contribuio no contexto sorocabano, mostrando-o como um intelectual
que se posicionou frente ao embate poltico na sociedade sorocabana no final do sculo XIX,
o que do nosso interesse destacar. A trajetria intelectual de Jlio Ribeiro poderia ser
analisada atravs da imprensa sorocabana e nos seus escritos literrios, embora tivesse uma
atuao alm das fronteiras da cidade de Sorocaba. Meu recorte a respeito da sua atividade
intelectual em Sorocaba restringe-se, no entanto, ao enfoque que proponho neste trabalho:
homem da imprensa sorocabana, quando teve a oportunidade de ser redator de dois jornais da
cidade, O Sorocabano e a Gazeta Comercial e intelectual no campo literrio.
67
A respeito da produo literria de Jlio Ribeiro, podemos destacar algumas obras: O
Padre Belchior de Pontes (1876), Gramtica Portuguesa (1881), Cartas Sertanejas (1885), A
Carne (1888). Segundo Silveira (2008), as obras de Jlio Ribeiro eram bem recebidas no
campo letrado paulista, sobretudo o livro o Padre Belchior e a Gramtica Portuguesa.
O texto padre Belchior foi publicado inicialmente na Gazeta Comercial entre 1874-
1875, jornal de propriedade de Jlio Ribeiro. Silveira faz o seguinte comentrio sobre esta
obra:
Na obra Padre Belchior, Jlio Ribeiro como intelectual se mostra anticlerical, talvez
por duas razes: por pertencer ao campo religioso protestante e por pertencer ao campo
manico sorocabano. Campos distintos, mas que viam no catolicismo um inimigo comum.
Em sua obra A Carne, Jlio Ribeiro retorna sua crtica ao catolicismo e talvez ao
presbiterianismo no que diz respeito s proibies que estas religies impunham sobre a
Jlio Ribeiro liberdade humana. Nas Cartas Sertanejas, publicadas inicialmente no jornal Dirio Mercantil
seria um
de So Paulo, o intelectual Jlio Ribeiro, entre muitos assuntos polmicos, combatia as
crtico do
puritanismo qualidades intelectuais e o despreparo poltico de Campos Salles e Prudente de Moraes,
presbiteriano. eleitos para a Assemblia Geral em 1885.
68
confrontavam diretamente interesses de outros agentes sociais que no pertenciam ao campo
poltico de Jlio. Apologtico, porque externavam interesses polticos e pessoais do referido
intelectual. Seu posicionamento poltico e ideolgico foi extremamente importante para sua
insero no campo intelectual e poltico da cidade de Sorocaba. Seu posicionamento poltico
levou a entender que o modelo poltico sustentado pelo Imprio era um retrocesso para o
processo de modernizao do Brasil, e consequentemente, para a prpria cidade sorocabana.
Isto vinha ao encontro dos interesses da elite sorocabana, que desde a dcada de 70
posicionava-se politicamente na construo de uma sociedade republicana. O modelo seria
implantado muitos anos depois, mas o grupo social a que Julio pertencia nessa dcada de
1870 j almejava a construo de uma sociedade mais democrtica e liberal. Este grupo social
era formado por maons e protestantes, que mantinham relaes de poder para a solidificao
dos seus interesses recprocos. Como Hilsdorf (1977, 1986) j caracterizou como um
movimento geral da sociedade paulista da poca, as alianas oferecidos por maons, liberais e
republicanos ao movimento protestante, e vice-versa, aconteciam tambm em Sorocaba.
Como intelectual Jlio Ribeiro exps sua opinio sobre diversos temas, que a
configurao das foras desse campo fazia predominar na cidade: abolio, religio, instruo
e poltica.
Talvez a sua obra literria e alguns dos seus posicionamentos ao longo da sua
trajetria intelectual, ao confrontar diretamente algumas doutrinas do protestantismo,
expliquem a sua marginalizao pela historiografia protestante. Lessa o descreve como ateu:
Muito embora Julio Ribeiro tivesse vacilado na f, sua velha progenitora D. Maria Francisca
marginalizado
pela permaneceu firme em suas crenas (1938, p. 82). Esta marginalizao de Jlio no campo
historiografia historiogrfico presbiteriano pode ser justificada pela prpria teoria do campo em Bourdieu,
protestante
ou seja, quando determinado agente que pertence a um campo especfico no corresponde
atravs do seu capital social ou cultural aos interesses do campo a que pertence, ele sofre
coero interna, sendo extirpado do campo a que pertencia (Bourdieu, 2004).
69
Tambm na sua obra Padre Belchior de Pontes, Julio Ribeiro deixa antever seu repdio ao
movimento jesuta. Segundo Silveira:
Foi com esse grupo de homens que defendiam medidas progressistas que Jlio
Ribeiro se identificou e se relacionou em Sorocaba, nos dois momentos em que atuou
na imprensa da cidade. Tanto no perodo durante o qual trabalhou nos jornais
Sorocabano e Sorocaba (de 1871 a 1872), como na poca em que dirigia a Gazeta
Comercial (de 1874 e 1875), demonstrou que identificava e apoiava as causas e temas
que faziam parte da atividade poltica dos maons de Sorocaba, entre os quais ele
mesmo se inclua. Embora fossem quase todos catlicos, os membros da loja
Perseverana III mostravam-se solidrios aos presbiterianos, sempre que os direitos
dos protestantes da cidade eram feridos. Afinal, eram homens que se consideravam
afinados com os propsitos do progresso e que julgavam vlida a identificao da
idia de civilizao com a liberdade religiosa e o direito dos cidados de professarem
outros credos. Ainda que no constitussem maioria, muitos maons eram
protestantes, como o autor ora em estudo (2005, p. 50).
A reao catlica Maonaria pode ser vista na criao da Liga anti-manica. Este
foi um documento oficial da Igreja aprovado pelo Padre Leo XIII publicado em Portugal em
1886.
70
meio aos crescentes ataques aos valores morais e religiosos, est a Maonaria. O manual
elaborado por Leo XIII tinha o objetivo claro de combater a Maonaria.
A Maonaria, brada Ele, a Maonaria, eis o inimigo! O Manual que vamos publicar
um resumo do plano de ataque a este famoso inimigo que Leo XIII designou aos
nossos tiros. Leiam-no todos e meditem-nos para que bem exercitados todos os
catlicos portugueses sem distino, sejam os soldados aproveitveis e valorosos na
luta em que nos acham empenhados (Liga Anti-manica, 1886, p. 4).
A fonte principal das misrias de uma nao [...] Sem religio no h sociedade, e
com religio de Estado no h religio nenhuma [...] Um homem que tem a desgraa
de nascer em um pas onde h religio de Estado, tem de herd-la forosamente, como
o filho do [ilegvel] as ulceras de seu pai. Ou perder os mais caros direitos polticos e
sociais, ou ser religiosa moda de quem o precedeu. Poucos tm a coragem de se
relegar no meio da sociedade, de tornar-se pas civilizado [...]. Ningum discute que
religio h de abraar, como tambm no se discute o uso da casaca preta e gravata
branca. So injunes a que s no pode esquivar algum: fugindo-se a esta, atendem-
se s convenincias; escapando-se daquela, fica-se isolado. Ora, uma religio
indiscutvel, imposta, necessria, atrofia a conscincia, mata os sentimentos. Dai essa
descrena, essa falta de patriotismo, esse positivismo material que converte os
estadistas em mquinas de subir. Dai essa corrupo, de costumes, esse apego s
riquezas, esse enervamento moral que degrada os homens e amesquinha a grandeza do
amor da famlia e da sociedade. Falam todos nos Estados-Unidos: o primeiro
manancial da prosperidade [...] do progresso a liberdade de que guia em matria de
religio. Ali se apurara os sentimentos, vitaliza a energia, recende-se o entusiasmo que
[ilegvel] por centenas de missionrios ardentes que, de Bblia em punho, [ilegvel]
at o corao da sia e da Oceania. Tal requinte de fervor religioso no e nem pode
ser compreendido no Brasil, ou em qualquer outro pas que tenha religio de Estado
(Correio Paulistano, 04/10/1870).
71
Neste pequeno trecho, entre outras coisas, Jlio mostra o atraso que caracteriza o
Brasil Imperial e faz uma apologia da nao norte-americana como exemplo de progresso e
liberdade. Percebe-se, nitidamente, que Julio critica a religio catlica e defende o
protestantismo.
Em Sorocaba, Jlio Ribeiro lana forte polmica contra o catolicismo. Para Jlio, o
movimento jesuta era visto como um processo de escravizao da conscincia, ou seja,
impedia as pessoas de terem acesso a outro tipo de pensamento ou talvez de ideologia.
Outro intelectual que conseguiu lugar no campo letrado sorocabano foi o pastor
presbiteriano Rev. Jos Zacharias de Miranda e Silva37, tambm ligado maonaria e
poltica local. Embora no tenha publicado oficialmente nenhum trabalho literrio, sua
trajetria intelectual pode ser percebida em seus sermes e outras produes ligadas ao seu
ministrio, e quelas manifestaes na impressa sorocabana, principalmente no perodo em
que foi vereador da Cmara Municipal.
Zacharias Zacharias de Miranda publicou vrios artigos na Imprensa Evanglica, que esto
de Miranda ligados necessariamente a vida da Igreja Presbiteriana do Brasil e as polmicas levantadas
pastor e
contra a Igreja Catlica, que sero teis para o trabalho quando trabalharmos a questo do
maom.
campo religioso. Ele tambm publicou alguns textos na chamada Revista de Misses. Nesta
atuou como redator. Exerceu tambm a funo de redator do Jornal O Estandarte.
Ainda como intelectual, Zacharias de Miranda tambm expressou seu capital cultural
na produo de artigos publicados em jornais da cidade de Sorocaba, na produo de um
opsculo intitulado: O Culto das Imagens e deixou uma coleo de sermes escritos que esto
nos arquivos da Igreja Presbiteriana de Sorocaba. A coleo composta de 86 sermes que
foram pregados em vrias regies do Brasil: So Paulo, Sorocaba, Campinas, Santa Brbara,
Itapetininga, Atibaia, Ubatuba, Cascavel, Jundia, Tiet, Torre de Pedra, So Joo da Boa
Vista, Rio Claro e outras.
Como intelectual inserido no campo poltico e letrado da sociedade sorocabana,
Zacharias de Miranda no somente exerceu influncia poltica na cidade, mas tambm
cultural, religiosa e educacional. Sua atuao diferenciava-se da de Jlio apenas no fato de
pertencer ao presbiterianismo como pastor, ou seja, detinha um capital cultural que lhe
conferia lugar de destaque no campo presbiteriano. Jlio, enquanto porta voz dos interesses
maons e presbiterianos, fala necessariamente do campo manico e intelectual. Zacharias,
37
Ver anexo 2, vol II, p. 6, (foto 5): Rev. Zacharias de Miranda.
72
alm disso, falava dentro do campo religioso protestante, como um agente reconhecido
oficialmente pelo campo protestante brasileiro.
Um dos aspectos no destacado na historiografia protestante justamente a atuao do
Rev. Zacharias de Miranda na vida poltica da cidade de Sorocaba. Isto pode ser observado
nas obras dos historiadores confessionais: Themudo Lessa (1938), Jlio Andrade Ferreira
(1952), Boanerges Ribeiro (1981) e Alderi Matos (2004).
Eles apenas destacam a participao de Zacharias na vida eclesistica da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Zacharias de Miranda, segundo a apresentao historiogrfica dos
protestantes teve uma significativa atuao dentro da vida Igreja. Talvez a lacuna deixada
pelos historiadores confessionais seja explicada pela falta de acesso s outras fontes primrias
a que recorremos, como o caso dos jornais da cidade de Sorocaba, mesmo porque fazem
meno atuao poltica de outros pastores e presbteros.
De qualquer modo, o que nos interessa no reproduzir fatos vividos por Zacharias
dentro do campo eclesistico presbiteriano, mas centrar a ateno na sua atuao poltica no
contexto da cidade de Sorocaba, com a finalidade de entender as relaes de poder
estabelecidas por ele com outros grupos sociais.
O jornal 15 de Novembro, por exemplo, de propriedade do maon Joo Jos da Silva,
circulou pela primeira vez em 22 de fevereiro de 1891. Seu nome era uma aluso clara ao
movimento poltico republicano. Joo Jos da Silva tinha sido o proprietrio do jornal O
Alfinete, que deixou de existir a partir da Proclamao da Repblica. O jornal apresentava-se
com a seguinte posio: Semanrio poltico, noticioso, humorstico e literrio.
Transformou-se em bissemanrio, e depois, em 1895, em dirio. Sua assinatura anual era de
8$000 para Sorocaba e 10$000 fora. O jornal era declaradamente republicano (15/11/1892).
Em 1893, o proprietrio do jornal era tambm secretrio da Loja manica Perseverana,
conforme podemos observar no anncio publicado no jornal, convocando os membros da Loja
Perseverana III a comparecerem s reunies (19/10/1893). Este jornal ofereceu apoio ao
Rev. Zacharias de Miranda ao publicar assuntos relacionados a sua participao no campo
poltico e educacional sorocabano.
A trajetria poltica de Zacharias de Miranda em Sorocaba comeou em 1886, quando
se filiou ao Clube Republicano. Em 28 de maio do mesmo ano, aconteceu uma reunio do
Clube Republicano na casa de Jos Anthonio de Souza Bertholdo, ocasio em que foram
eleitos para a diretoria do Clube: Jos Zacharias de Miranda, Joo Lcio Gomes e Silva,
Manoel Janurio de Vasconcelos, Antonio Joaquim Dias e Joo Jorge Soares de Barros.
73
(Aleixo, 1999, p. 322). No mesmo dia, foram apresentadas mais trs pessoas como membros
do partido republicano: Francisco de Souza Oliveira, Joo Carlos de Campos e Francisco
Rodrigues Pacheco. Os dois ltimos eram lderes presbteros38 da Igreja Presbiteriana de
Sorocaba39. Alm de pastor da igreja local, Zacharias aparece como lder do Clube
Republicano em Sorocaba. Zacharias comea a dar os primeiros passos na concretizao da
sua estratgia em ocupar o campo poltico sorocabano. Ele no s foi o primeiro presidente do
Clube Republicano, mas tambm fez com que dois membros da sua Igreja se filiassem ao
Clube.
A casa de Bertholdo parece ter sido um lugar estratgico para o presbiterianismo
sorocabano. Alm de ficar na regio central, os donos da propriedade tinham relaes de
poder com agentes sociais que compunham o campo poltico sorocabano. Houve, como
mostraremos no prximo captulo, uma crise interna no campo religioso presbiteriano na
poca do pastorado do Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite (1874-1883), que disciplinou40
da Igreja praticamente a famlia toda do Jos Antonio de Souza Bertholdo. Mas o fato do
Clube Republicano se reunir em sua casa e contar com a presena dos lderes da Igreja
Presbiteriana, faz-me pensar que Zacharias de Miranda comeara a reconstruir as relaes
rompidas com a famlia no perodo do pastorado de Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
Zacharias demonstra ser muito mais habilidoso para tratar das questes relacionadas
expanso do presbiterianismo em Sorocaba.
Novamente reunidos nesse lugar estratgico, simblico, os membros do Clube
Republicano estabelecem sua forma de atuao no campo poltico sorocabano. A regio
central embora representasse um espao de poder, no conferia atravs da sua arquitetura e
aparncia a posio de um espao modernizado. Tanto que neste contexto, o jornal 15 de
Novembro lanava uma srie de artigos contra a Cmara Municipal, cujos membros, na poca,
pertenciam ao partido conservador. Um leitor encaminhou ao jornal um texto em que
criticava as condies de higiene da cidade:
38
A Igreja Presbiteriana do Brasil tm trs classes de lderes: pastores (presbtero docente), presbteros
(presbtero regente) e diconos (pessoas ligados ao trabalho de assistncia social da Igreja)
39
Joo Carlos de Campo professou sua f ao presbiterianismo em 03/05/1874, com o pastor norte-americano
Chamberlain e Francisco Rodrigues Pacheco em 21/09/1871, com o mesmo pastor (Igreja Presbiteriana de
Sorocaba, Livro do Rol de Membros, 1869, p. 01-03).
40
uma ao dentro do sistema presbiteriano que exclu a pessoa dos seus direitos eclesisticos. Esta medida
realizada dentro de um processo de julgamento, onde se apresenta as acusaes contra uma pessoa. A pessoa
acusada tem o direito de apresentar sua defesa (atravs de testemunhas) e eleger um representante para a sua
defesa. Aps anlise dos fatos, o tribunal reunido sob a presidncia de um pastor, decide pela excluso ou no da
pessoa dos seus direitos religiosos.
74
uma vergonha, uma lastima e um perigo de tornar-se aquele largo um foco de
molstias, tal a sua sujidade, tal o desleixo em que o atiram. Ces mortos, gatos, ossos
podres, lixo, guas servidas, tudo quando h de imundo e pestilento lanado ali, pois
parece ter sido o largo Municipal convertido em esgotos de algumas casas da rua do
Hospital (08/04/1894).
Esperava-se, por exemplo, que nas suas primeiras sesses a municipalidade procurasse
um meio pratico de abastecer a cidade de gua com fartura; que neste sentido, fizesse
embora sacrifcios... Esperava-se que as ruas fossem mais limpas, mais asseadas, mais
digna de Sorocaba, de forma que seu aspecto no envergonhasse aos olhos das pessoas
vinda de fora. Esperava-se uma iluminao luz eltrica, tal como a de muitas
localidades do oeste, onde o oramento do municpio no sobe tanto como aqui.
Esperava-se tudo isso, mas a esperana foi v, e a desiluso foi a nica medida com
que a cmara mimoseou Sorocaba (O 15 de Novembro, p. 01).
Como mencionei anteriormente, vlido ressaltar que boa parte dos agentes sociais
morava nas ruas centrais da cidade de Sorocaba: Olivrio Pilar rua do Hospital, Manoel
Nogueira Padilha Matriz, Manoel Lopes Monteiro Flores, Jos Padilha de Camargo
Comrcio, Jos Teixeira Cavalheiros Flores, Justino Maral de Souza Largo do So
Bento, Antonio Joaquim Dias So Bento, Antonio Egydio Padilha Matriz, Manoel Jos da
Fonseca Rosrio (Aleixo, 1994, p. 76). Isto d significado aos assuntos relacionados
melhoria das ruas colocados nas pginas do jornal O 15 de Novembro, de propriedade do
maon Joo Jos da Silva.
A renncia dos vereadores por causa da presso levantada nas pginas do jornal
republicano O 15 de Novembro favoreceu Manoel Nogueira Padilha, que pertencia ao grupo
republicano. O jornal dizia que os vereadores que renunciaram seus cargos faziam parte do
partido oposicionista. Percebe-se claramente a luta e os conflitos dentro do campo poltico
sorocabano.
Ainda neste contexto, o Partido Republicano convocava seus membros para eleio do
novo diretrio (O 15 de Novembro, 06/01/1894). O Partido Republicano era ento dirigido
por: Manoel Nogueira Padilha, Olivrio Pilar, Eduardo Antero, Calisto de Paula Souza e Jos
Loureiro de Almeida. Nesta ocasio, Olivrio Pilar tambm era presidente do Gabinete de
Leitura.
Na edio de 23/03/1894, o jornal estampa na primeira pgina uma convocao
destinada ao eleitorado:
O Diretrio Republicano abaixo assinado, tem a honra de comunicar-vos que em
reunio geral do partido, realizada a 20 do corrente ms, foram candidatos para
vereadores: Ten. Jos Loureiro de Almeida, negociante. Capm. Jos Vaz Guimares,
negociante. Capm. Jos Zacharias de Miranda, professor. Augusto da Silveira Franco,
proprietrio. Elias Lopes de Oliveira, lavrador. Capm. Joo Cancio de Azevedo
Sampaio, farmacutico. Tem. Gustavo Scherepel, negociante. Ten. Egydio Padilha,
negociante.
Vemos que Zacharias aparece indicado para concorrer uma vaga a vereador da cidade.
Duas coisas podem ser destacadas nesta nota. O nome de Zacharias aparece como capito e
professor. No se associa seu nome ao presbiterianismo, talvez numa tentativa de no
provocar polmicas no campo religioso sorocabano, mas por outro lado, confere-se a ele
prestgio social, posio e legitimao no campo poltico e educacional. Do grupo apresentado
pelo partido republicano, quase todos eram maons: Jos Loureiro de Almeida, Zacharias de
Miranda, Augusto Silveira Franco, Elias Lopes de Oliveira, Joo Cancio, Gustavo Scherepel,
Egydio Padilha. Egydio Padilha participou de vrias aes com Zacharias.
76
Em 20 de maio de 1894, o jornal publica na primeira pgina um artigo intitulado
Reunio Republicana. A referida reunio era para escolher os candidatos s eleies
municipais.
Ningum ignora a guerra viva, sem trguas, que destas colunas fizemos
municipalidade; ningum ignora os artigos por vezes violentos e acrimoniosos que
publicamos contra a inrcia prejudicial dos administradores do municpio; ningum
ignora que, para contrariar-nos ou antes para anular os efeitos de nossos escritos, a
Cmara Municipal sustentou um jornal, pagando-lhe generosamente os seus servios,
sem contudo ter tido o prazer de ver nos um dia, uma s vez, esmagados na discusso
ou na polmica. Combatamos com a verdade e a vitria estava sempre do nosso lado.
E assim sucessivamente abandonados pela opinio publica, acusados de inertes e
esbanjadores, repudiados pelos prprios amigos, cobertos de podos e eptetos ferinos,
rolando pela lama do ridculo, ao completo desamparo, os vereadores oposicionistas
viram-se na dura contingncia de resignar os seus cargos, o que fizeram prestando o
maior servio que podiam prestar ao municpio (O 15 de Novembro, 20/05/1894 p.
01).
Trabalhar eis a misso e o dever dos que tem de assumir em breve a administrao do
municpio. Trabalhar, promover melhoramentos, elevar a cidade que ela tem direito,
seja muito embora necessrio crescer e multiplicar os impostos, que o povo s reclama
contra os tributos lanados quando eles so gastos com desperdcio, quando no
revertem em bem geral, quando ao sacrifico no corresponde o adiantamento ou
progresso desejado. Dos melhoramentos locais vem como corolrio o progresso, o
77
desenvolvimento da indstria, do comrcio, das letras e artes, vem a afluncia de
novos elementos da ida, que compensam com largueza os sacrifcios feitos pelo povo
(Ibid, p. 01).
41
No primeiro livro de Atas da Igreja Presbiteriana de Sorocaba, Zacharias de Miranda ao prestar algum tipo de
relatrio ou descrever algum acontecimento relacionado a vida cotidiana da Igreja, utiliza o ttulo Ministro do
Evangelho.
78
sua participao no campo poltico e educacional da cidade de Sorocaba. Parece querer fazer
uma distino do campo religioso com os demais campos que pertencia, o que explica a
reproduo dessa opo pela historiografia protestante, construda a partir de argumentos
internos registrados nas atas. a imprensa jornalstica que trouxemos como fonte - quem
vai mostrar suas relaes de poder com outros campos.
Por que Zacharias faz esta opo? Se a religio protestante era vista como
modernidade em apoio a outras modernidades (plantio de algodo, estrada de ferro, escolas,
melhoramento urbano, e outros), por que a Igreja no faz meno da atuao de Zacharias no
campo poltico e educacional da cidade? Talvez seja pelo fato de que a maioria dos membros
que compunha o campo religioso protestante em Sorocaba pertencesse a diferentes classes
sociais. A este respeito no encontrei fontes da prpria Igreja Presbiteriana de Sorocaba que
pudesse mostrar a que grupo social pertencia a maioria dos seus membros. Exceto no livro de
Casamentos de estrangeiros e acatlicos da Cmara Municipal, que alm de registrar a
cerimnia, qualificava a profisso (trabalho) de algumas pessoas pertencentes ao campo
presbiteriano. O livro de Ata da Igreja, por exemplo, muito genrico em seus registros,
dando apenas o nome da pessoa, sem mencionar profisso, data de nascimento, idade. No
livro de rol de membro, temos apenas o nmero, o nome, o ministro que oficializou o ato de
profisso de f, a data de admisso e data de excluso. Ou seja, a opo de registro
estritamente eclesistica. A omisso de Zacharias no contexto religioso, pode ser explicado
ainda, pelo fato de estar influenciado pelo pensamento doutrinrio, que o levava a fazer uma
distino entre os assuntos do mundo religioso e poltico.
Sobre este aspecto, Mendona (2008), analisa que a distino feita pelos protestantes
entre o mundo religioso e o profano era fruto do conservadorismo dos puritanos calvinistas,
acentuada na Teologia da Igreja Espiritual, que leva os seus seguidores, no caso, os
presbiterianos, a se afastarem de assuntos ligados as questes relacionadas esfera poltica e
se preocuparem com questes relacionadas a vida espiritual. Segundo o mesmo autor: A
Teologia da Igreja Espiritual era bastante adequada para um prudente distanciamento da
Igreja dos graves problemas da sociedade abrangente (2008, p. 273).
Talvez esta conscincia estivesse mais impregnada no imaginrio religioso dos
membros da Igreja, fruto talvez da ao religiosa dos primeiros missionrios norte-americanos
em Sorocaba e do pastor Antonio Pedro de Cerqueira Leite, que como veremos se demonstrou
mais puritano em seu posicionamento no campo religioso presbiteriano em Sorocaba.
Zacharias de Miranda, pelo contrrio parece no assumir integralmente a Teologia da Igreja
79
Espiritual, quando se posiciona no campo poltico, manico e educacional na cidade de
Sorocaba, ainda que o faa no campo estritamente religioso.
Mendona tambm anlise as estratgias de inseres do presbiteriano nos centros
urbanos e rurais.
Apesar de terem eles se estabelecidos nos seus primeiros dez anos no Rio de Janeiro,
So Paulo (capital e interior), Pernambuco e Cera, seu alto ndice de crescimento em
relao s demais denominaes e a eles mesmos nos anos anteriores deve-se ao fato
de se terem embrenhado pelas zonas rurais da provncia de So Paulo e zonas
fronteirias da provncia de Minas Gerais. A encontramos as condies favorveis
para expandir-se e fixar-se definitivamente (2008, p. 182).
Nele o presbiterianismo encontrou condies favorveis para sua expanso nas zonais
rurais, que experimentavam a expanso cafeeira. Esta opo era uma tentativa do
presbiterianismo evitar contatos com o catolicismo que tinha um domnio mais acentuado nos
centros urbanos. Em relao aos centros urbanos, afirma: o protestantismo nas reas fora do
mbito da civilizao do caf foi predominantemente urbano, mas teve de aguardar momentos
propcios de mudana sociais. Tais momentos s comearam a se apresentar em princpios do
sculo XX (Mendona, 2008, p. 184).
Neste aspecto discordo de Mendona. Talvez sua anlise possa ser aplicada cidade
de Brotas e outras cidades rurais do interior. Porm, cidade de Sorocaba vejo algumas
restries das suas anlises. A insero do presbiterianismo em Sorocaba ocorreu de fato em
momento propcio. Porm, devemos destacar, que no perodo delimitado neste trabalho, a
cidade experimentava um processo de transformao poltica, econmica e social, conforme
apontamos neste captulo, ou seja, no perodo de insero presbiteriana em Sorocaba, a
cidade experimentava a transio do ciclo econmico centrada na Feira de Muares para o
explorao do algodo e em seguida o incio do processo de industrializao, que ocorreu
antes do incio do sculo XX. Outro fenmeno interessante que o presbiterianismo em
Sorocaba confrontou o espao fsico dominado pelo campo catlico, como veremos no
prximo captulo. Uma das primeiras estratgias dos missionrios norte-americanos e maons
em Sorocaba foi a organizao de um depsito de Bblias (1869) em frente ao Mosteiro So
Bento. Este fenmeno ocorre na segunda metade do sculo XIX e no no incio do sculo XX
como postula Mendona. Esta estratgia do presbiterianismo em Sorocaba foi por causa das
relaes de poder e do apoio que receberam dos maons sorocabanos.
Estas relaes de poder se intensificaram quando Zacharias de Miranda atua no campo
poltico sorocabano. Eleito vereador, Zacharias de Miranda surge nas pginas do 15 de
Novembro como 1 secretrio da Cmara Municipal (05/07/1894). Um dos primeiros atos da
80
Cmara Municipal foi a questo do abastecimento de gua, luz eltrica e telefonia da cidade
(15 de Novembro, 26/08/1894). A Cmara Municipal concedeu a Antonio Jos da Rosa o
direito de instalar a rede de telefonia na cidade. A respeito do abastecimento de gua, a
Cmara Municipal resolveu:
Fao saber que a Cmara Municipal decretou e eu promulgo a lei seguinte: art. 1
Fica a Cmara Municipal de Sorocaba, autorizada a lanar um emprstimo da
quantia de trezentos contos de ris (300.000$000) a juros de oito por cento ao ano no
mximo; para o fim de ser aplicado exclusivamente ao abastecimento de gua potvel
para a mesma cidade (15 de Novembro, 30/08/1894)
81
necessrio combater qualquer grupo social ou instituio que representasse um impedimento
para o projeto modernizador idealizado por ela. Vemos bem isso quando na mesma edio do
jornal, o articulista Aquaviva ataca os jesutas e a educao catlica atravs do artigo
intitulado Pela Liberdade.
O grupo social que estava no poder poltico da cidade tentava convencer a populao
que a cidade precisava se modernizar. Estas propostas faziam parte do universo poltico que
caracterizava a cidade de Sorocaba no final do sculo XIX.
Segundo Souza:
Do vereador Sr. Zacharias de Miranda que a Cmara nomeasse uma comisso especial
para entender-se com os proprietrios dos prdios ns. 2 e 1 do Largo da matriz, afim
de serem comprados para se poder endireitar o dito Largo. Foram nomeadas para a
comisso os srs. Zacharias de Miranda, Franco e Guimares. Do mesmo Sr. Zacharias
para ser feito um bueiro que atravessando a rua do Hospital, conduza a gua que vai
do chafariz da Rua das Flores, e outro que conduza as guas pluviais que descem da
rua do Equador. O mesmo sr. requereu urgncia sobre esta indicao, pedindo que a
comisso de Obras publicas desse parecer imediato. A comisso deu parecer que
mandasse fazer aqueles bueiros (15 de Novembro, 27/09/1894)
Cerca de dois anos depois, o nome de Zacharias aparece vrias vezes no jornal,
relacionado a trs assuntos: educao, jesutas e Cmara Municipal. Na questo da educao,
o professor Joaquim Izidoro Marins afirmava que transferiu seu colgio para a Rua das Flores,
no prdio em que funcionara o colgio de Zacharias de Miranda. Em relao aos jesutas,
Zacharias de Miranda faz publicar a seguinte nota:
Sr. Redator. No intuito de evitar equvocos ou apreciaes menos justas, rogo vos o
obsquio de declarar junto a esta, si um artigo inserto em vosso simptico jornal, de
28 de Junho p.p. sob a epgrafe Em Defesa dos Jesutas, e assinado por Z de minha
lavra, ou se tive qualquer co-participao na publicao do referido artigo. Com a
82
publicao desta e da vossa declarao muito grave vos ficar o Vosso amigo e
assduo leitor J. Zacharias de Miranda. Sorocaba, 03 de outubro de 1894. Declaramos
que o Sr. cap. Jos Zacharias de Miranda no o autor do artigo que sob a epgrafe
Em Defesa dos jesutas, publicamos em 28 de Julho p.p. Os artigos publicados neste
jornal pelo Sr. Zacharias costumam se assinados (15 de Novembro, 07/11/1894).
justamente esta preocupao que fazia parte da prtica poltica dos agentes sociais
que pertenciam ao Partido Republicano Sorocabano. Para Follis, todo o processo de
modernizao est atrelado aos seguintes pressupostos ideolgicos: embelezamento da cidade,
higienizao da cidade, racionalizao do espao urbano e implantao de servios urbanos na
cidade pelo poder pblico.
42
Mas, nem tudo parecia ir bem neste perodo na cidade de Sorocaba. A Cmara Municipal comea a receber
crticas do Jornal A Voz do Povo sobre os aumentos dos impostos. A discusso foi publicada no Jornal O 15 de
Novembro em 22/11/1894. Nesta edio, a Cmara Municipal ocupou a primeira pgina do jornal justificando
suas medidas. Concomitante, ao posicionamento da Cmara, o redator do Jornal O 15 de Novembro coloca-se em
defesa dos procedimentos adotadas pelos republicanos sorocabanos. Esta questo ocuparia vrias edies do
jornal O 15 de Novembro, tentando minimizar os efeitos da crtica lanada pelo jornal A Voz do Povo.
83
De certa forma, o partido republicano estava focado no processo de modernizao da
cidade, idia que, na tica dos seus membros, no tinha sido colocado em prtica pelo partido
conservador. Neste perodo foram publicados 102 normatizaes da Cmara a respeito do uso
do espao urbano, regulamento para o uso do matadouro e outros assuntos. Porm, na
perspectiva dos articulistas do jornal A Voz do Povo, este processo era efetuado atravs do
aumento de impostos.
Segundo Follis (2003), a modernizao do espao urbano tambm significava uma
forma de excluso social e de dominao do poder da elite. H que se perguntar: a populao
de um modo geral, ou ainda, a camada social menos favorecida da cidade de Sorocaba
usufrua do processo de modernizao que ai ocorria neste perodo? Pelos jornais, observa-se
que as prticas polticas do partido republicano estavam voltadas apenas para o espao urbano
e no para os bairros onde se concentrava a classe social mais desfavorecida, ou seja, toda a
prtica poltica do poder pblico objetivava o fortalecimento da prpria elite sorocabana, na
qual tais agentes estavam inseridos. A modernizao da cidade de Sorocaba no significou
benefcios para as camadas pobres. Neste sentido, a modernizao no implicou
necessariamente em impacto para elas, mas um continusmo da sua excluso social.
A Cmara Municipal de Sorocaba passa a publicar medidas sobre a vida urbana. Na
ordem do dia estavam as questes relacionadas higiene e salubridade pblicas (O 15 de
Novembro, 17/01/1895). Os atos da Cmara so publicados em mais de 15 artigos, que
normatizavam a vacinao e a utilizao da gua potvel e outros assuntos. Ficava proibido
nos lugares destinados a abastecer a populao de gua potvel transitar com animais. A
iniciativa da Cmara Municipal procurava de certa forma excluir da vida urbana qualquer
resqucio originrio de hbitos rurais, que de certa forma contrariavam o processo de
modernizao defendido pela elite sorocabana, representada pelos polticos republicanos e,
simultaneamente, maons e protestantes.
A higienizao e salubridade tornaram-se, tambm, um dos mais eficazes elementos
ideolgicos capaz de motivar e justificar as reformas modernizadoras da cidade (Follis, 2003).
E os intelectuais republicanos doubls de companheiros maons e aliados protestantes
explicitavam isso nos seus textos publicados na imprensa jornalstica ou atravs de atos da
Cmara Municipal.
Segundo a historiadora sorocabana Baddini:
43
Para um melhor aprofundamento sobre o papel eletricidade na modernizao brasileira, consultar:
MAGALHES, Gildo. Fora e Luz. So Paulo: UNESP, 2000.
85
aliviar o problema de iluminao, a Cmara determinou em 1885 a construo de um depsito
de nafta contguo ao prdio do novo Mercado Municipal, no largo de Santo Antonio, que
estava em reforma (2002, p. 190). Esta medida no foi capaz de sanear o problema de
iluminao pblica na cidade. Somente em 1895, a Cmara Municipal estabeleceu contrato
com Joo de Oliveira Lacerda para a instalao e explorao da iluminao pblica. Zacharias
de Miranda ainda fazia parte do campo poltico sorocabano. Alm dele, o contrato foi
assinado por Jos Loureiro de Almeida, Augusto da Silveira Franco, Joo Cancio de Azevedo
Sampaio, Antonio Egydio Padilha, Gustavo Sherepel, Vicente de Oliveira Lacerda, Joo de
Oliveira Lacerda, Jos Bella. Assinaram o contrato como testemunhas: Octavio Bella,
Ascanio Milone, Germano Petzoldt (15 de Novembro, 30/08/1895). Porm, enfrentando
dificuldades tcnicas e financeiras, o servio foi inaugurado, tardia e precariamente, em
setembro de 1900. Em dezembro, a Cmara considerou o contrato caduco e confiscou o
material de iluminao. No ano seguinte, contratou a firma de A. J. Byngton para melhorar a
qualidade do servio (Baddini, 2002, p. 192).
A iluminao pblica fazia parte do projeto de modernizao liderado pela Cmara
Municipal no perodo em que Zacharias de Miranda foi vereador da cidade de Sorocaba.
Posto isto, vemos que a necessidade de modernizao da cidade passava por vrios
temas que faziam parte do projeto liderado pelo partido republicano na cidade de Sorocaba.
Os agentes que pertenciam a este grupo mantinham suas relaes de poder atravs de vrios
campos: poltico, econmico, manico, educacional, que foram percebidas pela produo
intelectual e atravs de alianas familiares e sociais. Portanto, analisar a prtica poltica e
social de tais agentes fundamental para a compreenso da configurao da cidade de
Sorocaba, bem como a interao efetuada nos vrios campos sociais. Neste sentido, faz-se
necessrio analisar tambm como se d a configurao dos campos religioso e educacional
sorocabanos, assuntos que sero abordados nos prximos captulos, pois de acordo com a
perspectiva defendida neste trabalho, este perodo de transio poltica favorece no somente
o processo de modernizao da cidade de Sorocaba, como tambm favorece a insero de um
novo modelo religioso liderado pelo presbiterianismo e a configurao do campo educacional
em instituies escolares.
Portanto, proponho entender que o presbiterianismo (campo religioso) e a educao
escolar (campo educacional) marcaram no final do Imprio e no incio da Repblica uma
concepo moderna de religiosidade e de educao, especialmente vinculada cultura norte-
americana do presbiterianismo norte-americano.
86
2. O CAMPO RELIGIOSO NA CIDADE DE SOROCABA
Na dcada de 80, a referida autora apontou com muita preciso como se configurou no
final do sculo XIX essa aproximao entre maons e protestantes, ao apresentar a atuao
poltica de Rangel Pestana em favor das iniciativas educacionais dos protestantes que
87
iniciaram sua ao missionria no Brasil na dcada de 60. As anlises feitas por Hilsdorf
referendam as questes levantadas neste trabalho. Ao analisar esta aproximao, na
perspectiva das relaes de poder entre presbiterianos, maons, anticlericais, e mais tarde, os
republicanos, podemos perceber que a ao presbiteriana em Sorocaba tinha praticamente a
mesma estratgia de atuao e solidificao que apontada pela pesquisadora. Como um
movimento geral, ao centrarmos a ateno na ao protestante no campo religioso
sorocabano, respondemos a uma lacuna do campo historiogrfico protestante e do campo da
histria da educao, pois os presbiterianos, na sua ao, utilizaram a evangelizao direta e a
evangelizao indireta atravs da educao escolar.
Alm disso, vlido relembrar que, na introduo deste trabalho, destaquei que existia
um clima de hostilidade em relao presena dos presbiterianos na cidade de Sorocaba. O
conflito foi apresentado conforme anncio dos redatores do jornal O Sorocabano, que dizia
que a Escola Noturna mantida pela Loja Perseverana III no era protestante, e que no
ensinava os ideais deste campo religioso. A necessidade de esclarecer a filosofia dos
presbiterianos e a proposta de tal instituio levou-me a pensar que existia um movimento de
resistncia ao campo presbiteriano que se instalou em Sorocaba no final do Imprio. Este
clima de hostilidade de certa forma se confirmou ao longo das anlises feitas a partir da
imprensa jornalstica sorocabana e dos relatrios dos missionrios norte-americanos
encaminhado Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
88
Embora existisse do ponto de vista poltico tolerncia na primeira metade do sculo
XIX, na segunda metade deste sculo que os protestantes conquistam seus direitos para a
implantao de escolas confessionais protestantes e at mesmo de uma nova religio no
Brasil. Este perodo do segundo liberalismo radical foi marcado por uma acentuada resistncia
da Igreja Catlica, que aps a insero do presbiterianismo de misso se torna oposicionista
aos ideais republicanos e aos ideais protestantes. O protestantismo contou com o apoio dos
liberais e mais tarde dos republicanos para firmar direitos (Hilsdorf, 1987).
Por outro lado, a relao de poder estabelecida por liberais e protestantes garantia a
disseminao de novas idias no Brasil e de certa forma influenciava o modo de vida do povo
brasileiro. Esta prtica social, religiosa e poltica no somente agregava novos adeptos como
tambm reconfigurava o campo poltico, social, educacional e religioso no Brasil. Portanto,
importante centrar a ateno na configurao do campo religioso protestante sorocabano no
final do sculo XIX, pois este estava intencionalmente ligado s estratgias missionrias da
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
89
laboratrio de comportamentos inditos e lugar de novas normas (Chartier, 2002, p.
110).
A partir do momento em que existe o domnio dos instrumentais para controle social
por um determinado grupo social este domnio revela o nvel de progresso de um grupo social
em relao a outros. Em nosso caso, os instrumentais utilizados pelos missionrios
americanos se mostram a partir do domnio de novas tecnologias, de mtodos educacionais
considerados modernos e tambm de uma religio diferente religio oficial do Brasil no
perodo de insero protestante.
90
Para entender este processo, faz-se necessrio compreender como os norte-americanos
resolveram propagar o Evangelho em solo brasileiro. Em 1859, a Igreja Presbiteriana do
Norte dos Estados Unidos manifestou o desejo de ocupar o territrio brasileiro atravs da
proposta missionria encaminhada pela Comisso de Misso Estrangeira da USA (Foreign
Mission), que tratava de assuntos ligados expanso missionria da Igreja em vrias
localidades do mundo. Em 1858, a Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos j havia
implantado o presbiterianismo em vrias regies do globo: China, Japo, frica, ndia,
Amrica Latina (Foreign Mission, 1858).
J h algum tempo que a comunidade crist tem tido sua atuao voltada para o Brasil
como campo atraente de trabalho missionrio, com apelo especial s igrejas
evanglicas deste pas. O territrio brasileiro mais vasto que o nosso; o clima
igualmente variado e saudvel; o solo se presta tanto a produtos de clima temperado
como de clima tropical; a populao ainda relativamente pequena; os recursos, ricos
e vrios, ainda esto em grande parte inexplorados. Mas h foras em ao, tanto na
Europa como no Brasil, que rapidamente atraem ao ltimo grande nmero de
imigrantes. Provavelmente no est longe o dia em que o Brasil ter seu lugar entre as
naes mais importantes da Terra em populao e nos outros elementos de grandeza
nacional. de alta importncia para seu presente e para seu bem-estar futuro, que a
mente nacional esteja imbuda de idias e princpios religiosos corretos, e estes
O relatrio da Assembleia Geral devero proceder, em primeiro lugar, das igrejas evanglicas de nosso pas. Talvez
da Igreja dos EUA sobre a jamais tenha havido poca mais oportuna que esta para agirmos. certo que o
catolicismo romano a religio oficial do pas, mas o governo liberal, e tambm o
inteno de se investir no
grande parte das classes mais inteligentes; ao mesmo tempo, a tolerncia religiosa
campo missionrio brasileiro. garantida por textos legais. tambm digno de nota que a primeira tentativa de
EXTREMAMENTE colonizar o pas foi por um grupo de Huguenote, obrigado a deixar a ptria pela
IMPORTANTE PARA O MEU perseguio religiosa, mais ou menos na mesma poca em que os Dissidentes ingleses
TRABALHO. e escoceses encontravam asilo aqui. J foi nomeado um missionrio, o Rev. A.G.
Simonton, membro do Presbitrio de Carlisle, e h pouco diplomado pelo Seminrio
de Princeton. Espera embarcar para esse novo campo missionrio no comeo do
Vero. Sem dvida a misso ser um tanto experimental. Seus primeiros objetivos
sero: explorar o territrio, verificar os meios de atingir com sucesso a mente dos
naturais da terra e testar at que ponto a legislao favorvel tolerncia religiosa ser
mantida. Se o resultado dessas investigaes for positivo e temos plenas razes para
supor que sim a misso poder depois ser ampliada em termos que as circunstncias
justifiquem (Ribeiro, 1981, p. 17-18)
Outra parte do relatrio merece destaque, quando descreve os objetivos elencados pela
Junta de Misso Estrangeira para evangelizar o Brasil: explorar o territrio, verificar os
meios de atingir com sucesso a mente dos naturais da terra e testar at que ponto a legislao
favorvel tolerncia religiosa. As expresses explorar e colonizar transcritas no
relatrio chamam ateno. Elas esto nitidamente associadas a um projeto civilizatrio (Elias,
Para a junta de
misses o 1994), alm de revelarem uma inteno no muito propagada ou assumida pelos missionrios
propsito era
claramente denorte-americanos. Neste relatrio, percebe-se como o conceito de evangelizao est
colonizar o associado ao conceito de colonizar.
pas.
A idia de colonizao expressa no relatrio no est simplestemente associada a idia
de ocupao, mas, sobretudo, a um processo civilizatrio, caracterizado pela viso de
superioridade de uma cultura sobre a outra. Elias afirma que o conceito de civilizao inclui
a funo de dar expresso a uma tendncia continuadamente expansionista de grupos
colonizadores (1994, p. 25). Esta tendncia expansionista sugere a postura adotada por
determinados segmentos sociais para expandir sua viso de mundo, tecnologia, suas maneiras,
sua cultura cientfica e at mesmo sua cultura religiosa. Ao analisarmos o incio do relatrio, a
Junta de Misso Estrangeira revela as condies favorveis para dar incio ao processo
civilizatrio norte-americano no Brasil. O relatrio ressalta: o clima, a terra, o solo, os vrios
e ricos recursos brasileiros. Alm de mencionar que o Brasil atraa muitos imigrantes. Estas
eram as razes pelas quais eles desejavam ocupar o territrio brasileiro.
92
Pelo menos no sculo XIX, o melhor e mais eficiente condutor da ideologia do
Destino Manifesto foi o protestantismo americano, com a sua vasta empresa
educacional e religiosa, que preparou e abriu o caminho para o seu expansionismo
poltico e econmico. No caso do Brasil, se no campo religioso seu sucesso foi quase
nulo, na educao e na cultura em geral, para no dizer na rea poltica e econmica, a
influncia americana no pode deixar de ser sentida, embora no logo aps a
implantao do protestantismo, mas ao longo dos centos e tantos anos de chegada
(2008, p. 95).
44
Segundo Vieira (1980), Robert Reid Kalley (1809-1888) geralmente conhecido como o missionrio que
estabeleceu a mais antiga igreja protestante, a Igreja Evanglica Fluminense. Estudou na Escola de Medicina e
Cirugia de Glasgow, onde formou-se em 1829 como cirurgio e farmacutico.
45
SKETCH of THE BRAZIL MISSION. In.: Library of the Theological Princeton. Board of Foreing Mission of
the Presbyterian Church USA. (1872). O Seminrio de Princeton dispe de alguns volumes dos relatrios dos
missionrios norte-americano. No arquivo Histrico da Igreja Presbiteriana do Brasil consegui acesso apenas a
alguns relatrios: The Foreing Missionary e The Missionary, porm os relatrios no so seqenciais e o arquivo
no dispe de um trabalho mais especializado. Conta apenas com a boa vontade de dois pastores. preciso ter
muita pacincia na procura das fontes. Os relatrios que tenho em mos consegui como cpia xerocada do Rev.
Alderi Souza de Mattos, que em viagem aos Estados Unidos reuniu os relatrios relacionados ao Brasil entre os
94
tom polmico a respeito do Catolicismo. O documento comea apresentando as questes
relacionadas situao da Igreja Presbiteriana naquela circunstncia histrica, apontando o
apoio e os limites oferecidos pelas autoridades nova religio que se instaurava no campo
religioso brasileiro:
impressionante ouvir dos homens que tm acesso Palavra de Deus, e aos fatos da
histria, e ao estado atual do mundo, a tentativa de se desculpar ou mesmo defender o
romanismo. Romanismo no o cristianismo. apenas a negao de tudo o que
distintivo no cristianismo. a grande apostasia, o Anti-Cristo, a obra-prima do grande
inimigo de Deus e do homem, para a destruio das almas e do bem-estar da
sociedade humana. No um elemento essencial da verdadeira religio crist, que no
seja falseada, coberto, neutralizado, envenenado, e completamente anulados pelas
doutrinas e prticas do sistema romanista. Alm das corrupes morais e do medo que
o sistema em toda parte engendra, e que no d para ser escrito detalhadamente,
alguns de seus terrveis resultados podem ser mencionados, como segue: O mais
degradante ignorncia e superstio permeiam as mentes das massas. O sentimento
religioso no homem, se no alimentado e dirigido pelas verdades da revelao divina,
ser invadida pelas supersties mais degradante e ridcula. Roma procura em todos
os lugares esconder a Palavra de Deus do povo. O Papado, no entanto, desmoralizou-
se no Brasil. H, em geral, muito pouco apego ao sistema romano como tal. Se o Papa
deve desaparecer amanh e seu lugar nunca deve novamente ser preenchido, no faria
muito pouca diferena para a grande maioria dos brasileiros, na medida em que sua
crena religiosa, sentimentos e prticas esto em causa. Os sacerdotes so, em geral,
ignorantes e imorais, e freqentemente, avarentos e exigentes e, como conseqncia,
so, na maior parte, sinceramente desprezados. Durante alguns anos sua influncia
caiu nas comunidades, entre os intelectuais e as classes desfavorecidas. Os frutos do
romanismo so vistos no s na degradao moral, mas no estado que est por trs da
cultura mental e social e do progresso material. A superioridade das naes
protestantes, nestes aspectos, no resulta da diferena de raa, mas a diferena em sua
religio, o efeito do poder da verdade da Palavra de Deus sobre o intelecto e os
coraes dos homens, e o seu rumo e conseqente sua influncia sobre sua conduta e
anos de 1862-1886. Porm, as cpias foram retiradas da sua forma original de publicao. Ele apenas copiou os
relatrios que diziam respeito ao missionria no Brasil. Confrontando com as cpias que levantei no Arquivo
Histrico Presbiteriano percebi que a publicao dos relatrios mencionava a ao missionria Presbiteriana em
vrias localidades do mundo: Japo, India, frica e alguns pases da Amrica Latina.
46
Texto original do relatrio impresso, traduo Ivanilson Bezerra da Silva: The 5th Article of the Constitution
of Brazil reads as follows. The Roman Catholic shall continue to be the established religion of the State ; all
other religions shall, however, be tolerated with their special worship in private houses, and in houses designated
for this purpose, without the exterior form of a temple." The courts have decided that the phrase, "without the
exterior form of a temple," means that non-Roman Catholic churches cannot have steeples or bells on them.
95
instituies sociais. Dez milhes de almas no Brasil necessitam urgente do Evangelho,
como so os pagos da China, a ndia ou a frica (Blackford, 1872, p. 6-7). 47
Em outra parte do mesmo relatrio, intitulado: Glance at the work of the Board of
Foreign Mission, a comisso responsvel pelas misses estrangeiras faz uma anlise do
trabalho efetuado pelo Conselho de Misses Estrangeiras Presbiterianas, afirmando entre
outras coisas, que a misso possua 315 missionrios entre homens e mulheres, e 499
pregadores nativos, professores e auxiliares, totalizando 814 pessoas integradas no projeto
missionrio da Igreja Presbiteriana norte-americana espalhadas pelo mundo. Para elas, o
Conselho solicitava o apoio financeiro e espiritual das Igrejas sob sua jurisdio para
construo de Igrejas, casas para os missionrios, colgios, seminrios, orfanatos, educao
ministerial, hospitais, publicao, ajuda aos missionrios e outros itens (1872, p. 4).
47
Texto original do relatrio impresso, traduo Ivanilson Bezerra da Silva: It is amazing to hear men who have
access to the Word of God, and the facts of history, and of the actual state of the world, attempt to apologize for
or even defend Romanism. Romanism is not Christianity. It is rather the negation of all that is distinctive in
Christianity. It is the great apostasy, the Anti-Christ, the master-piece of the Great Enemy of God and man, for
the destruction of souls and of the welfare of human society. There is not an essential truth of the Christian
religion which is not distorted, covered up, neutralized, poisoned, and completely nullified by the doctrines and
practices of the Romish system. Popery has, however, demoralized itself in Brazil. There is in general very little
attachment to the Romish system as such. If the Pope should disappear tomorrow and his place should never
again be filled, it would make very little difference to the great majority of Brazilians, so far as their religious
belief, sentiments, and practices are concerned. The priests are, in general, ignorant and immoral, and frequently
avaricious and exacting, and, as a consequence, are, in most parts, heartily despised. For a number of years past
their influence has been rapidly waning in the more intelligent communities and amongst the better classes. The
fruits of Romanism are seen not only in the moral debasement, but in the backward state of mental and social
culture and of material progress. The superiority of Protestant nations in these respects does not result from the
difference of race, but from the difference in their religion ; it is the effect of the power of the truth of God's
Word on the intellects and hearts of men, and its consequent bearing and influence on their conduct and social
institutions. Ten millions of souls in Brazil are in as urgent need of the Gospel as are the pagans of China, India,
or Africa.
96
relatrio traz o seguinte comentrio sobre a cidade de Sorocaba: Em Sorocaba, 60
quilmetros a oeste de S. Paulo, h uma igreja e escola. Ele o centro natural de um vasto
campo. Sr. Leite, o licenciado, reside e trabalha l (1872, p. 13).48
Neste relatrio percebe-se claramente a viso que o autor tem a respeito da condio
religiosa e social do Brasil, ao registrar a decadncia do catolicismo, a hipocrisia vivida pelos
sacerdotes, a idolatria, a imoralidade encontrada no pas e a decadncia das Instituies
catlicas. Mas, aponta que esta obscuridade seria preenchida com a pregao do Evangelho,
48
Texto original impresso, traduo Ivanilson Bezerra da Silva: At Sorocaba, 60 miles west of S. Paulo, there is
a church and school. It is the natural centre of a large field. Mr. Leite, the licentiate, resides and labors there.
49
Texto original impresso, traduo Ivanilson Bezerra da Silva. Considerable has been done for Brazil in the
way of Bible distribution and colporteur labor. Several good men are engaged in this work in different parts of
the empire; but the seed has yet to spring up. Ever since this country was discovered, it hat been in the hands of
Roman Catholics. Catholicism set its seal every where, crowning the with convents and churches, and the whole
land literally, with names of blasphemy. The adoration of saints and image-worship in its grossest prevails, and
yet it is evident to the most careless observer, that this religion has no hold on the hearts of the people. They
hardly pay a decent out respect to its forms. Houses originally dedicated to religious uses, all over the empire,
are beign converted to secular purposes. Jesuitical colleges, monesteries, convents and church are deserted, or so
little frequented, many of the, that they might as well be closed. But this is result, apparently, no so much of
doubts or disbelief of Romanism, as of indifference to all religion. The people are lovers of pleasure more than
lovers of God, or even "God's mother", and they follow hard after their hypocritical priests in scandalous living.
We leave Rio with a gloomy picture of its social and religious condition impressed upon our minds. But the
darkness of slavery, corruption almost universal, immorality, idolatry, and stolid indifference to the truth, is
relieved by the thougth that with the lapse of time the promised day of glory is approach, and that even now the
Gospel leaven is working.
97
que segundo ele, era a verdade que o pas carecia. Percebe-se nitidamente que ele desmerecia
a religio oficial do Imprio brasileiro, talvez na tentativa de sensibilizar a Misso Estrangeira
a fazer os devidos investimentos no Brasil e at menos de subestimar seu inimigo religioso,
acenando com uma conquista fcil. Ao afirmar que o catolicismo no alcanava o corao do
povo brasileiro, ele sugeria Igreja norte-americana uma estratgia de alcanar novos fiis.
Certamente chegou o momento para tal publicidade. Aproveitamos para dizer que -
temos amigo e apoio, o governo e o pblico so favorveis, e a oposio do clero no
nos prejudica se agirmos com sabedoria e prudncia. Somos instados, e no podemos
recusar, para se destacar perante toda a comunidade e nao como um testemunho
para a verdade como ela em Cristo (The Foreing Missionary, janeiro, 1864, p.
205).50
Hahn (1989), afirma que este ltimo missionrio era um homem direto, rspido e
inflexvel, que investiu boa parte do seu tempo escrevendo artigos de controvrsia e
apologtica. Segundo este mesmo autor, Blackford, teologicamente, tendia mais para a
doutrina defendida pela Old School (Velha Escola), do que para a New School (Nova Escola).
Porm, Hahn acentua que a sua cooperao com os anglicanos na cidade de So Paulo,
assim como sua adaptabilidade s condies de fronteira refletem a abertura que caracterizava
a ao da Nova Escola (1989, p. 168). A orientao de Velha Escola era fundamentada na
Teologia da Igreja Espiritual, que fazia uma dicotomia entre o mundo profano e o religioso,
opondo-se orientao da Nova Escola, que tinha como nfase doutrinria a teologia do
Evangelho Social, com nfase nos reavivamentos, na converso e no interesse ligado as
questes sociais.
50
Surely the time has come for such publicity. We have got on the harness - we have friend and supports - the
government and public are favourably disposed, and the opposition of the clergy cloud not harm us if we act
wisely and prudently. We are urged, and should not refuse, to stand out before the whole community and nation
as a witness for the truth as it is in Christ.
98
Foi notoriamente prudente nas suas referncias religio oficial no Brasil. a leitura de
seus sermes, por exemplo, mostra que ele nunca se refere explicitamente Igreja
Catlica, mas religio de nossa sociedade ou aos costumes religiosos deste pas.
No se nota nele esprito abertamente polmico, mas inteno proselitista,
conversionista e exortativa para os fiis de sua Igreja, no sentido de consolidar neles
os princpios distintivos da nova f que haviam abraados (p. 124).
51
The priesthood have lost their control of the people, and as long as there is no revival of Romanism in the
hearts of the masses, the storming of priests and monks is not to be feared.
99
Quem eram estes amigos de Simonton? Em outro documento, Blackford nos ajuda a
entender quem eram estes amigos, que favoreciam a insero da proposta civilizatria norte-
americana no Brasil:
52
Relatrio impresso, traduo Ivanilson Bezerra da Silva. The Influence of Freemasonary In my last I wrote
of a visit to the province of So Paulo, and gave some items in regard to our work there. The progress of the
work of evangelization has been more marked in that province than in any other part of Brazil. The good hand of
God is clearly the way is opening up for the further progress and triumphs of the gospel of Christ. One great
hindrance to more rapid dissemination of the truth in every part of this country, is the inability of great portion of
the masses to read. During the present year nigth-schools, for theaching reading, writing and accounts have been
started in the capital and several of the other principal towns. They are entirely free, and are under the auspices
of the liberal wing of the Freemasons, managed and sustained by the respective lodges of the towns in which
they exist. I visited one of these schools in the city of So Paulo. It was a pleasing and encouraging sigth. About
100
Embora bastante longa, a passagem acima mereceu ser transcrita pela sua importncia:
como fonte indita, pois revela a posio de Blackford, um pastor que a historiografia vem
deixando sombra da figura do pioneiro Simonton, o qual deixa bem claro no documento a
participao da maonaria brasileira no campo poltico, educacional e religioso no Brasil,
afirmando que ela foi e tem sido o instrumento nas mos de Deus53 para combater o
romanismo e proteger a vida das pessoas que o enfrentavam; e por referendar a interpretao
construda por autores como Hilsdorf Barbanti (1977, 1986) e Gueiros Vieira (1981), entre
outros, sobre as alianas entre maonaria liberal e republicana e protestantismo nos campos
poltico e educacional, e as disputas entre ambos e a igreja catlica.
70 pupils were in attendance, ranging in ages from the wee urchin to the old man, of 70 years; there were bond
and free, and of all colors. Some of the teachers were regular dandies in dress and manners. The government
seemed a sort of Quakers or Puritan democracy, in which the interest in their studies with their hats on, which
the director said was to prevent disorder at the dismissal (according to Brazilian etiquette, the hat is always taken
off on entering a house). The director, or at least master spirit, of this school, is a Mullatto, and one of my old
friends whose rationalistic notions I had often combated. He said He would like some copies of Little Henry and
his Bearer, and also some New Testaments for distribution among his pupils. Bro. Mckee supplied him with the
former, and the agent of the British and Foreign Bible Society with the latter. God uses strange hands to sow the
seed of truth. These schools have been vigorously opposed by the retrograde party in politics, as well as by the
priests. All sorts of stories are told of them in order to frighten the people from attending; and, am sorry to add,
wich too much sucess. The following incident shows, how much Rome loves popular instructions, at least in
Brazil: Two poor boys began, attending the school I have described, who belonged to the choir of the
cathedral. Though thus employed to help chant the mass and other church services, they could not read their
own language, and the priests forbade their attending this school, on pain of being expelled from the cathedral
choir. This was their means of livelihood, and of course they yielded. I do not venture any opinion on the merits
or demerits of Freemasonry. Be that as it may, however, it is a great fact and a great Power in this country, and
one of the most important means God has used and is using to break the hold Romanism on the hearts of the
people here. It is thoroughty detested an bitterly denounced by the Papal or ultramontane party. Yet every town
of any importance has its lodge, or lodges, and nearly every Brazilian, Who wishes to be thought respectable
belongs to the order. And still more, notwithstanding the repeated excommunications of the Pope, many of the
priests are members and often the leading men of their lodges. The curate of cathedral church in So Paulo, was
one Day conversing with a friend of mine, when the fact transpired that He was a Mason. You a Mason and a
Priest! You know the Pope has escommunicated all Masons. What do I care for the Pope? He replied; the
Pope is Rome and I am a Brazilian.
53
Mas esta perspectiva sustentada por Blackford no permaneceu por muito tempo na mentalidade do
presbiterianismo brasileiro. Eduardo Carlos Pereira em 1903, poca do cisma presbiteriano, afirmou que a
maonaria era a mo do gato que separava a Igreja naquele momento histrico. A maonaria era apenas um
dos pontos de divergncia do grupo de Eduardo Carlos Pereira. A educao era outro elemento de divergncia
entre Eduardo Carlos Pereira e os missionrios americanos, que na poca tinham o apoio da maioria dos pastores
(Ferreira, 1992; Lira, 1947; Lessa, 1936; Vieira, 1980; Ribeiro, 1987). Eduardo Carlos Pereira defendia que no
havia necessidade da Igreja utilizar a educao como forma de evangelizao indireta, mostrando-se contrrio a
organizao de Colgios.
101
A respeito da prtica protestante em relao ao catolicismo, Velasques Filho (1990)
faz o seguinte comentrio:
Esta atitude de hostilidade para com o Catolicismo brasileiro no fazia parte somente
do pensamento de alguns missionrios norte-americanos, mas tambm norteava a ao
missionria dos primeiros pastores brasileiros, formados por eles, dando uma idia de
continuidade viso estabelecida por eles. Podemos perceber esta postura de hostilidade na
ao missionria dos primeiros pastores nacionais na cidade de Sorocaba.
54
Segundo Carvalho (2007), a presena do espiritismo pode ser acompanhada na imprensa sorocabana na
segunda metade do sculo XIX. Uma das primeiras aparies desta filosofia religiosa na imprensa sorocabana
aconteceu no jornal A Gazeta Comercial (25/07/1875). O proprietrio de jornal era Jlio Ribeiro, que como
apontamos no captulo primeiro pertencia como intelectual ao campo religioso presbiteriano em Sorocaba. Nesta
edio do jornal, Jlio Ribeiro menciona a publicao do Livro de Mdiuns de Kardec, fazendo uma ressalva:
No aconselhamos, porm, o estudo desta filosofia aos caracteres facilmente impressionveis: no seria para
admirar que a leitura dos livros de Allan Kardec, comeando no conchego do gabinete de estudo, fosse acabar
em uma sala do Hospcio de Pedro II. A presena deste segmento aparece de forma mais acentuada em perodo
posterior, nas pginas do jornal O Operrio (1909-1913). Vale ressaltar que o protestantismo se fazia presente na
cidade e nas vizinhanas de Sorocaba desde o incio do sculo XIX, especificamente, na Fazenda Ipanema, com
trabalhadores da Fbrica de Ferro criada por D. Joo VI (1810). Este tipo de protestantismo denominado
102
Na ata da Loja Perseverana III (1869), temos o seguinte relato sobre a inaugurao da
escola que foi realizada no dia 07 de setembro:
A escola no tinha nenhuma ligao com o Presbiterianismo. Mas, o fato gerador desta
polmica pode ser explicado pela aproximao e relaes de poder que os dirigentes maons
tinham com o grupo protestante da cidade. Ubaldino era amigo de Jlio Ribeiro, que se casara
com a filha do comerciante Jos Antonio Bertholdo. Na ocasio da cerimnia, celebrada pelo
pastor G.W.Chamberlain, Ubaldino foi testemunha do casamento. A maonaria atravs de
Bertholdo e Jlio Ribeiro apoiava a nova proposta religiosa de confisso protestante que se
instalar no mesmo ano da organizao da Escola, em 1. de setembro de 1869. Este apoio se
desdobraria no somente em torno dos ideais relacionados ideologia presbiteriana, mas
tambm nas relaes de poder estabelecidas por estes dois grupos. No 1 Livro de Atas da
Igreja Presbiteriana de Sorocaba temos o seguinte registro:
Neste perodo Bertholdo j era iniciado na Loja Perseverana III. Como comerciante,
permitiu que Simonton instalasse em sua casa o depsito de Bblias, que seriam vendidas na
Feira de Muares (Imprensa Evanglica, 1869). As primeiras aproximaes de Simonton com
Primeiro os liberais maons em Sorocaba, como veremos adiante, favoreceu ao meu modo de ver, a
depsito de insero do Presbiterianismo na cidade e de certa forma apoiava o processo civilizatrio
Bblias em
Sorocaba, na norte-americano.
casa de
Bertholdo, um vlido frisar que o presbiterianismo implantado em Sorocaba foi realizado pelos
maom. missionrios americanos ligados Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos.
Segundo Mendona:
104
Na primeira visita de Simonton na cidade de Sorocaba em 1861, ele registra as
seguintes palavras:
105
estabelecia as primeiras relaes de poder com os agentes sociais da cidade de Sorocaba, que
fazia parte da elite sorocabana.
106
O Padre Jos Manoel da Conceio nasceu na cidade de So Paulo, sendo filho de
Manuel da Costa Santos, que era pedreiro, e de sua mulher Cndida Flora de Oliveira
Mascarenhas. Depois da morte de D. Cndida, foi levado para Sorocaba, onde foi
criado por um tio av, o Padre Jos Francisco Mendona, que foi tambm seu
primeiro professor. Na escola, em Sorocaba, os dois livros de leitura de Conceio
foram a Constituio do Brasil e o catecismo jansenista de Montpelier. Com a idade
de 17 anos comeou a ler a Bblia, que lhe causou muita perplexidade, porque achou
nesta coisas que pareciam em choque com o que tinha sido ensinado como catlico.
Quando terminou os estudos no Seminrio de So Paulo, em 1842, foi mandado, por
seu tio padre, para a vila de Ipanema na mesma provncia. Em Ipanema havia uma
fundio de ferro, gerenciada por Friederick Von Varnhagen, pai do historiador
Francisco Varnhagen. Havia 27 famlias germnicas na cidade. Morava l tambm, o
Dr. Theodor Johanis Langaard, mdico dinamarqus. Este ensinou alemo ao jovem
padre e emprestou-lhe livros alemes de histria e geografia (Vieira, 1980, p. 143).
Segundo Ribeiro (1950) foi Henrique Laemmert, editor no Rio de Janeiro, que ao
oferecer literatura protestante em alemo para Conceio traduzir, levou-o ao conhecimento
dos princpios protestantes. Finalmente, em 04 de outubro de 1864 teve contato com
Blackford. Neste mesmo perodo encaminhou documento ao bispo D. Sebastio abjurando
sua f.
O historiador catlico Aluisio de Almeida, afirma que a insero do presbiterianismo
em Sorocaba foi facilitada pela presena do luteranismo na Fazenda Ipanema (1810), pois
nesta vila, haviam vrios estrangeiros alemes de profisso de f Luterana. Segundo minha
perspectiva no foram os estrangeiros Alemes de origem Luterana, que facilitaram a insero
da propaganda presbiteriana em Sorocaba, mas o contato com liberais que compunham a elite
sorocabana. Somente em 1866 que Jos Manoel da Conceio vai mencionar que pregou na
cidade de Sorocaba para um grupo de alemes, o que pode indicar que sua ao foi posterior
as iniciativas missionrias de Simonton, alm do que, o grupo de luteranos de Ipanema no
era proseletista.
Reforo este posicionamento, utilizando-me da anlise que Hilsdorf faz sobre
Simonton e o panorama religioso no Brasil em meados do sculo XIX:
107
presbiterianismo, mas de outras igrejas evanglicas, com lideranas polticas, sociais e
intelectuais. A anlise de Hisldorf nos ajuda a compreender este mesmo fenmeno de insero
presbiteriana em Sorocaba, pois em 1861 Simonton estabeleceu relaes polticas e sociais
com outros dois agentes sociais pertencentes ao campo manico sorocabano: o Sr. Abreu e
Antonio Marciano da Silva. Trata-se de figuras ligadas ao movimento liberal e maon na
informaes cidade. Antonio Marciano da Silva foi eleito tesoureiro da Santa Casa de Sorocaba em 1875.
sobre Nesta mesma eleio Maylasky ocupou o cargo de Provedor da Instituio (Aleixo, 1999, p.
personagens
q Simonton 165). Eles pertenciam ao mesmo grupo de Maylasky, que tinha ouvido a pregao de
encontrou em Conceio, por ocasio da sua visita Sorocaba (Relatrio ao Presbitrio do Rio de Janeiro,
S.P. liberais e
maons. 28/02/1866).
Francisco de Paula e Oliveira Abreu, maon pertencente a Loja Manica
Constncia56, era proprietrio do jornal O Americano. Na edio de 01/02/1872, traz dois
assuntos relacionados ao presbiterianismo. O primeiro texto, assinado por ele, dizia respeito
ao jornal Imprensa Evanglica:
56
Segundo o Livro de Tesouraria da Loja Manica Constncia, participava do quadro manico da referida
Loja, na qual consta pagamento das suas mensalidades. Ele no saiu com o grupo de dissidentes que formou a
Loja Manica Perseverana III. Segundo Aleixo, permaneceu na Loja Constncia at 10 de abril de 1864
Perseverana III e Sorocaba. Vol I, 1999.
108
O nome do jornal muito sugestivo, embora no saibamos as razes para tal nome.
Mas, penso que o primeiro contato de Francisco de Abreu com Simonton em 1861 tenha
influenciado a mentalidade deste liberal, que foi um dos primeiros vendedores de Bblias na
Feira de Muares. Observa-se pelas duas notas um explicito elogio em torno do
presbiterianismo que tentava solidificar-se atravs de duas estratgias mencionadas: a
imprensa evanglica e a educao escolar57. A respeito da Imprensa Evanglica afirma que ela
divulgava a verdade do cristianismo. Em relao ao artigo sobre a instruo em Campinas,
elogia as figuras de Morton e Lane, superando as divises entre igreja do norte e do sul58.
Francisco de Abreu publica vrios assuntos relacionados ao presbiterianismo no seu jornal:
ataques contra o catolicismo, defesa da liberdade religiosa, questes relacionadas
escravido, artigos sobre assuntos religiosos, construo da Estrada de Ferro em Sorocaba
liderada por Maylasky, textos de contedo cristo e apologia Maonaria.
57
Para um aprofundamento sobre a Escola implantada por Morton e Lane, consultar: BARBANTI, Maria Lucia
Spedo Hilsdorf. Escolas Americanas de Confisso Protestante na Provncia de So Paulo: Um Estudo de suas
origens. Dissertao de Mestrado apresentado Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, 1977,
209 p. Este trabalho acadmico representa um dos trabalhos pioneiros sobre a histria da educao protestante no
Brasil e suas propostas continuam vlidas, inclusive para o estudo que estou propondo nesta dissertao. Para um
estudo mais especfico sobre a atuao do presbiterianismo e educao em Campinas, consultar: ALBINO,
Marcus. Ide por todo mundo: A Provncia de So Paulo como campo de misso Presbiteriana, 1862-1892.
Campinas: UNICAMP, 1996, 144p.
58
Lembramos que Morton e Lane estavam vinculados a Misso da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados
Unidos. Simonton vinculado a Misso da Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos.
109
Falecimento Anteontem pelas 11 horas da noite faleceu o importante capitalista
Antonio Marciano da Silva. O finado era geralmente estimado, exerceu vrios cargos
de eleio popular e de nomeao do governo, e por longos anos foi tesoureiro do
cofre de rfos deste termo. Atualmente era tesoureiro do Hospital de Misericrdia.
Foi um dos implicados da revoluo de 1842 (Gazeta Comercial, 04/07/1875).
Cheguei em Sorocaba e preguei com geral aceitao, porquanto o povo tem por toda
parte fome e sede da palavra de Deus... Pela segunda vez parti de So Paulo pelos
mesmos passos j feitos, tornando a pregar at Sorocaba, onde preguei por muitos
dias, havendo cada dia maior nmero de povo para ouvir, e no faltou interesse em
nenhuma ocasio, Dei algumas Bblias e distribui muitas folhas da Imprensa
Evanglica e outros folhetos. De todos que se mostraram interessados se distinguem o
Sr. Bertholdo, filhos e Luiz Delfino. Um Sr. Malasqui e alguns Alemes me ouviro e
Conceio tb fez contatos com aquele Sr. convidou-me a jantar com ele dizendo-me que era catlico mas amava o
maons evangelho de Cristo (Relatrio ao Presbitrio, 28/02/1866).
Depois de trs dias de atraso para juntar o aparato da viagem e coloc-lo em ordem,
dirigi-me a cidade de Sorocaba, algo em torno de 60 milhas a Sudoeste da capital.
Como esse lugar fica fora do trajeto da estrada de ferro, ns temos que voltar ao mais
primitivo modo de transporte - o lombo de mula. Ns iremos ter uma para cada um,
uma para meu companheiro e eu, e uma terceira com uma cela de carga, para levar
nosso suprimento de livros, roupas, etc. Para comprar ferradura, sela, carregar e
montar a tralha, um processo muito mais maante do que valise na mo, caminhar
para a estao de trem e entrar num carro confortvel; portanto j avanada a tarde
quando comeamos. Nossa madrinha de grandes orelhas no parece ter muito gosto
110
pelo seu cargo e manifesta seus sentimentos com estranhos trejeitos, o que nos fez
gastar algum tempo. Ns tnhamos cumprido 4 milhas quando a noite chegou e ainda
tnhamos 4 milhas pela frente at que encontrssemos uma casa . Jantamos por volta
das 8 horas da noite e encontramos nossas camas feitas com capachos speros,
colocados sobre um banco. Geralmente um estrado de palha colocado por baixo, o
que deixa a cama ainda mais dura para nossos msculos e ossos j muito cansados.
Precisamos levantar ao amanhecer para juntar e alimentar nossos animais e sairmos
logo cedo. Aps cavalgar 8 milhas paramos para o desjejum e precisamos esperar at
que o mesmo fique pronto, o que inclui matar uma ave. Nossa refeio ficou pronta
duas horas mais tarde. A fome certamente um timo tempero e muitas vezes serve
para ignor-lo em algumas circunstncias, isso l em casa seria suficiente para estragar
com a refeio. Estamos montados novamente antes do meio dia e depois de cavalgar
por mais de 20 milhas sob sol causticante entre morros e estradas sinuosas paramos
novamente para passarmos a noite com a incerteza de que seriamos ns ou nossas
mulas que tivessem quem sofrido mais com o dia de trabalho. Assim que chegamos
fomos conduzidos a um cmodo da casa entre a venda e a residncia e inicialmente
pensamos que fossemos os nicos ocupantes. Mas logo as pulgas comearam a reagir
nossa intromisso, exigindo seus direitos. Jantamos talvez uma hora mais cedo do que
na noite anterior e procuramos nossas camas que hoje tm o tal estrado. Como est
muito frio e as cobertas so escassas temos que nos cobrir com nossos capotes de
chuva e mantas de sela. Mesmo assim, no entanto, o cansao natural, doce restaurador
vem ao nosso auxlio e deixa tudo parecer perfeito. Uma cavalgada de seis milhas nos
leva na manh seguinte at a cidade de So Roque, com cerca de mil habitantes. Aqui
passamos o dia e permanecemos para pregar noite. O Sr. Botelho visitou um nmero
de pessoas durante o dia, vendeu alguns livros e nos relatou que um bom nmero de
pessoas interessadas no evangelho estava fora da cidade. noite realizamos um culto
na sala de uma penso, onde preguei para cerca de 30 pessoas que pelo menos me
ouviram atentamente. A nica interrupo foi a do delegado que apareceu l fora logo
que iniciamos o servio ordenando que as janelas e portas fossem mantidas fechadas.
A ordem era ilegal, mas o dono da casa ficou assustado, ento permiti que isso fosse
feito. O juiz municipal que era um dos nossos ouvintes mais atentos, nos disse no final
da reunio, que a ordem dada pelo delegado no tinha fundamento legal. Esses
delegados so geralmente, e o caso deste, homens ignorantes e arbitrrios - meros
instrumentos nas mos de polticos do distrito e s vezes do padre. Esses atos de
pequena tirania, de modo geral no impedem nosso trabalho, mas pelo contrrio
animam ainda mais o esprito de inquietao. Esta a cidade onde o Sr. Pires pregou
para uma grande congregao durante a Semana Santa em 1867. Ir se formar aqui um
interessante posto entre So Paulo e Sorocaba. No dia seguinte, 27 de Agosto,
chegamos em Sorocaba a noitinha, depois de uma cavalgada de 25 milhas. O Sr. Pires
tinha partido no dia anterior, aps uma estadia de um ms no local, durante a qual
havia pregado quase todos os dias. Nos alojamos na casa de uma famlia
profundamente interessada na verdade e na ala de jantar dessa casa realizamos servio
todas as noites por seis dias consecutivos. A audincia ficou em mdia de quinze
pessoas, algumas vindo de uma distncia de 3 ou 4 milhas de fora da cidade. O irmo
Conceio tinha passado parte de sua vida aqui, e logo aps iniciar seu ministrio
havia servido como auxiliar de seu tio, o ento vigrio da parquia. Durante sua
misso itinerante em 1866, ele pregou aqui. Foi um grande privilgio visitar e pregar
nesse lugar por duas vezes no mesmo ano (Blackford, 1870, p. 10-12) 59.
59
Carta do Rev. Blackford misso norte americana. Relatrio Impresso. BLACKFORD, A.L. The Missionary.
Janeiro, 1870. p.10-12 (Editada por The Secretary of Foreign Missions of the Presbyterian Church,USA,
monthly from Richmond, Virginia). Trad.: Noemi Benevenuto Fonto. Acervo histrico da Igreja Presbiteriana
de Sorocaba. Em 1876, Blackford confirma sua viso sobre Sorocaba, dizendo que era um centro natural de um
vasto campo. (Ribeiro, Boanerges. Protestantismo e Cultura Brasileira. So Paulo, Casa Editora Presbiteriana do
Brasil, 1981).
111
relata com detalhes as dificuldades vividas ao longo da viagem, dando uma conotao de
certo herosmo da sua parte. Ao chegar Sorocaba foi recebido por uma famlia, cujo nome
no mencionado. Na sala de jantar dessa famlia pregou durante seis dias consecutivos, com
um auditrio de 15 pessoas60. Ele tambm faz uma referncia ao ex-padre Jos Manoel da
Conceio. Seu relatrio acentua o apoio recebido em Sorocaba.
62
Relatrio impresso. Traduo feita por Ivanilson Bezerra da Silva. We are in our usual health, and our usual
duties are continued. I have hopes that three of those who have been receiving instruction from me, are under a
conviction of the truth and importance of the douctrine of salvation by faith in Christ. One of them gives most
satisfactory proof that the Spirit of God has enlightened his mind. I trust we may feel warranted in receiving him
to an open profession of faith in a short time (The Foreign Missionary, Vol. XX, n. 12, 1862, p. 244).
63
Relatrio impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. At Juiz de Fora the company which own this road,
have settled a colony of 1200 Germans. Is has been planted only two or three years. About one half are
Protestant and the other Roman Catholic. Each classe has its own school-house and master. The protestants
have a sunday-school also (Foreing Missionary, Vol. XX, n. 12, p. 369-373).
64
Relatrio impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. Nov 30th I reached So Joo del Rei. This is
reckoned one of the chief cities of the Province of Minas Gerais. I heard its population at from 4.000 to 9.000
souls. Such is the accuracy of Brazilian statistics; or to speak more properly - conjectures; for no census is ever
113
Rio de Janeiro, ficou hospedado durante seis semanas na cada de um mdico chamado Dr.
Lee. Observou que So Joo Del Rei era uma cidade promissora para a plantao do
presbiterianismo. Observou a existncia de uma escola para rapazes e trs internatos
femininos, alm de mencionar a existncia de muitas escolas pblicas. Seu objetivo na cidade
era estudar a lngua e permanecer algumas semanas. Atravs do Dr. Lee, teve contato com um
agente da Sociedade Bblica estrangeira que h trs ou quatro anos distribua e vendia Bblias.
Fora informado por protestante que as pessoas no aceitariam as Bblias por causa do
posicionamento do vigrio da cidade, que alegava que as Bblias eram falsificadas.
taken in Brazil. The lower figures I judge nearer the truth. In point of intelligence and educational facilities, the
citizens of this place reckon themselves foremost in the province, if not in the empire. There is here a college for
young men, having an attendance of over one hundred. the course is only moderately extended, and employs six
or seven professors. there are also three female boarding-schools, as many public school for children. These, I
believe, in fact give the opportunities of education to all who here wish to embrace it. One object my journey
being to study and practice the language, I had proposed remain in this city for a few weeks. Dr. Lee, an English
Physician, residing here, and to whose wife I had a letter of introduction from a friend of one of my
acquaintances in Rio, furnished rooms for me in one of his house, and put them at my disposal, during my
pleasure to remain. Though a professed Catholic, he showed me the greatest generosity during my sojourn of six
weeks in this place. (ibid, p. 371).
114
da maonaria. Possivelmente, Jlio Ribeiro tenha facilitado o contato de Blackford com
Bertholdo, pois nesta poca Jlio j residia em Sorocaba.
Recebi o Novo Testamento em grego, que voc fez a gentileza de me enviar. Minha f
est se tornando mais forte a cada dia: Eu me sinto cada vez mais que o vazio que
privou o meu corao de consolo comea a ficar cheio de alegria inefvel e uma voz
secreta me diz que eu sou um dos chamados e escolhidos. Esta cidade um das mais
fanticas pela religio muulmana e de Roma, no entanto, se houvesse entre vs um
ministro dedicado, disposto a combater corajosamente os obstculos postos em seu
caminho pelos padres catlicos, ele teria, acredito, provavelmente de encontrar alguns
palmos de boa terra em que germinam as sementes da palavra do Filho do Homem:
provavelmente mais do que uma ovelha selvagem seria recolhida ao aprisco. Quando
me escrever, seja em Ingls, a fim de que a carta no seja compreendida no caso de
violado (ibid, p. 259) 65 .
Na carta66, Jlio diz que sua f estava cada vez mais forte. Dizia que o vazio do seu
corao foi preenchido por uma alegria inefvel. Pela carta, parece que na ocasio se
encontrava na cidade de Taubat, possivelmente com a finalidade de propagar o Evangelho.
Na carta, Jlio parece que fazia um levantamento sobre a condio da cidade, quando afirma
que a cidade de Taubat era fantica pela religio mulumana e pelo catolicismo e que se
estivesse ocupada por um ministro dedicado e corajoso para combater a ao do catolicismo,
certamente, o presbiterianismo teria algum fruto.
Pelo relatrio, Schneider afirmava que gostava muito de Jlio e que ele seria um
instrumento muito importante para os homens do seu pas. Segundo Lessa (1938), Jlio
65
Relatrio impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. I received the New Testament in Greek which you
were so kind as to send me. My faith is becoming stronger day by day: I feel more and more that the vacuum
which deprived my heart of consolation is becoming filled with ineffable joy; and a secret voice tells me that I
am one of called and chosen. This city is one of the most fanatic for the Mohammedan religion of Rome;
nevertheless if there were among you a devoted minister, disposed to combat manfully against the obstacles put
in his path by the catholic priests, he would, I believe, propably find some feet of good soil in which would
germinate the seed of the word of the Son of Man: probably more than one wild sheep would be gathered into
the fold. When you write me, let it be English, in order that the letter may not be understood if should be
violated (Brazil Mission, 1870, p. 259)..
66
A carta datadade 11 de dezembro de 1869, consultar: LESSA, Vicente Themudo. Anais da 1 Igreja
Presbiteriana de So Paulo (1863-1903). So Paulo, 1923, p. 80.
115
Ribeiro em sua fase de propagandista teve o privilgio de atrair algumas pessoas ao
Evangelho (p. 82).
Penso que esta percepo de Schneider acerca do intelectual Jlio Ribeiro e sua
relao com o presbiterianismo justifica a presena dele na cidade de Sorocaba.
Provavelmente, os missionrios norte-americanos tenham incentivado Jlio a vir Sorocaba,
com o objetivo de fortalecer as relaes de poder com os liberais maons e propagar a
proposta civilizatria norte-americana. Lemos (2005) afirma que Jlio Ribeiro fez algumas
pregaes na Igreja Presbiteriana de Sorocaba.
O local foi cedido pelo sr. Jos Anthonio de Souza Bertholdo. Ele era amigo de
Francisco de Paula e Oliveira Abreu, Marciano da Silva, Jlio Ribeiro, Ubaldino do Amaral,
Luiz Matheus Maylasky e outros.
A escolha do local parece uma estratgia ousada da parte dos missionrios norte-
americanos. A casa era em frente ao Mosteiro So Bento. Seria uma afronta ao catolicismo?
Penso que esta ao estava atrelada perspectiva de campo que estamos utilizando neste
trabalho. Ocupar o espao requer estratgia e luta, tomada de posio e confronto com os
possveis concorrentes. Talvez, os missionrios americanos, juntamente, com Jlio Ribeiro,
67
Ver anexo 2, vol II, p. 7, (foto 6): Casa de Jos Antonio de Souza Bertholdo.
116
Bertholdo e outros sentiam segurana da parte do grupo de maons que os apoiavam, porque
o centro da cidade de Sorocaba representava o espao social de poder que a elite dominava.
Por outro lado, estabelecer-se estrategicamente na regio central, pode sugerir que a ao
missionria atingiria muito mais pessoas da elite sorocabana. Era na regio central de
Sorocaba que circulavam as idias, os posicionamentos polticos e as articulaes da elite68.
Contudo, esta estratgia no durou muito tempo. No primeiro livro de Ata da Igreja
Presbiteriana, vemos as primeiras famlias que professaram sua f ao presbiterianismo e que
foram mais tarde expulsas do campo religioso protestante sorocabano.
68
Isto no significa que no havia resistncia por parte dos grupos sociais menos desfavorecidos que no faziam
parte do campo poltico e manico. Alguns jornais que circulavam na cidade noticiavam a fuga de escravos dos
seus senhores, isto representa uma forma de resistncia e ao contra-hegemnica contra a elite sorocabana. No
pretendo centrar a anlise nesta perspectiva, pois seria necessrio a elaborao de um outro trabalho acadmico
que analise este processo na tica dos dominados.
69
COLUSSI, Elaine Lucia. Plantando Ramos de Accia: a Maonaria Gacha na segunda metade do sculo
XIX. Tese de Doutorado. PUC, 1999.
117
A famlia de Bertholdo foi recebida nesta ocasio como os primeiros membros da
Igreja Presbiteriana de Sorocaba. Bertholdo foi recebido como membro da Igreja somente em
14/12/1873, pelo Rev. G. W. Chamberlain, e suspenso em 2 de julho de 1880, no pastorado
do Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite. A vida religiosa de Bertholdo, segundo os
registros da Igreja, foi tumultuada. Conforme registros da Igreja, ele foi disciplinado com sua
esposa e outros membros da sua famlia. Segundo a viso do Rev. Antonio Pedro, por mau
comportamento, por no comparecer aos cultos, no comungar a Santa Ceia, por trabalhar no
domingo e por desobedecer as autoridades eclesisticas. Foram disciplinadas as seguintes
pessoas: Jos Antonio de Souza Bertholdo e sua mulher D. Antonia Maria de Souza; Joaquim
Avelino de Souza e sua mulher Antonia Cndida de Souza; Joo Baptista de SantAnna e sua
mulher Carolina Joaquina de Souza, e Anna Maria de Souza (1 Livro de Atas da Igreja
Presbiteriana de Sorocaba, 1880, p. 73-74).
70
Professou sua f no dia 20 de abril de 1878, cf. Ata da Igreja Presbiteriana de Sorocaba (p. 34). Era filho de
Jos Anthonio de Souza Bertholdo.
118
de junho de 1879, os lderes reunidos, sob a presidncia do Rev. Antonio Pedro de Cerqueira
Leite, deliberaram
Justiniano foi citado pelo Rev. Antonio Pedro a comparecer na reunio marcada para o
dia 27 de junho. No referido dia compareceram o pastor, os seus dois presbteros e as
testemunhas do processo, exceto Pedro Fogaa de Almeida, por estar enfermo. O acusado
Justiniano no compareceu reunio, porm encaminhou ofcio em que comunicava a deciso
de no comparecer a reunio, alegando improcedentes as acusaes que recaam sobre sua
pessoa. Como ele no compareceu, os lderes resolveram cit-lo pela segunda vez para
comparecer no dia 4 de julho. Citado pela segunda vez pelo pastor, eles se reuniram conforme
data mencionada. Justiniano encaminhou novo ofcio, declarando que no compareceria
reunio. Na mesma sesso foi nomeado Joo Fogaa de Almeida para assistir os depoimentos.
No dia 08 de julho, novamente a comisso se reuniu sob liderana de Antonio Pedro. Nessa
ocasio, foram transcritas as seguintes palavras:
119
sorocabana. Alm de membro da famlia Bertholdo, no campo manico Justiniano fora
eleito, em 1873, 2 dicono da Loja Perseverana III (Aleixo, 1999, p. 126). Em sesso
realizada nesta Loja no dia 3 de janeiro de 1874, leu o documento intitulado Quamquam
Dolores, dirigido por Pio IX a Dom Vidal, manifestando-se contrrio proibio dos
religiosos catlicos nas hostes manicas contida no texto. Vejamos as palavras de Justiniano
nesta sesso:
O protesto que acabo de ler merece ser transcrito no Jornal Ipanema para
conhecimento dos profanos. Ento se ver o que a maldita poltica que est jogando
o clero contra a maonaria. A Loja Constncia e outra j se manifestaram
publicamente contra o documento e pastorais dos bispos (Aleixo, 1999, p. 128).
Para se defender das acusaes que pesavam sobre ele no campo religioso, Justiniano
se defende publicamente das acusaes feitas sua pessoa, usando como veculo o jornal
Ypanema72, de propriedade de Manuel Janurio de Vasconcelos, um confrade membro da Loja
Perseverana III73. Traria este conflito no interior do campo religioso implicaes para a
posio da Igreja Presbiteriana no campo social e religioso sorocabano? O caso repercutiu
tambm publicamente:
71
A Loja Manica Constncia do Oriente de Sorocaba tinha em seus quadros alguns padres. Em 1859, Frei
Igncio de So Paio, 35 anos, presidente do Mosteiro So Bento. Em 1863, Pe. Francisco de Assumpo
Albuquerque, empregado do Colgio do Lageado, 32 anos. Em 1863. Pe. Antonio Joaquim dAndrade, 36 anos.
Em 1868, Pe. Joo Baptista Arrojo, 35 anos. Em 1876, Pe. Francisco Jos Serodio, 35 anos. Livro de Matrculas
da Loja Constncia (1847).
72
Por se tratar de artigos no publicados pela historiografia protestante, eles sero colocados na ntegra no
volume II deste trabalho, como anexo 3 - artigos de jornais, vol II, artigo 1, p. 18: Defesa de Justiniano Maral
de Souza, publicado no Jornal O Ypanema em 16/07/1879.
73
1 Livro de Atas da Loja Perseverana III (1869). Foi eleito secretrio adjunto da Loja em sesso realizada no
dia 23/06/1874.
74
O recorte do artigo foi colado no lado direito da 1 Ata da Igreja Presbiteriana de Sorocaba, p. 35.
120
Jos de Oliveira Dias fazia parte da Loja Perseverana III75 e tambm era membro da
Igreja Presbiteriana, juntamente com Justiniano e Bertholdo. Foi acusado de no comparecer
nos cultos e fazer negcios no domingo (1 Livro de Ata da Igreja Presbiteriana de Sorocaba,
1879, p. 35). No dia 12 de novembro do mesmo ano foi disciplinado pelas acusaes, e por
no comparecer sesso a que fora convocado.
A base de apoio oferecida pela famlia Bertholdo aos missionrios americanos foi
praticamente toda disciplinada da Igreja pelo Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite. A
liderana de Cerqueira Leite mostrava-se muito rigorosa. Suas aes do pistas de que, no
cotidiano da vida religiosa existia uma crise interna da Igreja de Sorocaba, alm de mostrar
como ela havia absorvido a mentalidade puritana da ideologia presbiteriana. Do ponto de vista
do processo civilizatrio, os pastores presbiterianismos nacionais absorveram idias,
costumes e crenas da cultura presbiteriana norte-americana, e foram alm, pois esta ruptura
interna no campo religioso presbiteriano trouxe reflexos pblicos. As relaes de poder
estabelecidas no perodo inicial entre missionrios americanos e liberais foram
interessante desestruturadas pela posio religiosa de Cerqueira Leite e seus lderes: a postura adotada
osx pelos lderes eclesisticos da Igreja Presbiteriana, passados 10 anos de sua instalao em
presbiterianos
depois de Sorocaba, soava nos dizeres dos maons como uma atitude autoritria. Este conflito
receberem o representava socialmente uma desestruturao no campo religioso presbiteriano, que no mais
apoio dos
liberais teriam necessitava neste momento, segundo a postura ideolgica e poltica dos seus lderes, do apoio
se tornado dos liberais, pois tinha alcanado na perspectiva religiosa, certa autonomia. Alm disso, esta
mais radicais,
postura tambm demonstrava uma opo poltica dos presbiterianos naquele momento
criando
conflitos com histrico. Podemos dizer que a preocupao inicial de Antonio Pedro de Cerqueira Leite era
os liberais.
fortalecer a comunidade internamente.
Porm, esta opo poltica pode tambm ser vista como falta de estratgia dos
presbiterianos, que apesar de estarem interna e aparentemente estruturados, neste momento,
no contexto sorocabano, tinham que lidar com os ataques do catolicismo sorocabano que j se
anunciavam. No campo social esta atitude enfraquecia a hegemonia dos presbiterianos, mas
os solidificava internamente, dando-lhes caractersticas prprias e conferindo-lhes poder e
legitimao dos seus interesses religiosos, ou seja, na medida em que enfrentavam o conflito
75
Foi indicado para pertencer a Loja Perseverana III no dia 31 de julho de 1869. Alguns nomes de profanos so
apresentados, na forma do regulamento ao ingresso na instituio e dispensados da sindicncia por serem demais
conhecidos e de bons costumes. Entre eles: Jos Antonio de Souza Bertholdo, Jos Antonio Cardoso, Antonio
Joaquim Cardoso, Antonio Joaquim Dias, Francisco Prestes, Jos Ferreira Prestes. (Aleixo, 1999, p. 55). Eleito
com 13 votos tesoureiro da Loja Perseverana III, em 20 de dezembro de 1884. Ele estava no grau 18. Justiniano
Maral tambm concorreu ao mesmo cargo, mas teve 7 votos.
121
interno, os lderes da Igreja de Presbiteriana de Sorocaba legitimavam seu poder e autoridade
sobre seus dominados. Esta postura contribua eclesiasticamente para a perpetuao e para a
reproduo da ordem religiosa. Tal situao demonstrava no interior da Igreja as relaes de
concorrncia, que representavam simbolicamente a conquista pela autoridade espiritual
(Bourdieu, 2004, p. 63). A prtica religiosa mantida pelos lderes religiosos presbiterianos
representava a prpria lgica de funcionamento da Igreja, que nesta ocasio impunha sobre
seus dominados uma forma de coero, inerente manuteno de uma burocracia que
reivindicava o monoplio do poder religioso sobre eles.
76
Ver anexo 2, vol II, p. 8, (Foto 7): Blackford e seminaristas.
122
primeiro filho do casal, Filvio. Antes de fixar residncia em Sorocaba, Palmira fora
professora da Escola Americana em So Paulo, onde o casal se conheceu.
123
Em 7 anos de ao missionria americana em Sorocaba, os pastores conseguiram
agregar na Igreja 40 pessoas. O livro de Rol de Membros no menciona as crianas que foram
batizadas neste perodo. Elas so mencionadas no Livro de Atas da Igreja. O referido livro
no menciona nada sobre a vida profissional destas pessoas, apenas registra o dia da profisso
de f, o nome da pessoa e o ministro que a recebeu. Tais fontes no nos ajudam a caracterizar
a comunidade presbiteriana de Sorocaba. As nicas informaes sobre a profisso que
consegui levantar foram atravs do Livro de Registro da Cmara Municipal (1875) que
menciona o nascimento dos filhos de nacionais e estrangeiros que no professavam a religio
oficial. Levantei os seguintes nomes ligados ao presbiterianismo sorocabano e suas
profisses: Francisco Rodrigues Pacheco (marceneiro), Joo Fogaa de Almeida (carpinteiro),
Jos Antonio de Barros (carpinteiro), Julio Ribeiro (escritor), Eleutrio Jos de Oliveira
(pedreiro), Joaquim Avelino de Souza (artista), Joo Baptista de SantAnna (marceneiro),
Roque Paes da Silva (lavrador), Joaquim Estanilau de Arruda (lombilheiro), Frederido
Menzen (negociante), Sebastio Machado de Almeida (carpinteiro), Jos Carlos de Campos
Jnior (Oleiro), Elentrio Jos de Oliveira (coveiro), Augusto Brushen (empregado da
Companhia Sorocabana), Joo Fiel de Arruda (lombilheiro), Jos Carlos de Campos Filho
(Oleiro), Joo Martins da Cruz (lombilheiro), Sebastio Machado de Almeida (carpinteiro). O
livro traz o registro dos nascimentos efetuados at 189277.
Como acentuei, Antonio Pedro, o primeiro pastor nacional que liderou a Igreja
Presbiteriana em Sorocaba, a partir de sua cosmoviso religiosa puritana comeou a
confrontar as atitudes de alguns membros da Igreja que trabalhavam aos domingos, o que, na
perspectiva presbiteriana, representava a quebra da guarda do dia do Senhor. Estes membros
a questo da
guarda do eram proprietrios de estabelecimentos comerciais na cidade de Sorocaba. Esta atitude
domingo
77
Como podemos observar, as profisses relacionados ao campo religioso protestante so variadas: temos
negociante, lavradores, marceneiro, carpinteiro, artista, lombilheiro, coveiro e pedreiro. Todas as profisses
ligadas a vida urbana, embora nem todas no mesmo patamar. Seria interessante em outro trabalho aprofundar a
questo dos vrios grupos sociais que pertenciam ao campo religioso protestante. Teria o presbiterianismo
sorocabano prestado duplo servio ao alcanar pessoas de diferentes classes sociais ou pertencentes a campos
sociais distintos? Para ser mais prximo da questo levantada por Thompson: Como foi que o Metodismo
conseguiu desempenhar com tamanho xito o duplo papel da religio dos exploradores e dos explorados? Se isto
aconteceu em Sorocaba possvel analisar a ao presbiteriana a partir das anlises levantas por Thompson no
livro a Formao da classe operria inglesa (1987), principalmente nas problematizaes levantadas no captulo
O Poder Transformador da Cruz (Volume II, 1988) em que mostra que o Metodismo Ingls conseguiu exercer
com xito o duplo papel da religio dos exploradores e dos explorados, ou na perspectiva de Bourdieu dos
dominadores e dominados. Ser que para o grupo acima mencionado, Igreja Presbiteriana em Sorocaba alm de
um edifcio, sermes e prticas religiosas ofereceu aos diferentes grupos sociais um lugar de pertencimento e
uma religio que tinha um duplo sentido, ou seja, a de legitimar os interesses dos dominantes e para os
dominados um fator para manter a disciplina do trabalho? Estes dominados, do ponto de vista da experincia
social, no tinham condies para se sentir eleito, mas talvez na perspectiva da doutrina da eleio ou
predestinao, o presbiterianismo dava aos mais humildes a esperana de atingir esta condio.
124
questes interessantes para serem trabalhadas com relao s
profisses dos membros da Igreja
tambm, de certa forma, servia como um meio de salvaguardar o direito dos trabalhadores de
no trabalharem no domingo, ou era fruto de uma concepo puritana? Penso que a postura de
Antonio Pedro estava mais ligada a sua concepo puritana, relacionada a sua formao
teolgica.
Antonio Pedro fez uma opo teolgica que repercutiu no campo poltico de no
manter relaes de poder com os agentes sociais que haviam servido de apoio aos
missionrios americanos. Sua esposa Palmira de Cerqueira Leite, influenciada pela ao
o papel da educacional americana em So Paulo, daria uma projeo diferente ao presbiterianismo em
esposa de
Sorocaba no campo educacional, conforme veremos no prximo captulo. Entendo que ela, e
Cerqueira
Leite. no seu esposo, foi responsvel por manter as relaes de poder com a elite sorocabana.
Podemos perceber que neste perodo a preocupao dos agentes presbiterianos era o
fortalecimento da hegemonia no campo religioso e no necessariamente o fortalecimento da
sua posio no espao social sorocabano. Penso que este posicionamento religioso e tambm
poltico estava relacionado cosmoviso religiosa dos prprios lderes presbiterianos. Mas,
tambm acentuo que esta posio poltica era fruto do prprio carter do Rev. Antonio Pedro
de Cerqueira Leite, que segundo a historiografia protestante demonstrava ser uma pessoa
temperamentalmente acanhada (Ferreira, 1992, p. 136). Talvez isto dificultasse suas relaes
com os agentes sociais da cidade de Sorocaba. Neste sentido, cabia a sua esposa atravs do
campo educacional dar projeo e posicionamento poltico do grupo presbiteriano no campo
social sorocabano. Ela era reconhecida pela imprensa jornalstica sorocabana e demonstrava
mais articulada para lidar com as questes relacionadas ao campo social por possuir um
capital econmico, social e cultural privilegiado, obtido durante sua formao intelectual na
Inglaterra (Lemos, 2005, p. 79)
125
A nica foto78 que temos dos membros da Igreja de 1877. Embora no contenha
nenhuma identificao dos nomes, podemos contar os membros, que somam uma cifra
expressiva: 98, entre adultos e crianas.
78
Ver anexo 2, vol II, p. 9, (foto 8): Membros da Igreja Presbiteriana de Sorocaba 1877.
126
Anna Candida de Arruda Brasileira 12/01/1879 A. P. C. Leite
Clemencia Teixeira de Queiroz Brasileira 12/01/1879 A. P. C. Leite
Antonio Delfino de Arruda Brasileiro 12/01/1879 A. P. C. Leite
Antonio Pinheiro de Carvalho Brasileiro 24/08/1879 A. P. C. Leite
Josepha de Barros Leite Brasileira 24/08/1879 A. P. C. Leite
Maria da Conceio Ribeiro Brasileira 24/08/1879 A. P. C. Leite
Antonio Laureano Camargo Brasileiro 01/08/1880 A. P. C. Leite
Maria da Conceio Brasileira 01/09/1880 A. P. C. Leite
Isadoro Manuel Martins Brasileiro 15/05/1880 A. P. C. Leite
Jos Mendes Corra Brasileiro 18/05/1882 A. P. C. Leite
Olympia Maria Barbosa Brasileira 18/05/1882 A. P. C. Leite
Anna Maria das Dores Brasileira 23/07/1882 A. P. C. Leite
Maria Dolada de Moura Brasileira 23/07/1882 A. P. C. Leite
Francisco Barnab da Silva Brasileiro 23/07/1882 A. P. C. Leite
Marcellino Gomes da Silva Brasileiro 23/07/1882 A. P. C. Leite
Anna Maria Rosa Brasileira 08/10/1882 A. P. C. Leite
Joaquim Mendes Rosa Brasileiro 10/12/1882 A. P. C. Leite
Caetana Maria Paes Brasileira 31/12/1882 A. P. C. Leite
Benedicta Maria de Camargo Brasileira 20/05/1883 A. P. C. Leite
Maria Olympia Camargo Brasileira 20/05/1883 A. P. C. Leite
Hygina Maria Vieira Brasileira 20/05/1883 A. P. C. Leite
muito que, apesar do rigor religioso de Antonio Pedro de Cerqueira Leite em relao aos episdios
interessante qde disciplinamento, a Igreja cresceu. A desestruturao das relaes de poder efetuadas por
na Igreja de
Sorocaba no Antonio Pedro e, que foram construdas no perodo de insero do presbiterianismo em
houvesse Sorocaba pelos missionrios norte-americanos, no afetou diretamente a projeo social da
membros
comunidade presbiteriana, possivelmente, porque no campo social, o presbiterianismo nesta
estrangeiros
ocasio, contava com as relaes de poder mantidas pela Palmira Cerqueira Leite.
79
Porm, segundo o Livro de Registro de casamentos da Igreja, Antonio Pedro de Cerqueira Leite realizou
alguns casamentos de estrangeiros residentes em Sorocaba. Entre eles, estavam: Wilhenlm Schiniming, natural
da Prssia, casou-se com Therese Alvine Lippel (22/05/1877). Carlos Ziegenbalg, natural da Saxnia, casou-se
com a senhora Luise Kaiser, natural de Westphalia. Jos Wey Meyer casou-se com Guilhermina Sophia Wilke,
natural de Kemme (Alemanha).
127
Pedro tambm inclua localidades como Tiet, Tatu, Itapetininga, Guare, Lenis,
Paranapanema, Rio Novo, Capo Bonito e Apia (Matos, 2004, p. 329).
Como podemos perceber, o lugar de culto foi apresentado como uma capela, talvez na
tentativa de no chamar a ateno dos agentes pertencentes a outros grupos religiosos, talvez
pela atitude no polemista de Antonio Pedro, ou ainda, para no afrontar a legislao regente.
O lugar de culto dos presbiterianos era modesto e no tinha forma de templo religioso, mas o
fato de estar localizado na regio central sugere pensar que os presbiterianos demarcaram
posio no espao de poder da cidade de Sorocaba.
80
Ver anexo 2, vol. II, p. 10, (foto 9): Primeiro templo da Igreja Presbiteriana de Sorocaba (1883-1886).
128
Antonio Pedro, alm de construir com os membros da Igreja Presbiteriana de Sorocaba
o 1 templo protestante local, toma outra iniciativa para fortalecer internamente o campo
religioso protestante, a organizao em 1876 do 1 Coral Evanglico do Brasil (Matos, 2004,
p. 327).
Atravs desta anlise possvel afirmar que o pensamento religioso de Antonio Pedro
de Cerqueira Leite se fundamentava no protestantismo pietista e peregrino. Isto pode ser
observado em dois hinos81 de sua composio, intitulados: Prece e Salmo 1. O primeiro pede
que Deus demonstre sua misericrdia ao fiel. O segundo, faz uma distino entre a vida do
mpio e a do cristo, talvez esta posio justifique sua opo de no se envolver no campo
poltico sorocabano.
81
Anexo 4 (hino 1 e 2), vol II, p. 50-51 Hinos de Composio de Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
82
Anexo 5 (Carta), vol II, p. 52-53: Carta de Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
129
2.4. ZACHARIAS DE MIRANDA: A REESTRUTURAO DAS RELAES
DE PODER NO CAMPO RELIGIOSO PROTESTANTE E A LUTA CONTRA O
CAMPO RELIGIOSO CATLICO
83
Ver anexo 2, vol II, p. 11, (foto 10): Zacharias de Miranda e famlia.
130
Claudiana A. Abro Souza Brasileira 02/12/1888 J. Z. de Miranda
Anna Brasilia da Silva Brasileira 13/01/1889 J. Z. de Miranda
Maria Joaquina Leme Brasileira 13/01/1889 J. Z. de Miranda
Antonia Mendes Corra Brasileira 02/06/1889 J. Z. de Miranda
Manuel Joaquim Leme Brasileiro 07/07/1889 J. Z. de Miranda
Jos Antonio Sewaybricker Brasileiro 11/08/1889 J. Z. de Miranda
Maria Isaura de Miranda Brasileiro 29/09/1889 J. Z. de Miranda
Angelo Joaquim de Oliveira Brasileiro 07/06/1890 J. Z. de Miranda
Anna Prestes Brasileira 26/10/1890 J. Z. de Miranda
Balbina Laurenao Brasileira 26/10/1890 J. Z. de Miranda
Maria Damaris de Campos Brasileiro 26/10/1890 J. Z. de Miranda
Alberto Dias de Assumpo Brasileiro 21/12/1890 J. Z. de Miranda
Luiza Cecilia de Assumpo Brasileira 21/12/1890 J. Z. de Miranda
Izabel Emydia Dias Aguiar Brasileira 21/12/1890 J. Z. de Miranda
Amelia Hortencia de Camargo Brasileiro 03/01/1892 J. Z. de Miranda
Joanna Annunciao Brasileira 01/05/1892 J. Z. de Miranda
Tiburcia Eufrasia de Campos Brasileiro 01/05/1892 J. Z. de Miranda
Anna Camilla Pacheco Brasileiro 01/05/1892 J. Z. de Miranda
Hipolita Monteiro Brasileira 05/06/1892 J. Z. de Miranda
Odorico Martins de Oliveira Brasileira 05/06/1892 J. Z. de Miranda
Demitilda de Arruda Vieira Brasileira 05/06/1892 J. Z. de Miranda
Maria Teixeira da Silva Brasileiro 05/11/1892 J. Z. de Miranda
Maria Emilia Ribeiro Brasileiro 01/01/1893 J. Z. de Miranda
Laurinda Candida Pedroso Brasileira 01/07/1893 J. Z. de Miranda
Joaquim Marciano da Silva Brasileiro 11/06/1894 J. Z. de Miranda
Loyde de Oliveira Campos Brasileira 07/10/1894 J. Z. de Miranda
Francellina Eulalia Oliveira Brasileira 07/10/1894 J. Z. de Miranda
Casemira Silva Camargo Brasileira 07/10/1894 J. Z. de Miranda
Maria Claudina dos Passos Brasileira 07/10/1894 J. Z. de Miranda
Anna Prestes Brasileira 07/10/1894 J. Z. de Miranda
Bonifacio Soares de Camargo Brasileiro 07/10/1894 J. Z. de Miranda
Gabriellina Corra de Mello Brasileira 23/12/1894 J. Z. de Miranda
Maria Gomes da Silva Brasileira 23/12/1894 J. Z. de Miranda
Anna Joaquina Pereira Brasileira 08/09/1895 J. Z. de Miranda
Francisco Soares de Carvalho Brasileiro 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Olympio Soares de Carvalho Brasileiro 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Loureno do Prado Ferreira Brasileiro 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Fabilha Prado Ferreira Brasileira 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Joanna Helena Laureano Brasileira 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Maria Laureana Brasileira 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Guilhermina Maria Prestes Brasileira 02/08/1896 J. Z. de Miranda
Daniel Prestes Brasileiro 05/10/1896 J. Z. de Miranda
Francisco Laureano Brasileiro 05/10/1896 J. Z. de Miranda
Moyss de Aguiar Brasileiro 05/10/1896 J. Z. de Miranda
Isabel de Aguiar Brasileira 05/10/1896 J. Z. de Miranda
Eunice de Aguiar Brasileira 05/10/1896 J. Z. de Miranda
Raymundo Prestes Brasileiro 06/12/1896 J. Z. de Miranda
Isaac Rodrigues Pacheco Brasileiro 06/12/1896 J. Z. de Miranda
131
Maria Menzen Pacheco Brasileira 06/12/1896 J. Z. de Miranda
Anna Brasilia Osse Brasileira 06/12/1896 J. Z. de Miranda
Etelvina Maria Prestes Brasileira 06/12/1896 J. Z. de Miranda
Joo Mauricio Paes Brasileiro 03/01/1897 J. Z. de Miranda
Maria Joaquina Silva Brasileira 03/01/1897 J. Z. de Miranda
Antonio Pereira Brasileiro 06/06/1897 J. Z. de Miranda
Joo Celestino Mendes Brasileiro 18/07/1897 J. Z. de Miranda
Antonio Joaquim de Moraes Brasileiro 03/10/1897 J. Z. de Miranda
Ezequiel Furquim Arruda Brasileiro 03/10/1897 J. Z. de Miranda
Salatiel Carlos Campos Brasileiro 03/10/1897 J. Z. de Miranda
Seraphina Laureano Soares Brasileira 09/01/1898 J. Z. de Miranda
Paula Maria Brasileira 09/01/1898 J. Z. de Miranda
Joaquim Innocencio da Silva Brasileiro 09/10/1898 J. Z. de Miranda
Ismael Estanilao Arruda Brasileiro 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Carlos Menzen Brasileiro 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Firmino Martin de Oliveira Brasileiro 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Sarah Felix de Arruda Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Maria Fogaa Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Firmina Fogaa Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Anna Fogaa Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Sofia Fogaa Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Damaris Maria de Arruda Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Rachel Aguiar de Campos Brasileira 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Joaquim Anthero de Barros Brasileiro 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Quintiliano de Queiros Brasileiro 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Josias Carlos de Campos Brasileiro 11/06/1899 J. Z. de Miranda
Gamaliel Prestes Brasileiro 19/06/1899 J. Z. de Miranda
Claudiana Loureana Brasileira 19/06/1899 J. Z. de Miranda
84
Segundo a historiografia presbiteriana Zacharias de Miranda era msico (Ferreira, 1952).
132
Zacharias de Miranda volta a ter contato com os liberais
maons
Sua principal estratgia no campo religioso sorocabano foi a reaproximao com os
liberais maons que integravam o movimento republicano sorocabano. Em 1886, a reunio
do Clube Republicano foi na casa da viva de Jos Antonio de Souza Bertholdo (Aleixo,
1999, p. 322). Esta reaproximao era fruto das suas convices polticas e religiosas, que o
diferenciava do seu antecessor, Antonio Pedro de Cerqueira Leite. A casa de Bertholdo no
somente foi um lugar politicamente estratgico para os missionrios americanos e para os
presbiterianos, mas tambm para o movimento poltico republicano. Seu filho Justiniano
Maral ainda pertencia ao campo manico sorocabano, continuando a adeso paterna, o que
talvez justifique a opo do Clube Republicano em se reunir na casa de Bertholdo.
Zacharias outros campos sociais, optando por desenvolver sua ao nos campos religioso protestante e
de Miranda educacional da cidade. Com Zacharias de Miranda, o presbiterianismo em Sorocaba teve uma
pertencia
atuao mais poltica. Talvez isto se explique pelo fato de Zacharias pertencer publicamente
maonaria.
ao campo manico e poltico sorocabano, caractersticas das quais no podemos fazer
nenhuma atribuio a Antonio Pedro. Isto sugere pensar que as ideologias destes campos
influenciaram seu pensamento e suas prticas sociais.
133
disciplinado da membresia da Igreja no pastorado de Antonio Pedro de Cerqueira. Ao se
aproximar do proprietrio do referido jornal, Zacharias de Miranda reestruturava as relaes
de poder com o grupo social sorocabano e garantia o apoio necessrio para as suas disputas no
campo religioso sorocabano. Esta reaproximao poltica e estratgica permitiu que ele
expressasse seus posicionamentos na imprensa sorocabana e ganhasse projeo social no
campo poltico e religioso.
Nas pginas do Dirio de Sorocaba, ele comea seu primeiro artigo com as seguintes
palavras:
85
Segundo Ferreira (1952), as primeiras prdicas de Zacharias foram feitas em Tiet na Cmara Municipal,
espao cedido pelo presidente da Cmara. As primeiras famlias que aderiam ao campo religioso presbiteriano
em Tiet foram: famlia Almeida (So Paulo), Franklin de Cerqueira Leite (Brotas), um oficial de registro de
Hipotecas, e Alberto Dias de Assuno, fazendeiro em Laranjal
134
talvez de muitas campanhas e amadurecido nas lides da controvrsia teolgicas, por
certo, o sr. C., um paladino que est na altura de manejar com toda a percia as
temveis armas da lgica. Alm disso, o sr. C, escreve contra o protestantismo que
soube estar entre ns em minoria, no ponto de vista numrico, e no ser apadrinhado
pelo Estado, tem ainda de lutar contra preconceitos mal entendidos, tendo muita vez
que arcar com acusaes improcedentes torpemente assacadas contra ele por espritos
mal intencionados (Dirio de Sorocaba, 11/02/1886).
Peo agora permisso ao sr. C., para recapitular, em poucos traos, os argumentos que
apresentei contra a aceitabilidade das Tradies da Igreja Catlica.
1 - Demonstrei com muitssimos textos e argumentos, que Jesus e seus apstolos
puseram as Escrituras nas mos dos fiis e recomendaram-lhes a leitura delas.
2 - Demonstrei que Jesus e os apstolos quando tinham de decidir qualquer questo,
apelavam uniformemente para as Escrituras como Regra de F nica, infalvel e
completa, mas nunca fizeram qualquer aluso a outra regra existente ou por existir.
3 - Provei que o sistema de conservar e propagar doutrinas por Tradio foi
inteiramente desconhecido da Igreja Primitiva
4 - Provei que muitos dos Padres Ortodoxos, tais como Irineu, Tertuliano, Gregrio
de Niza, Cirilo de Jerusalm, Teofilo de Alexandria, Euzbio, Bispo de Cesaria, em
nome de 318 bispos reunidos em Conclio, e muitos outros, ao passo que
135
preconizavam as Escrituras como uma Regra perfeita de F, profilizaram o sistema de
estabelecer dogmas sob qualquer outra autoridade, mormente no escrita.
5 - Demonstrei que a autoridade das Tradies de poca recente, pois foi s
estabelecida em 1546 no Conclio de Trento, de onde se conclui que essas tradies
no so apostlicas, mas sim uma inovao.
6 - Demonstrei a insensatez de uma tal idia, de querer conservar atravs dos sculos
e das geraes um corpo de doutrinas no escritas, inalteradas em sua pureza
primitiva. Fiz sentir como os padres no deixaram de tirar partido dessa vantagem,
tornando essas doutrinas subservientes a seus interesses particulares; pois eles no
trepidam em falsificar as Escrituras, como eu demonstrei como provas, no deixaram
tambm de forjar diariamente pretextos para tornar as Tradies apropriadas a todos
os seus interesses,
7. Demonstrei a desarmonia que h entre as Escrituras e as Tradies, de sorte que
ambos os sistemas no podem ter sido procedentes do Esprito de Deus. Zacharias de
Miranda ministro do Santo Evangelho (Dirio de Sorocaba, 24/02/1886).
Zacharias no ltimo artigo recapitulou os principais pontos dos seus artigos que
combatiam a posio tomada pelo sr. C em defender as tradies da Igreja catlica e de
combater o protestantismo. O fato de recapitular os principais pontos da sua disputa
ideolgica e religiosa nos sugere pensar que desejava reafirmar seus principais pontos de vista
acerca do catolicismo e de suas tradies, mas ao mesmo tempo fortalecia o campo religioso
presbiteriano ao enfatizar publicamente, a sua averso ao sistema romano. Os artigos escritos
dentro do campo religioso sorocabano em resposta aos ataques de um agente social
pertencente ao campo religioso catlico de Tiet, no tiveram naquele momento reao do
campo religioso catlico de Sorocaba. Pelo menos o jornal Dirio de Sorocaba no menciona
nada a esse respeito. Mas a polmica o legitimava internamente, para a realizao de outra
atividade de que se ocupou, no campo religioso protestante, nesse mesmo ano de 1886:
Zacharias cuidava da organizao do Estatuto da Igreja (Livro de Atas, 1869, p.150). Esta
atitude interna representava a sua preocupao em solidificar, organizar e estruturar o
presbiterianismo sorocabano.
Tendo-se propalado por ocasio da festividade do S.S. Corao de Jesus, nesta cidade,
que o Revdo. Padre Camillo Passalacqua, em discurso proferido na Matriz, desafiara-
me para uma discusso, eu que nunca temi discusses no terreno dos princpios
religiosos que adoto; mas muito pelo contrrio desejo-as, escrevi para ser publicado
no Dirio de Sorocaba, uma nota ao revdo. Passalacqua que estava a suas ordens para
o dia, lugar, hora e assunto que ele dignasse designar-me. Entretanto minha declarao
ao sr. Manuel Janurio de Vasconcellos, redator-proprietrio do Dirio para inseri-la
86
Anexo 3 (artigos de jornais): vol II, artigo 2, p. 20. Fiat Lux disputa entre Zacharias de Miranda e o padre
Camilo Passalacqua.
136
no seu jornal, disse ao mesmo sr. Vasconcellos que deseja ir pessoalmente entender-
me com o Revdo. Passalacqua para convencionarmos sobre as bases da discusso e
darmos a ele uma direo proveitosa; pelo que, como no tinha o prazer de conhecer o
Revdo. Passalacqua, pedia ao sr. Vasconcellos o obsquio de acompanhar-me e
apresentar-me ao Revdo. O sr. Vasconcellos, porm, ouvindo-me e lendo a minha
declarao, respondeu-me francamente que achava inoportuno tais medidas, visto
como ele podia assegurar-me que a notcia que me foi dada acerca da provocao era
inteiramente sem fundamento. No houve, disse-me, tal provocao nem qualquer
cousa que se pudesse traduzir em desafio. Em vista, pois, desta declarao formal, e
como o cidado Janurio de Vasconcellos me merece todo o conceito, desisti de fazer
qualquer declarao. Como, porm, fui ultimamente avisado que continuam por ali a
dizer eu fui desafiado e fugi a discusso, eu apelo para o testemunho do sr. Manuel
Janurio de Vasconcellos, pedindo que ele sirva-se de declarar si eu estava ou no
pronto a aceitar o desafio, si tal desafio tivesse tido lugar. Confiando, pois, no
cavalheirismo e nunca desmentida lealdade do mui digno redator-proprietrio do
Dirio de Sorocaba, ouso pedir-lhe que queira declarar ao p desse, si ou no
verdade o que acima fica dito (Dirio de Sorocaba, 12/07/1887, p. 3).
Afirmava, retoricamente, que no tinha certezas das provocaes efetuadas pelo Padre
Camilo Passalacqua. Mas, Zacharias parecia estar pronto para o debate relacionado aos
princpios religiosos que defendia. Ele dizia que as provocaes foram feitas pelo padre em
um discurso proferido na Matriz e para autenticar a exatido das provocaes feitas buscou o
testemunho do maon e proprietrio do jornal Dirio de Sorocaba, Manuel Janurio de
Vasconcellos, que por sua vez, afirmava que no existiram tais provocaes. No texto
publicado no jornal, Zacharias reconhece a lealdade do referido proprietrio e que seu
testemunho serviria para esclarecer os boatos em torno da sua pessoa e princpios religiosos.
Logo abaixo da publicao feita por Zacharias, Vasconcellos faz a seguinte declarao: Em
virtude do pedido supra, cumpre-me declarar que pura verdade o que relata o sr. Jos
Zacharias de Miranda (Dirio de Sorocaba, 12/07/1887, p. 3).
137
A reao do padre foi publicada87 no mesmo jornal com as seguintes afirmaes:
87
Ver anexo 3 (artigos de jornais): vol II, artigo 3, p. 23: Resposta do Padre Camilo Passalacqua a Zacharias de
Miranda publicado no Jornal Dirio de Sorocaba 17/07/1887.
138
entendido, tanto que Zacharias lhe pede uma posio que foi acima mencionada. Em
contraposio, Zacharias provoca a continuao da polmica:
Rev. Sr. Prevalecendo-me do amistoso convite que V.S. teve a amabilidade de fazer-
me em seu artigo publicado nesta folha a 17 de Julho p.p., tomo a liberdade de
comunicar a V.S. que no dia 25 do corrente irei a S.Paulo e ali me acharei durante
todo o dia 25 disposio de V.S., no edifcio do internato do Colgio Americano,
sito rua de D. Maria Antonia Consolao. Esperando, pois, que V.S. digne-se
cumprir a promessa que to graciosamente me fez, desde j me confesso grato por to
manifesta prova de considerao. Sorocaba, 22 de Agosto de 1887 - J. Zacharias de
Miranda (Dirio de Sorocaba, 24/08/1887, p. 3).
139
a discusso em particular, visto como discutimos; o que verdade que o Sr.
Passalacqua teme a discusso pblica!...
Direi em segundo lugar que o Sr. Camillo Passalacqua foi muito sensato em no
aceitar a discusso pblica, porque realmente no est preparado para um tal
certamemte; somente tenho de notar-lhe a versatilidade do seu esprito. No ms
passado mostrou-se to bizarro, to guapo, propondo-se a dissipar minhas dvidas
srias com argumentos teolgicos, histricos e cientficos, levando a generosidade ao
ponto de prontificar-se a vir a Sorocaba, nas prximas frias de Janeiro a Maro;
agora a cousa outra: como peguei-lhe na palavra, o Sr. Passalacqua foge espavorido!
Pois fuja, muito embora, se algum dia voltar-lhe o nimo, depois de melhor preparado,
e quiser voltar carga, levarei a minha generosidade a ponto de receb-lo com gosto.
Mas estude melhor a matria para no cometer os erros crassos que cometeu no dia
25. Se tambm quiser trazer ordenana como naquele dia, no fao questo.
Aconselho outrossim a S.S. que consulte os dicionrios para ficar conhecendo melhor
as diversas acepes da frase dar culto de sorte que no venha de novo afirmar que
essa frase no refere adorao religiosa que devemos a Deus. Ser bom tambm que
lance algumas olhadelas para o capitulo 22 do evangelho de S. Lucas para livrar-se de
cometer outro fiasco, como o que fez no dia 25, quando afirmou que as palavras:
Simo, Simo, eis ali vos pediu Satans etc... (S.Lucas 22:31 e 32) foram proferidas
depois da queda de Pedro. Em suma o Sr. Passalacqua estude mais a matria e venha
se quiser: cresa e aparea. Res, non verba volo. Sorocaba, 29 de Agosto de 1887. J.
Zacharias de Miranda (Dirio de Sorocaba, 31/08/1887).
Fica evidente que, nos dois convites para o encontro, o articulista protestante desejava
trazer o debate (que girou em torno da infalibilidade do Papa), para o seu campo de poder,
lugar em que tinha mais domnio e prestgio. Dizia que o melhor era debater o assunto diante
do pblico sorocabano. Que pblico era esse? Quem se interessaria por esta discusso em
Sorocaba? Os protestantes? Os liberais? Penso que eram os dois grupos, pois tanto o
presbiterianismo como os liberais ligados ao campo manico sorocabano no aceitavam a
autoridade papal. Os liberais por entenderem que o catolicismo se apresentava como uma
religio autoritria e centralizadora, e os presbiterianos por no reconhecerem o poder papal.
CONSELHO DE UM ESPIRITO
( J. ZACHARIAS DE MIRANDA)
140
seriamente, vexames por ti. A principio muito ria-me; supunha que essa tua bravata
no passava de troa, mas agora que elevaste a mania a ponto de ir a S.Paulo provocar
o padre, compreendo o meu dever de repreender-te e abrir-te os olhos em tempo.
Estude, Miranda! Estude filho... ento acachapars com certeza esse clrigo, porm
assim... agora... digo-te aqui muito em segredo. L ... l muito, mesmo muito, que
isso se faz mister. Sepulcro, 25 de Agosto de 1887 Luthero (Dirio de Sorocaba,
28/08/1887).
Zacharias no escreveu uma resposta longa a este articulista de nome Lutero, talvez
com o objetivo de ignor-lo. Porm, afirma que no responderia as palavras de algum que
vivia no sepulcro (Dirio de Sorocaba, 07/09/1887, p. 3).
Nada perdeu quem no enxergou os anti-diluvianos artigos com que o patusco do meu
Zacharias de Miranda tem amoldaado a pacincia dos leitores do Dirio de Sorocaba.
So eles compridos e chatos como a espada de Carlos Magno!... Naturalmente o
presbiteriano foi beber a amenidade e a correo daquele estilo no contato constante
das mais fulgentes obras. Sua linguagem filha legtima da dos contos da Princeza
Magalona ou da Donzela Theodora. A cousa melhor de todos os seus escritos o post-
scriptum publicado a 31 do findo. A cousa toca-me! Diz que no responde-me; que
vivo no sepulcro; que tenho um cinturo com letra aberta e outras ratices desse naipe.
No sei com o que ficar! Se com o facnora que traz a letra metlica ou com o cadver
derrudo pelos vermes. Parece-me cousas inteiramente diversas e quase antitticas.
Mas o Sr.Miranda quer dar-me ao mesmo tempo esses dois predicados! Pacincia...
que v tudo por conta e risco do presbiterianismo. Diz que no responde-me!
Ora...ora...ora...ora! e eu com tantos desejos de ouvir a resposta do Sr. Ministro
Zacharias!!! Que ingrato no!... Continue com os post-scriptuns que eu, por minha
vez, refrescalo-ei com estas chasquinadas. Mas olhe, no venha zangado, ouviu?!...
Tome uns ps de Luiz Carlos e uma injeo de malvaisco antes de ler os meus artigos
e assim, com a cabea fresca, vers que no tens tanta razo para querer mal o antigo
chefe de tua seita. Responda, meu Mirandinha de minhalma. Ento porque nas h de
responder?... Que mal faz que te escreva eu dentre os vermes?!... Ora que venha de l
a honra de sua respostazinha!... Terei muito prazer de, por distrair-me, ler os teus
despropsitos. Escreve, pois, alguma cousa que me faa rir...anda!... Ao Dirio... ao
Dirio!... Deixa-te de luxos... Ora no seja rogado!... Publica as tuas enormidades,
pode vir mesmo em ceroulas ou em fralda de camisa como da vez passada. Nada de
cerimnias.
Um favor desde j te peo: Explique-me que diabo de moxinafada fizeste com Pedra e
Pedro ao teu primeiro artigo da Igreja Crist? Ah, Zacharias! Tu no te emendas...
141
natural que, por delicadeza ou compaixo, o padre Passalacqua ainda no tenha dito
que tu no escreves seno absurdos. Teus artigos so seletos... so enormes pelo lado
do pilherio! Pois ento, tu, que ainda ontem foste, em Sorocaba, segundo constou-me,
examinador numa banca de latim, na qual, honra seja feita fizeste um papelo(!?),
tiveste coragem de vir dizer que pedra est na terceira pessoa?! Que no pode
concordar com Pedro e sim com Cristo por ser pedra feminino. Ora que queiras,
segundo pensam alguns, reformar religies... porm que queira introduzir em nossa
pacfica lngua, coitada, to crasso despropsito e um atentado digno de um saco de
fora!... atropelar o senso comum!... Que o diga qualquer menino de escola. Ah!
Judeu de uma figa!... A tua monomania de reformas chegou a ponto de querer fazer do
Filho de Deus vivo um nome epiceno?... Jesus Cristo macho!... Jesus Cristo fmea!...
Pobre Nazareno!
Quando julgais que, alm de crucificado, serias, 1854 anos depois, considerado um
macho-femea pelo notvel gramtico e polemista Zacharias de Miranda?!... A no ser
assim, ento, segundo as teorias gramaticais do sbio ministro, pedra masculino para
poder concordar com o filho de Maria!
Sendo assim, porque motivo nos concordar com Pedro, se a questo de gnero a
nica que confunde o Sr. Ministro do Presbiterianismo?!... Nunca mais afirme
despropsitos desse jaz, Sr. Zacharias... S.S. que quer discutir com o padre
Passalacqua saiba de mais esta... aprenda. Se disser essa monstruosidade diante dele
far um tremendo fiasco!... O texto da escritura est clarssimo! Aguarde sua
notabilssima ilustrao para cousas de mais utilidade. No queira fazer um n gardio
de cousa to simples (Dirio de Sorocaba, 07/09/1887).
Zacharias comea o primeiro artigo com uma pergunta: Ser a igreja romana a
verdadeira Igreja de Cristo? Sim, no h dvida, dizem os seus defensores, porque ela tem a
sua frente o papa romano que o legtimo sucessor de So Pedro a que Cristo escolheu e
exaltou a dignidade de chefe e fundador de sua Igreja. Para ele, esta doutrina da Igreja estava
completamente distorcida e representava uma heresia sustentada pelo catolicismo, para tanto,
utilizou-se de referncias bblicas e de interpretaes gramaticais para sustentar seus
argumentos e combater o catolicismo romano, mostrando que Pedro no foi institudo por
Cristo como o primeiro papa da Igreja Catlica.
CIRCULAR
Queime a epopia de Cames!!!... Nada disso servir de hora avante, para analise, aos
teus alunos. O Sr. Jos Zacharias de Miranda, ministro protestante em Sorocaba,
comeou a dar a luz, na folha que ali se publica, a uma srie de artigos clssicos, onde
vem observados os mais difceis e modernos preceitos do lxico. Eu, que desde j vou
tendo o cuidado de fazer estudos sobre tais escritos irei, por minha vez, publicando a
par deles os devidos comentrios para facilitar a analise. Por exemplo: Na parte
publicada, a 2 do corrente, na supradita folha, onde diz: So esses dois versculos da
Escritura a vara mgica que nas mos dos romanistas tem o condo de apagar...etc..
Que idia fazes aquela vara mgica, oh! Srs. Gramaticologistas?... Pensais acaso que
ela os versculos da Bblia?!... Pois estais enganados: Versculos masculino e plural
e segundo as teorias presbitero-fillogo-Mirandinas, vara concorda com Cristo, que
ser conforme a necessidade da analise, macho ou fmea, singular ou plural dora
avante, no discurso!... Sempre que encontrardes dificuldade deste naipe, atirai-as para
o filho de Maria que tem a obrigao de agentar a carga, uma vez que veio ao mundo
para sofrer por ns. Prometo falar-vos, de hoje em diante, de modo a tornar fcil a
analise da sintaxe de Dantas, digo de Zacharias de Miranda. De VV.SS. Admirador e
velho amigo - Demcrito II (Dirio de Sorocaba, 11/09/1887, p. 3).
143
Com este pequeno trecho, o articulista tenta de certa forma minar a postura adotada
por Zacharias no campo religioso sorocabano. interessante que o texto foi endereado aos
professores de portugus. Por que o articulista remete a luta no campo religioso para o campo
educacional? Quem fazia parte do campo educacional sorocabano? Qual seria a razo? Por
que o articulista no discute o assunto no campo religioso sorocabano?
Podemos responder estas questes quando vemos, situamos o texto poca, Zacharias
aparece, nas pginas dos jornais, tambm no campo educacional sorocabano, como professor:
A Cmara Municipal da cidade de Sorocaba faz saber que, conforme foi deliberado
em sua sesso de hoje, ter lugar o concurso de exame dos cidados que se ofereceram
ao cargo de professor da cadeira do Liceu Municipal, no dia 23 do corrente, s 11
horas da manh no Pao de suas sesses, sendo examinadores os doutores Joaquim de
Toledo Piza e Almeida, Antonio Jos Ferreira Braga, Jos Francisco de Uchoa
Cavalcanti e o professor particular Jos Zacharias de Miranda; portanto convida aos
opositores apresentados a comparecerem no dito lugar, dia e hora mencionados para o
dito fim. Para constar mandou passar este, que vai assinado pelo seu presidente,
afixado no lugar de costume e publicado pela imprensa. Sorocaba, 15 de agosto de
1887 Eu, Antonio Gonzaga Sneca de S Fleury, secretrio da Cmara (Dirio de
Sorocaba, 18/98/1887).
A comisso no aprovou o nome dos dois candidatos, porm a Cmara nomeou Arthur
Gomes como professor interino do Liceu Municipal. Isto nos ajuda a entender que embora
Zacharias de Miranda estivesse em conflito no campo religioso, no campo social e
educacional da cidade, estava bem posicionado, o que lhe conferia poder para escrever os
artigos publicados na imprensa sorocabana. Seu grupo social lhe conferia poder e legitimao
144
no campo poltico e educacional sorocabano, o que nos leva a pensar que esta era a razo pela
qual seus oposicionistas tentavam desprestigi-lo no campo intelectual e educacional
sorocabano. O articulista de cognome Lutero sabia que o ministro protestante fazia parte do
campo educacional:
Teus artigos so seletos... so enormes pelo lado do pilheiro! Pois ento tu, que ainda
ontem foste, em Sorocaba, segundo constou-me, examinador numa banca de latim, na
qual, honra seja feita fizeste um papelo, tiveste coragem de vir dizer que pedra est
na terceira pessoa (Dirio de Sorocaba, 7/09/1887).
O que estava nas entrelinhas desta discusso, no era a questo de Lutero ter razo ou
no, se Miranda sabia latim ou no, mas a dinmica de disputa que caracteriza o campo social
sorocabano. O autor do texto, de cognome Lutero no estava preocupado com o
presbiterianismo, mas desqualificar o professor, o intelectual, talvez para atacar o religioso, a
poltica, a maonaria que garantiam seu lugar de prestgio no campo social sorocabano.
As relaes de poder que apresentei neste trabalho e as disputas nos mais variados
campos da cidade de Sorocaba reforam as anlises feitas por Hilsdorf em 1977. Ela analisou
que as alianas entre maons e protestantes surgiram em torno dos princpios de democracia,
individualismo, igualdade de direitos, liberdade de conscincia e de crena, bem como fazer
frente comum ao regime monrquico e a sua religio oficial, que por sua vez, tambm se
opunha vivamente as essas aspiraes.
O pastor maon, Jorge Buarque Lira, faz o seguinte comentrio sobre a relao em o
presbiterianismo e a maonaria sorocabana:
145
Ainda no Dirio de Sorocaba, Zacharias de Miranda escreve vrios artigos
relacionados ao episdio acontecido em Rio Feio, envolvendo a instalao do protestantismo.
As publicaes foram feitas no campo religioso sorocabano, mas combatiam a perseguio
efetuada contra os presbiterianos em Rio Feio (atual Porangaba), novo campo de explorao e
expanso do presbiterianismo. Segundo o historiador Jlio Manoel Rodrigues (2008, p. 58), o
presbiterianismo chegou em Rio Feio em 1886, primeiramente atravs do trabalho do Rev.
Joo Ribeiro de Carvalho Braga, mas solidificando-se com o trabalho missionrio do Rev.
Zacharias de Miranda. Os acontecimentos descritos no jornal Dirio de Sorocaba nos ajudam
a entender que Zacharias ampliava o campo religioso em outras regies e que ao trazer para o
contexto sorocabano, mostrava que o campo religioso catlico era o inimigo contumaz do
presbiterianismo, a quem perseguia sistematicamente. Fazia-se necessrio, portanto, combater
aqueles que impediam a expanso do processo civilizatrio norte-americano, em parte
significativa representado pela religio protestante.
A dcada de 80 foi marcada por vrios episdios de perseguio por parte do clero.
Em Minas Gerais, o Rev. Chamberlain pregou na cidade de Caldas. Sua visita aquela
cidade foi interpretada como uma provocao ao bispo de So Paulo D. Lino, que
naquela ocasio visitava a cidade. A casa do Rev. Miguel Torres, onde ele se
hospedava, foi apedrejada (Lessa, 1938, p. 183)
90
Este historiador afirma que a perseguio aos protestantes tambm aconteceria no perodo da Repblica: O
fato teve larga repercusso na imprensa de vrios matizes. Na Cmara temporria, Saldanha Marinho, o paladino
da liberdade de conscincia, tomou a defesa dos perseguidos, requerendo que, por intermdio do ministrio do
imprio, fossem tomadas informaes sobre as ocorrncias na cidade de Caldas, em Minas Gerais, contra o
pastor protestante naquela localidade. Hoje em plena republica so maiores ainda as violncias contra os
protestantes e muitas delas ficam impunes, principalmente na terra mineira (Lessa, 1938, p. 183).
146
dentro do campo sorocabano, Zacharias tinha muito mais visibilidade e projeo social, por
estar ligado ao campo manico e poltico do que o clero catlico.
Em outras palavras, no campo social sorocabano, ele estava mais referendado e tinha,
ao seu lado, agentes sociais de prestgio, o que de certa forma ofuscava um posicionamento
mais contundente por parte do clero sorocabano. Por outro lado, vlido ressaltar que as
bases do presbiterianismo em Sorocaba eram mais antigas e estavam mais solidificadas do
que nas regies em que ocorreram os conflitos religiosos e as perseguies, tais como: Tiet,
Tatu, Itapetininga e Rio Feio, cidades em que a proposta missionria presbiteriana chegou na
dcada de 80, e encontrava nelas uma resistncia por parte do catolicismo ultramontano.
Ribeiro (1952) mostra que as perseguies aconteceram na cidade de Guare, Itapetininga,
Tatu e Rio Feio (1888).
Exmo. Sr., em to grave atentado contra a sua pessoa e contra o grupo presbiteriano
representava um atentado contra a prpria vida e contra a propriedade do cidado e
ainda contra as leis do pas, atentado que rebaixava aos olhos das naes civilizadas
que julgavam haver liberdade no Brasil, mormente depois da promulgao da Lei de
13 de Maio que concedeu liberdade aos escravos, v se que cidados livres nem tm,
ainda hoje, a liberdade de adoraram a Deus no recinto de sua habitao, conforme lhes
dita a conscincia. Atentado to monstruoso no pode, no deve ficar impune
(Ferreira, 1957, p. 143).
SECO LIVRE
A Gazeta de Tatuhy em artigo editorial inserto, em seu n. 47, traz a campo sob a
rubrica Os Protestantes a questo do Rio Feio, de triste celebridade. Fiquei
91
Os demais esto como anexo 3 (artigos de jornais): vol II, artigo 5, p. 38- 49: O caso do Rio Feio.
147
sobremodo surpreendido ao apreciar os exerccios de alta prestidigitao exibidos pelo
autor do mencionado artigo que, em frase apaixonada, procurou com uma sem-
cerimnia que causa pasmo inverter os papis, convertendo os meus perseguidores em
vitimas muito inocentes de desacatos engendrados por algum fantasista, avanando
inverdades clamorosas, adulterando fatos conhecidssimos, emprestado aos
protestantes a paternidade das cenas de selvageria, dos atos de vandalismos praticados
pelos bons catlicos do Rio Feio. A minha surpresa subiu de ponto quando passei da
leitura do editorial da gazeta ao oficio-informao dirigido pelo delegado de Tatu ao
sr. Chefe de Policia, e que vinha apenso ao mesmo editorial, documento esse que
servia de base as afirmaes inexatas da Gazeta.
Eu no devia tomar srio os avanamentos inexatos, inverossmeis da Gazeta,
conquanto essas inexatides visassem um duplo objetivo:
Exercer influncia e fazer pendor no animo do Dr. Juiz de Direito, para disp-lo em
favor dos criminosos, e estimular os homens do Rio Feio e incit-los a novas tropelias
contra mim, pois precisamente na ocasio em que a Gazeta achou conveniente tratar
do assunto e pelo modo que o fez, sabia o seu redactor que eu achava-me no Rio Feio
ou pelo menos nas suas proximidades; mas, esse acervo de inexatides est baseado
em um documento oficial que a seu turno falseia a verdade de um modo deplorvel,
julgo de rigoroso dever dar um desmentido formal a Gazeta e ao officio do delegado
de Tatuhy.
O atentado monstruoso que teve lugar na noite de 10 de Novembro p. p. em Rio Feio,
e que visava tolher aos protestantes o livre exerccio de seu culto, bem conhecido; a
imprensa sensata e criteriosa da provncia bem como a da Corte o divulgou,
verberando ao mesmo tempo energicamente aos seus autores, e de admirar que haja
gente de coragem to fria que tente com fim e inteno calculados adulterar fatos to
recentes e bem averiguados, no intuito de embair a opinio pblica, inocentar os
criminosos e tornar-lhes favorvel a sentena a longo tempo esperada, do processo
instaurado pela justia publica contra os turbulentos do Rio Feio.
O publico deve ter ainda bem presente a lembrana das tropelias mandadas pr em
cena no Rio Feio, por pessoa que tinha grande interesse de obstar o progresso da
propaganda evanglica ali, mas para boa ordem e clareza das retificaes que me
proponho fazer, das falsidades contra ns assacadas pela Gazeta de Tatuhy, farei ainda
que a largos traos, um apanhado dos principais acontecimentos que precederam ao
atentado ou tiveram lugar na ocasio, analisando em seguida os avanamentos
monstruosos da Gazeta de Tatu bem como as inexatas informaes ministradas pelo
delegado ao dr. Chefe de Policia.
De volta a uma viagem a Faxina, onde fui em visita pastoral Igreja Evanglica ali
existente, tinha eu de passar pelo Rio Feio onde existe tambm, uma comunidade
evanglica da qual tenho a honra de ser ministro.
Pregar ali o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; instruir os membros da
comunidade das verdades da religio crist, administrar-lhes os Sacramentos e
celebrar um casamento, eis os motivos que me levaram ao Rio Feio.
De Guare e de Itapetininga acompanharam-me dois amigos membros da Igreja
Evanglica, um moo e duas meninas, pessoas essas que aproveitavam o ensejo de
minha estada em Rio Feio para ir visitar a famlia Amaral de que so amigos e ao
mesmo tempo assistir aos cultos que ali deviam ter lugar.
Foram estas e unicamente estas pessoas que me acompanharam de Guare e que
constitua a capangada de que fala o delegado de Tatuhy em seu officio-informao
dirigido ao dr. Chefe de Policia.
Quando partimos de Guarehy, ignorvamos absolutamente que em Rio Feio se
maquinasse um plano de assalto contra os protestantes e principalmente contra mim,
com o fim, de obstar que eu celebrasse o casamento ali planejado bem como o culto
evanglico.
A primeira noticia que tivemos da conspirao foi a duas lguas distante de Rio Feio e
s fomos bem informados do plano de agresso, em casa do sr. Feliciano do Amaral,
onde pernoitamos nesse dia.
No dia seguinte, a tarde, partimos da fazenda em direo povoao onde se deviam
realizar as reunies para o culto bem como o ato de casamento, sendo o grupo que me
acompanhava formado das pessoas j mencionadas e mais alguns membros da famlia
Amaral, muitos dos quais eram senhoras e crianas.
148
Para evitar o brutal atentado tive a prudncia de enviar na vspera, um officio ao dr.
Antonio Candido de Almeida e Silva, Juiz de Direito da comarca; informando-lhe da
agresso que se planejava contra mim e pedindo providencias garantidoras de minha
liberdade e dos direitos que, baseado em lei, me assistem no desempenho do meu
ministrio.
Cumpre-me dizer aqui que o meu ofcio nenhum resultado produziu. Ao chegar
prximo a povoao encontramos o caminho guardado por homens armados,
capitaneados por Francisco Manuel e seu genro, segundo nos informaram mais tarde
pessoas insuspeitas, e que ali montavam guarda desde a vspera, jurando pelos nomes
de seus maiores, que o ministro protestante tinha de ficar em pedacinhos.
Apesar da atitude ameaadora do grupo postado na estrada e confiando na proteo
divina passamos a ponte defendida, e o fizemos com toda a ordem sem partir do nosso
lado uma s palavra de provocao, um s gesto que se pudesse traduzir em ameaa.
Na povoao hospedamo-nos em casa do sr. Geraldo do Amaral, onde deviam
celebrar tambm as reunies para o culto.
Logo aps a nossa chegada notamos uma certa agitao, um movimento ameaador na
rua: eram alguns dos capangas do sr. Francisco Manuel que a percorriam a galope
para baixo e para cima, em aprestos para o assalto, era o mesmo sr. Francisco Manuel
de Oliveira que andava de casa em casa convidando, segundo me disseram, o rapazio
do lugar para ajud-lo na piedosissima tarefa de atirar pedras na casa onde eu me
achava hospedado e insultar com palavras torpssimas aos protestantes ali reunidos.
A agresso realizou-se logo ao anoitecer quando ainda no tnhamos comeado o
nosso culto e no depois que comeou a prdica como, para no sair de seus moldes
habituais, afirma a Gazeta de Tatuhy.
Das cenas de vandalismo dignas s de selvagens, dos insultos grosseiros, das palavras
torpssimas, das ameaas de morte que ento partiram desse povo eminentemente
catlico, desse homem distintissimo, como com muita graa os qualificam a Gazeta e
o delegado, o publico j foi em tempo, bem informado, e hoje ainda todo homem
honesto, ordeiro e que no malbarateia adjetivaes, sente subir-lhe s faces o rubor
da vergonha, por ver que ainda se pratica em nosso pas, na antepenltima dcada do
sculo XIX, em poucas palavras, a exposio fiel dos acontecimentos tristes que se
deram no Rio Feio, e que segundo consta, foi mandado por em cena por certa entidade
que, ardendo em desejos de abafar o movimento protestante naquele lugar e no
estando na altura de o fazer pela palavra, pela persuaso, pelo convencimento, como
fazemos a nossa pacfica propaganda, no trepidou ante a negra ao de abusar da
ignorncia de um povo e compromet-lo ou estimulando-o a cometer um crime.
Rememorando assim em poucas palavras o caso do Rio Feio, passarei a apreciar sem
raiva, com animo desprevenido, o capcioso editorial da gazeta e o no menos inexato
officio-informao que ao dr. Chefe de Policia dirigiu o delegado de Tatuhy e que se
acha apenso ao mesmo editorial (Dirio de Sorocaba, 18/08/1889).
Grande iniqidade, disse eu, e disse muito bem, porque a Gazeta deve saber que
conquanto sejamos ns cidados e brasileiros e que como tais concorremos com o
nosso contingente para o engrandecimento da ptria, pagando o nosso tributo
pecunirio e, quando preciso para a defesa nacional, pagando tambm o nosso tributo
de sangue, somos todavia excludos dos privilgios e regalias concedidas a outros que,
muitas vezes, hipcritas, arrastam sua conscincia na lama, ante a imposio desptica
de uma religio privilegiada, sendo a nossa crena religiosa apenas tolerada, como
nossa carta de alforria (vulgo Constituio), negando-se, no raras vezes, os poderes
constitudos, a dar-nos as garantias a que temos direitos como cidados e at mesmo
149
procurando exercer presso sobre as nossas conscincias! E ns que somos
intolerantes! E ns que queremos nos impor! (Dirio de Sorocaba, 21/08/1889).
Zacharias no admitia as acusaes feitas pelo jornal A Gazeta de Tatu, invoca seus
direitos de cidado, que pagava seus impostos e que procurava com a sua ao engrandecer a
Ptria. Por essa razo no admitia no gozar dos mesmos privilgios constitucionais dos
catlicos, que eram, na sua perspectiva, intolerantes e dspotas. Como reforo aos seus
argumentos, Zacharias recorre a episdios mencionados pela historiografia, e cita at a atitude
da Igreja Catlica em relao ao ex-padre Jos Manoel da Conceio:
Intolerante a igreja que mandou perseguir, a ferro e fogo, aos Valdenses que, por
motivo de conscincia, no quiseram submeter-se ao jugo prepotente dos homens de
Roma.
Intolerante a igreja que alagou as ruas de Toulouse com o sangue dos Albigenses;
que mandou matar sem piedade aos huguenotes; que mandou desenterrar os ossos de
Wickliff queim-los na praa publica para saciar o seu dio; - que mandou queimar
vivos a Joo Huss e a Jeronymo de Praga; que fez acender as infernais fogueiras do
hediondo tribunal ao qual por uma ironia blasfmia, denominaram Santo Offcio!...
Intolerante a igreja que, em nome do Deus de Amor, em nome dAquele que do alto
da cruz implorou a Deus o perdo de seus algozes, mandou assassinar nas fogueiras,
nos crceres, fome, sede, a fogo lento, com azeite fervendo, nos suplcios do povo,
desconjuntando os membros, triturando-os, e por outros suplcios inventados com o
maior requinte de mavaldez, aqueles que dela dissentiam porque no podiam admitir
que um indivduo se opusesse a certos dogmas seus, extravagantes:- intolerante, direi
enfim para no cansar o leitor, essa igreja que, no h muitos anos, mandou
desenterrar do cemitrio do Campinho (provncia do Rio de Janeiro) os ossos do ex-
padre Jos Manuel da Conceio e atir-los ao campo, porque esse homem, esprito
superior, no pode, em conscincia, continuar a fazer parte de uma igreja que sustenta
e propaga doutrinas subversivas dos verdadeiros princpios evanglicos ensinados por
Cristo e seus discpulos!
Mais uma vez desafiamos a Gazeta a precisar fatos que comprovem a nossa
intolerncia e imposio, pois se o no fizer ser tida por caluniadora e indigna da
considerao dos homens sensatos Jos Zacharias de Miranda (Dirio de Sorocaba,
21/08/1889)
150
Neste trecho, alm de afirmar que o Evangelho era o meio indispensvel para tornar o
povo progressista, mostra tambm que era o meio para tornar o pas livre da influncia
clerical e coloc-lo num lugar de honra diante das naes adiantadas, inclui como a grande
Unio Norte-americana. Ele compara a nao brasileira como sendo uma nao inferior a
outras naes, inclusive a norte-americana. Por que ele afirmava que os Estados Unidos eram
uma grande nao e um modelo de progresso? Como liberal, os ideais trazidos pelos
missionrios norte-americanos vinham ao encontro da viso poltica, religiosa e social de
Zacharias de Miranda e do grupo poltico e social que pertencia. Podemos afirmar ainda, que
ao comparar a realidade social brasileira com a nao norte-americana, ele demonstrava que
seu posicionamento religioso e poltico estavam em consonncia com a proposta norte-
americana, demonstrando nesta atitude sua fidelidade aos ideais civilizatrios dos
missionrios norte-americanos.
Outra acusao que a Gazeta de Tatu fazia contra os protestantes residia no fato de
pregavam contra a adorao de imagens. Sobre este assunto, ele afirmava que no incentivava
o povo a odiar imagens, mas o fato de um povo que se dizia cristo adorar imagem, era uma
calamidade. Sua propaganda era contra qualquer tipo de erro, inclusive a adorao de
imagens, vejamos:
No votamos dios s imagens, se bem que seja uma verdadeira calamidade para um
povo que se diz cristo, adorar dolos.Fazemos propaganda contra o erro sob qualquer
forma que ele se apresente; e cremos que, quando raiar para o adorador de dolos a luz
da verdade, quando os dolos de seu corao tiverem sido expulsos, quando ele tiver
aprendido a adorar a Deus em esprito e verdade, no precisamos de nos incumbir da
tarefa de estragar imagens que outra cousa no so seno insgnias do erro:- o
mesmo dono das imagens, que as comprou com o seu dinheiro, incumbir-se- e muito
espontaneamente de dar-lhes destino conveniente (Dirio de Sorocaba,21/08/1889)
Nesta altura, talvez a pergunta que esteja na mente do leitor : Como estes fatos
repercutiram no campo sorocabano? No demorou para que o jornal Dirio de Sorocaba
publicasse a reao de um leitor sobre os acontecimentos que envolviam Zacharias em Rio
Feio. Por se tratar de um texto que contrariava os argumentos de Zacharias, citarei na ntegra.
Vejamos:
SECO LIVRE
Ilmo. Sr. J.Zacharias de Miranda: - No despeito e nem a inimizade que dirige-se a
S.S. para fazer-lhe um reparo srio e fora de todo o sentimento de religiosidade, pois
nunca levei o sentimento altura do fanatismo. Tenho assistido algumas vezes ao seu
culto embora eu seja, quero dizer sigo as doutrinas de catlico romano, portanto, no
tenho em mente ofender ou insultar protestante, porque senhor padre manda, apenas
o defensor de uma causa justa, porque o verdadeiramente; venho, talvez, perturbar o
seu esprito, com razo preocupado pelos seus muitos afazeres, perdoe-me se lhe estou
causando esse contra-tempo, embora no o v ofender com ditrios insultuosos s
prprios de homens mal educados.
No, longe de mim tal idia, nunca pretendi defender a causa que me impus como
advogado com linguagem prpria s de lavandeiras que mais compromete a causa que
a defende, respeito a S.S. porque a educao que tive isso me impe rigorosamente,
principalmente quando se trata de um cidado digno de todas as consideraes; de um
ministro de uma religio embora no pertena a ela, enfim, um homem.
S.S; desculpe tamanha ousadia, rematou um ponto do seu primeiro artigo, publicado a
18, desta srie de artigos que atualmente se est publicando nesta folha, sob a epigrafe
O caso do Rio Feio onde diz para honra e glria da Igreja Romana - Que S.S.
faa as suas apreciaes quanto ao Dr. Juiz de Direito porque no deu as providncias
necessrias a fim de evitar as violncias de que foram vitimas S.S. e seus proslitos,
ao delegado porque o denunciou injustamente ao Dr. Chefe de Polcia a Gazeta porque
informado pelo delegado deu uma adulterada notcia a seu respeito, direito e direito
incontestvel mas S.S. julgar que atos de selvageria praticados no Rio Feio, a 10 de
Novembro prximo passado, servem para - honra e glria da Igreja de Roma,
merece enrgica contestao.
Do artigo publicado a 21, este o pedao que achei mais interessante: Nunca
procuramos nos impor a conscincia; fazemos a nossa propaganda convencendo e
instruindo, e s se unem igreja evanglica aquelas pessoas que, comparando a
religio romana com a evanglica, e vendo que aquela no est de acordo com os
ensinamentos claros e terminantes da Palavra de Deus (Bblia) que a base
doutrinria fundamental da religio crist, no podem mais continuar a viver no erro
visto como no adotam a religio como objeto de luxo. Objeto de Luxo?!... remata
esse perodo do seu segundo artigo. S.S. replica severamente a Gazeta de Tatu por t-
lo classificado de - intolerante e imprudente mas diga-se a verdade, este pequeno
tpico que transcrevi grifando-o por minha conta, serve de forte atenuante para a
Gazeta quanto ao qualificativo de intolerante e imprudente.
Pergunto: - S.S. teve certeza, de que os atos de selvageria praticados no Rio Feio
contra S.S. e seus crentes, por homens ignorantes, aulados por indivduos que
152
quase sempre infestam uma pobre terra que tem a desgraa de possu-los em seu seio,
partiu da Igreja de Roma? A sede da igreja, porventura, ser no Rio Feio? S.S. algum
dia sofreu nesta terra e em muitas outras por onde tem celebrado as cerimnias de sua
religio, violncia ou qualquer cousa que se parecesse com hostilidade?
No predomina nesses lugares onde S.S. tem feito tranquilamente seus cultos, a Igreja
de Roma? Diga!... diga pelo amor da verdade, (base fundamental do Evangelho), que
S.S. prega constantemente. Agora no jornal de hoje, encontrei o seguinte pedacinho,
que achei gaiato por partir de um pregador da igualdade, fraternidade e mais ainda
humildade. Ei-lo no grifo, porque preciso que v saliente: Tornem estes homens
bons protestantes e eu garanto Gazeta que eles os sero ento, mas s ento, um
povo eminentemente cristo. S.S. tem a certeza de que este ponto no vai de encontro
com o Evangelho, que diz ser base fundamental de sua Igreja, e, sendo S.S.
protestante e observando restrita e rigorosamente as doutrinas evanglicas, que diz que
no fars garbo de suas oraes. S.S. como protestante que , no devia avanar em
dizer que para ser eminentemente cristo precisa professar o protestantismo.
Termino estes meus rabiscos, dizendo-lhe que S.S. fez com a Igreja Romana o mesmo
que a Gazeta e o delegado de policia de Tatu fizeram-lhe. A Igreja Romana nada tem
com as violncias, com os abusos praticados contra a Constituio, na pessoa do sr.
Zacharias de Miranda e os seus amigos. O. (Dirio de Sorocaba, 24/08/1889, p. 2)
O fato de no existir uma reao direta por parte do clero local atravs da imprensa
sorocabana, no representa necessariamente a inexistncia do conflito. Encontrei na Imprensa
Evanglica um artigo escrito por Zacharias de Miranda intitulado Sorocaba. Era uma
resposta do referido ministro contra um catlico annimo, que escreveu no jornal A Provncia
de So Paulo (26/09/1885), atacando a reunio do Presbitrio do Rio de Janeiro acontecida
em Sorocaba92. Sobre este evento, realizado em setembro de 1885, temos uma nica foto93,
em que Zacharias de Miranda aparece com vrios outros lderes presbiterianos. Ele se
encontra no centro do grupo, numa posio acima dos demais lderes. Interessante notar que
ele est com a mo direita no peito, ao lado do corao.
92
No 1 livro de Atas da Igreja Presbiteriana de Sorocaba vemos a presena de alguns lderes da Igreja
Presbiteriana no dia 30/08/1885. Nesta ocasio o Rev. Modesto Perestrello B. Carvalhosa, a pedido do Rev.
Zacharias batizou a sua filha: Carmelina. Nesta mesma ocasio celebrou a Santa Ceia o Rev. Eduardo Carlos
Pereira e Rev. J. M. Kylle. A reunio do Presbitrio do Rio de Janeiro aconteceu no mesmo perodo.
93
Ver anexo 2, vol II, p. 12, (foto 11): Reunio do Presbitrio do Rio de Janeiro em Sorocaba (1885).
153
Segundo Zacharias, a estratgia catlica foi o clero local organizar a Festa de So
Roque, com a finalidade de evitar que a populao participasse das atividades promovidas
pela Igreja Presbiteriana, naquela ocasio. Zacharias em seu artigo afirma que se o clero
estivesse convencido das verdades que defendia, no devia temer as aes dos presbiterianos
na cidade de Sorocaba, que se reuniam para estabelecer as estratgias de expanso do
Evangelho no Brasil. Em seguida, Zacharias de Miranda, marcando sua postura de polemista,
convida o referido articulista do jornal A Provncia de So Paulo para um debate pblico, cuja
lista de 10 assuntos ele j propunha como tpicos do debate: tradies catlicas, livros
apcrifos, os sacramentos, a missa um ensinamento estranho Palavra de Deus, purgatrio,
invocao de santos, idolatria, confisso auricular, doutrina da transubstanciao, Pedro no
foi considerado o primeiro papa (Imprensa Evanglica, 03/10/1885, p. 149-150).
SECO LIVRE
UMA BREVE RESPOSTA
154
Depomos a pena afagando a esperana de que S.S. meditando com mais madureza e
iseno de animo sobre o que havemos dito, nos far justia, dando-nos inteira razo
J. Zacharias de Miranda. (Dirio de Sorocaba, 27/08/1889, p. 2).
Neste artigo, o prprio Zacharias afirma que no tinha encontrado hostilidade por
parte do catolicismo sorocabano por estar em condies especiais. Quais seriam estas
condies especiais? Seria o fato de pertencer Maonaria Sorocabana? Interpretava o
episdio em Rio Feio como uma intolerncia religiosa, que segundo a sua viso, representava
uma continuao natural do procedimento da Igreja romana em todos os tempos e que este
episdio tinha uma ligao lgica com o modo como ela tratava os que discordavam da sua
viso. Zacharias dizia que negar estes fatos histricos era rasgar a Histria. Mas, na cidade de
Sorocaba, embora predominasse o mesmo princpio religioso da cidade de Rio Feio,
reconhecia que a intolerncia encontrava barreiras tanto na civilizao do povo quanto na
administrao da justia, cujas autoridades criteriosas e justiceiras garantiam a liberdade de
todos os cidados de qualquer campo religioso.
Tudo indica que eram pessoas ligadas ao campo manico e poltico sorocabano. Por
essa razo, Zacharias no criticaria a cidade de Sorocaba. Desde 1886 fazia parte do diretrio
do Partido Republicano e em 1887, assume a sua presidncia (Dirio de Sorocaba,
15/05/1887). Em 18 de junho de 1888 foi reeleito na diretoria do diretrio, juntamente com
Olivrio Pilar, Jos Antonio Cardoso, Brasilico de Barros e Joo Lycio Gomes e Silva. No
ano de 1889, contava com o apoio dos polticos sorocabanos e da prpria Maonaria, ou seja,
estava estrategicamente bem posicionado. Alguns dos amigos ocupavam posies
privilegiadas no campo sorocabano: Ten. Cel. Fernando Martins Frana era o presidente da
Cmara Municipal, Manoel Nogueira Padilha era juiz de paz e vice-presidente da Cmara
Municipal, Olivrio Pilar era presidente do Gabinete de Leitura e presidente do diretrio
republicano, Bento Jequitinhonha era tesoureiro do Gabinete de Leitura e venervel da Loja
Perseverana III (Aleixo, 1999).
Abespinha-se o Delegado porque o Dr. Lane, a quem ele, por equvoco nada catlico
chama:- o sr. Laude, escrevendo ao General Couto Magalhes usasse da frase:- um tal
Chico Manuel.
Porque tanto, azedume por uma coisa to ftil? ou no o homem em questo,
conhecido e tratado ali pelo nome de Chico Manuel? H porventura algum pesar em
tratar-se um individuo pelo apelido que ele trouxe do lar? Pois porque tratar de
desprezo nada evanglico o modo como o Dr. Lane escreveu o nome pelo qual ali
vulgarmente conhecido e tratado o homem em questo, quando o delegado no
considera desprezo nada evanglico que outros, que todos ali o tratam pelo seu nome
vulgar:- Chico Manuel?
Ficaria grato em extremo ao Delegado se ele me indicasse quais os insultos por mim
atirados contra o catolicismo, precisando mesmo as palavras insultuosas que usei?
No costumamos insultar; respeitamos as opinies de todos e de cada um, o que no
impede que profliguemos os erros o que nunca pode ser tachado de insulto (Dirio de
Sorocaba, 25/08/1889).
O fato do sr. O ocultar-se sob pseudmino pode sugerir a idia de que era uma pessoa
conhecida de Zacharias ou um representante do prprio catolicismo romano em Sorocaba, ou
at mesmo um livre pensador, que no gostava de discusses em torno de assuntos religiosos.
O conflito estava instaurado no campo religioso sorocabano. Ele entendia que a ao de
Zacharias fazia parte da propaganda protestante com a finalidade de ocupar o campo catlico.
Afirma que como catlico jamais se converteria a uma religio que - afirmava ironicamente -
sendo essencialmente crist, promovia episdios de intolerncia religiosa como os ocorridos
em Londres.
A resposta de Zacharias ao articulista foi escrita em So Joo Del Rey (Minas Gerais)
em 29 de janeiro de 1890, e publicada no Dirio de Sorocaba de 07/02/1890. O ministro
presbiteriano deveria estar em alguma viagem missionria ou atendendo algum campo
missionrio naquela cidade. H tempos, a cidade fora analisada por Blackford (The Foreign
157
Missionary, 1862, p. 370), que apontou as condies favorveis evangelizao, pois
despontava como um centro de efervescncia intelectual e educacional. Basicamente a
resposta de Zacharias fundamentava-se nos mesmos argumentos j discutidos. Porm,
afirmava que o articulista atribua erroneamente aos protestantes os episdios ocorridos em
Londres, afirmando improcedentes as acusaes. Chama a ateno do pblico que lia os
jornais para se posicionar diante dos debates neles levantados, afirmando:
159
O mesmo acontece com o jornal A Imprensa Evanglica, rgo oficial da Igreja
Presbiteriana do Brasil, organizado por Simonton. Nas pginas dos jornais vemos vrios
artigos que contrariavam o catolicismo: papismo, clericalismo, o clero e a nova propaganda, o
ultramontanismo,
O prprio Zacharias de Miranda publica na Imprensa Evanglica de 21/06/1885, um
artigo intitulado A propaganda protestante perante o pblico. Este artigo se apresenta como
uma resposta s acusaes feitas por um certo Dr. Carvalhaes. Zacharias retoma a linha de
pensamento teolgica que no admitia a adorao s imagens de santos, afirmando que esta
era uma das razes do povo catlico permanecer na ignorncia e no erro. Para ele, a nica
maneira do povo ser civilizado era aceitar a proposta evangelizadora do presbiterianismo.
Tentei neste captulo mostrar que a presena presbiteriana de Sorocaba fazia parte da
proposta missionria norte-americana. Nos primeiros anos de formao, o presbiterianismo
em Sorocaba contou com apoio dos prprios missionrios americanos e de agentes sociais
pertencentes a vrios segmentos da sociedade sorocabana. No perodo missionrio de Antonio
Pedro, procurei mostrar que o presbiterianismo em Sorocaba optou por ter uma projeo
social atravs do campo educacional e no necessariamente atravs do prprio campo
religioso que representava. No perodo do trabalho missionrio de Zacharias de Miranda, o
sntese das
principais presbiterianismo teve projeo social em trs campos: educao, religioso e poltico. No
ideias campo religioso, o presbiterianismo adotou caractersticas combativas, aproximando das
defendidas no
cap. atitudes adotadas por Blackford em relao ao catolicismo brasileiro.
Em Sorocaba, alm da presena americana que estabeleceu as bases do
presbiterianismo, tivemos a presena de dois pastores nacionais: Antonio Pedro de Cerqueira
Leite e Jos Zacharias de Miranda Silva. O primeiro teve uma atuao mais voltada para o
fortalecimento interno do campo religioso protestante, que resultou na desestruturao das
bases estabelecidas pelos missionrios americanos, por causa da sua opo religiosa
fundamentada de certa forma na tica puritana. O segundo, o pastor Zacharias de Miranda,
diferentemente do seu antecessor, procurou reconstruir as relaes de poder estabelecidas
pelos missionrios norte-americanos, aproximando-se do grupo elitizado na cidade de
Sorocaba, permitindo dessa forma o fortalecimento do presbiterianismo no campo religioso
sorocabano. Para tanto, utilizou-se do campo poltico, no qual atuava como vereador. Dentro
deste campo estabeleceu relaes de poder que lhe deram suporte para expandir a propaganda
protestante em outras cidades: Tiet, Faxina, Itapetininga, Tatu, Rio Feio. Nestas cidades
enfrentou maior resistncia por parte dos agentes religiosos pertencentes ao campo catlico.
160
Porm, foi na cidade de Sorocaba que ele polemiza pela imprensa, as questes relacionadas s
perseguies sofridas, talvez com o objetivo de consolidar a sua atuao poltica e religiosa
pelo papel do intelectual. Confrontando as fontes da imprensa sorocabana com a imprensa
evanglica, conseguimos mostrar que o campo religioso sorocabano se apresentou, como
havamos pensado, num campo de conflito ostensivo e direto propaganda protestante. Os
que se posicionavam em favor do catolicismo ocultavam-se em pseudnimos ou em iniciais, o
que dificultou a identificao desses agentes. Mas, de certa forma, podemos notar que a luta
no campo religioso poltico em Sorocaba era diferente das cidades em que a proposta
civilizatria protestante estava em processo de insero. Em Sorocaba, o presbiterianismo
estava mais solidificado do ponto de vista poltico e religioso. Os conflitos em outras regies
mais rurais estavam relacionados ao incio da proposta civilizatria realizada por Zacharias de
Miranda. Alm disso, na cidade de Sorocaba, Zacharias de Miranda contava com o apoio da
elite que ocupava naquela ocasio vrios campos. Isto significa dizer que ele estava melhor
posicionado na cidade de Sorocaba e contava com o prestgio do grupo que pertencia.
No prximo captulo, tentarei demonstrar como o presbiterianismo se inseriu no
campo educacional sorocabano atravs d e uma proposta educacional escolar protestante.
161
3. O CAMPO EDUCACIONAL NA CIDADE DE SOROCABA
96
MENON, Og Natal. Educao escolarizada em Sorocaba entre o Imprio e a Repblica. So Paulo: PUC
(Tese de Doutorado), 2000. Disponvel no site: http://www.crearte.com.br/og_tese.htm.
163
ele tambm analisa a legislao brasileira que direcionava o funcionamento de tais
instituies educacionais. Seu trabalho rene tambm os principais relatrios dos professores
encaminhados ao Inspetor da Provncia. Menon (2000) aponta a existncia das seguintes
escolas neste perodo: Escola Alem, Escola Teuto-brasileira, Colgio Neuberth, Lyceu
Municipal, Externato So Luiz, Escola Noturna Perseverana III, Grupo Escolar Antonio
Padilha dentre outras.
Em 1874, era fundado o Colgio Unio Sorocabano para ambos os sexos, mas j em
1875, continuou s com a seo feminina, dirigido pelas professoras norte-americanas H.
Wullul e Anna Wilk. No h evidncias que elas estavam ligadas ao presbiterianismo em
Sorocaba.
Em 1876, a Loja Constncia tambm criou uma escola noturna, localizada na prpria
sede da loja, na rua Boa Vista. A idia da criao da escola foi do professor e maon Carlos
Alberto Ferreira Arajo em sesso regular da loja, no dia 25 de setembro de 1876 (2 Livro de
Ata da Loja Constncia, p. 155).
97
Para um aprofundamento, consultar: Ivanilson B. da SILVA, Apontamentos sobre Maonaria, Abolio e a
educao dos filhos de escravos na cidade de Sorocaba no final do sculo XIX. REVISTA HISTEDBR on line,
27 (2007): 95-111; e Vanderley Silva, A participao da Loja Manica Perseverana III na Educao Escolar
em Sorocaba: do final do segundo reinado ao final da primeira Repblica. Dissertao de mestrado defendida na
Universidade de Sorocaba, 2009.
164
Em 1882 Manoel Jos da Fonseca, membro da Loja Manica Perseverana III, criou
uma escola noturna para os seus operrios e escravos entregando-a aos cuidados do professor
Horcio Ovdio de Oliveira. Manoel Fonseca era o proprietrio da fbrica nossa Senhora da
Ponte, inaugurada em 02/09/1882. Vrios membros desta Loja estiveram ligados ao
movimento que instaura a industrializao na cidade de Sorocaba.
Ainda por iniciativa dos maons sorocabanos da Loja Perseverana foi criada em 1888
a sua Escola Popular. Segundo Aleixo:
Em 1896, a Loja Perseverana III organiza mais uma escola noturna. A proposta foi
feita por Amaro Egdio e Joo Clmaco de Camargo Pires, no dia 23 de setembro de 1895
com as seguintes clusulas que regeriam esta instituio escolar:
1) Que devia funcionar na sala do prdio desta Loja; 2) que funcione diariamente
com a exceo dos dias de trabalho da Loja; 3) que seja regida por um irmo
ativo; 4) que o dito professor estabelecer as horas de trabalho, com aprovao do
irmo venervel devendo ser de duas e meia horas de servio, 5) que os irmos se
cotizem para pagamento de um professor que receber seu ordenado todos os dias
165
dez de cada ms, em que apresentar o movimento dirio da mesma escola,
podendo o irmo venervel passar um atestado; 6) para dar execuo a este
projeto, ser nomeada uma comisso com carter definitivo composta de trs
membros sendo um diretor, outro procurador e outro mesrio que agiro por si
mesmo no sentido de propor as reformas que achar melhor, e finalmente; 7) no
dia marcado para a instalao da aula, haja uma sesso solene para bem patentear
os intuitos que animaram os membros desta oficina (Aleixo, 1994, vol II, p. 121).
O programa, como se v abaixo, muito resumido: nem de outra forma pode ser o de
uma escola que se dedica ao ensino de quem no dispe para o estudo seno do tempo
em que est na escola, como sucede aos alunos da Perseverana em sua quase
totalidade empregados nos estabelecimentos industriais da cidade... Programa.
Portugus: noes gramaticais, exerccios de leitura, declamao e redao.
Aritmtica: estudo prtico dos nmeros at operaes sobre juros. Geografia: idia
geral sobre o mundo, noes de geografia do Brasil e de So Paulo. Histria Ptria:
explicaes das datas nacionais e educao cvica (Arquivo do Estado, 19/04/1899,
5.110).
Alm de afirmar que a escola estava em constante crescimento, acentua que quase
todos os alunos se encontravam empregados nas indstrias de Sorocaba. Pelo relatrio
podemos observar que os alunos eram oriundos das camadas desfavorecidas da cidade e que
no tinham condies de arcar com o material exigido no programa curricular. Para se
matricular na escola noturna, os operrios precisavam trazer o carto das respectivas fbricas
em que trabalhavam (O 15 de Novembro, 14/02/1897).
Diante disso, Joaquim da Silva, afirma que o material escolar era fornecido pela
Perseverana III. As carteiras eram fornecidas pelo poder pblico. O ensino era totalmente
gratuito e declara que a escola noturna no recebia nenhum auxlio financeiro dos cofres
pblicos. Neste perodo, a escola contava com 48 alunos matriculados e com uma freqncia
regular de 40 alunos. Segundo o relatrio, as aulas funcionavam diariamente das 6h:30min s
21h:30min, exceto aos sbados, domingos e segunda-feira. A idade mdia dos alunos
166
matriculados 13 a 22 anos. Estavam matriculados 37 brasileiros e 11 estrangeiros. Um dos
textos utilizados para a leitura era a cartilha nacional de Jlio Ribeiro.
Estes so os dados que ao governo pude fornecer como professor da escola sustentada
pela benemrita associao que lhe d o nome, e que no fosse sua iniciativa,
condenaria ao exlio das trevas aqueles que no tem recursos para pagar professores
ou que acham impossibilitados de freqentar as aulas diurnas, principalmente depois
que o governo do estado no mais reabriu a escola que aqui sustentava (Arquivo do
Estado de So Paulo, 1899, 5110).
Ao trazer a relao dos nomes dos alunos que pertenceram a Escola Noturna
Perseverana, este trabalho avana nas anlises feitas pelo historiador Vanderley da Silva
(2009), que no trouxe para a sua discusso nenhuma meno dos alunos que faziam parte
desta escola. Talvez por opo ou at mesmo por desconhecer o relatrio elaborado por
Joaquim Silva.
filhos de
presbiteriano Alm disso, pude observar que dos nomes acima mencionados encontrei trs alunos
s estudando ligados ao presbiterianismo em Sorocaba: Abel Fogaa, Adonias Fogaa e Moyss Aguiar de
em escola de
Campos. Os dois primeiros eram filhos de um dos lderes da Igreja Presbiteriana de Sorocaba,
maom.
dicono Pedro Fogaa de Almeida. Moyss Aguiar de Campos era filho Joo Baptista de
Aguiar, presbtero da Igreja Presbiteriana de Sorocaba. Os pais dos alunos foram lderes na
Igreja Presbiteriana tanto na liderana de Antonio Pedro, bem como na liderana de Zacharias
de Miranda. Como veremos abaixo, a escola de Zacharias de Miranda j no funcionava neste
perodo. Este relatrio nos sugere uma pista a respeito daquilo que postulamos, que Zacharias
de Miranda ao enceerrar seu perodo de pastorado em Sorocaba deixou seus alunos aos
cuidados da educao manica e do Grupo Escolar Antonio Padilha. Os lderes da igreja
local, acima mencionados, apoiavam as iniciativas polticas do pastor Zacharias de Miranda.
Na dcada de 80, temos ainda, a escola Teuto-brasileira, localizada na rua das Flores,
n. 11, dirigida Emlio Cillis (Dirio de Sorocaba, 27/02/1887). O jornal ainda aponta a
existncia do Colgio Neuberth dirigido pela professora Maria Emlia Jacob Neuberth,
organizada em 1888 e localizada na rua do Hospital, n. 7 (Dirio de Sorocaba, 18/07/1888).
Segundo Alusio de Almeida,98 Maria Neuberth era uma professora belga, que abriu sua escola
para meninas e oferecia curso primrio e secundrio, oferecendo o seguinte currculo e
preos:
Apesar de belga, possivelmente, sua escola tambm foi criada para atender os
imigrantes alemes em Sorocaba. Ela tinha na sua proposta curricular o ensino de alemo,
alm de ensinar doutrina crist e histria crist, o que significa que as famlias das alunas
pertenciam religio catlica.
98
Alusio de Almeida publicou em 1965 uma srie de artigos no jornal Dirio de Sorocaba sobre a instruo
pblica local.
169
Nesse dia, a Cmara se reuniu solenemente para ouvir o presidente apresentando o
seguinte Programa de ensino: Portugus, Francs, Ingls e Latim (2000, p. 60).
170
N Cadeira Matric. Eliminados Freqncia Faltaram
1 1 Cadeira cidade, sexo 30 = 30 =
masculino
2 2 cadeira sexo masculino 100 18 70 12
3 3 cadeira sexo masculino 80 18 51 11
4 4 cadeira sexo masculino 26 = 26 =
5 Cadeira Capela do Cerrado 32 1 29 2
sexo masculino
6 Cadeira de Capela de 25 = 22 3
Aparecida sexo masculino
7 Cadeira do Bairro de 35 = 30 5
Jundiaquara, sexo masculino
8 Cadeira do Bairro de Sarapuhy, 50 = 31 19
sexo masculino
9 1 cadeira da cidade sexo 43 6 30 7
feminino
10 2 cadeira da cidade sexo 58 = 56 2
feminino
11 3 cadeira da cidade sexo 57 = 43 14
feminino
12 4 cadeira da cidade sexo 20 = 20 =
feminino
Total 556 43 438 75
171
N Cadeira Professora Localidade
9 1 cadeira Professora D. Adelina Carolina da Silva Abreu Cidade
Substituta: Malvina Ceclia Lobo
10 2 cadeira Professora D. Januria de Oliveira Idem
11 3 cadeira Professora Gertrudes Pires de Almeida Mello Idem
12 Cerrado Professora D. Zulmira Ferreira do Valle Capela do
Cerrado
No final da dcada de 80, existiam 13 escolas pblicas, sendo 366 alunos do sexo
masculino e 242 do sexo feminino, totalizando 608 alunos matriculados nos estabelecimentos
de instruo pblica. Observa-se que houve pouca mudana em relao ao nmero de escolas
pblicas na cidade de Sororoca, teve o acrscimo de apenas 1 escola pblica. O ofcio
manuscrito tambm apresentou a existncia de 9 escolas particulares, que por sua vez, tinham
186 alunos matriculados (Arquivo do Estado, 15/11/1887, ordem 5110).
A escola, como as demais em todo o pas, tinha como objetivo atender aos alunos que
sofriam, nas escolas pblicas, coaes, em funo da intolerncia religiosa e poltica
que atingia por essa poca aqueles que professavam outra religio que no a catlica e
que, politicamente, se mostravam favorveis mudana do sistema poltico ento
vigente. A escola presbiteriana, em Sorocaba, estabelecida junto igreja, localizada
Rua das Flores, hoje Monsenhor Joo Soares, introduzia o mtodo estadunidense de
estudo, isto , o costume da leitura em voz alta e da decorao substitudo pelo
sistema intuitivo e pela leitura silenciosa; o programa de ensino baseava-se em
modelo estado-unidense de ensino praticado na escola
presbiteriana. 172
compndios prprios como as gramticas de Jlio Ribeiro e de Eduardo Carlos
Pereira, a aritmtica de Antnio Trajano, as obras de Otoniel Mota e os livros de
leitura de Erasmo Braga; o calendrio escolar, com 190 dias letivos e com aulas de 2
a 6 feira, sendo o sbado livre; a introduo da sala de aula para ambos os sexos; a
proibio de qualquer tipo de castigo fsico. Embora constasse de seus princpios estar
aberta a todas as tendncias polticas e credos religiosos e indistino de cor e raa, a
escola era freqentada somente por protestantes que propagandeavam a repblica, por
elementos brancos como portugueses, alemes e suos e por aqueles que detinham
certo poder aquisitivo, j que a escola era paga. Freqentavam a escola, ainda, os
filhos dos maons, em funo da grande interao existente entre eles. (Menon, 2000,
p. 74)
99
Para uma melhor compreenso do trabalho de Erasmo Braga consultar: MATOS, Alderi Souza. Erasmo Braga,
o protestantismo e a sociedade brasileira: perspectivas sobre a misso da Igreja: So Paulo: Editora Cultura
Crist, 2008, 443p. Na perspectiva da histria da educao consultar: MASSOTI, Roseli de Almeida. Erasmo
Braga e os valores protestantes na educao brasileira. Dissertao de Mestrado: Universidade Presbiteriana
Mackenzie, 2007, 181p.
173
nas particulares (4 masculinas e 1 feminina). Para o inspetor, a questo da pouca freqncia
de alunos nas escolas sorocabanas acompanhava uma situao apresentada em todo o
territrio brasileiro (Arquivo do Estado de So Paulo, 1870, 5110).
Existem 77 alunos matriculados, dos quais 64 freqentes. Este nmero ainda est
longe de ser proporcional populao de Sorocaba, mesmo levando em conta as
matrculas das outras aulas. Deve-se, todavia, atender (?) a uma circunstncia, e que
este municpio eminentemente agrcola, tem os seus habitantes disseminados em uma
vasta rea, e o cultivo do algodo proporciona trabalho s crianas, que deveriam
acorrer s escolas (Arquivo do Estado, 1870, 5110).
o pq da pouca frequncia s aulas.
A pouca freqncia nas escolas estava relacionada segundo o professor Fontoura s
dificuldades que os habitantes tinham em freqent-las, pois moravam em lugares distantes e
as crianas realizavam trabalhos no plantio de algodo. Vemos que o professor era mais
realista do que o inspetor, que desculpava o prprio exerccio mal feito de fiscalizao.
174
uma demanda e um grupo scio-cultural especficos: os estrangeiros, as mulheres, os
trabalhadores.
Do ponto de vista bibliogrfico, existem j vrios trabalhos realizados por
pesquisadores sorocabanos que apontam em perspectivas diferentes a importncia do processo
de escolarizao em Sorocaba.
Carmo (2006) faz uma anlise da relao educao e trabalho no final do Imprio e na
gnese da industrializao em Sorocaba, mostrando que a educao teve papel fundamental e
estratgico na estruturao do capital e dos interesses de classes.
Temos ainda o trabalho de Barreira (2002), que discute entre outras questes, a relao
entre escola, periodismo e vida urbana. A partir da imprensa operria, o referido historiador
mostra a formao da classe operria em Sorocaba e a sua luta pela educao. Foi um dos
primeiros pesquisadores a resgatar a participao dos operrios na cidade de Sorocaba.
175
alfabetizar os operrios e seus filhos. Especificamente, esse trabalho teve as seguintes
preocupaes: verificar as atividades desses imigrantes quanto a sua insero e contribuio
no processo de industrializao; constatar as suas formas de movimentos e associaes
operrias ligados produo e por fim, examinar a questo escolar, com destaque para as
ligadas ao ensino livre na cidade de So Paulo e Sorocaba entre os anos de 1900 1920.
Toda essa preocupao foi norteada pelo conceito de experincia, entendida como um
processo realmente vivido pelos seres sociais e que modifica efetivamente a conscincia
social e processo educacional.
176
uma corrida, as diferenas iniciais entre elas acabariam por manter-se, ou seja, os grupos
situados acima deles na hierarquia social ou sua frente na corrida so praticamente
compensados para conservar a raridade e a distino de seus bens e diplomas.
Observa-se que as vrias instituies escolares na segunda metade do sculo XIX,
representavam uma diversificao dos ramos de ensino na cidade de Sorocaba.
Bourdieu esclarece:
A existncia de vrias escolas na segunda metade do sculo XIX pode ento sugerir a
existncia de instituies educacionais escolares destinadas a atender grupos sociais
portadores de diferente capital cultural e social: escola para alemes, italianos, operrio, elite,
para catlicos, para protestantes e outras; e ainda em vrios nveis: a escola elementar, o
colgio, a escola noturna e outras. O capital cultural da famlia direcionava o tipo de
estabelecimento educacional que seria freqentado por seus filhos.
Apenas para tomarmos trs das foras representativas do campo religioso na cidade,
na poca, podemos dizer que, na perspectiva das relaes de poder, ocorrero sim disputas no
campo educacional sorocabano entre maonaria, catolicismo e presbiterianismo100.
Como j pontuei, existia uma controvrsia relacionada primeira iniciativa da oferta
educacional manica em 1870, ocasio em que circulava nos jornais locais a insinuao de
que escola era protestante.
Do mesmo modo, em 7/06/1894, o jornal O 15 de Novembro comea a publicar um
editorial intitulado: Pela liberdade, relacionado com a presena de jesutas na cidade. Ele
100
J em perodo posterior ao delimitado neste trabalho, o jornal O Operrio (1909-1912), apresenta a
aproximao entre o movimento operrio e a maonaria sorocabana. O jornal em algumas edies chega elogiar
as iniciativas educacionais da maonaria sorocabana: Ora aqui em Sorocaba, temos uma tima escola noturna
mantida pela Loja Manica Perseverana III, desta cidade, sob o regime de trs hbeis professores, e no
entanto, os alunos que trabalham nas fbricas, no possuem tempo suficiente para freqent-la, devido as horas
demasiadas de trabalho, pois entram as cinco horas da manh e retiram-se as sete ou oito da noite (06/03/1910,
p. 2)
177
faz a seguinte pergunta: Poderemos encarar com indiferena a invaso de jesutas em nosso
municpio? O articulista, de nome Aquaviva, afirmava que como republicano sua inteno
sempre foi lutar pela liberdade e por essa razo no podia silenciar diante da invaso dos
jesutas em Sorocaba, que representavam na sua viso, os inimigos da repblica. Esta invaso
significava a organizao de uma nova escola: Trata-se da fundao, nesta cidade, de um
colgio dirigido por jesutas e cujo corpo docente se compara de jesutas, nada mais (ibid, p.
1). Ele faz uma crtica aos jesutas considerando trs aspectos: educacional, religioso, poltico
e discute a questo dos jesutas nesses trs campos distintos. No campo educacional levanta a
questo: Ter o jesuta habilitaes para ensinar hoje, no sculo XIX?. Sobre esta questo
discorre que os jesutas fundamentavam sua ao pedaggica em mtodos ultrapassados, pois
desconheciam: Garret, Herculano, Ea de Queiroz, Guerra Junqueira, Zola, Daudet, Flaubert,
Kant, Comte, Littr, Spencer, Darwin:
A vista do que atraz fica, conclumos que o jesuta, falando em geral, podia ser um
sbio no sculo XVI, mas no sculo XIX no passa de um ignorante, incapaz de
desempenhar os deveres de educador consciencioso, pois faltam-lhe as qualificaes
indispensveis para esse encargo. Assim sendo, o jesuta no o mestre de que ns
carecemos, pois falta-lhe a orientao moderna, nica que pode dirigir o pedagogo de
uma nacionalidade (ibid, p. 1).
No mesmo jornal, na pgina 2, foi publicada uma nota referente ao colgio dirigido
por Zacharias de Miranda, falando da contratao de um novo professor:
A presena dos jesutas no campo educacional sorocabano foi visto como uma ameaa
pelo grupo de Zacharias de Miranda, representado pelo mencionado peridico. Neste, ao
mesmo tempo em que afirmavam que os jesutas no possuam habilidades (capital cultural)
para ensinar, mostraram que o Colgio de Zacharias de Miranda era um estabelecimento de
instruo que estava sempre se modernizando, neste caso, com a contratao de um
brilhante educador detentor de capital cultural comprovado pela sua atuao no magistrio
em So Paulo e Minas Gerais. Note-se que o jornal ocultava o fato de Zacharias ser ministro
presbiteriano, apresentando-o apenas como capito.
178
Fica evidente que a luta no campo educacional no somente legitimava as aes do
101
grupo , como marginalizava outras aes educacionais lideradas por agentes sociais que no
pertenciam ao grupo de Zacharias de Miranda.
Como veremos a seguir, a escola protestante teve dois perodos. No primeiro perodo,
ela se chamava Escola Americana (1874-1884). Neste perodo, a responsvel pela proposta
educacional protestante era a professora Palmira Rodrigues de Cerqueira Leite. No segundo
perodo, a escola passou a se chamar Colgio Sorocabano (1884-1895), estava sob a liderana
do professor Jos Zacharias de Miranda.
Por isso, faz-se necessrio aprofundar a anlise em profundidade das duas escolas para
verificar se as duas tinham os mesmos objetivos, a mesma funo na cidade, o mesmo modelo
pedaggico, se mantiveram a mesma relao com a maonaria e o catolicismo nessa
perspectiva da relao de poder.
101
No mesmo jornal, publica uma nota abrindo espao para as pessoas fizessem refutaes acerca do que foi
escrito sobre os jesutas. No dia 21/06/1894, no Jornal 15 de novembro, ano II, n. 91, p. 3, um leitor se posiciona
em favor dos jesutas, afirmando: o protestantismo veio cado de avivamento em aviltamento desde Lutero at
aos nossos dias, porque fez o humilde escravo do poder civil. A Igreja Catlica nunca, nunca se prestou a
semelhante papel. Nos jornais n.88, 89, o articulista de nome Aquaviva publica os artigos contra os jesutas
criticando suas aes no campo religioso e poltico.
179
jornalistas, comerciantes e outros, com a finalidade oferecer apoio mtuo entre esses grupos e
os pastores protestantes:
A fundao destes colgios foi, antes de tudo, com o intuito de servir como estratgia
de divulgao dos trabalhos missionrios, visando promover, ainda que
simultaneamente, os valores protestantes. Utilizados como forma de proselitismo
religioso, estes colgios americanos foram sendo incorporados pela elite local, embora
esta no necessariamente se tornasse protestante (p. 110).
180
Do texto elaborado pelo reverendo Miller, a parte introdutria traz a seguinte
orientao:
Na Geral Assemblia de 1839, foi aprovada a seguinte resoluo, a saber: "Resolve,
que o Rev. Samuel Miller, Archibald Alexander, Charles Hodge, J. Addison
Alexander, e Janies Carnahan formam uma comisso para tomar medidas a serem
adotadas, para garantir s crianas e jovens de nossa Igreja um maior aproveitamento
das vantagens proporcionadas pela educao crist. Por fora do exposto foi feita a
nomeao e o seguinte relatrio foi apresentado ao Assemblia Geral, em suas sesses
no 1840, pelo presidente da comisso, o Rev. Samuel Miller, D. D. por resoluo
unnime foi encaminhada Cmara de Publicao, com vista sua publicao
(Miller, 1840, p. 05) 102
III. Recomenda-se, que cada congregao deve criar uma ou mais escolas da
fonte importante Igreja, adaptados ao ensino de crianas entre seis e dez anos de idade. Estas
no momento em q escolas primrias devem ser dirigidas por mulheres, decididamente piedosas,
se estiver falando inteligentes, e com conhecimento das doutrinas da nossa Igreja. Essas
de ensino professoras devem ser escolhidas pela Igreja, e regidas por regras formadas
102
Relatrio impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. Seu uso indito na perspectiva da histria da
educao. MILLER, Samuel; JANEWAY, J.J. The Christian education of Children and youth. Report to the
General Assembly on Christian Education. Philadelphia: Presbyterian Board of Publication, 1850. 80p. No
original: In the General Assembly of 1839, the following, Resolution was adopted: Resolved, That the Rev.
Samuel Miller, Archibald Alexander, Charles Hodge, J. Addison Alexander, and Janies Carnahan, be a
committee to inquire whether any, and, if any, what measures ought to be adopted for securing to the children
and young people of our Church more full advantages of Christian education than they have hitherto enjoyed. In
pursuance of the foregoing appointment, the following Report was presented to the General Assembly, at their
sessions in 1840, by the chairman of the committee, the Rev. Samuel Miller, D. D. and by a unanimous
resolution it was referred to the Board of Publication, with a view to its publication (Miller, 1840, p. 05)
181
por esse organismo. Nessas escolas, as mulheres seriam preferidas como
professoras, porque elas podem, na maioria das vezes, ter melhor resultados
do que os professores de outro sexo, e porque, se tem um bom carter, elas
vo estar aptas para treinar os seus alunos com mais habilidade e de maneira
nesta comisso mais prazerosa. Como as crianas de tenra idade no podem viajar at a
recomendava-se a leitura da escola, devem existir vrias dessa classe de escolas em cada congregao de
Bblia e do breve catecismo qualquer porte, a no mais do que vinte e cinco, ou, no mximo, trinta alunos
desta idade, sob a responsabilidade do professor. Nestas escolas, a Bblia
deve ser utilizada todos os dias, e o Breve Catecismo da Igreja recitada pelo
menos uma vez por semana, o pastor e os ancios (presbteros) devem
freqentemente visitar tais escolas, a fim de ver se os professores so fiis, e
se os mtodos de instruo empregados so os melhores, e que o treinamento
tem utilidade para tornar os costumes e hbitos das crianas til neste
momento e para a famlia de Cristo, mais adiante. Nestas escolas menores,
pode ser bom que as mulheres, a critrios das professoras se envolvam com
atividades de costura e outras atividades adaptveis ao gnero feminino. Os
exerccios, todos os dias, devem ser iniciados e encerrados com a orao. 103
103
Relatrio impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. III. It is recommended, that every congregation
shall establish one or more Church Schools, adapted to the instruction of children between six and ten years of
age. These primary schools had better, usually, be taught by females, decidedly pious, intelligent, and of known
attachment to the doctrines and order of our Church. These teachers ought to be selected by the church session,
and governed by rules formed by that body. Females would be preferable as teachers in such schools; because
they may, for the most part, be had on more economical terms than teachers of the other sex ; and because, if of a
suitable character, they will be apt to train up their pupils with more soft and gentle manners. As children of this
tender age cannot travel far to school, there ought to be several of this class of schools in every congregation of
any size; as not more than twenty-five, or, at most, thirty scholars of this age ought ever to be placed under one
teacher. In these schools, the Bible ought to be used every day, and the Shorter Catechism of the Church recited
at least once every week ; and the pastor and elders ought frequently to visit them, and see that the teachers are
faithful ; that all the methods of instruction employed are of the best kind; and that the manners and habits of the
children are such as become those who are training up for usefulness here, and for the family of Christ hereafter.
In these lower schools, it may be proper that the females be some. Times employed, at the discretion of the
teachers, in sewing, and in other occupations adapted to their sex. The exercises, every day, should be opened
and closed with prayer (1840, p. 27-29).
182
O relatrio prescreve, primeiramente, a aceitao da educao escolar, Depois, boa
parte das escolas eria dirigida por mulheres, embora a responsabilidade burocrtica recasse
sobre o pastor. Este estava mais envolvido com a evangelizao direta. Alguns dos pastores
sequer tinham tempo necessrio para educarem os alunos e alunas das escolas no Brasil, por
motivo muito pragmtico, eles tinham um campo de evangelizao muito extenso. Alguns
ficavam muito tempo distante da Igreja local, visitando outros campos missionrios. Neste
caso, as mulheres eram responsveis por instrurem as crianas e jovens nestas escolas.
o caso, por exemplo, da Escola Americana em Sorocaba, dirigida por Palmira
Cerqueira Leite. Seu esposo Antonio Pedro de Cerqueira Leite tinha um trabalho itinerante,
muito extenso, percorrendo at o sul da Provncia de So Paulo. Alm das suas atividades
como missionrio itinerante, foi colaborador da Imprensa Evanglica. Dentro desta
perspectiva, no tinha tempo hbil para dedicar-se Escola Americana em Sorocaba, ficando
esta sob a responsabilidade de sua esposa, como recomendava a deciso da Igreja. Esta
informao pode ser observada no jornal Ipanena (7/06/1874, p. 2), que afirmava que escola
era dirigida por Palmira, informa tambm que ela foi organizada para educar meninas.
sobre a I.E.
Atravs do jornal A Imprensa Evanglica o presbiterianismo insistia em mostrar que a
base da sociedade era a famlia, e a desta, a educao. Em 1885, o peridico publicaria um
artigo intitulado A educao da infncia, afirmando a responsabilidade que a famlia tem a
respeito da educao dos filhos:
A mulher pela amenidade de sua expresso a pessoa mais apta para educar a criana,
porque s ela tem a virtude de dominar pelo amor e sobre a infncia a brandura e a
pacincia podem mais que o rigor e a razo. A me, disse um hbil escritor, possui o
segredo de vazar o corao do filho pelo molde do seu, animando-o com sua ternura,
exortando-o com exemplo, e convencendo-o com o homem, agrilhoado, pelos seus
inmeros afazeres de que tira os meios necessrios manuteno da famlia, no pode
incumbir-se com a vigilncia precisa da educao dos filhos, em conseqncia de
estar ausente do recinto domstico: sobre a esposa, que representa seu papel no
prprio no lar, reca quase toda a responsabilidade dessa espinhosa quo edificante
tarefa (Imprensa Evanglica, 02/05/1885, p. 67).
Conforme o item III, eles recomendavam que cada igreja deveria ter sua escola, no
importando se ela estivesse localizada na cidade ou no campo. No item IV, afirmam que nas
cidades populosas as escolas deveriam ser implantadas na medida em que as circunstncias
permitissem, portanto sendo facultativas.
A proposta da comisso tecia, para os presbiterianos, as bases da educao que
influenciaria a educao religiosa norte-americana no Brasil. Percebe-se, pelo relatrio a
forma como eles criam a prpria identidade educacional, pois as escolas no deveriam imitar
os mtodos e ensinamentos de outras denominaes. O uso da Bblia e do Catecismo sugere a
inculcao de valores morais, ticos e religiosos que deveriam nortear a prtica educacional.
No item V (p. 29), a recomendao impe que nas escolas estabelecidas pela Igreja e
Presbitrios tenham uma classe especial para o estudo do Catecismo Maior, que deveria ser
estudado para que os alunos se adaptassem aos princpios da Igreja Presbiteriana. Percebemos
com isso, o objetivo de perpetuar as prticas religiosas da Igreja. A reproduo dos princpios
da Igreja na prtica educacional manteria o domnio sobre os alunos. Uma prtica ntida da
sua natureza como instituio missionria, catequtica e revivalista no sculo XIX.
A historiadora Esther Fraga Vilas-Bas Carvalho do Nascimento em artigo intitulado
A pedagogia dos catecismos protestantes no Brasil Catlico, mostra, entre outras coisas,
que: Dos impressos protestantes, os catecismos funcionaram como um instrumento
prescritivo de inculcao de hbitos, de valores que deveriam ser externados atravs de
atitudes e comportamentos, demonstrando o carter do verdadeiro cristo (2008, p. 8).
104
Relatrio impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. IV. It is recommended, that in populous towns,
infant schools be established as far as circunstances will admit. These of course, should be placed under the
direction of pious, enlightened females; and it is important that all the religious exercises which take place in
them be in conformity with the usages of our own church; and that nothing be admitted which will have a
tendency to introduce forms which distinguish other denominations. In these infant schools, the simpler portions
of the Holy Scriptures, the " Catechism for Young Children," furnished by the Assembly's Board of Publication,
and such oral instruction as may be adapted to the weakest capacities, ought to be constantly employed (1840,
p. 29).
184
A leitura do Catecismo era uma prtica nas escolas de confisso protestante. A
Imprensa Evanglica (04/07/1885, p. 97) traz na primeira pgina dessa edio, o texto sobre o
lanamento da pedra fundamental do novo edifcio da Escola Americana, na rua da
Consolao. Nele, os redatores mostram que desde a organizao da Escola em 1870, a Bblia
e o Catecismo eram utilizados pela escola. Para justificar o posicionamento adotado pela
escola, fundamentou a argumentao no episdio que marcou a visita do Imperador na escola
(1878), ocasio em que o imperador, segundo o articulista, perguntou o que se ensinava na
as escolas
escola. A prtica pedaggica das escolas americanas no Brasil coadunava com as diretrizes
eram
organizadas estabelecidas pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
de acordo No item X, a comisso alerta os pastores para que vigiem as instituies escolares no
com o q havia
sido prescrito cumprimento das suas obrigaes religiosas e educacionais (p. 37). No item XIII, a Comisso
pela Igreja afirma que todas as recomendaes sejam observadas pelos missionrios que realizam
noa EUA.
misses estrangeiras (p. 39).
Na segunda parte do relatrio, elaborada por Janeway, temos a seguinte orientao na
parte introdutria:
O relatrio sobre as escolas paroquiais feito por Janeway aponta como deveria ser
realizada tal educao. Este relatrio tece primeiramente algumas argumentaes a favor do
105
The Synod of New Jersey, in session at New Brunswick, October 16, 1844, passed the following resolution :
Whereas the Christian Education of the children and youth of the church lies at the foundation of her prosperity;
whereas this matter has been, and continues to be, deplorably neglected in most of our churches and whereas
there is no probability that this object can be in any good degree attained, unless it be systematically and
patiently pursued by the Judicatories of the Church, Therefore, Resolved, That Drs. Janeway, Davidson, Magie,
and Murray, Ministers, and Messrs. John J. Bryant and James Crane, Elders, be a Committee to inquire whether
any, and if any, what further measures ought to be adopted to secure the formation of a wise and efficient plan in
regard to this subject, and for carrying the same into execution, and to make report at the next meeting of Synod.
In pursuance of the above appointments, the following Report was presented to the Synod at their Session in
1845, was adopted, and ordered to be printed under the direction and revision of the Committee (Janeway,
1840) .
185
relatrio apresentado pelo Rev. Samuel Muller. Descreve tambm como os demais pases
desenvolveram tal perspectiva de ensino. O plano educacional intencionava oferecer aos
filhos cristos uma profunda formao religiosa e moral da infncia at maturidade, sob a
superviso dos pais e funcionrios da Igreja (Janeway, 1844, p. 05). Para a viabilidade do
plano educacional, a comisso aprova o relatrio apresentado pelo Rev. Samuel Miller e faz
as seguintes recomendaes aos lderes e pastores:
1. Resolveu recomendar a todos os pastores, ancios, e pessoas inteligentes
em nossas congregaes, para a avaliar e cuidadosamente ler o relatrio
sobre educao crist feito para a Assemblia de 1840, e publicado, em
conformidade com a sua resoluo, pela Cmara de Publicao.
2. Resolve, que ser recomendado a todos os pastores, pertencentes ao
Snodo, pregar numa primeira temporada, sobre o tema relacionado
Educao crist das crianas, visando chamar a ateno das pessoas para esta
importante questo, e de produzir em suas mentes uma convico do seu
valor inexprimvel.
3. Resolve, recomendar aos pastores e sesses para envidar esforos para
estabelecer, em suas respectivas congregaes, o tipo de escolas
recomendadas pela comisso..
4. Resolve, que os Presbitrios deste Snodo sero orientados com a
finalidade de saberem o que fazer anualmente ao educador cristo de
crianas, atravs dos seus pastores e sesses.
5. Resolve, que este Snodo ir instaurar um debate anual sobre o assunto
(Ibid, p. 27-28) 106
.
O relatrio em suas consideraes finais pede o esforo dos pastores, Igrejas e
Presbitrios na concretizao do plano educacional. Atravs dos sermes, os pastores
orientariam os membros sobre a importncia do assunto. No tpico 3, a Comisso recomenda
aos pastores e Igrejas que envidem esforos para estabelecer o tipo de escolas recomendado
pela Comisso. Esta afirmava que a organizao das escolas paroquiais nas igrejas americanas
no seria dispendiosa para a misso, pois a ao justificava todo investimento feito (p. 27).
Algumas destas escolas nos Estados Unidos, e mais tarde no Brasil, contaram com o
os gastos
com as investimento da prpria misso norte-americana.
escolas era
Esta mentalidade norteava as aes educacionais em solo brasileiro. Nos primeiros
justificado
anos da misso presbiteriana no Brasil vemos a implantao de escolas junto s igrejas. A
106
1. Resolved that it be recommended to all the pastors, elders, and intelligent individuals in our congregations,
to purchase and carefully read the report on the subject of Christian Education made to the Assembly of 1840,
and published, in conformity to their resolution, by the Board of Publication.
2. Resolved, that it be recommended to all the pastors, belonging to the Synod, to preach at an early season, on
the subject of a proper Christian education of children, with a view to calling up the attention of their people to
this important matter, and of producing on their minds a conviction of its unutterable value.
3. Resolved, that it be recommended to the pastors and sessions to endeavour to establish, in their respective
congregations, that class of schools recommended by your committee.
4. Resolved, the Presbyteries of this Synod be directed to inquire annually what is doing in regard to the
Christian education of children, by their pastors and sessions.
5. Resolved, that this Synod will institute annually an inquiry on this object (Ibid, p. 27-28)
186
legislao da provncia de So Paulo na poca permitia a organizao das escolas particulares
de confisso protestante. Segundo Hilsdorf:
Na perspectiva dessa historiadora (Hilsdorf, 1977, 2000 2009), destaco dois modelos
de escolas organizados na segunda metade do sculo XIX no Brasil pelos missionrios norte-
americanos: as escolas paroquiais ao lado de cada Igreja e os colgios voltados para um grupo
elitizado. As escolas paroquiais voltadas para os filhos dos prprios crentes; e os colgios
abertos, voltados para os no-crentes, tais como: Escola Americana em So Paulo (1870),
Colgio Internacional (1873) em Campinas, Escola Americana em Sorocaba (1874), que
tiveram incio modesto, e com o transcorrer dos anos foram melhor articuladas pelos seus
agentes, evoluindo para grandes estabelecimentos de ensino elementar e secundrio.
Lonard (1981) afirma que a prtica educativa dos protestantes reproduzia a tcnica
educativa dos catlicos:
107
Ele concentra a sua anlise nas escolas metodistas.
188
dos influentes irmos Prudente e Manoel de Morais Barros para o seu Colgio
Piracicabano (1881). Nesses trs centros, a mediao entre imigrantes, missionrios e
liberais e republicanos foi feita, no privado, pela maonaria, e no pblico, pela
imprensa republicana liderada por Rangel Pestana (2009, p. 11) 108.
108
Texto no publicado. Aula ministrada no Programa de Ps-Graduao da FEUSP, 2009.
189
brasileiro. No incio da insero da Igreja Presbiteriana no Brasil existia uma preocupao de
implantar no lado de cada Igreja uma escola, segundo a ordem da reunio de 1840. Primeiro,
responsabiliza os pais por no cuidarem da educao de seus filhos. Segundo, responsabiliza
os filhos por no gostarem do regime de uma escola bem dirigida. Terceiro, afirma que os
costumes dos pais, a falta de confiana e moralidade no permitem que uma escola central
seja freqentada por todos como acontecia nos Estados Unidos. Quarto, afirma que no
existiam professores e professoras preparados para desempenharem essa misso. Quinto,
responsabiliza o governo por no admitir a instruo livre.
Na mesma reunio no Rio de Janeiro, Blackford apresenta um relatrio intitulado
Algumas consideraes sobre os obstculos do progresso do Evangelho no Brasil. Ele
destaca os seguintes obstculos: 1) oposio nata do corao humana e a astcia e o dio do
demnio, 2) falta de instruo do povo, 3) supersties enraigadas no esprito do povo, 4)
medo dos padres, 5) convenincias das famlias, sociais e polticas, 6) outro meio que serve de
obstculo para o Evangelho no Brasil vcio109 encontrado em todas as classes sociais, 7)
descrena e indiferena, principalmente nas classes mais instrudas.
Sobre o item 2, a falta de instruo do povo, afirma:
109
Blackford no s menciona a corrupo no Brasil, mas destaca o fato do povo no guardar o domingo.
Afirma que muitas pessoas realizavam negociaes neste dia. Como apontamos no captulo II deste trabalho,
esta foi uma das questes do Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite ter disciplinado a famlia de Jos Antonio
de Souza Bertholdo.
190
perseguies do clero. No final do relatrio, Blackford menciona que apresentaria os
remdios, que ajudariam no progresso do Evangelho do Brasil.
Observa-se que existia certa concordncia entre o relatrio de Blackford e o relatrio
de Simonton. Ambos entendiam a necessidade de instruir o povo, ainda que o discurso e
linguagem usados so totalmente diferentes.
Tanto que na cidade do Rio de Janeiro, Blackford inaugurou uma escola diria para
meninos apenas em 1869, aps a morte de Simonton. O governo concedeu autorizao para a
implantao da escola apenas para meninos. A responsabilidade desta escola era da professora
Gervsia Neves e a direo principal estava nas mos de Modesto Perestrello Carvalhosa.
Com o desenvolvimento da escola, a misso norte-americana nomeou Mary Dascomb.
Blackford afirma:
No foi possvel at agora obter licena para uma escola de sexo feminino; e tem sido
frustrado os planos que tivemos de estabelecer filiadas ou auxiliadas em diversas
sesses da cidade. As leis e regulamentaes do governo sobre a instruo so os
maiores impedimentos ao seu desenvolvimento e progresso no municpio neutro
(Blackford, 19/08/1872, p. 5).
A escola diria tem florescido e acha-se atualmente freqentada por 56 alunos que
mostram notvel aproveitamento no s nos estudos seculares mas no conhecimento
Citando um relatrio de da Lei de Deus vivo. Fundada no intuito de ministrar no somente o entendimento
mas alma inteira dos que as freqentam, tenho procurado na qualidade de Diretor
Chamberlain. dar tal direo as aulas que a escola viesse a ser conhecida como uma que preparava
os seus alunos para dois mundos para o cumprimento dos seus deveres na sociedade
de homens e de anjos. A no poder dirigi-la assim consideraria o tempo que ela me
furta como roubado do servio do Senhor, e fech-lo-ia para cuidar de outros trabalhos
(Chamberlain, 1873, p. 15).
Chamberlain no parecia muito animado com a escola, achava que o tempo oferecido
a frente desta instituio roubava-lhe o tempo que deseja dedicar aos trabalhos de cunho
192
missionrios. Em 1875, a Igreja compra um terreno para a construo da escola situado na
Rua So Joo esquina com a rua Ipiranga, na quantia de 500 mil ris. Afirmava ainda que a
escola sob os cuidados do Rev. J. B. Howell continuava a florescer. Acrescenta ainda que a
escola necessitava de um diretor que no tivesse as responsabilidades ministeriais dos
pastores, e que somente assim ela teria a importncia que a Provncia de So Paulo merecia.
Chamberlain faz um apelo ao Presbitrio, relembrando a existncia de um plano estabelecido
por este conclio em organizar um Instituto Literrio e uma Escola Normal na Provncia de
So Paulo com a finalidade de preparar os futuros ministros e os futuros mestres do ensino.
Esta ao contribuiria para a expanso do evangelho em todo territrio brasileiro e conforme
suas palavras qui em toda a parte em que for falada a bela lngua Lusitana (Chamberlain,
1875, p. 19-30).
Mais tarde Chamberlain consegue apoio de Horace Lane, que passa a dirigir a Escola
Americana em So Paulo (1885-1912). Durante sua dinmica gesto, a Escola Americana em
So Paulo, em 1886, passou a se chamar Mackenzie College. Horace Lane enfrentou forte
oposio de lderes subordinados viso de Eduardo Carlos Pereira, que defendia um sistema
mudana do educacional voltado apenas s necessidades dos crentes. Este posicionamento de Eduardo
nome da
escola para Carlos Pereira confrontava diretamente a posio adotada por alguns missionrios e
Mackenzie educadores norte-americanos, que defendiam a educao escolar em grandes colgios abertos
College, com
Horace Lane para filhos de no crentes como meio de evangelizao (Hilsdorf Barbanti, 1977).
Segundo Laguna (1999), os relatrios que Horace Lane enviava para o Board de Nova
York mostram o recorrente esforo dele para convencer os dirigentes de que o trabalho
escolar dos protestantes norte-americanos devia ser mantido, devido a sua importncia para a
afirmao da recm-proclamada repblica brasileira, o que confirma o entendimento
apresentado pela historiografia (Hilsdorf Barbanti, 1977).
Em 1875, frente da Escola Americana em So Paulo, Howell afirmava que ensinava
durante uma hora por dia aulas de ingls e o Breve Catecismo. Relatava que no incio do ano
tomou medidas para reorganiz-la, estabelecendo um curso progressivo de estudos e efetuou
relatrio de mudanas nos termos de matrculas, exigindo de todos, com exceo de alguns filhos de
Howel membros pobres da igreja, o pagamento de uma mensalidade. Segundo sua anlise, estas
mudanas resultaram no aumento da matrcula e a escola tornou-se mais apreciada pela
populao. Matricularam-se nesta ocasio 79 alunos; a freqncia diria era de 52 alunos. O
valor cobrado nos ltimos trs meses era de 200$ (duzento ris) por ms, que chegava a cobrir
quase todas as despesas (Howell, 05/08/1875, p. 66).
193
A cidade de Campinas tambm foi alvo da educao confessional presbiteriana. Em
1873, George Nash Morton e Edward Lane organizaram o Colgio Internacional, estando
frente do Colgio entre os anos de 1873 e 1879. Segundo a bibliografia (Hilsdorf Barbanti,
1977 e 1986, Bencostta, 1996) Rangel Pestana lecionou no Colgio Internacional durante o
ano de 1875, juntamente com os seguintes professores: Julio Ribeiro, John Dabney, Emlio A.
Henking, J. Boyle, C. Thorman, C. Bacharelly e Nash Morton. Nesta poca, Rangel Pestana
era editorialista, articulista e redator do jornal Gazeta de Campinas, e no ano seguinte, do
jornal A Provncia de So Paulo, estabelecido na capital, de onde vinha duas vezes por
semana para lecionar no colgio. Essa imprensa de matriz liberal e republicana apoiava as
iniciativas de Morton e Lane, pelo desejo que a elite intelectual da cidade tinha de se
identificar com as sociedades civilizadas, sendo a educao um dos aspectos: Hilsdorf (1986)
relata inmeras demonstraes de apreo da parte desses grupos em Campinas e So Paulo,
entre os anos 1869-1889, e Bencostta (1996, p. 73) transcreve artigo do republicano Jorge
Miranda, defensor dos ideais do liberalismo, que interpretava a iniciativa educacional desses
protestantes como lucrativa para a sociedade de Campinas.
Enfim, nos Estados Unidos, o ensino como que faz timbre por assinalar e justificar o
papel to preconizado que a gerao moderna conferiu ao sculo dezenove. Pois bem:
o ensino assim concebido e como realiza a Amrica do Norte, que os srs. Lane e
Morton pretendem fundar e seguir no Colgio projetado. Sua importncia,
evidentemente, est justificada at pelos mais incrdulos (Gazeta de Campinas,
30/11/1874).
relatrio de Lenington
Em Brotas, segundo Boanerges Ribeiro (1981), foi criada uma constelao de escolas.
Algumas escolas foram organizadas em stios. O Rev. Lennington111 em seu relatrio de
1871-1872, encaminhado para o Presbitrio do Rio de Janeiro, afirma que a escola tem sido
um grande sucesso.
relatrio de Dagama Em 1872, Dagama chegou cidade de Brotas, relatando em agosto que a escola era
freqentada por 30 a 35 alunos. Fora da cidade organizou escolas nas seguintes localidades:
Stio de Henrique Gomes: estabeleceu uma escola (1872) com 27 alunos, e aulas noturnas
com 19 adultos. No Stio de Manoel de Toledo Magalhes: funcioava uma escola com 8
alunos; tinha reunio duas vezes no domingo, e uma vez na quarta-feira. Ali tambm funciona
uma escola dominical. A oeste do stio da Figueira: pregou vrias vezes a uma boa poro
de ouvintes e expressa a inteno de implantar uma escola nesta localidade. No So Carlos
do Pinhal, stio do Monjolinho: pregou 4 vezes nesta localidade. Das 200 pessoas que
moravam naquela localidade, nenhuma sabia ler e escrever. Ento, manifesta o desejo de
111
O relatrio manuscrito.
194
instalar uma escola nesta localidade, com a finalidade de instruir as pessoas no evangelho.
Depois de dois anos, Dagama registra a instalao de uma escola e a organizao de uma
Igreja (Dagama, 1872, p. 1-6). No Stio do Rosrio, no Rio Novo: em 16 de maro de 1873,
organizou uma Igreja e no dia 14 do mesmo ms e ano, instalou uma escola, cujo professor
era Vieira Bizarro. A escola tinha 17 crianas de dia, e afirma que a escola estava indo bem.
No Sitio Bom Jardim: afirma que a escola instalada nesta localidade funcionava com 14
discpulos e discpulas (Dagama, 1873, 4 p.)
Dagama
responsvel
Eneida R.Figueiredo (2001) em seu trabalho acadmico intitulado As Escolas
pela expanso
das escolas Paroquiais Protestantes em Brotas no final do sculo XIX, afirma que Dagama foi o
paroquiais em
responsvel pela expanso das escolas paroquiais em Brotas (p. 52), confirmando as posies
Brotas
adotadas por Ribeiro (1981).
Na cidade de Rio Claro, Dagama afirma que em 27 de fevereiro de 1873 estabeleceu
uma escola e culto regular duas vezes ao domingo. A escola iniciou com 9 alunos; no dia 23
de julho, chegou a 76 alunos, indicando que a escola estava ganhando a simpatia de muitas
famlias. Dagama foi o principal responsvel pelo desenvolvimento da proposta educacional
nesta cidade. Afirma, ainda, em seu relatrio que contava com a ajuda de duas educadoras:
Mary Dascomb e Elmira Kuhl. Ao lado do curso primrio, organizou um internato (orfanato)
em que recolhia crianas pobres, inclusive rfos e as mantinha durante trs anos num regime
espartano de trabalho e estudo. Vejamos a declarao de Dagama:
Dagama descreve em seu relatrio, as condies para o ingresso dos alunos na escola
em Rio Claro:
A escola aparentava ter um sistema rgido, um pouco diferente das escolas organizadas
em outras localidades. Mas, observa-se que a intencionalidade da escola estava em
evangelizar as crianas e estas evangelizarem seus pais e outras pessoas.
No relatrio possvel observar o cotidiano da Escola:
Como se observa, a rotina da escola era muito rgida. Os horrios eram metodicamente
seguidos. Havia pouco horrios para o lazer, e as crianas passam a maior parte do tempo
fazendo tarefas manuais e escolares. A escola permaneceu em Rio Claro at os anos de 1886,
contando com o auxilio da misso norte-americana.
Em Borda da Mata, os membros da Igreja mantiveram sua custa nos primeiros 5 ou 6
meses desse mesmo ano uma escola para seus filhos (Carvalhosa, 09/08/1873, p. 41).
Segundo comenta Hilsdorf (2009), em Brotas, as escolas de Dagama tinham o perfil
das escolas paroquiais, criadas em bairros rurais e voltadas para as camadas populares, com o
196
objetivo de ensinar a leitura aos fiis analfabetos. Diferenciando das escolas paroquiais, a
escola criada em Rio Claro tinha um modelo mais prximo de uma instituio mista, na forma
de um Instituto Pedaggico que oferecia instruo aberta para crianas de ambos os sexos,
mas visava a formao de futuros obreiros.112
relatrio de Blackford
Outras escolas foram instaladas em vrias localidades: segundo Blackford (1872, p. 1-
5), a de Petrpolis (1871) estava sob os cuidados de Cndido Joaquim de Mesquita. A escola
era um externato para meninos e meninas. Em 1873, tinha aproximadamente 30 alunos.
Comenta tambm que pagava aulas para algumas meninas pobres que freqentavam as aulas.
Pedia ao Presbitrio que desse maior ateno ao trabalho educacional realizado em Petrpolis.
Na Bahia, em relatrio encaminhado ao Presbitrio do Rio de Janeiro (1872), o Rev.
Francis Josef Christopher Schneider afirma que estabeleceu uma escola para meninos e
meninas:
Minha senhora h quase um ano estabeleceu uma escola de meninos e meninas que
relatrio de Schneider. costumam reunir-se duas vezes por semana e ao domingo para a Bblia, o Breve
Catecismo e o Catecismo para meninos, aprendendo alguns a lerem. O numero de
alunos varia de 4 a 12 (Relatrio ao Presbitrio do Rio de Janeiro, 1872).
Escola de Botucatu.
Esta escola, que tem estado h anos sob a gesto eficiente do Rev. Sr. Braga e sua
esposa, est sendo remodelada e agora est a cargo das misses Henderson e Dascomb.
Rev. Sr. Braga foi designado para trabalhar em tempo integral no seu vasto campo e
em rpido crescimento. Sua esposa, que, para alm dos encargos de esposa de um
pastor, que so excepcionalmente pesados em um novo campo, como o de Botucatu,
tem sido o principal esteio da escola, foi liberada para uma temporada de descanso, da
qual necessitava muito. Prope-se fazer desta escola uma escola seriada e ter uma
escola paroquial no distrito subordinado a ele. No h nenhuma pergunta sobre os
alunos, h muitos deles, mas os professores Onde eles esto? Esse o obstculo
(Brazilian Missions, 1890, p. 66) 114.
114
No original impresso. Traduo: Ivanilson Bezerra da Silva. Botucatu school. This school, which has for
years been under the efficient management of Rev. Mr. Braga and his wife, is being remodeled and is now in
charge of Misses Henderson and Dascomb. Rev. Mr. Braga is released to devote his entire time to his large and
rapidly growing field. His wife, who, in addition to the burdens of a pastors wife, which are exceptionally heavy
in a new country like Botucatu, has been the mainstay of the school, is also released for the season of rest she so
greatly needs. It is proposed to make this school a graded school and have the parochial school in that district
198
O relatrio publicado nesse boletim da igreja tece elogios ao pastor e sua esposa,
Alexandrina T. da Silva Braga. A respeito do pastor, afirmava que realizava uma gesto
eficiente e trabalhava em tempo integral no seu vasto campo, que estava em crescimento.
Segundo o relatrio, Alexandrina Braga era o esteio da escola, com a ajuda de duas
missionrias americanas. Os responsveis pela direo da escola tinham como objetivo torn-
la uma escola seriada, ou seja, com vrias classes, e organizar outra instituio, no modelo da
escola paroquial, destinada para os filhos dos crentes.
Algumas destas escolas tiveram existncia curta. Muitas desapareceram no decorrer
dos anos. Como podemos ver, algumas foram fechadas por falta de professores, recursos e
dificuldades enfrentadas pela misso norte-americana no Brasil, outras porque sua funo j
no era mais necessria. Normalmente, onde tinha um grupo razovel de convertidos abria-se
uma escola. O sustento da escola recaia sobre os pais, mas contava com os investimentos da
misso norte-americana. possvel afirmar, pelas entrelinhas dos relatrios dos missionrios,
que existia um plano elaborado para a implantao de escolas no Brasil. Alguns dos
missionrios manifestavam claramente que a educao era um instrumento para a propagao
com base na do Evangelho no Brasil, alm de manuteno da f. Eles entendiam que as escolas no
anlise dos
relatrios, o somente atendiam as pessoas ligadas s igrejas, mas tambm seria um instrumento para atrair
autor conclui qas pessoas da sociedade brasileira115. Observa-se esta mesma ideologia nos relatrios
existia um
plano entre o encaminhados Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos:
missionrios Educao e Evangelizao
de implantao Muitas das acusaes levantadas contra a importncia do trabalho educacional como
instrumento para a obra de evangelizao no campo missionrio parece ser baseado
de escolas no
em um equvoco muito prevalecente da verdadeira natureza da educao. Alguns
Brasil. professores consideram seu dever cumprido quando eles insistem dominar seus alunos
no latim, matemtica ou ortografia. Dizem com grande satisfao que todos os
Departamentos da sua instituio esto fazendo o trabalho "semelhantemente bom" e
respondem com uma honesta surpresa o que mais se espera. Seus esforos terminam
em seus departamentos e a realizao mental o objetivo dos seus desejos. Quando os
instrutores voltam sua ateno ao manual de formao, ainda com a idia de que a
relatrio enviado aos EUA funo de uma escola transmitir conhecimentos. Que os alunos devem aprender com
o mesmo esforo de um bom carpinteiro, esta a graduao desejada. Escolas, assim,
falando da importncia da abertas so insatisfatrias, se localizado em Nova Jersey ou no Brasil, e seus efeitos
educao para a no trabalho evangelstico ser nulo.
evangelizao. O verdadeiro objetivo da educao o desenvolvimento ou criao, se necessrio, do
carter. A funo da escola a formao e conservao de um ambiente em que cada
tendncia boa estimulada e toda a tendncia mal reprimida. Os esforos de um
subordinate to it. There is no question about the pupils, there are too many of them, but the teachers Where are
they to come from? Thats the rub.
115
As anlises levantadas sobre estas escolas foram extradas dos relatrios pastorais dos missionrios norte-
americanos e brasileiros, e encaminhados para o Presbitrio do Rio de Janeiro com a finalidade de mostrar o
trabalho missionrio no Brasil e foram reunidos numa coleo intitulada Relatrios Pastorais (1866-1875),
organizado pelo Rev. Modesto P. B. Carvalhosa, que se encontra em boas condies no Arquivo Histrico da
Igreja Presbiteriana do Brasil. Seu uso indito na histria da educao.
199
professor devem encerrar em seus alunos, deve ser adaptada ao indivduo e deve ser
direcionada tanto para a moral e para o crescimento intelectual. Este ponto de vista da
educao no abre nenhuma porta para os instrutores incompetentes em seus assuntos,
mas proporciona classe cuidadoso trabalho, o objeto na aula a rigor, to essencial
para o sucesso na vida.
Escolas permeadas com essa idia de educao devem ser de valor inestimvel para o
trabalho evangelstico dentro ou fora da casa. Amaldioados por incompetncia moral
hereditria, e rodeados por tentaes peculiares ou intensificadas por seus vizinhos
sem Cristo, os filhos de famlias recm-convertidas precisam de toda a fora de carter
que a formao cuidadosa do "Corao, cabea e mo" podem dar. Se os filhos dos
convertidos devem ser salvos dos pecados de seus pais, um ambiente cristo deve
substituir, pelo menos em parte, a casa natal. Se os professores e evangelistas cristos
esto a ser levantados, que dir a cada um em sua prpria lngua pregar as maravilhas
de Deus, eles devem ser instrudos sob a presso total das simpatias raa, e pleno
poder da verdade do Evangelho. Para todo este trabalho nada pode substituir a escola
crist. A misso da igreja ser sempre chamar novos trabalhadores nativos. Com eles
a misso ou atividade neste hemisfrio visa a criao e o reforo do propsito cristo,
e que o esforo para construir o carter cristo se torna uma possibilidade. Precisamos
no campo missionrio de vrios tipos de atividades educacionais, a escola
paroquial para orientar as etapas da infncia, a escola de instruo manual para ajudar
no domnio da alma, a escola normal para fazer "aptos para ensinar" ou qualificados
no ensino, o colgio e o seminrio, como coroamento inseparvel do sistema, para
fornecer lderes para as atividades seculares e profetas para trabalharem na Igreja de
Deus, todos equipados por professores que sentem sua responsabilidade para com os
seus alunos e seu Deus (Brazilian Missions, 1890, p. 100-101, grifos nosso).116
116
Relatrio Impresso. Traduo Ivanilson Bezerra da Silva. Education and Evangelization: Many of the
objections urged against the importante of educational work as auxiliary to the work of evangelization in the
mission field seem to be based upon a very prevalent misconception of the true nature of education. Some
instructors consider their duty discharged when they have insisted upon their students mastering more or less
Latin, mathematics or spelling. They tell you with great satisfaction that all departaments of their institution are
doing similar good work and ask with honest surprise what more you expect. Their efforts terminate upon their
departaments and mental achievement is the goal of their desires. When such instructors turn their attention to
manual training, it is still with the idea that the one function of a school is to impart knowledge. That the boy
learns to drive a nail straigth is the effort and an expert carpenter is the desired graduate. Schools thus manned
are bound to be unsatisfactory, whether located in New Jersey or Brazil, and their effect in evangelistic work
will be nil. The real purpose of education is the development, or creation if need be, of character. The function
of a school is the formation and conservation of an environment in which every good tendency will be
stimulated and every evil tendency repressed. The efforts of a teacher should terminate upon his students, should
be suited to the individual and should be directed as much toward moral as toward intellectual growth. This
view of education opens no door for instructors incompetent in their subjects, but elevates careful class-room
work from mere grinding to object-lesson is the thoroughness so essencial to sucess in life. Schools
permeated with this Idea of education must be of inestimable value to evangelistic work abroad or at home.
Cursed by hereditary moral incompetency, and surrounded by temptations peculiar to or intensified by their
Christless neigh borhoods, the children of newly converted families need all the strength of character that
careful training of Heart, Head and Hand can give. If the children of the unconverted are to be saved from the
sins of their fathers, a Christian environment must replace, in part at least, the native home. If Christian teachers
and evangelists are to be raised up, who shall tell to every man in his own tongue the wonderful works od God,
they must be instructed under full pressure of the race sympathies, and full power of the Gospel truth. For all
this work nothing can replace the Christian school. Withouth is the mission church forever must stagnate and
forever draw new workers from the home land. With it that hemisphere or mission activity which seeks the
creation of Christian purpose is vastly strengthened, and that which strives to build up Christian character
becomes a possibility. We need then in the mission field every type of education activity , the parochial school
to guide the steps of childhood, the manual training school to add hand to the dominion of soul, the normal
school to make the apt to teach skilled in teaching, the college and the seminary, inseparable crown of the
sistem, to provide leaders for secular thougth and prophets of the work to lead the Church of God, all manned by
teachers who feel their responsability to their pupils and their God. (Rev. W. A. Waddell, Brazilian Missions,
1890, p. 100-101).
200
Este relatrio escrito pelo Rev. Willian Alfred Waddell em 1890 deixa bem claro que,
como em 1840, a educao era um instrumento indispensvel na expanso da obra
missionria. Ele aponta tambm as diretrizes que deveriam permear a ao educativa: a
educao deveria centrar no aluno, na formao do seu carter moral e intelectual. Alm
disso, mostra as vrias modalidades educacionais que o trabalho missionrio deveria realizar:
trinta anos depois das primeiras iniciativas das escolas paroquiais ou junto-das-igrejas,
propunha-se uma diversificada rede de instituies escolares, mais ou menos formalizadas:
em escola paroquial para orientar as etapas da infncia, escola para instruo manual, escola
normal para preparar os professores, colgios para preparar lderes na realizao de atividades
seculares, seminrios para a formao dos lderes da Igreja. Estas instituies educacionais
deveriam ser equipadas com professores altamente preparados e focados nos seus alunos e em
Deus.
O perodo da elaborao deste documento tambm importante. Na dcada de 90, a
igreja comea a experimentar uma crise na perspectiva educacional. Horace Lane, Waddell,
Chamberlain, Gammon, Kolb, Carvalhosa e outros lderes defendiam a educao como meio
missionrios qde evangelizao indireta, ou seja, a manuteno de colgios e escolas abertas aos filhos de
eram contra e no crentes. O grupo liderado por Eduardo Carlos Pereira, includo nele o pastor de Sorocaba,
missionrios q 117
eram a favor Zacharias de Miranda , Joo Ribeiro de Carvalho Braga, Alvaro Reis, Kyle, Smith e outros
do pastores nacionais e missionrios estrangeiros achavam desnecessrio tanto investimento em
investimento
escola, para poucos resultados em termos religiosos, no sentido da fraca ocupao do campo
em escolas
como religioso brasileiro pela igreja presbiteriana. Consideravam que eram poucas as converses, o
evangelizao
nmero de fiis arrolados, e os candidatos ao ministrio, aps tantos anos de trabalhos
indireta
missionrios. Esta discusso praticamente permeou a vida eclesistica e educacional do
presbiterianismo no Brasil ao longo da dcada de 1890. Eduardo Carlos Pereira atravs do
jornal O Estandarte118 lanava dvidas a respeito das qualidades morais de Horace Lane e
Waddell, que nesta ocasio estavam frente do Mackenzie College de So Paulo Segundo
Ferreira (1981), concordando com Hilsdorf Barbanti (1977), no havia neste contexto apenas
lutas pessoais, mas lutas de duas concepes: os que defendiam a evangelizao direta e os
que defendiam a evangelizao indireta:
117
Talvez esteja aqui uma das razes pelas quais o Colgio Sorocabano dirigido por Zacharias fechou suas
portas em 1896. Discutiremos esta questo ainda neste captulo. Pelo menos nesta questo Zacharias apia os
posicionamentos de Eduardo Carlos Pereira, e mais tarde (1903), ter divergncias em relao Maonaria.
118
Criado pelo pastor Eduardo Carlos Pereira em 1893, que substituiu o jornal A Imprensa Evanglica, obra do
pioneiro Simonton. Nos primeiros anos de organizao deste jornal, Zacharias de Miranda era dos colaboradores,
juntamente, com Joo Ribeiro de Carvalho Braga, lvaro Reis, Herculano E. Gouva, Benedito Ferraz de
Campos, Dr. Bernardino da Silva, Jos Primnio, B. de Arajo Csar, Joaquim Ribeiro e David dos Santos.
201
A evangelizao deve ser direta ou indireta? Por evangelizao direta estamos
entendendo a ao do missionrio junto aos pecadores na difuso da Bblia, na
explicao da mesma, seja onde for. Por evangelizao indireta, estamos entendendo o
gasto do dinheiro da Misso em obras sociais, em colgios, por exemplo, onde h
cultos regulamentares, mas a liberdade de conscincia a ser garantida no pode fazer
com que a ao evangelstica v alm da influncia espiritual dos mestres quando so
estes cristos (Ferreira, 1981, p. 417).
Eduardo Carlos Pereira tambm defendia a educao teolgica para a formao dos
pastores e a escola paroquial voltada para os filhos dos crentes tomando como parmetro
(negativo) a educao neutra oferecida pelo ensino oficial, nas escolas pblicas. Atravs da
imprensa presbiteriana, ele expressava a seguinte definio sobre a escola paroquial, deixando
bem claro o conceito de educao que defendia:
Eduardo Carlos Pereira temia a m influncia que a instruo pblica, isto , oficial,
podia trazer aos filhos dos crentes, por isso, defendia a necessidade de a Igreja cuidar da
formao intelectual e religiosa dos seus filhos em escolas fechadas, atravs das escolas
paroquiais. Em outra edio do jornal O Estandarte, ele continua sua apologia organizao
dessas escolas paroquiais:
Por ambas as razes apontadas, Eduardo Carlos Pereira entendia que a educao dos
filhos da Igreja deveria ser efetuada pela prpria Igreja atravs das escolas paroquiais. Deseja
que, num futuro prximo, cada Igreja tivesse uma escola paroquial para cuidar da educao
religiosa das crianas, e evitar que estas recebessem influncias negativas do meio social.
202
Em relao a perspectiva da ao missionria da Igreja ele no era partidrio da perspectiva
educacional que a Igreja tinha atravs dos colgios abertos, para no crentes, nem da
educao neutra das escolas oficiais, mas defendia a evangelizao direta, atravs da Bblia,
pregao e folhetos, prticas formadas nas escolas paroquiais para leigos e nos seminrios
para os pastores. Numa perspectiva, totalmente, diferente, Horace Lane e outros missionrios
defendiam a educao atravs dos colgios voltados para a sociedade. Para eles, estes colgios
proporcionariam uma maior participao indireta da Igreja na vida social, ao cultivaram um
carter moral de base crist e uma mentalidade evanglica nos seus alunos.
O que levou Eduardo Carlos Pereira e demais companheiros a este posicionamento?
Seria a sua viso de mundo, posicionamento poltico e at mesmo a dificuldade de estar
frente de uma dessas instituies educacionais da Igreja? A no aceitao de escolas ou
colgios para os no crentes expressava uma concepo dicotmica, que separava a Igreja do
mundo?
Bourdieu (2004) de certa forma nos ajuda a dar uma resposta a esta disputa no campo
religioso presbiteriano.
Esta crise pode ser interpretada como uma desestruturao do campo religioso
presbiteriano. A luta pela tomada de poder no campo religioso presbiteriano estava, no final
da dcada de 90, entre seus prprios agentes, por divergncias ideolgicas, disputa de poder e
posicionamentos polticos dentro do campo presbiteriano. As estratgias de tais agentes e das
instituies que estavam envolvidos dependiam da posio que ocupavam na estrutura do
crise interna campo, ou seja, na distribuio do capital simblico especfico, institucionalizado ou no
no campo
(reconhecimento interno ou notoriedade externa), e que atravs da mediao das disposies
religioso
presbiteriano. constitutivas de seus habitus119, motivou-os a conservar ou a transformar a estrutura dessa
distribuio. Conseqentemente, a perpetuar as regras do jogo ou subvert-las. Neste caso,
alguns optaram por perpetuar e outros em subverter as regras do jogo. Estas estratgias, alvos
da luta entre dominantes e pretendentes, as questes a propsito das quais enfrentavam,
direcionavam um novo espao de tomadas de posio e, conseqentemente, a formao de um
novo campo religioso presbiteriano, que ocorreu com a formao, em 1903, da Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil. Estar dentro de um campo tambm aceitar ou no
tacitamente as regras inerentes ao jogo ou disputa de poder. A tenso entre as posies
119
um conjunto de esquemas implantados desde a primeira educao familiar, e constantemente repostos e
reatualizados ao longo da trajetria social restante, que demarcam os limites conscincia possvel de ser
mobilizada pelos grupos, sendo assim responsveis, em ltima instncia, pelo campo de sentido que operam as
relaes de poder (Bourdieu, 2004).
203
tomadas dentro do campo o que determina sua mudana ou at mesmo a criao de um novo
campo (Bourdieu, 1996), o que aconteceu em 1903, com a organizao da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil por Eduardo Carlos Pereira.
Gostaria de chamar ainda a ateno para mais uma proposta educacional que circulava
no iderio presbiteriano, a educao tcnica. Sobre este perfil educacional, temos o trabalho
da historiadora Esther Fraga Nascimento (2005), que em sua tese de doutorado, faz uma
anlise da proposta pedaggica do Instituto Ponte Nova, organizado na Bahia, no incio do
sculo XX, que tinha como objetivo preparar tcnicos agrcolas, enfermeiras e professoras.
Segundo Hilsdorf (1986), existe a percepo de que o Colgio Internacional de Campinas,
subtrado influncia do educador Nash Morton em fins de 1879, tambm redefinira suas
prioridades como um colgio confessional com vocao para a agricultura.
Podemos constatar e reforar o posicionamento das duas historiadoras atravs da pesqui
sa na
leitura dos relatrios dos missionrios americanos e do jornal A Imprensa Evanglica.
I.E.
Organizado por Simonton com a finalidade de divulgar a ideologia do presbiterianismo em
solo brasileiro. Este peridico trouxe nos fins dos anos 80 a sua contribuio ao debate da
educao presbiteriana, publicando alguns artigos a respeito da modalidade de educao
tcnica. Em 9 de janeiro de 1886, a Imprensa publica um extenso artigo com o ttulo A
Escola. O artigo comea com uma srie de questionamentos a respeito da misso da escola:
204
Seria esta concepo uma das ideologias que norteavam a prtica educacional
presbiteriana no Brasil? Parece-me que a proposta educacional protestante alm da vertente
proselitista, moral e religiosa fundamentava-se pelo menos nessa dcada de 1880, na
perspectiva econmica. interessante que o articulista afirmava que o ensino manual-
industrial aumentaria o nmero de produtores e diminuiria o dos consumidores. A lgica na
educao
presbiteriana perspectiva capitalista totalmente diferente. Quanto mais capital cultural e econmico um
com vis indivduo tem, mais consumidor ele se torna (Bourdieu, 1996).
econmico tb.
Na edio subseqente, de 16/01/1886, publicado outro artigo com o mesmo tema do
anterior. O articulista afirma que a misso da escola produzir homens educados para que
possam combinar sua inteligncia com trabalho e o capital, evitando-se dessa forma utilizar
seus recursos com desperdcios. Em nova edio, o articulista mostra o exemplo dos Estados
Unidos, afirmando:
Mas talvez no haja pas no mundo onde se tem feito tanto como nos Estados Unidos,
como se v nos fatos que adiante transcrevemos: Mr. Willian Marther, comissrio real
da Inglaterra, no seu relatrio, publicado em 1883, sobre a Educao Tcnica nos
Estados Unidos e Canad, depois de um exame minucioso, viajando por toda parte da
Unio Americana, fazendo um estudo especial das relaes entre as escolas pblicas e
os estabelecimentos industriais do pas, chegou concluso que a proeminncia do
povo americano nas indstrias mecnicas e no desenvolvimento agrcola por meio de
novos e engenhosos instrumentos da lavoura era devida ao grande nmero de Escolas
livres em todos os ramos dos conhecimentos humanos e para todas as classes do povo
(Imprensa Evanglica, 23/01/1886, p. 27).
O autor, ao comparar a realidade americana com a brasileira, mostra que esta estava
completamente atrasada e necessitava despertar para tal realidade. No final do seu artigo
coloca as seguintes palavras:
Todos os dias ns lemos nos pequenos jornais protestantes que se publicam no Brasil
escritos de propaganda abolicionista. A Igreja Anglicana no se tem, talvez, tanto
interesse pelo movimento, mas as Igrejas americanas fizeram sua a nossa causa. No
entanto nosso clero catlico est mudo e surpreendentemente indiferente ao fato da
escravido. O que quer dizer isso? Ser preciso que dirijamos uma petio a Leo XIII
para que promulgue uma nova bula, como se no bastassem as bulas em que o papado
j fulminou contra a escravido? Pois possvel que o papado tenha fulminado a
escravido em suas bulas, e os romanistas ainda possuam escravos? Esto ento
postos fora todos os brasileiros que tem escravos? (Imprensa Evanglica, 24/07/1886,
p. 235).
206
3.3. A ESCOLA PROTESTANTE EM SOROCABA
Ser que aquela anlise realizada pela citada autora pode ser observada na proposta
educacional protestante para a cidade de Sorocaba? Se pensarmos na contribuio da
educao protestante para a solidificao dos ideais liberais e republicanos e destes para a
daquela, que Hilsdorf aponta desde 1977, podemos entender que a escola protestante na
cidade de Sorocaba teve uma atuao importante na solidificao desses ideais e ofereceu por
o
meio da sua liderana, uma resposta aos problemas originados com o surgimento da
protestantism
o contribuiu industrializao e da expanso urbana, tendo desta forma um sentido para a cidade. Esta idia
para a
foi discutida quando centramos a ateno no captulo primeiro sobre a participao poltica de
solidificao
do alguns presbiterianos no campo poltico e intelectual da cidade de Sorocaba. Mostramos que,
pensamento atravs das relaes de poder estabelecidas com vrios agentes sociais pertencentes ao campo
liberal e
republicano poltico, manico, religioso e intelectual, os agentes do campo religioso protestante estavam
empenhados na configurao de uma sociedade marcada pela modernizao. Porm, este
processo de modernizao no dizia respeito apenas configurao da sociedade sorocabana
nas questes relacionadas ao campo poltico e religioso, mas verifica-se tambm ao campo
educacional.
Alm disto, vlido ressaltar que a escola protestante em Sorocaba, alm do cunho
religioso, era uma escola particular, organizada para atender um especfico grupo scio-
121
A respeito do segundo liberalismo, Hisldorf afirma: A defesa da unidade nacional nos termos sociais e
culturais definidos pelo Regresso conservador dos meados do sculo XIX afastara para longe a influncia da
filantropia ilustrada das primeiras dcadas. Mas algo deste discurso progressista voltou no decorrer dos anos de
1860, e, juntamente com os modelos econmicos ingleses e norte-americanos e a influncia do pensamento de
Comte e Spencer que retomavam cientificamente os ideais da Ilustrao do sculo anterior, formou o quadro
mental de inconformismo e nsia de renovao que deu base para o surgimento de um novo liberalismo:
reformista, mas superior, diz Alfredo Bosi, porque defendendo o valor do trabalho livre, a abolio e a
integrao dos negros sociedade brasileira. Consultar: HILSDORF, Maria Lucia Spedo. Histria da
Educao: Leituras. Thompson, 2000, p. 49.
207
cultural da sociedade sorocabana, fortalecendo ainda mais as relaes de poder estabelecidas
no campo poltico, social, intelectual e manico.
Tendo por base o movimento amplo de anlise efetuado por Hilsdorf (1977), nossa
primeira hiptese que a educao protestante no perodo de insero do presbiterianismo em
Sorocaba necessitava de apoio para se solidificar na cidade, devido ao contexto de resistncia
e por propagar idias que contrariavam os interesses da religio catlica e do governo
monrquico. Para tanto, foi importante o apoio do intelectual Jlio Ribeiro e de outros agentes
sociais da cidade ligados maonaria republicana e abolicionista. A proposta educacional que
ela trazia coadunava com os interesses da elite sorocabana que dominava a sociedade e que
defendia os interesses da nova ordem poltica e social.
Segundo Hilsdorf:
208
atrao tanto pelos seus aspectos democrticos quanto por aqueles propriamente
pedaggicos (1977, p. 187).
Veio conosco e j regressou para a sua famlia o Sr. Jlio Ribeiro, moo mineiro
ilustrado o qual daqui a um ms voltar para nos ajudar na aula e recomear os seus
estudos para o Ministrio evanglico. A me dele me ficou querendo muito bem s
por eu contar-lhe que era filho duma mineira santanhense. Jlio sabe muito bem latim,
fala perfeitamente o francs, traduz o ingls com muita facilidade, dono do ao em
histria, filosofia e retrica, professor de matemtica e sabe muito de fsica e
Cerqueira Leite dava licena qumica, s lhe falta grego e teologia [...] Celebramos a ceia do Senhor, tendo pregado
para Jlio Ribeiro pregar, mas anteriormente Jlio Ribeiro, que na tribuna assemelha-se a um orador profano do que
ao mesmo tempo dizia q falava a um sagrado pregador: porm fala e discute muito bem, muito inteligente (Lemos,
como um profano e no como 2005, p. 79).
um pregador
Este trecho foi extrado por Lemos de uma das cartas de Antonio Pedro. Nesta carta,
Antonio Pedro expe suas impresses sobre Jlio Ribeiro, inclusive, afirmava que ele chegou
a pregar no campo presbiteriano sorocabano. Talvez esteja aqui a razo pela qual Jlio
Ribeiro veio Sorocaba. Provavelmente, pelas suas qualificaes intelectuais, ele foi
convidado pelos missionrios norte-americanos para ajudar a estabelecer as relaes de poder
na cidade e fortalecer o campo presbiteriano. Alm disso, Jlio Ribeiro era um dos primeiros
presbiterianos que, nesse perodo, em Sorocaba, enveredou-se no campo educacional. A sua
participao no campo educacional foi noticiada pela imprensa sorocabana:
123
Ver anexo 2, vol II, p. 13, (foto 12): Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
124
Ver anexo 2, vol II, p. 14, (foto 13): Professora Palmira de Cerqueira Leite.
210
Preos
Latim, Francs, Ingls e Geografia por ms... 5$000
Primeiras Letras... 3$000
Pagamentos Adiantados
As classes funcionaro das 9 horas da manh a 1 hora da tarde, sendo feriados os
Sbados e Domingos (O Sorocaba, 15/10/1872, p. 4).
Como demonstrei, ele se destacou no campo intelectual e no campo educacional
sorocabano. No campo educacional, lecionava aulas particulares de latim, francs, ingls,
geografia e primeiras letras. Talvez seja prematuro afirmar que a sua participao no campo
educacional sorocabano estivesse atrelada ao presbiterianismo, pois conforme Antonio Pedro,
ele manifestava-se mais como um orador profano do que sacro. Por outro lado, possvel
pensar que sua ao educacional representava uma estratgia de aproximao com o campo
poltico, dominado pela maonaria sorocabana, o qual lhe dava mais legitimidade naquele
momento histrico do que o recm estruturado campo religioso presbiteriano. Mas, esta
participao de Jlio no campo educacional pode ter influenciado o casal Cerqueira Leite na
organizao de uma Escola Americana na cidade. Jlio Ribeiro foi professor na Escola
Americana em So Paulo na mesma poca que Palmira. Este relacionamento foi construdo
quando Jlio atuou como professor de portugus na Escola Americana de So Paulo, nos anos
iniciais desta instituio. Palmira nesta poca era professora de histria (Garcez, 2004, p. 64).
Em 1887, Palmira retornaria ao quadro docente do Mackenzie College como professora de
msica (Escolas Particulares, 1887-1894, Arquivo do Estado, manuscrito, nmero de ordem
5.111). Alm de ter mantido bom relacionamento com o casal Cerqueira Leite, Jlio Ribeiro
conhecia muito bem o campo manico local e tinha habilidades intelectuais para ajud-los na
organizao da instituio escolar presbiteriana125.
125
Como vimos no captulo primeiro, Jlio Ribeiro participava ativamente do campo poltico e intelectual
sorocabano ao lado de Matheus Maylasky e Ubaldino do Amaral.
126
Lemos comete um pequeno deslize falando em Nestor Pestana quando certamente queria dizer Rangel
Pestana.
211
estratgias do casal foi a organizao da Escola Americana. Lemos afirma que a escola serviu
para sustentar o casal e ajudar a me de Antonio Pedro, dona Cndida:
Palmira abre escola para crianas e espera freqncia suficiente a uma significativa
melhora de rendimentos, pois as despesas no seriam s em casa, necessitam tambm
ajudar Cndida, agora morando em Caldas e sempre pedindo socorro, dada a sua
total falta de recursos, o que desesperava o filho extremoso. A escola acaba tendo
altos e baixos e em certas ocasies no podem mandar nada velha desamparada
(2005, p. 81).
Lemos, que reveste seu texto de um tom rememorativo e com enfoque familiar, aponta
que a iniciativa educacional do casal estava mais atrelada as suas necessidades pessoais, no
interpretando como uma estratgia de atuao nos campos religioso e educacional de
Sorocaba. Mas o mesmo autor afirma que Palmira tinha boa aceitao da burguesia
sorocabana, porque recebeu educao fora do normal para a poca e morou alguns anos na
Inglaterra, onde se aperfeioou em piano (Lemos, 2005, p. 79). De fato, podemos perceber
isto em uma nota na imprensa sorocabana, registrada por Jlio Ribeiro na ocasio em que a
Palmira cidade recebeu a visita do conde dEu127: s seis horas foi sua alteza para a mesa tendo tido
Cerqueira
Leite a subida honra de jantar em sua companhia as exmas. Sras. Angelina Adams e Palmira
jantando Cerqueira Leite (Gazeta Comercial, 19/10/1874). Angelina Correia de Oliveira era esposa do
com conde
d'Eu mdico Dr. Joo Henrique Adams128 e filha de Manuel Claudiano de Oliveira, baro de
Mogim Mirim129, e sua mulher Balbina de Toledo.
127
Segundo Aleixo (1999, p. 153), o conde DEu visitou a Cmara municipal, o Gabinete de Leitura, o Colgio
Unio Sorocabana , o Hospital de Caridade, a Fbrica de Ferro Ipanema, e a escola noturna da maonaria.
128
Segundo Aleixo (1999), O Dr. Joo Henrique Adams, dono de uma fbrica de chapus, a 1 de janeiro reuniu
todos os pretos. Serviu-lhes lauto jantar e lhes entregou as cartas de liberdade, como j o fizera anteriormente
com os escravos Augusto e Eva. Nesse 1 dia de janeiro alforriou Clementino e sua mulher Mathilde, assim
como Joo, Luiz e Carlota. O dr. Adams era genro do Baro de Mogim-Mirim. Pertencia ao quadro da Loja
Constncia, onde fora regularizado aos 19 de maro de 1859, sendo elevado ao grau 18 a 5/8/1871 (p. 256).
129
Segundo informao oral do pesquisador de geohistria da cidade de Araoiaba da Serra, Adolfo Frioli,
Manuel Claudiano de Oliveira era um tropeiro rico na cidade de Sorocaba, que construiu um sobrado na Rua das
Flores para receber a visita do Imperador Dom Pedro II em 1846. Em funo desta visita recebeu o ttulo de
Baro de Mogim Mirim. A informao foi obtida em entrevista realizada no dia 11/01/2010. Aprofundando a
pesquisa sobre Manuel Claudino de Oliveira, consegui informao no livro Jos Aleixo Irmo. Rafael Tobias de
Aguiar: O Homem, o poltico. Fundao Ubaldino do Amaral, 1992. Neste livro, Aleixo afirma que: era
comerciante e um rico tropeiro, que recebeu a visita do Imperador na sua casa (p. 380).
212
Neste contexto da dcada de 70, o jornal A Voz do Povo, que afirmava representar o
interesse da populao mais desfavorecida e lanava ataques contra pessoas que compunham
a elite sorocabana, publicou um pequeno artigo que criticava os americanos:
O americano Miguel Chavalier, tem por nico meio e por exclusivo pensamento a
dominao do material, isto , a indstria em seus diversos ramos, os negcios, a
especulao, o trabalho, a ao. A este nico objeto para ele se subordina: educao e
poltica, lei da famlia e lei do Estado - As leis tendem, antes de tudo, a favorecer o
trabalho; o trabalho material, o trabalho do momento. Nas sesses das legislaturas
locais as belas artes no figuram, nem ainda por memria, estabelecimentos literrios,
bem como os altos estudos cientficos, so raras vozes honradas com uma lembrana.
O Americano no permite os prazeres que venham visitar, o instante da refeio no
recreio, em que retempere o fatigado crebro no seio doce intimidade, sim
desagradvel interrupo da diurna tarefa... Deixa de trabalhar ao domingo, porque a
religio lhe prescreve absteno; mas a religio lhe veda tambm nesse dia, pena de
sacrlego, todo o divertimento e toda a distoro at o de receber os amigos... O
americano mecnico. Mais singular ainda a descrio, que faz do carter norte-
americano, um prprio cidado dos Estados Unidos. Nascemos pressa: nosso corpo
locomotiva (...) nossa alma mquina de vapor de alta presso; nossa vida semelhante
a uma estrela cadente, e a morte nos surpreende qual relmpago. Trabalho! (brada ao
pobre a sociedade americana) trabalha, sem gozar, e s para estudares o poder sobre o
mundo material; no animes, nem o teatro que estraga os costumes (Voz do Povo,
01/01/1876, p.3).
Pelo que podemos perceber pela imprensa, a escola da Palmira, no perodo da sua
organizao, atendia as filhas dos agentes sociais que pertenciam elite sorocabana. Um juiz
de direto matriculou suas duas filhas na escola.
A Escola Americana era uma escola particular, criada para o ensino das primeiras
letras para meninas. Em 1877, constava no seu programa curricular: leitura, caligrafia,
213
aritmtica, sistema mtrico, gramtica portuguesa e geografia (Colombo, 06/01/1877, p. 03).
Tambm oferecia ensino de francs e msica. O fato de ser particular confirma que foi
organizada para atender um grupo social especfico e elitizado, que poderia pagar os estudos
de suas filhas.
215
modernizao, libertao dos escravos, industrializao e outras mudanas polticas e sociais.
Alm desse aspecto de resposta a uma situao, percebemos que o campo educacional
sorocabano neste perodo era formado por diversas instituies educativas escolares
destinadas instruo dos seus segmentos sociais, e nele a escola de Palmira aparece como
uma ao afirmativa bem direcionada: a elite sorocabana de matiz maon-republicano e os
fiis da Igreja Local.
Assim uma escola particular mista, de quem diretor o Ministro Protestante Antonio
Pedro de Cerqueira Leite, e professora [...] D. Maria Luiza de Cerqueira Leite [sic],
tambm protestante, onde leciona, leitura, caligrafia, aritmtica, gramtica portuguesa
e noes gerais de geografia e histria Ptria, tendo 12 alunos, sendo 6 do sexo
masculino e 6 do feminino, somente nas primeiras letras (Ofcio manuscrito
22/06/1883, Arquivo do Estado, ordem 5110).
Para uma escola que comeara suas atividades em 1874, e afirmava ter bastante apoio
social, o nmero de alunos era muito baixo. Porm, no final do ano de 1883, a realidade da
escola era outra. Segundo o inspetor, a escola americana tinha 40 alunos, sendo 24 do sexo
feminino e 16 do sexo masculino:
216
Dentre as escolas particulares mencionadas no relatrio, a Escola Americana era a que
tinha mais alunos neste perodo, dentro do total de 126 alunos matriculados, sendo 72 do sexo
masculino e 54 do feminino.
No final desse ano, Palmira enfrentou a perda do seu marido (em 1. de setembro),
porm ela continuou frente da escola. Temos esta informao pela imprensa, pois em 1884,
a Escola Americana de Sorocaba envolvida numa polmica. A imprensa sorocabana elogia
os trabalhos nela realizados:
Ns que vivemos em uma cidade em que se nega todo o auxilio intelectual a imprensa,
ao ponto de no encontramos ao menos pessoas que nos forneam apontamentos e
informaes, apesar de as instarmos para isso, no podemos deixar de louvar o intento
da ilustrada diretora da Escola Americana, que procura implantar no esprito de seus
alunos o gosto pelos trabalhos literrios (Dirio de Sorocaba, 12/10/1884, p. 2).
Porm, na edio posterior do jornal, o pai de uma aluna publica um artigo em que
acusava a Palmira de plgio. Numa parte do artigo, ele faz o seguinte comentrio sobre a
escola:
Illmo. Sr. redator do Diario de Sorocaba. Participo a V.S. que o Sr. Hilrio Ribeiro,
no seu 4 livro de leitura, cap. XXV, publicado em Pelotas, reclama a paternidade do
elegante trecho histrico filosfico que V.S. publicou na parte editorial de sua folha de
12 do corrente, o qual escrito decerto mui inocentemente lhe entregaram como da
lavra de uma das alunas do Externato Americano (Dirio de Sorocaba, 17/10/1884,
p. 3).
Palmira reconhecida pelo redator como uma ilustrada diretora, que procurava
implantar no esprito de seus alunos o gosto pelo trabalho literrio. O suposto pai da aluna
acusa-a de plagiar o texto literrio publicado no jornal. Ele demonstra possuir capital cultural
e intelectual para posicionar-se contra a postura adotada pela Palmira no campo educacional.
Palmira no se eximiu da disputa e apresenta a seguinte resposta:
217
qualquer discusso impertinente escrevendo apenas este artigo em ateno aos pais de
famlias que me tm confiado suas filhas (Dirio de Sorocaba, 19/10/1884).
Em 1885, circulam na cidade boatos de que a Escola Americana fecharia suas portas.
Palmira volta novamente imprensa sorocabana para se posicionar, afirmando:
Declarao. Consta-me por algumas pessoas de respeito que algum nesta cidade
propala que vou fechar meu Colgio; para que no creiam que isso verdade fao a
seguinte declarao. Continuarei com meu Colgio a despeito de inimigos gratuitos,
que pela inveja buscam todos os meios de fazer-me mal. Espero na benevolncia dos
srs. pais de famlia que como cumpridora de meus deveres me continuaro a confiar
seus filhos e filhas. Palmyra Exel (Dirio de Sorocaba, 22/09/1885, p. 3).
Nesta ocasio, assinou sua declarao como Palmira Exel. Aps a morte de Antonio
Pedro, ela se casou com Joo Exel, membro da Loja Manica Constncia (Livro de
Tesouraria, 1860, p. 20), em cerimnia celebrada pelo Rev. Zacharias de Miranda, no dia 19
de fevereiro de 1885. Foram testemunhas do casal: Arthur da Cunha Soares e Georger
Oetterer. (Livro de casamentos da Igreja Presbiteriana de Sorocaba, 1885). Segundo dados
lanados neste livro, Joo Exel era negociante na cidade de Sorocaba. Como ele no aparece
na relao de membros da Igreja Presbiteriana de Sorocaba, podemos especular que o seu
relacionamento com Palmira foi construdo no campo social, espao em que ela circulava com
muita facilidade devido ao capital cultural, intelectual e social de que era portadora.
Palmira mostrava entender na sua nota que a afirmao feita sobre o fechamento da
sua instituio escolar era efetuada por inimigos gratuitos e pela inveja dos que buscam
todos os meios para fazer o mal. Quem eram seus inimigos? Seriam figuras que procuravam
atingir indiretamente seu novo marido? Seriam pessoas ligadas ao campo educacional ou ao
campo religioso? Esta questo ficar aberta. Porm, fica evidente que o presbiterianismo
218
enfrentava oposio tambm no campo educacional e ela precisa fazer um apelo para que os
pais de famlia continuassem lhe confiando a educao dos seus filhos e filhas.
Mesmo em chave negativa, o episdio mostra que, no campo das relaes polticas,
Palmira parece bastante diferente do seu falecido marido, Antonio Pedro de Cerqueira Leite,
que no circulava no campo social e poltico sorocabano. na pessoa dela que o
presbiterianismo mantinha as relaes de poder em Sorocaba, nas dcadas de 1870 e 1880.
Algo um tanto curioso para uma mulher presbiteriana do final do sculo XIX, mas certamente
no uma novidade, segundo vem mostrando a literatura mais atualizada sobre a histria social
das mulheres no Brasil. O fato que, pelas fontes lidas, o campo poltico sorocabano (campo
de poder) era composto predominantemente de homens. Por que ser que Palmira tem lugar
no campo de poder na cidade de Sorocaba? Penso que a sua insero no campo social
sorocabano estava relacionado s estratgias realizadas por ela no campo educacional escolar,
que lhe conferiram lugar de poder no campo social, na perspectiva de que a escola era uma
instituio extremamente importante para os extratos modernos da sociedade paulista do
perodo, conferindo aos seus agentes grande visibilidade. Podemos ainda dizer que ela j
usufrua de uma posio de destaque na sociedade sorocabana antes do casamento com o
negociante Joo Exel, e at mesmo anteriormente ao casamento com Antonio Pedro, pois
pertencia ao grupo das educadoras que atuavam na Escola Americana de So Paulo. Por outro
lado, sua escola lhe dava prestgio tambm porque uma das bandeiras defendidas pelos
maons sorocabanos era a educao, enquanto estratgia de modernizao do espao de poder
que dominavam. Isto explica a razo da projeo social dela no campo de poder sorocabano.
219
Seguiram no dia 10 do corrente para a capital, onde foram fixar residncia, o Sr.
Tenente Joo Exel e sua exma. Famlia. Lamentando este fato que priva-nos de uma
habilssima e ilustrada preceptora da infncia, a exma. sra. d. Palmyra, e de um dos
mais distintos cidados desta localidade, desejamos que em sua nova residncia
encontrem toda sorte de prosperidades de que so dignos (Dirio de Sorocaba,
13/12/1885, p. 3).
Lemos, em sua citada obra Viagem pela Carne (2005), faz uma referncia atuao
educacional da Palmira130 em Mococa, afirmando:
Palmira revelou-se mulher autoritria, levando a sua escola com mo de ferro, ficando
conhecida como eficiente disciplinadora. Sua escola foi famosa. Especializou-se em
educar moas filhas de fazendeiros de caf desejosas de aprender no s boas
maneiras, mas lnguas estrangeiras e, sobretudo, msica e literatura (p. 85).
Em Sorocaba, 1885 fora um ano de mudanas na vida de Palmira, as quais nos deixam
alguns questionamentos: por que ela vai imprensa jornalstica sorocabana em setembro, para
130
Carlos Alberto Cerqueira Lemos diz, ainda, que Palmira fechou sua escola na cidade de Mococa no incio do
sculo XX. Foi morar no Rio de Janeiro, onde faleceu num desastre ferrovirio em 1912, nas proximidades de
Valena. (p. 87).
220
dizer que no fecharia as portas do seu colgio, quando resolve mudar da cidade logo depois,
em dezembro? E os alunos como ficaram? E o apelo que ela fez para os pais continuarem lhe
confiando a educao dos seus filhos? Ser que os pais corresponderam ao seu apelo? E ela,
por que no cumpriu sua promessa de continuar com o colgio? Enfim, a Escola Americana
de Palmira fechou realmente suas portas?
O abaixo assinado participa aos srs. Pais de famlia que vai abrir, nesta cidade, uma
escola de instruo primria e secundria para alunos de ambos os sexos. As aulas
abrir-se-o a 11 de janeiro prximo futuro, e funcionaro todos os dias teis, exceto
aos sbados, das 9 da manh s 2 da tarde, na casa n 60 da rua do Rosrio. O
ensino ser dividido em dois cursos que abrangero as seguintes matrias. Curso
Primrio: Leitura, Rudimentos de Gramtica portuguesa compreendendo analise
sinttica e exerccios ortogrficos, Caligrafia, Rudimentos de aritmtica
compreendendo sistema mtrico e Geografia fsica. Curso Secundrio: Gramtica
portuguesa, Exerccios de composio, Historia ptria, Geografia fsica, poltica e
cosmografia, Aritmtica (curso complementar), lgebra Francs, Ingls e Latim. As
pessoas que desejaram confiar a educao e instruo de seus filhos ao abaixo
assinado, ao qual encontraro em qualquer dia, exceto aos domingos, na casa de sua
residncia, rua do Rosrio 60. As condies de admisso sero apresentadas na
ocasio de fazer-se a matrcula. Zacharias de Miranda (Dirio de Sorocaba,
24/12/1885, p. 4).
Por outro lado, localizei no Arquivo do Estado uma referncia a uma escola particular
em Sorocaba aberta por uma professora presbiteriana, em 20 de outubro de 1884:
131
Ver anexo 2, vol II, p. 15, (foto 14): Professor Zacharias de Miranda.
222
O livro no faz nenhuma meno Escola Americana em Sorocaba, que ainda existia
neste perodo. Porm a professora e diretora Maria Dolada de Moura era membro da Igreja
Presbiteriana de Sorocaba, recebida por Antonio Pedro de Cerqueira Leite em 23 de julho de
1882 (Livro de Rol de Membros, 1869). Alm disso, a escola ensinava contabilidade e
doutrina crist, disciplinas que no apareciam no programa curricular da Escola Americana.
Seria outra escola protestante na cidade? Talvez. Se for entendida na condio de uma escola
junto igreja, por duas razes: primeiro, a quantidade de alunos. Segundo, a localizao da
escola na rua do Rosrio 60, que correspondia ao local onde era realizado os servios dos
cultos presbiterianos e tambm servia de residncia do pastor (Dirio de Sorocaba,
24/12/18850, p. 4).
Zacharias de Miranda, estrategicamente, foi at a imprensa para solicitar aos pais que
encaminhessem seus filhos para a sua instituio escolar, aberta na rua do Rosrio 60.
Esperava acolher os antigos alunos de Palmira, configurando, mais uma vez, a antiga
estratgia da evangelizao indireta e por outro lado conciliava duas modalidades
educacionais: paroquial e colgio aberto.
O meu externato tem funcionado regularmente desde o dia da sua instalao at hoje
com a interrupo apenas de 18 dias de frias, que comearam no dia 20 de dezembro
do ano passado e terminaram no dia 7 de janeiro deste ano; que a sua matrcula tem
sido durante todo esse tempo de 35 alunos e a sua freqncia atual a de 18 alunos
como consta no mapa. Que as matrias do ensino, por enquanto, so as seguintes:
leitura de manuscritos e impressos, doutrina crist, definies de aritmtica de quatro
operaes fundamentais [...], sistema mtrico e suas redues, caligrafia, gramtica
portuguesa, noes de francs e geografia. Que todos os alunos tm adiantado no
estudo das suas respectivas matrias, mas que infelizmente poucos so os que se
conservam mais da doutrina crist que a maior parte dos pais que pouca e nenhuma
importncia a do a instruo dos filhos; que os compndios que adotei so os
mesmos de que j dei parte, isto , livro de leitura de Hilrio Ribeiro; os dois
manuscritos j muito conhecidos e gramtica do referido autor Hilrio Ribeiro [...] o
compndio de Geografia que h pouco adotei, e que o que est aqui em uso na
Escola Americana (Arquivo do Estado, 5110, 1884).
223
Era um externato masculino dirigido pelo professor particular Incio de Azevedo
Coutinho (Relatrio do Inspetor da Provncia, 25/11/1883, 5110). No consegui muitas
informaes sobre ele. Identifiquei a presena de Agostinho de Azevedo Coutinho no livro de
rol de membros da Igreja Presbiteriana de Sorocaba (1869). Este ingressou no
presbiterianismo em 2 de agosto de 1885 e talvez pelo nome fosse algum parente prximo do
professor particular Incio de Azevedo Coutinho. O externado dirigido por ele ensinava
doutrina crist. A respeito deste assunto, ele informa ao Inspetor Geral da Provncia que os
alunos no tinham muito interesse pela matria de doutrina crist, acentuava tambm que os
pais no tinham interesse em incentivar seus filhos no estudo desta disciplina. O diretor do
externato menciona que utilizava o mesmo livro de Geografia utilizado pela Escola America.
Isto nos leva a entender que a Escola no era a mesma da Palmira de Cerqueira Leite. Mas,
era uma escola que oferecia doutrina religiosa no campo educacional sorocabano,
provavelmente, uma instituio educacional que concorria com a instituio escolar de
Zacharias. Mas, que tentava se posicionar no campo educacional utilizando-se das propostas
pedaggicas da escola protestante.
Pelas informaes do professor, ele ainda lecionava doutrina crist, visto que mantinha
o mesmo programa curricular de 1883. Seria por influncia do seu parente Agostinho
Azevedo Coutinho, que pertencia ao campo presbiteriano ou seria por influncia do
catolicismo? Afirmava ainda, que alm das aulas oferecidas em sua escola, ensinava seus
alunos em suas casas. Infelizmente, o relatrio do professor no menciona a rua em que a
escola foi instalada, apenas diz que a sede era em Sorocaba.
Pela mesma fonte documental da imprensa peridica temos indicaes de que a escola
de Zacharias, diferentemente daquela de Palmira, era uma escola primria e secundria para
alunos de ambos os sexos e tinha o currculo bem ampliado:
132
Ver anexo 2, vol II, p. 16, (foto 15): Prdio onde funcionou o Colgio Sorocabano dirigido pelo Rev.
Zacharias de Miranda.
133
Respectivamente: (Dirio de Sorocaba, 24/12/1885, p. 04; O Alfinete, 01/05/1892, p. 3; O Alfinete,
05/06/1892, p. 2; e O 15 de Novembro, 4/01/1894, p. 3).
225
Pedimos entretanto que os pais dos alunos j matriculados a fineza de nos
comunicarem com mxima brevidade se os seus filhos continuam no prximo ano.
Para melhor organizao e andamento das classes resolvemos s receber alunos nos
primeiros 15 dias de cada semestre, at junho, no daremos ingresso a mais aluno
algum.
O programa de ensino continua a ser o mesmo do ano que ora finda, isto , haver um
curso primrio e outro secundrio, em que ensinar-se-o portugus, francs, ingls,
latim, aritmtica, lgebra, geografia, cosmografia, histria, fsica etc, esperando
ampliar futuramente o nosso programa a proporo que o apoio popular nos habilitar a
operar sobre bases mais largas.
Dispondo de excelentes acomodaes no edifcio em que est funcionando o colgio,
estamos habilitados a receber alunos internos do sexo masculino, e meio pensionista
de ambos os sexos.
As condies para a matrcula so:
Curso primrio 15$000 por trimestre. O abaixo assinado participa aos srs. Pais
Idem secundrio 30$000 por trimestre.
Meio pensionista 100$000 por trimestre
Pensionista 150$000 por trimestre. Os pagamentos sero invariavelmente adiantados e
sempre por trimestre. O trimestre uma vez comeado ser considerado vencido, no se
descontam as faltas. No faremos outrossim desconto algum, seja qual for o nmero
de alunos que venham da mesma famlia, visto que j fizemos o preo da mensalidade
muito baixo. Pedimos encarecidamente aos pais dos nossos alunos sua escrupulosa
cooperao no intuito de evitar que os alunos faltem das aulas, pois as faltas repetidas
inutilizam todos os esforos dos professores e criam as maiores dificuldades para o
bom andamento das classes. Fomos obrigados a alterar um pouco o preo das
mensalidades dos internos, atenta a alta dos viveres; mas em compensao cortamos a
jia de entrada. Para mais esclarecimentos sobre o fornecimento de livros, papis,
roupa lavada, e objetos que os internos devem trazer para o internato os interessados
dirijam-se ao diretor abaixo assinado. Sorocaba, 24 de dezembro de 1892. J. Zacharias
de Miranda (Dirio de Sorocaba, 29/12/1892, p. 3).
Segundo a imprensa sorocabana, em 1892 o colgio foi reaberto com o novo nome.
Por se tratar de uma matria longa publicada no jornal, vale a pena transcrev-la na ntegra,
pois oferece muitas informaes sobre o cotidiano pedaggico da instituio escolar de
Zacharias de Miranda, aspectos histricos educacionais que no foram fceis de serem
localizados:
226
tambm regular numero de chefes de famlias que iam verificar o adiantamento e
progresso dos filhos.
s dez horas da manha, deu-se principio aos exames, adaptando-se os seguintes:
PROGRAMA: das 23 classes que recebem lies diariamente, s ficaram examinadas
14, por escassear o tempo; so as seguintes: Aritmtica: 2a classe (3a turma) dividir. 3a
classe fraes ordinrias (as quatro operaes), 4a classe: fraes decimais e sistema
mtrico, compreendendo todos os clculos e redues. 5a classe: nmeros complexos.
Proporo simples e composta, falsa posio, problemas e clculos diversos.
Gramtica Portuguesa: Foram examinadas 4 classes, desde rendimentos, definies
etc. at anlise lgica bem desenvolvida. Geografia: 1a classe: noes. Mapa mundi.
2a classe: geografia da frica e das Amricas. 4a classe: geografia do Brasil.
Exerccios no mapa. Francs: 2a classe: traduo de Telemaque. Anlise e regras de
gramtica. 3a classe: traduo: belezas de Chateaubriand. (Poesia e prosa). A cada
pergunta que faziam os examinadores, respondiam os alunos com presteza, preciso e
bastante desembaraados, de forma que ficava patente, vista de todos, que os
examinandos sabiam a fundo os pontos sobre que eram examinados. Em portugus
desenvolviam um trecho, analisaram: em aritmtica, realizaram com certeza as
diversas operaes, resolviam os problemas propostos com maior facilidade. No
exame de geografia fazia gosto ver a ligeireza e preciso com que os alunos iam ao
mapa em busca de qualquer ponto dado; em francs, liam e traduziam com toda
correo, quer fosse o trecho em prosa, quer fosse em verso. Em tudo salientavam-se
excelncias do mtodo de ensino ali seguido, com o qual muito aproveitam os alunos,
que receberam slida educao em pouco tempo.
Depois de findos os exames, recitaram poesias professora d. Mariquinhas de
Miranda, a aluna Mariana Teixeira Machado, filha do sr. Domingos Machado Braga,
que recitou Meus oitos Anos de Casemiro de Abreu, e Jovina Pereira, filha do sr.
Constncio Pereira de Souza, que recitou Quem d aos pobres empresta a Deus, de
Castro Alves.
E o aluno Joo de Barros proferiu o seguinte discurso: Exmas Senhoras, ilustres
cavalheiros. Tereis por certo, a magnanimidade de permitir que neste momento
supremo de jbilo, eu, pequeno e humilde membro desta comunidade escolar, por
mim, em nome dos meus colegas, cujos sentimentos julgo interpretar, vos externe os
nossos sentimentos de gratido pela pacincia e interesse com que haveis de assistido
aos nossos exames, animando-nos com os sinais inequvocos da vossa simpatia a
prosseguir na senda escabrosa, verdade, mas tambm cheia de compensaes, da
conquista pelo estudo da ornamentao da nossa inteligncia, pela aquisio dos
conhecimentos literrios que bebemos a longos haustos nas lies e palavras do
nossos professores.
O interesse que mostrais significa que bem compreendeis que hoje, mais do nunca
imprescindvel a necessidade de preparar-se a nova gerao, para que os pequenos de
hoje, sejam no futuro fatores importantes, elementos poderosos de progresso para a
felicidade de nossa estremecida ptria; significa que aplaudis e acorooais todo o
movimento que tenha por fim libertar a gerao atual da ignorncia e do
obscurantismo que durante sculos tem peado as melhores aspiraes das sociedades,
atrofiando os seus melhores elementos de progresso.
Este dia pois, deixa em nossos coraes indelveis traos e dele teremos sempre
reminiscncias saudosas. No temos ainda a conscincia amadurecida pela idade e
pela experincia, mas ja compreendemos a importncia do papel que tem representar
o futuro a nova gerao, j compreendemos que para sermos filhos que honraremos o
nome de nossos progenitores, cidados presentes que contribuamos para o
engrandecimento de nossa ptria, precisaremos cultivar as nossas inteligncias, dar
uma orientao conveniente aos nossos espritos precisamos enfim de uma educao
vazada nos sos princpios de uma moral rgida e inflexveis. Um escritor
contemporneo, tragado no h muito pela voragem diante do Vesvio disse com
muita verdade em uma das mimosas produes literrias. O estado o brao de ferro
que deita por terra o monstro da ignorncia, o cedro que se atravessa de margem
margem do ribeiro, para que a inteligncia passe da mentira para a verdade, da treva
para luz. Pois bem, ns queremos enrijecer o nosso brao para lutar contra o monstro
da ignorncia, queremos luz para a nossa inteligncia que ora desabrocha.
227
Em seguida, serviu-se profusa mesa de doces e um copo de cerveja aos assistentes,
fazendo o dr Octavio Mendes brilhantssima alocuo, salientando os servios que as
boas escolas como aquela podem prestar ptria, dando infncia esmerada
educao, sendo por isso mesmo de presumir que os srs pais de famlia se
compenetrassem bem de seus deveres, prodigalizando aquele estabelecimento de
ensino todo o apoio possvel, no que foi muito aplaudido.
Respondeu-lhe agradecendo, o diretor do colgio, capm. Jos Zacharias de Miranda.
Para terminar: o resultado dos exames foi satisfatrio, mais que satisfatrio,
brilhantssimo, pois todos saram dali agradavelmente impressionados, tal o estado de
adiantamento que apresentam os meninos, tal o mtodo timo seguido, que alunos
matriculados de pouco mostram desenvolvimento rpido, compreenso clara das
matrias lecionadas, desembarao do modo de responder, ressaltando sempre o
proveito que tem na freqncia do Colgio Sorocabano. E ns felicitamos o populao
da cidade por dispor de uma instituio de ensino de ordem semelhante (15 de
Novembro, 10/12/1893, p. 01-02).
O estado o brao de ferro que deita por terra o monstro da ignorncia, o cedro que
se atravessa de margem margem do ribeiro, para que a inteligncia passe da mentira
para a verdade, da treva para luz. Pois bem, nos queremos enrijecer o nosso brao para
lutar contra o monstro da ignorncia, queremos luz para a nossa inteligncia que ora
desabrocha. (O 15 de Novembro, 10/12/1893, p. 01-02)
134
Consultar: DIAS, Mrcia Hilsdorf. Professores da Escola Normal de So Paulo: a histria no escrita (1846-
89). Dissertao (Mestrado em Educao) - Faculdade de Educao USP, 2002.
228
contribussem com o progresso da ptria. interessante notar que tais palavras faziam parte
do universo manico, republicano e presbiteriano. Para o protestantismo, a ignorncia e o
analfabetismo dificultavam o progresso da sociedade. Na viso do protestantismo
presbiteriano, era preciso educar, treinar e preparar o cidado para a sociedade (Schulz, 2002,
p. 54). Como vimos nos captulos anteriores, tanto quanto para o protestantismo presbiteriano,
para o movimento republicano e manico praticado em Sorocaba a educao era o meio
necessrio para se chegar democracia e ao progresso da sociedade.
Na mesma edio do jornal, mas na Seco Livre, Zacharias faz publicar o seguinte
anncio:
Dois dias depois, no mesmo peridico, Amaro Egydio tece os seus elogios ao Colgio
Sorocabano, ao diretor Zacharias e, em especial, ao mtodo de ensino comprovado pelos
exames, que ele definiu como sendo o mtodo intuitivo. Vejamos o texto:
Sinto-me fraco ao empunhar a pena para escrever sobre os exames realizados no dia
07 do corrente ms, no Colgio Sorocabano, cuja direo est sabiamente
contribuindo para e educao popular. Quero apenas cumprir o meu dever de
assistente e convidado, expondo com franqueza e lealdade que me caracterizam a
impresso que deixou-me a solenidade dessa festa escolar, e tambm a largo trao
fundamentar o mtodo de ensino ali seguido.
A educao popular to descurada pelo regime passado, quando repudiada pela
indolncia e inatividade de grande parte do povo brasileiro est sendo, entretanto, o
objetivo de sua meditao e acurado estudo por todos os bons cidados que desejam
ardentemente ver seus filhos educados, instrudos, responsveis pelos atos e dignos de
229
uma estima geral. Ns os brasileiros paulistas que temos tomados parte ativa na
grande evoluo social servindo de arauto a todas as aspiraes liberais
independentes, no podamos ficar estacionados ante as instituies de ensino pois
elas representam a bandeira sacrossanta que desfraldar por todos os recantos da nossa
ptria, a instruo e o trabalho. nas escolas que os pais mandam seus filhos aprender
os primeiros elementos da educao e instruo, nas escolas que est o alicerce da
nova gerao.
Hoje, felizmente que com a difuso do ensino, vemos um entusiasmo geral e uma
cruzada ou guerra santa, a ignorncia: no podemos furtar-nos ao nosso dever, como
educadores de formar o carter desses espritos infantis, fracos e delicados, mostrando
aquilo que vive em ns, reservado para a nossa famlia o amor. deste principio que
nasce a ordem, a obedincia e a solidariedade. E caso de darmos parabns a ns
mesmos quando encontramos um estabelecimento de ensino que preencha todas essas
condies de vida espiritual.
O Colgio Sorocabano uma casa de educao e instruo capaz de rivalizar com
todas as escolas, as mais bem organizadas do Brasil. O seu diretor um homem de
reconhecida competncia, inteligncia esclarecidissima, esprito profundamente
cientfico, um bom cidado, um pai exemplar e dedicadssimo mestre. Zacharias de
Miranda um dos poucos ensinadores, que tem perfeito conhecimento da cincia
pedaggica. Seu laureado nome a sntese da instruo pblica em Sorocaba.
Os seus auxiliares deram prova de grande intuio ao argirem os alunos colegiais
diante do numeroso auditrio que impassvel, silencioso admirava o brilhantismo e
exatido com que respondiam as crianas. Em cincia matemtica os seus alunos
mostraram-se habilitadssimos resolvendo praticamente e demonstrando teoricamente
todos os problemas, os mais difceis que lhes apresentaram os professores, em
Portugus deram a prova a mais cabal da considerao do cuidado e do esmero, com
o qual ensinado no Colgio a lngua verncula, j analisando e j expondo
minuciosamente as regras gramaticais, com rigor inexcedvel correo das sentenas.
Em Geografia vimos todos ns assistentes, a maneira correta e trabalhosa com a qual
ensinada esta cincia to til para vida e prtica. Em francs, as crianas disseram
sobre as particularidades da lngua e as excees das regras gramaticais, leram,
traduziram e analisaram com toda a correo. Do exposto resta-me apenas dizer que o
colgio sorocabano, colocado em lugar que possui timo clima onde goza-se sade,
fortalece-se o esprito e tem-se coragem para o trabalho. um prdio em boas
condies higinicas, a luz penetra sem obstculos e a ventilao constante e fcil. A
observao trouxe-me a convico de que empregado no ensino o mtodo intuitivo.
Pela clareza e preciso das respostas, partindo do simples para o composto de
conhecido para o desconhecido: vimos que ali no se est ensinando os novos
mtodos de ensino, mas sim est posto em pratica em toda a plenitude.
O mtodo intuitivo onde os povos cultivadores da arte de ensino vo encontrar abrigo
para o desenvolvimento das faculdades intelectuais e psquicas das crenas, quase
universalmente aceito por todos os grandes mestres e apoiado e recomendado pelas
mais esclarecidas inteligncias de nosso sculo, esta sendo vigorosamente executado
neste estabelecimento de ensino. Assim, pois, o Colgio Sorocabano, dirigido pelo
perito educador Zacharias de Miranda, seguro pela simpatia e confiana dos pais que
desejam ver seus filhos, estes entezinhos que ocupam local saliente em seu lar e vivem
em seu corao patriota e fraternal, representarem os nossos feitos honrando a nao a
que pertencemos, est destinado a ser um templo onde a ptria a deusa e a religio o
futuro (O 15 de Novembro, 17/12/1893, p. 2).
231
ensino pblico em Sorocaba. Cabe a pergunta: e os demais professores que compunham o
campo sorocabano, eles no possuam tambm um profundo esprito cientfico? Por que
tantos elogios ao diretor Zacharias de Miranda?
Aps se referir pessoa do diretor como exmio educador, o autor faz uma sntese dos
exames que aconteceram no colgio, sempre exaltando as posturas dos alunos e a
competncia do colgio. Tece comentrios sobre as instalaes, condies do prdio e higiene
e o mtodo pedaggico utilizado, identificado como o mtodo intuitivo, apoiado e
recomendado pelos grandes mestres por ser abrigo para o desenvolvimento das faculdades
intelectuais e psquicas. Encerra seu artigo afirmando que o Colgio Sorocabano est
destinado a ser um templo, onde a ptria a deusa e a religio o futuro.
A respeito do mtodo intuitivo, Rosa Ftima de Souza afirma (2005), em texto que
examina a renovao pedaggica norte-americana que serviu de referncia para outros pases,
que foi adotado pelas escolas primrias nos Estados Unidos em 1860135.
Hilsdorf Barbanti (1977), comentando o uso do mtodo intuitivo no Brasil, afirma que:
135
Seu trabalho consiste em analisar a construo do currculo da escola primria nos Estados Unidos e a adoo
do mtodo intuitivo nesse pas, tendo como fonte de pesquisa os primeiros programas de ensino e os principais
manuais de lies de coisas em circulao na poca de 1860-1880.
232
Para a elite sorocabana, freqentar o Colgio Sorocabano significava para os seus
filhos a garantia de uma formao liberal, atualizada e que tinha os mais avanados mtodos
pedaggicos da poca. Significava ter contato com aquilo que existia de mais moderno do
ponto de vista educacional. O que garantia para a elite um lugar de prestgio no campo social
e educacional sorocabano.
233
a elite apoiou a insero protestante em Sorocaba
professores, donos de jornais e polticos, como Jlio Ribeiro (escritor), Ubaldino do Amaral
(poltico), Jos Antonio de Souza Bertholdo (comerciante), Maylasky (poltico e educador),
Marciano da Silva (capitalista), Francisco de Paula e Oliveira Abreu (redator do jornal O
Americano), Manoel Janurio de Vasconcellos (dono do jornal Dirio de Sorocaba), Joo
Exel (negociante), Olivrio Pilar (poltico), entre outros.
Um dos jornais que poderia oferecer uma postura antagnica proposta educacional
presbiteriana era o jornal Voz do Povo, anteriormente citado, que afirmava combater as idias
da elite sorocabana, que estamos tratando. Porm, nos levantamentos feitos neste jornal nos
anos de 1894 e 1895, observei que este peridico tambm apoiava atravs da sua publicao
as iniciativas educacionais do Colgio Sorocabano, nitidamente elitizado. Alguns aspectos
interessantes do jornal sustentam nossa anlise136. At a edio de 30/12/1894, no se fala em
assuntos educacionais, mas h uma exceo para o Colgio Sorocabano, do Rev. Zacharias de
Miranda137, em relao ao qual o A Voz do Povo repetia as mesmas afirmaes dos jornais
republicanos e de propriedade dos maons sorocabanos. Afirmava por exemplo que o colgio
tinha vastas acomodaes que poderiam ser utilizadas pelos alunos, fossem externos, internos
ou meio-pensionistas; mencionava a introduo de novas disciplinas, com a finalidade de
atender as necessidades intelectuais dos alunos; acentuava a disposio do prprio diretor em
se prontificar em dar mais informaes para as pessoas interessadas; mencionava a
localizao do colgio e o prospecto elaborado para orientar os pais dos alunos, sugerindo que
136
A respeito do aspecto da materialidade do jornal pude observar os seguintes elementos: Em 1894, a redao
do jornal no est mais sob a responsabilidade de Domingos Costa, mas de Manoel Fernandes de Oliveira. O
jornal circulava diariamente e no lado direito do jornal vem escrito: Estados Unidos do Brasil. Na primeira
pgina do jornal, o redator afirmava que seu estabelecimento ficava na rua So Bento, 27. Afirmava que os
colaboradores do jornal tm plena liberdade de pensamento. As colunas eram franqueadas para assuntos de
interesse pblico, reclamaes de interesse geral, sob responsabilidade dos seus autores. O redator, ao dar a
localizao do lugar em que o jornal feito, rua So Bento, parece querer demonstrar a importncia do
estabelecimento, ou seja, o jornal era publicado numa regio central da cidade. A partir do nmero 125, o jornal
passa a ser publicado s quartas, sextas e domingos,diminuindo a circulao, que antes era diria.
137
No nmero publicado em 03/01/1894, a meno se encontra na pgina 3, portanto, em lugar estratgico. No
nmero 102, publicado em 04/01/1894, o anncio tem um destaque maior no lado esquerdo da pgina 04, onde
so publicados vrios anncios referentes ao comrcio local. Parece sugerir um valor comercial ao
estabelecimento educacional. O mesmo ocorre com os nmeros 103 e 104.
234
ele era bem organizado e que seu dirigente tinha uma preocupao em estar num lugar
estrategicamente bem situado.
Parece que ser escolhido para nele ter funo o Grupo Escolar, o sobrado sito rua
da Flores, esquina da rua Brigadeiro Tobias, onde esteve estabelecido o Colgio
Sorocabano de propriedade do capito Zacharias de Miranda. um prdio vasto,
contando com grande numero de compartimentos, que com pequeno dispndio tornar-
se- prprio ao fim que se destina (O 15 de Novembro, 15/06/1895, p. 02).
Fato interessante que no ano de fechamento do seu colgio, Zacharias fez uma
proposta para criao de um ginsio em Sorocaba. Em sesso realizada em 9 de agosto de
1894, Zacharias de Miranda, ento vereador da cidade fez a seguinte proposta Cmara:
Indico que a Cmara nomeie uma comisso para de acordo com o Inspetor da
Instruo Pblica, representar ao Governo do Estado, pedindo que seja preferida esta
cidade para a instalao de um Ginsio (O 15 de Novembro, 07/10/1894, p. 2).
Seria este, portanto, o motivo do fechamento da sua instituio escolar? Pelas fontes
consultadas, jornais e relatrios encaminhados ao inspetor geral da Provncia no foi possvel
confirmar se a indicao da criao do ginsio feito por Zacharias, concretizou-se, tudo
indica que no.
138
A partir desta questo da Instruo Pblica, o jornal O 15 de Novembro passa a escrever sobre a cidade de So
Roque, onde ocorreu a Instalao de um Grupo Escolar. A questo relacionada ao Grupo Escolar comea a
aparecer com freqncia no jornal.
235
Porm, em 1894 oito escolas se uniram para formar o primeiro Grupo Escolar em
Sorocaba, dirigido por vrios membros da Loja Perseverana III, ligados diretamente atravs
das relaes de poder com Zacharias de Miranda. Podemos sugerir, que por causa da sua
convico poltica, Zacharias fechou o seu colgio, deixando a educao ao cuidado do grupo
manico que reivindicava atravs dos jornais e da Cmara Municipal a instalao de um
Grupo Escolar em Sorocaba.
Neste mesmo contexto, a imprensa sorocabana publicada uma nota sobre a instruo
pblica:
139
Conforme o segundo Livro de Atas da Igreja Presbiteriana (1886-1908), at 19/06/1899, Zacharias de
Miranda ainda realizava seus atos pastorais na referida Igreja. Nesta ltima ata, h o registro da reunio do
Presbitrio ocorrida 13/07/1899. Na ata subseqente datada em 06/08/1899, as atas comeam a ser assinadas
pelo Rev. Joo Ribeiro de Carvalho Braga, que passa a liderar a Igreja.
236
disputas entre dois grupos no campo presbiteriano, alinhando-se a posio defendida por
Eduardo Carlos Pereira, ou seja, a criao de escolas destinadas para os filhos dos crentes.
Diante dos problemas que surgiam no campo presbiteriano brasileiro sobre questes
relacionadas educao, principalmente, ao que tange o uso dos colgios como estratgia de
Zacharias de evangelizao indireta, Zacharias comea a fazer um movimento poltico em torno da
Miranda muda
sua organizao de um ginsio na cidade.
perspectiva No campo religioso protestante, ele assume a postura educacional do grupo liderado
defendendo a
por Eduardo Carlos Pereira, que defendia o modelo de escola paroquial. No campo poltico
escola
paroquial e sorocabano, ele assume os ideais do partido republicano, a que pertencia, solicitando, como
no a aberta vereador, a instalao de um ginsio na cidade de Sorocaba.
Por que Zacharias de Miranda assume a posio poltica e educacional adotada pelo
grupo liderado por Eduardo Carlos Pereira? Uma possvel explicao vem da sua opo
poltica em Sorocaba. Como vereador eleito pelo partido republicano, Zacharias assume os
ideais educacionais defendidos pelo seu partido. Ele tinha que dar um destino ao seu
envolvimento educacional em Sorocaba. Encontrou um caminho nas reivindicaes
educacionais do partido republicano e na crise estabelecida no campo religioso presbiteriano
no Brasil, liderada por Eduardo Carlos Pereira.
At 30 de dezembro de 1893, Zacharias no tinha nenhuma pretenso de fechar seu
colgio. Fato noticiado pela imprensa sorocabana em que o referido diretor dirigiu-se elite
sorocabana, solicitando que se fizessem as matrculas dos seus filhos a partir do dia 1 de
janeiro de 1894 (O 15 de Novembro, 1/1/1894, p. 3). Somente em 9 de agosto de 1894,
quando solicitou apoio da Cmara Municipal de Sorocaba para a formao de um ginsio na
cidade de Sorocaba, que decide fechar seu colgio.
Embora a nota seja uma apologia para que se aceitasse o prdio para sediar o primeiro
Grupo Escolar, ela esclarecedora ao descrever as condies internas, estrutura,
140
Ver anexo 2, vol II, p. 17, (foto 16): Prdio do Grupo Escolar Antonio Padilha.
238
acomodaes, diviso do ambiente, salas de aula. De certa forma ela nos ajuda a entender
como estava organizada internamente a escola protestante. Ela oferecia educao para alunos
de ambos os sexos e oferecia internato, externato e meio-pensionista. A estrutura da escola
tanto do ponto de vista do redator do jornal bem como na viso de Zacharias possua
acomodaes amplas, que eram suficientes para atender a demanda. As salas eram espaosas
e o prdio era muito bem situado. O redator do Jornal defende os interesses do grupo
Manico que liderava a instalao do Grupo Escolar em Sorocaba, o que no podia ser
diferente, pois ele era membro da Loja Perseverana III, seu posicionamento no jornal
ideologicamente estruturado com o objetivo de ver concretizado os interesses do grupo
manico. Apesar de todo esforo atravs da imprensa, o Governo afirmou que o prdio no
tinha condies para abrigar a referida escola. Esta posio confrontava os interesses dos
republicanos sorocabanos. Neste sentido, percebe-se o quo tendenciosa era a notcia
colocada nos jornais pelo grupo maon a respeito do prdio que sediaria o grupo escolar.
Outra evidncia que nos aponta que o movimento educacional presbiteriano foi
acolhido pelos republicanos-maons em Sorocaba a relao de poder estabelecida entre
Zacharias de Miranda e o futuro diretor desta instituio escolar, Amaro Egdio de Oliveira.
J pontuamos anteriormente que Amaro Egdio de Oliveira tecia elogiosos comentrios sobre
a proposta educacional do Colgio Sorocabano e sobre o seu diretor Zacharias de Miranda.
Ele afirmava que o colgio uma casa de educao e instruo capaz de rivalizar com todas
as escolas, as mais bem organizadas do Estado e Zacharias de Miranda, um homem de
reconhecida competncia, inteligncia, esprito profundamente cientfico, um bom cidado,
um pai exemplar, dedicadssimo mestre, um dos poucos ensinadores, que tem perfeito
conhecimento pedaggico, o seu laureado nome sntese da instruo pblica em Sorocaba
(O 15 de Novembro, 17/11/1893, p. 3). Suas relaes de poder foram construdas no campo
poltico, manico e educacional. Ambos foram vereadores, maons, republicanos e
professores da cidade de Sorocaba. Zacharias de Miranda pelas suas convices republicanas
no deixaria seus alunos merc. Queria entregar a educao dos seus alunos para o grupo
com o qual ele havia estabelecido relaes de poder ao longo da sua permanncia na cidade
de Sorocaba. At seus ltimos dias de permanncia em Sorocaba, Zacharias mantinha suas
relaes de poder com seu grupo. O jornal dizia que a sua sada da cidade deixava um vcuo
impreenchvel na sociedade e na administrao do municpio (O 15 de Novembro,
15/11/1895, p. 1).
239
Podemos afirmar que o projeto educacional de Zacharias de Miranda era muito mais
um projeto maon-republicano do que eclesistico. No h referncia alguma nas atas da
Igreja Presbiteriana de Sorocaba sobre o Colgio Sorocabano e nem mesmo sobre a sua
participao na vida poltica. Por que esta lacuna? A Igreja no o apoiava no campo
educacional e poltico? Ou ela se interessava apenas com questes relacionadas ao campo
religioso? Ento, por que os lderes locais, como j mencionamos, participaram com ele no
campo poltico? Sobre a questo educacional, embora recebesse sustento da Igreja norte-
americana, a Igreja local parece que no tinha envolvimento com o colgio. Ou ainda,
podemos dizer que Zacharias no levava para o campo religioso presbiteriano as questes
relacionadas ao campo poltico e educacional. Poderia ser uma estratgia ou at mesmo uma
Zacharias
separava as postura poltica fruto da sua cosmoviso religiosa, que o levava a se posicionar desta maneira,
questes da Igreja
separando suas funes eclesisticas das mundanas.
das questes
poltico-educacion Aps a transferncia do Rev. Zacharias So Paulo, assume a liderana do campo
ais
religioso protestante em 1899, o Rev. Joo Ribeiro de Carvalho Braga. Embora no tenha
dado continuidade ao projeto educacional presbiteriano em Sorocaba, ele aparece como uns
dos professores do Liceu Sorocaba reorganizado pela Loja Manica Perseverana III,
juntamente com os seguintes professores: Arthur Gomes (diretor e professor das 1, 2 e 9
cadeiras), Antonio Felisberto de Oliveira (professor das 3 e 4 cadeiras), Joo Padilha
(professor da 5 cadeira), Amaro Egdio de Oliveira (professor da 6 cadeira), J. Azevedo
Antunes (professor da 8 cadeira), Joo Ribeiro de Carvalho Braga (professor da 7 cadeira),
Joaquim Silva (professor da 8 cadeira). As matrias desta instituio escolar foram
distribudas da seguinte forma: 1 cadeira: portugus e latim; 2 Cadeira: francs e ingls; 3
cadeira: aritmtica e geografia; 4 cadeira: lgebra e trigonometria; 5 cadeira: histria; 6
cadeira: histria natural, fsica e qumica; 7 cadeira: escriturao mercantil; 8 cadeira:
geografia e cosmografia; 9 cadeira: educao moral e cvica (O 15 de Novembro,
26/05/1901).
241
CONSIDERAES FINAIS
Para defender sua ideologia, esses agentes sociais colocaram-se como porta-vozes do
processo de modernizao e para tanto ocuparam o espao urbano, transformando-o em
campo de poder. A imprensa jornalstica e seus intelectuais ofereceram suporte discursivo
para convencer outros agentes sociais da elite sorocabana sobre a necessidade de modernizar a
242
cidade. Ficou evidente que a modernizao pleiteada pela nova elite sorocabana foi possvel
porque alguns dos seus membros ocupavam vrios campos da cidade: poltico, religioso e
educacional. No campo poltico, deparei com a participao de agentes sociais ligados ao
presbiterianismo. Entre eles o maon presbiteriano Jlio Ribeiro, que atuou como intelectual,
com a finalidade de estabelecer relaes de poder entre presbiterianos e maons. Nesta
perspectiva, o trabalho mostra que a presena de Jlio Ribeiro em Sorocaba tinha um objetivo
mais amplo do que aquele apresentado pela historiografia manica, que sustenta a sua
presena em Sorocaba por motivos meramente manicos, tanto quanto o dos historiadores do
presbiterianismo, que o apresentam apenas como converso.
Alm disso, trabalhei a cidade de Sorocaba como um espao de disputa pelo poder.
Vrios agentes sociais procuraram atravs de suas estratgias se posicionar no campo de
poder que a cidade representou na segunda metade do sculo XIX. Maons e presbiterianos
construram relaes de poder com a finalidade de garantir a dominao e um lugar no campo
de poder. Parte da imprensa jornalstica sorocabana ligada aos maons e presbiterianos foi
utilizada politicamente para expandir a ideologia de tais agentes. Alm de maon e
presbiteriano, Jlio Ribeiro agiu como porta-voz do grupo elitizado por causa do seu
acentuado capital cultural, que o levou a ocupar posies no magistrio e na imprensa local.
Neste sentido, pude analisar sua prtica social na perspectiva de um intelectual, polmico e
crtico, que foi responsvel pelas aproximaes entre presbiterianos e maons em 1870. No
caso de Zacharias, suas propostas polticas tambm estavam profundamente ligadas ao
processo de modernizao pleiteado por parte da elite sorocabana republicana e maon:
iluminao pblica, abastecimento de gua, educao escolar, replanejamento do espao
urbano, regulamento de taxas de impostos... Do mesmo modo, sua participao no campo
poltico-manico garantiu que as relaes de poder nele estabelecidas solidificassem o
243
movimento protestante na cidade e dessem apoio para combater o catolicismo ultramontano.
Respaldado pela elite sorocabana, principalmente por pessoas ligadas maonaria local,
Zacharias no se eximiu de adotar uma posio antagnica aos agentes sociais pertencentes ao
campo religioso catlico. Seus textos, publicados nos jornais, ofereceram subsdios analticos,
que nos ajudaram a entender sua posio anti-clerical, republicana e manica.
244
pastor Antonio Pedro, uma vez que a ao do elemento feminino ainda no ganhou a
relevncia merecida nos estudos do campo historiogrfico protestante.
Com a morte de Antonio Pedro em 1883, o campo religioso presbiteriano contou com
a presena, at 1899, do Rev. Zacharias de Miranda. Uma das primeiras iniciativas que tomou
no campo religioso foi restabelecer aquelas relaes de poder interrompidas pelo seu
antecessor. Para tanto, Zacharias de Miranda se inseriu no campo poltico sorocabano atravs
do Clube Republicano, que realizava suas reunies em vrios lugares do espao urbano,
inclusive na casa da famlia Bertholdo. Na dcada de 90, tornou-se vereador da cidade de
Sorocaba pelo partido republicano, quando ento participou do processo de modernizao da
cidade de Sorocaba.
245
possibilitaram uma aproximao maior com o segmento elitizado da sociedade sorocabana,
com os ideais republicanos e manicos, e o desenvolvimento mais amplo da evangelizao
indireta, visto que sua proposta educacional oferecia curso primrio e secundrio, atingindo
um nmero maior de alunos e famlias.
Nos dois perodos, a escola era uma escola aberta, destinada para a sociedade
sorocabana, diferente do modelo de escolas paroquiais. No campo educacional sorocabano ela
concorreu com as demais instituies educacionais pblicas e particulares. Alm disso, a sua
246
proposta educacional de confisso presbiteriana marcou de certa forma a presena de uma
pedagogia moderna, na linha das anlises feitas pela historiadora citada acima (1977, 2003) e
ofereceu atravs dos seus agentes sociais a possibilidade de modernizar a cidade atravs da
sua posio poltica republicana. Relaes de poder foram construdas para este fim, com o
objetivo de concretizar a dominao do espao social de poder na cidade, no final do sculo
XIX. Lutas, conflitos, disputas ideolgicas, posicionamentos no campo foram algumas das
estratgias que apareceram nas anlises das fontes. Algumas destas foram usadas de forma
indita na perspectiva da histria da educao, trazendo uma contribuio para o estudo das
escolas confessionais protestantes no Brasil.
Portanto, encerro este trabalho afirmando que outras anlises, sem dvida, podero ser
feitas a partir daquela proposta neste trabalho. Atravs das fontes levantadas e recorrendo ao
arcabouo terico de autores como Bourdieu, Elias, Hilsdorf Barbanti e outros construmos
uma compreenso das relaes de poder entre a Cidade, A Igreja e a Escola, na qual se
resgatou a atuao poltica e educacional de agentes sociais presbiterianos esquecidos pela
historiografia protestante e pouco mencionados na perspectiva da histria da educao. Tenho
plena conscincia de que este trabalho foi apenas uma leitura sobre a educao escolar
presbiteriana em Sorocaba e o meu desejo que ela tenha contribudo para a histria da
educao. Talvez, mais frente, outros pesquisadores podero fazer novas anlises atravs
das mesmas fontes, ou de outras, que infelizmente ainda no conseguimos encontrar e que
talvez ajudem a entender o cotidiano ou a cultura escolar dessas instituies protestantes
presbiterianas.
248
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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DAGAMA, J. F. Relatrio anual de 7 de agosto de 1875: Breve relao dos meus trabalhos na
pregao do Evangelho desde agosto passado at o presente. Relatrio manuscrito
apresentado ao Presbitrio do Rio de Janeiro. Arquivo pessoal.
DAGAMA, J. F. Relatrio anual de 4 de agosto de 1875. Relao breve dos meus trabalhos
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pessoal.
262
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Ofcio encaminhado ao Inspetor Geral da Instruo Pblica: Luiz Augusto Ferreira, Inspetor
do Distrito de Sorocaba, em 03/11/1874. Arquivo do Estado de So Paulo, ordem 5110
Ofcio apresentado ao Inspetor Geral da Instruo Pblica: Messias Jos Corra, Inspetor do
Distrito, em 29/10/1871. Arquivo do Estado de So Paulo, ordem 5110
Ofcio do inspetor do distrito, Antonio Gonzaga Seneca de S Fleury para o inspetor geral da
instruo pblica da Provncia de So Paulo, Francisco Aurlio de Souza Carvalho. Arquivo
do Estado de So Paulo, 25/11/1883. Ordem 5110.
Relatrios apresentados ao Inspetor Geral da Instruo Pblica: Messias Jos Corra, Inspetor
do Distrito de Sorocaba, em 26/10/1870. Arquivo do Estado de So Paulo, ordem 5110
263
Relatrios apresentados ao Inspetor Geral da Instruo Pblica: Venncio Jos Fontoura,
Professor da Segunda Cadeira do Sexo Masculino, em 15/09/1869. Arquivo do Estado de So
Paulo, ordem 5110
Relatrio do professor Joaquim Silva sobre a Escola Nocturna Perseverana III ao Presidente
da Camara Municipal de Sorocaba. Sorocaba, abril de 1899. Arquivo do Estado. Ordem
5.110.
264
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
Volume II
(Anexos)
FEUSP
SO PAULO - 2010
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FEUSP
SO PAULO - 2010
AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
Mapa da cidade de Sorocaba 1909 Acervo pessoal de Jos Carlos de Campos Sobrinho
1
Anexo 2 - Foto 1: Cidade de Sorocaba - 1886
1886 - Rua de So Bento e Largo da Matriz com o Gabinete de Leitura Sorocabano, ainda hoje no
mesmo local. No fundo o Mosteiro de So Bento. Foto de Jlio W. Durski. Arquivo: Instituto Histrico,
Geogrfico e Genealgico de Sorocaba
2
Foto 2: Ubaldino do Amaral
Ubaldino do Amaral. Foto sem data. Arquivo da Loja Manica Perseverana III.
3
Foto 3: Luiz Matheus Maylasky
4
Foto 4: Jlio Ribeiro
Foto de 1886: Ramalho Ortigo (sentado do lado esquerdo), Jlio Ribeiro (sentado do lado
direito) e Antonio Trajano (em p). Fonte: A Perseverana III e Sorocaba. Vol. II
5
Foto 5: Rev. Jos Zacharias de Miranda e Silva
6
Foto 6: Casa de Jos Antonio de Souza Bertholdo Depsito de Bblias.
Foto sem data. Casa de Jos Antonio de Souza Bertholdo, depsito de Bblias e lugar da
Organizao da Igreja Presbiteriana de Sorocaba. Local: Rua So Bento. Arquivo da Igreja Presbiteriana
de Sorocaba. Faz parte do lbum de fotos elaborado pelo Rev. Willian Kerr (1922).
7
Foto 7: Blackford e seminaristas.
Blackford e os seminaristas: da esquerda para direita: Miguel Torres, Antonio Bandeira Trajano,
Blackford, Antonio Pedro de Cerqueira Leite e Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa. Arquivo
Pessoal do Professor Alderi Souza Matos.
8
Foto 8: Primeiros membros da Igreja Presbiteriana de Sorocaba
Membros da Igreja Presbiteriana de Sorocaba (1877). Sem identificao dos nomes. Acervo da
Igreja Presbiteriana de Sorocaba
9
Foto 9: Primeiro templo Presbiteriano em Sorocaba (perodo de construo 1883-1886).
1 Templo Protestante na cidade de Sorocaba, construdo entre 1883 e 1886, na antiga Rua Boa Vista,
atualmente Nogueira Martins. Faz parte do lbum de fotos elaborado pelo Rev. Willian Kerr (1922).
Arquivo da Igreja Presbiteriana de Sorocaba
10
Foto 10: Rev. Zacharias de Miranda e famlia
No centro sentado: Rev. Zacharias de Miranda, do seu lado direito em p: sua esposa Henriqueta
Isaura de Miranda. Filhos: Antonio Sebastio, Maria Isaura, Ldia, Adalgisa, Carmelina, Herclito, Irani
e Albertina (Acervo da Igreja Presbiteriana de Sorocaba). Foto sem data.
11
Foto 11: Reunio do Presbitrio do Rio de Janeiro em Sorocaba (1885).
Reunio do Presbitrio do Rio de Janeiro em Sorocaba (1885). Sentados: Revs. Joo Ribeiro de Carvalho
Braga, Robert Lenington, Alexandre L. Blackford (sic), George W. Chamberlain, Antonio B. Trajano, George A.
Landes. Em p: Antonio Gomes da Silva Rodrigues, Revs.Caetano Nogueira Junior, John M. Kyle, Donald C.
Mclaren. Revs. Modesto P. B. Carvalhosa, Eduardo Carlos Pereira, Miguel G. Torres, John B. Howell e Presbteros:
Francisco Rodrigues, Manoel Jos Rodrigues da Costa, Jos Rodrigues de Carvalho. No plpito: Zacharias de
Miranda (no centro e em p, pastor da Igreja hospedeira). (Acervo do historiador Alderi Souza Matos, a descrio
dos nomes foi feita pelo mesmo historiador)
12
Foto 12: Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite
Rev. Antonio Pedro de Cerqueira Leite. Foto sem data. Acervo pessoal de Jos Carlos de Campos
Sobrinho
13
Foto 13: Professora Palmira Rodrigues Cerqueira Leite
Palmira Rodrigues de Cerqueira Leite, esposa de Antonio Pedro, professora da Escola Americana em
Sorocaba. Acervo pessoal do professor George de Cerqueira Leite Zarur. Foto sem data.
14
Foto 14: Professor Zacharias de Miranda
Zacharias de Miranda. Foto sem data. Acervo pessoal de Jos Carlos de Campos Sobrinho.
15
Foto 15: Prdio onde funcionou o Colgio Sorocabano dirigido pelo Rev. Zacharias de
Miranda.
16
Foto 16: Prdio do Grupo Escolar Antonio Padilha.
Prdio da Escola Protestante e mais tarde 1 prdio do Grupo Escolar, situado na Rua das Flores
- Fonte: Instituto Histrico, Geogrfico e Genealgico de Sorocaba.
17
Anexos1 3: ARTIGOS DE JORNAIS: Acervo Gabinete de Leitura de Sorocaba
1
Manteve-se a escrita da poca.
18
Recusei, no por causa da futilidade dos pontos de acusao, mas por terem o
Reverendo Pastor e os meus acusadores deixado de cumprir com o que terminantemente
preceitua para tais casos o Divino Mestre (Evangelho Segundo Matheus, cap.XVIII, vers.14 a
17). Na falta do cumprimento dessa ordenana salutar enxerguei eu o propsito manifesto de
deprimirem-me, de evitarem que eu explicasse em particular o meu procedimento, e que
assim cassem por terra sem escndalo os meus pretendidos crimes. Queria-se a retratao
publica do mal que eu no fizera; queria-se a minha humilhao perante testemunhas; queria-
se que eu acovardado servisse de pedestal a exaltao dos que realmente tinham pecado.
Era de certo para maior gloria de Deus e para louvor dos Presbteros.
Quanto ao primeiro ponto: - O insultado sou eu, as expresses grosseiras partem do
Presbtero, e eu ainda sou quem d escndalos, quem deve pedir perdo? Cristo ou Drago
o nosso legislador?
Quanto ao segundo: - Porque no sabia o Reverendo Pastor que a causa da minha omisso nos
cultos era a enfermidade de minhas filhas? Era porque ele no cumpria o seu dever de vir a
minha casa informar-se do que havia. Pois no para isso e para mais que est S.Revma.
comissionado pela misso Evanglica? Si desconfiava de que eu, ovelha do seu rebanho,
estava me desgarrando, porque no vinha procurar conduzir-me ao aprisco?
Quanto ao terceiro: - Ser realmente edificante a histria de L? Haver moralidade na
exposio crua das paixes brutais de David? O procedimento de Jud poder servir de
exemplo aos Paes de famlia?
No corta o corao do infortnio da inocente filha de David, traioeiramente
violentada e depois expulsa por aquele que tinha o dever de proteg-la? Note-se que eu do
fundo de minha ignorncia apenas fao perguntas, sem me atrever a dar respostas.
No se lembra o Reverendo Sr. Antonio de Cerqueira Leite de que esta questo do
Velho Testamento j foi ventilada em outra poca? Ter esquecido j a S.Revma. o que ento
disse a tal respeito?
Sobre o quarto: - No estar S.Revma. ciente de que as Escrituras autorizam algumas
vezes o quebrantamento de certas ordenanas? No acudiam os Israelitas em dia de Sbado
aos seus animais em perigo? No entrou David na Casa de Deus e no tirou de l contra a Lei
os pes da proposio?
Em vista do que levo dito: Entendo que andei bem em no comparecer, porque foi
ilegal o procedimento havido para comigo, uma vez que se no cumpriu o preceituado pelo
Divino Mestre no j citado cap.XVIII de S. Mateus vers. 14 e 17, entendo que cumpri um
dever em provar com a minha resistncia que os crentes tambm tm direitos, e que os
Ministros os devem acatar n esses direitos; entendo que si houver justia no Presbitrio
S.Revma. h de prestar estreitas contas do seu procedimento ilegal e caprichoso para comigo.
Sou crente em Jesus e s receio a excomunho de Deus manifesta pela voz da
conscincia: relativamente excomunho fulminada por S.Rvma. contra mim dou-lhe o
mesmo peso que S.Revma. d excomunho maior de Roma que lhe paira sobre a cabea.
esta a primeira vez que venho a imprensa sobre cousas de religio: voltarei si preciso for.
Sorocaba, 15 de Julho de 1879. Justiniano Maral de Sousa (Ypanema, 16/07/1879).
19
Artigo 2: Fiat Lux disputa entre Zacharias de Miranda e o padre Camilo Passalacqua.
SECO LIVRE
FIAT LUX
FIAT LUX
20
Miranda. Nella o signatrio d a entender que eu do alto da tribuna sagrada desafiara S.S.
para uma discusso.
Aproveito a minha boa quinta-feira collegial para escrever o que se segue: V.S., que
sabe avaliar o ministrio da pregao catholica, andou, como era de esperar, muito bem
quando affirmou ao Sr. Zacharias ser inexato que eu ouvesse desafiado S.S. De facto, eu no
desafiei, nem podia desafiar, o Sr. Zacharias, no s porque no est em meu caracter de
homem educado desafiar, mesmo porque os sagrados cnones prohibem-me expressamente
qualquer discusso religiosa sem prvia licena do Superior Ecclesiastico. O que fiz, fazel-o
era de meu dever, foi convidar a todos e a cada um de meus ouvintes e aos que noticia de
minhas prdicas tivessem a exporem suas duvidas em a casa de minha residncia em qualquer
dia e hora.
Claro est que referi-me aos que abraaram a heresia de boa f, isto , aos que,
conhecida a verdade catholica, voltariam ao seio da Egreja. Claro est ainda que o Sr.
Zacharias, a quem alis devo respeito como cidado e contra quem nada tenho, mesmo porque
no o conheo, claro est- repito no podia esse cavalheiro execptuado do meu amigvel
convite, desde que S.S. tivesse duvidas srias sobre a religio, em que teve a felicidade de
nascer e no est tendo a ventura de viver.
Eu disse, e meus ouvintes so testemunhas, que dividia os catholicos em duas classes:
illustrados e ignorantes.
A estes era de meu caridoso dever douctrinar, aos outros, porm, dissipar-lhes as
duvidas por meio de argumentos theolgicos, histricos e scientificos. Desejoso de que
minhas instruces aproveitassem, como graas ao S.S.Corao de Jesus aproveitaram, a
todos indistinctamente, no podia ser outra minha linguagem, que, merc de Deus, filha da
mais sincera e reflectida convico, em face do mais importante e capital problema social e
religioso, qual era o que eu estava explicando ao meu audictorio.
Lembro-me, como se tivera sido hontem, que eu disse, e o digo mil vezes, si preciso
for, que a convico e muito menos a persuaso accerca das verdades religiosas no se
impem; que a preveno e a pertincia calculada so obstculos insuperveis para a
acquisio de qualquer douctrina mesmo scientifica.
Uma converso, seja qual for, sempre producto racional da humana liberdade e o
desprendimento total do estado primitivo, que se deixou. Alem disso, prevenir-se contra
quaesquer concluses e proclamar de antemo a impossibilidade dellas inutilizar toda a
argumentao, seja ella do esprito mais robusto. Ora, si o Sr. Zacharias de Miranda, est tam
afferrado sua nova religio, que no cogita(?) da existncia da verdade do catholicismo, e
por conseguinte nem admitte(?) a possibilidade de erro no protestantismo; claro est ainda
uma vez que, si Jesus Christo viesse em pessoa pregar-lhe uma douctrina que no a
professada por SS.o Sr. Jos Zacharias de Miranda recusaria formalmente ao prprio Deus a
adheso de sua intelligencia, com a persuaso de sua vontade. E estaria no seu direito Sr.
Zacharias, ainda quando de facto lhe custasse a perdio de sua alma e das almas a quem
houvesse arrastado na corrente de suas douctrinas.J v, pois, S.S. que eu no podia desafial-
Tendo desde longos annos por habito respeitar a quem quer que seja em suas convices,
ainda as mais oppostas s minhas, no podia mais uma vez desafiar S.S. Muito menos o teria
feito no exerccio do meu sagrado ministrio, em presena de avultado nmero de ouvintes,
num templo catholico, e muitssimo menos deante do S.S.Sacramento...
O que fica dito apenas uma real diferencia ao distincto e illustrado redactor do Dirio
de Sorocaba, ao honrado e brioso povo sorocabano e at ao Sr. Jos Zacharias de Miranda. Se
o Sr. Zacharias de Miranda, entretanto, que nunca temeu discusso no terreno dos princpios
religiosos que adopta,no est satisfeito com a sua sorte, continue S.S. a no temer. Fique,
porm, S.S. certo de que o subscriptor destas linhas, por nas vezes, no tem medo, no pode
ter, nem deve ter. E, como penhor de minha palavra, prometto ao Sr. Zacharias de Miranda
21
avisal-o, - quando tiver de ir a Sorocaba, oito dias antes, para que no no plpito, mas em casa
de S.S. ou em casa onde eu estiver hospedado possa satisfazel-o pessoalmente na medida do
ardente desejo que to galhardamente mostrou em uma nota dirigida ao digno redactor desta
folha. possvel que seja isso nas prximas frias de Janeiro a Maro.
Si S.S. no tiver a pacincia de esperar, ou contar alguma folgazinha deixada pelos seus
innumeros affazeres, ou tiver de vir a Capital, aqui encontrar-me- S.S. nas minhas horas
vagas.
No quero por nada prival-o deste prazer por ventura legtimo de S.S. As bases da
nossa discusso sero as que S.S. quizer. Eu sou catholico, e as bases da minha religio so
conhecidas. S.S., que vem derrocar essas bases, que deve, me parece, preparar-se como
quizer e entender. Nada mais, penso, exigir de mim o Sr. Zacharias de Miranda, aquem,
como j disse, respeito como cidado e que, sabe Deus, vir a ser um fervoroso catholico.
Despedindo-me de V.S. Sr., redactor do Dirio de Sorocaba, deixo aqui declarado que
nada mais escreverei relativamente ao assumpto que tanto incommodou, ao que parece, o Sr.
Zacharias de Miranda. No tenho tempo para isso.
Subscrevo-me de V.S.
Admirador e servo agradecido.
Padre Camillo Passalacqua
S.Paulo, 14 de Julho de 1887.
SECO LIVRE
O SR. CAMILLO PASSALACQUA
SECO LIVRE
A EGREJA CHRIST
Ser a igreja romana a verdadeira Igreja de Cristo? Sim, no h duvida, dizem 0os
seus defensores, porque ela tem a sua frente o papa romano que o legtimo sucessor de So
Pedro a quem Cristo escolheu e exaltou dignidade de chefe e fundador de sua Egreja.
Como provais que So Pedro tenha sido escolhido e exaltado por Cristo dignidade de
chefe da Igreja Crist? Porque, respondem, nosso Senhor disse: Tu s Pedro, e sobre esta
pedra edificarei a minha Egreja, e as portas do inferno no prevalecero contra ella, e eu te
darei as chaves do Reino dos Cus, e tudo que ligares sobre a terra ser ligado tambm nos
Cus.(S.Matheus cap.16:vs.18 e 19).
So estes dous versculos da escriptura a vara mgica do romanistas, tem o condo de operar
toda a sorte de encantamento; o n gardio cujas poctas escondidas com arte, fazem andar a
roda a cabea.
quelles que esto acostumados a ver pelo rgao visual dos outros.
Pois bem: sem gozar da alta prorrogativa do magnnimo prncipe da fbula, nem me
arrogar a bravura de Alexandre, rei da Macednia, eu me proponho todavia a quebrar por um
pouco o encantamento produzido pela magia da varinha romana e a cortar o n gardio de suas
exorbitantes pretenes.
Visto que a egreja romana deriva a legitimidade do seu ministrio, bem como a sua
preponderante auclaridade destes versculos em questo tem uma significao bem diversa
daquella que elles, sem nenhum critrio, lhes emprestam o edifcio de sua arrogante vaidade
ruir por terra.
Peo, pois, vnia ao leitor sensato para demonstrar com alguns argumentos que Christo nunca
teve em vista constituir a S.Pedro o chefe e fundamento de sua Egreja.
O contexto dos versculos acima citados reza assim:- Quem dizem os homens que o
Filho do Homem? perguntou Jesus a seus discpulos: E elles responderam: uns dizem que
Joo Baptista, outros que Elias, e outros que Jeremias ou algum dos Prophetas.
Reterque-lhes Jesus: E vs quem dizeis que sou eu? Respondendo Simo Pedro disse:Tu s
o Christo, Filho do Deus Vivo Volta-lhe Jesus: Bem-aventurado s, Simo filho de Joo:
porque no foi a carne e sangue quem to revelou, mas sim meu Pae que est nos Cus.
Tambm eu te digo, que tu s Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Egreja,etc.
(Math.16:13-17).
Quem a pedra sobre que, Christo disse, edificar sua Egreja? Pedro? No pode ser,
porque uma simples analyse grammatical deste perodo repudia uma tal asero. Tu s Pedro,
falla aqui na segunda pessoa do singular, ao passo que esta pedra est na terceira pessoa.
Ora claro, clarssimo que esta pedra no se refere tu Pedro visto no haver concordncia
pessoal entre tu Pedro e esta Pedra --, a menos que nossos amigos romanistas forgiquem
alguma nova grammatica, armada de uma regra especial para sanccionar este monstro
grammatical.
25
Alm disto a questo de gnero no menos importante. Dizer-se que esta pedra
refere-se a Pedro uma concordncia em genero no menos monstruosa do que a
concordncia em pessoa acima referida. Como poder-se-ia admittir concordncia grammatical
um determinativo em terminao feminina com o objecto ou pessoa determinado em
terminao masculina! Ora, evidente que o demonstrativo esta no pode de modo algum
referir-se a Pedro em conseqncia de seu gnero.
Mas ento a quem se refere a expresso: e sobre esta pedra? refere-se sem dvida a uma
terceira pessoa nomeada no discurso. Pedro tinha dito em resposta a Jesus: Tu s o Christo
Filho de Deus Vivo. Ahi temos a terceira pessoa do singular com a qual deve concordar a
expresso esta pedra Tu s o Christo tornando mais lato o pensamento de Pedro, ou mais
expansivo: -- Tu s essa pessoa divina, admirvel que, ns, espervamos, viria nos resgatar do
jugo do extrangeiro; tu s esse Christo filho de Deus Vivo que tem sido sempre a esperana
deste povo decado; tu s o Christo, o Ungido do Senhor.
Pois bem; sobre esta pessoa divina, adorvel, que Pedro confessava que era o Christo
filho de Deus Vivo,sobre este Christo de sua confisso, nosso Senhor disse que edificaria a
sua Egreja. Ento quem a pedra? aquella pessoa que era o objecto de confisso de
Pedro.Christo pois e no Pedro era a pedra angular, escolhida, preciosa, sobre que repousaria
a Egreja Christ. Para corroborar esta interpretao citarei o facto ter o prprio So Pedro
(como os outros apstolos) entendido a palavra em questo no sentido que eu lhes hei dado.
assim, que quando uma turba de judeus attonitos, entre os quaes os sacerdotes, o
magistrado do templi e os sadduceus, olhavam para Pedro, atribuindo a elle o poder com que
curara miraculosamente, na porta do Templo chamado Espicioso, a um homem que era coxo
desde o ventre de sua me, elle lhes diz: Seja notrio a todos vs e a todo o povo de Israel:
que em nome de nosso Senhor Jesus Christo Nazareno... que este se acha em p deante de
vs. Esta a pedra que foi rejeitada por vs architectos, que foi posta pela primeira
fundamental do ngulo(Actos cap.4vs.10 e 11). S.Pedro pois muito longe de julgar que elle
mesmo fosse a pedra fundamental de Egreja, reconhecia ao contrario, que Jesus era essa pedra
fundamental.
Mais tarde, escrevendo de Babylonia a sua primeira epistola geral, dirigida aos
extrangeiros dispersos pelo Ponto, Galacia, Cappadoccia, sia e Bithinia, S. Pedro, como que
prevendo a interpretao errnea que no futuro haviam de dar s palavras de Christo,
exprime-se em linguagem terminante dizendo: Chegae-vos para elle,(isto , para Christo),
como para a pedra viva que os homens tinham sim rejeitado, mas que Deus escolheu e honrou
(1Pedro 2:5).
Notae a energia da expresso do apostolo: Chegae-vos para elle, para Christo, que a
pedra viva; no diz: chegae-vos para mim, porque eu sou a pedra sobre que, Christo disse,
edificaria a sua Egreja. Si, portanto, So Pedro defendia o papel que querem fazel-o
representar na Egreja porque, melhor do que seus pseudo successores, tinha elle
comprehendido o alcance das palavras de Jesus.
(Continua)
Sorocaba,Agosto de 1887
J.Zacharias de Miranda
SECO LIVRE
A EGREJA CHRIST
26
(Continuao)
27
Porventura viu-se jamais os soldados mandarem seu general ao servio? A menos que
estejam insubordinados? Mas a cousa explica-se facilmente: que no havia tal chefia, e que
elles no reconheciam superioridade ou auctoridade em So Pedro mais do que em S.Joo, e
por isso, considerando-os no mesmo p de egualdade, mandaram-nos juntos ao trabalho.
Fique pois bem assentado isto: os subordinados no podem mandar a seu chefe; mas os
apstolos mandaram a So Pedro, logo elle no era seu chefe.
Isto posto, volvamos a nossa atteno para um outro facto no menos significativo e
que se acha narrado no capitulo 11 dos Actos, v.1 a 3 e 18. Foi o caso que tendo S.Pedro, sem
conseqncia de uma revelao, ido casa o centurio Cornlio que era um Gentio, pregar-
lhe o Evengelho, os outros apstolos e os demais irmos que eram da circunciso ficaram
sobremodo incomodados, por isso que era absolutamente defeso aos Judeos ter comunicao
com os Gentios. E pois, quando S.Pedro voltou a Jerusalm, elles o chamaram a contas, para
explicar o seu procedimento que julgavam irregular: E ouviram os irmos que estavam na
Judia que tambm os Gentios haviam recebido a palavra de Deus. E quando Pedro passou
em Jerusalm disputavam contra elle os que eram da circunciso, dizendo: Porque entraste tu
em casa de homens que no so circuncidados, e comeste com elles? Mas Pedro tomando as
cousas desde o principio lhes expunha... Elles tendo ouvido este arrazoamento, se aquetaram.
(Leia-se tambm o captulo 10 dos Actos ).
Agora pergunto: seria correcto o procedimento dos apstolos para com S.Pedro, si elle
fosse seu chefe? No evidente, deste facto, no salta mesmo aos olhos que os apstolos no
reconheciam a So Pedro como seu chefe? No tambm claro que S.Pedro portou-se antes
como companheiro do que como superior submettendo-se quelle interrogatrio de seus
irmos e dando-lhes todas as explicaes necessrias para mostrar a legitimidade do seu
comportamento? Sim, to evidente que s no saltar aos olhos dos cegos!
O que aconteceria si nos nossos dias algum dos bispos ou cardeaes tivesse a ousadia
de dar uma ordem ao papa, de deixar, por exemplo, o Vaticano e ir aos Estados Unidos pregar
o Evangelho, ou se exigisse do papa explicaes ou satisfao de qualquer acto por elle
praticado? O que aconteceria que esse ousado insubordinado provaria immediatamente o
gume cortante do iroso gldio do anathema sit.
Segue-se pois, por uma concluso muitssimo lgica que, por isso mesmo que os apstolos
exigiram explicaes de So Pedro sobre sua conduta e So Pedro deu-as, elle no era
superior, mas egual.
(Continua)
Zacharias de Miranda
2-8-87
28
Apreciemol-os... S.Pedro, escrevendo sua primeira carta geral, teria indubitavelmente
deixado transparecer alguma cousa da auctoridade de que se achava investido por direito
divino, si tal auctoridade existisse. Comea elle: Pedro, apostolo de Jesus Christo etc. No
seria mais lgico que elle comeasse: Pedro, Prncipe dos Apstolos, por Jesus Christo
constitudo em chefe de sua Egreja, etc,etc? No assim que procedem os seus suppostos
sucessores? O papa Martinho V, pseudo-sucessor de S.Pedro, dava-se nas suas cartas os
ttulos pomposos e sacrlegos de - Santssimo e mui abenoado, que tem o poder eclesistico,
senhor sobre a terra, sucessor de S.Pedro, o Christo do Senhor, o Senhor do Universo e pae
dos reis, a luz do mundo, o summo sacerdote e quejandos pedantismos!!!
Mas S.Pedro era simplesmente o apostolo de Jesus Christo como qualquer outro
apostolo. No capitulo 5 da mesma epistola diz elle:<< Esta a rogativa que eu fao aos
presbyteros...eu presbytero como elles etc. Notae: a rogativa que eu fao e no a ordem
que eu dou como costumam a se expremir os superiores. E acrescenta o apostolo:- eu
Presbytero como elles - e no eu chefe supremo e primaz sobre elles. No havia pois tal
superioridade.
Mas o leitor vai ficar mais admirado quando souber que em certa occasio S.Paulo
reprehendeu a S.Pedro com toda a energia, porque elle no procedia rectamente: Tendo vindo
Cephas(Pedro) de Anthiochia, eu lhe resisti na cara, porque era reprehensivel. Mas quando eu
vi que elles no andavam direitamente segundo a verdade do Evangelho, disse a Cephas
diante de todos: si tu sendo Judeu, vivia como os Gentios, e no como os Judeus, porque
obriga tu os Gentios a judaizar? (Glatas 2:11 e 14).
E perante o facto desta ordem pode-se ainda sustentar que S.Pedro fosse jamais chefe dos
apstolos? Porventura a lgica dos factos que hei apresentado no por demais convicente?
Ainda mais: Quando os apstolos e os presbyteros reuniram-se em Conclio em Jerusalm
para examinar uma questo que affligia as Egrejas, no nos consta que S.Pedro tomasse a
presidncia, e at mesmo s usouda palavra depois de haverem todos discutido a matria,
devendo-se ainda notar que a opinio que obteve approvao de todos e que, portanto descidiu
a questo, no foi a do supposto chefe, mas sim a S.Thiago(vede Actos 15:vs.5 a 20).
Direi, de passagem, duas palavras sobre um outro facto sob e modo significativo. Em
S.Lucas cap.22 e vs.24 a 27 l-se: Excitou-se tambm entre elles a questo sobre qual delles
se devia reputar o maior. Notae bem que isto se deu na tarde em que Jesus foi trahido, e
portanto muito tempo depois que Jesus pronunciara as palavras:- Tu s Pedro etc. em virtude
das quaez, os romanistas affirmam, foi S.Pedro feito maior que os outros. Mas ento como
suscitou-se uma tal questo de primazia quando j todos deviam saber que S.Pedro era o
maior que todos?! O mais admirvel que intervindo Jesus na questo, em vez de lhes
recordar que elle j tinha constitudo a Pedro como o maior e chefe de todos, diz lhes ao
contrrio pois no havia entre elles maior e menor, mas todos eram eguaes!!
Diante de todos esses ensinos e factos bblicos fica mais evidente que a pretenso dos
romanistas acerca de S.Pedro e de seus successores no mais do que uma patota e bem mal
arranjada; e que bem prova ser a religio romana uma religio recheada de innovaes. Nos
primeiros sculos do Christianismo como nos dias dos apstolos, jamais foi attribuido a
S.Pedro o caracter de chefe da Egreja. E quando essa errnea noo comeou a invadir a
Egreja, os Padres(ou Santos Oadres) pronunciaram-se contra ella em termos formaes.
Ouamos, pois, o testemunho de alguns Santos Padres, citados muitas vezes pelos pliemistas
romanos em apoio da legitimidade dos dogmas da sua Egreja.
So Gregrio de Nyssa diz:- Tu s Petrus, et super hanc petram,etc. Significa a
confisso de Christo: porquanto elle (Pedro) tinha dito antes; Tu s o Christo, Filho do Deus
vivo. Santo Hilrio assim se exprime: Haec est uma Felix fidei Petra, quan Petrus ore suo
confessus est; o que em portuguez quer dizer: a nica bemdita pedra da f, aquella que
29
Pedro confessou com sua bocca e acrescenta: Sobre a rocha da confisso de Pedro est o
edifcio da Egreja.
S.Cyrillo diz: Petra nihil aliud est, quam firma et inconcussa discipuli fides; o que quer
dizer:- A pedra no outra cousa sino a firme e immovel f do discpulo. S.Chrisostomo
explica: - Super hanc petram, id est, in hc fide et confissione aedificabo ecclesiam meum;
traduzido:- Sobre esta pedra, isto , sobre esta f e esta confisso, eu edificarei a minha
Egreja. Santo Agostinho diz:- Petra erat Christus super quod fundamentum etiam aedificatus
est Petrus; que significa:- A pedra era Christo, sobre o qual fundamento o mesmo Pedro foi
tambm edificado; e accrescenta mais adiante: - Non me aedificabo super te, sed te aedificabo
super me; em portuguez: Eu no me edificarei sobre ti; mas te edificarei sobre mim.
Ouvi agora Origener: Petra est, quicumque est discipulus Christi: et super talem petram
construitur omnis ecclesiastica doctrina. Quod in super unum illum Petrum tantum existimas
aedificare toctam ecclesiam, giud dicturus es de Johanne filio Tonitrui, et apostolorum
unuquoque? Numaudebis dicere quod adversus Petrum unum non prevaliturae sint portae
inferorum? Na soli Petro dantur a Christo claves regni caelorum? Traduzido:- a pedra todo
aquelle que discpulo de Christo: e sobre uma tal pedra toda a douctrina ecclesiastica
edificada. Si imaginas que toda a Egreja edificada sobre Pedro somente, o que haveis de
dizer de Joo filho do Trovo, e de cada um dos outros apstolos? Ainda ousareis dizer que as
portas do inferno no prevalecero somente contra Pedro? Porventura as chaves do reino dos
cus foram dadas por Christo a Pedro somente?
Eu podia citar contra as pretenes exorbitantes de Roma as opinies de S.Jeronymo, dos
papas Adriano e Nicolau, de Jonas, Bispo de Orleans, de Erasmo e de muitos outros no
atacados da mania do supposto poder papal; mas julgo que o que hei dito por demais
convincente.
S.Pedro no foi reconhecido como a pedra fundamental da Egreja por quarenta e quatro dos
Santos Padres!!!
J.Zacharias de Miranda
5-8-1887
O testemunho dos Santos Padres que citei no meu ultimo artigo deve ser para os
romanistas sinceros de grande pezo, j por ser o testemunho de pessoas que gozavam de
grande reputao no seio da Egreja romana, e considerados orthodoxos, de sorte que
mereceram muitos delles (seno todos) a canonizao, j porque a egreja costuma cital-os
sempre em abono da orthodoxia de seus dogmas.
Eu podia ainda se no temesse tornar-me muito prolixo citar muitssimos outros factos e
ensinamentos bblicos que demonstram que S.Pedro nunca foi considerado maior do que seus
condiscpulos, mas simplesmente egual a elles; porm julgo tel-o j explicado a sociedade: S.
Pedro no foi constitudo por Christo chefe da Egreja, mas foram sim alguns homens que
impellidos pela cupidez do domnio e da grandeza o constituram chefe da Egreja: as palavras:
- e sobre esta pedra edificarei a minha egreja no significam de modo algum e sobre ti Pedro
edificarei a minha egreja, mas sim sobre a verdade da confisso de Pedro, isto , sobre o
Christo, que elle confessou ser o filho do Deus vivo, verdade fundamental do Christianismo,
repousaria a Egreja Christ.
Demonstrei-o, repito, com uma analyse grammatical do texto em questo, - com o
mesmo testemunho do mesmo apostolo S.Pedro, - com o testemunho da Egreja, que mandou a
30
S.Pedro, governou-o exigindo explicaes do que fazia e porque o fazia e depois de tudo com
o testemunho insuspeito de alguns dos Santos Padres da Egreja.
Liquidada portanto essa primeira sentena do capitulo 16 de S.Matheus(v.18), passarei
ao estudo da segunda, isto : - As portas do Inferno no prevalecero contra ella.
Em toda e qualquer questo em que esteja de alguma sorte envolvida a auctoridade , a
pobreza, a infallibilidade da egreja romana, os theologos romanos apellam sempre e
invariavelmente para as palavras em questo: - non prevalebunt.
Se dizemos que as douctrinas da egreja tm sido viciadas, de sorte que as de Jesus
foram substitudas por mandamentos humanos, dizem: non prevalebunt. Se demonstramos
com a histria na mo que a egreja romana de hoje no a mesma do sculo 1 ou do sculo
2, e desta sorte no pode ser, no mesmo, a Egreja de Jesus Christo porque no esta varia,
respondem: non prevalebunt; e assim por diante. o non prevalebunt a chave de ouro com
que fecham toda a sorte de duvidas que se suscitam.
Suppoem os romanistas que pelas palavras as portas do inferno no prevalecero contra ella
prometeu Jesus a egreja romana uma estabilidade, um successo, uma pureza nunca
desmentidos. Pois bem; qualquer que seja a interpretao que os romanista dm a esta
passagem, o certo que ella no tem nada que ver com a actual egreja de Roma.
O que significam pois as palavras em questo? O poder e a raiva de Satan? a fora
temerosa dos exrcitos das trevas? a ira dos inimigos da verdade? as perseguies, os
dios, as heresias,etc.etc? Mas como ousam dizer os romanistas: non prevalebunt? Ahi temos
a historia para comprovar o contrario. Quando os exrcitos de Islam varreram o romanismo da
face do solo hespanhol, quando o estandartes do falso propheta de Meca tremularam sobre as
runas fumegantes da Hespanha romana, quando diante do Koro mahometano cessaram o
cantocho romano e todos os seus actos de culto, quando diante das hostes dos agarenos iam
caindo os templos romanos, os padres romanos, o povo romano, justo e inevitvel confessar,
o to decantado non prevalent tornara s lettra morta.
De duas uma: ou a promessa de Christo falhou, ou essa promessa no tinha sido feita
religio que ento era vencida pelos filhos do Oriente. Ora sendo a primeira hypothese
inteiramente inadimissivel, segue-se, portanto, que a promessa contida nessas palavras no
era propriedade da egreja romana.
E depois como podero os romanistas negar que muitssimas heresias se tm levantado e
prevalecido na Egreja Romana, sendo algumas dellas acceitas e confessadas at pelos seus
prprios chefes?!
Podero porventura negar que os papas Felix e Liborio adheriram ao credo ariano? No se v
aqui o predomnio da corrupo contra a santidade, si ella existia porventura naquella
corporao?
O arianismo negava Jesus Christo a qualidade de ser Divino: era simplesmente um homem,
diziam elles, uma creatura das mos de Deus !!
Pois bem, bom que todos saibam que a egreja de Roma tem at, em certa poca,
negado a nosso Salvador a Jesus esse attributo que lhe peculiar desde toda a eternidade:- a
sua divindade !!
Ora vemos que o erro tem prevalecido contra a egreja de Roma, mas as portas do Inferno no
prevalecero contra a Egreja de Christo; logo, a egreja de Roma no a Egreja de Christo.
Qual portanto a significao precisa das palavras:- as portas do inferno no prevalecero
contra ella(?) o que demonstrarei no meu prximo artigo.
(Continua)
31
JORNAL DIARIO DE SOROCABA ANNO VII 12/09/1887
SECO LIVRE
A EGREJA CHRIST
(Continuao)
(Continua)
J.Zacharias de Miranda
12-9-1887
SECO LIVRE
A EGREJA CHRIST
(Continuao)
33
As palavras de Christo pois significavam que a So Pedro foi delegado o poder de ser
o primeiro a annunciar as boas novas da Salvao por meio de Jesus, pois foi deste modo que
elle usou das - chaves - no dia de Pentecostes, e em casa do centurio Cornlio. Mas esta
prerrogativa no foi conferida s a Pedro, mas a todos seus condiscpulos, pois que no dia de
Pentecostes o Esprito Santo que desceu sobre os apstolos e discpulos, e em virtude qual
elles foram constitudos e habilitados pregadores do Evangelho, foi diffundido sobre todos
sem distinco. E ns vemos portanto todos os apstolos fazendo uso das - chaves - isto :
abrindo pela pregao o thesouro das graas de Deus, perante os peccadores; vemol-os
annunciando as Boas Novas no sob a superintendncia de nenhum homem, nem mesmo de
Pedro.
O poder das chaves foi pois conferido a todos. Todos ns que somos sacerdotes, diz
Santo Ambrozio, recebemos na pessoa do bemaventurado Pedro as chaves do reino dos Cus.
(Ambrozio, De Dignit.Sacerd.). Na linguagem metaphorica desta passagem avulta a idea de
abrir ou fechar, tal o uso das chaves. Ora no foi s S.Pedro que pregou o Evangelho, ou
segundo a metaphora, abriu o reino dos cus: os outros apstolos tambm o abrira, logo o
poder das chaves era comum a todos elles.
Devo dizer que com este poder com que Deus investiu os seus apstolos em nada se parece
com o poder que o papa romano reclama para si, pois o poder conferido aos discpulos era
puramente espiritual ao passo que o papa reclama para si o poder civil e temporal.
A ltima sentena que vou elucidar a seguinte: E tudo que ligares sobre a terra ser
ligado tambm nos cus: e tudo que desatares sobre a terra ser desatado tambm nos cus.
Esta sentena, como as outras j examinadas no outorga a S.Pedro a prioridade. Basta que
notemos que nosso Senhor outorgou a todo os outros apstolos o mesmo poder de atar e
desatar.( Veja-se S.Matheus cap.18 vs.18).
Julgo desnecessrio expor a doutrina ensinada neste versculo visto como o que me
proponho somente demonstrar que S.Pedro no tinha primazia sobre seus irmo no
ministrio, e isto claro desde que esta promessa foi feita no s a elle, mas a todos, como
vemos na ltima citao feita.
De tudo o que tenho exposto neste e nos artigos antecedentes resulta a evidncia que S.Pedro
no foi constitudo por Christo como chefe dos Apstolos.
Julgo tel-o provado abundantemente. A idea de que So Pedro foi o chefe da Egreja
est de tal sorte to radicada no esprito de nosso povo, que reputa-se por cousa impossvel
provar o contrrio. Entretanto as provas e os argumentos que tenho adduzido para
demonstrao do nenhum fundamento de uma tal doutrina, devem ter levado a luz da
convico aos espritos ainda no obcecados pelas mentiras dos homens de Roma. Dando por
terminada a minha discusso dos versculos 18 e 19 do capitulo 16 do Evangelho de So
Matheus; no deporei todavia a penna sem ter tocado em alguns outros pontos que julgo de
alta importncia para corroborar a argumentao j apresentada.
A idea que S.Pedro foi constitudo chefe dos Apstolos, e que, em conseqncia, elle
fundou a Egreja de Roma, cuja direco tomou durante vinte e cinco annos, isto , at a sua
morte, distituida de fundamento e carece inteiramente de provas. So Pedro no podia ter
sido o fundador da egreja romana, nem to pouco podia ter elle sido seu bispo em tempo
algum visto com o So Pedro nunca foi a Roma! Para que no se diga que este avanado
absurdo, eu vou demonstrar que S.Pedro nunca foi a Roma!
(Contunua)
J.Zacharias de Miranda
13-9-1887
34
JORNAL DIARIO DE SOROCABA ANNO VII N1450 SABBADO, 17 DE
SETEMBRO DE 1887 PAG. 3
SECO LIVRE
A EGREJA CHRIST
(Continuao)
Temos compulsado a historia da Egreja, na sua prpria fonte, para ver si encontramos
um vestgio siquer de que So Pedro tenha sido fundador e bispo da egreja de Roma ou alli
tenha residido, e entretanto, do estudo que temos feito resulta que no anno 58 da era christ
ainda So Pedro no era bispo de Roma, nem l tinha ido.
Dada hypothese que S.Pedro fosse nessa occasio a Roma e alli permanecesse
durante o resto de sua vida, governando a egreja, ainda assim os chronologistas romanos
convencem aos historiadores, tambm romanos, de mentirosos, porque no podia o apostolo
governar a egreja pelo espao de 25 annos, visto como elle morreu logo depois, no anno 67.
36
Porem continuando a investigar os orculos divinos vemos que, si at o anno 58 no
havia vestgio da estada de S.Pedro em Roma, mas antes provas incontestveis de que elle l
no tinha ido jamais, muito menos o encontramos, depois deesa poca.
Provemos. No anno 60: apenas 6 ou 7 annos antes da poca em que a tradico diz ter-
se dado a morte do apstolo, escreveu So Paulo, a sua epistola aos Romanos. Essa epistola
llo desmentido mais formal da Idea de estar S.Pedro naquelle tempo em Roma. Nella o
apostolo Paulo exprime-se com aquella auctoridade que lhe conferia a sua qualidade de
apostolo dos Gentios:- Convosco fallo, Gentios, emquanto eu na verdade for Apostolo das
Gentes, honrarei o meu ministrio,etc.(Romanos 11:13).
Um tal procedimento e tal linguagem seriam condemnaveis si Pedro fosse bispo dos
romanos. Como se atreveria um subordinado escrever com tom de auctoridade apostlica uma
carta doutrinando, admoestando,etc, a uma egreja que estava sob os cuidados de outro
apostolo, e estando a sua frente o seu legtimo pastor, que era ainda pastor universal?!... No
seria isto uma falta de deferncia para com o legtimo chefe daquella egreja, falta essa que
no commetteria por certo o apostolo das Gentes, mormente quando elle protestava, na
mesma epistola aos Romanos, que no queria edificar sobre fundamento de
outrem?(Rom.15:20).
Ora, si S.Paulo pregando ou escrevendo aos romanos no edificava sobre fundamento
de outro, mas annunciava o Evangelho onde no havia ainda sido feita meno de Christo;
segue-se que ou So Pedro no anno 60 ainda no tinha ido a Roma, ou si l estava no
pregava ento o Evangelho, tornara-se uma testemunha muda, o que no cremos.
Ainda mais: no captulo 16 da mesma epistola aos Romanos, ao concluir a sua carta,
Paulo sada aos christos de Roma, especificando o nome de muitos, ,as, cousa admirvel!
Nem uma palavra de sympathia fraternal ou de respeito tem elle para dirigir ao seu collega de
trabalho e chefe da egreja!
No verdade, no mesmo indispensvel suppr-se que si S.Pedro estivesse em Roma So
Paulo faria meno do seu nome?!
Continuemos porm. Mais tarde, no anno 65, um ou dous annos antes da morte de So
Pedro, So Paulo foi levado preso a Roma; alli viveu elle em um aposento que alugara
(Actos28:30) e no em companhia de seu irmo no trabalho e nos soffrimentos por Christo.
Dalli escreveu elle muitas cartas s egrejas, mas guarda em todas ellas o mais impenetrvel
silncio sobre So Pedro. Havendo comparecido perante Nero para ser julgado, viu-se S.Paulo
ao desamparo de seus irmos, abandonado de todos. Em sua 2 epistola a Timotheo faz
S.Paulo meno disto e diz: Nenhum me assistiu na minha primeira defensa, mas todos me
desampararam; permitta Deus que isto no lhes seja imputado. (2Timotheo 4:16).
Seria possvel que o grande apostolo Pedro, o chefe da egreja, tivesse a cobardia
inqualificvel de deixar o seu sbdito ao abandono no meio de seus inimigos?
Julgamol-o incapaz disso. Escrevendo, de Roma, sua epistola aos Colosenses, So Paulo
depois de fazer meno de seus companheiros de trabalho, taes como: Tychico, Onsimo,
Aristarco, Marcos,etc. accrescenta:- estes s so os que me ajudam no Reino de Deus, elles
tm sido a minha consolao (Colon:4:7-11). Onde estava ento Pedro que no s no ajudava
S.Paulo no trabalho do Reino de Deus em Roma, mas nem mesmo o consolava com a sua
sympathia? Por certo que no estava em Roma. Onde estava ento Pedro durante esse tempo?
Perguntar o leitor, e o que fazia elle? S.Pedro mesmo responde que estava em Babylonia
(veja-se a sua 1 epistola cap.5-vs.13).
Si S.Pedro estava dirigindo a egreja em Babylonia que como sabeis uma cidade
localizada na sia Menor a margem do Rio Euphrates, claro que no estava dirigindo a
egreja de Roma, que na Itlia a margem do Rio Tibre! Menos que os romanistas queiram
passar pela decepo de dizer que a Babylonia de que S.Pedro falla a mesma Roma, o que
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no ser muito boa recommendao para a Egreja de Roma, visto o que acerca de Babylonia
se diz no Apocalypse caps.17 e 18. Recomendo a leitura destes captulos.
Quando pois esteve S.Pedro jamais em Roma? Temos examinado a questo com todo
o cuidado e com inteira isempo de animo, e chegamos a uma concluso inevitvel: S.Pedro
nunca esteve em Roma! Si algum julgar capciosa a minha investigao, no obstante ter-me
baseado em testemunho tam authentico, assiste-lhe o dever de refutar, a minha argumentao.
Em concluso: si a legitimidade dos direitos que a religio romana imagina ter
oriunda da Idea errnea de que nosso Senhor tenha constitudo S.Pedro como chefe de sua
Egreja e que em conseqncia elle fundou e dirigiu a egreja de Roma, essa auctoridade tam
decantada, esse poderio tam preconizado, so illegitimos, visto como tenho provado nos meus
artigos: 1 Jesus no constituiu a S.Pedro como chefe de sua Egreja nem lhe deu jamais
auctoridade sobre seus condicipulos; 2 S.Pedro no foi reconhecido pelos outros apstolos
como seu chefe, nem consta que os dirigisse ou governasse, mas muito pelo contrrio consta
que elle foi dirigido e governado; 3 So Pedro nunca esteve em Roma o que o impossibilita
de ter elle sido o fundador e primeiro bispo da egreja romana!
Conclumos pois: o papa no chefe da religio ou da Egreja Christ, visto como elle
presume ter herdado sua gerarchia de S.Pedro, quando certo que S.Pedro nunca gozou de
um tal privilgio. Uma falsa herana no outhorga um direito legtimo!
Eia pois, cheguemo-nos a Jesus, o fundamento precioso e nico da nossa esperana em
nenhum homem, porque como nos diz S.Pedro, fallando de Jesus:- Do Cu abaixo nenhum
outro nome foi dado aos homens pelo qual ns devamos ser salvos.(Actos 4:12). Como o fez
o apostolo, ao abysmar-se nas ondas procellosas do mar da Galilia brademos tambm ns a
Jesus por socorro(Matheus 14:30 e 31). E ouvindo e acceitando o conselho do mesmo
apostolo So Pedro: Cheguemos para elle(Jesus) como para a pedra viva, que os homens
tinham sim rejeitado, mas que Deus escolheu e honrou. (1 Pedro 2:4).
Jesus s, Jesus antes de tudo, e no Pedro ou qualquer outra creatura humana!
J.Zacharias de Miranda
Sorocaba, 16 de Setembro de 1887
A Gazeta de Tatuhy em artigo editorial inserto, em seu n. 47, traz a campo sob a
rubrica Os Protestantes a questo do Rio Feio, de triste celebridade.
Fiquei sobremodo surprehendido ao apreciar os exerccios de alta prestidigitao
exhibidos pelo author do mencionado artigo que, em phrase apaixonada, procurou com uma
semcerimonia que causa pasmo inverter os papis, convertendo os meus perseguidores em
victimas muito innocentes de desacatos engendrados por algum fantasista, avanando
inverdades clamorosas, adulterando factos conhecidssimos, imprestando aos protestantes a
paternidade das scenas de selvageria, dos actos de vandalismos praticados pelos bons
catholicos do Rio Feio.
A minha surpreza subiu de ponto quando passei da leitura do editorial da gazeta ao
officio-informao dirigido pelo delegado de Tatuhy ao sr. Chefe de Policia, e que vinha
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appenso ao mesmo editorial, documento esse que sevia de base as affirmaes inecxatas da
Gazeta.
Eu no devia tomar srio os avanamentos inecxatos, inverossmeis da Gazeta, comquanto
essas inecxatides visassem um duplo objectivo:
Exercer influncia e fazer pendor no animo do Dr. Juiz de Direito, para dispol-o em
favor dos criminosos, e estimular os homens do Rio Feio e incital-os a novas tropelias contra
mim, pois precisamente na occasio em que a Gazeta achou conveniente tratar do assumpto e
pelo modo que o fez, sabia o seu redactor que eu achava-me no Rio Feio ou pelo menos nas
suas proximidades; mas, esse acervo de inexactides est baseado em um documento official
que a seu turno falsa a verdade de um modo deplorvel, julgo de rigoroso dever dar um
desmentido formal a Gazeta e ao officio do delegado de Tatuhy.
O attentado monstruoso que teve logar na noite de 10 de Novembro p. p. em Rio Feio,
e que visava tolher aos protestantes o livre exerccio de seu culto, bem conhecido; a
imprensa sensata e criteriosa da provncia bem como a da Corte o divulgou, verberando ao
mesmo tempo energicamente aos seus auctores, e de admirar que haja gente de coragem to
fria que tente com fim e inteno calculados adulterar factos to recentes e bem averiguados,
no intuito de embair a opinio pblica, innocentar os criminosos e tornar-lhes favorvel a
sentena a longo tempo esperada, do processo instaurado pela justia publica contra os
turbulentos do Rio Feio.
O publico deve ter ainda bem presente a lembrana das tropelias mandadas pr em
scena no Rio Feio, por pessoa que tinha grande interesse de obstar o progresso da propaganda
evanglica alli, mas para boa ordem e clareza das rectificaes que me proponho fazer, das
falsidades contra ns assacadas pela Gazeta de Tatuhy, farei ainda que a largos traos, um
apanhado dos principais acontecimentos que precederam ao attentado ou tiveram logar na
occasio, analysando em seguida os avanamentos montruosos da Gazeta de Tatuhy bem
como as inecxatas informaes ministradas pelo delegado ao dr. Chefe de Policia.
De volta a uma viagem a Faxina, onde fui em visita pastoral Egreja Evanglica alli
existente, tinha eu de passar pelo Rio Feio onde existe tambm, uma communidade evanglica
da qual tenho a honra de ser ministro. Pregar alli o Evangelho de nosso Senhor Jesus Christo;
instruir os membros da communidade das verdades da religio christ, administrar-lhes os
Sacramentos e celebrar um casamento, eis os motivos que me levaram ao Rio Feio.
De Guarehy e de Itapetininga acompanharam-me dois amigos membros da Egreja
Evanglica, um moo e duas meninas, pessoas essas que aproveitavam o ensejo de minha
estada em Rio Feio para ir visitar a famlia Amaral de que so amigos e ao mesmo tempo
assistir aos cultos que alli deviam ter logar.
Foram estas e unicamente estas pessoas que me acompanharam de Guarehy e que constitua a
capangada de que fala o delegado de Tatuhy em seu officio-informao dirigido ao dr. Chefe
de Policia. Quando partimos de Guarehy, ignorvamos absolutamente que em Rio Feio se
machinasse um plano de assalto contra os protestantes e principalmente contra mim, com o
fim, de obstar que eu celebrasse o casamento alli planejado bem como o culto evanglico.
A primeira noticia que tivemos da conspirao foi a duas lguas distante de Rio Feio e
s fomos bem informados do plano de aggresso, em casa do sr. Feliciano do Amaral, onde
pernoitamos nesse dia.
No dia seguinte, a tarde, partimos da fazenda em direco povoao onde se deviam
realizar as reunies para o culto bem como o acto de casamento, sendo o grupo que me
acompanhava formado das pessoas j mencionadas e mais alguns membros da famlia
Amaral, muitos dos quaes eram senhoras e crianas.
Para evitar o brutal attentado tive a prudncia de enviar na vspera, um officio ao dr.
Antonio Candido de Almeida e Silva, Juiz de Direito da comarca; informando-lhe da
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aggresso que se planejava contra mim e pedindo providencias garantidoras de minha
liberdade e dos direitos que, baseado em lei, me assistem no desempenho do meu ministrio.
Cumpre-me dizer aqui que o meu officio nenhum resultado produziu.
Ao chegar prximo a povoao encontramos o caminho guardado por homens
armados, capitaneados por Francisco Manuel e seu genro, segundo nos informaram mais tarde
pessoas insuspeitas, e que alli montavam guarda desde a vspera, jurando pelos manes de seus
maiores, que o ministro protestante tinha de ficar em pedacinhos.
Apesar da attitude ameaadora do grupo postado na estrada e confiando na proteo
divina passamos a ponte defendida, e o fizemos com toda a ordem sem partir do nosso lado
uma s palavra de provocao, um s gesto que se podesse traduzir em ameaa. Na povoao
hospedamo-nos em casa do sr. Geraldo do Amaral, onde deviam celebrar tambm as reunies
para o culto.
Logo aps a nossa chegada notamos uma certa agitao, um movimento ameaador na
rua: eram alguns dos capangas do sr. Francisco Manuel que a percorriam a galope para baixo
e para cima, em aprestos para o assalto, era o mesmo sr. Francisco Manuel de Oliveira que
andava de casa em casa convidando, segundo me disseram, o rapazio do logar para ajudal-o
na piedosissima tarefa de atirar pedras na casa onde eu me achava hospedado e insultar com
palavras torpssimas aos protestantes alli reunidos.
A aggresso realizou-se logo ao anoitecer quando ainda no tnhamos comeado o
nosso culto e no depois que comeou a prdica como, para no sahir de seus moldes
habituaes, affirma a Gazeta de Tatuhy. Das scenas de vandalismo dignas s de selvagens, dos
insultos grosseiros, das palavras torpssimas, das ameaas de morte que ento partiram desse
povo emminentemente catholico, desse homem distinctissimo, como com muita graa os
qualificam a Gazeta e o delegado, o publico j foi em tempo, bem informado, e hoje ainda
todo homem honesto, ordeiro e que no malbarateia adjectivaes, sente subir-lhe s faces o
rubor da vergonha, por ver que ainda se practica em nosso paiz, na antepenltima dcada do
sculo XIX, em poucas palavras, a exposio fiel dos acontecimentos tristes que se deram no
Rio Feio, e que segundo consta, foi mandado por em scena por certa entidade que, ardendo
em desejos de abafar o movimento protestante naquelle logar e no estando na altura de o
fazer pela palavra, pela persuaso, pelo convencimento, como fazemos a nossa pacfica
propaganda, no trepidou ante a negra aco de abusar da ignorncia de um povo e
comprometteul-o estimulando-o a commetter um crime.
Rememorando assim em poucas palavras o caso do Rio Feio, passarei a apreciar sem
raiva, com animo desprevinido, o capcioso editorial da gazeta e o no menos inexacto officio-
informao que ao dr. Chefe de Policia dirigiu o delegado de Tatuhy e que se acha appenso ao
mesmo editorial.
Sorocaba Agosto 1889
J. Zacharias de Miranda
(Continua)
SECO LIVRE
O CASO DO RIO FEIO
Diz a Gazeta de Tatuhy que o povo do Rio Feio ou Bela Vista emminentemente
catholico romano. E ns que fizemos uma ida bem diversa do que seja um povo
emminentemente catholico romano!... Pensvamos e continuamos a crer que um povo
emminentemente catholico romano deve ser um povo civilizado, ordeiro, respeitador da
propriedade alheia, de linguagem comedida, mais ou menos irreprehensivel em seus costumes
e que s differem dos protestantes porque tm seus erros em matria de f, e isto mesmo
porque so enganados por gente sem temor de Deus.
Mas a Gazeta, malbarateando advrbios, chama emminentemente cathlico um povo
que procede como o do Rio Feio procedeu, salvo honrosas excepes; um povo cujos
predicados so a brutalidade, o assalto a propriedade, a linguagem immoral, chula,
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insultuosa, o nenhum respeito ao decoro das famlias e aos mais sagrados direitos dos
cidados.
Pode a Gazeta limpar as mos a parede. Se em vez de procurar innocentar criminosos
a custo de deprimir o caracter alheio, curasse a Gazeta de angariar os meios de amenizar o
tracto social daquella gente, de fazer delles bons cidados, ordeiros e progressistas, teria
prestado a elles um servio relevante; teria feito jus ao nosso aplauso e aos louvores de todos
se, em vez de encher trs columnas de seu papel de mentiras escandalosas procurasse vencer,
pela diffuso da instruco o obscurantismo desses homens profundamente ignorantes ainda
que emminentemente cathlicos romanos e que pela sua ignorncia prestam-se a manejos
odiendos de malfeitores de campanrio.
Estou mesmo inclinado a crer que os homens que praticaram o attentado de 10 de
Novembro, em Rio Feio, sejam naturalmente de bons sentimentos e que sua infelicidade
resultam de estarem elles, sob presso de mandes que no trepidaram em sacrifical-os aos
seus caprichos insensatos.
Tornem-se esses homens bons protestantes e eu garanto Gazeta que elles sero ento, mas
s ento, um povo emminentemente christo.
Diz a Gazeta, em um tom muito vago que ns tomamos aquelle logar como uma
conquista etc... Tenho a dizer que, no cogitamos de conquistas; propagamos o Evangelho de
nosso Senhor Jesus Christo, primeiramente porque - elle a virtude de Deus para dar
salvao a todo o que crer; - depois porque nossa convico que, o Evangelho, contra o qual
os homens de Roma votam to decidida averso, a condio necessria e indispensvel para
que o nosso povo venha a ser um povo feliz, ordeiro, emprehendedor, progressista; para que o
nosso paiz seja livre da prepotncia clerical, e occupe, como a grande Unio Norte-
Americana, o logar de honra a que tem direito na vanguarda das naes adiantadas.
Alli em Rio Feio temos tido j o prazer de ver algumas almas preciosas escaparem aos
laos ciosos da intolerncia e prepotncia romana e esperamos na providencia de Deus que,
cedo ou tarde aquelles mesmos que hoje servem de instrumentos inconscientes a prepotncia
de influencias de campanrio, ho de deixar-se guiar pelos ensinos do glorioso Evangelho de
Jesus Christo.
Diz mais a Gazeta que: - annunciou-se que durante a minha estada em Rio Feio seriam
estragadas as imagens etc...
No duvidamos que se espalhasse alli essa balela adrede preparada por gente que tinha
interesse de exasperar os nimos contra mim, mas o que podemos garantir que essa notcia
no partiu dos protestantes. Cremos piamente que, assim como, h nalguns lugares,
gazeteiros que no trepidam em espisinhar a verdade em defesa do crime, tambm pode haver
quem tenha cynismo bastante para forgicar noticia de supposta iconolastia, se me permittem o
termo, e espalhal-a, com fins inconfessveis entre o povo do Rio Feio. No votamos dios s
imagens, si bem que seja uma verdadeira calamidade para um povo que se diz christo, adorar
dolos.
Fazemos propaganda contra o erro sob qualquer forma que elle se apresente; e cremos
que, quando raiar para o adorador de dolos a luz da verdade, quando os dolos de seu corao
tiverem sido expulsos, quando elle tiver aprendido a adorar a Deus em esprito e verdade, no
precisamos de nos incumbir da tarefa de estragar imagens que outra cousa no so seno
insgnias do erro:- o mesmo dono das imagens, que as comprou com o seu dinheiro, incumbir-
se- e muito expontaneamente de dar-lhes destino conveniente.
A fora de mentir acha-se as vezes o mentiroso em taes difficuldades que cahe no erro
de dizer uma verdade para o que no tem vez. Foi o que acconteceu Gazeta, quando com
grande espanto meu, intercalou no seu brocado de mentiras, uma verdade, julgo que uma s,
mas muito preciosa: Diz ella: no satisfeitos (os protestantes) de exercerem livremente o seu
culto, com as restries da lei, quizeram se impor!
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J demonstramos a evidencia que s a imposio no se coaduna com os nossos
princpios, e podemos ainda garantir que nunca agarramos pela golla ao auctor do editorial da
Gazeta para leval-o a contra gosto, a abraar o protestantismo; elle que o diga se alguma vez
fizemos-lhe violncia. Portanto s fica de p a primeira parte da preposico que e quase
rigorosamente verdadeira:- exercem livremente o seu culto com as restrices da lei; - quase,
dizemos, porque o livremente nem sempre verdadeiro.
Com as restrices da lei, sim, e quer dizer:- culto domestico ou particular, em casas para
isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo, (Art. 5 da Constituio). Foi
exactamente como procedemos no Rio Feio.
Logo o officio do delegado de Tatuhy, publicado na Gazeta faltou a verdade quando
fallou em extrema tolerncia do povo do Rio Feio, porque esse povo nos aggrediu quando
estvamos dentro dos limites da lei; faltou a verdade quando disse que as agresses partiram
dos senhores protestantes. Se como diz a Gazeta, e verdade, celebramos o nosso culto em
Rio Feio, com as restrices da lei. A aggresso no foi conseqncia legitima de minha
muita imprudncia, e nem foi ainda represlia proporcional,etc...mas sim um verdadeiro
attentado, preparado com clculo e dio.
Os povos cathlicos alli no reagiram porque estvamos no uso de um direito legtimo,
garantido por lei; elles provocaram, insultaram, commetteram um crime que, se ainda h
juzes em Berlim ter sua justa e merecida punio.
SECO LIVRE
SECO LIVRE
O CASO DO RIO FEIO
Pouco o que nos resta dizer com referencia as recriminaes contra ns assacadas na
Gazeta de Tatuhy; mormente porque em breve publicaremos nesta folha a cpia de um
officio que remetteremos hoje ao Dr. Chefe de Policia, protestando contra as inexactides do
officio do delegado.
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Sentimos immensamente vermo-nos na contingncia de tomar a penna para desmentir
um documento official, mxime porque estamos acostumados a respeitar com todo
acatamento as autoridades sobre ns constitudas; e se as affirmaes do Delegado s nos
attingisse e no tivessem o alcance de ferir os direitos e a liberdade da Egreja Evanglica,
nada diramos.
Seja-nos permittido entretanto dizer mais duas palavras a respeito. Diz o delegado, no
seu officio, que ns planejvamos a instaurao de um processo judicial... por damnos etc...
Ignorar por ventura a auctoridade policial que o processo que correu perante o foro de
Tatuhy e que hoje est pendente da sentena do Dr. Juiz de Direito foi instaurado ex-officio?
Porque attribuir-nos systematicamente, intenes que nunca tivemos, quando certo j
o dissemos, que ignorvamos absolutamente, ao partir de Guarehy, que havamos de ser
aggredidos em Rio Feio, e quando fomos informados do plano de aggresso no podamos
prever que haviam de se atirar os aggressores com tanto aodamento contra o telhado, as
paredes e portas da casa! Abespinha-se o Delegado porque o Dr. Lane, a quem elle, por
equvoco nada cathlico chama:- o sr. Laude, escrevendo ao General Couto Magalhes usasse
da phrase:- um tal Chico Manuel. Porque tanto, azedume por uma coisa to ftil? ou no o
homem em questo, conhecido e tractado ahi pelo nome de Chico Manuel? H porventura
algum desar em tractar-se um individuo pelo appellido que elle trouxe do lar? Pois porque
tachar de desprezo nada evanglico o modo como o Dr. Lane escreveu o nome pelo qual ahi
vulgarmente conhecido e tractado o homem em questo, quando o delegado no considera
desprezo nada evanglico que outros, que todos ahi o tratam pelo seu nome vulgar:- Chico
Manuel?
Ficaria grato em extremo ao Delegado se elle me indicasse quaes os insultos por mim
atirados contra o catholicismo, precisando mesmo as palavras insultuosas que usei? No
costumamos insultar; respeitamos as opinies de todos e de cada um, o que no impede que
profliguemos os erros o que nunca pode ser tachado de insulto.
Quizera tambm que o Delegado me indicasse qual a auctoridade que, no seu dizer,
me deu mo forte, fazendo-me acompanhar de uma fora para ir ao Rio Feio, e quando isso se
deu? O Delegado no intuito de convencer ao Dr. Chefe de Policia, da extrema tolerncia do
povo do Rio Feio diz que, liberdade tenho eu por toda parte; e para proval-o, cita o facto de
ter eu, ainda pouco celebrado um casamento em Tatuhy. Errou o alvo: o facto de ter eu
celebrado um casamento em Tatuhy no prova a extrema tolerncia do povo do Rio Feio; mas
direi que o facto de ter eu ido celebrar o casamento mencionado, em Tatuhy prova que,
liberdade no tinha eu em Rio Feio; e a razo a seguinte:
O casamento quer eu fui celebrar em Tatuhy era de pessoas residentes em Rio Feio,
seus Paes, os convidados, todos emfim eram do Rio Feio, excepo feita aos que vieram de
So Manuel. Entretanto o casamento no pde ser celebrado no Rio Feio, foi necessrio que
todos, com grande trabalho, viessem a Tatuhy porque alli promettia-se sem rebuos matarem-
me si eu fosse ao Rio Feio. E entretanto ampla liberdade tenho-a por toda a parte!...
Gostaria tambm que o Delegado de Tatuhy precisasse o numero e o nome dos
capangas que me acompanharam no propsito de pr em practica as violncias previamente
medictadas, etc...Pois ser crvel que um homem no possa mais sahir de sua casa
acompanhado de sua mulher ou de seus filhos, que um amigo no possa mais ser
acompanhado de seus amigos sem que a sua mulher, os filhos e amigos fiquem expostos ao
labu de capangas?!!
E no sabe o Delegado que muitos dos homens que me acompanhavam na qualidade
de capangas eram senhoras que em companhia de seus maridos iam ao Rio Feio para
assistirem aos cultos!
No sei porque singular gymnastica, porque extraordinria transformao, o Delegado de
Tatuhy conseguiu fazer do sr. Francisco Manuel, o homem que se constituiu gratuitamente
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meu inimigo, o homem que foi incanvel, implacvel mesmo em concitar contra mim o povo
do Rio Feio; - o homem que comandou os aggressores ao assalto da casa e que alli montou
guarda at alta noite insultando-nos e ameaando-me, sobrepujando o fragor do assalto com
sua voz bem conhecida, no sei, dizia eu, como pde o Delegado transformar o sr. Francisco
Manuel em meu anjo tutelar...
Com franqueza, os mesmos homens a quem o Delegado tenta innocentar, no seu
officio, deve sentir-se envergonhado ao ouvir ler a pea official dirigida pelo Delegado ao Dr.
Chefe de Policia. Vou depor a penna para tornar a tomal-a to depressa quanto o queira a
Gazeta de Tatuhy.
Terminando julgamos poder dizer que tractamos a Gazeta com toda deferncia;
tomando-a na devida considerao de sorte que ella no pode ter razo de queixa contra ns.
Si, porventura, reagimos foi porque, aggredidos, outra cousa no podamos fazer; si na nossa
justa reaco fomos alguma vez um tanto forte foi por ser o attaque bastante violento.
Podemos entretanto garantir que nunca nos animou o esprito de reprezalia, somos, por ndole
e por educao religiosa adversos a pena de talio.
SECO LIVRE
UMA BREVE RESPOSTA
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Anexo 4: Hinos de Composio de Antonio Pedro de Cerqueira Leite. Arquivo Igreja
Presbiteriana de Sorocaba.
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Anexo 5: (Cpia da Carta de Antonio Pedro de Cerqueira Leite a um membro da Igreja
Presbiteriana de Sorocaba. Arquivo da Igreja Presbiteriana de Sorocaba.
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