A Perda Da Realidade Na Neurose e Na Psicose - Texto Freud
A Perda Da Realidade Na Neurose e Na Psicose - Texto Freud
A Perda Da Realidade Na Neurose e Na Psicose - Texto Freud
Livro XIX
Sigmund Freud (1856-1939)
Recentemente indiquei como uma das caractersticas que diferenciam uma neurose de uma
psicose o fato de em uma neurose o ego, em sua dependncia da realidade, suprimir um
fragmento do id (da vida instintual), ao passo que, em uma psicose esse mesmo ego, a servio do
id, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para uma neurose o fator decisivo seria a
predominncia da influncia da realidade, enquanto para uma psicose esse fator seria a
predominncia do id. Na psicose a perda de realidade estaria necessariamente presente, ao passo
que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria evitada.
Isso, porm, no concorda em absoluto com a observao que todos ns podemos fazer, de
que toda neurose perturba de algum modo a relao do paciente com a realidade servindo-lhe de
um meio de se afastar da realidade, e que, em suas formas graves, significa concretamente uma
fuga da vida real. Essa contradio parece sria, porm facilmente resolvida, e a explicao a
seu respeito na verdade nos auxiliar a compreender as neuroses.
Nada de novo existe em nossa caracterizao da neurose como o resultado de uma represso
fracassada. Vimos dizendo isso por todo o tempo, e apenas devido ao novo contexto onde
estamos considerando o assunto foi necessrio repeti-lo.Incidentalmente, a mesma objeo surge
de maneira sobremodo acentuada quando estamos lidando com uma neurose na qual a causa
excitante (a cena traumtica) conhecida e onde se pode ver como a pessoa interessada volta
as costas experincia, e a transfere amnsia. Permitam-me retornar, a ttulo de exemplo, a um
caso analisado h muitos anos atrs, em que a paciente, uma jovem, estava enamorada do
cunhado. De p ao lado do leito de morte da irm, ela ficou horrorizada de ter o pensamento:
Agora ele est livre e pode casar comigo. Essa cena foi instantaneamente esquecida e assim o
processo de regresso, que conduziu a seus sofrimentos histricos, foi acionado. Exatamente
nesse caso , ademais, instrutivo aprender ao longo de que via a neurose tentou solucionar o
conflito. Ela se afastou do valor da mudana que ocorrera na realidade, reprimindo a exigncia
instintual que havia surgido isto , seu amor pelo cunhado. A reao psictica teria sido uma
rejeio do fato da morte da irm.
Poderamos esperar que, ao surgir uma psicose, ocorre algo anlogo ao processo de uma
neurose, embora, claro, entre distintas instncias na mente. Assim, poderamos esperar que
tambm na psicose duas etapas pudessem ser discernidas, das quais a primeira arrastaria o ego
para longe, dessa vez para longe da realidade, enquanto a segunda tentaria reparar o dano
causado e restabelecer as relaes do indivduo com a realidade s expensas do id. E, de fato,
determinada analogia desse tipo pode ser observada em uma psicose. Aqui h igualmente duas
etapas, possuindo a segunda o carter de uma reparao. Acima disso, porm, a analogia cede a
uma semelhana muito mais ampla entre os dois processos. O segundo passo da psicose,
verdade, destina-se a reparar a perda da realidade, contudo, no s expensas de uma restrio
com a realidade seno de outra maneira, mais autocrtica, pela criao de uma nova realidade
que no levanta mais as mesmas objees que a antiga, que foi abandonada. O segundo passo,
portanto, na neurose como na psicose, apoiado pelas mesmas tendncias. Em ambos os casos
serve ao desejo de poder do id, que no se deixar ditar pela realidade. Tanto a neurose quanto a
psicose so, pois, expresso de uma rebelio por parte do id contra o mundo externo, de sua
indisposio ou, caso preferirem, de sua incapacidade a adaptar-se s exigncias da
realidade, [Necessidade]. A neurose e a psicose diferem uma da outra muito mais em
sua primeira reao introdutria do que na tentativa de reparao que a segue.
Existe, portanto, outra analogia entre uma neurose e uma psicose no fato de em ambas a
tarefa empreendida na segunda etapa ser parcialmente mal-sucedida, de vez que o instinto
reprimido incapaz de conseguir um substituto completo (na neurose) e a representao da
realidade no pode ser remodelada em formas satisfatrias (no, pelo menos, em todo tipo de
doena mental). A nfase, porm, diferente nos dois casos. Na psicose, ela incide inteiramente
sobre a primeira etapa, que patolgica em si prpria e s pode conduzir enfermidade. Na
neurose, por outro lado, ela recai sobre a segunda etapa, sobre o fracasso da represso, ao passo
que a primeira etapa pode alcanar xito, e realmente o alcana em inmeros casos, sem transpor
os limites da sade embora o faa a um certo preo e no sem deixar atrs de si traos do
dispndio psquico que exigiu. Essas distines, e talvez muitas outras tambm, so resultado da
diferena topogrfica na situao inicial do conflito patognico ou seja, se nele o ego rendeu-
se sua lealdade perante o mundo real ou sua dependncia do id.
Segundo uma declarao em nota de rodap traduo inglesa (C.P., 2, 277), ela foi, na
realidade, publicada antes do original alemo. A presente traduo inglesa baseia-se na de 1924.
Este artigo foi escrito em fins de maio de 1924, pois foi lido por Abraham durante esse ms. Ele
prossegue o debate iniciado no trabalho anterior Neurose e Psicose (1924b), pg. 215, adiante,
o qual amplia e corrige. Algumas dvidas a respeito da validade da distino traada nestes dois
trabalhos foram posteriormente debatidas por Freud, em seu artigo sobre Fetichismo (1927e).