SASSATELLI, Alternativ
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da comida1
Roberta Sassatelli2
1 N.E.: Uma primeira verso deste artigo foi publicada, em ingls, no livro Qualities of food,
organizado por Harvey, McMeeking e Warde, em 2004. A traduo de Caio Prestes Ges
Rocha (Tradutor Portugus e Ingls pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
graduado em letras, obteve seu First Certificate in English, conferido pela University of
Cambridge, Inglaterra, em 2007 E-mail: caioprestesgoesrocha@gmail.com). Cabe ressaltar
que, por se tratar do artigo especial de abertura do dossi, ao presente texto no se aplicam
as normas de submisso, edio e padronizao da revista.
2 Roberta Sassatelli lecionou na Universidade de East Anglia (Norwich, Reino Unido) e na
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deles nas diferentes formas de coabitao, por exemplo , quanto por seus
atributos especiais nas sociedades contemporneas. O consumo de alimentos
hoje um campo bastante dinmico, com mudanas e inovaes que esto, at
certo ponto, comprometendo seu funcionamento enquanto um caminho
tomado por certo para o senso de identidade e pertencimento das pessoas
(WARDE, 1997). Em termos gerais, trata-se de um campo que j est
embutido de moral, mas que tambm constitui espao para a traduo prtica
de vises morais e polticas. De fato, ao observarmos as formas como a cultura
do consumo vem sendo criticada na sociedade contempornea, percebemos
que o consumo de alimentos uma maneira pela qual as pessoas comeam a
imaginar um mundo diferente.
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persistente batalha sobre como julgar e justificar este algo como valendo a
pena e estando correto, ou como sendo insignificante e destruidor corruptor.
Desta perspectiva, os discursos morais podem ser conceitualizados
como baseados em repertrios de avaliao ou ordens de valor, que
precedem o indivduo e se mantm disposio durante as situaes, mesmo
quando concludos, salientados e transformados por pessoas em condies e
circunstncias especficas (BOLTANSKI e THVENOT, 1991; LAMONT e
THVENOT, 2000; WILKINSON ,1997; WAGNER, 2001). Tais repertrios se
enfatizam especialmente em momentos ou episdios de contestao e podem
inverter ou derrubar discursos (e justificaes) convencionais e estabelecidos,
levando a uma mudana em sua percepo. Bem sucedida ou no, a
contestao explicita o que em circunstanciais normais tcito e dado como
certo.
A contestao pode, assim, ser vista como um fenmeno de mltiplos
nveis, que envolve processos de categorizao distintos, alguns identificados
como prticos e outros como discursivos. Em outras palavras, deixando de
lado a importante questo de sua eficcia, estes processos de categorizao
podem ser relativamente explcitos e conscientes de sua condio enquanto
forma de protesto. Assim como acontece com a reproduo da ordem, a
contestao ocorre acima de tudo por um processo cotidiano de categorizao.
Na rotina diria, h distines evidentes entre tipos de consumo e suas
prticas, e a ideia de que somos todos consumidores to importante quanto
a de que todos consumimos de formas diferentes. A regulamentao social do
consumo com seus nveis de impregnao variando desde hbitos implcitos
at condutas obrigatrias (de instituies), regras altamente formalizadas e a
implementao de polticas sociais hoje baseada, como foi no passado, na
classificao de bens, espaos de consumo e tipos de consumidores diferentes.
A literatura referente a prticas de consumo est repleta de exemplos de como
os consumidores usam bens para atribuir valor moral a suas aes e relaes
(BOURDIEU, 1979; DE CERTEAU, 1984). Tanto consumidores quanto bens
podem ser ditos normais ou desviantes, justos ou injustos, inocentes ou
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Meu interesse pelo conjunto de discursos que cercam o que parece ser
um fator importante no consumo de alimentos nas sociedades ocidentais,
reunidos sob o rtulo de consumo alternativo, que pode identificar uma srie
de prticas e discursos heterogneos, por todo o mundo desenvolvido,
carregando uma crtica ao consumo (ou certas formas dele) e propondo novos
estilos de vida. Aqueles que o defendem parecem ter razo quando dizem que
podemos tom-lo como indicadores de uma lenta e silenciosa revoluo
cultural, relacionada ao medo dos mtodos capitalistas e industriais de
produo de alimentos. Com certeza, o consumo alternativo destes um
campo importante para conceitualizar como certas coisas so classificadas
como boas para comer, ressaltando que esta propriedade est intimamente
relacionada com a atribuio de qualidade moral aos alimentos. Isto ocorre
por estas diversas formas alternativas de consumo alimentar e seus discursos
raramente referirem-se apenas ao que se come: esto inseridos num contexto
de questes mais amplas, implicados com noes de justia, propriedade,
natureza, sade, etc., que funcionam como cdigos para justificao prtica
de aes.
O crescimento das autoproclamadas formas alternativas de consumo
como manifestado pelo aumento na demanda de alimentos orgnicos na
Europa e nos EUA, ou pela expanso na variedade de produtos de Fair Trade
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(FT) [Comrcio Justo] disponveis costuma ser usado como exemplo do que
vem sendo amplamente descrito como uma ampla revoluo cultural.
Contudo, evidente que o consumo alternativo no pode ser considerado
apenas como um fenmeno de demanda. A mudana para o consumo verde,
FT e produo sustentvel , por exemplo, defendida tambm por
cooperativas de distribuidores em todo o mundo como se pode observar na
forte declarao feita no ano 2000 por Aliza Gravitz, diretora executiva da Co-
opAmerica, nos EUA, ou na recente campanha pelo consumo tico promovida
pela Co-opItalia, na Itlia. Por este ponto de vista, o consumo verde aparece
como uma estratgia de marketing para diversificao de produo (ou mesmo
mercado de nicho), usado por empresas em relativa desvantagem frente ao
aumento da concentrao.
Contudo, o consumo alternativo parece envolver uma mudana na
maneira com que os alimentos so classificados como "bons para comer".
Novas prticas e discursos de consumo frequentemente invertem aqueles j
estabelecidos sobre usos e recomendaes. Por exemplo, a Ethical Consumer
(www.ethicalconsumer.org) uma grande associao pela compra tica e
responsvel no Reino Unido oferece a seus scios uma revista (de mesmo
nome) que pretende servir como guia de produtos progressistas, ajudando a
evitar empresas e produtos antiticos, bem como fornecendo opes das
melhores opes ticas de compra (GABRIEL e LANG, 1995). Tais opes
so definidas por diversos critrios, que transcendem o interesse prtico de
curto prazo do consumidor individual e contemplam efeitos posteriores a um
espectro mais amplo de pessoas. Incluem impacto ambiental (pela poluio,
energia nuclear), nos animais (em testes, criao mecanizada), nos seres
humanos (governos opressivos, direitos de trabalhadores, comrcio
irresponsvel), e outros critrios que envolvem mais de uma questo, como o
uso de transgnicos. A lgica clssica individualista e prtica de escolha de
produtos como se pode observar na abordagem de custo/benefcio de
revistas bem sucedidas como a Which? no Reino Unido e a Altroconsumo na
Itlia faz-se insuficiente, apesar de tambm ser expressa. Alm disto,
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podem dar aos consumidores mais controle sobre suas escolhas. Ainda
seguindo esta lgica, temos a ideia de que a rotulao de produtos, como feita
tradicionalmente por campanhas consumistas, no basta, e que
consumidores ticos precisam saber o custo em sustentabilidade de suas
escolhas quanta poluio foi gerada e quantos recursos no renovveis
foram gastos na produo e distribuio de qualquer bem. A soberania do
consumidor se torna algo distinto das escolhas de consumo previstas nas
variveis selecionadas pela economia neoclssica e pelas ideologias do livre
mercado (como preo e quantidade). A lgica de custo/benefcio perde a
validade quando o alvo tanto a satisfao individual quanto uma srie de
benefcios pblicos. A soberania do consumidor em si deixa de seguir
premissas hedonistas e passa a se basear em responsabilidade. De modo
geral, isto parece sugerir que nas diversas formas de consumo alternativo h
em diferentes nveis uma tentativa de restabelecer uma relao direta com
os alimentos (e demais bens), voltada para conter riscos, na percepo de que
o indivduo no est mais no controle de seu mundo material percepo,
esta, que acompanha o crescimento da cultura material e a separao entre
as esferas de produo e consumo (SASSATELLI e SCOTT, 2001).
Apesar de podermos considerar que os limites do consumo alternativo
de alimento seriam definidos pelas tenses envolvidas no estabelecimento de
uma relao diferente com o que se come, e mesmo quando uma variedade de
questes relacionadas se juntam em grandes iniciativas anticonsumistas
como o Dia Mundial Sem Compras, ainda possvel identificarmos questes
muito distintas e at contrastantes. Como sugeri, nem todas as formas
alternativas de consumo se caracterizam por preocupaes ambientais da
mesma maneira e nem mesmo s por este tipo de preocupao. Cada forma
tem sua prpria complexidade. Pesquisas sobre vegetarianismo (como
TWIGG, 1983; BEARDSWORTH e KEIL, 1992), consumo verde (JAMES,
1993), consumo verde alternativo (BELASCO, 1993) e alimentos orgnicos
(MIELE e PINDUCCIU, 2001), por exemplo, indicam que temas distintos
contribuem tipicamente para cada forma especfica, e que elas esto longe de
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Concluso
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