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Fé e Razão Na Sociedade Pós Moderna

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Revista Eletrnica Espao Teolgico ISSN 2177-952x maio/2010/pp.

37-46

DESAFIOS DA F E DA RAZO NA SOCIEDADE PS-MODERNA


(Challenges of Faith and of Reason in the Post-Modern Society)
Thiago Nunes Barros
Licenciado em filosofia pelo Instituto Salesiano
De Filosofia (INSAF), ps-graduado em pedagogia salesiana
pela Faculdade Salesiana do Nordeste (FASNE),
atualmente bacharelando em teologia no Centro Universitrio
Salesiano (UNISAL) em So Paulo - SP - Brasil.
E-mail: thiagosdb@yahoo.com.br.

Resumo Abstract

O artigo uma sntese da comunicao apresentada The article is a summary of the paper presented at the
no VI Congresso de Teologia de So Paulo com o VI Congress of Theology in St. Paul with the theme
tema Tempos urbanos: desafios da pastoral na "Times urban: the challenges of ministry in the big
grande cidade. O texto trata da relao entre city." The text deals with the relationship between
modernidade e ps-modernidade desvelando os modernity and postmodernity, revealing the
reptos que se impem a f e a razo no espao challenges which are imposed on faith and reason in
urbano contemporneo. Os desafios ideolgicos contemporary urban space. The ideological challenges
fundados nas caractersticas fundamentais desse based on the fundamental characteristics of this
momento da histria tocam as relaes humanas e a moment in history touching human relationships and
prtica pastoral, pois se referem essencialmente pastoral practice because they relate primarily to the
verdade, aos valores, tica e vida. Essa truth, values, ethics and life. This complexity also
complexidade reverbera tambm nos recentes reverberates in the recent speeches of the Magisterial
discursos do magistrio da Igreja, denotando a of the Church showing the concern and attention to
preocupao e a ateno com o homem integral que the whole man who is facing these provocations.
est diante dessas provocaes.

Palavras-chave: F. Razo. Ps-modernidade. Keywords: Faith. Ratio. Postmodernity. Modernity.


Modernidade. Desafio. Metanarrativa. Challenge. Metanarrative.

Introduo
A expresso ps-modernidade repleta de controvrsias no cenrio cultural. Muitos tm
grandes resistncias ao prefixo. Da a primeira dificuldade que encontramos, haja vista a
grande gama de significados para denominar esse momento da histria. Destacamos entre
essa diversidade as seguintes definies: Modernidade avanada, P. Libanio; Modernidade
ps-crist, P. Vaz; Radicalizao da modernidade, Giddens e Beck; Capitalismo tardio,
Jamesson; Ultra-modernidade, Morin; Era do simulacro, Baudrillard; Era do vazio,
Lypovetsky; Modernidade lquida, Bauman; Fim da histria, Fukuyama; poca da virada,
McLaren; Nova fase da histria, Gadium et Spes n.04.
Frente multiplicidade de significantes, consideramos a plausibilidade e a lucidez com a qual
o Papa Joo Paulo II se referiu a esse momento histrico e suas implicaes para a f e a
razo:
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A nossa poca foi definida por certos pensadores como a poca da ps-
modernidade. Este termo, no raramente usado em contextos muito
distanciados entre si, designa a apario de um conjunto de fatores novos,
que, pela sua extenso e eficcia, se revelaram capazes de determinar
mudanas significativas e duradouras. (...) Uma coisa, todavia, certa: as
correntes de pensamento que fazem referncia ps-modernidade
merecem adequada ateno. Segundo algumas delas, de fato, o tempo das
certezas teria irremediavelmente passado, o homem deveria finalmente
aprender a viver num horizonte de ausncia total de sentido, sob o signo
do provisrio e do efmero. Muitos autores, na sua crtica demolidora de
toda a certeza e ignorando as devidas distines, contestam
inclusivamente as certezas da f. (JOO PAULO II, Fides et Ratio, n. 91
grifos nossos).
Entretanto, nesse trabalho, a definio oferecida por Lyotard revela bem o propsito da ps-
modernidade: incredulidade com relao s metanarrativas. As certezas, as referncias, as
grandes respostas so postas em xeque na contemporaneidade. A subjetividade, desse modo,
alcana o seu apogeu. O homem incrdulo, e cada um individualmente, o critrio; o certo e
o errado ganham status de categorias relativas. Essa incredulidade, para ns, o desafio-mor
f e razo.
1. Da modernidade ps-modernidade
O projeto da modernidade foi caracterizado resumidamente, por Max Weber, como o
desencantamento do mundo. Isto implica uma virada epistemolgica. A supremacia est no
saber do homem. Emerge, assim, uma cultura antropocntrica e secular que deposita na razo
uma ilimitada confiana; chega-se fundamentalmente f na racionalidade e no progresso e a
crena na sociedade promissora.
Nesse dado momento da histria, ns percebemos um claro rechao metafsica medieval em
detrimento da ascenso da razo revestida da capacidade de emancipar o homem. Com isso,
ganha espao e prerrogativas importantssimas que vo demarcar radicalmente a histria da
humanidade, dentre essas realamos a viso mecanicista apresentada por Descartes, baluarte
da cincia emprica/moderna e ainda da contemporaneidade, em muitos casos.
Os contemporneos, especialmente a escola de Frankfurt, questionam o xito do projeto
moderno. Eles tecem uma aguda critica a razo iluminista. O progresso apregoado pelas
cincias e as tcnicas no conseguiu gerar um homem emancipado, pelo contrrio, formou
um mundo inseguro, instvel, medroso, inquieto, sem referenciais duradouros ou no mnimo
confiveis. Os instrumentos, supostamente de libertao, se converteram em instrumental
de destruio; os avies, os governos autoritrios, a misria e as guerras conduziram o
homem ao resgate das suas aes mais primitivas, chegando a ponto de favorecer uma das
maiores atrocidades da humanidade: o holocausto, a vitria da desrazo, o apogeu da
barbrie.

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Nesse sentido, a denncia de Adorno e Horkheimer so muito pertinentes. A racionalidade


tornou-se instrumental, o conhecimento foi somado ao poder gerando a
reificao/coisificao do homem: o eclipse da razo. As conseqncias disso chegam, de
acordo com Alain Touraine e Gaston Bachelard, epistemologia dando vazo ao relativismo.
Aquilo que um dia foi imaginado como um porvir glorioso no final das
contas no deixou o homem mais feliz. Livre da submisso religiosa e
guiado unicamente por sua razo, o homem seria o dono de seu destino,
imaginava-se. Mal desconfiavam os iniciadores desse programa que essa
razo, libertadora das cadeias do autoritarismo, haveria de converter-se
ela mesma numa espcie de novo deus cujas divindades menores
haveriam de conduzir os homens a uma nova forma de alienao.
(GOERGEN, 2005, p. 08)
A razo, portanto, converteu-se num mito denncia feita por Adorno e Horkheimer na
Dialtica do Esclarecimento da calculabilidade e do mundo administrado. Em suma, a
razo esqueceu a exigncia de pensar o pensamento, consequentemente ela no fez o homem
ser mais humano.
A ps-modernidade foi descrita de forma muito interessante por D. Oscar Andres Cardeal
Rodriguez, arcebispo em Honduras, levando em conta dados histrico-sociais e scio-
psicolgicos. O cardeal tem apresentado contribuies muito interessantes para a leitura da
ps-modernidade em domnio eclesial. Dentre os dados, destacamos na compreenso
histrica: o desaparecimento das grandes figuras carismticas e o surgimento de pequenos
dolos fugazes e volteis; a converso dos MCS em transmissores/ditadores da verdade; a
perda da intimidade, a converso da vida em show; a dessacralizao da poltica, etc. Quanto
abordagem psicolgica realamos: o processo de perda da personalidade individual
massificao; a predominncia do culto ao corpo e a liberdade pessoal; a perda da f na razo
e na cincia; culto a tecnologia e a virtualidade nas relaes.
A passagem da modernidade ps-modernidade muito mais tnue que ns podemos
realmente imaginar. Limites se apresentam, benefcios so reconhecidos, valores so
relegados em nome do progresso que no trouxe felicidade a sede do homem. Resta-nos,
assim, almejar a lucidez da f e da razo sem perder a esperana.
2. Caractersticas fundamentais da ps-modernidade e os desafios
A incredulidade em relao s metanarrativas d vida a novos processos de subjetivao,
novos modos de ser e estar no mundo. Esse processo atinge cabalmente as prticas
discursivas gerando continuidades e descontinuidades histricas. Recordemos que a fora da
f e da razo est, no s, na prtica do discurso, na transmisso da f, no veculo da
educao e nas formulaes da razo.
Quatro so, em nossa percepo, as caractersticas fundamentais da ps-modernidade. Elas
geram desafios ideolgicos que tocam profundamente as nossas relaes humanas e a nossa
prtica educativo-pastoral. Referem-se essencialmente verdade, aos valores, tica e vida.

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2.1 Decadncia das metanarrativas e fragilizao da verdade


Na modernidade postulava-se uma espcie de unificao do mundo e das representaes, ou
seja, a homogeneizao fazendo uso das metanarrativas. Os grandes relatos de referncia,
identificados como metanarrativas, tinham de forma intrnseca uma funo de legitimao,
aproximando-se eventualmente da idia mtica. No contexto ps-moderno, isso deposto;
novas epistemologias ocuparo o cenrio fragmentando, por conseguinte a verdade. Emerge,
assim, a grande expresso filosfica do pluralismo: a fragilizao da verdade.
Em 1979, Lyotard escreve como concluso de uma pesquisa encomendada pelo governo
canadense, o livro A condio ps-moderna. Neste texto atesta-se a impossibilidade de se
crer nas metanarrativas devido h alguns fatos histricos que marcaram o fracasso de alguns
discursos que tinham a pretenso de responder e propor o novo indispensvel e perfeito;
exemplos clssicos tornaram-se o comunismo e o socialismo.
As metas-narrativas so entendidas a partir de dois prismas singulares: a especulao
enquanto aspirao de explicao do universo, e a emancipao expressa como libertao do
mito. Essa pretenso de universalidade implica uma base epistemolgica formada por trs
elementos em relao. Primeiro, o indivduo cognominado senhor do mundo, possuidor da
autoreferencialidade geradora do desafio do EGOCENTRISMO; como dizia o rei francs a
razo sou eu. Outro componente a histria que se desenrola rumo emancipao
redimensionando estatutos sociais e at mesmo ticos. Por fim, a razo que viabiliza o
desenvolvimento cientfico-tecnolgico tornando-o uma supremacia abstrata; daqui advm o
conceito de povo diferente ao de multido que gerar posteriormente o declnio efetivo da
metanarrativa com Auschwitz onde a falibilidade da razo ser averiguada.
Com o declnio, algo vem ocupar o espao. Prefere-se na ps-modernidade os relatos
especficos a metanarrativas. As tribos, os grupos formados por afinidades das mais diversas,
por pessoas com identidades frgeis em busca de superar crises existenciais e encontrar
iguais corroboram a tese da fragmentao da verdade, da metafsica e do saber. Desse
painel surge o desafio do RELATIVISMO, afirmao da relatividade do conhecimento
humano e a incognocibilidade do absoluto e da verdade em razo dos fatores aleatrios e/ou
subjetivos. Isso ocasionar a emergncia da racionalidade procedimental que se converter
tambm em desafio, o CIENTIFICISMO como apelo ao autntico rigor cognitivo. Outra
conseqncia dir-se- da historificao da razo, o HISTORICISMO convertido como
fundamento/dimenso mais profunda da realidade.
Antropologicamente encontram-se tambm decorrncias. O homem moderno que tinha
certezas por meio das metanarrativas escanteado pelo homem ps-moderno irnico e
utilitrio. As incertezas daro luz ao PLURALISMO e a praticidade referente ser traduzida
como PRAGMATISMO, corrente filosfica defendida por grandes e renomados expoentes
entre eles ns destacamos Rorty, Peirce e James.

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A reviravolta lingstica tambm encontrar seu espao nesse mundo plural. O


LINGUISTICISMO se converter na pedra de toque do embate com a metafsica. A lgica
proposicional, os jogos de linguagem, a filosofia de Wittgenstein, de Derrida e dos membros
do Crculo de Viena imporo, de uma forma ou de outra, uma pergunta metafsica: como
dizer o transcendental a partir do reconhecimento dos nossos limites humanos e da nossa
necessidade racional na forma como o acolhemos? Como lidar e apresentar intuies
metafsicas fundamentais num mundo to plural e matemtico?
2.2 Retrao do espao e da temporalidade
A compreenso do tempo, da vida e do futuro configura-se de outra maneira na
contemporaneidade. O carpe diem, no future de Mafessoli torna-se a palavra de ordem. A
idia de presentismo ou presentificao implica a verificao de novos valores
caracterizados pela simultaneidade e pela sua forma de ser etreos.
A teleologia sofre uma guinada. Na modernidade acreditava-se no objetivo de mudar o
mundo, transform-lo, libert-lo. Na ps-modernidade a subjetividade passa a ditar os rumos;
o importante gozar o mundo, o futuro e o trabalho so relativizados. A tica do instante,
do aqui e agora dita as normas de convivncia. Assim as relaes tornam-se lquidas, como
defende Bauman. As prticas difusas convertem-se em HEDONISMO, onde o importante
no sofrer, nem se desgastar. A versatilidade em vista da vantagem rpida manifestada pelo
IMEDIATISMO.
A modernidade concebia na idia de adiamento do gozo; o trabalho era uma das vias para se
conquistar o futuro, a salvao. Obviamente isso favorecia o capital. Hoje o carto de crdito
confirma a necessidade de se viver o agora e de ter tudo a mo, porque o amanh incerto e o
ponto alto da meta a ser atingida no para todos. O capital tambm assim beneficiado.
Algumas metasnarrativas cederam ao risco de se filiar ao status de ideologia. A psicanlise
pode ser tomada como exemplo. Em nome do consumismo defendeu-se o LAXISMO,
autorizando a permissividade e o declnio dos interditos. Em nome do corpo, da libido e do
prazer o INSTANTENESMO foi postulado. A memria, assim, foi posta em crise; o agora
o que realmente importa.
Devido ao avano tecnolgico, o tempo e o espao contraem-se. O advento da internet,
verificada enquanto vis de tempo real oferece a sensao de simultaneidade, de
presentificao. Desse modo, o INDIFERENTISMO ganha campo visto que so imagens em
relao e nada mais. Recordamos aqui Baudrillard e seus conceitos de simulacro e
simulaes, real e virtual. Os avies indicam por um lado um grande benefcio para
humanidade como tambm a perda da noo de espao e tempo, alm de paradoxos
econmicos e sociais.
A retrao da temporalidade provoca, portanto, a morte das utopias. Onde acaba a esperana
chega-se ao inferno, como escreveu Dante. A ausncia das utopias, denunciada por Marcuse,
verifica-se problemtica porque patrocina o NIILISMO, negao das crenas e convices na
tica de Nietzsche.

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2.3 Trade sedutora e controversa: tica, esttica e consumo


Na modernidade o homem entendia-se como ser do dever que encontrava sua autonomia com
o outro (imperativo categrico kantiano). A arte reveladora da esttica estava separada da
vida tica. Na ps-modernidade a tica e a esttica unem-se na busca do gozo e no rechao do
dever. O estilo de vida deste ser do gozo marcado pelas escolhas que consideram acima de
tudo os desejos, as volies; esse estilo, foi identificado por Foucault como a esttica da
existncia. Alis, a esttica a marca da ps-modernidade, o veculo onde se compartilham
as emoes. As tribos pautam-se pela identificao e pelo prazer de estar juntos vivendo a
tica da esttica.
A oposio entre sociedade do dever e sociedade ps-moralista foi tambm uma dos temas
de Lipovetsky: a ideologia do dever ope-se a busca do bem-estar consumista; a ordem moral
coliga-se ao prazer proibido; a lgica do consumo de massa exprime-se na esttica do gozo.
Deus, ptria, famlia, futuro s valem como meios para a auto-realizao pessoal; isso d
margem para o conceito de UTILITARISMO associado Bentham.
A cooptao entre tica e esttica desemboca no culto ao corpo e na valorizao da aparncia.
Essa soma favorece o NARCISISMO e, por conseguinte o ATESMO como resposta ao
FARISASMO. A onipresena da mdia indica a necessidade de se alimentar o desejo de
consumo. Esses mesmos MCS favorecero o surgimento de um desafio instigante, a
COLONIZAO DA VIDA, onde est presente a simbiose entre mercado e mdia resultando
na adio da catarse e do consumo; a cultura da imagem destacar-se- enquanto
VOYEURISMO. Nesse nterim a iluso ser resultante dos JOGOS DE SEDUO com
lgicas e instncias prprias por meio de novas subjetividades seladas pela via do controle e
do poder desterritorializado, como esclareceu Deleuze.
A percepo de imagens idealizadas criar guerras estticas e econmicas. O sentimento de
culpa, tpico da modernidade ser substitudo pela anorexia, depresso, pnico, etc. O outro
se equiparar a objeto de consumo onde tudo vale inclusive a violncia: BANALIZAO
DA VIDA. O indivduo cada vez mais se sentir enfraquecido e necessitado do
CONSUMISMO para continuar vivendo e sendo.
2.4 Mercantilizao da vida
O declnio das metanarrativas, a fragmentao da verdade, a esttica da vida explicam o mal-
estar generalizado que se d sob o pano de fundo da insegurana diante da impossibilidade de
se planejar o futuro a longo prazo. Arvorada, desse modo, a vida transformada em
mercadoria, aduaneiro de um novo capitalismo.
Os extremos do capitalismo corroem o carter, como sublinha Sennett. A insegurana dar
espao ao SINCRETISMO como busca de resposta para os porqus da suspeita e da ausncia
de certeza. Porm, torna-se problemtica a falta de critrios para tanto. Cai-se, por vezes,
assim, no FIDESMO e no FUNDAMENTALISMO. Essa procura de solues chega
tambm s biografias individuais almejando encontrar respostas para problemas socialmente
produzidos bloqueando, desse modo, as sadas coletivas e terminando, amide, na defesa e
vivencia do LAICISMO.

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O capitalismo expresso assim apadrinha a diluio das fronteiras entre economia e cultura. A
economia ocupa o lugar de protagonista. As conseqncias fazem-se ntidas na
desregulamentao das relaes de trabalho e no cdigo moral da sociedade. D-se, ento, o
aumento do INDIVIDUALISMO, o enfraquecimento do lao social e a produo de uma
cultura narcsica preocupada s consigo mesma.
A fabricao do objeto, meta do capitalismo clssico cede necessidade do desejo e da
crena em nome do capitalismo cognitivo. A nova vertente capitalista exige um novo modelo
de trabalho. A flexibilidade marcar a subjetividade reflexa nas tarefas. Temos aqui a
ascenso do CONFORMISMO. A dedicao integral captura o trabalho e a vida completa do
indivduo. Positivamente interpretada a potncia de produzir alm da jornada que se
confunde como espao de inter-relaes contnuas onde no h diferena entre tempo de
trabalho e tempo de vida.
Portanto, na ps-modernidade o trabalho mudou e continua mudando. A valorizao sinal
evidente. Hoje o que conta o trabalho vivo, imaterial, intelectual, o que mvel no espao e
flexvel no tempo. O valor est sob o CAPITALISMO COGNITIVO, na cooperao entre
crebros, na alimentao do desejo e da vontade, na inteligncia e na crena.
O fenmeno multifacetado favorecido pela GLOBALIZAO tem a ver com um modo de
vida aberto, pblico, sem ambiente definido. A versatilidade acoberta o MOBILISMO. A
vida comercializada num novo modelo de produo capitalista usando a subjetividade
flexionada.
3. Ressonncias dentro da Igreja
A Igreja, sensvel aos sinais dos tempos, demonstra-se compassvel s aflies e buscas
humanas. Alis, essa foi a grande ideia confirmada e assumida pelo Conclio Vaticano II,
proporcionada na Constituio Pastoral Gaudium et Spes. O magistrio Pontifcio, inmeras
vezes, revelou-se atento aos problemas da humanidade, especialmente quando as novidades
ameaavam ferir o resguardo da vida humana e da mensagem evanglica.
A ps-modernidade desafia a Igreja vivamente. A resposta eclesial no se furta aos seus
deveres e nem muito menos se precipita diante da ansiedade e do clamor de algumas pessoas
que parecem caminhar ao vento aspirando a companhia de todos, desejosos de no ter que
enfrentar nada que possa questionar seus ideais e suas veleidades. A coerncia, a adeso da
f, a novidade vivida e pregada por Cristo e a racionalidade da f so questionadas por
diversos segmentos sociais.
Em uma das passagens mais importantes da homilia da Missa de abertura do conclave, o
ento Cardeal Ratzinger afirmava sabiamente:
Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes ltimos decnios, quantas
correntes ideolgicas, quantas modas de pensamentos... A pequena barca
do pensamento de muitos cristos no raramente foi agitada por essas
ondas - jogada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, at
ao libertinismo; do coletivismo ao individualismo radical; do atesmo a
um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e assim
por diante. Todo dia nascem novas seitas e se realiza quando diz So

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Paulo sobre o engano dos homens, sobre a astcia que tende a arrastar ao
erro. Ter uma f clara, segundo o Credo da Igreja, frequentemente
etiquetado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto o
deixar-se levar "aqui e acol por qualquer vento de doutrina", aparece
como a nica atitude que no reconhece nada como definitivo e que deixa
como ltima medida somente o prprio eu e as suas vontades.
(CARDEAL RATZINGER Homilia da Missa Pro Eligendo Romano
Pontfice, 18-abril-2005).
O progresso, a tcnica, a fragmentao inclinam-se ao estabelecimento de dicotomias. Os
homens tendem a se sentirem cindidos internamente. A f e a razo so polarizadas em
pessoas sedentas e ameaadas pelas inmeras possibilidades.
(...) ameaas que resultam destas mesmas possibilidades e devemos
perguntar-nos como poderemos domin-las. Consegui-lo-emos apenas se
razo e f voltarem a estar unidas duma forma nova; se superarmos a
limitao autodecretada da razo ao que verificvel na experincia, e
lhe abrirmos de novo toda a sua amplitude. Neste sentido, a teologia no
s enquanto disciplina histrica e humano-cientfica, mas como
verdadeira e prpria teologia, ou seja, como indagadora da razo da f,
deve ter o seu lugar na universidade e no amplo dilogo das cincias.
(PAPA BENTO XVI, Aula Magna da Universidade de Regensburg, 12-
set-2006).
A cultura ocidental revela-se pretensiosamente universal e auto-suficiente, geradora de um
novo estilo de vida como vimos acima. Isso implica, de acordo com o parecer do Papa Bento
XVI, uma nova onda de iluminismo e laicismo, onde s seria racionalmente vlido o que
experimentvel e calculvel, da mesma forma no campo da prxis a liberdade individual
erigida em valor fundamental aos quais, todos de uma forma ou de outra, deveriam anuir e
sujeitar-se.
Em estreita relao com tudo isto tem lugar uma reduo radical do
homem, considerado um simples produto da natureza, como tal no
realmente livre e por si s susceptvel de ser tratado como qualquer outro
animal. (...) Nesta mesma linha, a tica reconduzida at aos confins do
relativismo e do utilitarismo, com a excluso de todo o princpio moral
que seja vlido e vinculante por si mesmo. (PAPA BENTO XVI,
Discurso no IV Congresso nacional da Igreja Italiana, 19-out-2006).
A Igreja, em sntese, est a par do cenrio cultural que estamos vivendo. O atual Papa, como
os seus predecessores, tem conscincia da complexidade das questes suscitadas nos ltimos
anos. Respostas esto sendo buscadas em nome da unidade do Evangelho de Cristo cujo
centro converge para a compreenso do homem inteiro em relao e na construo da
histria.
Consideraes finais
O sufixo ismo, em muitos ambientes, ridicularizado e desconsiderado em nome de
tendncias pragmticas. No nosso trabalho ele aparece como caracterizador dos desafios por
ns elencados. Na verdade, ele foi literalmente evocado enquanto expresso de doutrina,

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sistema, teoria, tendncia, corrente etc. Visto que os desafios emergem em meio a problemas
contemporneos com a pretenso de preencher as lacunas proporcionadas pela ausncia das
metas-narrativas.
O enredamento social atual provoca a f e a razo de forma muito singular. O enigma da
esfinge permanece muito vivo entre ns; ou deciframo-lo ou seremos devorados enquanto
educadores da f.
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Thiago Nunes Barros


Licenciado em filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (INSAF), ps-graduado em
pedagogia salesiana pela Faculdade Salesiana do Nordeste (FASNE), atualmente
bacharelando em teologia no Centro Universitrio Salesiano (UNISAL) em So Paulo - SP -
Brasil. E-mail: thiagosdb@yahoo.com.br.
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