A Politica Social Evaldo Vieira
A Politica Social Evaldo Vieira
A Politica Social Evaldo Vieira
da Constituio
Federal de 1988:
Art. 3
- Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; II - garantir o desenvolvimento
nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.
Entrelaando educao e desenvolvimento, Pinto Ferreira considera
o seguinte:
A frmula educao para o desenvolvimento realmente proveitosa, entretanto
difcil se torna a educao sem o desenvolvimento, j que a educao, sendo um
privilgio de minorias privilegiadas e ricas, s floresce nas reas de prosperidade,
e no nas reas de pobreza. (1995, p. 261)
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A presena da educao na Constituio Federal deve ser examinada
necessariamente com base nesses objetivos expostos no artigo 3
, dos
quais ela no pode estar de nenhum modo afastada.
Os princpios bsicos, contidos no artigo 3
da Constituio, devem
influir na teoria e na prtica educacionais derivadas do Captulo III,
denominado Da Educao, da Cultura e do Desporto, no Titulo VIII
(Da Ordem Social), juntamente com outros preceitos distribudos ao
longo do texto constitucional.
Por outro lado, os direitos e garantias fundamentais, discriminados
no Ttulo II, da Constituio Federal de 1988, constituem os outros
princpios bsicos a serem obedecidos na teoria e na prtica educacionais,
contidas no Captulo III, do Ttulo VIII. Estes direitos do homem
somente se realizam quando esto sustentados nas garantias constitu-
cionais, no tendo, sem elas, qualquer validade prtica.
Os principais direitos do homem so declaraes e as garantias
fundamentais representam os instrumentos necessrios efetivao deles.
A ordem constitucional do Brasil protege a vida, a liberdade, a segurana
e a propriedade de todos que estejam a ela subordinados. Portanto, nesta
ordem constitucional se incluem os direitos educacionais especialmente
do aluno, do professor, da escola e da famlia.
Por sinal, estes direitos e garantias fundamentais j constam da
Declarao Universal de Direitos, aprovada pela Assemblia Geral das
Naes Unidas ento reunida em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948,
da qual o Brasil signatrio. Antes da Constituio Federal de 1988, o
Brasil reconhece o que est escrito na Proclamao de 1948, a qual
alude ao ensino e educao:
A PRESENTE DECLARAO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS
como ideal comum pelo qual todos os povos e naes devem esforar-se, a fim
de que tanto os indivduos como as instituies, inspirando-se constantemente
nela, promovam, mediante o ensino e a educao, o respeito a estes direitos e
liberdades, e assegurem, por medidas progressivas de carter nacional e inter-
nacional, seu reconhecimento e aplicao universais e efetivos, tanto entre os
povos dos Estados Membros como entre os dos territrios colocados sob sua
jurisdio. (Maisculas do texto).
Ocupando-se particularmente da educao, a Declarao Universal
de Direitos Humanos, da Organizao das Naes Unidas (ONU), feita
em 1948, prescreve:
ARTIGOS
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Artigo 26. 1. Toda pessoa tem direito educao. A educao deve ser gratuita,
ao menos na instruo elementar e fundamental. A instruo elementar ser
obrigatria. A instruo tcnica e profissional haver de ser generalizada; o
acesso ao estudos superiores ser igual para todos, em funo dos mritos
respectivos. 2. A educao ter por objeto o pleno desenvolvimento da perso-
nalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e s
liberdades fundamentais; favorecer a compreenso, a tolerncia e a amizade
entre todas as naes e todos os grupos tnicos ou religiosos; e promover o
desenvolvimento das atividades das Naes Unidas para a manuteno da paz.
3. Os pais tero direito preferencial para escolher o tipo de educao que se dar
a seus filhos.
Em certo sentido, a comunidade internacional, na qual o Brasil se
insere, por intermdio da Declarao Universal de Direitos Humanos
da ONU, antecede e inspira a Constituio Federal de 1988, somando-
se s exigncias da sociedade brasileira, tambm no campo educacional,
alm de outros.
Relativamente educao, o Brasil submete-se a pactos interna-
cionais, firmados por ele, como por exemplo s na dcada de 1990: a
Conferncia Internacional de Educao para Todos, Jomtien, Tailndia,
1990; a Declarao de Nova Delhi, ndia, 1993; a Conferncia Inter-
nacional sobre Populao e Desenvolvimento, Cairo, Egito, 1994; a
Cpula Mundial de Desenvolvimento Social, Copenhague, Dinamarca,
1995; a 4
e posteriormente particulariza-os no
Ttulo VIII (Da Ordem Social): Art. 6
e 2
, LXIX:
Art. 5
, LXX:
Art. 5
- (...)
LXX - o mandado de segurana coletivo pode ser impetrado por: a) partido
poltico com representao no Congresso Nacional; b) organizao sindical,
entidade de classe ou associao legalmente constituda e em funcionamento h
pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
Como inovao, h na Constituio de 1988 o mandado de in-
juno, exposto em seu artigo 5
, LXXI:
Art. 5
- (...)
LXXI - conceder-se- mandado de injuno sempre que a falta de norma
regulamentadora torne invivel o exerccio dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e
cidadania.
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Por conseguinte, o mandado de injuno permite o exerccio dos
direitos e das liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes nacio-
nalidade, soberania e cidadania, caso inexista norma regulamentadora.
Ao assegurar um direito, o mandado de injuno tem dois pressupostos:
um direito constitucional apresentado por algum e a falta de norma re-
gulamentadora a obstaculizar seu exerccio.
Alm disso, a Constituio Federal de 1988 institui o habeas
data, no artigo 5
, LXXII:
Art. 5
- (...)
LXXII - conceder-se- habeas data: a) para assegurar o conhecimento de
informaes relativas pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos
de dados de entidades governamentais ou de carter pblico; b) para a retificao
de dados, quando no se prefira faz-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo.
Para a utilizao do habeas data, beneficiado com a gratuidade,
necessrio que os dados sejam de carter pessoal, que estejam na posse
de entidades governamentais, tais como rgos da administrao direita
e indireta (autarquias, fundaes criadas pelo Poder Pblico, sociedade
de economia mista e empresas pblicas).
Por outro lado, a Constituio garante o direito intimidade,
previsto no artigo 5
, X:
Art. 5
- (...)
X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de
sua violao.
VII
Ao contrrio do que quase sempre se nota, o Direito Educacional
no se reduz a uma simples, s vezes simplria, exposio da legislao
do ensino.
O Direito Educacional consiste numa rea de estudos jurdicos,
com contribuies importantes, como mais recentemente as de Nina
Beatriz Ranieri e de Edivaldo M. Boaventura.
A educao, na Constituio Federal de 1988, um bem jurdico,
principalmente porque com ela se constri uma sociedade livre, justa e
solidria e s com ela se garante o desenvolvimento nacional, dentro do
que determina o seu artigo 3
; do artigo 212,
caput; do artigo 206, VII; do artigo 209, II. Nas disposies
constitucionais, repartem-se competncias materiais entre a Unio, os
Estados e os Municpios, conciliando atribuies privativas e atribuies
comuns
A Constituio de 1988 no concede atuao prioritria da Unio
a qualquer nvel de ensino, o que, em vista disto, autoriza sua atuao
supletiva e redistributiva em todos os nveis educacionais. Assim, a Unio
age supletiva e redistributivamente nos vrios nveis de ensino, porm
suas competncias legislativas so indicadas de modo explcito, ficando
aos Estados e aos Municpios o restante.
A organizao da educao brasileira segue a mesma direo da
organizao poltico-administrativa da Repblica, fundamentada no
federalismo, havendo descentralizao normativa e executiva, de acordo
com o artigo 18, caput da Constituio: Art. 18. A organizao pol-
tico-administrativa da Repblica Federativa do Brasil compreende a
Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, todos autnomos,
nos termos desta Constituio.
O federalismo constitucional mostra a ausncia de hierarquia entre
o sistema de ensino da Unio, o dos Estados, o do Distrito Federal e o
dos Municpios, a no ser quando a Unio legisla nacionalmente sobre
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diretrizes e bases e sobre normas gerais, para ordenar a educao brasileira
(cf. Ranieri, 2000).
Ao colocar em prtica a Lei n 9.394/96, que fixa as diretrizes e bases
da educao nacional, os rgos do Poder Executivo exercitam o poder regula-
mentar, uma funo administrativa e no legislativa, exorbitando de suas
faculdades. O poder regulamentar dos rgo do Poder Executivo, de
essncia puramente administrativa, ao inverso do que vem acontecendo,
no pode exceder-se na regulamentao da Lei n 9.394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional), que altera a organizao
educacional do Brasil e flexibiliza os processos educativos.
Os abusos do poder regulamentar, na administrao educacional,
por parte dos rgos do Poder Executivo, ao produzir normas de compor-
tamento e de organizao destinadas a regulamentar a Lei n 9.394/96
(LDB), acabam por conspurcar os preceitos desta Lei e da Constituio
de 1988. Tais rgos administrativos do Poder Executivo, em seu empenho
de regulamentar pormenorizadamente a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional, complicam e impedem a ao educativa, criando
rumos diferentes descentralizao e flexibilidade, determinados por
esta Lei.
Como a Lei n 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional) goza de situao distinta, goza de um regime especial, atuando
como lei complementar Constituio Federal de 1988, no pode ser
violada por lei federal ordinria, que venha estabelecer algo diverso do
que ela estabelece. Leis complementares, como a Lei da Diretrizes e
Bases da Educao Nacional, no podem ser transgredidas em suas
competncias materiais privativas, porque as infraes a essas leis querem
dizer, simultaneamente, infraes s normas constitucionais (Constituio
de 1988: artigo 22, XXIV, quanto LDB) (cf. Ranieri, 1999).
VIII
O regime jurdico da educao, e ainda o Direito Educacional, inte-
gram-se no Direito Pblico e, consequentemente, no Direito Admi-
nistrativo, pois a educao se pe como direito pblico subjetivo.
Em se tratando de esfera de investigao e de disciplina normativa,
o Direito Educacional se distingue pela natureza pblica da educao e
pelo predomnio do interesse pblico sobre o interesse particular, abran-
gendo no somente as instituies pblicas e privadas de ensino, como
tambm os indivduos vinculados a ele.
ARTIGOS
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No Direito Educacional, a Constituio Federal de 1988 e, em
seguida, a Lei n 9.394/96 (LDB) mudam essencialmente no campo
educacional o regime privado, sujeitando este regime aos princpios cons-
titucionais que guiam a educao brasileira.
Assim, o Direito Educacional, na condio de direito especializado,
envolve definies, princpios, comparaes com outros sistemas, legis-
lao, jurisprudncia, levando em conta as relaes jurdicas geradas na
atividade educativa e tendo por objetivo proporcionar a educao a todos
(cf. Boaventura, 1996; Ranieri, 2000).
No que diz respeito educao, o direito pblico subjetivo expressa-
se na faculdade de exigir, proveniente de relao jurdico-administrativa.
Pelo direito pblico subjetivo, o indivduo tem a possibilidade de exigir da
administrao pblica o cumprimento de prestaes educacionais, asse-
guradas por norma jurdica.
Alm disso, pelo poder regulamentar, os rgos do Poder Executivo
possuem a capacidade de editar regulamentos, ou seja, editar regras ou
normas, mas tal capacidade no se desliga da lei, no exercida contra
ela, e sim dentro da lei, que a limita e a condiciona. Na administrao
pblica, o regulamento ocupa o mais alto grau na categoria de normas,
localizando-se logo abaixo da lei, completando-a. Todavia, configura abuso
do poder regulamentar o exerccio indevido, por rgos do Poder Executivo,
da competncia do Poder Legislativo (cf. Cretella Jnior, 1999, p. 160 e
348).
O Direito Administrativo e, de modo geral, a administrao p-
blica esto subordinados a determinados princpios jurdicos, que
repercutem no Direito Educacional. So eles, segundo a Constituio
de 1988: os princpios jurdicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficincia (cf. Medauar, 2000, p. 142 e
144).
O Direito Educacional, no entanto, deve partir de idias como as
de Pontes de Miranda, em seus Comentrios Constituio de 1946:
A educao somente pode ser direito de todos se h escolas em nmero suficiente
e se ningum excludo delas, portanto se h direito pblico subjetivo educao,
e o Estado pode e tem de entregar a prestao educacional. Fora da, iludir
com artigos de Constituio ou de leis. Resolver o problema da educao no
fazer leis, ainda excelentes; abrir escolas, tendo professores e admitindo os
alunos.
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POLITICS AND THE BASES OF EDUCATIONAL LAW
ABSTRACT: Taking education as a mediation element, this essay refers to
the relationship among society, State and law. It begins defining distinct
and remarkable moments of social policy in the XX
th
century, in Brazil: 1)
Social policy as a control upon politics (1930-1954); 2) Social policy as
control policy (1964-1988); 3) Social policy with no social rights (from
1988 on). The ideas of civil society, citizenship, civil, political and social
rights are then reviewed to characterize the so-called democratic Rule of Law
and pinpoint some basic elements of democracy. The 1988 Federal
Constitution establishes the democratic Rule of Law and clarifies the
educational policy to be implemented in Brazil. Based on the numberless
articles throughout the constitutional text and on their connection to
international treaties, in the field of education, that either precede, are
contemporary or follow its promulgation, this educational policy is widely
commented. As a matter of fact, the Federal Constitution reinforces the
juridical tradition of education in the Brazilian constitutional texts, thus
assuming its constitutionality. Actually, through different articles scattered
within it, the 1988 Constitution defines the juridical regulation of
education, transforming it into a subjective public right. This is a crucial
point, since Brazilians have the right to petition the State for education, as
the competent authorities cannot be exonerated from their liability. This
essay shows that the Educational Law goes beyond a mere exposition of the
teaching legislation, inasmuch as education becomes an individual and
collective, juridical asset, even though the constitutional determinations
are not always enforced.
Key words: Social Policies and Citizenship; Society; State and Law; Law
and Education; Citizenship and Education.
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