DUBAR, Claude (2006) - A Crise Das Identidades
DUBAR, Claude (2006) - A Crise Das Identidades
DUBAR, Claude (2006) - A Crise Das Identidades
A CRISE
DAS
IDENTIDADES
A interpretao de uma mutao
}\3Q ------
....
Edies Afrontamento
fNDICE
I
i
!
7 Introduo
7 Identidades, identificaes e formas de identidade
11 Os socilogos e a identidade social
14 Acerca da noo de crise
15 Aorganizao do livro
19 Captulo 1: Dinmicas histricas das formas identitrias
19 Ahistoricidade das formas identitrias
21 i Processo de civilizao e dinmicas das Identidades Ns-Eu (Elias)
30 Processo de racionalizao: formas comunitrias e societrias (Weber)
39 Processo de libertao e conscincia de classe (Marx e Engels)
47 Diversidade das trajectrias e das identidades operrias
49 Concluso
!'rtulo! Acrise das identidades. Ainterpretao de uma mutao
Autor, Claude Dubar
La crise des identits. L
1
interprtation d'une mutation
Presses Universitaires de France
,} Catarina Matos
f Edio! Edies Afrontamento/Rua Costa Cabral, 859/4200-225 Porto
www.edicoesafrontamento.pt/geral@edicoesafrontamento.pt
i Coleco i Caleidosc6pio/3
N"deedilo: 1015
fccc.",,! Departamento Grfic<>'Edies Afrontamento, sobre pormenor de Oskar Schlemmer, Jogo
com cabeas, 1923
iSBN,lll[ 972-36-0835-9
iSIIN.l! 978-972-36-0835-9
i .De"sito leg!! 244745/06
E.ectlollrflca\ Rainho & Neves, Lda./Santa Maria da Feira
Setembro de 2006
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Captulo 2: Dinmicas da famlia e crise das identidades sexuadas
O processo de emancipao das mulheres
Os grandes debates da sociologia da famlia
Arelao amorosa e os seus desafios identitrios
Relatos de divrcio e identidades narrativas
Concluso
Captulo 3: Acrise das identidades profissionais
O processo de modernizao: racionalizao e destruio criadora
Aevoluo dos empregos: o caso francs
As transfortl)aes do trabalho: tendncias e incertezas
Acrise das identidades categoriais de profisso
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Identidades no trabalho, conflitos sociais e relaes de classe
Concluso
Captulo 4: Religio, poltica e crise das identidades si!l1blicas
O processo de privatizao do religios?:
Crise de fronteiras, de referncias e clivagens politIcas
Incivilidades, delinquncias e crise do lao social
Crise do militantismo e da representao partidria
Mutaes da representao poltica
Identidades simblicas e mediaes polticas (1968-1998)
Concluso
Captulo 5: Construo e crises da identidade pessoal
Fenomenologia das crises de identidade _.' , .
AAlternativa: fechar-se sobre si prprio ou conversao IdentItana
Uma teoria psicolgica da identidade pessoal?
Uma concepo da identidade pessoal: o sujeito em aprendizagem?
Processos identitrios e trajectrias de imigrao
Identidade pessoal e percursos individuais
Aidentidade narrativa: as linguagens da identidade pessoal
Concluso
Concluso geral
Bibliografia
PREFCIO
Nesta obra Claude Dubar retoma, aprofunda e alarga algumas das teses j desenvol-
vidas e anunciadas no livro ASocializao
l
. Apoiado no reconhecimento de que a moder-
nidade - social, econmica e poltica - segrega no s contradies estruturais e confli-
tos sociais, mas tambm crises pessoais, o autor prope-nos uma anlise das relaes
entre a crise da modemidade e a crise das identidades. A crise das identidades , com
efeito, inseparvel da crise da modemidade que desvaloriza as formas comunitrias de
insero social sem conseguir impor novas formas societrias: as antigas formas identi-
trias (nominais e estatutrias) desagregaram-se ou foram estigmatizadas, mas as novas
formas (reflexivas e narrativas) no conseguem substitu-las. A crise que se acentuou
aps os 30.gloriosos anos que se seguiram ao fim da 2. a Guerra no foi (e no ) apenas
uma crise econmica. Ela antes uma crise antropolgica que pe em causa os mitos
fundadores da 1. a modernidade, a saber: o mito do progresso, da dncia e da democracia
formal. Segundo Dubar, esta crise que envolve tambm as identidades pessoais a con-
sequncia de uma profunda mutao produzida em trs importantes domnios da vida
sodal: mutao das relaes de gnero e transformaes profundas na instituio fami-
liar, mutaes tanto do trabalho e do emprego como do mundo da formao e da escola-
rizao, mutao do Estado-Nao e das suas instituies, bem como da prpria legiti-
midade da democrada representativa. Pondo em causa a estabilidade dos dispositivos de
integrao social, estas mutaes inddem directamente sobre as relaes entre o indivi-
duo e o sodal e, portanto, sobre a socializao que, deste modo, se desestabilizou, se des-
legitimou e se desestruturou. Vivemos, portanto, num contexto onde a identidade pessoal
j no transmitida pelas instituies, nem herdada dos contextos sociocomunitrios,
mas em que ela , em grande parte, uma identidade constroida pelos prprios individuos
(1) Dubar, Claude (1997), A Socializao: construo das identidades sociais e profissionais,
Porto Editora.
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'I
Prefcio
no decurso das suas trajectrias de vida com a contribuio das instituies e do social-
-comunitrio, e, portanto, das interaces. Esta concepo supe uma transformao dos
paradigmas e dos modelos analticos de uma sociologia clssica e cujo determinismo des-
valoriza e desqualifica as subjectividades. Claude Dubar no nega a importncia das
determinaes sociais, mas reconhece que elas j no so capazes de dar conta da diver-
sidade dos indivduos e das trajectrias concretas onde essas determinantes se actualizam
e recontextualizam. Toma-se neste contexto importante reabilitar outras metodologias e
modos de abordagem oriundos tanto das correntes perifricas da sociologia como da psi-
canlise, da antropologia e da lingustica. A reduo do social ao econmico, ao institu-
cional ou ao jurdico aparece, assim, como um obstculo compreenso das mutaes
em curso. Esta compreenso exige que se escute o que os indivduos dizem, que se observe
o que eles fazem esobretudo que se compreenda os seus contextos de vida. No actual con-
texto, observar, escutar e compreender os percursos biogrficos metodologicamente
mais relevante do que a anlise das pertenas sociais.
Tal como na obra ASocializao, Claude Dubar aborda neste trabalho a complexa pro-
blemtica das identidades humanas, da sua definio, da sua produo e das suas din-
micas histricas. Identidades no plural, j que ele recusa qualquer concepo essencialista
e a-histrica para as apreender de uma forma complexa e ambgua. As identidades pos-
suem, com efeito, sempre uma dupla fase: identidades para si, reivindicadas e marcadas
por uma irredutvel temporalidade, e identidade para os outros, atribudas pelos outros no
interior de um espao social e num dado contexto histrico. As primeiras so biogrficas,
produzidas pelas trajectrias dos indivduos epelas experincias de vida que lhe esto asso-
ciadas. As segundas, pelo contrrio, so em grande parte herdadas pela pertena tribo,
ao grupo tnico, nao ou classe social. Os percursos identitrios desenvolvem-se em
vrios domnios da vida social. No seu primeiro livro, o autor debruou-se fundamental-
mente sobre os espaos do trabalho, do emprego e da formao, para analisar a constru-
o das identidades sociais e profissionais. Neste livro ele aborda tambm as identidades
sexuais e as identidades simblicas (religiosas, polticas, etc.) para defender a tese da exis-
tncia de uma profunda crise das configuraes identitrias produzidas na modernidade.
O conceito de configurao identitria desempenha um papel central na anlise da
problemtica da identidade num contexto de crise da modernidade. Neste contexto, com
efeito, as identidades pessoais tomaram-se plurais. Cada um pode ser identificado e iden-
tificar-se de uma forma mltipla: a partir da sua aparncia fsica, da sua linguagem, da
sua maneira de vestir, das suas actividades, do seu nome... As configuraes identitrias
designam as modalidades de actualizao das formas identitrias caracterizadas em A
Socializao, nas identidades individuais. As formas identitrias nominais (ou culturais),
estatutrias (ou profissionais), reflexivas (ou ideolgicas) e narrativas (ou singulares) so
combinadas de forma diferente segundo os contextos e as pocas. No h uma dominn-
cia absollJta de uma forma identitria sobre as outras. Em diferentes contextos histri-
cos e cu/iurais possvel encontrar configuraes diversificadas de identificaQ de si e
dos outros e, portanto, do mundo.
Tendo por referencial a problemtica da identidade, este livro de Claude Dubar pro-
cura compreender e interpretar as mudanas que se produziram aps os 30gloriosos anos
(1945-75). Esta compreenso apoia-se num conjunto de investigaes sociolgicas que
so apresentadas de uma forma particularmente clara, sinttica e criativa. Referimo-nos
s investigaes realizadas sobre a famlia e as relaes de gnero (Captulo 2), o traba-
lho e as relaes entre as classes sociais (Captulo 3), areligio e a poltica, ou seja, arela-
o entre os indivduos e as instituies (Captulo 4). Esta abordagem termina com um
captulo (Captulo 5) particularmente relevante e original onde se delineia uma fenome-
nologia das crises existenciais, das crises de identidade pessoal, ou seja, da fenomenologia
de uma crise que envolve tanto a definio de si como o reconhecimento pelos outros.
A parte final da obra debrua-se sobre a pertinncia sociolgica da noo de identi-
dade narrativa. Desenvolvida por Ricoeur, esta forma identitria seria, segundo Dubar, a
ltima forma identitria emergente na Histria da Humanidade. Max Weber (tica pro-
testante e o esprito do capitalismo) tinha prefigurado o seu aparecimento atravs da
figura do empresrio capitalz:ta calvinista, completamente implicado na sua profisso,
mas vivendo-a como uma vocao ligada religio. Hoje ela laicizou-se completamente
e encontramo-la na origem de inmeros envolvimentos contemporneos (trabalho volun-
trio, aco social, pedagogia, sindicalismo, etc.). Esta forma identitria implica uma
referncia tica, isto , uma concepo de vida boa que no se reduz ao sucesso mate-
rial egosta; ela permite a cada um narrar-se dando sentido sua narrativa biogrfica,
que pode assimser compreendida e analisada. Existe, portanto, uma ntima relao entre
o conceito de identidade narrativa, a sociologia compreensiva e interpretativa e a anlise
das biografias, baseada na Semntica estrutural e desenvolvida pelo autor
2
por refern-
cia s escolhas ou orientaes ticas.
Esta obra apresenta uma abordagem sociolgica das novas modalidades das polticas,
desenvolvidas tanto pelas empresas como pelo Estado, tendo em conta as subjectividades
dos indivduos, as suas experincias, os seus sentimentos, as suas crises existenciais e as
suas aspiraes em serem reconhecidos como sujeitos crticos e capazes de conciliar
liberdade e solidariedade, autonomia e sociabilidade, autenticidade e conformidade.
Ela , assim, essencial compreenso das interaces entre dinmicas sociais e din-
micas individuais desenvolvidas num contexto de crise da modernidade.
Jos Alberto Correia
(2) CL Demaziere, Didier; Dubar, Claude (1997), Analyser les entretiens biographiques:
rcits d'insertion, Paris: ditions Nathan.
-
INTRODUO
Hesitei durante muito tempo em manter o ttulo desta obra. Otermo identidade no
ser ele uma espcie de acrnimo sobre o qual cada um de ns projecta a suas crenas, os
seus humores e as suas posies? Escolhi este ttulo por duas razes. Em primeiro lugar
porque no encontrei um termo que melhor sintetizasse o que est em causa neste livro.
Depois, e talvez sobretudo, porque me impunha prosseguir, inflectir, complicar uma for-
malizao, comeada e prosseguida desde h muito, daquilo a que eu chamei formas iden-
titrias e que deram azo a interpretaes muito diversas!. Antes de abordar a tese aqui
defendida, tenho que voltar, de novo, a este termo de identidade.
IDENTIDADES, IDENTIFICAES E FORMAS DE IDENTIDADE
A noo de identidade polimorfa e bulmica2 diz respeito a objectos e a domnios
diferentes, em acepes diversas que podem todavia ser repartidas em dois grandes
grupos, unidos, para simplificar, a duas grandes correntes, e tudo isto desde as origens do
pensamento filosfico.
A primeira corrente pode ser denominada essencialista na medida em que, qualquer
que seja a acepo do termo identidade, ela repousa sobre a crena nas essncias, nas
realidades essenciais, nas substncias ao mesmo tempo imutveis e originais. Parmnides
(1) Cf. La Socialization: construction des identits sociales et professionelles, Paris. A. Colin,
Cf. tambm Usages sociaux et sociologiques de la notion d'identit, ducafion permanente, 128,
1996-3, p. 37-44; e D. Detnazire e C. Dubar,Analyser les entrefiens biographiques, Paris, Nathan, 1997,
assim como o Simpsio da revista Sociologie du travail, 4-1999.
(2) Expresso de Bernard Ploile em Enqute sur une disparition. La notion d'identit nationale
comme ngation de la nation, La Pense, 308,1996, p. 97-114. Cf. tambm a concluso de Lvi-Strauss,
L'ldenfit. Sminaire du College de France, Paris, PUF, Quadrige, 1977, p. 330-332.
procura definir o ponto comum a uma classe de elementos todos diferentes dum outro
mesmo:.a pertena comum. Estas duas operaes esto na origem do para-
doxo da IdentIdade: aqUilo que existe de nico e aquilo que partilhado. Este paradoxo no
enquanto no se tiver em conta o elemento comum a estas duas opera-
a de e pelo outro. No h, nesta perspectiva, identidade sem alteridade.
As IdentIdades, assIm como as alteridades, variam historicamente e dependem do seu con-
texto de definio.
Quando as duas correntes filosficas precedentes so aplicadas aos seres humanos per-
cebe-se melhor o que est aqui em questo. A corrente essencialista aquela que postula
ao mesmo tempo uma singularidade essencial de cada ser humano (a possibilidade de
dizer quem que ele em si) e uma pertena igualmente essencial que no depende do
tempo, que constitui uma pertena, a priOri; herdada nascena (a possibilidade de dizer
o que ele Estas duas crenas esto ligadas; porque se acredita que a pertena dada
como a prIOri que se pode definir a singularidade essencial de cada um. Cada um se torna
de facto, naquilo que : ele cumpre o seu destino, quer este esteja inscrito nos seus
ou marcado pelo seu estado civil. Ele permanece idntico ao seu ser essencial.
A corrente nominalista, qual tambm se pode chamar existencialista (no exis-
tem essncias, mas sim existncias contingentes), recusa-se a considerar que existam per-
tenas essenciais (em si) e, por isso, no existem diferenas especficas a priori e per-
entre os indivduos. Existem modos de identificao, variveis ao longo da his-
tona colectiva e da vida pessoal, afectaes a categorias diversas que dependem do con-
Estas formas de identificar so de dois tipos: as identificaes atribudas pelos outros
eu identificaes para Outro) e as identificaes reivindicadas por si
propno <IdentIdades para Si). De facto, pode-se sempre aceitar ou recusar as identida-
des que, nos so atribudas. Podemos identificar-nos duma outra forma que no a dos
outros. E a relao entre estes dois processos de identificao que est na base da noo de
formas identitrias.
. .constituem, ento, sistemas de designao, historicamente variveis, religando
as IdentIficaes por e para o Outro e as identificaes por e para Siso Estes dois tipos de
categorizao podem muito bem coincidir. Por exemplo, quando um ser humano interio-
a sua pertena herdada e definida pelos outros como a nica possvel e, mesmo, ima-
gmavel. No entanto, estes dois tipos tambm podem divergir completamente. Por exem-
plo, quando algum se define a si prprio com palavras diferentes das categorias oficiais
utilizadas pelos outros.
A hiptese estruturante deste livro a de que existe um movimento histrico to
antigo qanto incerto, de transio dum certo modo de identificao para um outro. Trata-
f" .,.__._--.... .._-.---_.."'.,_..-... _,,-----,,-----._,- ..-..-.-,--.. ,__,_.. ... .. ...--l----.i-_."
. (5) sem dvida, o socilogo que melhor avaliou a importncia desta relao
atn.bUlda pelos a que ele chama identidade virtual e que sempre susceptvel de cons-
esttgma; d. Sttgmate; Les usages sociaux des handicaps, Paris, ditions de Minuit 1975 (L'
edlao, 1963). '
das
parece ter sido o primeiro a teoriz-lo, no seu clebre Poema
3
, escrito no sculo Xa.C. em
Eleia, cidade italiana situada numa provncia da Grcia antiga. Afrmula: o ser , o no
ser no foi entendida como a afirmao de que a identidade dos seres empricos,
sejam eles quais forem, o que se mantm na mesma a despeito das mudanas, a sua
similitude a eles prprios, para alm do tempo, o que permanece idntico: <<A mudana
excluda do Ser, escreve Parmnides. A permanncia no tempo, a que podemos chamar
mesmidade, aqui concebida como uma realidade em s.
Esta posio ontolgica foi completada por uma tomada de posio lgica. Para qualifi-
car estas essncias, para definir estas permanncias, necessrio lig-las a categorias, a
gneros que reagrupem todos os seres empricos que tenham a mesma essncia (eidos).
Cada categoria define o ponto comum essencial de todos aqueles que agrupa. Chama-se,
por vezes, ipseidade a esta diferena especfica concebida aqui como a essncia comum a
todos os seres idnticos a esta mesma essncia, naquilo em que eles diferem de todas as
outras essncias, naquilo que define o seu ser especfico. O essencialismo postula que estas
categorias tm uma existncia real: so estas categorias que garantem a permanncia dos
seres, da sua mesmidade que se torna assim definida de maneira definitiva. Aidentidade dos
seres existentes o que faz com que permaneam idnticos, no tempo, sua essncia.
Desde a origem da filosofia, na Jnia, outra provncia grega, quase um sculo antes
de Parmnides, nasceu uma outra concepo oposta precedente, de maneira certamente
obscura, mas pertinente. , geralmente, atribuda a uma outra filosofia pr-socrtica que
tinha escrito clebres aforismos. Assim, Herclit0
4
escrevia: No se pode tomar banho
duas vezes no mesmo rio. Ta,mbm lhe atribuda a frmula: Tudo flU (panta rei). No
h essncias eternas. Tudo submetido a mudana. Aidentidade de qualquer ser emprico
depende da poca considerada, do ponto de vista adoptado. Quais so ento, neste caso, as
categorias que permitem saber alguma coisa sobre estes seres empricos em constante
mutao? So as palavras, os nomes que dependem do sistema de palavras em uso, servindo,
num determinado contexto, para as nomear. So os modos de identificao, historicamente
variveis. Esta corrente denominar-se- nominalista, por oposio a essencialista.
Nesta perspectiva, e que defendida neste livro, a identidade no aquilo que perma-
nece necessariamente idntico, mas o resultado duma identificao contingente. o
resultado duma dupla operao lingustica: diferenciao e generaHzao. A primeira visa
definir a diferena, aquilo que faz a singularidade de algum ou de alguma coisa em relao
a uma outra coisa ou a outro algum: a identidade a diferena. Asegunda aquela que
. ........... __.-. __.__._-_.._-------_._._-_.._----_...--._.__._.-._._--_._--_.._-_.
(3) Conhecemos Parmnides, sobretudo, atravs de Plato, que apresenta e discute o seu pensamento
em trs dilogos: o Teeteto, o Sofista e o Parmnides. considerado o pai da metafsica monista, isto ,
defende a unidade do que existe. As suas teses influenciaram toda a filosofia ocidental, de Plato a
Descartes; d., por exemplo, J.-F. Revel, Histoire de la philosophie occidentale, Paris, NiI, 1993, p. 63-69.
(4) Herclito viveu em feso, na Jnia, na segunda metade do sculo VI a.C. Plato critica os seus
escritos (na verdade, aforismos um tanto obscuros) em Crtilo. Mas em contrapartida foi muito apreciado
pelos Esticos, que fazem dele o pai do pluralismo filosfico privilegiando a mobilidade universal de
todas as coisas; d. J.-F. Revel, Histoire de la philosophie occidentale, Paris, NiI, 1993, p. 48-54.
Acrise das identidades
.. .. .."---".,--'--_..
!
i
_.. ..0-._._- . .__ _. __.._ _.__.. ._._.. _.. ._ _ _.._-
-------
-se, mais precisamente, de processos histricos, ao mesmo tempo colectivos e individuais,
Que modificam a configurao das formas identitrias definidas como modalidades de
identificao. Eles sero estudados no primeiro e no ltimo captulo deste livro.
s primeiras formas identitrias, as mais antigas e at ancestrais, vou chamar formas
comunitrias6 Estas formas supem a crena na existncia de grupos chamados comu-
nidades considerados como sistemas de lugares e de nomes predeterminados aos indiv-
duos que se reproduzem de forma idntica atravs das geraes. Nesta perspectiva, cada
indivduo tem uma pertena considerada corno principal enquanto membro da sua
comunidade e uma posio singular enquanto ocupante dum lugar no seio desta. Estas
formas so estreitamente dependentes das crenas no carcter essencial das pertenas a
certos grupos considerados como primordiais, imutveis ou simplesmente vitais para a
existncia individual. Quer se trate de culturas ou de naes, de etnias ou de cor-
poraes, estes grupos de pertena so considerados, pelos Poderes e pelas prprias pes-
soas como fontes essenciais de identidade. Estas formas de identificar os indivduos a
partir do seu grupo de pertena persistem nas sociedades modernas e podem ser assumi-
das pelas prprias pessoas: elas podem ser para Si assim corno para o Outro.
s segundas, mais recentes e at em emergncia, vou chamar formas societrias
7
Elas supem a existncia de colectivos mltiplos, variveis, efmeros, aos quais os indiv-
duos aderem durante perodos limitados e que lhes fornecem as fontes de identificao
que eles gerem de maneira diversa e provisria. Nesta perspectiva, cada um possui mlti-
plas pertenas Que podem mudar ao longo duma vida. Estas formas esto ligadas a cren-
as diferentes das precedentes, em particular s do primado do sujeito individual sobre as
pertenas colectivas e da primazia das identificaes para Si sobre as identificaes
para o Outro. Segundo a natureza das categorias utilizadas, as identificaes de
societrio podem produzir identidades para o Outro, como identidades para Si. E a
crena na identidade pessoa[8 Que condiciona as formas de identificao societria aos
diversos grupos (familiares, profissionais, religiosos, polticos) considerados como resul-
tantes de escolhas pessoais e no como atribuies herdadas.
O Que est em causa, neste livro, no opor identidades colectivas s identidades indi-
viduais9. Esta oposio (a Que existe entre individual e social) no faz sentido na pers-
__ ._. ... __ _. ,_._o._o._ "0' - -....
'(6) Utilizo o termo comunitrio num sentido particular do termo alemao Vergememschaftung defl'
nido por Max Weber, que ser analisado no primeiro captulo e discutido ao longo desta obra. A
aqui dada provisria e tenta abarcar uma das componentes mais significativas do ideal tipo webenano.
(7) O termo societrio a traduo da palavra alem Vergesellschaftung tal como Max Weber fez
dela um dos conceitos fundamentais da sua sociologia compreensiva. Este termo ser analisado no cap-
tulo 1 e discutido ao longo desta obra, em relao com o termo precedente.
(8) A expresso <<identidade pessoal ser discutida e analisada no ltimo captulo, em relao com
dois termos-chave: o Si (em ingls Sell) e o Si prprio.
(9) esta a razo pela qual no irei recorrer oposio entre holismo (prioridade ao todo social) e indi-
vidualismo (prioridade ao indivduo como tomo elementar). Todavia, a estrutura das relaes entre o Ns e
o Eu ser estudada no captulo 1, em relao com as teses de Nobert Elias sobre o processo de civilizao.
pectiva nominalista, uma vez Que toda a identificao individual convoca as palavras, as
categorias, as referncias socialmente identificveis. Antes de mais, trata-se de melhor
conceptualizar as diversas maneiras de identificar os indivduos referindo-os a pontos de
vista tpicos, de distinguir as modalidades gerais de construo de categorias de identifi-
cao. Estas podem ser puramente externas (para o Outro) ou igualmente internas
(para Si). Elas podem estar circunscritas a um domnio particular de relaes sociais ou
dizer respeito a todos os aspectos da vida reconduzidos a uma pertena principal.
Neste livro, trata-se tambm de compreender melhor, esclarecer e interrogar a relao
entre estas duas formas sociais
1o
tpicas (denominadas comunitrias esocietrias) Que so
tambm duas maneiras de identificar os outros e de se identificar a si mesmo. Estas duas
grandes formas sociais, idealtpicasII, pem cada uma em jogo a dupla identificao,
para o Outro e para Si, mesmo Quando o fazem de forma significativamente diferente.
Ainda no est, pois, institudo identificar as formas comunitrias com as identificaes
para o Outro e as formas soei etrias com as identificaes para Si12. Na primeira
dimenso, trata-se de formas espaciais de relaes sociais (eixo relaciona!), no segundo
caso trata-se de formas de temporalidade (eixo biogrfico). Estas dimenses relacionais
e biogrficas de identificao conjugam-se para definir o Que eu chamo formas identi-
trias, formas sociais de identificao dos indivduos na relao com os outros e ao longo
duma vida. Utilizarei a expresso configurao de identidade para designar um agencia-
mento tpico de formas de identificao. Oque eu aqui chamo formas sociais (cf. cap. 1)
corresponde, pois, a configuraes tpicas de formas identitrias.
OS SOCILOGOS E AIDENTIDADE SOCIAL
Para um grande nmero de investigadores na rea da sociologia, hoje como ontem, em
Frana, a identidade social , antes de mais, sinnimo de categoria de pertena. Na maior
parte dos casos esta categoria a CSP, isto , a categoria socioprofissional, instrumento de
anlise importante criado pelo INSEE nos anos 50, que permite, graas a numerosos e repe-
(lO) Esta noo de forma foi desenvolvida, pela primeira vez, em sociologia por Georg
Sociologie et epistmologie, Paris, PUF, coleco Sociologues, 1979.
(11) Trata-se de tipos ideais, no sentido que Max Weber lhe deu, que supem a construo indutiva de
configuraes sociais (o judasmo antigo, o capitalismo moderno, a burocracia do Estado...) e figuras his-
tricas (o profeta, o empreiteiro puritano, o perito...) que sejam racionalmente compreensveis; cf. as
observaes de Dominique Schnapper em La Comprhension sociologique, Paris, PUF, Le Lien Social,
1999.
(12) Era a equivalncia postulada entre a distino por si e por outrem e a distino relacional
e biogrfica que, por vezes, tornava obscuras e insuficientemente operatrias as minhas primeiras defi-
nies de formas de identidade. As justas crticas de Franois de Singly, Manuel de Queroz e Jean Claude
Kaufmann permitiram distinguir melhor as diversas dimenses implicadas no meu modelo. Ficam aqui os
meus agradecimentos.
-. __ .-------______________.______________________ --- .. - ---. ----
.-
;. .,1
____o
tidos inquritos, conhecer a evoluo da estrutura social e das relaes estatsticas entre
esta pertena, tida como importante, e um conjunto muito vasto de comportamentos, ati-
tudes, opinies em matria familiar, profissional, religiosa, poltica, etc. Aposio, expressa
ou no, destes investigadores a de que esta pertena objectiva a uma categoria, porque
mede aspectos importantes da vida dos indivduos das sociedades modernas (o salrio, por
exemplo), determina, de forma mais ou menos expressiva, aquilo que Durkheim chamava
as maneiras de fazer, de sentir e de julgar e que eles consideram como factos sociais.
A tarefa do socilogo, nesta perspectiva que eu chamo clssica, , como a definiu
Durkheim
l3
, a de explicar estes factos sociais, isto , religar estas maneiras de fazer (sen-
tir, pensar) a estas pertenas tidas como determinantes.
Para outros investigadores, a identidade social uma noo mais ambgua na medida
em que as pertenas so mltiplas e que nenhuma se pode impor, a priori, objectiva-
mente, como principal. Por exemplo, o sexo - ou melhor, o gnero -- no pode, hoje em
dia, ser negligenciado pelas anlises sociolgicas. Uma operria no um operrio, uma
mulher quadro no um quadro masculino. Mas h tambm outras pertenas que pesam
sobre os comportamentos e as opinies: a origem cultural, por exemplo, a morada, a gera-
o ou as crenas religiosas. Ao multiplicar as variveis de pertena chega-se a uma ima-
gem muito mais complexa e confusa da sociedade que na perspectiva anterior.
Apertena mltipla e mutvel dos indivduos nas sociedades modernas constitui assim
um problema sociolgico temveP4.
Finalmente, para outros socilogos, sobretudo desde h duas dcadas para c
l5
, a
questo da identidade tornou-se cada vez mais central nos seus trabalhos de investigao e
implica a anlise das relaes subjectivas s categorias de identificao. Eles deram rele-
vncia a outros materiais que no s as estatsticas (nomeadamente as entrevistas) de
outros processos interpretativos (dando, por exemplo, lugar subjectividade) e a outras
problemticas (no deterministas, por exemplo) que no s as precedentes. Eles tentaram
perceber o funcionamento dos processos de identificao no seio de organizaes especficas,
como, por exemplo, uma grande empresa. No por acaso que estas investigaes se mul-
----------.._--------_..... - --_.._ _----_._._---------._------------ -_. __._----..--.--- _ -.------.---- _------_ -_ _.---_.
(13) O ancoradouro durkheimiano da sociologia francesa, que eu chamo sociologia clssica, parece
ser uma cal\sa maior do domnio do paradigma determinista (mesmo probabilista), que, na minha opinio,
repousa frequentemente sobre uma assimilao, de origem durkheimiana, do social sua forma comuni-
tria. Este ponto ser discutido ao longo deste livro.
(14) Cf., por exemplo, John Elster, The Multiple Selr, Cambridge University Press, 1985. Piaget j tinha
defendido a ideia, muito analisada por este autor, segundo a qual aquele que pertence a um nico grupo
social n<l pode ter conscincia da sua individualidade, LeJugement moral chez l'enfant, Paris, PUF, 1964
(l.a edio, 1932). Pelo contrrio, a partir do momento em que as pertenas so mltiplas, a identificao
social do:s indivduos levanta o problema do estatuto principal.
(15) Cf. a comunicao de Renaud Sainsaulieu no Colquio de 1981: O conceito de identidade rela-
tivamente distante do vocabulrio dos socilogos entra brutalmente no debate terico; d, L'Identitet les
relations de travail, reeditado em ducation permanente, n.0128, 199613, p. 194. OColquio de Toulouse
de 1981 tinha como ttulo Production et affirmation de l'idenfit; cf. Pierre Thp (ed.) 2 t., Toulouse, Privat,
1986.
tiplicaram no final dos anos 1970 e princpio da dcada de 1980: a crise econmica produ-
zia, na altura, transformaes importantes na gesto dos empregos e no mercado de trabalho.
Por exemplo, estes socilogos constataram que existia uma diversidade de discursos, de
crenas, de prticas por parte dos assalariados que, apesar disso, estavam classificados na
mesma categoria socioprofissional. Tornou-se, assim, cada vez mais insuficiente, para
perceber as prticas e os discursos dos assalariados, lig-los apenas, de maneira causal,
posio dos indivduos numa escala social definida pelas categorias a priori (CSP e
outras) 16.
Mas no deixa de ser por isso que a noo de identidade se tornou claramente opera-
tria num outro sentido que no s o de categoria de pertena.
De facto, a identidade no apenas social, ela tambm pessoal. Ora o indivduo no
se transforma facilmente num objecto sociolgico. Em Frana, a sociologia clssica
constituiu-se contra a psicologia e contra a sua focalizao sobre o indivduo. Por esse
facto, na continuidade de Durkheim, o ser social dos indivduos (a sua identidade social,
sinnimo de pertena a uma categoria socialmente pertinente) considerado como aquilo
que eles herdam sem o quererem e o que modela as suas condutas sem que eles tenham
conscincia disso. Por esse facto, a noo de identidade para Si no pertence ao voca-
bulrio da sociologia clssica e a identidade social torna-se sinnimo de identidade
para o Outro. esta posio que , cada vez mais, posta em causa pelos socilogos que
pensam que a subjectividade
17
no pode ser posta de lado na anlise dos acontecimentos
sociais contemporneos. Mas, dum ponto de vista sociolgico, como que a podemos ter
em conta? Como que podemos definir uma abordagem sociolgica da identidade tendo
em conta as identidades para Si? Como que podemos, ento, fazer uma sociologia do
sujeito pessoal? Esta questo ser abordada no ltimo captulo deste livro.
(16) Explicando a Guy Jobert porque que ele tinha escolhido a expresso L'Identit au travail para
ttulo do seu livro de 1977 (Paris, Presses de la Fondation nationale des sciences politiques, 2: edio,
1985; 3: edio, 1988), Renaud Sainsaulieu avana quatros argumentos significativos: 1/ Esta descoberta
da questo da identidade, fi-Ia ouvindo o que as pessoas contavam <\0 longo de certas entrevistas; 2/ As
pessoas mostravam que eram muitos sensveis ao reconhecimento, ao respeito (segue-se uma referncia
a Goffman decoberto mais tarde); 3 / Desde 1964... tinha dado conta dos trabalhos de Crozier sobre os
empregados de escritrio que eu tinha designado como parte duma categoria social procura de identi-
dade... o contexto duma discusso de luta de classes... da ideia segundo a qual s h definio social de
classe; 4 / <<Ao interessar-me pelas formas de viver as relaes laborais em contextos variados, apercebi-
-me... que havia construes diferentes da experincia da relao com o outro (depois da exposio dos
quatros modelos de relaes de trabalho: fuso, negociao, retraimento e afinidades); d. Entrevista com
Guy Jobert, ducation permanente, n.o 128,1996/3, p. 187-193.
(17) Cf., por exemplo, Franois Dubet, Sociologie de l'exprience, Paris, Seuil, 1995. Anoo de sub-
jectivao, implicando a tomada de conscincia pelo sujeito dotado subjectividade, tida em conta, na
linha dos ltimos trabalhos de Alain Touraine, como uma das dimenses fundamentais da modernidade
que no pode escapar abordagem sociolgica. Cf. tambm Alain Touraine, Critique de la Modemit,
Paris, Fayard, 1992.
Acrise das identidades Introduo
~ ~ - _..._.,-. ,--'''"_._-'._._-.<--_.__.._-..- ._-
~
ACERCA DA NOO DE CRISE
Utilizo, nesta obra, a noo de crise num dos mltiplos significados
18
deste termo:
Fase difcil vivida por um grupo ou um indivduo. Mais precisamente, esta acepo da
palavra crise remete para a ideia duma ruptura de equilbrio entre diversas componen-
tes. semelhana das crises econmicas, as crises de identidade podem ser pensadas
como perturbaes de relaes relativamente estveis entre elementos estruturantes da
actividade (produo e consumo, investimentos e resultados, etc.). Aactividade aqui posta
em causa a identificao, isto , o facto de categorizar os outros e si prprio.
Ahiptese duma crise dos modos de identificao no pode eximir-se crise econmica
que o mundo ocidental est a atravessar. Ainda cedo para fazer o inventrio das diversas
formas como os economistas ou, a fortiori, os historiadores da economia caracterizam e
caracterizaro a crise econmica do ltimo quartel do sculo XX. Otermo mutao no
quer dizer grande coisa enquanto no se estiver de acordo sobre o novo estado econmico e
social que substituir, de maneira mais estvel, o estado anterior. Mas o que parece muito
provvel que esta crise no seja assimilvel aos tipos de crises anteriores: de tipo agr-
cola (por exemplo, a de 1788 em Frana ou a de 1848 na Irlanda), de superproduo indus-
trial (por exemplo, a de 1880 na Europa), ou o colapso da Bolsa (por exemplo, a crise de
1929 e os anos 30 nos Estados Unidos). Trata-se duma crise original, pela sua durao, pelas
suas manifestaes e pelos seus mecanismos (desemprego e inflao, retoma e recesso).
Aexpresso crise do vnculo social , cada vez com mais frequncia, retomada pelos
socilogos que investigam as populaes, os bairros, as famlias, categorias cujos recursos
e nveis de vida se tm vindo a degri\dar nos ltimos tempos. Depois do conceito nova
pobreza, o de excluso que se tem generalizado no discurso poltico, meditico e
sociolgico. J no se trata de designar simplesmente uma degradao dos recursos eco-
nmicos, mas tambm de sublinhar as transformaes e rupturas das relaes sociais
anteriores. Mas qual a natureza da ruptura deste vnculo social?
Na maior parte dos casos, trata-se de relaes quotidianas, familiares, profissionais, de
proximidade. Ser deixado pelo cnjuge, ser despedido pelo patro, no ser cumprimentado
pelo vizinho, ser maltratado pela administrao constituem rupturas concretas de relaes
pessoais que, antes, criavam os laos que se qualificavam, muitas vezes, como sociais.
Podemos ficar satisfeitos com uma explicao simples, mecnica, que consiste em tomar
estas rupturas como consequncias da crise econmica, do desemprego, mas tambm do
.'
(18) Em geral, os dicionrios distinguem cinco significados da palavra crise: 1 1Mudana sbita
durante uma doena ou manifestao repentina dum estado mrbido (por exemplo, crise cardaca); 2
1 Acesso breve e violento dum estado nervoso ou emotivo (por exemplo, crise de nervos); 3 1Acesso
sbito de paixo ou entusiasmo (por exemplo, trabalhar por crises); 41 Perodo decisivo ou periclitante
da existncia (por exemplo, crise de adolescncia); 5/ Fase difcil vivida por um grupo social ou rup-
tura entre potncias econmicas (por exemplo. crise econmica), este ltimo significado, em relao
com o quarto ponto, que ser tido em conta.
declnio de certos subsdios sociais, das dificuldades de insero no mercado de trabalho e,
tambm, das dificuldades de acesso aos dispositivos institucionais. A rise da relao
social seria assim um efeito induzido por esta crise econmica, cujas componentes na
sua totalidade temos ainda dificuldade em captar.
Podemos tambm tomar as duas crises (econmica e social) por um outro prisma e
fazer delas manifestaes dum processo mais global- que provocaria, em determinados
momentos do seu desenvolvimento, quer rupturas nos grandes equilbrios econmicos,
quer fracturas dum tipo de vnculo social antes largamente dominante. Pode-se tambm
chamar antropolgica19 a este tipo de crise que afecta, ao mesmo tempo, os comporta-
mentos econmicos, as relaes sociais e as subjectividades individuais.
aqui que se pe a questo das identidades como modalidades de identificao das pes-
soas entre elas e de cada uma relativamente a si mesma.
Se se introduz a hiptese de que cada perodo de equilbrio relativo, de crescimento
contnuo e de regras claras, de poltica estvel e de instituies legtimas se faz acompa-
nhar dum conjunto de categorias partilhadas pelo maior nmero de pessoas, dum sistema
simblico de designao e de classificao fortemente interiorizado, ento a ruptura deste
equilbrio deve constituir uma dimenso importante e especfica da crise
2o
Amudana de
normas, de modelos, de terminologia provoca uma destabilizao das referncias, das
denominaes, dos sistemas simblicos anteriores. Esta dimenso, mesmo quando com-
plexa e oculta, toca numa questo crucial: a da subjectividade, do funcionamento psquico
e das formas de individualidade, assim postas em causa. eSi\ hiptese que vou tentar pr
prova neste livro, tentando relacionar a crise das relaes sociais s crises existenciais da
subjectividade.
AORGANIZAO DO LIVRO
Antes de abordar esta questo da subjectividade na sociologia actual, debruar-me-ei
sobre algumas grandes teorias sociolgicas que tm, cada uma sua maneira, levantado
esta questo colocando-a no centro de processos histricos considerados como elucidati-
vos (cap. 1). Um ponto comum a estas teorias a hiptese de que a prpria definio de
indivduo e do seu lugar no processo social muda progressivamente ao longo da histria.
O ponto de vista inicial da determinao, a que Durkheim chamava as maneiras de fazer,
de sentir e de pensaf, pela pertena social objectiva, j no pode bastar a partir do
(19) Esta expresso encontra-se, nomeadamente, em Jacques Commaille, Les nouveaux enjeux
question sacia/e, Paris, Hachette, 1997, p. 105-144.
(20) <<A identidade s se transforma numa preocupao e num objecto de anlise q u n ~ o salta vista,
quando o senso comum no dado antecipadamente e quando os actores j no conseguem chegar a um
acordo sobre o significado da situao e os papis que supostamente deviam desempenhar (Michael
Pollack, L'exprience concentrationnaire. Essai sur /e maintien de l'identit sacia/e, Paris, AM. Mtaili,
1990, p. 10).
momento em que se passa, por exemplo segundo a formulao de Weber, de formas maci-
amente comunitrias a formas cada vez mais societrias. Falta saber qual a natu-
reza desta nova forma de relao social que emerge do processo histrico.
Voltando s teorias que tentaram esta conceptualizao duma nova forma social (que
eu chamo societria, apoiando-me principalmente em Max Weber), tentei dotar-me de
instrumentos de anlise e de esquemas de interpretao das evolues recentes na socie-
dade francesa. Ahiptese a duma mutao ao longo dos ltimos trinta anos da configu-
rao das formas identitrias, no campo da famlia e das relaes entre os sexos (cap. 2),
do trabalho e das relaes profissionais (cap. 3), do religioso e do poltico e das relaes
com as instituies (cap. 4)21. Mais precisamente, a configurao das formas identitrias,
constitudas num perodo precedente, perdeu a sua legitimidade. E aqui que se pode falar
duma crise de identidades, no sentido de destabilizao do agenciamento anterior das
formas identitrias.
Qual o ponto de vista sociolgico a adoptar para compreender a emergncia destas
formas sociais societrias? Aminha hiptese que a sociologia clssica tem dificuldades
porque tem tendncia, como Durkheim, a reduzir o social s formas comunitrias. Mas
no existe nenhuma alternativa conjunta sociologia clssica, de maneira unificada, ou
em vias de unificao, na comunidade sociolgica. Arazo que eu encontro a seguinte:
as novas formas sociais que emergem historicamente das formas comunitrias so
conceptualizadas sociologicamente de forma, muitas vezes, ambivalente. Os termos <<indi-
vidualismo, modernizao, racionalizao assim como os qualificativos liberal,
ps-industrial ou, a fortiori, ps-moderno so demasiado polissmicos e controver-
sos. De facto, muitas vezes a conceptualizao econmica que toma o lugar deixado vago
pela falta duma conceptualizao sociolgica satisfatria. A societria , ento, assimi-
lada econmica e a identidade pessoal ao modelo abstracto de homo oeconomicus. Ora, a
metfora do capital para designar uma coisa diferente das riquezas quantificveis (capital
humano, cultura!, simblico, esttico, etc.) tudo menos inocente: ela traz con-
sigo o projecto duma economia geral das prticas22 que consiste em converter todas as
identificaes em posies sobre uma hierarquia e, reagrupando aqueles que tm o
mesmo nve!, considerar que eles possuem os mesmos valores, convertveis em capi-
tais econmicos. Esta a forma mais comum que a sociologia clssica adopta para redu-
zir o social ao econmico, os valores simblicos aos valores econmicos, isto , s aos seus
interesses. Espero que este livro sirva para que se tome conscincia dos limites desta redu-
o e para abrir outras perspectivas.
.-.--------------------------
(21) Esta tripartio ser justificada no ltimo captulo pelos trs desafios que hoje parecem estar no
seio da identidade pessoal e das suas crises: o amor, o trabalho, como obra e as convices como crenas
fundadas sobre uma experincia traduzvel na narrao.
(22) Cf. Pierre Bourdieu, te sens pratique, Paris, ditions de Minuit, 1980.
Agradeo direco da Universidade de Versailles-Saint-Quentin-en-Yvelines por me
ter concedido um semestre sabtico para escrever este livro. Agradeo tambm, calorosa-
mente, quelas e queles que tiveram a pacincia de ler a verses sucessivas deste livro e
por me terem ajudado a melhorar o meu manuscrito: Catherine Cailloux, Dider
Demaziere, Charles Gada e Serge Paugam foram assim, para mim, leitores crticos e vigi-
lantes. Contudo, assumo sozinho as posies defendidas nesta obra. Finalmente, agradeo
a todos os investigadores e doutorados do laboratrio Printemps (ERA 8085, do CNRS: os
debates com eles foram uma permanente fonte de inspirao e uma ajuda preciosa para a
realizao deste livro.
Dinmicas histricas das formas
identitrias
Este primeiro captulo retoma a noo de forma identitria, derivada da preocupao de
definir uma abordagem sociolgica das identidades. Este captulo interroga-se sobre o sig-
nificado histrico destas formas que foram, primeiramente, produzidas a partir de investi-
gaes empricas no campo do trabalho e do emprego, em Frana, no final dos anos 80
1
.
Trata-se de configuraes de discursos, de atitudes, de relatos puramente contingentes,
totalmente dependentes do seu contexto, ou trata-se de formas mais gerais, j referencia-
das pelas grandes teorias sociolgicas e ligadas a processos histricos de longa durao?
A HISTORICIDADE DAS FORMAS IDENTITRIAS
Baseado nesta segunda hiptese, este captulo tenta retraar as diversas maneiras
segundo as quais emergiram historicamente as figuras idehtitrias particularmente signi-
ficativas. Aescolha destas figuras repousa sobre uma ideia que se pode apoiar, atravs da
literatura fundadora das cincias sociais, nos processos histricos de longa durao que
modificam as maneiras de conceber e definir os indivduos. Aemergncia de novas formas
de individualidade aqui considerada como o resultado, involuntrio e no programado,
de processos que modificam os modos de identificao dos indivduos em consequncia
das transformaes mais significativas na organizao econmica, poltica e simblica das
relaes sociais. No existe nenhuma concordncia entre historiadores, socilogos .ou
antroplogos para conferir a um processo particular um papel determinante. por isso
que escolhi mobilizar, neste captulo, trs construes tericas diferentes que privilegiam
(I) Para uma viso global da maneira como as formas de identidade se produziram ao longo
inquritos, cf. Didier Demaziere e Claude Dubar, Parcours professionnels et formes identitaires, retour sur
une thorisation, Comunicao no Colquio do RC 52 da Associao Internacional de Sociologia, Lisboa,
Setembro de 2000, a publicar.
Acrise
um tipo de processo particular, seja poltico (Norbert Elias), seja simblico (Max Weber),
seja econmico (Marx e Engels). A ordem de exposio escolhida resulta duma hiptese
que diz respeito crise, apresentada na introduo. Primeiro, considerada como econ-
mica, ela tambm, s vezes, analisada como social, simblica, antropolgica e mesmo
poltica. Partindo do poltico para chegar ao econmico, via o simblico, eu quis simples-
mente pr este simblico no seio duma apresentao que parte do poltico para chegar ao
econmico. Parti dum autor que trata explicitamente a identidade (Elias) e acabei em te-
ricos que lhe do menos importncia (Marx e Engels). Seria possvel outra abordagem,
mas trata-se da escolha dum ponto de vista.
Este captulo aborda, ento, trs grandes processos histricos susceptveis de modifi-
car em profundidade os processos de identificao: aquele a que Norbert Elias chama o
processo de civilizao, e que remete para uma noo muito abstracta de identidade Ns-
-Eu e para a hiptese de passagem das formas colectivas (domnio do Ns) a formas indi-
vidualizadas (domnio do Eu) de identiflca0
2
; aquela a que Max Weber chama processo
de racionalizao e que diz respeito relao histrica entre duas grandes formas de rela-
es sociais e dois grandes tipos de socializao que sero tema central deste captulo: a
relao comunitria e a relao societria
3
; finalmente, a de Marx e Engels defendendo o
processo de libertao como processo revolucionrio de reverso da dominao duma
classe sobre outra e como transio das sociedades comunitrias pr-capitalistas a socie-
dades comunistas ps-capitalistas
4
No entanto, Elias diz-nos que no se pode compreender aquilo que se teoriza ao longo
dos sculos XVII e XVIII, no Ocidente, em matria identitria, se se separar as reflexes filo-
sficas sobre o Eu no processo de evoluo social, e sobretudo poltico, da transformao
do Ns. Segundo ele, a consagrao do Estado absolutista que enceta, nesta poca, uma
nova fase do processo de civiliza0
22
, uma verdadeira mudana. o facto de o Estado abso-
lutista ter triunfado no Ocidente (e especialmente em Frana) que assegura, ao mesmo
tempo, o monoplio da violncia legtima (e da recolha do imposto) num territrio e a legi-
No incio das suas Mditations mtaphysiques, Descartes, imaginando que o diabo (<<gnio
maligno) se diverte a engan-lo e a abusar dos seus sentidos, s encontra uma resposta para esse tipo de
objeco: o cogito implica, ao mesmo tempo, um Eu pensante, um Deus que no seja enganador...
(20) CL. adiante, a importncia da filosofia grega para o aparecimento da identidade reflexiva.
(21) Aobra de Kant marca uma viragem na histria das ideias filosficas evocada na nota anterior, pelo
facto de que tambm o carcter universal de imperativo moral, a sua regra de universalizao que for-
nece a norma de reciprocidade (<<tratar o outro como a si mesmo, isto , como um fim e no apenas como
um meio) e permite fundar a autonomia do sujeito moral e portanto da identidade pessoal como ambi-
o tica. Esta ambio j se encontrava em Aristteles, mas ligada a uma metafsica essencialista das
categorias, das quais Kant demonstra os impasses; cf. Paul Ricoeur, Soi-mme comme un autre, Paris,
Seuil, 1990.
(22) Aconcepo da histria desenvolvida por Elias permanece evolucionista: aquilo a que ele chama
civilizao a civilizao ocidental na sua verso estatal. Norbert Elias encontra-se mais impressionado
s ~ fascinado, pelo triunfo do absolutismo real do que pela expanso das trocas e da dinmica do capi:
tahsmo, recllperando uma expresso de Braudel. Asua sobrevalorizao da esfera poltica tem como cor-
relato uma certa desvalorizao do econmico, contrariamente a Marx e a Weber.
:ti
das formas identitrias
............
conquista progressiva dum controlo de si que implica a aquisio de boas maneiras (de
comer, de beber, de falar, de estar em pblico) e, logo, o controlo das emoes.
Asociedade de corte permite a construo duma configurao Ns-Eu no seio da qual
as relaes sociais j no se baseiam no respeito colectivo da tradio, mas sim na com-
petio individualizada com base na diferena pessoal.
Na terminologia proposta, a forma identitria, que assim se torna dominante, continua
a ser uma identidade para outrem mas ela torna-se societria, isto , orientada para o
acesso a uma posio estatutria, j no s em funo da nascena mas da aprendizagem
dum novo cdigo simblico, de interiorizao de novas maneiras de dizer, de fazer e de
pensar valorizadas pelo Poder. Eu chamar-lhe-ia forma estatutria para a distinguir cla-
ramente da forma cultural precedente. Pura e simplesmente, o estatuto j no adqui-
rido nascena. Ele deve merecer-se pelo triunfo das provas sancionadas pelo poder pol-
tico. Entre elas, o domnio das novas formas de identificao de cada um e o cdigo de
comportamentos a ter em conta torna-se determinante.
Durante todo o sculo XIX, os Estados-nao vo impor-se progressivamente como
forma predominante do Ns societrio. Nomeadamente, a inveno do nacionalismo vai
permitir a legitimao da identidade nacional como forma de identidade dominante
24
. No
sculo XX, esse movimento vai levar a duas guerras mundiais que sero as mais mortfe-
ras da Histria. Esta idade dos extremos25 ver, em nome do nacionalismo mais exacer-
bado e mais totalitrio, cometer crimes de identidade contra a humanidade e, nomeada-
mente, o mais impensvel e o mais horrvel: o Holocausto, sinnimo de forma racionali-
zada e burocratizada da exterminao do Outro. Amonstruosidade nazi enraza-se na mais
radical das reivindicaes identitrias: aquela que define o Outro (o judeu) como o Mal
absoluto a eliminar absolutamente. O nacionalismo, baseado numa ideologia racista, e
uma vontade hegemnica levam, graas a uma racionalizao sistemtica, negao abso-
luta do Outro e tentativa de sujeio de todos os outros. Aguerra que daqui resulta acen-
tua uma incrvel perverso do suposto processo de civilizao: em nome da pretensa
superioridade duma civilizao sobre todas as outras, a barbrie guerreira que sub-
merge, durante um tempo, toda a humanidade.
Se a Segunda Guerra Mundial origina uma Organizao das Naes Unidas mais leg-
tima e duradoura do que a efmera Sociedade das Naes, depois da primeira guerra, esta
nova organizao mundial regista, desde 1947, um aumento do nmero de Estados mem-
bros: perto de 200 em 2000, enquanto que no incio do sculo no contava com mais de
65 Estados. Segundo Elias, assiste-se assim a um paradoxo do seu processo de civiliza-
o: o aparecimento potencial duma nova definio do Ns mundializado - a humanidade
.----- --.---------..--- --.--- "-.-- ---..-..--- -.--..-.--..- --..-- -- '1
(24) Sobre a inveno da ideia de nao no sculo XIX e as origens do nacionalismo, cf. Anne-Marie I
Thiesse, La craton des identits natonales en Europe, XVIII-XIX sec/e, Paris, Seuil, 1999. J
(25) Cf. ric Hobsbawn, L'dge des extrmes. Histoire du court xxe siec/e 1914-1991, Paris, Complexe/ 'I
Le Monde diplomatique, 1999 (l." ed., 1996).
como pertena comum - faz-se acompanhar dum reforo das reivindicaes tnicas,
nacionais e estatais. Na actualidade, para a grande maioria dos humanos, a sua identidade
principal a sua lngua, a sua cultura, a sua nao ou a sua etnia, que eles esto prontos
a defender atravs de qualquer meio. Para a maioria, o reconhecimento destes passa pela
constituio, pelo reconhecimento oficial e pela defesa do seu Estado-nao e/ou da sua
comunidade cultural
26
. Segundo a problemtica de Elias, a forma identitria dominante
que permanece, por enquanto, aquela que rene um Ns localizado,
Estado legtimo ou em grupo cultural (tnico-religioso, nacional ou regIOnal) relvmdl-
cando um reconhecimento oficial apoiando-se geralmente sobre reconstrues mticas
que justificam a sua implantao comunitria pela inveno duma histria memorvel
2
"1 e
de Eus identificados ao seu grupo local e sua cultura. Se a maioria dos humanos deve,
antes de mais, lutar pela sua sobrevivncia econmica, ou para melhorar a sua condio,
eles reconhecem-se tambm como pertencentes a culturas que implicam de forma diversa
a noo de pessoa
28
.
No se pode ento pretender, como por vezes supe Elias, que se assiste ao apareci-
mento dum Ns mundializado, s irredutvel globalizao econmica. A configurao
Eu-Ns que poderia substituir-se por aquela que actualmente maioritria no mundo no
concretamente definvel. evidente a construo de espaos, sobretudo econmicos, que
excedem os Estados tentando feder-los. AUnio Europeia um exemplo, mas esta cons-
truo poltica no implica, por enquanto, uma <<identidade europeia no sentido dum
(26) Estou parcialmente de acordo com as posies defendidas, na vasta sntese sobre o estado actual
das identidades por Manuel Castells, no seu livro Le pouvoir de /,identit, Paris, Fayard, 1999 (l." ed.,
1997). com o auto da primazia actual, no mundo, daquilo a que ele chama as identidades resis-
tentes (que eu chamo forma cultural) considerando todas elas como comunitrias (incluindo movimentos
ecologistas e feministas); concordo parcialmente com o facto dele considerar que aquilo a que chama as
identidades-projecto (que eu chamaria formas narrativas) esto bloqueadas e no conseguem tradUZir-se
em projectos de transformao social, nomeadamente porque elas se convertem frequentemente Iden-
tidades legitimadoras (que eu chamo forma estatutria). Mas a ausncia de distino entre projecto" e
<'reflexividade e entre identidade para si e identidade para outrem" parece-me prejudicar a teorizao
feita por Castells. .
(27) Sobre um exemplo de inveno mtica duma identidade regional, recomenda-se a leitura da tese
de Ronan Le Cloarec,L'identit bretonne, Rennes, Terre de brume, Presses Universitaires de Rennes, 1998.
Sobre a gnese desta crena colectiva na identidade bret, no sculo XIX, cf. Catherine Bertho, L'inven-
tion de la Bretagne. Genese sociale d'un strotype, Actes de la recherche en sciences sociales, 35,
Novembro, 1980, p. 45-62. . _
(28) Utilizo a expresso forma cultural num sentido um pouco diferente do de Shm Abou, que nao
evita em L'identt culturelle, obra citada, a ratoeira essencialista ao fazer das culturas etnotIpoS constI-
das personalidades individuais. Jean-Pierre Warnier considera, com razo, as identificaes cultu-
rais como repertrios de aco, recursos simblicos (entre outros) que podem ser contextuais e
tes e por isso variar ao longo da vida duma pessoa. Essas identidades so construdas e reconstrUi das
ao longo da Histria para acentuar as reivindicaes nos crescentes processos de criao d. La
mondialisation de la culture, Paris, La Dcouverte, Reperes, 1999. Sobre este assunto, ler tambem Jean-
-Franois Bayart, L'illusion identitaire, Paris, Fayard, 1996.
A
projecto comum partilhado pela grande maioria dos habitantes dos pases visados. As anti-
gas identidades nacionais continuam a ser fonte e referncia prioritrias para eles,
nomeadamente para se identificarem uns aos outros, e elas tm mesmo tendncia a ser
reactivadas pela perspectiva europeia reduzida a um vasto mercado desregulamentado.
evidente, em Frana, a partir de meados dos anos 80, ver at que ponto as questes da
soberania nacional e da poltica europeia se tornam conflituosas, fonte de clivagens
cada vez mais profundas, dentro dos antigos partidos polticos.
O processo de civilizao, no sentido que Elias lhe deu, est, nesse sentido bastante
bloqueado. Se um prximo estdio deve advir, ele no nem previsvel, nem concebvel.
Mesmo o termo civilizao parece-me pouco susceptvel de reagrupar os votos dos espe-
cialistas. Como explica Hobsbawn
29
, no s o sculo XX ter sido muito mais mortfero
que o precedente, como tambm ter lanado uma suspeita, muito dificilmente supervel,
sobre a ideia de progresso que tinha sido uma das grandes palavras unificadoras do sculo
XIX. Reduzido s proezas tcnicas e desligado dos grandes projectos humanistas e morais
(e no s polticos), o dito progresso perde a sua legitimidade e torna-se artimanha ou
estratgia dos poderosos para reforar a sua dominao sobre o mundo.
PROCESSO DE RACIONALIZAO: FORMAS COMUNITRIAS E SOCIETRIAS
(WEBER)
Contrariamente a Norbert Elias, Max Weber no usa o termo <<identidade e parte duma
anlise compreensiva da aco humana considerando-a do ponto de vista do seu significado
subjectivo. Para captar esta significao, Weber empenha-se em reconstituir configuraes
histricas tpicas ligadas a formas de aco racionalmente compreensveis. Entre os grupos
de conceitos que usa para caracterizar essas formas, ele utiliza uma distino introduzida
por Tonnies
30
redefinindo-a de maneira particularmente interessante, mesmo se, por vezes,
ela permanece obscura. Para Weber, as formas comunitrias (Vergemeinschaftung) desig-
(29) CL L'ge des extrmes, obra citada, p. 19.
(30) Apassagem das comunidades (traduo da palavra alem Gemeinschaft) s sociedades moder-
nas (traduo da palavra alem Gesellschafi) est no cerne da obra de Ferdinand Tnnies intitulada
Gemeinschafi und Gesellschafi, escrita em 1887. Esta obra tornou-se um clssico da sociologia (oito edi-
es at 1922 na Alemanha). Foi traduzida para o francs com o ttulo Communaut et socit e reeditada
pela Petz, Paris, 1977. Max Weber critica o uso que Tnnies faz desta oposio entre tipos sociais e
inventa os termos Vergemeinschaftung e Vergesellschafiung para designar formas de lao social (e no
sociedades reais) e processos tpicos de socializao (Sozialisierung) que coexistem nas sociedades his-
tricas segundo combinaes muito variveis. Cf. Wirtschafi und Gesellschafi, 1921, cap. 1. A traduo
desses dois conceitos-chave por neologismos brbaros <comunalizao e societizao) contribuiu
para obnubilar o uso que Weber faz desses conceitos. Cf. conomie et Socit, Paris, Plon, 1971, p. 3-59.
Preferi traduzir esses dois termos por socializao comunitria e socializao societria para tentar
clarificar a concepo weberiana da socializao. d. La socialisation, obra citada, cap. 4, p. 89-94.
nam relaes sociais fundadas sobre o sentimento subjectivo (tradicional ou emocional)
de pertena a uma mesma colectividade. Elas concernem dois grandes tipos de aco que
implicam duas formas de relao social. Aque repousa sobre a fora da tradio, dos laos
transmitidos pela filiao, das heranas culturais. Mas, tilmbm, a que resulta da identifi-
cao colectiva e emocional (Affektual) a um mesmo lder carismtico. Por exemplo, esta
forma comunitria dominante no funcionamento das famlias que conjugam filiao e
relaes afectivas intensas. Mas, em diferentes graus, ela est presente em todos os agrupa-
mentos humanos, a partir do momento em que se desenvolvem sentimentos de pertena.
As formas societrias (Vergesellschaftung) designam relaes sociais fundadas com
base no compromisso ou a coordenao de interesses motivados de forma racional (em
valor ou em finalidade)>>. Elas concernem dois tipos de racionalidade: a relao com os
valores, a racionalidade axiolgica (Wertrationalitat) que serve de base aos acordos racio-
nais por compromisso mtuo e a relao instrumental dos meios para atingir um fim que
se impe por ela prpria (Zweckrationalitat), a racionalidade econmica, a troca comer-
ciaI, a competio para assegurar as melhores oportunidades de vida, mas tambm a
associao voluntria dos indivduos para defender os seus interesses. Segundo Weber, a
empresa (Betrieb), mas tambm aquilo a que se chama em Frana associaes, represen-
tam agrupamentos no seio dos quais as relaes de tipo societrio so as mais dominan-
tes. Weber defende a tese da existncia histrica dum processo de racionalizao que asse-
gure a predominncia da segunda forma sobre a primeira. Mas sem nunca eliminar a pri-
meira e esforando-se mesmo por analisar as individualidades histricas (o capitalismo,
a burocracia, o judasmo antigo... ), tal como os agrupamentos sociais (a famlia, o Estado-
-Nao, a empresa... ) como mesclas de valores e interesses de relaes comunitrias e
societrias. Por exemplo, o mundo politico, mais do que todos os outros, no pode ser ana-
lisado, segundo Weber, sem recorrer s duas formas de relaes sociais precedentes
31
Por volta de 1844-1845, quando frequenta em Paris os crculos comunistas, Marx toma
conscincia que a revoluo social era no s necessria, mas tambm capaz de destruir
o capitalismo. No entanto, para tal, era necessrio a elaborao duma anlise cientfica
do modo de produo capitalista e a difuso duma linha poltica clara, duma sntese dos
grandes objectivos da aco revolucionria, alicerada nesta anlise. Ao encontrar Engels
em Bruxelas e ao decidir livrar-se da velha conscincia filosfica de outrora, Marx
comea a trabalhar, com Engels, na redaco da Ideologia Alem e depois no Manifesto do
Partido ComunistaS
3
, duas obras complementares e importantes para tentar compreender
nenhuma forma de identificao particular para alm da econmica. A novidade, no movimento ope-
rrio, ou pelo menos em algumas tendncias, a vontade de abolir ou de ultrapassar o capitalismo para
criar um mundo novo e um homem novo constitudo por ideais de igualdade e fraternidade.
(51) O debate de Marx-Weber sobre o capitalismo essencial para se compreender bem esta questo:
Weber cOl1cordava em parte com a anlise de Marx sobre a explorao do trabalho livre pelo capital como
uma das condies da expanso do capitalismo. Ele reconhecia que a classe operria era economicamente
explorada, ele tinha feito inquritos em fbricas e analisado os esforos feitos pelos sindicatos alemes para
resistir a esta explorao e obter aumentos salariais e sociais. Mas Weber no pensava que uma revoluo
poltica que instaurasse um outro regime fosse uma soluo para a explorao operria. Alm da sua opo-
sio noo de ditadura do proletariado por causa das suas (tardias, e mesmo duvidosas) convices
democrticas (ele far parte dos fundadores do novo partido democrtico alemo na altura do tratado de
Versalhes), ele no analisava as classes sociais como movimentos de identidade que punham em jogo a
relao com os valores (ao contrrio dos grupos estatutrios), mas como movimentos puramente econ-
micos de <lefesa de interesses numa lgica instrumentai. Ele no achava que a defesa dos interesses ope-
rrios tivesse alguma coisa a ver com o profetismo; cf., por exemplo, De Coninck, obra citada, p. 146-148.
(52) Utilizo aqui esta expresso como equivalente de conscincia revolucionria, isto , da nova
maneira de agir no mundo implicando uma concepo especfica da Histria, no s colectiva mas tam-
bm indiv idual.
(53) Cf. Karl Marx e Friedrich Engels, L'idotogie allemande et te manifeste du Parti Communiste,
Oeuvres Choisies, t. I, d. Du Progres, 1970, p. 10-81 e 111-142.
Caso n.O 5 _ A identidade operria comunista, Marx
Na I
'deologia alem Marx e Engels falam brevemente do comunismo. p.ode res.un:
ir
-
se
, d . t . II O comuntsmo nao e um
o seu contedo atravs de quatro teses em forma e SIS ema. _ nvolvimento
ideal ou uma utopia, a finalizao do movimento geral da produao, dese la es de
de foras produtivas finalmente libertadas dos seus entraves constituem re. .2/0
. . essencIalmente econOmICa,
produo capitalista. sentido o fim da diviso do trabalho e
comunismo como movImento rea a IS ona . f d I" ado
t mesmo a abolio do trabalho, trabalho assalariado, constrangIdo: o, a len ,
pelo capital; ele deve ser substitudo :<assoc.iao
Pd: que
, . .,d d d um de se aperfeIoar no ramo que
as personalidades, a pOSSlblh a e, para ca , t d fazer criao de animais ao
agrada a livre escolha para caar de manha, pescar a ar e,. unismo exige
fim da e criticar depois do jantar, ao pos-
derrubamento do Estado para que os 10 IVI UO . d
desenvoiver todas as suas potencialidades, em tdodas as ;sferas s pos-
Por u o termo comunismo? Porque, segun o os au ores, . ._
svel comunidade. Todas as colectividades anteriores no
dades: as sociedades pr-capitalistas eram pela s pela ideologia...
. elas eram tambm mistificadas pela rehgtao, pelas crenas ma lca , . I .
burguesa que destri todas as antigas comunidadesdPara as
d d' h' o oposto uma com ,
do interesse privado e o poder ?, 10 elro; 'd a fora de trabalho. O Estado
repousa sobre a concorrncia dos lOdlvlduos re su . do comunismo a par-
q
ue gere os negcios da burguesia o obstculo maIOr a . o pleno desenvolvi-
d' . " s so preenc I as.
tir do momento em que as con loes rela es de dominao de
mento das foras produtivas e a sua contradlao, aguada verdadeira comuni"
classe. Ento preciso derrubar .0 bur.gues pode fazer pela revoluo.
dade de homens livres que constitUI o comumsmo e s
. Marx e Engels contam, antes
Para acelerar esta revoluo que instau:a o a sua conscincia de classe.
de mais, com a aco colectiva dos prolet:flOs um OOS e no tm nada a perder a
'd "1' da mensagem do Mant esto... s pro .
o sentt o prIml IVO d d" materiais deterioram-se. Eles vIvem
no ser os seus grilhes. Em todo o la o, as con loes
Dinmicas hi<tricas
na pobreza, na precariedade, na explorao. Os capitalistas colocam-nos em concorrncia
os idelogos abusam deles, os reformistas embalam-nos com iluses vs. preciso
-los para que se unam, se organizem. preciso ultrapassar as lutas corporativas para
adquirir esta conscincia de classe que lhes permitir ultrapassar as clivagens nacionais e
fazer deles revolucionrios consequentes e internacionalistas que formam partidos comu-
nistas ou transformam aqueles que existem para fazer colectivamente a revoluo.
Como que se h-de pensar simultaneamente nesta exigncia do presente (fazer a
revoluo), que implica a fuso dum movimento colectivo, e esse processo histrico,
que deve fazer do proletrio preso e explorado um comunista <<livre e consciente um
indivduo multidimensional54. Como que se pode definir esta conscincia de
qU,e no tem nada a ver, segundo Marx e Engels, com a conscincia de si dos hegelianos,
ate m:smo os de esquerda, cujos escritos eles satirizam ao longo de toda a Ideologia
Alema? De que forma de tomada de conscincia que se trata? O que , ento, para eles
uma conscincia revolucionria?
A res posta a esta questo duma terrvel complexidade. Em vez de s procurar ele-
mentos de resposta nos textos de Marx (no so fceis de definir j que alimentaram diver-
sas parece-me interessante, cento e cinquenta anos depois da publicao
do e dez an?s depOIS da queda do Muro de Berlim e de todos os pases europeus
do socialismo real, mterrogarmo-nos sobre o que que a Histria do sculo XX trouxe
c?mo respostas a esta questo. F-Io-ei, de forma necessariamente esquemtica, privile-
gIando a perspectiva deste captulo: tentar compreender a dinmica histrica das formas
identit.rias, que foram reclamadas por Marx e por diversas verses do marxismo e que se
generalIzaram atravs de regimes ou partidos que as reivindicaram.
H questes e essenciais que devem ser postas a propsito da concepo de
comumsrno desenvolvido por Marx e Engels: Oque , para eles, uma comunidade de indi-
vduos livres? A que que eles se referem quando falam em derrubamento do Estado
num c.ontexto de transio entre o capitalismo e o socialismo? Aprimeira questo pode ter
a segumte resposta: h uma diferena importante entre a noo de comunidade, tal como
se depreende das teorias sociolgicas analisadas anteriormente, e aquilo a que Marx e
Engels chamam associao consciente de indivduos livres. De facto, se, para eles o
termo comunidade (Gemeinschafi) serve para designar ao mesmo tempo as
s?ciais que eles consideravam como historicamente ultrapassadas (e filoso-
fIcamente alIenadas) e a forma ps-capitalista que se apoderava da sociedade comunista
porque eles consideram que existe um trao comum a todas as formas sociais que un:m
organicamente
55
os indivduos, seja de forma coerciva (formas comunitrias primitivas),
O livro de Marcuse, L'Homme unidimensionei. Essai sur /'idologie de la socit indus-
trlelle avance: Paris, Ed. de 1968 (l.a ed., 1964), redefine a sociedade capitalista segundo Marx
como uma SOCIedade .de consumo, mtegralmente reduzida uma s dimenso instrumental, econmica.
Ele opunha-lhe a SOCIedade comunista que permitia o desenvolvimento dum indivduo multidimensio-
nal, baseando-se inclusivamente nas indicaes da Ideologia Alem.
(55) O te rmo orgnico aquele que usado por Tnnies para caracterizar a Gemeinschafi. Refere-
seja de forma voluntria (formas comunistas associativas). Segundo eles, o capitalismo e
a sociedade burguesa societria (Gesellschafi) destruram os laos vitais, constitutivos da
condio humana. Arevoluo restabelece-os, sob uma nova forma, voluntria, associa-
tiva. Mas os laos sociais para Marx e Engels, so os mesmos, os da colTlum humanidade.
Se esta interpretao est correcta, ela torna problemtica as relaes entre as formas
histricas da individualidade e as relaes sociais. As palavras da tese n.o seis sobre
Feuerbach so conhecidas: A essncia do homem no uma abstraco iherente ao indi-
vduo isolado, ela o conjunto das relaes sociais56. Tese essencial e que fez jorrar muita
tinta. De facto, este jorrar de tinta pode-se interpretar de duas maneiras muito diferen-
tes. Ou se considera que os indivduos empricos so produzidos por relaes sociais deter-
minadas (por exemplo capitalistas e, logo, societrias nas sociedades burguesas) e que
s podem mudar de identidade, de forma consciente, quando as relaes sociais so des-
trudas ou transformadas por outras (por exemplo, socialistas e, logo, comunitrios!
/comunistas nas sociedades que fizeram a revoluo). Nesse caso, a socializao ps-capi-
talista que dever converter a massa de indivduos, socializados nas relaes sociais bur-
guesas, nesta <<identidade comunista, definida na dcima tese como humanidade sociali-
zada. Ou ento os indivduos so tambm produtores das relaes sociais, incluindo, em
determinadas condies, relaes sociais diferentes daquelas que os socializaram. Nesse
caso, eles voltam a socializar-se a si prprios, na e pela luta revolucionria, e tornam-se,
cada um de maneira livre e consciente (conscincia de classe), militantes que adquirem
uma outra identidade, uma identidade comunista, diferente daquela produzida pelas rela-
es sociais anteriores. bvio que se trata de duas concepes diferentes, seno mesmo
opostas, de socializao (Sozialisierung) como processo de produo dos seres humanos.
Aprimeira interpretao concede ao Estado socialista uma funo essencial de sociali-
zao comunista. Esta no poder fugir imposio coerciva da <<identidade comunista,
de tipo comunitrio, aos indivduos socializados de maneira burguesa, duma maneira
societria. Tratar-se- de colectivizar os indivduos ao mesmo tempo que os meios de pro-
duo. V-se mal nesta hiptese como que poder ocorrer a desapario do Estado. A
segunda interpretao recua a revoluo para o momento em que uma maioria de indi-
vduos socializados de forma burguesa se torna militante e revolucionria, de maneira
livre e consciente, isto , se converte ela prpria a uma identidade comunista e, logo,
. . d I I . I .tal L.!
aos <<laos de sangue, da terra e do espmto que caracterizam, segun o e e, o ao SoCla VI que
destri a Gesellschafi, sinnimo, para Tnnies, de sociedade capitalista.
(56) As teses sobre Feuerbach, de Marx e Engels, e, sobretudo a 6.a, deram origem a uma literatura
abundante e a uma intensa polmica entre os intrpretes humanistas, que consideram que a essncia
humana remetia para o conceito dum indivduo que luta pela transformao das relaes sociais em nome
dum ideal universalista (d. Adam Schaff, Le marxisme et /'individu, Paris, A. Colin, 1968) e os anti-
-humanistas que consideram que a formulao de Marx e Engels anuncia a realizao da cincia da his-
tria, o materialismo histrico, que dissolver a noo de essncia humana e far dos indivduos produtos
das relaes sociais, objecto duma teoria cientfica e revolucionria (d. Louis Althusser e outros, Lire le
Capital, Maspero, 1965).
Acrise das identidades
-".- --_._.,"-----.,---. -_._.....
comunitria num sentido positivo. De facto, a desapario do Estado preceder a ins-
taurao do comunismo visto que a massa de militantes convertidos j no necessitar do
Estado para assegurar a socializao.
. N.o foi seguramente por acaso que todas as revolues socialistas do sculo XX (em
lugar a revoluo russa de 1917) ocorreram em pases muito comunitrios (e
mUito atrasados em matria de modernidade burguesa). No foi por acaso que os partidos
comunistas que, efectivamente, tomaram o poder, em primeiro lugar o Partido Bolchevique
convertido em PCUS57, desenvolveram formas de controlo social, de luta contra as dissidn-
cias, de uniformizao do pensamento e, para alguns, de represso em massa muitas vezes
dirigidas contra a elite intelectual burguesa ou pequeno-burguesa. De facto, um pouco por
todo o lado nos pases socialistas, o individualismo foi denunciado e perseguido como res-
duo da conscincia burguesa. Ora, manifestamente, no esprito dos textos de Marx o indi-
vidualismo possui dois significados muito diferentes que no foram distinguidos p:los te-
ricos marxistas dos pases socialistas. Se, nestes textos histricos Marx58 considerou
muitas vezes o individualismo como uma ideologia (nomeadamente
caracterstica dos camponeses emparcelados) e contra-revolucionria; h outros textos'
no s Ideologia Alem, onde a emancipao individual, a inteligncia crtica da Histria:
a de romper com as ideias da sua classe (nomeadamente para os intelectuais) so
como virtudes revolucionrias. A ideia conduz a uma segunda interrogao:
nos palses onde se produziram tais revolues, o aparelho de Estado em vez de ser abo-
lido, foi consideravelmente reforado, mesmo em relao represso os intelectuais
para no falar dos camponeses). Hoje, evidente que, na Rssia de 1917, s uma pequena
possua uma identidade militante comunista. Amassa dos camponeses con-
tmuava.lmpregnada de identidades comunitrias pr-capitalistas e a maioria dos operrios,
comerciantes e funcionrios, tinha herdado identidades societrias mais ou menos mode-
ladas pelo capitalismo nascente e pelo Estado burocrtico.
De hoje e depois destes acontecimentos, no muito difcil constatar que o pro-
cesso hlstnco do comunismo no sculo XX no foi aquele que Marx e Engels antecipa-
vam no Manifesto ou na Ideologia Alem, apesar de ele se ter produzido sob o estandarte
do marxismo. Depois do falhano da revoluo de 1905, a viragem encetada por Lenine59
Partido Comunista da Unio Sovitica.
(58) nesses textos histricos, Les /uttes df! c/asses en France. Le dix-huit Brumaire e Laguerre civi/e
en France, que Marx denuncia o individualismo pequeno-burgus das classes mdias (e dos camponeses
Q.ue votam em massa em Napoleo III) Que se acham acima das classes Quando esto entre dois e deve-
nam esco o .seu campo no momento da confrontao decisiva. Manifestamente, no se trata do
do homem comunista, imaginado emL'id%gie a//emande, nem do mesmo dos
intelectuais. revolucionrios Que se juntam ao proletariado, em virtude da sua capacidade de anlise. Sobre
uma Interpretao individualista de Marx preciso ter em conta estes dois sentidos, cf. Elster, The
MU/tlp/e SeLf, Free Press of New York, 1986, p. 54-78.
.(59) Para esclarecer este assunto, h Que perceber tudo o Que esses partidos reagrupados na III Inter-
nacIOnal devem ao pensamento e aco de Lenine, nomeadamente sua interpretao da obra de Marx.
implicava, a prazo, para as massas camponesas, a passagem forada das formas comunit-
rias pr-capitalistas a uma forma comunista anticapitalista que s era possvel sob a gide
dum Estado autoritrio encabeado por uma avant-garde muito minoritria de militan-
tes revolucionrios profissionais. Foi aquilo que se produziu sob formas que nem o prprio
Lenine suspeitara, mesmo que lhe tenha acontecido tem-Ias tanto mais quanto o seu
voluntarismo revolucionrio era disso largamente responsvel. O estalinismo e o seus cri-
mes abominveis eram, assim, inscritos na perverso (ou pelo menos numa forte distoro)
a que Lenine tinha submetido a teoria de Marx: nem associao de homens livres, nem
abolio do Estado, o socialismo sovitico, convertido em estaliniano,
em processos inversos: terror em massa impondo o comunismo e o reforo contmuo
Estado burocrtico e policiado que provocou milhes de mortos, incluindo antes de mais
militantes comunistas. Desse ponto de vista, a queda do comunismo instalado, do Muro
de Berlim Unio Sovitica, representa explicitamente uma vingana espectacular das
formas societrias sobre as formas comunitrias-comunistas, tomadas totalitrias.
Ento como vo os movimentos revolucionrios nos pases mais modernos e mais
na via capitalista? Do ponto de vista que me interessa, parece-me impossvel
afirmar uma forma identitria revolucionria ou comunista nica, mesmo que nos
limitemos classe operria, isto , aos assalariados exercendo ou tendo exercido um tra-
balho industrial manua! e assalariado. Muito precocemente na histria do movimento
operrio, e entre os militantes sindicais e polticos, exprimiram-se tendncias radical-
mente diferentes. De facto, o que que existe de comum, no plano identitrio, entre os
primeiros militantes proudhonianos ou anarquistas, operrios altamente qualificados
da dcada de 1860, e os militantes sindicalistas-revolucionrios franceses dos anos
1880-1914 referentes experincia da Comuna de 1871 e marcados por essa terrvel
represso burguesa, rebeldes a toda a arregimentao e a toda a disciplina vinda de
partidrios duma greve geral revolucionria (cf. o 1 de Maio de 1905 em Frana) e os mIli-
tantes operrios reformistas, partidrios do socialismo municipa!, que tinham como
trunfo as eleies e a democracia parlamentar? Eles diferem, alis, dos primeir?s
militantes ligados ao marxismo verso guesdiste e que se tornaro, numa aliana mUito
efmera e tctica com certos sindicalistas revolucionrios, nos primeiros membros oper-
rios do Partido comunista, seco francesa da Internacional comunista, ligada 1II
Internacional e s suas 21 condies no Congresso de Tours em Dezembro de 1920
6
.
Duas divergncias fundamentais parecem-me arruinar qualquer tentativa
trar uma forma identitria comum a todos os perfis de operrios militantes, smdlcalIs-
A partir de ento, s depois do falhano, na Rssia, da revoluo de 1905 Lenine, em Que fai:e?, .
os dirigentes e militantes aliados s suas posies revolucionrias, no sentido de Que er.a precIso criar
tidos de avant-garde estruturados por uma disciplina de ferro e romper com os movimentos reformiStas
e sociais democratas, e o homem comunista tinha assim todas as hipteses de se nesse
nrio profissional (raramente tinham origens operrias), cujo primeiro objectiv? era Inculcar o
como cincia da histria s massas ignorantes e espontaneamente reformIstas e corporativistas.
(60) Cf. Annie Kriegel, Aux origines du communisme Franais, Flammarion, 1969.
!46 '
tas, socialistas depois comunistas. A relao com o colectivo, com o Ns, comuni-
tria ou fusionista para alguns (colectivista, como se dizia na altura), mais societria ou
associativa, at mesmo individualista para outros (libertria, para os anarquistas). A rela-
o com o Estado de oposio para alguns, de rejeio para outros e de participao para
outros ainda. Por exemplo, o esprito de Partido, analisado por Bernard Pudal
61
, dos ope-
rrios (lU dos filhos de operrios, promovidos a lugares de direco do PCF (Partido
Comunista Francs) nos anos 30, implica a renncia ao individualismo, a fuso com o apa-
relho, a adeso total linha, uma contestao global do capitalismo e uma ausncia de
crtica em relao URSS. Este esprito totalmente incompatvel com aquele dos mili-
tantes herdeiros dos anarco-sindicalistas que so ao mesmo tempo individualistas, anties-
talinianos, partidrios, para alguns, da luta revolucionria por uma minoria activa e,
para outros, da aco pessoal exemplar. Alis, a maioria, abandonou o PCF a partir dos
anos 20 e rompeu com qualquer forma de disciplina, tornada quase militar. O esprito de
partido dos militantes comunistas que, durante muito tempo, partilhariam o culto a
Estaline, est ausente nos militantes operrios da velha SFIO, herdeiros do socialismo
municipal, participando nas corridas eleitorais locais, ao servio dos seus eleitos.
Assim, parece que os trs perfis de militantes melhor identificados pelos historiado-
res
62
, nomeadamente nos anos 20 e 30 (comunistas, socialistas e libertrios) no podem
ser unidos por nenhuma forma identitria comum. Para cada um deles, a revoluo, a
conscincia de classe, o socialismo, o partido tm significados diferentes. Entre a tradio
anarco-sindicalista, autogestionria, descentralizada e pacifista, por um lado, e a tradi-
o boI chevique, leninista e centralista, por outro lado, as referncias e os recursos de
identidade so muito diferentes, at mesmo opostos
63
Essas duas tradies diferenciam-
-se elas prprias das reformistas, contrrias s 21 condies da III Internacional.
Pode-se pr como hiptese que cada um desses perfis corresponde a configuraes de
identidades diferentes que se poderia tentar juntar a formas gerais
64
dominantes (estatu-
trias, culturais, reflexivas e narrativas) que eu tentei definir neste captulo. Para pr
prova esta hiptese e para terminar este inventrio vou voltar a falar sobre alguns resul-
tados de inquritos recentes sobre grupos operrios tomados em contextos muito dife-
rentes.
-
CL Bernard Pudal, Prendre parti. Pour une sociologie historique du PCF, Presses de la FNSp, 1989.
(62) Cf. A introdu.'lo no Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier de Jean Maitron Paris
ditions Ouvrires, 1972. ' ,
(63) Foi o que constatou Yvon Bourdet num inqurito por meio de entrevistas junto dos militantes
que se diziam revolucionrios no fim dos anos 70; cf. Qu'est-ce qui fait courir les militants?, Paris,
Stock, 1977.
(64) Na medida em que as formas de rela.'lo desses diferentes tipos de militantes no so as mesmas
privilegiam o comunitrio, outros o societrio) e que os perfis biogrficos so igualmente
(alguns privilegiam o para outrem, outros o para si) no h desculpas para no se conse-
o a partir do momento em que se possuiriam os materiais lingusticos (documentos pes-
soaIS, bIOgrafias, entrevistas, testemunhos) necessrios anlise.
DIVERSIDADE DAS TRAJECTRIAS E DAS IDENTIDADES OPERRIAS
Aquando dos meus diversos inquritos no terreno, no Lbano (1970-71), aos mineiros
de Pas-de-Calais (1978-79), aos assalariados dum estabelecimento da empresa Renault ou
duma central da EDF (Electricidade de Frana) (1983-84), e em diversas grandes empre-
sas privadas (1987-88)65, s vezes, achei que tinha identificado uma forma de identidade
especfica, irredutvel a priori a todas aquelas identificadas em outras camadas sociais, e
centrada numa militncia contestatria e num compromisso em organizaes sindicais ou
polticas que se definiam a elas prprias como revolucionrias. Desde Les classes socia-
, . t t t 66 EI
les au Liban (1976) chamei a esta forma de identidade a do operano con es a no . a
s dizia respeito a uma fraco de operrios, minoritria qualquer que fosse o contexto.
Outras entrevistas com os operrios (que, por vezes, ocupavam os mesmos postos que os
precedentes) exprimiam, atravs da descrio do trabalho, da experincia vivida das rela-
es e da trajectria, um perfil de operrio integrado que se distinguia pouco da
dominante que implicava uma ambio de subir na empresa, melhorar a condlao
salarial, ser reconhecido no seu trabalho pela sua hierarquia e ver os seus filhos a ter
boas notas na escola (e no operrios como eles). Em suma, esta a forma estatut-
ria muito generalizada entre as classes mdias. Outras entrevistas, ainda, organizavam-
-se em torno do medo do despedimento ou da excluso, da luta pela sobrevivncia quoti-
diana do sonho de trabalhar por conta prpria acompanhadas da angstia de cair no
e da afeio ao grupo local: sobretudo familiar. Apropsito desta entrevistas,
eu tinha usado a expresso operrio resignado, prxima do modelo de desistncia caro
a Sainsaulieu
67
\ '
.-..
i
- ---- ... ...... ..._--.. ....--
Parsons atribui uma importncia vital interioriza -o d .d .
a imperativo:
a ores nao negam a emergencla da t d' . ....
caractersticas das sociedades modernas EI d sd en para a mdlvldualIzao,
I . . . " . . es e en em sImplesmente a tese segundo
a qua as pOSSIbIlIdades de mdlvldualizao pessoal d d' t' . "
chamei identidades reflexivas) dependem do 'd e <d< IS ancla aos papeIs (a que eu
, sucesso a e ucao bsic d . t . . -
progressiva dos papis institudos incluindo e e '. I a, a m enonzaao
- , ,mpnmelro ugar dos papis s d O
nao por em causa esta forma d exua os.
e I erena entre os sexos ancorada nu -,
canalItica discutvel das identificaes p' ,. 33 .' ma concepao pSI-
de rejeio desta teoria nomead tnmanas, vaI manifestaes diversas
, amen e por parte das feministas am . .
teodrias da famlia e das
, ,-se a socle a e america d' ).
no conseguiu ainda
ao das mstItuloes - e em primeiro lugar da famli' I .
natureza e o futuro do <<individualismo familiar. a - e, corre atrvamente, sobre a
cio e quando a me tem de assegurar sozinha os dois papis parentais?35 E se os pais lutam
para ter a custdia dos seus filhos e sofrem por estarem privados deles e, quando a conse-
guem, educam os filhos sem concertao com a me deles? E se a me partilha a educa
o bsica dos seus filhos com um homem que no o seu pai, sem associar este ltimo?
E se, numa famlia dita recomposta, vrios tipos de laos parentais coexistem? E os exem-
plos de transformaes dos laos de filiao sob o efeito das evolues das relaes conju
gais poderiam multiplicar-se.
Para alguns socilogos, a individualizao familiar arriscase a ser s uma iluso, um
discurso oco que oculta processos dramticos de desariliao (ruptura de laos sociais) e
de perda de sentido (desvanecimento da ordem simblica). Se a diversificao das formas
de vida privada no se faz acompanhar de novas normas -- incluindo jurdicas - que permi
tam a estabilidade dos laos de filiao e a proteco dos direitos da criana, no ser de
recear um crescimento das desigualdades sociais - em detrimento das mulheres que educam
sozinhas os seus filhos num meio popular - e uma perda de referncias identitrias, nomea-
damente por parte das crianas educadas por um s pai e que perdem o lao com o outro?
Aeste individualismo negativo, triunfo duma lgica puramente egosta e hedonista, Irene
Thry chama a dessimbolizao destrutiva36: a reduo dos vnculos sexuados e sexuais
a uma simples economia dos prazeres sem nenhuma referncia significao simblica
da relao sexual e dimenso identitria das relaes sexuadas. Poder, alis, a resistncia
a este individualismo redutor desembocar em regresses a formas identitrias primitivas,
puramente comunitrias (como nas famlias-basties
37
organizadas em torno do encerra-
mento a qualquer relao exterior das raparigas), formas culturais, isto , ao mesmo
tempo colectivas e defensivas (e portanto, potencialmente agressivas e destrutivas)?
A tese do individualismo positivo recusa a evidncia de desinstitucionalizao
generalizada da famlia. OEstado intervm, e cada vez mais, no s atravs das legislaes,
mas tambm atravs das polticas familiares que comprometem concepes da famlia e
das suas evolues. A diversificao das formas de famlia no impede a necessidade de
recorrer s mesmas instituies de socializao, e nomeadamente escola, mas tambm
Proteco materna e infantil, aos Fundos de abono de famlia, aos Centros de planeamento
I
I
!
I
!-------_.--.-- _ _---.. _ -_ -------..----------..-------------_ -_ _- -- _----------- --_.j'--, -
... ---] (35) Cf. Daniel Bertaux e Catherine Delcroix, La fragilisation du rapport pereienfant. Une
aupres des peres divorcs, Recherches et prvision, n." 21, Setembro de 1990, p. 65-74. Cf. tambm os
artigos de Henri Leridon e Catherine VilIeneuve-Gokalp emPopulation, n." 2,1988 ePopulation et socit,
n." 220, 1988, que comentam uma investigao do INED que demonstra que 54% das crianas cujos pais
esto separados perdem o contacto regular com o seu pai.
(36) Cf. II n'y a pas de Je sans Nous, in Collectif, Les rvolutions invisibles, Calmann-Lvy, 1998,
p. 17-32. O que Irene Thry chama dessimbolizao destrutiva remete para a perda de norma, valor,
referncia que permite que se faa referncia a "significaes imaginrias partilhadas". Este um aspecto
da crise actual das identidades que analisarei no captulo 4.
(37) Este termo designa um dos tipos de famlias identificadas por Jean Kellerhals nas suas pesquisas
sobre as formas de organizao familiar contempornea ligadas a modelos educativos. Cf. Jean Kellerhals
e Cloptre Montandon, Les stratgies ducatives des familles, Genebra, Delachaux & Niestl, 1991.
Uma crise do lao social: individualismo negativo ou positivo?
De facto, o que se passa quando esses papis sexuados evolu _
de
dPaPis domsticos exclusivos, de
ao e novas relaes amorosas? Este um debate mai . d . .' e mven-
Duas g d or no selO a socIOlogIa da famlia
social resentes. Ado individualismo negativo insiste na crise do
social34 resu r a recusa em submeter a sua vida privada lei e ao controlo
lismo o dos de que est em causa: o individua-
que no . e a emanclpaao das antIgas normas constrangedoras sem
\.Ias normas, maIs mdlvldualizadas, as venham substituir Por exemplo
passa se os pais abandonam a famlia, se no vem mais os seus filhos depois
.._.. .._-----------...._-- --_._----_..._.. -----...--_.-..-------------._----...._-_.._.-----...... ----
(33) Parsons e os seus colaboradores considera 'd' -----------------------..--------.-
binria ao longo da qual se produz um . m. que a 1 entidade de sexo o produto duma ciso
meninas sua me e dos meninos a a erenclaao do.universo social pela identificao das
psicanalistas; cf. por exemplo J fOI objecto de mltiplas crticas por parte de
1977. ,. n, ou e jeu. Essaz psychanalytique sur l'identit, Paris, Payot,
. (34) A frmula de Louis Roussel retomad D h '. .
clonalizao, cf. La famille incertaine, obra resumir os riSCOS da dupla desinstitu
perda de das institui es' R I p . . e acto, tanto um como outro destacam a
Dechaux de da institucionalidade (P. 132) e
do risco desfiliao. Esse termo foi int;od 'd
1v1
ua qualificado como negativo por causa
que se seg uem. UZI o por o ert Castel e voltaremos a ele nos captulos
familiar, aoscentros sociais... As famlias, qualquer que seja a sua forma tm de lida
as mesmas redes de actores de proximidade com os ,rcom
, /' ,mesmos representantes pbr (I'
tos, funclOnarlos, trabalhadores sociais voluntrl'os ) Qua t . ( 'I' ICOS e el-
d I
" , '.... n o mais a laml la se indo ,
ua Iza, mais se torna o alvo de polticas pblicas Ora ara I . , IVI-
constata atravs destas polticas sociais e o se
d: soci,al, so novas modalidades do lao social, ligando a as
direito e a smgularldade das situaes, a solidariedad 'br '" do
; e a operacional e
d
:
u :slmo assim: a mdlVlduaitzao est activa nas modalidades concretas do trata
utentes _com os quais necessrio negociar e
Ih d' ' . se de sobre as razoes para aceder aos recursos. Este traba-
du:;O e,c;lar social que J no de ordem comunitria, mas supe a passagem
re a o priva o a um relato civil que repousa numa vontade d '
safan> por si a partir dum projecto pessoaP9. Aqui, a identidade
mesmo a ser soitcltada no funcionamento das polticas sociais. ga
Mas, sobretudo, esta tese do individualismo positivo em algumas d _
tenta desenvolver uma nova abordage d " ' as suas versoes,
fios identitrios da famlia N r nao, urkhelmlana e no parsoniana, dos desa-
insiste nos desafios Fralnois de
entre os pais e os filhos
4o
Ele critica aquilo a que chama urna
tese do individualismo positivo ao constatar at que ponto a vida privada se tornou crucial para a cons-
truo identitria do Eu ntimo. A famlia tradicional privilegiava o Eu estatutrio e a integrao
social dos seus membros considerados como seres sociais pouco individualizados,
intimamente ligadas: sucesso econmico e lenitud ,_ ,
a concepo que se tem da identl'dade Pld e pessoal. Estas posloes Implicam
pessoa e a sua constru - EI - ,
especialmente a rela o entre 'd" ao, as poem em Jogo
gem) e a identidade e nO,ml,nal e linha-
a prioridade escolhida os cenrios d ' d' subjectiva). Consoante
_ ' o 10 IVI ua Ismo nao serao os mesmos
Ou, entao, trata-se antes de mais de d' , , '
daram e que vm duma transmisso ef:;ansmltIr os capitais se her-
privilegiando o princpio genealgic042 im ' ma, tomar numa Imhagem
comum, ao Nome de famlia Enta-o 'd' qt'd d uma referenCIa ao antepassado
, , ' , a, en I a e maIs ntima' N d
Imphca, esse Nome-do-pai que distingue g I t e o ome e tu o o que ele
nome dum Homem dum Outro d er,a men e as mulheres (o seu apelido o
nal). No nos assim )enOt: homens (e d seu de ,famlia, o seu EU nomi-
, , ao a passar e uma IdentId d t t " ,
socletario a uma identidade cultur I d t' " a e es a utana de tipo
S
' I a e IpO comumtno? Se aquilo a F 'd
mg y chama horizontes de sl'gn'f' _ ' que ranOIs e
I Icaao e valores de r tA, , A
superiores ao eu so s heranas' 'I' , , e erencla, essas exlgencias
, laml lares transmItidas d ' f'lh '
geraes, no estar tudo decidido a t ' d e paI para I o, atraves das
duma grande famlia abastada n eClpa amente? Afortunados aqueles que fazem parte
em recursos em patrim' , h" ,
capitais. Desafortunados aqu I " 0010, em IStOnas de famlia e em
(
,ees que lazem parte duma famlia I h" '
tirando as pequenas histo'r,'as ) 't' ( popu ar, sem Istona
, sem capl aIS ou com p ) A' ,
chama a identidade pessoal e' o r "I' ,oucos, qUI, aqUIlo a que se
omance laml lar o mIto da r h d
fundador, o biogrfico para outrem' E I b ' 10 agem e o Antepassado
_ ,o u va e em pouco face a este Ns
Ou entao, trata-se antes de mais de construir e i _' ,
uma posio social mas uma hl'st ' nventar um novo, Nao so um estatuto,
, ' na sua que tenha um se t'd I' '
prmcpio narrativo que est no mago do '" n I ?pessoa, eXIstencIal. o
no para. outrem uma )'dentl'd d d' ISto e, a IdentIdade biogrfica para si e
, ' a e IscurSlva e no nom' I f -
xIva que est no mago das relaes d 'd 'd 43 , ,.va e nao apenas refle-
a VI a pnva a ,Ento, a IdentIdade ntima a hist-
o princpio genealgico o tema mais im ta d' ,
de la transmission, tude du principe gn, t ,por nte ?lIvro de ,PIerre Legendre, Li'nestimable objet
do Direito no Ocidente apoiada na teoria laa en OCCldent, 1985, Apartir da histria
trar que a identidade J'urdica antes de I? este lIvro tem por ambio demons-
, IS enea oglca e que a 'b" , ,
a (Narciso), a tradio jurdica rom ' _ ' o Ir o Incesto (Edlpo) e ao proibir
do Antepassado ancorou o sUjeIto simblica do mundo
mdade e a base da instituio jurdica distrib i: I pelo nome da famlIa, ASSim, o princpio da pater-
renciao dos sexos, Assim a InstJ't ,_ uAn o os ugares de cada um na sucesso das geraes e a dife-
O 'd ,UlaO, o ntepassado o P , D b
ente, Confundir os papis (masculino/feminino' " aI, eus na , ase da ordem simblica no
ahana, de reprodua-o ) pro'b' d ' paIS/filhos), transgredir as normas (de filiaa-o de
, ,.. I Ir-se e ser pessoa De fa t ta t " ,
s eXIste enquanto comunitrio, ,co, es ese slgmfica que, para o autor, o social
(43) As referncias de Singly a Charles Ta lo b'
defendidas em Les Sources "u AI 'P , S r o ngam-me a revelar o meu desacordo com as teses
Ui "'01, ans, eUl 1998 (l ed 1990) A '
aspectos da identidade moderna' a interiorid d ' '," ,qUilo a que Taylor chama os trs
reza do bem) e que ele associa a 'uma ontol a
g
,e d(prhofundldade), o Eu (quotidiano) e a Moralidade (natu-
t 'd d o la o umano privileg' d d '
I a e pess<lal, num contexto societri d ' , la uma as uas dImenses da iden-
o, o a autentICidade, da experincia do relacional, da configurao
I
I
ria da separao da famlia de origem, o afastamento dos papis tradicionais, o acesso
autonomia dum projecto para si, o relato das rupturas assumidas assim como das con-
tinuidades, das crises (inevitveis) tanto como das realizaes (eventuais). Neste caso,
no h simetria alguma entre a relao amorosa e a relao de filiao, nenhuma simetria
automtica entre os homens e as mulheres, Estas ltimas no tero que comear de novo
se quiserem construir uma identidade narrativa para si prprias? No acontece o mesmo
aos homens, mas apenas queles que se recusam a reproduzir e a repetir as relaes comu-
nitrias (que lhes poderiam ser favorveis) e que tentam inventar novas formas de relaes
amorosas? Podem estas mulheres e estes homens privilegiar uma forma de famlia que s
lhes destinar lugares e papis para outrem? Podem eles ter muitas expectativas em rela-
o ao sentimento familiar e ntimo se ele acaba por reduzi-los a estes papis? Podem eles
realizar-se na e pela nica gesto da transmisso geracional e da reproduo social?
Apropsito do individualismo, o debate da sociologia actual da famlia parece-me final-
mente fecundo, com a condio de clarificar as dimenses implicadas, os termos utiliza-
dos, as populaes visadas, os desafios de todos os gneros, As transformaes da famlia
ainda no acabaram nem so um dado adquirido, o seu sentido depende muito da evolu-
o das formas identitrias na sua dimenso sociossexuada4
4
, Elas so inseparveis das
relaes sociais de classe e de sexo, do processo de emancipao das mulheres e dos
homens, mas tambm da questo social (cap, 3), Elas geram grandes incertezas em mat-
ria de relao entre pais e filhos (por exemplo, para as famlias recompostas), mas tambm,
e talvez sobretudo, em matria de relao entre os sexos, de relao conjugal e, em pri-
meiro lugar, amorosa, sobre ela que me vou agora debruar.
A RELAO AMOROSA E OS SEUS DESAFIOS IDENTITRIOS
No captulo V, intitulado Do sentimento amoroso, do seu livro La famille incertaine,
Louis Roussel expe uma fenomenologia do <<vivido amoroso que desemboca inexoravel"
espacial, que eu chamo identidade reflexiva, A outra dimenso, a da historicidade, est proibida de
um contedo e at mesmo uma forma definida e definitiva a esse Eu ntimo revelado nas profundidades
de cada um, Ao isolar a intimidade e a autenticidade do sujeito moral da sua histria pessoal e da his-
tria colectiva, Taylor minimiza a dimenso biogrfica, temporal, narrativa da identidade pessoal. Por isso,
ela s pode desembocar na afirmao divina do humano (p, 650), na eliminao do trgico em favor do
drama, na ocultao do pico como aventura incerta (e conflituosa) em proveito do progresso como rea-
lizao (sem um verdadeiro conflito) duma humanidade predeterminada (as exigncias superiores ao Eu),
Paul Ricouer, no seu livro Soi-mme comme un autre, Paris, Seuil, defende uma tese totalmente oposta,
(44) Relembro que as formas identitrias tm vrias dimenses segundo as esferas de existncia no
seio das quais se manifestam atravs do discurso dos indivduos. As identidades sexuadas ou sociossexua-
das (gender identities) manifestam-se, de forma privilegiada, na vida privada, que inclui e ultrapassa a vida
familiar, So maneiras de se definir (e de falar de si) enquanto homem ou mulher que dependem das rela-
es ao mesmo tempo pessoais e colectivas entre os sexos duma determinada sociedade, numa determi-
nada poca,
mente no desencantamento e no luto da paixo atravs de uma crise inelutvel. Esta
uma exposio paradoxal porque a primeira parte no prepara para a segunda (<<a crise) e,
talvez, sobretudo, porque a exposio da segunda no prepara o leitor para a terceira (o
luto). Ento, o que d coerncia argumentao de Roussel? De onde vem a dupla sur-
presa sentida pelo leitor que primeiro descobre a crise inelutvel e em seguida o inevit-
vel luto da paixo? Foi ao tentar perceber esta argumentao que eu tomei conscincia
dos desafios identitrios da relao amorosa nas suas dimenses relacional e biogrfica.
Ocaptulo precedido duma citao de Rainer Maria Rilke evocando o amor como um
temvel empreendimento, como uma dura aprendizagem que pode conduzir a um
<<insensvel progresso. Louis Roussel podia ter escolhido uma outra citao do poeta,
ainda mais explcita: Para o ser humano, amar um outro o mais difcil dos seus
empreendimentos, o critrio essencial, a prova final, o trabalho para qual qualquer outro
no seno preparatrio45. A introduo de Roussel comea com uma frmula lapidar e
definitiva: Todos os clculos em matria de escolha do cnjuge so doravante vergonho-
sos; s o sentimento amoroso confessvel. E continua com uma frmula provocadora:
o amor contemporneo , cada vez mais, considerado como o negativo do casamento tra-
dicional. E termina com uma frmula restritiva e ambgua: no se tratar de Amor, que
muito complexo e talvez metafsico, mas, pelo menos no incio46, do amor nas-
cente e daquilo que o acompanha: o sentimento amoroso.
No incio do sentimento amoroso, h nele qualquer coisa de misterioso que se asseme-
lha ao amor primeira vista47. Oencontro do ser amado, escreve precisamente Roussel,
instala os apaixonados num mundo novo, um mundo parte, encantado, maravilhoso.
O ser amado parece ter uma riqueza inesgotvel, singular, irredutvel. uma revelao,
como se cada um encontrasse finalmente a sua prpria identidade no mesmo momento
em que descobre a do outro. um verdadeiro renascimento, uma transfigurao, como
Cf.l.elfres unjeune poete, traduo francesa, Bernard Grasset, 1937, p. 75.
(46) De facto, Roussel fala do amor nascente, do sentimento apaixonado e da sua histria; ele fala muito
do amor em todas as suas dimenses: sexual, sentimental, imaginrio, potico, simblico e social. Ser que
porque ele introduz uma maiscula que fala de metafsica? Ou porque ele est convencido de que h uma
outra sada para o amor nascente a partir do momento em que lhe podemos dar um sentido transcendental?
(47) Numa obra intitulada Le coup de (oudre amoureux. Essai de sociologie comprhensive, Paris,
PUF, 1997, M.-N. Schurmans e L. Dominic analisam os relatos de pessoas que viveram, ao longo da vida,
um amor primeira vista. Elas reencontram a o mito colectivo do fogo ardente marcado pela inter-
dio social e simblica em todas as comunidades (nomeadamente pelas religies) e que inspirou as
grandes obras clssicas (Romeu e Julieta, Tristo e Isolda, Bela do Senhor... ). Elas interpretam os casos
onde o encontro amoroso desembocou numa relao durvel (conjugal ou no) como um processo de
domesticao do amor louco, processo de socializao anlogo passagem do estado nascente"
relao conjugal comum. Reparemos que na grande investigao do INED (Institut National d'tudes
Dmographiques) de 1983-1984 sobre a escolha do cnjuge, renovando aquele conduzido por Alain Girard
em 1958-1959, 13% dos 2957 inquiridos escolhem o item amor primeira vista para caracterizar o encon-
tro com o seu cnjuge, ef. Michel Bozon e Franois Hran, La dcouverte du conjoinb" Population, n.o
6, 1987 e n.o 1, 1988.
. outro toda a sua razo de viver. Os apaixonados entram num
se cada um fosse, para o , I d' er' Este universo uma bno. J no
do novo que os eva a IZ .
outro lugar, num mun . t mpo descubro-me. Ns somos corno espe-
posso viver sem ele, descubro-o e, ao e nos nele uma cristalizao.
lhos que nos reflectem um no eu o a ele' prprio, de uma nova
Assim, o outro revela-me a d'a ordem estabelecida48; ela incide sobre o que
. E' oluo uma su versao - d
maneira. uma rev '.' d ..A grandes paixes amorosas esto to as
. 't' . prpno E o para oxo. l1.S .
h de mais 10 Imo. eu . '. eu mais secreto por detrs das cortmas dos
ligadas ao facto de um ser Imagmar ver o seu t d OHomem sem qualidade, esta per-
olhos do outro49. De onde vem, pergudnta or e
tro
? E' o espanto (no sentido primi-
_. I d . tir fazen o eXls Ir o ou .
cepao, vIVa e a egre, e eXls . '1 havia de mais ntimo em si e de cons-
tivo do relmpago) de descobnr no outro o ra dissonante de intimidade, de reci-
tatar que o mesmo se passa com o es a mls u transforma a vida este dom rec-
procidade e de desejo partilhado que dfllata
d
o que se assemelha ao milagre, esse
'd t"d de que no un o a veruaw "
proco duma nova I en I a _', g d os termos de Roussel. E o paralso
dom radical duma transfiguraao reciproca, se un o
P
erdido o tempo reencontrado. to a homogamia
50
, . t roso desemboca em casamen ,
claro que o o escolher um semelhante social. claro que
intervm: Cada um so tem P descoberta de conhecimentos e
h um mundo comum a partilhar>, distncia social e sobretudo, cultural nao
comuns, de r.eferncias semelhant:s.. no Significa'a abolio da alteridade.
pode ser mUlto grande entre os conJu
g
d
. fi . do por um desconhecido: dema-
. . t t S se po e Icar apaixona
Roussel assmala JUS amen e. . ta "nc'la da descoberta' mesmo que eu
. . I - d'a proporCIOnar es conSCle ' .
siado famlhar, e e nao po en h . . t' Imente atraente O amor, contrana-
I
. t o estran o IrreSIS Ive .
o conhecesse e e parecia ou r , d' _ muni' ta' rias ou estratgicas, apela ao
h d " g motiva o por razoes co .
mente a escol a o conJu e . 'r'o mais ntimo a Si que SI
I t <Alter Ego o outro SI prop I ,
Si ntimo e ao seu corre a o, o < d ' 'I d Santo Agostinho) aquele que me per-
, .. , 't' eosegunoal,rmua e '
propno (mftmor mImo. m " . I . h alteridade o facto de que eu sou
mite descobrir-me a mim propno, ao reve ar a mm a ,
. . 51
tambm estranho a mim prprIo .
L' mour !'tat naissant, Paris, Ramsay, 1981.
(48) Cf. Francesco Alberoni, Le choc . . a II' rd 1954 (I.' ed. 1926).
(49) Cf. Robert Musil, L'homme sans quallt, paOrls, ?a
f
a' a d'lagonal xadrez social dos casais.
F
. H' escrevem' raIO u mm . ., I
(
50) Michel Bozon e ranOls eran . . - d " ges) mas tambm soclOproflsslO
na
I I (
nvel de mstruao os conJu , . . d
Ahomogamia sobretudo cu tura mesmo . t I gar de relevo na Frana do mclO os
'. . ai . d INSEE) contmua a er u 50
(mesmo grupo soclOprofisslon no seIO o , h . g ogrfica) a partir do final dos anos 19 ;
anos 1980 mesmo que invalida o dado irrefutvel
cf La dcouverte du conJomb>, obra Cita a, . _ osas' pode colocar-se como hlpotese que
. d b I 'zaa-o das relaoes amor . . d'
das relaes entre os sexoS e a so reva orl . d h' . soc"lal (nomeadamente por mterm 10
'f d d . a para baiXO a lerarqUla 'Ih
os novos modelos se di un em e Clm . ., d d volver que os casais que parti am as
da escola e da televiso) e que eles tm mais hlpoteses e se esen
mesmas posies relativamente a estes modelos... . ard 1988
(51) Cf. Julia Kristeva, trangers nous-mmes, Paris, Fay, .
Acrise das identidades
Mas h ainda uma outra coisa: as leis misteriosas da atraco sexual (Roussel dixit),
esse desejo sexual recproco que leva tudo sua passagem e que segrega uma montagem
imaginria exaltante (Freud dixit). A relao sexual, no prazer partilhado, torna-se o
revelador por excelncia da nova identidade. Roussel cita aqui Michel Foucault: Ns
chegamos ao ponto de questionar... a nossa identidade em relao quilo que sentamos
como uma obscura presso inqualificvel52. Mas Foucault acrescenta: <<J no uma
identidade social, mas uma existncia singular. Ns vivemos plenamente ns prprios
fora de ns prprios. Enfim, acedemos existncia, autenticidade e assim, conclui
Roussel, cada um se sente promovido pelo outro no melhor de si prprio.
Este sentimento de existir numa celebrao comum faz-se acompanhar com frequncia
dum desejo de coluso ao mesmo tempo que de uma estranha impresso de subverso.
Eu e Tu descobrem um rosto duplo duma mesma pessoa, fazem emergir e partilham con-
flitos interiores comuns, eles comprometem-se numa confrontao narcisista que engloba
e ultrapassa a gratificao sexua1, eles vivem uma existncia plena e pattica, uma nova
infncia fora dos quadros sociais, das referncias institudas. Eles experimentam uma
espcie de confuso margem das instituies. De facto, a coluso realizada comporta um
duplo risco maior: o retorno simbiose me-filho, identidade fusional que foi a primeira
experincia da vida intra-uterina e, segundo Freud, uma raiz do complexo edipiano. Mas,
tambm. conjuntamente, o retorno do narcisismo da identidade especular, da identifica-
o sua prpria imagem. Aeste propsito, Roussel coloca a seguinte questo: O jogo dos
espelhos mgicos, entre os amantes, no ser apenas complacncia narcisista?
A identidade fusional um risco maior para os apaixonados a partir do momento em
que, inconscientemente, um(a) faz o papel de me e o outro de filho (qualquer que seja o
casal, heterossexual ou no... ). Em Freud, isto chama-se uma regresso, uma confuso
maior entre amor paixo e afeio maternal, uma reactualizao do complexo de dipo,
uma marca da sua no superao, do no-acesso esfera simblica, sublimao. Afuso
imaginria, mas a regresso do casal bem real: o desejo do outro torna-se para aquele
que representa o filho pura afeio a um objecto na dependncia duma repetio incons-
ciente. Para aquela (aquele?) que faz de me o desejo a reactualizao duma identifi-
cao sua prpria me que transporta nela prpria um risco de alienao. Quanto ao nar-
cisismo, ele consiste aqui a s se ver a si, a sua imagem, nos olhos do outro-espelho. Em
ambos os casos, cada um joga o amor-fuso exclusivamente para si prprio, mesmo
quando est com o outro. Se um se v como me e o outro como filho, qual a relao
que arrisca instaurar-se? Uma relao regressiva, imaginria, frustrante.
o que Roussel aborda a propsito duma das manifestaes da crise amorosa. Ele
chama-lhe a captura cativada. O risco de fuso compreende o da possesso e da frustrao
porque se eu capturo o meu companheiro, impeo-o de me cativar. Se um acentua a sua
influncia sobre o outro, o outro foge e esconde-se: ao cabo da sua vitria, o (a) dominante
..._----._._--_._._.._....._.. __..... _.._----_.... .. _._..- .._-_.._--
(52) Cf. La volont de savoir. Histoire de la sexuatit, 1. I, Paris, Gallimard, 1973, p. 43,
. no encontra seno a imagem do seu prprio desejo. A partir da o senti-
no resiste dominao possessiva: esta provoca
dao da identidade nova que se acreditava ter encontrado no amor. d 'I . do outr053
, . I - ca a iluso de um e a esl usao .
-se ilusria deVIdo a co usao que provo , do teste da vida
Mas h uma manifestao muito mais banal da crIse, ,a. ._
U
m e da reactivao das tarefas domsticas tradicionaIs
com d "g t figurado nao resIste e lorma
Ocompanheiro
U
m> torna-se um cnjuge banal e medocre. Frequentemente, para a esposa, o ,
com > d K f mostrou bem o mecantsmo
vilo repele o prncipe encantado54. e
d
aUmmu\ahnenr dona de casa e do homem
I' - d tarefas ornes Icas a
chave desta reactua Izaao as . b entrevistou as bonitas resolues
em antufas55. Na maior parte dos casaIS que o . .' " (<<ela faz
de das tarefas domsticas no res.istem as IdentJficao,es e sobre-
O ama
-e) s capacidades adquiridas <deIXa estar, eu fao, sem f" '
com, . 'f d los Imperativos unClOnalS
tudo, aos hbitos depressa contrados e sempre JUStl Ica os balho no tenho tempo,
ou por razes arreigadas na .famili.a de orige:n o d; vida em comum so
verso masculina; no consIgo eVItar, versado'dfemIEntna). nto o marido pensa: Eu pensava
'. d f' . de recuos de mal-enten lOS. nqua
ocaSlOes e rIcoes, ' 'd ) Iher diz a si prpria: Eu pensava
que ela gostava disto (fazer toda a lzda a casa, a mu" I
que ele estava a ser sincero (a partilha das tarefas). ACrIse msta a-,se. 'dentitria nomea-
Se verdade que a engendra que estra-
damente quando existe um desejO de da
d
at adeso efec-
tgias que permitem evitar ou resolver esta CrIse, , es .e a nome da manuteno do sen-
tiva e prtica do homem este. processo de desta identidade,
timento amoroso e da Identidade nova. con h
Sem dvida porque ela parece mais destrutiva do que criadora, mais incontrolvel do que
dominada, mais perigosa do que promissora.
E no entanto a dupla empresa-mercado como vector da racionalizao no se encontra
apenas, para Weber, orientada para a procura sistemtica do lucro (imediato) mais elevado,
como est tambm procura do domnio do tempo (futuro), do domnio do futuro pela
previso, da capacidade de conquistar e conservar posies avantajosas. um ponto
tal porque supe formas especficas de concorrncia, fundadas sobre vantagens
vas, fundadas sobre a antecipao. Para o conseguir, preciso inovar. A realizao de mo-
vaes a lgica dos investimentos tcnicos - incluindo a organizao - mas tambm dos
humanos. aquilo que Schumpeter tinha previsto: a inovao, tcnica e humana, tornou-
-se a fora produtiva decisiva da racionalizao capitalista moderna. uma destruio
criadora porque ela tende a pr em funcionamento formas novas de actividades (de pro-
duto, de processo de organizao, de formao) que permitem adquirir vantagens compe-
(4) A expresso racionalidade instrumental no pertence a Max Weber, aosJilsofos da .,
de Franqueforte (Adorno, Horkeimer, Habermas...). Eles designam assim a subordmaao de todas as logl-
cas de aco consolidao do sistema tecno-burocrtico, o do dinheiro e da potncia, que se afasta e
se disjunta dos mundos vividos pelos indivduos. .
(5) surpreendente constatar a sada, durante o mesmo perodo, de trs obras que se de
forma crtica, sobre a noo de modernidade e sobre aquilo em que se est a tornar, cf. Antony
Les consquences de la modemit, Paris, VHarmattan, 1994 (L" ed., 1991), Charles Ma!O/se dans
la modemit, Paris, Cerf, 1993 (1." ed., 1989) e Main Touraine, Critique de la ParIs, Fayard,
1992. possvel encontrar um ponto comum a estas trs reflexes, para l de numerosas dIferenas: a evo-
luo social e humana em curso no aquela que tinha sido antecipada pelos grandes pensadores da
modernidade (cf. cap. 1).
titivas, no s a curto prazo (incio de oportunidades), mas a mdio e longo prazo (dom-
nio da tecnologia, do saber produzir). o domnio do tempo, o dos relgios6, que
constitui o desafio principal da modernizao. Ora, este implica um terceiro grande
actor no processo, um actor capaz de assegurar as condies de inovao e regular as
trocas, um actor cuja lgica no instrumenta/, mas reguladora, um actor que no
tenha como objectivo o lucro privado mas o bem comum. o actor pblico.
Esta posio no partilhada por todos os analistas. Alguns consideram que hoje j no
so os Estados mas os grupos industriais e financeiros privados que querem dominar o
mundo para a amontoar um imenso proveito e que se assiste dissoluo da identidade
dos Estados-Nao7 e ao triunfo do ultraliberalismo. Nesta perspectiva, a inovao torna-
-se puramente destruidora, unicamente submetida aos imperativos da rentabilidade ime-
diata e da concorrncia desenfreada, puramente especulativa. Mas, ser isto defensvel? A
preocupao a mdio e a longo prazo poder ser evacuada da estratgia das grandes firmas
multinacionais? Podero estas ltimas dispensar os investimentos pblicos? O mercado
mundial poder desenvolver-se sem outra regra que no a da lei do mais forte? Acompe-
tio mundial no implicar mais inovaes produtivas? Embora nada permita responder
afirmativamente a estas questes, o debate continua vivo.
Sem dvida, o que h de novo, desde h meio sculo, que a condio principal da ino-
vao j no o gnio dum inventor ou o <<ethos pessoal dum empresrio, a investi-
gao cientfica e, especialmente, a transferncia da investigao produo. Sobretudo
desde a ltima guerra que os actores que desempenharam um papel determinante neste
processo por intermdio dos grandes programas de investigao, decididos e realizados
pelas instncias polticas, so os grandes Estados-Nao, aos quais chamamos as grandes
potncias. O termo instrumenta/ no nos deve pois desnortear: trata-se, a tempo, tanto
duma lgica poltica como econmica, tanto duma lgica de rentabilidade (privada) como
de domnio (pblico). Foram as guerras mundiais, substitudas pela conquista do espao
e a guerra fria (e mais recentemente as guerras de interveno, no Golfo, no Kosovo... ),
que permitiram s grandes empresas (pblicas ou privadas) de armamento, aos complexos
militares e industriais fomentar a inovao graas incorporao da investigao cientfica
na produo. Aquesto das polticas econmicas, dos objectivos de aco pblica est pois
no seio da modernizao que tem como desafio principal o saber produzir. Odomnio das
tecnologias e da organizao pois o futuro. No s um assunto das empresas ou de mer-
cado, tambm um assunto poltico, um assunto de Estado.
._._.. _..__...._. __._.. _._.._--_.. .._ _----_ -------- _ _--_ -..... __._ _ _-_.._.
(6) Cf, Philippe Delmas, Le matre des horloges, Paris, Odile Jacob, 1991, Para alm de situar o dom-
nio do tempo no centro do processo histrico da modernizao, este livro mostra claramente o papel
desempenhado pelos grandes Estados nos desenvolvimentos recentes da mundializao. Mas ele tambm
constata que o Estado vive uma crise de identidade que decorre do facto do regresso do privado, das
fracturClS entre grupos sociais e geraes e da perda de legitimidade, Ele convoca uma revoluo social
que reillbilite a aco pblica, inclusive num Estado europeu que encontrou finalmente a sua identidade...
(7) Cf. Ignacio Ramonet, Gopolitique du chaos, Paris, Galile, 1997, p, 11 e 25,
A ..
_..
, t rvm um novo estdio do processo de modernizao a que
nesta fase que 10 e , A' d' I' a-ao Em primeiro lugar, trata-se, a
d maIs frequencla, mun la lZ ,
chama, ca a _ com _' s financeiros sobre as trocas. Doravante, os
escala planetana, do dom1010 dos mercado I t dem a 'Impor a sua lgica de rentabih-
, f t' as em tempo rea ,e en
tais CIrculam sem ron eu, _ f . Mas trata-se tambm duma vasta com-
dade imediata a todas as transac?es riqueza e de inovao, de produes do
petio pelo domnio das tecnologIas, das on es ser-ao reguladas estas trocas de
- 'e saber como e por quem
futuro, Aquestao que aqUI se p d 'a-o na-o s a de capitais e sabe-
I
' d beres Porque a mo ermza -
capitais, de tecno oglaS, e sa '" f" t e muito incertas. claro que se esta
- d inda mUIto msu IClen es
res, tambem a as regras, a d d s Estados-Nao e que tenta, com
, t que ultrapassa o qua ro o ,
a desenhar um mOVlmen o _ I d'al em matria de emprstimos
-' d fi ' regras a mve mun I
resultados aleatonos, e Imr novas t-' I t rnac'lonal) e em matria de trocas
, M d' I Fundo Mone ano n e
financeIros (Banco , un la e _ ' 8 So claras as confrontaes, as dilaceraes em
(Organizao MundIal do ComercIO) . rcado mundial e aos seus recur-
, d " resenta o acesso ao me
torno, deste desafIO eClSlVO que rep ,_ dernas claro que a Europa
, f . f mas de orgamzaao mo .
sos, s tecnologIas do uturo, as or A ' , te'rnacI'onal e nesta nova regulao.
,,- ta concorrenCla 10
tenta ter meios de partlclpaao nes "d t deste processo de modernizao, neste
, -' I ro so os mCI en es
AqUIlo que e mUIto menos c ,a, d 'd' -d e as consequncias deste processo nas
fim de milnio, na vida quotidIana os 10 IVI, uos,
condies de vida, nos salrios e antes de maIs nos empregos.
A EVOLUO DOS EMPREGOS: O CASO FRANCS
, histrico de modernizao (racionalizao e
Em matria de empregos, este processo d ent09 Os empregos agrcolas
h' t' ente a forma e escoam .
destruio criadora) toma IS oncam _ I' t r a grande maquinaria industrial.
'f "ro destrUIdos para a Imen a - I
tradicionaIS oram pnmel _ XIX foi a primeira a ver sua populao a
AInglaterra da segunda metade do di' da pobreza que no resolvem mUIto
, b t I dramtica E a poca as eIs
cair de maneIra ru a e . b I rar o xodo rural e a expan-
. d . mo mas que aca am por ace e
a questo SOCial, a o paupens, d' f bril Todos os outros pases conhe-
so da indstria, primeiro da manufacturade l'dePd
Ols
A Frana rural, cara a Fer-
o em pocas e mo a I a es - d
cero o mesmo process , t . dum sculo e meio mas so mu a
nand Braudel, desestrutura-se camponeses desemboca numa
d
'd d d 'da II Guerra Mun la. 1m
em profun I a e epOlS d d 1960 faz entrar a Frana na era
segunda Revoluo Francesa1O que, em mea o os anos ,
_ 'Seattle em Dezembro de 1999, e que deu
(8) O resultado da negociao que nao t d' gulao mundial e para demonstrar a
uma mobilizao colectiva deCISIva u assim um teste essencial da sua
capacidade da Unio EuropeIa a pesar sobre as eClsoes, c ,
A ' f If d S .n' ef La machme
potenCIa e ec Iva., f 'd'f d'da nomeadamente por A re au", '
(9) Em Frana, a teona do escoamento 01 1 un I ,
et le ch{Jmage, Payot, 1957, 'fr '1965-1984. Gallimard, 1988, Esta obra esta
(lO) Cf. Henri Mendras, La seconde RvolullOn anatse,
A
da modernidade industrial, racionalizadora e urbana, de forte crescimento e operria,
estruturada pelos conflitos de classe e negociaes salariais. Uma progresso sem prece-
do acompanha o triunfo da racionalizao frequentemente chamado tay-
das empresas francesas, com a ajuda muito activa do Estado gaulista.
!"1
as
, a melO dos anos 1970, comea uma outra fase que todos designam com a palavra
cnse, sem lhe conferir necessariamente o mesmo significado. O fim dos Trinta Glo-
riososlI (1945-1975) antes de mais a paragem do crescimento por razes conjunturais
(quadriplicao do preo do petrleo em 1973), mas tambm estruturais (baixa da renta-
bilidade do capital investido). Segue-se a subida contnua do desemprego, a discrepncia
entre a populao activa e os empregos disponveis: meio milho em 1974 um milho em
dois. em 1982, milhes em 1996, apesar da passageira dos
Tres Glonosos (1987-1989). E tambm a subida daquilo a que se chama precaridade13,
a das novas formas de emprego que tocam particularmente os jovens (em 1992 metade
dos activos de 24 anos ou esto no desemprego ou em situao prec:ia), mas
tambem as mulheres (trs quartos dos empregos a tempo parcial so desempenhados por
mulheres que desejariam na sua maioria ter um emprego a tempo inteiro). No fim dos
1990, o cenrio do emprego mudou completamente: <<A Frana sai ferida de vinte
anos longo dos quais passou do pleno emprego ao desemprego, do universo
dos. tnnta ?loriosos ao tempo das desigualdades e da excluso14. A passagem da
soCIedade mdustnal a uma outra que ningum tem a certeza de conseguir designarl5 de
forma correcta est em crise.
as reflex?es de Fernand Braudel sobre o fim da Frana rural (mas tambm burguesa):
"A Frana rural evollllu mais de 1945 a 1975 do que de Lus XIVa Poincar..., cf. L'identf de la France
t. I: Espace et histoire, Paris, 1986, p. 234. pena que Braudel no tenha
escr:ver o seu terceiro tomo que deveria mtItular-se: tat, culture, socit. Morreu a 7 de Novembro de
198.), com 83 anos...
. (11) N.:.: Aseguir II Guerra Mundial, a Frana viveu dcadas de prosperidade econmica e mudana
SOCial Que 1caram conhecidos como Trente Glorieuses (1945-1975).
(12) N.T.: Depois do Mercado nico aberto em 1986, houve uma retoma econmica que durou trs
anos (1987-1989).
(1,3) Trata-se duma no.o vaga que tem que ser explicitada. Pode-se, por exemplo, distinguir, como o
faz Serge Paugam, a do trabalho (novas formas de actividades mais aleatrias) e a precaridade
(novos t.lpOS de de trabalho), cf: Le salari de la prcarit. Les nauvelles formes de
I mtgratlOn professlOnnelle, Paris, PUF, coI. <,Le Lien socia!, 2000.
.(14) A frmula pertence a Daniel Cohen, (,OU va le travail humain?, em Les rvalutans invisibles
Pans, Calmann:Lvy, 1998, p. 107. Retomando o ttulo dum livro de Georges Friedmann do incio dos
1?60, da respostas sensivelmente diferentes j que ele retm como evolues significativas: 11 A
dlmml.llao d? .em cadeia; 2/ A terciarizao da economia; 3/ A terceira revoluo industrial. No
que diZ respeito primeira, ele observa que a figura do operrio especializado na cadeia no desapareceu:
em 1991,570 mil trabalhavam em cadeia em Frana, 20% dos operrios eram submetidos a ritmos e 19%
estavam em turnos (segundo Dannes sociales, INSEE, 1996). Estes nmeros diminuem desde o incio dos
anos 1980.
(15) interessante constatar que no momento de concluir e responder questo do ttulo do seu livro,
Isto porque, na sociedade francesa, o escoamento no acontece ou processa-se mal. A
terciarizao est de facto em curso (mesmo se este termo esconde vrios processos
hetergeneos). Em 1968, 44% da mo-de-obra francesa estava empregada na indstria,
mS esta taxa s representa 28% em 1998. Em 1968, o sector tercirio mercante e no
mercante, representa, em Frana, 45% de activos, e em 1998 representa 66%. O operrios,
no senso do INSEE, que representavam perto de 40% da populao activa (mais de metade
so homens) no recenseamento de 1975, s representam um pouco mais de 20% no recen-
seamento de 199916. Mas uma parte importante da antiga mo-de-obra operria no
escoada, sem dvida por falta de emprego acessvel, mas tambm pela falta de mobilidade
e de uma poltica de converso eficaz dos antigos aos novos empregos. Aquilo que se multi-
plica, por si mesmo mas tambm por causa duma fraco importante de filhos de operrios
que no tm diplomas convertveis no mercado de trabalho, so as situaes de desem-
prego, com uma durao mdia cada vez mais longa
l7
, de precaridade (empregos com
durao limitada, empregos com subsdios no renovveis, trabalho temporrio, etc.), e a
reforma antecipada (a populao activa com mais de 50 anos baixa desde o incio dos anos
1980, a das mulheres mais rpido do que a do homens). AFrana particularmente visada
por este no-escoamento. Ele provoca formas diversas daquilo a que se comea a chamar,
a partir da segunda metade dos anos 1980, por excluso
l8
.
E se fcil ver a destruio, j a criao mais difcil. E, no entanto, ela tambm acon-
teceu. Robert Castel lembra regularmente
l9
que a populao francesa nunca teve, no fim
Fmnois Dubet e Danilo Marcutelli hesitam ao caracterizar a sociedade francesa dos anos 1990, .
dos termos sociedade ps-industria!, sociedade ps-moderna, sociedade de consumo, SOCiedade
capitalista avanada... lhes parece conveniente. Eles constatam conflitos maiores de e a
falta de princpio de totalidade. Isto tudo no constituir um indcio flagrante de cnse ldentItrla, ao
mesmo tempo que uma crise da sociologia clssica? Cf. Dans quelle socit vivons-naus?, Seuil, 1998.
(16) No momento em que escrevo este livro, os quadros de rece(lseamento de 1999 relativos estru-
tura da populao activa por CSP ainda no tinham sido divulgados. Debrucei-me sobre os resultados do
Enqute emplai de 1998 que falam de 22,8% de operrios (39,9% em 1968),20,1% de (14,5%
em 1968) e 35,9% de profisses intelectuais superiores e intermdias (13,1 de quadros mdIOS e supe-
riores em 1968)... Assim, em trinta anos, passar-se- de 28% a 56% de empregados, profisses intermdias
e superiores assalariadas. De salientar que as mulheres so quase to numerosas quanto os homens.
(17) O desemprego de longa durao (inscrio com mais de um ano naANPE IAgence Nationale pour
I'emploi] s cresceu ao longo dos anos 1980. Aantiguidade mdia no fundo de desemprego duplica entre
1975 e 1989. Ao longo dos anos 1990, depois um ligeiro decrscimo, o desemprego de longa durao come-
ou a crescer antes de estabilizar, cf. Dider Demaziere, Le chmage de langue dure, Paris, PUF, coI. Que
sais-je?, 1995. .
(18) Cf. Serge Paugam (ed.), L'exclusion, {'tat des savoirs, Paris, La Dcouverte, 1996. Na sua mtro-
duo, Serge Paugam demonstra claramente em que que a noo, tornada oficial no incio dos 1990
(nomeadamente, no seguimento da lei sobre o RMI [Revenue Minimum d'Insertion) em Frana e de mves-
tigaes que acompanharam a sua execuo), j tem pouco a ver com aquela dos anoS e que
designava os grupos sociais caracterizados por uma excluso de facto. Doravante a est hgada a
uma tomada de conscincia colectiva duma ameaa que pesa sobre sectares cada vez mais numerosos e
mal protegidos da populao, p. 14-15.
(19) Afrmula encontracse em Robert Castel, "Centralit du travail et cohsion sociale, em Jacques
AS TRANSFORMAES DO TRABALHO: TENDNCIAS E INCERTEZAS
, nsar ue o trabalho assalariado tem um
A questo precedente so se coloca se se pe
b
Ih qemprego est em vias de desapare-
t ' . sar que o tra a 0-
futuro. Se, pelo con rano, se pen , d fectao em relao ao trabalho pro-
eer assim como a sociedade salanal, que, a .esa . dade do tempo escolhido
'h m dlrecao a uma socle
gride por todo o lado, se camm a,e "f te
24
Que esta possa constituir um pro-
e da multiactividade, ento a e di eren
lho
; significado da palavra, legtimo.
J
'eeto poltico global, a longo prazo, UtOplCO me 1 a-o em curso um movimento
d' 'd ferncla uma evo u ,
Que ela descreva uma ten encla e re , '. t ta"vel Em Frana o debate sobre
f' d t b Ih j mUito mais con es. ,
que conduza ao 1m o ra a o, .' t das tendncias de referncia e o
este tema mesclou constantemente estes dOIS regls b primeiro Afirmar sob este
.. 1
25
D nto debruar-me-el so re o . ,
do projecto deseJave . e mome , ' t I funcionamento econmico como na
ponto de vista, que o trabalho cen ,no " tentar interpretar o
estruturao social e no desenvolvimento pSlqUlCO e S\
- I t do' a crise do emprego, a crise de regula-
esta degradao. Mas ela nao pode reso ver u har duma crise do trabalho. A questo
o e do mercado de trabalho, faz-sde 'f'cad0
22
dever tambm ser colocada
' " isto o seu SI nI I ,
do trabalho da integrao (socia!) e da produo de iden-
do ponto de vista a mova,ao . 't' transformar a Frana num doente do
tidade (pessoa!)? Como sair desta cnse que es a a
trabalho23.
nente das identidades profissionais que diz
(22) Chamo significado do trabalho, a compo , t' 'd d e a's relaes de trabalho, ao compro-
'- b Ih 'ultaneamente a ac IVI a e
ligao com a sltuaao a o, sim , de si r rio pelos colegas (e nomeadamente aque-
misso de si prprio na actiVidade e ao reconheclm1:
to
'r p obra citada 1991, p. 199-256.
les que julgam o resultado), cf, a parte de com Charles Gada, Catherine Teiger,
(23) Cf. Jacques De Bandt, Chnstophe DeJours, C au e
La France, malade du travai/, Pari,s, 1995. monde du travail, obra citada, 1998, p. 30-32, ES,te
(
24) Cf, Andr Gorz, Le travall-fantome, er:n Le U" d richesse du possible, Pans,
I t d senvolvldos em J"Jls"res u " ,
texto retoma argumentos ongamen e e_ d' 'to s tendncias objectivas de emprego e
Galile, 1997. a justaposio de afirmaoes Izem e s atitudes subjectivas dos jovens dos
do trabalho assalariado (que Gorz chama traba o-demprelo . to que cria um mal-estar constante. O
'" d e valorizam o seu esenvo vlmen , _ do
vrios pases industna Iza os qu d 'd ara contrastar com as aspuaoes s
retrato feito do trabalho-emprego o que apresenta as atitudes dos jovens
jovens em matria de actividades enri,quecedoras. NaO;? a et solidarits quotidiennes, Paris,
alemes em relao ao trabalho: Ramer ZoB, Nouve ln IVI ua
Kim, 1992. ,_, nto de facto sobre as evolues do trabalho e
(25) Encontramos uma Ilustraao entre Julgame " Md Le travail une valeur en voie de d/s-
g
amento de valor sobre o trabalho na obra de 'I a, esultado das pesquiss dos investiga-
. A t t tendncia a aSSlml ar o r I P
arition, Paris, Aubler, 1995. au ora em I d t balho assim como tambm resvala regu ar-
' d' 'io sobre o va or o ra , ,_ b
dores que cIta a propostas e pnnclp d 'temas filosficos para apreclaoes so re
mente de uma anlise do conceito de nos tambm foi detectado por
as actividades ou relaes de trabalho na 1997
Dominique Schnapper em Contre la fin du travai, ans, , '
do sculo XX; tantos assalariados (19,6% em 1995) e que estes representam 86% da popu-
lao activa, tanto em 1995 como em 1975. J no so sem dvida os mesmos perfis de
assalariados porque, se as formas de emprego se diversificaram muito, tambm o trabalho
se transformou. Pode-se tentar resumir de forma esquemtica: a antiga sociedade salarial,
industrial, manual, conflitual e negociadota deu lugar a uma nova, terciarizada, informa-
tizada, menos conflitual mas menos regulada. As categorias compostas de assalariados
com mais licenciaturas aumentaram muito em efectivos assim como em peso relativo:
quadros superiores e mdios (nomes anteriores ao recenseamento de 1982), profisses
intelectuais superiores e intermedirias (nomes dados depois), empregado(a)s, maiorita-
riamente femininos (em trinta anos a populao activa integrou 5 milhes de mulheres,
para um milho de homens... ), duplicaram praticamente em 25 anos. Algumas actividades
conheceram uma progresso sem precedentes: informtica, comercial, de investigao e
desenvolvimento, conselho, educao e formao, sade e trabalho social, segurana... Um
dos problemas mais importantes que estes empregos gerados no so ocupados __ com
algumas excepes - por aqueles que ocupavam os empregos que foram destrudos (nem
mesmo muitas vezes pelos seus filhos). Da estes dados de dualizao do mercado de tra-
balho e da sociedade, da fractura social, da nova pobreza, da precarizao que se
multiplicam, muitas vezes a alto nvel, desde h vinte cinco anos e, especialmente, desde
meados dos anos 1990.
Castel tem razo ao falar de degradao da sociedade salarial sob o ponto de vista
das regulaes econmicas, da proteco social dos assalariados e dos riscos de desfilia-
o2o dos menos diplomados, dos mais frgeis, dos menos protegidos. Ele tem razo
quando fala de crise a propsito dos efeitos da competividade erigida pela simples lei
econmica e da flexibilidade promovida ao estatuto do imperativo nico da gesto dos
empregos. Ele tem razo ao encontrar uma raz na hegemonia crescente do capital
financeiro que faz frente aos regimes de proteco do trabalho construdos no mbito dos
Estados-Nao21. por isso que a execuo de novas polticas sociais por parte dos
Estados - e doravante tambm da Europa - constitui uma exigncia vital para fazer face a
.................-_ _-_. _ _---- _..__._--_.. _------_._ _._-----------_ _.._---_ _--_._._._----
Kergoat e outros (ed.), Le monde du travail, Paris, La Dcouverte, 1998, p. 53. Ela sintetiza uma longa argu-
mentao desenvolvida no fim do livro Les mtamorphoses de la question sociale. Une chronique du sala-
riat, Paris, Fayard, 1995. no fim duma longa anlise histrica que Castel conclui a propsito da degrada-
o da sociedade salarial que decorre duma crise do Estado Social que se deve ao mesmo tempo a uma perda
de eficcia (falta de meios suficientes mas no s) e a uma crise de legitimidade (na sequncia da sua perda
de eficcia mas no s). Esta questo ser retomada no capitulo 5, a propsito das polticas de ajuda inser-
o dos jovens.
(20) A noo de desfiliao introduzida por Robert Castel coloca no entanto problemas na medida
em que deixa supor que a alternativa, para os mais desamparados, se situa entre a filiao na sociedade
salarial (pelo emprego, pela proteco social, pelo rendimento do trabalho) e o isolamento, a falta de laos
sociais, a dependncia (pelo RMI). Ora, existe uma terceira via que a da associao a movimentos de
defesa e de luta colectiva como, por exemplo, o movimento dos desempregados e/ou aquele dos sem.
Trata-se d uma forma de filiao que no nem imaginria, nem dependente...
(21) Ci. a nota 19 da pgina precedente.
A .
.. _"-
Il
II
"
\
I
. r' foram a automatizao dos meios de
estas formas mais importantes de Izaao que desde os anos 1950 e 1960 que
produo e a tos (cimenteiras, indstrias
se encontram as. ormas nas I lo) cujo problema a gesto de fluxo. Mas
petroqumicas, SIderurgIa, nuclear, por exemtp d '. , '0 dos anos 1950 nas primeiras ofi-
' gestao a par Ir o mlcl ,
tambem as encontramos em d ' : d t ansferncia das fbricas Renault, estudadas
. t matizadas dotadas e maqumas e r,
cmas o . N . ,. d s anos 1960, Pierre Naville fazia o balano destas
por Alam Tourame . o mlCIO o , 'derava que elas eram muito mmon-
de produo a que ele chamava automaao a'o era uma certeza
29
Trinta anos
. d' t' f a e que a sua genera Izaao n
trias na m na . ador o estmulo da concorrncia, os imperativos
mais a tareias repetitivas realizadas pelas per-
aee:t: :delo da vigilncia de processo contnuo tornar-se maIs corrente,
no s na indstria mas tambm nos serviosI' t 'suprime para sempr.e o taylo-
d t b Ih mesmo se se a as rar, nao
Esta for.ma e ra a o, t do trabalho operrio que se transformou pro-
rismo3o. SImplesmente, houv; do por Chaplin em Os Tempos Modernos, j
fundamente: o trabalho em ca ela, Imor derno Alis preciso homenagear os
'f' d' ante do trabalho operano mo . , .
no e a Igura omm d' 'd d primeiros a distinguir, nos opernos
' f S31 que foram sem UVI a os .
ergonomos rancese . ,. (ta efas a cumprir segundo o gabmete
especializados em cadela, o traiba(lho o que faz aquela ou aquele que
dos mtodos) do trabalho rea a ac IVi a ,
....... --r-'r' 1
. ". "l ier aux usines Renault, Paris, Ed. do CNRS
(28) Cf. Alain Tourame, LevolutlOn du travar ouvr, dvida a primeira em Frana a argumen-
National de la Recherche Scientifique), 1955. obra e, sem t : trl'nta anos mais tarde, o modelo
- T bre aquJio em que se ornara,
tar, com base em observaoes e ana Ises, so . I " d travail face la qualification et la competence,
de competncia. Cf. Claude Dubar, La SOCIO ogle u
Sociologie du travail, 2/1996, p. 179-196.. . P G II" d 1963 Contrariamente ao pessimismo
(29) Cf. Pierre Naville, Vers l'au.,tomattsme f
OCIa
., a anaiisa positivamente o duplo movi-
de Friedmann em relao s evoluoes do traba ho d
Per
nO'I' to da formao humana e social na
. -' d oduo e o esenvo Vlmen
menta de automatIzaao mtegra o na pr d' all'zaa-o que revolucionam a estrutura
. d " no processo e raclOn
sociedade. Mesmo se ele anteclpa d F' d postando na excluso do trabalho apenas
dos empregos, no adere postura traglca e" ne mann, a
como forma de compensar a alienao do t d partir do incio dos anos 1970 na socio-
(30) Odebate ps-taylorista ou largamente dissecado: os dois movi-
logia do trabalho, parece-me hOJe mll1to VI u .J ptar e at mesmo valorizar os saberes e o
ta t te' um movimento que VIsa ca . t
mentos coexistem cons n emen: " h . ) para permitir a inovao e um movlmen o
savoir-faire dos operadores (opernos, engden eIrls:
d
.. a actl"vidade do trabalho para conseguir
I t etnclas esenvo VI as n . d
que visa ignorar e contro ar es as com
p
. T d d de do momento do ciclo conSIdera o
realizar o maior lucro possvel e racIOnalIzar a o epen
d - rso) e da conjuntura Visada. . fi .
(inovao, estandar lzaao, . F' r et ralit du travai! ouvrier, Les Cahlers ranaIS,
(31) Cf. F. Daniellou, A..Lavllle, C. IC en as entre trabalho prescrito etrabalho real
n." 209, 1983, p" 39-45. Aongem da das I de televises do Oeste de Frana, onde a an-
vem dum inqurito de 1969-1972 numa fabnca " d'ltas de actividade de resoluo de
' . Ih 'f' em eVIdenCIa as lormas ln , _ 'f' .
lise ergonomlca do traba o perml lU por .d d no entanto como nao quaII Ica-
problemas, de inventividade por parte dos trabalhadores consl era os, ,
dos e simples executantes.
A
o trabalho como resoluo de problemas
sentido do processo histrico em curso e no tomar uma posio poltica ou tica sobre as
orientaes que devem triunfar. Aconfuso entre os dois registos arrisca-se a chegar a um
impasse: aquele que consiste em separar radicalmente o econmico do socia! e do ps-
quico e aquele que deixa ao poltico muito poucas coisas26
A tese que aqui desenvolverei a seguinte: as mudanas no trabalho, reconhecveis
atravs dos trabalhos de investigadores (e as minhas prprias observaes), so contradi-
trias. Evolues, encetadas durante algum tempo, so mais tarde bloqueadas, tendn-
cias manifestas num dado contexto so muito incertas num outro, transformaes impres-
sionantes num sector so quase invisveis, e por vezes contrrias, num outro sector. a
razo pela qual a inveno duma nova forma identitria, ao mesmo tempo organizao do
Ns (societrio) e nova configurao do Eu (relacional e biogrfico) que pode ter sido
detectada aqui ou ali, no parece acontecer. Hoje, a sua emergncia est em crise. Para o
demonstrar, tentarei apoiar-me nalguns trabalhos que permitem detectar tendncias dif-
ceis de realizar, em matria de trabalho, no perodo recente. Priviligiei trs, sabendo que
a minha seleco arbitrria e explicitamente orientada: trata-se de tendncias que tm
incidncias identitrias importantes, que misturam a racionalizao e a inovao, que se
referem a relaes no trabalho e no a formas e categorias de emprego, que concernem as
exigncias que os empregadores e os decisores polticos alegam para recrutar, formar ou
gerir os recursos humanos e a maneira como os assalariados lhes reagem
27
Esta impotncia do poltico uma dimenso capital. Ela motiva, por exemplo, anlises de Jeremy
Rifkin em La fin du travail, trad., Paris, La Dcouverte, 1996 (I.' ed. 1995), que se debrua sobre a socie-
dade americana, onde, segundo o autor, a dualizao social j foi feita e a excluso das minorias (pretos
dos guetos, hispnicos...) um dado adquirido. Atransposio para a Frana, esboada por Michel Rocard
no seu prefcio, parece-me perigosa na medida em que d crdito tese segundo a qual j no h nada de
positivo, de formativo a esperar das actividades regidas pelo mercado e em que o nico objectivo vital
consiste na passagem dos destinos consagrados ao nico trabalho produtivo a destinos consagrados ao
uso solidrio e criativo dos tempos livres (p. XVII). Esta ideia parece-me muito contestvel.
(27) O reconhecimento das tendncias pesadas beneficiou de duas snteses muito ricas em resulta-
dos de pesquisa: 1. Kergoat, J. Boutet, H. Jacot, D. Linhart, (ed.), Le monde du travail, Paris, La Dcouverte,
1998, e M.. De Coster e F. Pichault (ed.), Trait de sociologie du travail, Bruxelas, De Boeck, 1994 (2.' ed.
1997). Ele foi tambm facilitado pela organizao do Colquio Le Travai/. Recherches et Prospectives, Lyon,
Dezembro de 1992, cujas diversas Comunicaes foram publicadas em nmeros especiais de revistas como
Sociologie du travai!, Futur antrieur, Projet, etc. Ele tambm se inspirou em teses desenvolvidas em J. De
Bandt, C. Dejours, C. Dubar, C. Gdea, C. Teiger, La France, ma/ade du travai!, Paris, Bayard, 1995.
A primeira recai sobre a prpria definio daquilo que o cerne da actividade do tra-
balho. Ela tornou-se, cada vez com mais frequncia e sob formas muito variadas, uma acti-
vidade de resoluo de problemas e no de execuo mecnica de instrues, de aplicao
de procedimentos preestabelecidos. Esta primeira tendncia est evidentemente religada a
executa a sua tarefa). O operador no passivo, totalmente subjugado, ele elabora modos
operat6rios que mobilizam os seus pr6prios recursos, ele gera constantemente um con-
junto de acontecimentos que lhe permitem decidir aces a conduzir, ele readapta os objec-
tivos prescritos e desenrasca-se com os meios que dispe, ele executa competncias
incorporadas para conseguir os seus resultados. Resumindo, o trabalho tido como o mais
mecanizado e considerado como o menos qualificado j , sua maneira, uma actividade de
resoluo de problemas, nem que seja s6 por causa das vicissitudes e do mal funcionamento
desconhecido do sistema de produo. Mas esta actividade no reconhecida e, pior que
isso, ignorada no s6 atravs da organizao e imposio de contrariedades temporais,
como tambm pelo salrio e falta de perspectiva de futuro, de reconhecimento e de carreira.
Ora, aqueles que observam e analisam as transformaes do trabalho, tendo em conta
o trabalho real e no s6 prescrito, parecem estar de acordo quando reconhecem que,
desde os anos 1960, em contextos variados, o prescrito tem tendncia para se apagar
quando o nvel de exigncia tende a aumentar32. Sem dvida que ainda muito cedo para
retraar habilmente as etapas do processo que, das greves dos operrios especializados
no incio dos anos 1970 aos grupos semiaut6nomos do fim dessa mesma dcada, chegou,
por via dos crculos de qualidade, e dos grupos projecto, em relao com a automati-
zao e a difuso massiva da micro-informtica, a estes dispositivos de gesto que se
difundiam em todas as grandes empresas que procuravam a competitividade. De qualquer
forma, a paisagem modificou-se e o cerne da actividade de trabalho mais banalizado des-
locou-se: O acto produtivo alarga-se, desloca-se em direco a montante, tende a tornar-
-se actividade de gesto global de processo, de fluxos fsicos e de informaes; ele intelec-
tualiza-se e ganha autonomia33.
Que fique bem claro o que quero dizer: no porque os dirigentes das empresas per-
ceberam tudo que podem abusar destas competncias incorporadas e antes ignoradas, no
porque eles alargaram aos assalariados o poder de reflectir sobre as formas de organiza-
o, os rnodos operat6rios que os incitaram a elaborar dign6sticos e a propor transforma-
es que as relaes sociais de trabalho mudaram completamente, que o reconhecimento
dos assalariados de execuo um dado adquirido e que o poder hierrquico j no existe.
----------_...-._-_._-
(32) Cf, Franois Gurin, i:activit de travail, em Le monde du travai/, obra citada, p, 176. Oautor,
mostra bem em que que a diminuio do prescrito pode, em certos contextos, fazer-se
acompanlur dum crescimento dos resultados. Existe, de facto, vrias formas de prescrever seno os meios,
pelo os objectivos a atingir, explcitos ou implcitos. Cf. o artigo de Corinne Chabaud, in Les ana/y-
ses du travai!. Enjeux et formes, CEREQ (Centre d'tudes et des recherches sur les qualifications), n." 54,
1990.
(33) Ci. Gilbert de Terssac, Autonomie dans /e travai/, Paris, PUF, 1992. Esta obra tem o mrito de
mostrar concretamente como que a regulao conjunta, publicada por Jean-Daniel Reynaud em Les
reg/es dujEu (A. Colin, 1989), se difunde nas empresas, ao mesmo tempo que se difundem a automatiza-
o da produo e a informatizao dos dispositivos de trabalho. Concentradas no incio nas indstrias de
estas formas de regulao de origem espalham-se a outros sectores e transformam os dis-
positivos aI1teriores de controlo e a ligao ao trabalho dos operadores.
O que eu quero dizer que o trabalho, mesmo o mais comum, tornou-se um
h . nto de si um espao de palavra a investir (ou no), um ca,mpo, .e
para o recon eClme, .. ) niverso de obrigaes Impl1cl-
pro
blemas a gerir e para tentar resolver (ou nao ,um u 34 d' d f' d' ao
" d b doA' Quem IZ esa 10 IZ
t e j no de contrariedades explICitas e o e lenCla . , ' ,
as::
mo
tempo incerteza e grande implicao. O trabalho, mesmo assalanado:
;ra cada vez mais assalariados, uma ocasio de criatividade co\ectlva,
. 'd elo contrrio uma necessidade de sobrevIVencla pe o cumpn
clda e valOrIza a ou, p . ' ,.' , ' d d .d' d O recurso criativi-
de ta
refas cada vez mais mSlgnIflcantes? Nada esta am a eCI I o. , ' t f
I
t bT ar os mvestImen os, az-se
dade35 dos assalariados, para resolver os prob emas e ren a I IZ "d d o exercidas
acompanhar de racionalizaes que dividem_e f:agmentam ;,s :tr::n
e
empresas,
ao mesmo tempo pelos colectivos. AconcorrenCIa e a compe lao pen d .. d pre
dividem os assalariados ainda mais quando se fazem acompanhar pela re reoc:sen-
g
os e de racionalizao dos recursos humanos. Eis o que permite comPdreen e t- . -
d
. d de do modelo a compe enCla,
cadeamento, nas empresas assim como em to a a SOCle a ,
ao longo dos anos 1980 e 1990.
o trabalho como realizao de competncias
Aqui abordamos uma segunda tendncia difcil que prolongou e da
dente. m Frana, a partir de meados dos anos 1980
36
, a 16gica
veu-se quase em simultneo nas organizaes de trab,alho e em segm o muitas
tema educativo. Antes de mais, ela consiste no questIOnamento concep , or
vezes qualificada como burocrtica da qualificao, previamente adqumda e sanCIOnada P
um diploma, dando direito a uma contratao, a um nvel de classificao (e de salrio),
que corresponde ao nvel do diploma e que assegura de seguida a progresso salarial, mais
ou automtica, pela antiguidade. Na altura, foi o Conselho Nacional do patronato
francs que, de acordo com consultores, lanou uma verdadeira batalha para impor esta
noo de competncia, muitas vezes em nome da noo de qualificao, ao mesmo tempo
que a empresa era objecto duma vasta reabilitao na sociedade francesa e era redefinida
como urna comunidade contratual competitiva37. A competncia, para os tericos da
administrao dita participativa38, era antes de mais toda a contribuio dos assalariados
para a con:Petitividade da sua empresa. Cabe, pois, empresa avali-la (pela contratao),
desenvolve-la (pelo trabalho e pela sua organizao) e reconhec-la (pelo salrio e, s vezes,
pela carreira). Ao longo desta primeira fase, a formao contnua dos assalariados, gerida na
e pela empresa, transformava-se num desafio estratgico e dava lugar a diversas inovaes,
por vezes em estreita relao com as transformaes da organizao do trabalho e da ges-
to (s vezes baptizada como previso dos empregos e at das competncias).
Foi ao longo deste perodo que se elaborou e se difundiu aquilo a que eu chamei algures
uma verdadeira vulgata da competncia que depressa se tornou numa espcie de credo da
administrao e dos consultores. Saber, saber-fazer, saber-estar tornavam-se os trs pilares
da competncia, depressa substitudos pelas qualidades a exigir e/ou a desenvolver em todos
os assalariados: iniciativa, responsabilidade e trabalho de equipa. Eu chamei a ateno nou-
tro livr0
39
que se encontram, quase palavra por palavra, estas qualidades nas recomenda-
es dos anos 1950 para a formao de quadros considerados na altura como adminis-
trativos. A formao contnua, frequentemente acompanhada da colocao de grupos
diversos (qualidade, progresso, etc.. ) pode ser analisada como o lugar duma verdadeira
batalha identitria4o que permite seleccionar os assalariados dotados dessas qualida-
des e ajudar os outros a adquiri-las. Aquilo que ligava estas atitudes entre elas era a <<iden-
. Cf. Yvon Cannac e a CEGOS, La Bataille de /a comptence, Paris, ditions d'Organisation, 1984.
Este 1.lvro o pontap .d.e duma .ofensiva do CNPF (Conseil National du Patronat Franais) para
a quahflcaoes colectivamente a partir de diplomas profissionais pela das
competenclas mdlvldualmente adqumdas no trabalho e reconhecidas s pela empresa com base nos seus
desempenhos. De facto, o diploma continua a ser o filtro para uma contratao, o que relativiza a novi-
desta lgica num contexto de grande desemprego e de inflao dos diplomas. Cf. as anlises desen-
em C. Dubar e C. Gada (ed.), La promotion socia/e en France, Presses Universitaires du Septen-
tnon, 1999.
. (38) Em 1983 h dois livros que saem quase em simultneo em Frana e que contribuem para difun-
dIr forma de administrao: H. Peter e P. Waterman, Le prix de /'exce/lence, Paris, Interditions e G.
Archler e H. Syryex, L'entreprise de troisieme type, Paris, Edio de Organisation.
(39) Cf. C. Dubar e P. Tripier, Soci%gie des professions, Paris, A. Colin, 1998, p. 230 e s.
. (40) Danilde Linhart, Le tortico/is de /'autruche. L'impossib/e modernisation des entreprises fran-
O/ses, Pans, Seuil, 1991. O que o autor chama batalha identitria a estratgia de gesto que consiste
em desvalorizar as identidades colectivas, de profisso ou classe, para converter os assalariados (aqueles
que sobram) a uma identidade de empresa que, mesmo em caso de sucesso, raramente desemboca num
reconheCimento.
Acrise das identidades profissionais
.. ....
tidade de empresa, a concordncia com os seus objectivos estratgicos e a mobilizao para
os realizar. Aqueles que eram postos de lado sentiam-se ameaados: a sua no participao
ou a sua participao crtica designava-os ora corno incompetentes, ora como contesta-
trios. Os anos 1980 foram tambm a poca em que o movimento sindical, j enfraquecido
nas grandes empresas privadas ou privatizadas, sofreram um novo decrscimo.
O perodo seguinte (anos 1990) iria ser marcado por urna nova ordem da competncia.
De facto, a seguir ao final dos trs gloriosos, a conjuntura econmica ensombrou-se
outra vez, o desemprego comeou a subir, inclusive o desemprego de executivos, e as
estratgias dos grandes grupos inflectiram-se de forma notria.
Doravante, nem pensar em jogar a cartada da <<identidade de empresa que implica
carreiras internas e pesadas, dispendiosas operaes de formao e urna administrao
participativa aleatria. Anova noo que ento se difundiu foi a da empregabilidade
41
. Ela
implicava urna mudana mais importante porque primeiro j no era s a empresa que era
colectivamente responsvel pelas competncias dos seus assalariados, cada assalariado era
responsvel pela aquisio e manuteno das suas prprias competncias
42
. A implemen-
tao do balano de competncia, pela lei de Dezembro de 1991, vai efectivamente nesse
sentido. Acarta europeia da formao ao longo da vida (tife long leaming) , em 1996, deu
a esta derradeira evoluo a sua marca europeia4.3.
Ao cabo deste percurso, a lgica da competncia acaba por ser sensivelmente muito
modificada. J no nem a escola, nem a empresa (mesmo coordenadas) que produzem as
competncias que os indivduos necessitam para aceder ao mercado de trabalho, obter um
rendimento e serem reconhecidos: so os prprios indivduos. Eles so responsveis pela
sua competncia, nos dois significados do termo: cabe-lhes a eles adquiri-las e so eles que
sofrem se no as tiverem. Obalano da competncia permitir-lhes- saber at onde pode-
ro ir neste processo. Eles devem constituir urna carteira de competncias que devero
mostrar se quiserem ser contratados. A ideia de cheque individual de formao tem o
mesmo significado: a responsabilidade da sua prpria formao. A competncia, sendo a
qualificao incorporada no sujeito, interiorizada ao longo do seu percurso, aprendida
activamente ao longo das suas formaes, pode ser vendida ou alugada, durante um
tempo, a uma empresa que precise para qualquer um dos seus objectivos e se no encon-
trar melhor num outro pretendente. Aempregabilidade antes de mais isto: manter-se em
estado de competncia, de competitividade no mercado (como nos mantemos em boa
forma fsica) para se poder ser, talvez um dia, contratado para uma misso precisa e
(41) CL Bernard Gazier, radiographie d'un concept, Soci%gie du travai/, 3, .
p. 76-98, bem como Les stratgies des ressources humaines, Paris, La Dcouverte: 1993. pr.e-
ciso ressalvar que, em Frana, a ANPE(Association National pour I'Emploi) contnbUl mUito para a dlfusao
deste termo. .
(42) Assim, a doutrina aproximava-se muito da teoria neo-clssica do capital humano para a.qual a
mao concebida como investimento individual a rentabilizar, cf. Dubar e Gada, La promotlOn socw/e
en France, Lil/e, Presses Universitaires du Septentrion, 1999, p. 47-49.
(43) IbM., p. 56-60.
A
't
I
..
:
JIm........ --"-
L_.
limitada, uma prestao determinada De facto -
o antiga: a do profissional e dos se' r t' estas sa_o palavras novas para uma rela-
us c len es, a relaao de servio.
o trabalho cOmo relao de servio
. talvez a transformao mais significativa do trabalh ., .
Slgmficado. E ainda por cima el oJa que recaI sobre o seu prprio
sector privado e da funo p' potencialmente toda a gente: assalariados do
u Ica, a grande empresa d PM
assalariados atpicos e no assalariados EI e as E (Pequena Mdia
evoluoes do trabalho industrial g' I . a acompanha, ao mesmo tempo as
. . ' a nco a, artesanal e o m' t d .. '
actIvIdades. Ela coloca no seio da a t' 'd d d oVlmen o e terClanzao das
c IVI a e o trabalho a rela - r
ou externa, final ou intermediria d' t .. ao com o c lente, interna
componente central da relao e>d>' Indirecta. Ela faz da confiana uma
, a sa ISlaao do cliente u I
sucesso de empresa e do reconhecim t d . m e emento essencial do
f _ en o e SI. Ela acompanha u .
ormaao da organizao burocrtica, annima e m movImento de trans-
pequenas unidades directamente e t fechada, numa empresa-rede que religa
N d m con acto com o mercado
.as gran es empresas, o movimento inicia-se d '. .
qualidade e os preceitos da administra -o artic' o se os Imperativos de
como um fornecedor dum ou ,. al' P Cada assalanado deve considerar-se
vanos c lentes e cliente du " f
rela.o cliente-fornecedor o centro d d' . . m ou vanos ornecedores. Esta
justifi cao das reorganizaes da ge tosd de qualidade tota!. Ela tambm a
J no se trata de produzir prl' . s dO a pro uao e, para alm disso, da empresa inteira.
melro e e vender em seg 'd '1 .
-se de responder s exigncias do mercado d UI a. aqUi o que fOi produzido. Trata-
dades. de reagir perante as evolues dos' e o cliente final no centro das activi-
de compra e de tentar suscit-los As de os seus comportamen-
Justificadas por ele' o mesmo t' gamzaoes mais Importantes da produo so
. a empo por exemplo consi t
a partir duma encomenda optimizando 'a ualidad '.. e em engrenar uma produo
gesto da produo gesto comercial gl I e, os atrasos, integrando a
Mas a mudana da forma orga' o. a. I um trunfo deCISIVO na concorrncia.
mzaclona que decisiva' PME d' .
servem de model044 a a relao I' . ilS Itas Inovadoras
, com o c lente sempre foi valo' d
uma vantagem competitiva> EI" . nza a e considerada como
xve!. Small is beautifull' o e:p'aoa eI malls mais prxima e tambm mais fie-
. oca, as re aoes de confia 'Ih'
comum so valorizadas
45
Doravant' b na, a parti a duma cultura
. e, e com ase neste modelo que o marketing vai
---_.-...__ _. __ _--_.._.._. __.._._ ..
(44) Cf. Michael J. Piore e Charles F. S b I' -.--.--..-.--.--.----.- -.-.-.-..-.----.-.---..--
Nova Iorque, Basic Books 1984 Este "Iv'ro
a
e, The Industrial Divide. Possibilities for Pr,osperity
pre ta _ d ,. marca uma vIragem n t t . '
'1 s . as PME inovadoras do Slicon Valey 01.1 as d T R
as
es ra glas de gestao; ao descobrir as
VI eglar alargamento nas pequenas estruturas'inte rge
d
omagne, os gestores vo doravante pri-
(45) Sobre o modelo das PME e no d r I a as. Isto que dar origem empresa-rede
identitrios construdos em do dOt industriais localizados e os
e roca oca funCIOnando com base na confiana fundada
ganhar uma importncia crescente nas empresas que querem aproximar-se dos clientes,
agarrar-se s suas exigncias, tornar-se reactivos. Por isso, a grande empresa trans-
forma-se: descentraliza-se, reduz a burocracia, divide-se em unidades interligadas e torna-
-se, afinal de contas, uma empresa-rede mundializada
46
. Graas informatizao, a orga-
nizao centralizada e burocrtica transforma-se assim numa rede de unidades considera-
das como PMEs que so postas em concorrncia umas com as outras, a partir de projec-
tos e indicadores de perrormances. A relao entre o centro e as unidades torna-se
anloga quela que rene um chefe que d ordens e os seus subalternos.
Aempresa-rede que emerge deste movimento j no vende s produtos, vende tambm
(e compra), s vezes unicamente, os servios. Estes ltimos que s representavam 48% do
trabalho em 1975, representam 66% em 1992. Foram os servios mercantis nas empre-
sas aqueles que mais cresceram: servios informticos, financeiros, comerciais, conselhos.
Muitas vezes, a grande empresa tem ao mesmo tempo os seus servios/clientes internos
e a sua rede de clientes/fornecedores externos: ao coloc-los em concorrncia, o mercado
penetra na empresa, ao mesmo tempo que a empresa tenta organizar o seu mercado. Assim,
alguns servios estandardizam-se, e at se industrializam, e at se taylorizam, ao passo
que outros personalizam-se, praticam a co-produo do servio pela realizao duma
relao de profissiona! com o c1iente4
7
a empresa-rede que define misses para
resolver problemas, encontrar ou implantar inovaes, alargar e fidelizar a sua clientela.
Este modelo, muito antigo, da relao de servio entre um profissional reconhecido
como tal e os seus clientes (client e no apenas customer) torna-se, ao longo dos anos
1980-1990, em Frana, um verdadeiro modelo de referncia, no s na empresa privada
inovadora mas tambm no mundo do servio pblico. Trata-se de transformar os funcio-
nrios em profissionais, isto , em fornecedores de servios a usurios com os quais esto
ligados por uma relao de confiana cujas necessidades, na melhor das hipteses, eles
procuram satisfazer. uma pequena revoluo cultural que assim solicitada no mundo
da administrao francesa onde reina ainda com frequncia a cultura burocrtica do con-
trolo, da proteco hierrquica e o encerramento em relao aos administrados
48
uma
sobre a partilha duma identidade cultural comum,cL Jean Saglio, change social et identit
dans les systemes industrieis localiss, Sociologie du travai!, XXXIII, 4/1991, p. 529-544.
(46) Sobre a empresa-rede, tal como ela se generaliza hoje em dia um pouco por todo o lado nos pa-
ses industrializados, d. Manuel Castells, La socit en rseau, trad., Paris, Fayard, 1998. A, o autor afirma
que, neste tipo de sociedade em gestao, qual ele chama capitalismo de informao, a identidade
torna-se o desafio mais importante do processo em curso porque a procura duma identidade torna-se a
origem primeira da significao social, ela torna-se a nica fonte de sentido, ela inscreve-se numa
aposio bipolar entre Rede e Si prprio (p. 23-24).
(47) Cf. Jean Gadrey, Les Services, em Le monde du travail, obra citada, p. 83-92, assim como
Jacques de Bandt, Les services dans les socits industrielles, Paris, Economica, 1985.
(48) Cf. os trabalhos do Centro de sociologia das organizaes e nomeadamente Catherine Grmion,
dans I'administration, in J. Chevallier (ed.), L'identit politique, Paris, PUF, 1994, p. 270-278,
assim como Jean-Pierre Dupuy e Jean-Claude Thoenig, L'administration en miettes, Paris, Fayard, 1985.
t
\
!
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Acrise das identidades profissionais
..,-,-,.....__.-,----_.. _-._.. ..---'-,'--""--'-"
autntica conversa identitria que est em desafio num .
com frequncia identidades categorial's pr d'd mundo onde se encontram amda
o UZI as por uma longa histria.
ACRISE DAS IDENTIDADES CATEGORIAIS DE PROFISSO
Ass istiu-se, em Frana, desde h trinta anos ao des .
economia que eram organizados aOs v d d' h' de sectores mteiros da
. , ezes es e a mUlto tempo b b
mdades de ofcios49 e que tl'nha . t'd' ' so re a ase de comu-
m resls I o, maIs ou menos ' . r -
Depois do fim dos agricultores5o a F . f' ' as racIOna Izaoes anteriores.
vo e ao declnio dos mineiros de' funrdaon:1 .IU, dlmp?tente, ao fecho das minas de car-
. ,a cnse a slder g' 't I
do trabalho dos siderurgistass2 aOs It _ ur la e a ota transformao
, a eraoes na metalurgia
mentos, encerramentos de fb . _ que provocaram despedi-
Uma dete . d ( ncas. e reconversoes dolorosas dos metalrgicos53 etc
rmma a IOrma colectiva de prati f . .' .
nir atravs dela de estruturar toda 'd car o seu o ICIO, de se organIzar e de se defi-
, a sua VI a em torno d f-
dar-se para dar lugar a um outro mundo. a pro Issao, parece estar a afun-
. A, de ofcio o exemplo-tipo de identidade comunitria _ _
eXlstencla duma comunidade no sei' d' I . que supoe, ento, a
. o a qua se transmItem man' d (
tIr e de pensar que constituem ao mesmo t . eIras e lazer, de sen-
Ihosa) e referncias pessoais (u f" empo colectivos (a conscincia orgu-
m o ICIOS nas maos) Geralm ti' I' .
caes precoces por parte dos rapazes f' d . . en e, e a Imp Ica Identifi-
mesmo de se com um o se .transmite na famlia, antes
repousa em comunidades pertinentes d _ o PSa41) no local de trabalho. Ela
t
a acao co ectlva' que p 't
empo a defesa dos interesses dos trabalhado 'd' . erml em ao mesmo
sindicais, mas tambm o reconheci me t d res se I entIftcam com os seus lderes
empregados e empregadores em e
b
de interesses que reagrupam
guram: a sobrevivncia e 0
0
que asse-
As Identidades de ofcio supem . a Irma.
regras que as organizam e das ' reproduzIrem, uma relativa estabilidade das
comum es que as suportam. Elas encontram-se sobre-
. Sobre este termo aplicado ao mundo dos ofcios cf D' .
ESSQl sur l'avenir des systemes professionnels p' .' F
eOls
Segrestm, Le phnomene corporatiste.
(50) Ct H . " es, ans. ayard 1984
(51) Ct' Clenrd' Mendras. L;t fin des paysans, Paris, A Colin. 1967. .
. au e Dubar. Gerard Gayot Jacq Hd S" " .
(52) Cf. Jean Gustave Padioleau oux,. mmiere ... obra citada. 1982.
Bonnet. L'homme de fer t 4 Paris Ed do CNRS (C s en erre. Paris, PUF, 1981. Cf. tambm Serge
(53) Cf. Michel PI'non D' en de Recherche Scientifique). 1982-1986
t t
. .' , esarrols ouvners Fam'll " -< I' .
mu et sociales. Paris, UHarmattan, 1987. . I es ue mt:fa lurglstes dans les
.( ) Ct. DeOls Segrestin, Les commnaut r ,. .
soclOlogie, 2. 1980. s per mentes de I achon colechve, Revue franaise de
(55) Cf. Jean-Daniel Reynaud Les i! l d' .
1989. ' r g es uJeu. ActlOn collective et rgulation sociale Paris A C I'
, ,. o ln,
tudo onde existem mercados fechados de trabalho56 relativamente ou totalmente ao
abrigo da concorrncia e beneficiando do apoio do Estado. Quando as fronteiras se abrem,
quando as barreiras alfandegrias baixam e quando as polticas pblicas se tornam mais
liberais, estes mercados fechados esto ameaados. Foi o que aconteceu, em Frana,
desde h trinta anos para c, aps um longo perodo de proteccionismo. Por isso, uma
nova diviso internacional do trabalho provocou o declnio inexorvel das actividades
outrora florescentes. No era a primeira vez que este facto se produzia na histria da eco-
nomia francesa
57
. Mas, desta vez, o choque foi particularmente duro. Uma paisagem com-
pletamente nova emerge desta mutao.
A crise das identidades de ofcio prejudicou, antes de mais e especialmente, os oper-
rios que tinham entrado nas minas, nas fbricas, nos estaleiros ao longo dos anos 1950 e
1960. Entre eles, muitos eram antigos camponeses e nomeadamente trabalhadores imi-
grados. Eles tinham sido mais ou menos bem integrados nestas comunidades de ofcio, no
sindicalismo e nas formas de regulao caractersticas do Estado-Providncia. Ao longo
dos anos 1980 e 1990, eles viram-se no desemprego, na pr-reforma ou em situaes de
precaridade. J no podiam transmitir o seu ofcio aos filhos e toleravam com muita difi-
culdade o desabamento do seu mundo anterior. , sem dvida, o aspecto mais dram-
tico desta crise identitria
58
: a impossibilidade de transmitir aos seus filhos os saberes e os
valores dum ofcio reconhecido e valorizado.
Mas, esta crise no se alargou a outras categorias de assalariados. De facto, as identi-
dades de ofcio constituem um caso particular, sem dvida historicamente muito antigo,
duma forma identitria mais geral qual chamei forma categorial e que supe a predomi-
nncia do colectivo sobre os indivduos que a compem ao mesmo tempo que a interiori-
zao de normas muito pregnantes em matria de qualificao, de progresso salarial ou
de direitos adquiridos. Essas normas ligadas aos modos de regulao em vigor (lei, regu-
lamento, conveno ou costume)59 concernem tambm os agentes da funo pblica, que
consideram com frequncia que a sua mobilizao no trabalho no reconhecida e que os
seus direitos adquiridos esto ameaados.
Em muitas investigaes levadas a cabo ao longo dos anos 1980 e 1990, estes agentes
sentiram-se bloqueados
6o
, sem esperana de carreira, sem reconhecimento por parte dos
seus dirigentes. Agrande maioria considera que as regras do jogo mudaram e que eles so
prejudicados. Asua esperana numa progresso hierrquica, por antiguidade ou por con-
(56) Cf. Catherine Paradeise, La marine marchande, un march du travail ferm, Revue
de sodologie, 24, 1984.
(57) Sobre a crise dos anos 1880 e os seus efeitos nos operrios de ofcios, cf. Grard Noiriel, Les
ouvriers dans la socit franaise, Paris, Seuil, 1986. p. 83-106.
(58) Cf. Franoise Hurstel, ldentit de pere et classe ouvriere Montbliard aujourd'hui, JelSur /'in-
dividualit, Messidor, 1987, p. 155-180. O mesmo tipo de transmisso no parece ter sido referenciado
entre mes e filhas; preciso lembrar que os ofcios fazem parte do universo masculino.
(59) Cf. Claude Dubar e Pierre Tripier, Sociologie des professions, obra citada, p. 153-155.
(60) Cf. C. Dubar, La socialisation, obra citada, cap. X, p. 217-228.
Acrise das identidades profissionais
- - - - - - - - -- - - -
curso, esvaiu-se, em grande parte por causa da chegada de jovens licenciados - com fre-
quncia desqualificados mas tendo um nvel de estudos muito mais elevado - que tm
hipteses do que eles de ganhar os concursos e que j no partilham a cultura pro-
fissIOnal deles. Eles so tambm confrontados com comportamentos de risco por parte dos
utentes, com a violncia dos transportes ou de certos estabelecimentos escolares, com um
desprezo por parte de alguns dos seus utentes. Desrespeitados pelos seus clientes des-
valorizados pelos seus chefes, sofrem uma identidade com falta de reconhecimento: Esta
crise i.dentidade profissional talvez afecte mais aqueles que, pelo seu passado, militaram
em smdlcatos e esperaram transformaes revolucionrias da sociedade francesa.
frustrao precedente acrescenta-se uma decepo talvez ainda mais profunda: a de ver
afundar-se as convices e as esperanas sem poder continuar a encontrar causas ou res-
ponsveis. Esta frustrao pode, por vezes, virar-se contra ela prpria e engendrar formas
extremas de desamparo.
Assim, a transformao dum ofcio aprendido, transmitido, incorporado numa activi-
tornada incerta, mal reconhecida, problemtica, constitui o exemplo da crise iden-
litar/a no :e.ntido da sociologia interaccionista6
1
Desde h muito tempo, em Chicago e
en: alguns socilogos fizeram da socializao profissional, das construes e
da relao de servio e dos seus paradoxos um dos seus objectos de an-
lise pnvI.legla?os. Pondo em questo, mais ou menos radicalmente, a distino cannica
dos .entre <<profisses e <<ocupaes, eles tentaram perceber em que que
a VIda profISSIOnal, num contexto de mudanas permanentes, de reviravoltas de con-
Juntura de poltica, .constitua percurso (career) atravessado por crises, isto , mar-
cado mce.rtezas, vIragens (tummg points) e provas, confrontado com problemas de
definlao de SI mesmo e de reconhecimento por parte dos outros.
Ento, muito tentador interpretar estas tendncias de transformao do trabalho
como actividades de resoluo de problemas, de pr em prtica competncias e realizar
relaes de servio como a difuso progressiva, no mundo do trabalho, em Frana,
durante o perodo considerado, duma nova maneira de estar no trabalho, de sentir, de
p.ensar e de viver as actividades profissionais que destabilizaram todas as formas ante-
nores de representao e de aco, todas as antigas identidades profissionais. Mas, se acon-
tecer, _o minimizar um problema-chave da vida do trabalho ser grande, uma
questa? maIs Importante da sociologia do trabalho que tambm um desafio importante
do penod() recente: o das relaes de poder no trabalho, dos conflitos de trabalho e das
relaes de classe.
-------.-._._---_._-----_._-_.__._-----_.__._------------------_...-.---------------._-_.'
parte. textos de Everett_Hughes foi ao desenvolvimento duma perspectiva
mteraCClOnIsta sobre as profissoes que evidenciam esses conceitos de socializao profissional e
de .crlse Identitria ligada a ciclos de vida (career) e nomeadamente s viragens da existncia (tuming
pomt). Esse esquema aplica-se, segundo o autor, tanto s ocupoes como s profisses cf E C Hughes
Leregards . t Ed d ' . . . ,
b OCIO oglque, . e la MSH, 1998, p. 59-136. Para uma sntese do ponto de vista interaccionista
so re os grupos profissionais, d. C. Dubar e P. Tripier, Sociologie des professions, obra citada, 1998, cap. 5.
IDENTIDADES NO TRABALHO, CONFLITOS SOCIAIS E RELAES DE CLASSE
Em Frana, uma das caractersticas mais importantes dos ltimos trinta anos parece ser
o desvanecimento dos conflitos de c1asse62. Tudo acontece como se a escalada do tema
das identidades acompanhasse o declnio do tema da luta de classes. , alis, aquilo que
reconhece Renaud Sainsaulieu quando explica porque que, desde o fim dos anos 1960, o
tema da identidade aparecia no contexto dum questionamento da luta de classe como prin-
cpio nico da identidade>P. De facto, constata-se, trinta anos depois, que a longo prazo,
a tendncia de recuo dos conflitos salariais. Pelo menos, conflitos visveis, compatibili-
zados, por exemplo, a partir das jornadas de greve (de cerca de 4 milhes entre 1971 e
a 352 840 em 1997). Porque os pequenos conflitos no faltaram, muitas vezes conSIde-
rados como conflitos cada vez mais numerosoS, com frequncia motivados por reivindica-
es de 'reconhecimento' e de dignidade e, finalmente, de identidade64. Que identidade?
Que relao entre estes conflitos particulares e os antigos conflitos de classe, estas
reivindicaes de identidade e as clssicas reivindicaes salariais?
Se se percorrer a lista destes conflitos, desde o Maio de 68, ltimo grande conflito his-
trico que se apresenta a si prprio como um conflito de classe, encontram-se conflitos de
toda a espcie. Em primeiro lugar, conflitos profissionais que mobilizam, na rua, catego-
rias inteiras que se opem a medidas pblicas que os concernem, reivindicando a criao de
postos de trabalho, protestando contra a degradao das suas condies de trabalho, defen-
dendo ou reivindicando um estatuto: os professores (fim de 1987, princpio de 1989, Maro
de 1998...), as assistentes sociais (nove semanas no Outono de 1991), os mdicos (1983,
1990, 1996... ), os camionistas (1984, 1985, 1997... ), os enfermeiros (sete meses em 1988-
-1989...), etc. Para alguns, pode-se falar de reconhecimento de identidades colectivas, da
inveno de novas formas de aco e de representao. o caso das coordenaes surgidas
em diversos destes conflitos e nomeadamente naquele, emblemtico, das enfermeiras
65
. O
(62) Cf. Bernard Hrault e Didier Lapeyronnie, Conflits et identit, em La nouvelle socit .
aise, A. Colin, 1998, p. 181-212. Penso que a frmula utilizada pelos no completamente Justa:
muitos conflitos, em Frana, desde h trinta anos para c, guardam uma dlmensao luta de ao
mesmo tempo que outros conflitos. Esta dimenso de oposio de classe assalariados aos dtrlgentes
simultaneamente mais defensiva e mais estritamente ligada ao econmiCO. , como anahs.ava Paul
Bouffartigue, ao mesmo tempo o fim da excepo francesa e a dos desafios poltIcos .. Cf.
Le brouillage des classes, in J.-P. Durand e F.X. Merrien (ed), Sortie de slec/e. La France en mutatlOTl,
Paris, Vigot, 1990, p. 96-130. . .
(63) Cf. a entrevista de Renaud Sainsaulieu com Guy Jobert, I:identit et les relatIons de travai I,
ducation permanente, nmero especial Formation et dynamiques identitaires, 128, 1996-3, p. 189.
(64) Cf. Hrault e Lapeyronnie, obra citada, p. 182. .' .
(65) Cf. Daniele Kergoat, Franoise Imbert, Hlene Le Doar, Daniele SnotIer, Les mfe:mieres et leur
coordination, Lamarre, 1989. Neste livro, as autoras tentam construir a figura do
como nova forma de identidade colectiva em construo, diferente daquela do mlhtante ao
mesmo tempo pela tomada de conscincia da dimenso sexuada e pela exigncia de democracia directa
ligada aco.
Acrise das identidades
Estado o destinatrio principal, mas no exclusivo, destes conflitos Que no se apresentam
certamente como luta de classes, mas Que afirmam a existncia colectiva dum grupo pro-
fissional, dum colectivo de assalariados, incluindo a sua dimenso sexuada, duma profisso
em luta contra um sistema administrativo, burocrtico, poltico Que ignora os seus verda-
deiros problemas, as suas reivindicaes salariais, mas Que ignora tambm o seu verdadeiro
papel econmico e social. As enfermeiras no Querem simplesmente inscrever-se no sala-
riado, elas tambm Querem inventar novas formas de expresso colectiva.
Em seguida, o perodo marcado por diversas greves de estudantes do ensino superior
e secundrio, conflitos educativos Que j no tm o carcter revolucionrio, at
mesmo insurreccional do Maio de 68, mas Que podem comportar aspectos inditos de
protesto moral (final de 1986 contra o projecto DevaQuet depois do assassinato de Malik
Oussekine)66. Mas os seus objectivos essenciais so a oposio seleco e a reclamao de
meios, inclusive para lutar contra o insucesso escolar (cf. a longa greve dos professores de
Seine-Saint-Denis em Maro-Abril de 1998 ou dos estudantes do liceu em 1999). Estes
conflitos mostram at Que ponto o sistema educativo se tornou estratgico e o desafio do
sucesso escolar decisivo (as exigncias recaem cada vez mais sobre os mtodos de ensino
os locais, as ajudas para o sucesso escolar... ) no s para a integrao social mas
para a construo identitria individuaL
O perodo est tambm repleto de conflitos orientados para a defesa dos empregos a
mobil izao contra a onda de despedimentos, contra o fecho da fbricas, de luga:es
(mineiros, siderurgistas, assalariados de Vilvoorde ou de Michelin...). preciso reconhec-
-lo: muito poucos destes movimentos atingiram os seus objectivos. Na esmagadora maio-
ria dos casos ocorreu a supresso de empregos, o fecho das fbricas e, s vezes, graas a
um plano social - at mesmo ao nvel dum grupo inteiro (cf. a Conveno geral da pro-
teco social da siderurgia) -, uma fraco dos assalariados reconverteu-se, enquanto
outra acedia pr-reforma e uma outra caa no desemprego. Todos estes movimentos ilus-
traram at Que ponto o escoamento foi mal feito na sociedade francesa onde as regula-
es so fracas e onde as estruturas preventivas de formao, reconverso, mobilidade so
muitas vezes ou inexistentes ou ineficazes...
Finalmente, dois conflitos recentes escapam s categorias precedentes. Agrande greve
de Dezembro de 1995 foi desencadeada pelo Questionamento dos regimes especiais de
reforma, nomeadamente o dos ferrovirios. Ela susteve-se em crenas exacerbadas de
Questionamento dos servios pblicos, do estatuto das empresas nacionais, de meios atri-
budos e da perenidade dos regimes de reforma. Primeiro, aquilo Que estava em causa no
era s um reflexo corporativista de defesa era tambm e, sobretudo, a afirmao da legiti-
-- ----------.------- ------ -------- ---- -- --- -- ----- - --------
(66) N.T.: A 5 de Dezembro de 1986, na sequncia das manifestaes de estudantes contra a lei
Devaquet que pretendia instaurar um regime de seleco de entrada nas universidades Malik Oussekine
um de argelina brutalmente assassinado pela polcia. No dia o
ensino supenor Alam Oevaquet demite-se e, um pouco por toda a Frana, os estudantes saem rua
Impunhando cartazes: Eles mataram Malik.
(67) Cf. o nmero especial da revista Sociologie du travai! dedicado s grandes greves de Oe2:emlbrfj, de
1995.
(68) Cf. Didier Oemaziere e Maria Trsa Pignoni, Chmeurs: du silerlce la rvolte, Hachette,
(69) Cf. Emmanuelle Reynaud, <<Identit collective et changement SOCial: les cu!tures collectlves
comme dynamique d'action, Sociologie du travai!, 2/1992, p. 159-177. Aresposta dada por
Reynaud parece-me diferente da de Segrestin: primeiro, porque quase seus exemp!os de
mentos de mulheres que ligam, como as enfermeiras coordenadas, a dmamlca de
(ef. cap. 1) constituio de identidades de situao, ist? provisrias tIpO so.cletno
(Gesellschaft) e no comunitrias (Gemeinschaft), em segUIda porque estas Identidades sao
turas da aco, lugares de elaborao de trocas sociais e no de defesa de prerrogativas (mascu!mas)
duma profisso...
implica sempre um custo elevado: na mesma dinmica, trata-se de modificar o seu sistema
normativo, de criar laos informais e de se comprometer pessoal e intensamente
numa empresa colectiva incerta que se refaz a partir do societrio e no do comunit-
rio 70. isto que a torna, ao mesmo tempo, improvvel e naturalmente inovadora.
Neste ltimo caso, qual o adversrio visado? Porque que ainda se trata (ou no) dum
conflito de classe? uma pergunta estratgica para compreender a crise das identidades
profissionais. Porque ela obriga a distinguir radicalmente duas formas identitrias con-
frontadas individualizao das situaes de emprego e de trabalho. Aprimeira, a identi-
dade categorial, aquela que est inscrita numa continuidade, numa forma histrica pre-
existente que lhe fornece a sua identificao principal (por outro). Ocolectivo preexiste e
preforma a individualizao. Esta constitui apenas a especificao duma forma de tipo
comllnitrio, ao mesmo tempo referencial e restritiva. A identidade colectiva no trabalho
, em primeiro lugar, defensiva, s vezes fusional (Sainsaulieu). Ela est merc dum
conflito perdido, duma separao mortal do grupo de pertena. Asegunda, a identidade
de rede, aquela que resulta duma ruptura, que implica uma identificao nova (para si),
que atravessa a provao da individualizao muitas vezes forada, que afronta a questo
da reconstruo duma forma societria, ao mesmo tempo voluntria e incerta. A identi-
dade colectiva no trabalho uma inovao, uma criao institucional (Sainsaulieu) que
implica um processo de elaborao, de <<negociao de regras e normas, de referncias
comuns. Este processo inclui necessariamente uma parte de conflito, mas tambm de coo-
perao, de avanos e recuos, de compromissos e riscos.
Estamos na interseco de dois paradigmas, de duas maneiras de pensar os laos entre
construo de individualidade e construo social. No primeiro, o social como relao de
classe, de explorao salarial, de dominao flagrante: os assalariados s podem construir
a sua identidade de dominados resistentes se se reunirem. O conflito - como conflito de
classe - uma confrontao que ou s pode reforar as identidades estabelecidas dos pro-
tagonistas ou faz eclodir a identidade colectiva do perdedor em indivduos abandona-
dos aos tormentos da desfiliao. Oconflito como momento e provao duma constru-
o o actor colectivo uma confrontao que pode permitir uma superao do isola-
mento inicial e constituir uma experincia decisiva no acesso a uma identidade nova, ao
mesmo tempo pessoal e societria. Aquilo que o exame retrospectivo parece mostrar cla-
ramente o declnio dos conflitos de primeiro tipo (que necessrio assimilar ao colapso
da adeso sindical, nomeadamente nos sindicatos de classe) e uma subida lenta, incerta,
s veZes pouco visvel, dos conflitos de segundo tip071. um elemento crucial daquilo a
que chamo a crise das identidades profissionais.
-----------.-------------------------------------------------------------------------------------1
(7( Segundo as definies ideal tpicas dadas na introduo, o societrio uma construo conti- I
gente, em situao, de laos voluntrios, muitas vezes provisrios e limitados a uma esfera da existncia.
Ele exige, por isso, uma mobilizao pessoal que no existe no comunitrio, I
(71) verdade que desde h muito os conflitos que se apresentavam como afrontamentos de classe,
no disc-urso dos seus lderes, constituam, de facto, confrontaes, jogos sem resultados, no seio dos I
I
CONCLUSO
,,' matria de emprego e de desemprego,
Nas experincias destes ultlmos tnnta anos, "s modelos culturais
I
- d t b Ih de movimentos soCiaiS, o
de actividades e de re e, ra a o, , _ de trabalho dos anos 1960 sofreram
detectados por Renaud nas orgdamzlaoes -s destas dinmicas aquando da inves-
- ' 'f' t' 72 Eu tmha detecta o a guma ,
evoluoes slgm Ica Ivas , I . dos das grandes empresas pn-
'd 1986 1989 com base nos assa ana
tigao colectIVa os anos - '73 N ' t'gao-es nos anos 1990, trouxeram
f
- 'vadoras ovas mves I ,
vadas face a ormaoes mo . , t ecedentes defender a tese duma
novOS elementos que permitem, com base sm pr ,
crise das formas reforma e que caracterizava,
Aquilo a que Sainsauheu tmha chama o a I en I 'marginaliza-
no fim dos anos 1980, os discursos dos assalariadods, evoluiu
, , ' o servio e que se IZla
dos, penfencos na ou n I 't t arcadas pela excluso do trabalho, a
em direco a modahdades novas
i4
comp e e Esta forma identitria foi cons-
provao do desemprego total ou a orm . t balho situando-a fora do
truda atravs de actos de atribuio, de nnocerranidos esta provao
t
' ' C mo que os assa ana os co
modelo de compe enCIa. o, , _. o? Esta rimeira forma de crise
identitria terrvel que constitUi a exclusaoE1do emPb:e
g
'ma reiaa-o de exterioridade em
, ,,' d' 'd is terrvel a com ma u
identltana e, sem UVI a, a ma., . t I trabalho que torna delicada a recon-
relao ao emprego e uma relaao I.nstlfum
f
en, ai' ao sobretudo para os homens, Aquilo a
- t "mpartlcu ar aml lares,
versao nos ou ros papeiS, e , " . sclarece em nada os processos
que, s vezes, se chama o SI :0 as esferas de existncia,
sociais e psquicos da margmahzaao que lca ,
. d ' V lt s a ela no ultimo capitulo.
incluindo a da Clda ama., o modelo fusional, com base em
Aquilo a que Sainsauheu com a tificao dos operrios ao seu lder
observaes directas de sociais a \ sobre o eu, tnhamo-lo
implicava uma forma de nos que pnmava a so u
, 'd -t 'o eram importantes e cuja soluo podia ,
quais os desafios de reconheCimento I entl n . ' I' gicas salariais de reconhecimento Iden-
mesmo tempo a lgica de gesto de sucesso e dans I'entreprise: symbolique
titrio. Um exemplo disso dado pO,r e, de sociologie XXXVIII-4, 1997, p, 791-822,
de
I'honneur et recompositions identltalres, Revue lln
alSe
S
' I' e p' Uhalde Les mondes sociaux
, d R F rt F. Osty R a\fisau leu, ,
(72) O ltimo livro colectivo e , ranc o "'d' 'd' I I'mento durante os anos 1990, duma
- l d B r 1997 \fi lca o esenvo v, , -
de /'entreprise, Pans, Desc e e rouwe, : d d f siva especialmente face s privatlzaoes
cultura de servio pblico que sobretudo e bem se trata dum modelo
e ao desenvolvimento das formas de precanzaao, m a nao se
novo ou da reactivao do modelo , 't d 201-252 e o ltimo captulo de Sociologie
(73) Cf. a ltima parte de La soczailsatlOn, obra CI a a, p, ,
des professions, obra citada, p, 225-259, P ris Gallimard 1994 (l," ed., 1981), Nesta
(74) Cf, Dominique Schnapper, L'preuve du chomage
b
a d' semprego os desempregados e encon-
nova edio, o autor faz o balano dos trabalhos s: od: do trabalho na sociedade francesa dos
tra uma confirmao para a tese de manutenao a cen ra I a
anos 1980 e 1990,
Acrise das identidades profissionais
.. -.. _.._-_.. ..._.-,"",_." __ ),.I.Jl . _
..1
um bom exemplo. Trata-se duma forma identitria similar dos actores cujas caracters-
ticas e percursos
76
se conhecem melhor hoje em dia. Tendo em conta todas as anlises pre-
cedentes, pode-se dizer que hoje a nica forma identitria valorizada e protegida pela
crise? Ns retomaremos esta questo no ltimo captulo deste livro.
Eis uma segunda interpretao da crise das identidades, inteiramente complementar
da forma do captulo precedente. Todas as formas anteriores de identificao a colectivos
ou a papis estabelecidos tornaram-se problemticos. As identidades tayloriana, de of-
cio, de classe, de empresa, esto desvalorizadas, destabilizadas, em crise de no-reco-
nhecimento. Todos os <<ns anteriores, marcados pelo comunitrio e que tinham per-
mitido identificaes colectivas, modos de socializao do eu pela integrao definitiva
a estes colectivos so suspeitas, desvalorizadas, destruturadas. O ltimo grito do modelo
da competncia supe um indivduo racional e autnomo que gere a suas formaes e os
seus perodos de trabalho segundo uma lgica empresarial de maximizao de si77.
Esta forma muito individualista mas tambm muito incerta, esta identidade de
rede muito ligada sociedade em rede78 que se constri atravs da mundializao, pri-
meiro no trabalho e depois por todo o lado. Esta forma virada para a realizao de si, a
plenitude pessoal, num contexto de forte competio, coloca os indivduos na obrigao de
afrontar a incerteza e, cada vez com mais frequncia, a precaridade ao tentar dar-lhe um
sentido. Mas esta forma no estar, tambm ela, em crise permanente?
Se o resultado de trinta anos de crise do emprego, de transformao do trabalho no
sentido da responsabilidade individual, da valorizao da competncia pessoal e da
empregabilidade de cada um, foi fazer desta ltima forma identitria a nica desejvel
no futuro, a nica susceptvel de reconhecimento temporrio, a nica a propor nova
gerao, ento entrmos numa crise identitria permanente
79
. Dever, cada um, no futuro,
(76) Cf. as duas obras publicadas no mesmo ano sobre os actores: Catherine Paradeise, Les
Paris, PUF, 1997, e Pierre-Michel Menger, La profession de comdien, Paris, Ministere de la Culture, 1997.
Nesta ltima obra, o autor revela as noes de self-marketing permanent (autopromoo permanente)
e de autoproduction (et mise en scene) de soi', [autoproduo (e encenao) de si prprio] que, alia-
das constatao do carcter decisivo das redes pode levar a considerar estes actores (e sem dvida os
outros artistas) como representantes eminentes desta nova forma identitria que marcada por crises
recorrentes (perodos de desemprego, inseguranas, falhanos...).
(77) Sobre este modelo ultraliberal, vulgo a empresa de si prprio, d. Bob Audrey, Le travail apres
la crise. Ce que chacun doit savoir pour gagner sa vie au XIX siec/e, Paris, Interditions, 1994.
(78) EmLa Socit en rseau, Manuel Castells afirma: Nunca o trabalho foi to essencial ao processo de
criao mas nunca os trabalhadores foram to vulnerveis face organizao, indivduos isolados no seio
duma rede flexvel que nem sabe sequer exactamente onde se situa (p. 322). No se pode ser mais claro, a
forma identitria assimvisada, esta identidade de rede produzida pela - e produtora da - sociedade de rede"
est bem implantada no trabalho mas continua to incerta e mvel quanto a evoluo do prprio trabalho.
(79) Uma hiptese mais congruente em relao do captulo precedente, consistiria .em pensar que a
diferena entre o questionamento dos papis profissionais (e das categorias de emprego), pela extenso do
modelo da competncia e da emergncia de novos projectos de carreira tornada mais difcil pelas incerte-
zas dos mercados, vai ter tendncia para se reduzir e que as identidades de rede se vo desenvolver graas
antecipao de novas carreiras ligadas a novas redes de emprego...
I
I
I
J
I
rebaptizado de identidade categorial para designar a
fiando da gesto participativa e das I'nova- d f daqueles que, descon-
oes a ormaao adoptav d . .
dependente, nostlgicas das proteces de d f' e
tIdades de ofcio, sob as palavras duras da racio . _ o ICIO. sta cnse das Iden-
tria do capitalismo desde h mal's de d' ,naI IIzaao, contmua a reproduzir-se na his-
, ' OIS secu os sob formas d . ,
la se viu em que que ela difere das crises rec d 't ca a vez mais especificas.
timento de bloqueio Se ela no des b p e en es.e como ela toma a forma dum sen-
. em oca necessanamente n I - d
supe, com frequncia, alternativas dolorosas entre re _ exc usao o emprego,
em empregos muitas vezes desvalorizados. Esta crise e
da transmisso intergeracional no seio das c1as I na co oca tambem a questo
Aquilo a que Sainsaulieu chamava modelo oU
I
do mdio.
Pela minha parte, eu tinha proposto a expresso identi
rlO
co oca pro lemas diferentes.
lgica argumentativa dos assalariados muito implicad dade para designar a
que estavam espera de poder trocar esta contribui movaoes da sua empresa e
interna, fosse ela qual fosse. Esta forma identitria n o Importante. P?r promoo
de racionalizao dos anos 1990 EI ., _ o parece ter resistido as novas vagas
gesto Qbcecada com as representa _modelo de referncia para a nova
no representa um modelo atractl' e com a re uao das linhas hierrquicas. Ela j
vo para os quadros por s t b
desempregados que se consideram "t' eu urno a raos com os
malOn anamente como as I . d . ,
se enquadra na ltima verso do mod I dA' sa ana os Ela Ja no
externa voluntria e valoriza a d que a mobilidade
mtica e mal elucidada: como ue se I a .e. por ISSO ela a ser proble-
os antigos percursos de ascenso
q
reconversao de SI que vai substituindo
a. orno e que se pode pro' ta f
a empresa com a qual nos tnhamos identificad d r um uturo quando
nativa a esta identificao interna d _ o do honzonte? Qual a alter-
Sobra o ltimo modelo ? nao um outro modelo de colectivo?
dade e ao qual eu tinha pela expresso modelo de afini-
. .. ma o pnmelro <<Identidade in t d . . .
mdwldualista para propor por fi' t '-1' cer a e epOIS Identidade
. . m o ermo luenltdade de red E ta .
mduzlda, quase exclusivamente I' . e. s lorma tmha sido
qualificados e que imaginavam 'uPm
e
os dos Jovens licenciados que se sentiam des-
a mo I I a e externa na d
Ela s remetia para tipos de colectl"t . empresa on e trabalhavam.
vo mUI o personalIzados 'tas 'f
trados sobre relaes afectivas em red EI ' . ' mUI vezes e emeros, cen-
. , e. a era a UnIca a ser org . d
clpao dum percurso de mobilidades v I t. amza a em torno da ante-
Era o nico caso onde a noo de os riscos previsveis.
camente negativa podia adqul'rl'r u t : utilIzada ate aquI de maneira quase uni-
'. ' ma cono aao positiva' ,. d
IdentIficante 75 isto uma cond ta d I _. . uma especle e precaridade
vs de mas u
d
e exp Incessante dum meio profissional, atra-
ca a vez mais ennquecedoras. Avida de artista disso
-.---
. (75) Encontrei esta expresso num relatrio de __._-----------_._-------.._----
hvo aos jovens em insero na regio do Pas do Anne-Chantal Dubernet rela-
questions, CEHEQ, (Centre d'tudes et des rech cf. o, Les contrats prcaires en
erc es sur es quahflcatlOns) 1996, policopiado.
1
:1
i
I
Religio, poltica e crise das identidades
simblicas
vender-se, por uns tempos, a ulll empregador ou tentar .
empresa incerta? O estatuto da Funo Pblic 'Ir b I a sua sorte na cnao duma
acabar por ceder s palavras duras da a" u. Imo a uarte da estabilidade da vida,
necessana concorrA . d
de nivelamento das condies de emprego d encla a empresa de servio,
, as novas normas eur' fi I
do processo de racionalizao capitalista? Ser ue cd' e, ma mente,
mente de actividade, de emprego, de d: r
a
de nos mudar regular-
ento a nossa identidade profissional part . ' ede. Em que e que se transformar
pessoal? Tornar-se- para a mal'orl'a 'uma h
e
.m
t
menos central da nossa identidade
, ,ISona Imprevisv I' rt
Ser ela, para eles, uma srie indefinid d . e, mce a, em
IdentIdade de crise assim como uma'd t'd da. e cnses a ultrapassar, a genr? Uma
, I en I a e em cnse?
Amar e ter uma famlia, trabalhar e ter um emprego constituem doravante as
preocupaes principais, para no dizer exclusivas, dos nossos contemporneos1. Ser isto
suficiente para definir a sua identidade? Certamente que no. Se a identidade, no sentido
jurdico, antes de mais um apelido (mas tambm pelo menos um nome prprio) herdado
duma linhagem (de facto, duas... ), se por vezes uma categoria socioprofissional (nomea-
damente, um estatuto de emprego), tambm uma nacionalidade. Nos bilhetes de iden-
tidade, variveis consoante os Estados, pode-se obter diversas informaes (data e lugar
de nascimento, morada, cor dos olhos, sinais particulares... ) mas sempre exigido ins-
crever dois elementos-chave: o nome e a nacionalidade. Chamo-me X... e sou francs. A
nacionalidade est no seio da identidade jurdica como o nome est no princpio da iden-
tidade pessoal.
Nas sociedades democrticas, quem diz nacionalidade implica a cidadania. O direito ao
voto o de participar na soberania da nao que, em troca da pertena, confere o estatuto
de cidado. Votar exprimir uma preferncia por candidatos, partidos, programas. O plu-
(1) Fao aluso a um inqurito por questionrios compostos por uma questo aberta que perguntava a
estudantes do primeiro ciclo de cincias sociais (Sociologia e Administrao econmica e social), em 1997-
-1998, o que significava para eles a expresso: ter uma vida bem sucedida. Aimensa maioria de 300 inqui-
ridos s abordaram dois temas: o emprego <ter um emprego bem pago, que me agrade, estvel...) e a fam-
lia <ter uma famlia que me ame e que eu ame...). As palavras que remetem para o universo religioso, pol-
tico ou um outro domnio simblico so quase inexistentes (com a nfima excepo de duas raparigas de
origem argelina). Para mim, foi perturbador constatar que os resultados duma anlise lxicogrfica chella-
vam a resultados muito prximos daqueles obtidos por Christian Baudelot junto dos alunos do LEP (Lyce
d'enseignement professionnel): domnio do verbo avoir (ter) (um emprego, uma famlia, uma bela
casa...), sobretudo nos rapazes, seguido do verbo faire <fazeT) (<<qualquer coisa que me agrade...) e do
verbo tre (ser/estar) (estar bem no meu trabalho, estar bem comigo prprio...), sobretudo nas raparigas.
Avarivel origem social no parece ser muito discriminatria (as origens sociais dos estudantes do pri-
meiro ciclo sendo diferentes daquelas dos alunos do LEP); d. Christian Baudelot, Russir sa vie, in Les
leves de LEP, une population diversilie, Universit de Nantes, policopiado, 1987.
ralismo das posies polticas implica escolhas, posies motivadas simbolicamente. Ter
uma nacionalidade no se resume s ao benefcio de direitos (nomeadamente sociais),
tambm um dever exprimir as preferncias pelo voto democrtico, isto , so escolhas
motivadas por valores, por crenas. So eles que definem as identidades simblicas.
Este captulo aborda aquilo a que outrora se chamou as ideologias
2
Neste domnio, em
Frana, o que que mudou desde h trinta anos a esta parte? Em que que se pode falar
de crise de ideologias (no sentido de sistemas de representaes do mundo), ou de iden-
tidades simblicas (no sentido de convies em matria religiosa ou poltica)? Para res-
ponde r a estas questes, interrogarei as cincias sociais: as investigaes, as snteses, as
interpretaes recentes. Mas tentarei tambm comprovar o esquema terico construdo
no primeiro captulo. Primeiro, abordarei as evolues da ligao religio e, mais geral-
mente, s crenas e prticas religiosas. Depois, tentarei reconstituir as dinmicas do
campo poltico, as transformaes da ligao poltica. Finalmente, examinarei a tese da
crise das identidades simblicas, em estreita relao com a questo das representaes3,
no s cognitivas mas tambm polticas, no s ideolgicas mas tambm pessoais.
o PROCESSO DE PRIVATIZAO DO RELIGIOSO: DESINSTITUCIONALIZAO?
Em trinta anos, a paisagem religiosa da Frana mudou profundamente. Esta cons-
tatao de Jean-Marie Dongani
4
apoia-se, em primeiro lugar, sobre uma srie de indica-
dores tornados clssicos em matria de sociologia das religies. Em primeiro, aqueles que
dizem respeito prtica religiosa. No incio dos anos 1950, aquando dos primeiros inqu-
ritos nacionais, os praticantes regulares, aqueles que declaravam ir missa todos
domingos, representavam perto de 40% dos franceses com mais de 15 anos, 28% de
homens e 49% de mulheres. Em meados dos anos 1990, nmeros comparveis desembo-
cam numa taxa de 9 a 10% (5% de homens e 18% de mulheres). O decrscimo mais ou
menos regular ao longo do perodo, com uma acelerao a meio dos anos 1960. A curva
da prti ca dominical dos jovens com menos de 25 anos particularmente interessante:
ela cresce at ao incio dos anos 1960 (33% em 1962) para diminuir fortemente em
seguida (20% em 1966) e diminuir regularmente at atingir uma taxa prxima de zero
(2) Em Frana, o termo ideologia" parece estar a cair em declnio na literatura sociolgica ao longo
da segunda metade da dcada de 80, quando j esteve muito presente nos trabalhos dos socilogos (alguns
nos 1960 e 1970. Alis, a prpria definio da palavra coloca um problema: segundo a posi-
ao epistemolgica dos autores, ela designa ou um conjunto de ideias falsas ou uma viso do mundo
um sistema simblico em geral; cf. Raymond Boudon, L'idologie des ides reues, Paris, Fayard, 1986.'
(3) Utizarei o termo representao em trs significados diferentes distinguidos pela grafia: as
representaes do mundo no sentido das ideologias, as representaes de si, no sentido da encenao
teatral e a representao politica no sentido de delegao de poder
(4) Ci. Jean-Marie Dongani, Idologies, valeurs, cultures, em Olivier Galland e Yannick Lemel (ed.)
La tlouvelle socit tranaise, Paris, A. Coln, 1998, p. 213-244. '
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11
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(2% em 1994)5. Pode-se falar dum decrscimo vertiginoso da prtica religiosa, sobretudo
nos jovens. .
Analisando de forma muito rigorosa a composio dos efeitos de idade, de gerao e de
perodo e apoiando-se em dados de outros pases, Yves Lambert
6
conclui que h um efeito
de perodo que domina de forma massiva. Sem dvida, a baixa da prtica religiosa afecta
mais os que tm menos de 45 anos, mas no atinge os mais velhos. Esta baixa sensvel
por todo 9 lado na Europa e em todas as geraes. Mas, existe ainda por todo o lado gran-
des intervalos entre a prtica dos mais velhos (geraes nascidas antes de 1914) e a dos
mais jovens (geraes nascidas depois dos anos 1950). Em Itlia ou em Espanha, passa-se
dos 70% ou 75% de praticantes nos mais velhos a 25% ou 30% nos mais jovens. Em
Frana, no incio dos anos 1990, os nmeros correspondentes eram de 25% (gerao antes
de 1914) a 8% (gerao depois dos anos 1950).
Se se olhar para as declaraes de pertena, as evolues so menos espectaculares: em
Frana, em 1993, 79% dos inquiridos assumiam-se catlicos mas 51% <<no praticantes.
Em 1974 as taxas eram de 86,5% e de 47,5%. Aqueles que assumiam no ter religio
passam, ao longo deste perodo, de 10% a 16%. Uma clara maioria de franceses interroga-
dos respondem catlicos s questes de pertena, qualquer que seja a sua formula0
7
Mas s uma minoria, cada vez mais dbil, se define como praticante regular. Constata-
-se, pois, uma distncia entre as declaraes de pertena (que continua a ser forte) e de
prtica (que se afunda) religiosas. Esta distncia, cada vez maior, coloca, segundo
Dongani, um problema de interpretao.
Para evoluir na interpretao, Jean-Marie Dongani procedeu a um inqurito atravs
de entrevistas cujos resultados so importantes. A sua tese a de que existe doravante
vrios lares de produo simblica que desenham identidades religiosas diferenciadas.
Ao explorar, atravs das suas entrevistas, os contedos subjectivos associados referncia
catlica, ele resgata seis modelos, dos quais trs dizem respeito aos que dizem colocar a
religio no centro da sua vida, e outros trs aos que consideram a religio como uma
referncia entre tantas outras. S um destes modelos, muito minoritrio, pode ser con-
siderado como tradicional, isto , que combina a prtica regular julgada obrigatria e
uma adeso doutrinal totalizante. Todos os inquiridos que no adoptam este modelo
(isto , a grande maioria) afirmam, duma maneira ou de outra, dar mais
sua conscincia do que s posies da igreja no que diz respeito s suas opes de Vida.
Ento, o religioso privatizou-se: a instituio perdeu a sua legitimidade.
(5) Em Frana, os inquritos sobre a prtica religiosa catlica que distingu.iam os pratican.tes .
res (missa todos os domingos), ocasionais (vrias vezes por ano) e os no foram
das, sob o impulso nomeadamente de Gabriel Le Bras, nos anos 1950, o que permite estabelecer senes de
longa durao. .
(6) Cf. Yves Lambert, ges, gnrations et christianisme en France et en Europe, Revue franalse
de sociologie, XXXIV-1993, p. 525-555.
(7) As respostas pergunta: Qual a sua religio? tambm podem ser comparadas em Frana, num
longo perodo. Entre 1954 e 1993, a resposta catlico passou de 93% a 79%;
Acrise das identidades
Este processo particularmente visvel no jovens, sobretudo quando se compara o seu
discurso com o dos mais velhos. A mudana no diz apenas respeito das normas morais
mas tambm das crenas especificamente religiosas. Por exemplo, os jovens (com
menos de 45 anos) que se definem como catlicos so praticamente os nicos a desenvol-
ver um modelo a que Dongani chama integralismo individualista. Eles definem a sua
religio como liberdade individual sob o signo do Evangelho e consideram-na como
estrangeira a toda a lgica institucional. o seu foro interior que soberano: o ensina-
mento da igreja j no tem efeito na sua identidade religiosa.
Dongani encontra num inqurito junto dos leitores do jornal Phosphore (maioritaria-
mente dos 12 aos 16 anos) uma confirmao desta privatizao das crenas. Dois teros dos
inquiridos responderam positivamente ao item: Que Jesus seja filho de Deus ou dum cam-
pons -me indiferente, o essencial aquilo que ele me traz. Mais de dois teros (68%) res-
ponderam No questo H alguma religio que lhe parea mais verdadeira do que
outra? questo: Como que considera a existncia de Deus? as respostas so as seguin-
tes: incontestvel (29%), provvel (32%), improvvel (17%), excluda (18%). Em 1996,
aquando duma sondagem com base numa pequena amostra de 16-25 anos, pela primeira
vez, segundo pareceS, a maioria de jovens responderam No (52%) pergunta: <<Acredita
em Deus?. Ao comparar vrias sondagens, encontra-se a mesma evoluo, qual se pode
chamar probabilismo: os contudos das crenas religiosas so, na melhor das hipteses,
provveis, isto , talvez verdadeiros. Por isso, acreditar uma escolha de cada um.
Destas sondagens, Dongani, retira uma concluso mais importante que expressa da
seguinte maneira: <<As crenas contemporneas no so nem polticas, nem religiosas, mas
sim privadas: a conscincia individual que tem de decidir o verdadeiro, o bom, o justO9.
Duas expresses so doravante utilizadas de forma corrente pelos socilogos para
designar este processo de privatizao das crenas e prticas religiosas: secularizao e
desinsti tucionalizao. A primeira antiga e consensual. Asegunda mais recente e mais
polmica. Asecularizao um processo histrico de longa durao que assiste retirada
das igrejas (protestantes em primeiro lugar, catlicas em seguida) de certas funes (edu-
cativas, sanitrias, animadoras, caritativas...) que so realizadas por organizaes no
confessionais e, em particular, pelo Estado. Em Frana, a lei de separao da Igreja e do
Estado de 1905 marca uma viragem no processo de secularizao. Ela faz-se acompanhar
duma consolidao da laicidade como valor republicano cardinal. Areligio torna-se juri-
dicamente um assunto privado, o que se faz acompanhar por um reconhecimento ofi-
-------------.-._------------------------------
(8) Segundo a SOFRES (Institut d'tudes de march et d'opinion international), que realizou a son-
dagem, era a primeira vez, em Frana, desde que a pergunta foi formulada desta forma que uma maioria
numa failCa etria (16-25 anos) respondia negativamente.
(9) Cf, Dongani, obra citada, p. 243. Os resultados completos da sua investigao encontram-se em
Jean-Mari e Dongani, La libert de choisir. Pluralisme religieux et pluralisme politique dans le catholi-
cisme (ranais contemporain, Paris, Presses de la FNSP (Fondation National des Sciences Politiques),
1993, .
h' t . dres chamam a querela escolar
cial do pluralismo religioso. Aquilo a que os poltica mais do que religiosa.
ainda no acabou n:'as numa alcance completamente diferente. Ela sig-
, ,A expresso instituies religiosas sobre a vida privada
mflca que para la da perda de mfl d )' onjunto das instituies (Igreja, Escola,
(incontestvel segundo todas as son e lc d scrdito e que assim a produo das
"E Famlia ) que atmgl o pe o e _ ,
ExerCito, mpresa, ;", b' ti idadelO Pode-se ligar facilmente esta noao a
normas passou para o dommlO su Jec, Vt't . o-es' proviria assim directamente do des-
. . d kh' 'iana' a cnse das ms I Ul ,
SOCIOlogia ur elmm . d s colectivas que tm uma raiz rele-
t
' mo do definhamento as crena
membramento, a e mes I 'm da socializao moral da nova
D kh' lao social aque e que prove
giosa. Para ur elm, o I - de regulaes eficazes (os corpos
gerao pela precedente, completada pe a. Socializao e regulao implicam
intermedirios e sobretudo os grupos colar e mantidas pelas instituies
I t
so inculcadas pe a ms I Ulao es ,
crenas co ec Ivas que , d de moderna orgnica e democra-
, " D kh' -o pode haver uma socle a ,
Jundlcas. Para ur elm: , "t ' - s fortes e legtimas, reconhecidas e con-
tica (a que eu chamo socletana) sem Para Durkheim, os valores republicanos
sensuais, que repousam sobre valores pa II a os. m a mesma funo: a integrao
substituram os valores religiosos, mas e es assegura I' democrtica O sagrado
d
'edade nao doravante alca e .
moral dos membros uma SOCI - "t' rizado tambm mais difuso, mas ele
d
t t t e de forma tornou-se mais m eno ,
mudou e es a u o " ' _ . I e a felicidade individual. Para ele, claro que
continua a ser necessano para a de integrao mais pertinente. Se ela se
a estrutura da nao que o sistema ele o sentido moral e logo a definio e a
desintegrar, se perder todo o e, ;, fa com o seu cortejo de conflitos
legitimidade das normas, entao e a anomia que nun
colectivos e de suicdios d s 1960-1990 marcada pelo declnio das
isto que acontece na SOCIedade os necessariamente. Colocaremos duas
prticas e pela privatiza.o defende ue se trata simplesmente duma
hipteses sucessivas. Apnmelra, a mal.s dPtlmlstal' _ d que faz do religioso um
(d I' aa-o uma espCIe e conc usao a
nova ,ase e secu anz, ,_, l't' 'cidadania e democracia que se
t
'vado por oposlao a po I Ica, a . )
assunto puramen e pn 't' (' vezes chamadas tnico-religIOsas
, ais das pertenas comum nas as 'd
separanam sempre m t t do pelas instituies reconheCI as.
para transformar as componentes dum espao es ru ura nidade de cidados12 deveria
, h' t verdadeira a nao como comu d
Se esta primeira Ip ese, ' , d' I g'f idade superior a todas as pertenas e
ter adquirido, durante o ultimo peno o, uma e I 1m
, D '1 M' rtucelli na obra Duns quelle
(lO) Este termo definido assim por FranOIs Dubet e am o a
vivons-nouS, Paris, Seuil, 1988, p, 169. 'fi do seu livro De la division du travail, L'
" I a concepa-o de anomia no 1m .' d '.
(
11) Durkhelm desenvo ve a su _ Le ".J 1,' ed. 1897 (a proPOSltO o SUlCI-
d d
' , - 'Ica do trabalho) e em sU/czue" I' , '
ed 1893 (a propsito a lVlsao anom _' m'la e' uma palavra to po Issemlca
" kh' " da noao de Crise, a ano d
dio anmico). Equivalente dur elmlmano" _ d a posteridade, ler Philippe Besnar ,
como a palavra crise. Para um exame CritIco a su
. 'd' t' Paris PUF SoclOlogles, . .J t" Par'ls
L'anomie, hzstarre une no IOn, " . ' s Sur l'ide modeme ue na IOn, '
(12) Cf. Dominique Schnapper, La communaute des cztogen '
1118
.--_ .. "
: .-i
tipo tnico, a todas as minorias culturais ou aquilo a ue aI ' ,
novas comunidades emocionais13 A hl'p 't t" q , soclOlogos chamam as
. o ese op Imlsta ImplIca qu 'r-
crenas no significa a perda de legitimidade das institui _ , , e a pr:va Izaao das
poltica permanea um domnio de idenffi _. oes polItIcas. Ela supoe que a esfera
aquilo a que Tocqueville chamava as qsue o debate pblico e
IcaS. era rea mente o caso?
CRISE DE FRONTEIRAS, DE REFERNCIAS E CLIVAGENS POLfTICAS
. No mesmo artigo de sntese, Jean-Marie Dongani (1998) ,
tJca francesa do fim dos anos 1990 c d f d comparava a paisagem pol-
era sensivelmente diferente Segu:C::1 o 1960 para constatar que ela s
. e, a VI a po ItJca tinha sofrido d
que as crenas e as prticas religiosas: parecia-lhe ,menos mu anas
nuidade no domnio poltico que no d " I' ,que era posslVel encontrar mais conti-
- ommlO re IglOso Assim o' tI'
nao mudou muito em quarenta anos d I't d f " , m eresse pe a poltica
, t e e el ora o rances' em 1958 9% d ' "d
m eressavam-se muito pela poltica 42% . . ,osmqulfI os
, e mUito pouco ou nada . 1997 '
melros representavam 11% e os segundo 52% S d , em , os pn-
muito estveis durante todo o perl'od s . egun o o autor, as taxas continuavam
o, mesmo se a questo r d I
no se pode interpretar de maneira precisa o resultado
14
. con mua e ta orma vaga que
De facto, a palavra poltica urna das mais or ' , .
ciona raramente sozinha nas c _ P Issemlcas que eXIste. Alis, ela fun-
, onservaoes correntes Ela precisa d d' t'
tIca, partidria pblica local d"t' " e a Jec IVOS (<<pol-
, 'f' ' ,, me la Ica etc) para que se p b
slgm Icado exacto, Por isso, a noo de intere ' I ',. ossa perce er o seu
conotaes da palavra poltica e talvez pOlItca de.pende integralmente das
cutor. Pode-se muito bem Ih ,apa avra mteresse para o interlo-
, , uma seme ana na estrutura d tas '
slgmficados da palavra poltica evoluiram muito' respos J que os
basta que por detrs da noo de' t ' mas e a palavra mteresse que conta:
. - ' m eresse, se escondam por exempl ta -
tmao s.ocial ou cultural. Dizer-se interessado seria assim m . cono de dis-
ral maIs elevado do que a massa de gente _. ams es ar um mvel cultu-
ressasse. sua maneira, pela vida pblica? que nao se mteressa. Ese toda a gente se inte-
Da mesma forma, aquilo a que os politlogo h .
poltica parece ter variado pouco e conf s amam o de competncia
poltica. Entre 1966 e 1995 as respostas correlaCIOnado com o interesse pela
( , ,quem lcam um sentimento de - , .
e um assunto de especialistas) oscilam entre os 28% e 25%, <<nao
, pouco competente e esco-
1994. O -- -- - - -, - -- -------- .-
hvro: de fado, a nao democrtica (e no tnic r sentido diferente daquele utilizado neste
construo societria que deriva da adeso pode ser considerada como uma
bros duma comunidade). a os CI a aos (e nao da afihao automtica de mem-
g- La pour mmoire, Paris, Cerf, 1994,
. ean-Mane Dongam, obra citada, p. 214.
Ihido por uma parte dos inquiridos; os competentes oscilam entre os 19% e 22%. Onvel
de estudos e a posio socioprofissional explica a parte mais forte da variante de respostas.
Mas o que que quer dizer sentir-se competente? 1mbm aqui as estratgias de distin-
o podem desenvolver-se sem que o significado da palavra poltica seja concernido. Que
a poltica aparea para muitos eleitores como umassunto de profissionais no novo. Que
este dado implique comportamentos de absteno eleitoral, de voto de protesto ou de fideli-
dade cega a um partido ou a um lder depende da conjuntura e implica definies diferentes
da poltica. E se toda a gente mostrasse, ao seu nvel, competncia, na vida pblica?
Em Frana, desde h trinta anos para c, em matria de voto poltico, o que parece ter
mudado a relao dos eleitores com a clivagem esquerda/direita e esta mudana con-
cerne a segunda metade do perodo (1984-1999). De facto, em Maro de 1981,43% dos
sondados respondiam Sim e 33% respondiam No pergunta: Na sua opinio, as noes
de direita e de esquerda continuam a ser vlidas?; em Julho de 1996, as taxas eram res-
pectivamente de 32% e de 62%. Pascal Perrineau
15
retira a seguinte lio: Em quinze
anos, um sistema de referncias polticas desabou, em Frana. Como que ele explica
este facto? Primeiro, pela perda de influncia, seno mesmo de pertinncia, das fortes
identidades colectivas, sociais e territoriais e, antes demais, das identidades de classe: em
Maro de 1978, '75% dos operrios tinham votado na esquerda e 66% dos patres e do
comrcio tinham votado na direita. Nas legislativas de 1997, 51%dos operrios votaram
na esquerda plura!, mas tambm 54% das profisses intermedirias. Entre 1978 e
1998, estas estruturas significativas que faziam coincidir esquerda e classe operria por
um lado, direita e burguesia por outro dilaceraram-se, e at se desmoronaram.
Uma outra explicao completa a precedente: uma nova clivagem poltica tinha emer-
gido durante a presidncia de Franois Mitterrand. Apropsito da Europa, os resultados
do referendo de Maastricht coloc-lo-iam claramente em evidncia. O Sim conquistou os
Franceses mais favorecidos (71% de licenciados no ensino superior), os mais ao centro
(76% de simpatizantes do PS e 59% da UDF), os mais urbanos (57% de habitantes das capi-
tais de provncia), os mais progressistas (69% dos partidrios da abolio da pena de
morte). As regies ditas sociais-crists (66% na Alscia, 60% na Bretanha) contrastam
com as regies ditas nacionais-laicas (43% na Picardia e 46% no Limosino). As regies
mais ricas com os mais pobres
l6
. Mas o que significa ao certo esta nova clivagem? Ares-
posta de Pascal Perrineau a seguinte: Assim, a desfiliao no que diz respeito aos grupos
de pertena (famlias, classes, culturas locais... ), a individualizao das crenas, a mobili-
dade e a diversificao tnica e cultural geraram uma nova clivagem poltica, social e cul-
tural entre os partidrios duma sociedade aberta e os duma sociedade fechada17. O
que significa esta oposio?
La
Paris, Calmann-Lvy, 1998, p. 289-300.
(16) Ibid., p, 293.
(17) Pascal Perrineau, obra citada, p, 294,
crise das
Vrias interpretaes so possveis Em ' ,
d d b
. pnmelro uma de ordem " .
a e a erta seria mais liberal m . t I' ' economlca. ASOCle-
f
' aIs lavor ve a abertura d f t'
echada mais proteccionista Em g 'd as ron eIras e a sociedade
, . . se UI a, uma de ordem T' '
sena maIs permissiva menos auto 't' " '. e Ica. a sociedade aberta
, nana, maIs tolerante t' . d
a sociedade fechada. Finalment d em ma ena e costumes do que
mais favorvel s influncias exterl.
e
, uma or em de cultural: a sociedade aberta seria
d
ores, eventualmente mais ab t '" - .
ade fechada mais nacional e cont " "_ er a a Imlgraao, a Socle-
- - rana a Imlgraao Mas t d' ,
nao estao necessariamente correI . d ,esas Iversas dimenses
aClOna as entre elas e as t d d . -
numa como noutra, dificilmente so " . _ orna as e poslao, tanto
exprimeml8. separavels das POsloes sociais daqueles que as
No entanto, parece estabelecido que para alm da I' .
esquerda no terreno econmico (Iiberalism / . r c Ivagem antIga que ope direita e
anos 1980, qual tienne Schweisguth h o Ismo), uma outra aparece ao longo dos
rismo, Ele est muito desligado d s ,c_ama cultural e que ele ope ao rigo-
econmico. Assim cada vez m P?s,loles que dizem respeito ao liberalismo
, aIs VlSlve a Istin d d
duas direitas: a esquerda do I'b I' o e uas esquerdas como alis de
I era Ismo cultural conc ' ,
tem.a mesma posio, os eleitores mais di lo erne, como a dIreIta que tambm
partIlhando as mesmas formas de vida ,P pelo desemprego,
Maastricht. A esquerda do rigorl'sm prlltvada
j
, Sao, malOn,tanamente, os partidrios de
d
o cu ura como adlr't (
ente, atrai os eleitores menos dI'pi d ' ' el a e extrema) correspon-
orna os maIs ameaados I d
rados aos laos comunitrios So m' pe o esemprego e mais agar-
Esta segunda clivagem par'ecI'a'l alOn tnamente, os adversrios de Maastricht
l9
.
, evar van agem sobre a ' , As'
Pernneau, desenvolveu-se em Fra I pnmelra. SIm, segundo Pascal
antiautoritrios que valorl:zam a ant
a
, ao ,ongo dos anos 1980, um sistema de valores
u onomla e a real'z - 'd"d '
cada um a livre escolha do seu modo d ' I aao 10 IVI ualS, reconhecendo a
intrnseco de todo o ser human le vida, fundado Com base no princpio do igual valor
o, qua quer que seja o seu ' ,_
ou escalo social2o Aluta cont' sexo, a sua rehglao, a sua raa
. ra o racismo e a xenof, b' "
tema, amplificou-se ao longo dos an 1990 o I,a, que esta no selO deste novo sis-
sociedade francesa e dos votos a t oSd F ,para contra a subida do racismo na
____o '_'. avor a ront NatlOnal
21
. Perrineau une esta luta anti-
-----_ _ __..__.._ _-_..__._.._-"--
(I8) Mesmo que a anlise causal ponha' , ..-..-.-.-..-----..--..--- - -
dum factor nico de princpio de correlaes fracas, parece-me difcil defender a
nores em termos de classe e de religio no Em lugar, as explicaes ante-
anos 1970-1980 puseram em evidncia as co I" o aa sua pertinnCIa: as anlises clssicas dos
tena no operria), o voto esquerda e a aoes o voto direita e a prtica religiosa (e a per-
ainda que tenham a ausncia de religio), Estas correlaes
nao sao os operrios mas os funcionrios' mas a 'I dUVIda, aqueles que votam mais esquerda j
ser elevada. Sobre as interpreta :s d corre entre prtica religiosa e voto direita conti-
re/zglOn et comportement politique p estas correlaoes, cf, Guy Michelat e Michel Simon Classe
(I9) Cf. tienne Schweitzguth' de la FNSP e ditions Sociales, 1977. ' ,
L' , La lal Issement d r d'
politique, Paris, Presses de la FNSP 1988 u c
2
1v
l
a
g
e rOlte-gauche, em P, Perrineau (Ed,),
(20) lbid., p, 297. ' , p. 5-237,
(21) Cf. Michel W' k La '
lewor a, France raclste, Paris, Seuil, 1992,
-racista a uma atitude geral de diferenciao em relao ao out-group... isto , de relao
com o outro22. Segundo ele, nisto que reside a noo de abertura. Em relao aos
jovens, ele relaciona-a com a subida da reivindicao da realizao pessoal, da autonomia
e da recusa das crenas transmitidas de forma autoritria. Para alguns deles, j no a sua
identidade cultural herdada que guiaria assim a sua escolha poltica, mas a sua atitude de
abertura em relao aos outros (e em primeiro aos estrangeiros). A recusa da extrema
direita em nome dos valores da solidariedade, da fraternidade e da abertura cimentaria,
assim, pelo menos uma parte da juventude (mas tambm dos menos jovens) para l das
pertenas sociais, religiosas ou culturais.
Segundo ele, esta nova situao pe em questo o antigo princpio da unidade da
vida poltica: a nao. O seu apagamento relativo provocaria, assim, pelo menos poten-
cialmente, uma fragmentao de todas as grandes correntes ideolgicas do perodo prece-
dente. Ele poderia fazer surgir novos plos de identificao ainda desunidos. Estes resul-
taram, em parte, de novos movimentos sociais, culturais e polticos que emergiram nos
anos 1970, nomeadamente a ecologia e o movimento das mulheres. Estas ltimas, por
exemplo, recusam separar a poltica do pessoal, as escolhas eleitorais das atitudes quoti-
dianas. Elas recusam tambm reduzir as suas preferncias polticas ao realismo econ-
mico, a imperativos de gest0
23
. Entretanto, esta nova situao coloca a questo das refe-
rncias desta nova sensibilidade, mais juvenil e feminina, feita ao mesmo tempo de aber-
tura, intimidade e universalidade. Ser o mercado, como modelo global, de inspirao libe-
rai? Ou, ento, ser a Europa, como nova forma societria de cidadOS, um lugar perti-
nente de elaborao de polticas sociais? Ou, ento, ser toda a humanidade? Todas estas
referncias continuam muito incertas e bastante confusas.
INCMLIDADES, DELIQUNCIAS E CRISE DO LAO SOCIAL
Existe uma outra hiptese, mais pessimista, para explicar o declnio das crenas reli-
giosas e do desabamento das antigas referncias polticas. Aquilo a que certos socilogos
chamam a desinstitucionalizao muito mais do que uma confuso das referncias pol-
ticas e o desmembramento das referncias ideolgicas, Trata-se duma verdadeira crise do
lao social que se manifesta, em primeiro lugar, pela subida das incivilidades, dos actos de
delinquncia e do sentimento de insegurana. aquilo a que Sbastien Roch (1996) chama
a sociedade incivil e que ele define como rupturas da ordem em pblico, na vida de
todos os dias, daquilo a que as pessoas comuns consideram como sendo a lei. Ele cita,de
forma confusa, as degradaes, cheiros, barulhos, vidros partidos, indelicadezas, insultos,
actos de vandalismo, carteiras roubadas, carros queimados, resumindo, actos que mani-
(22) Cf. Perrineau, obra citada, p. 298,
(23) Cf. o trabalho de mestrado de Hlene Stevens, Les couples et la politique, Universit de Versailles-
-Saint-Quentin-en-Yvelines. Junho de 1997,
:1
festam uma verdadeira crise dos mecanismos sociais d .
prprio e do respeito mtuo uma crl'se do I . '1 aprendizagem do controlo de si
. ' ao CIVI .
Sem mais nem menos, tratar-se-ia duma re r - d . . .
que se manifestaria atravs de ausncias siste o de cIvIlizao (cap. 1)
soas. Ela constituiria uma ameaa g d mda Icas o .codlgo de relaes entre as pes-
, era ora um sentimento d .
para o prprio corpo, mas tambm ara '" e msegurana, para si,
Esta dimenso identitria de incl'vPI'II'd dO cdor
po
:oclal, a Identidade social dos indivduos25.
a e evena segundo R h' . ,.
sentimento de medo que exprime a I'mp 'b'l'd' d d . oc e, umr-se a mvaso dum
OSSI I I a e e viver )'unt d f"
tar os direitos. Em resumo um perl'g . I' os, e con lar, de respei-
. ,oSOCIa e um nsco pessoal .
pnas regras da vida societria lanando d"d b .. pona em causa as pr-
, a UVI a so re a posslblhdad d ti"
Todas as anlises das estatsticas de d I' A. ". e es e ao social.
d
e mquenCla, cnmmalIdade d I"t - d
acor o quando reconhecem que a s b'd d . d' . ' e lOS... estao e
u I a os 10 Icadores (mfraces" _,
pessoas e aos bens, queixas depostas) no d t d' ,. penais, agressoes as
dos anos 1950, e que ela no pode ser s. ai a a economlca (anos 1970), mas sim
Imp esmente Imputad' b'd d
causadas pela dificuldade de ganhar d' h . a a su I a as frustraes
10 elro Ocupar um lug . d d .
escala social26. Assim por exempl .' ar na SOCle a e, ou subir na
, 'o,o creSCImento dos delito t b .
Frana, entre 1961 e 1973 t . d s con ra ens registados em
. ' 101 maIor o que entre 1973 e 1993 AI"' , .
ser mterpretadas com prudncia )'a' I d' . Ias, as estatIshcas devem
, que e as ependem muito d - d " "
para fazer queixa. E sabido que em Fra f d' a propensao os mdlvlduos
tivamente bem aceites pela p;pulaa-o
na
, a tra,u. e fdlscal e os acidentes de carro so rela-
, ao con rano .o consumo d t t
roubos, que so muito menos bem ac't 27 S e es upe.aClentes e de
el es . e se constata b'd
roubos em meio sculo (5 milhes 1998 uma su I a espectacular de
. em , contra 760 000 em 1950) 't b'
a quantidade de bens em circulao aume t'd ,e am em porque
n ou consl eravelmente A b'd d .
contra os bens tanto pode ser ligada a' .' su I a as mfraces
intensidade da crise que os seguiu. o creSCimento excepcIOnal dos trinta gloriosos como
No obstante: as questes da inseg . d'
a 1995 com t dA, urana mva Iram a sociedade francesa' de 1980
_ ' o as as consequenClas que to bem se h . _ '
ao, apenas ao Estado-policiado, recessos individu r obsesso
es
pela protec-
dos votos da FN (Front National) e' . _ a IS s'. racIsmo e xenofobia, subida
1200 em 1998) E' . 'I _' dos bairros de risco (400 em 1972
. ImpOSSlve nao umr esta ,. d . . '
civil28 a pesadas evolues em I _, espeCte e crculo VICIOSO da sensibilidade
ser prudente e medir bem os aos valores e norma. Mas h que
a relao dos indivduos com as instit . _ s e processo que afecta, ao mesmo tempo,
de classe, nvel de estudos de lugar a dos diferentes grupos (etrios,
, resl enCIa entre eles. Embora estas questes
.......... _.. _ - '---..
g:: Roch, l socit
(26) lbid., p. 134.
(27) CC S. Roch, Dviances et dlits in O G II d
citada, p. 245-273. ' . a an e Y. Lemel (ed.) l nouvelle soict franaise, obra
(28) lbld., p. 249.
tenham muito a ver com uma crise das identidades, o seu significado particular que h
que tentar esclarecer.
Um primeiro dado, dos mais esclarecedores, parece-me ser Qseguinte: a relao com
s normas sociais e morais tornou-se muito diferente segundo as geraes. Assim, em
1993, quando se pergunta a uma pequena amostra de franceses de todas as idades se
grave roubar um pequeno comerciante, 80% dos que tm mais de 65 anos respondem
positivamente contra 36% dos 18 aos 24 anos; e se grave no pagar os transportes
pblicos? 62% dos com mais de 65 anos respondem positivamente contra 25% dos <<18
aos 24 anos, etc. Aidade uma varivel mais correlacionada com as opinies do que com
as normas. Stoetzel escrevia, em 1983, no seu comentrio a uma sondagem sobre os valo-
res na Europa: As certezas morais esto a afundar-se, entre os jovens, as normas so des-
sacralizadas29. Desde logo, as diferenas de opinies entre geraes eram altamente per-
ceptveis: elas tm vindo a aprofundar-se a um ponto tal que muitos socilogos e peritos
falam hoje em fractura3o.
Esta primeira constatao pode ser ligada a uma segunda: a delegao passiva (e mas-
siva) dos cidados ao Estado no tem parado de crescer desde h um quarto de sculo para
c. Mas o que que faz a polcia? poderia ser o slogan para todas as campanhas sobre a
insegurana. Quando se interrogam as vtimas ou as testemunhas de infraces ou de inci-
vilidades, constata-se o mesmo tipo dominante de reaco: no estamos protegidos,
no somos ns que temos que desempenhar o papel da polcia, eu, o que que queria
que fizesse?, etc. Pode-se generalizar ao constatar uma evoluo significativa da relao
com o outro: abrandamento das coaces, o decrscimo da autoridade, o aumento das
mobilidades, o quase desaparecimento da estrutura poltico-sindical dos bairros operrios,
a fragmentao das organizaes sociais, a perda do domnio do curso da vida pessoal, tudo
concorre para acentuar o face-a-face dos indivduos e do Estado, o par recesso individua-
lista e delegao s instituies pblicas31.
Uma ltima constatao deve completar as precedentes: as desigualdades sociais e as
situaes de precariedade e de misria agudizaram-se, em Frana, desde os anos 1980. Estas
situaes concentram-se em certos lugares que so cada vez mais estigmatizados (bairros
ditos difceis, de relegao, de exlio, de subrbios desfavorecidos, etc.): a, os jovens so
confrontados com o insucesso escolar, o desemprego, o <<inferno. A, eles desenvolvem o
seu prprio sistema de referncias, de valores, de cultura de rua com base em pertenas
ao bairro, ao territrio do qual, sua maneira, se apropriaram. Eles so, com frequncia,
(29) Citado por Denis Salas, Dlinquance, in Collectit Les rvolutions invisibles, obra citada, p.
(30) lbid., p. 83.
(31) Esta tese defendida por Sbastian Roch supe que os mecanismos da mediao social e da repre-
sentao poltica j no funcionam na sociedade francesa, o que contestvel. Este casal fecho individua-
lista/ delegao ao Estado caracterizava sobretudo o que Kellerhals chama as famlias-bastio (d. cap.
2) e os trabalhadores ameaados de excluso (d. cap. 3). Em resumo. Aqueles que tm mais dificuldade
em abdicar das fortnas comunitrias e no conseguem participar em aces colectivas. Chamei a esta
forma identitria cultural no primeiro captulo.
I
I
Religio, poltica e crise das identidades simblicas
... .. __._- .._-_.'-'--_._._- _.._-,------,.. .
constituam lugares comuns, previstos para este efeito, da participao dos cidados na
vida poltica, Amilitncia era a forma normah>32, que implicava uma forte interiorizao
dos valores colectivos e uma participao eficaz na coisa pblica. Para um cidado, era a
maneira republicana e democrtica de afirmar as suas opinies, de as defender, de fazer
triunfar a causa do seu partido que era tambm a sua causa. Em Frana, este modelo
parece ter cado numa crise profunda. preciso tentar perceber as razes, de reproduzir a
gnese e de retirar todas as consequncias.
Aidentidade partidria uma identidade militante na medida em que a inscrio num
partido poltico, ou uma associao ligada a ele
33
constitui a maneira legtima de lutar para
fazer triunfar ideias, um projecto, ao mesmo tempo que se pode representar agrupamen-
tos de base, Durante muito tempo, em Frana, foi este modelo associativo que assegurou
conexo entre os laos horizontais de proximidade (na clula, na seco ou na associa-
o local) e um lao vertical de adeso, talvez mesmo de obedincia aos grandes partidos
de massa34. Assim, a funo principal dos grandes partidos a da representao eleitoral
fundada na rede das suas associaes locais e regionais, federadas pelo topo. Este modelo
permite unir a sociabilidade local cidadania nacional, as pequenas causas concretas aos
grandes objectivos polticos personificados pelos grandes dirigentes.
Em Frana, no ltimo perodo, em que que se esto a transformar estes partidos e este
tipo de militncia associativa e poltica? Em que que se esto a transformar os mecanis-
mos da representao? Parece-me que a constatao geral: um decrscimo regular da par-
ticipao na vida poltica e sindical, um declnio da antiga massa associativa ligada ao
modelo de partido de massa ou do sindicato de massa (CCT [Confederao Ceral dos
Trabalhadores) e PCF [Partido Comunista Francs], nomeadamente nos bairros populares),
uma queda da militncia c1ssica35. Tudo isto, se pode medir pela evoluo dos resulta-
dos eleitorais do partido mais tpico e mais popular do ps-guerra, o PCF (o candidato
Duclos obteve 21% em 1969, o candidato Lajoinie menos de 8% em 1998), pelo nmero de
cartes de militante distribudos (neste caso, os nmeros so muito contestados, mas pode-
-se considerar que diminuiram drasticamente) e pelo nmero de jornais ou de leitores (por
exemplo, em trinta anos, trs quartos dos jornais comunistas desapareceram). Amilitncia
comunista, forma clssica da militncia popular, sofreu uma queda em todos os aspectos
paralela da prtica religiosa regular na Frana dos anos 1970 aos anos 1990.
(32) Mesmo se, provavelmente, ela nunca foi muito corrente na sociedade francesa. Um
minucioso levado a cabo nos muncipios de Sallaumines e Noyelles-sous-Lens verificou que, durante um
longo perodo (1900-1980), a adeso aos partidos polticos (PCF, SFIO[ Section franaise de l'internatio-
nale ouvriere) e depois sobretudo o PS) nunca tocou mais dum quarto dos inquiridos dum questionrio e
que estas taxas s dizem respeito a perodos de forte mobilizao (1936, 1945..,), cf. Claude Dubar, Grard
Gayot, Jacques Hdoux, Sociabilit miniere..., obra citada, 1982, p. 448,
(33) Cf. Jacques lon, La fin des militants?, ditions de l'Atelier, 1997, p, 91-95.
(34) Ibid., p, 40-46, Os trs atributos deste tipo de partido so, segundo lon, a unicidade, a perma-
nncia e a opacidade. Asua lngua a lngua dos lugares-comuns e ele pratica o legalismo.
(35) Cf. Bernard Ravenel, Virrsistible crise du militantisme politique classique, Mouvements, 3,
Maro-Abril 1999, p, 19-27.
filhos da imigrao vindos dum mundo com '"
eles esto divididos entre a sua orl'ge que agora pem em causa. De facto,
. m, o seu alrro e esta so . d d d
sonham mtegrar-se embora constat cle a e e consumo na qual
, em sempre que ela r '
mentos de incivilidade tm um s'g 'f' d b' . os es Igmatlza. Os seus comporta-
I mica o su jectlvo que '
As manifestaes de pequena dell'n A. _ se enralza nestas contradies.
- quencla sao expresse d ta I - , .
de inveja e de mal-estar identitrio li d s es s re aoes SOCiaIS de
a excluso escolar e, mais frequentement ' t
ga
. os prolongado dos pais,
O reencontro destes trs processos e de, Imigrao (cf. cap. 5).
turbaes de ordem civil que e provoca per-
tornou-se problemtica incerta confl't proAPna de cldadama. Aidentidade cidad
d
" I uosa. con usao das f. A. ,
as de referncia simblica s a t re erenclas politIcas, as per-
, cen uam o processo Cada f. 'I' da'"
genr, de forma responsvel, esta muta o dI: aml la, ca indIVIduo deve
regras da vida em comum. Nesta gest ,as re aoes os valores, as normas e as
enquanto as crianas no poderem d o e a questao do simblico incontornvel:
ar um slgm Icado s' l' '
poderem apropriar-se da sua hl'sto'r' t 'I' I ua eXls encla, enquanto elas no
la laml lar e as no p d - ,
pessoal com as fronteiras e as refe A" o erao constrUIr uma identidade
, . renClas que se daro a' , ,
JectIvao inseparvel dum d . SI propnos. Este trabalho de sub-
processo e mtegra -o I . ,
bom porto, eles precisam encontrar Outros a esc,o ar e Para o levar a
progredir, militantes da cidadania. que os ajudem, medIadores que os faam
,Porque, parece-me a mim, o cerne da questo do I ' . , ,
social, mesmo aquele J' pro t D . ao civIl, forma publica do lao
, . ,pos o por urkhelm h um ' I d '
indiVduos (e as famlias) e o Estad ( . . . _ secu o, a medIao entre os
, o e as mstltUloes) da pas g d '"
negativo de egosmo e de enclausu t b ' sa em um mdlvldualismo
- ramen o so re si a um . d' 'd I' . ,
sao voluntria e de altrusmo escolhido Ser cidad- _ m IVI, ua.Ismo POSItIvo de ade-
mente que o Estado tome conta d t d . ao nao pode slgmficar esperar passiva-
direito (prestaes sociais, que d tudo a que se tem
voluntariamente assumido Mas est ' .'d d
C
' sem nunca cumpnr nenhum dever
. a reClprOCI a e supe que d " .
ao seu empenho enquanto cidada-o o I'd' , se possa ar um slgmfIcado
. u SO I ano que se poss' ,
soais a um projecto colectivo Ora e t 'Ir '_ ,a unIr os seus projectos pes-
riado, na sociedade francesa? . ,s e u Imo nao estara enfraquecido, at mesmo ava-
CRISE DO MILITANTISMO E DA REPRESENTAO PARTIDRIA
. Para que estes projectos existam concretam '
elas e este enfraquecimento das ref A I I' para conjurar esta perda de refern-
, erenc as po ItIcas h um sculo D kh'
que so eram eficazes os cor os . .,' , ur elm considerava
e o Estado ou a potncia entre os e as famlias dum lado
't' . ou roo escola republicana as g
rI ono. a socializao metdi d _. se urava, em todo o ter-
negociao, deviam permitir a o.s .grupos profissionais, atravs da
determinantes para permitir o enriq a, :as activIdades econmicas consideradas
ueclmen o e todos. No campo poltico, os partidos
A
jm __ ..,
E o que se passa nos outros partidos? Parece que o nmero dos seus aderentes, embora
tenha fi utuado ao sabor dos acontecimentos da vida poltica, tambm conheceu uma des-
cida significativa durante um longo perodo. De facto, preciso distinguir os militantes
dos simples aderentes: este ltimos s votam ou vm apoiar o seu lder. Os primeiros con-
tribuem para propragar as ideias, difundir os programas, convencer os eleitores. O fim
militantes o fim dum modelo de organizao, duma forma de mobilizao que
atmge todos os aparelhos polticos porque ele afecta a relao dos cidados coisa pol-
tica, a estrutura das relaes entre a sociabilidade local e a integrao nacionaf36. Tudo
acontece como se a configurao militante dos trinta gloriosos j no fosse pertinente. AB
campanhas eleitorais j no proporcionam a ocasio do porta a porta ou de comcios nos
ptios da escola ou nas fbricas; elas resumem-se com frequncia, para a imensa maioria
dos cidados, a intervenes dos lderes na televiso e a alguns panfletos na caixa do cor-
reio. As eleies j no so momentos de encontro importantes com os militantes, deba-
tes cara-a-cara, elas j no proporcionam ocasies para reactivar laos sociais com uma
dimenso poltica. Como escrevia Jacque Ion e Lucien Karpik, o modelo poltico clssico
da militncia entra numa crise generalizada37.
Paralelamente, novas formas de compromisso e de participao sociaJ" parecem estar
a funcionar, ou pelo menos, em gestao. Elas so muito diferentes das antigas: mais pr-
ticas, mais limitadas, mais especializadas e tambm mais distanciadas. Elas concernem
aces colectivas de proximidade, mobilizaes locais, pormenorizadas, frequentemente
a compromissos condicionais e provisrios. Por exemplo, o caso da associao
Dro:t au Logement (DAL (Direito Habitao]), dos movimentos dos sem papis, das
acoes d()s desempregados (actions de chmeurs (AC!]), das mobilizaes para os imi-
grantes (CIMADE3B, GISTI39, etc), das campanhas contra a SIDA (Ac! up... ), etc. Uma
caracterstica comum a todos estes novos movimentos a sua busca de mediatizao. O
ac:sso televiso, numa altura de grande audincia, tornou-se o trunfo mais importante.
A mterveno das vedetas mediticas tornou-se necessria. J no se trata de ideologias
que recorrem a valores transcendentes, mas de emoes que jogam com os sentimentos.
Aprocura da eficcia imediata tornou-se prioritria: trata-se de realojar famlias que vivem
mal, de obter documentos para os clandestinos, de arrancar um subsdio de Natal mais
importante para os desempregados. Sem dvida, a questo dos direitos ( habitao aos
documentos de identificao, a subsdios sociais que permitam viver... ) continua a
cer destaque mas, concretamente, ela muito parcial na resoluo de problemas imedia-
a tese defendida por Jacques lon na sua obra: ela tanto se aplica corrente comunista como s
correntes socialista e laica, democrata-crist e gaulista
(37) Cf. Lucien Karpik, Les nouveaux porte-parole, in Colletif, Les rvolutions invisibles, Paris,
Calmann-Lvy, 1998, p. 301, e Jacques lon, obra citada, p. 54.
. (38) N.T.: ClMADE a sigla da Association oecumnique d'entraide. um grupo ecumnico de soli-
danedade que apoia imigrantes.
(39) GISTI o acrnimo que significa Groupe d'info et de soutien des immigrs e desempenha
uma funao semelhante ao grupo acima referido.
tos. Por isso, a mobilizao , ao mesmo tempo, mais emocional e mais pragmtica do que
a militncia clssica. Ela no mobiliza os mesmos registos, ela tambm no concerne o
mesmo tipo de actores.
Lucien Karpik desenvolve a tese dos <<novos porta-vozes especficos que mobilizam
saberes particulares em domnios de aco delimitados. So profissionais no
que intervm, por exemplo, em nome duma experincia particular,
social, duma prtica de criador. Em 1996, ele d como exemplo os 55 nomes
dos no Libralion relativamente ao movimento lanado por jovens cineastas-realIzado-
res contra a lei Debr que previa que todas as pessoas que tivessem albergado um estran-
geiro deviam declarar a sua data de sada de Frana cmara municipal.. oposio
delito de hospitalidade era, antes demais, um protesto moral, o exerCICIO duma funao
crtica em nome duma competncia apoiada numa deontologia profissional
4o
. Ele assimila
esta atitude luta contra os <<negcios, mobilizao de juzes contra a corrupo.
Quando os juzes de instruo atacaram alguns dossiers escaldantes fizeram.-no em
nome da sua concepo da justia e sob o olhar dos media. Da mesma maneIra que,
quando o DAL mobiliza intelectuais de renome para se irem na du
Dragon
4I
ou em frente ao Matignon
42
para a requisio de casas vaZIaS em dos
que vivem mal f-lo em nome de valores ticos que esto, muitas vezes, no prmcIplO. da
sua profisso, concebida como um sacerdcio (mdicos, padres, advogados... ).
segundo Karpik, esta profisso torna-se a nova mediao necessria aco colectiva
que tambm uma forma de mediatizao espectacular. ..
Jacques Ion (1997) fala de <<nichos identitrios a propsito destas redes de
novos militantes, destes agrupamentos autnomos de indivduos que se mobIlIzam, de
forma pontual, e s vezes efmera, por objectivos limitados. Eles as formas
dicionais de organizao com cartes, carimbos, contribuies, cenmnIas de entrOnIza-
o, manifestaes rituais. Eles recusam os lugares comuns dos aparelhos e
dirigentes. So adeptos do falar verdade, da contestao concreta, das referenCIas pes-
soais, do recurso autenticidade. At as prprias palavras j no so as mesmas: fala-:e
militncia mais do que militantismo, de pluralismo mais do que unidade, de
mais do que organizao. a identidade pessoal que mobilizada e no uma Identidade
(40) O exemplo dos realizadores que se mobilizaram contra a lei interessante porque , .
de mais, em nome do significado do seu compromisso profissional, concebIdo como um mIs-
ria sociais e dos dramas pessoais, que esta mobilizao acontece. Assim, Tavermer de
cinema), posto em causa por um ministro, foi realizar uma num dos dando
assim um significado poltico sua competncia profissional.; cf. a de obra CItada, p.
(41) N.T.: A Rue du Dragon, artria situada no VI bairro de Pans, um dos maIs da capItal
francesa, uma rua simblica. O escritor Victor Hugo viveu l e hoje morada de mUItas lOjas de
Em meados da dcada de 90, o DaI ocupou uma casa nesta rua, propriedade da COGED!M, uma
imobiliria de luxo e viveu um intenso brao-de-ferro com o Governo de Balladur e a Camara de Pans, a
data chefiada por Jacques Chirac. .
(42) N.T.: sede do Governo Francs, equivalente ao Palcio de So Bento, em LIsboa.
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colectiva que se refere a uma instituio, partido ou sindicato. Os compromissos so mais
parciais, mais temporrios, o que no significa que sejam menos intensos. As associaes
funcionam como redes que so mais o resultado duma aco exemplar, embora pontual, do
que o produto duma adeso a uma organizao j existente. Trata-se, escreve lon, de <<ns
concretos para eus problemticos. Estes ns ntimos so, com frequncia, prolonga-
mentos dos eus, mesmo se as pessoas visadas se referem, s vezes, a um ns humano,
planeta vivo e universal. A relao dos ns aos eus est directamente ligado aco,
aos seus ritmos e aos seus riscos. uma implicao de si prprio disposio rescndiveh>,
um compromisso distanciado que recusa o papel social incorporado em proveito duma
implicao de si, circunstancial e reversvel, arriscada e constantemente redefinida.
bem visvel tudo o que separa estas novas formas de militncia dos antigos modelos
de militantismo partidrio. As pequenas causas substituram os grandes projectos
revolucionrios. Os partidos polticos de massa so depreciados, desprezados em pro-
veito das aces concretas, de redes duma extrema habilidade. Aautenticidade instan-
tnea sobressai sobre a fidelidade ritualizada. Aeficcia imediata sobressai sobre a contes-
tao e a utopia. Acima de tudo, o que interessa o significado pessoal da aco partilhada,
o compromisso directo, sem intermedirios e sem delegao. So formas de aco locali-
zadas que atribuem um valor eminente s relaes intersubjectivas, qualidade emocio-
naI e autenticidade pessoal.
MUTAES DA REPRESENTAO POLTICA
Mas, para l das formas de aco e de mobilizao so os prprios princpios da repre-
sentao poltica tradicional que so postos em causa. Assiste-se ao acontecimento e
general izao duma espcie de democracia do pblico43 que j no tem muito a ver com
aquela dos partidos de massa e das grandes confrontaes ideolgicas anteriores.
Doravante, o que conta para a escolha dum governante a sua personalidade ou, para ser
mais. preciso, a sua imagem pblica. Os conselheiros de comunicao substituram os
grandes estrategas polticos de antigamente. Apoltica tornou-se um grande palco sobre
o qual se representam peas durante as quais se avaliam e julgam as qualidades do actor,
pelos media interpostos. Assim, este palco to facilmente transponvel em grandes fan-
toches como em teatro de sombras. Porque ele provm da neutralizao do significado
simblico, das representaes do mundo, em proveito das imagens, do recurso ao ima-
ginrio. Esta transformao espectacular opera-se por meio de trs substituies com-
plementares: a do tempo de aco, a da linguagem utilizada e a do sujeito visado.
O tenlpo dos media, o da poltica representada e encenada, um tempo destruturado,
disperso. fragmentado em acontecimentos susceptveis de serem filmados. Aseleco do
Acrise das identidades
_. --_....
Para comear, um excesso de imagens. Estes dispositivos j no repousam, como nos
ritos mgicos ou religiosos, em palavras que remetem para mediadores simblicos (Deus,
a Nao, o Estado, a Classe, o IdeaL) mas em imagens identificantes que so destina-
das a serem reconhecidas quando o que elas representam no conhecido. As persona-
gens polticas, como as vedetas, so reconhecidas no ecr pelos espectadores que tm
assim a iluso de os conhecer quando esto simplesmente a rever a mesma imagem.
Esta encenao do mundo pelas imagens alimenta uma relao paradoxal com o outro:
relao ntima (<<eu reconheo-o) ao mesmo tempo abstracta, incorprea, irreal. Esta ilu-
so de intimidade alimenta a substituio do simblico que faz sentido pelo imaginrio
que choca, que comove, transtorna, fascina. Aidentificao imaginria faz do palco pol-
tico uma sucesso rdicula de estrelas45.
Ento, estamos perante um excesso de personalizao. Aimagem impe a personagem
poltica em detrimento da sua eventual mensagem. O uso da palavra poltica visa melho-
rar a cotao destes lderes, ela destina-se a perpetuar o corpo poltico ao identific-lo
com a pessoa dos homens polticos. Mas esta colectividade j no , como nos ritos tra-
dicionais, uma comunidade que partilha uma origem comum, um territrio e crenas
colectivas: uma coleco de indivduos, isolados e seriais, sozinhos face s imagens
personalizadas. Por isso, o ritual poltico imaginrio, em vez de confortar e reactivar as
identidades colectivas, implica o luto dos mitos mobilizadores, dos significados simblicos
substitudos por identificaes insignificantes
46
. J no so personificaes de valores, de
mensagens, de ideologias com as quais os espectadores fascinados se podem identificar, so
personagens tornadas familiares, substitutos ntimos que encontramos todas as noites, em
frente ao pequeno ecr e que que s acabam por se representar a eles prprios.
Segundo Marc Aug, o excesso mais importante da <<surmodemit seria, no fundo, o
excesso de identidade. Segundo ele, a crise da modernidade advm do facto de que hoje
em dia a linguagem da identidade transporta consigo a linguagem da alteridade47.
Segundo Aug, o dfice simblico, o excesso de imagens, a personalizao desmedida da
poltica conduzem a uma crise da alteridade, isto , ao desaparecimento do pensa-
mento do outro, perturbao da relao com o outro e, nomeadamente, ocultao do
conflito substitudo pelo consenso e pelo seu reverso, a excluso. Aescalada deste tema
e desta palavra, ao longo dos anos 1980, significativa duma modificao da relao ao
outro. aos <<Oovos pobres, aos mais desprovidos. J no se trata de designar grupos mar-
ginais, grupos estigmatizados, mas de nomear processos de afastamento, de desfiliao
-----.--- --------------- ------ - -- - - -.-----_.,.. -.
(45) Edgar Morin tinha revelado, desde o incio dos anos 1960, em Les stars, Paris, Seuil, 1964, o
espao tomado pelo imaginrio especular na civilizao moderna e o papel que o cinema j a desempe-
nhava. A <<starification, valorizao extrema das vedetas do desporto, cinema, poUtica, por parte de algu-
mas cadeias de televiso, provoca identificaes especulares que exarcebam, em alguns jovens, o desejo
de construir um nome, de ser algum, isto , mostrar a sua imagem. As decepes so, com fre-
quncia, muito amargas, cf. Alain Ehrenberg, Le culte de la performance, Paris, Calmann-Lvy, 1996_
(46) Sobre este tema, cf. Constantin Castoriadis, La monte de l'insignifiance, Paris, Seuil, 1996.
(47) Marc Aug, obra citada, p. 87.
social. J no se trata de smbdolos.
a
d I - das Imagens a mlser
dade e exp ora_ao, de qualquer perspectiva conflitual: ela encarrega o
teado. A exclusao esta , . . . ( RMI )48 e os particulares a demonstrar gene-
Estado de realizar novas \, ...; A tomada de conscincia induzida por
rosidades pessoais (via assoclaoes umam anas. -. d fl't 49
. - definio exclUI a e con I o .
esta noo a da mtegraao que, por d' s oposies estruturantes do perodo pre-
Ora, a partir do momento em que a; gran e se instala o face-a-face entre o indivduo
cedente se esbatem, a partir do.mo
m
d
en
o emI que'bl'co frequentemente acompanhadas
. 'ltIplas o pa CO pu I ,
privado e as mu entimento de impotncia; a partir do momento
pelos mesmoS comentanos que reforamos, I de pessoas ntimas (frequentemente
em que o colectivo se reduz a. um clrcu
s
j?ulgado como ameaador (a subida da
'd 'f T) a um ambiente mUI as veze
redUZI o a aml la e 'I __) t das 'Identidades torna-se avassalador.
, 't te da exc usao o ema
insegurana e an d d' 'gistos frequentemente associados: o regresso
Este tema pode ser ajustado segun o OIS re, 'bais sectrias at
em fora das identidades colectivas, apresentadas como ntrt:ficactas com o' seu
. 50 t d imagens de comum a e
mesmo assassmas:> ,em o.rno 'a:sda identidade individual, do Eu desligado do Ns, da
ldeT, mas tambem o das tIram . da intimidade devoradora
autenticidade subjectiva de imagem erigidas como
(por exemplo, da proteco da pnva a 'deueo como mundo e que ele associa s
, . ) que Marc Auge chama o 10 IVI d
umca norma. o . 51 do o outro j no tem expresso adequa a,
imagens vertiginosas do Isolamento . .,. o Eu privado de mediao efi-
quando ele se torna puramente abstracto seu mundo puramente privado,
caz com o Ns: ento, ele e sua identidade ntima. Ora, esta
nas suas com mais da identificaes especulares, desconectadas de
ltima arnsca-se a ser so um reserva or.1O e a de ima ens mais ou menos iden-
qualquer forma de e a um de referncias simbli-
tificantes s suas identificaes por outrem,
cas, o Eu IOtImo, a I en I . p' isso os rituais necessrios ao reconhecimento
prisioneiros do que quer que se or d" I mecanismos de defesa que ali-
identitrio para si arriscam a nao passar :tidade tomam a forma de sofri-
mentam manifestaes neurticas onde as cnses e I e
mentos psquicos e de desfiliaes sociais (cf. cap. 5).
, R d' t Mnimo de Insero,
(48) N.T.: Revenue Minimum d1nsertion pode-se por en Imen o
. R d' to Social de lnserao nacIOnal.
francs, o eqUivalente ao en Imen , I' 'tat des savoirs obra citada, p. 7-18.
(49) Cf. a introduo de em Paris, Grasset, 1998.
(50) CL, por exemplo, o ensaIO de AmlO Maa ou,
(51) CL Marc Aug, obra citada, p. 168.
A
'1
.,
" " tidade oltica tambm uma identidade partid-
IDENTIDADES SIMBLICAS E MEDIAES POLTICAS (1968-1998) com conhecImento A Ildh
en
r Pd com base em projectos defendidos por
ria na medida em que Implica esco as mo Iva as
Chamo identidades simblicas s diversas formas identitrias no campo das crenas organizaes especficas. d d a sua legitimidade, quando a sua
poltico-religiosas, aos tipos de referncia a um Ns ou a um Outro, correlativos das diver- O que que acontece quando os partI os per emI defendem j no esto de acordo
f d
uando as causas que e es
sas definies do colectivo. As formas comunitrias valorizam a pertena herdada dos indi- identidade se con un e ou q t ? I t passou-se em Frana em diversas
_ leitores tm para vo ar. s o
vduos a um grupo cultural, quer se trate duma etnia, duma religio, duma comunidade com as razoes que os e ," g de parte por causa desse facto. A
lingustica ou territorial (aldeia, pas, regio... ) ou de tudo ao mesmo tempo. Aconcepo alturas da sua histria. AIV Republica morreu, em ma de'personalizao do poder,
d
i D Gaulle marca o retorno a uma or "
tica da poltica considera que os representantes do grupo so os porta-vozes natu- chegada o genera e "' - i ifica o acordo com as concepes partl-
rais da comunidade junto dos poderes institudos e, em particular, do Estado. Asociedade de tipo carismtico, para a qual o voto Ja naohs gn incarna a nao Este significado
- d ma confiana num ornem que . 60
civil tida como multicultural quando todos os grupos comunitrios so reconhecidos drias, mas a expressao u maioria que durante os anos 19 ,
e tidos em conta, enquanto tais, no funcionamento poltico, pelo menos em certa reas. simblico no foi partilhado por todos, mas por uma d sta na; <uma certa ideia da
" . I D Gaulle governar em nome e f
H diversas maneiras de assegurar este reconhecimento que pode muito bem ser compa- permItiu ao genera e f" . blico desta situao de acto.
" t do Maio de 68 marcou o 1m sIm
tvel com um princpio de laicidade, assegurando a neutralidade do Estado. que se passa Frana). O movlmen o , f' le"lta em Junho de 1968 pelo que
l
't' ., e uma camara rara 01 e
em Frana, no que diz respeito ao culto para as grandes religies reconhecidas pelo Simblico e no po I ICO Ja qu o b'l' ue se tinha exprimido na rua e nas
h
" ia silenciosa Sim o ICO porq
Estado laic0
52
ento se c amava maior . I t diferente da poltica. Uma con-
d t d
ma concepo comp etamen e
As formas estatutrias valorizam a pertena dos indivduos a corpos intermedirios aos fbricas ocupa as o as u " "IOt t que para alguns, continuavam a
I
d unificada reunta mI I an es ,
quais pertencem por adeso voluntria e que devem represent-los tendo por base elei- cepo que, onge e ser , d a mudar a sociedade e fazer a revo-
es. Em Frana, as eleies profissionais so deste tipo e distinguem os assalariados dos acreditar na capacidade dos partidos de a vida emancipar-se da velha
patres repartidos no seio de ramos profissionais. Os representantes dos diversos cole- luo e outros que no acreditavam, quenam mu a ,
o ," h"' ica machista e produtlvlsta.
gas renem-se em instituies paritrias (como os tribunais arbitrais do trabalho) e sociedade autontana, lerarqu, 54 t u reportaram as suas esperan-
defendem os interesses dos seus constituintes. O Ns o colectivo daqueles que tm o Os primeiros, os militantes integrados , apos
d
aradmsOpartidos que tinham sido afas-
U
'- d erda e no acesso ao po er o d
mesmo estatuto, que fazem parte do mesmo grupo profissional. Em Frana, o princpio do as ps-68 na nlao a esqu . d 1981 trouxe-lhes uma gran e
, 't t A vitria de Mltterran em o "
pluralismo sindical faz com que vrias listas estejam em concorrncia para representar os tados desde ha mUI o empo." d - E 1984 a debandada dos minIstros
. . Ia fOI de curta uraao. m ,
assalariados. Os interesses so assim mediatizados por concepes do sindicalismo, por esperana. Para a maJona, e I ensavam que o programa comum
. f'm das iluses para aque es que p o d
escolhas poltico-ideolgicas. comunistas marca o I _ 55 I' t As concepes anunCIa as
o uma revoluao SOCla IS a.
As formas nacionais de tipo democrtico so diversas e produzidas atravs de histrias dos anos 1970 era o melO para d t f m muito desajustadas, para no
d
d no perodo prece en e, ora
especficas, por vezes muito longas
53
A forma francesa, consequncia da Revoluo de pelos partidos e esquer a, t" que continuar a enfrentar na sua
, " us representantes Iveram
1789, s reconhece a plenitude da cidadania ao indivduo eleitor. Aidentidade cidad no dizer pior, urgenclas que os se " " . I go dos anos 1980 a uma nova
t
d Estado Por ISSO asSIste-se, ao on 'A
nem comunitria, nem estatutria, ela individual, inalienvel, igualitria. Cada um gesto dos assun os o . . o ' I o aos partidos de esquerda.
fi d
itos destes militantes em re a URSS
conta por um e vota com a sua alma e conscincia por representantes que falam todos crise de con lana e mu d d d socOlall"smo real incluindo na
B r (1989) e a erroca a 0 ,
em nome da nao, isto , em nome duma concepo do bem comum que partilham queda do muro de er 1m ,.' uerda sobre a justificao duma via revolu-
com todos os eleitores. Cada deputado ou cada um dos eleitos no representa a sua (1991), acabaram por lanar a dUVida, la .es
q
t 'd integraa-o europeia, o voto muito
. 'o P I I nte os desenvo vlmen os a b I'
comunidade ou o seu grupo estatutrio: ele representa todos os seus eleito. clOnana. ara e ame '" _ d d Maastricht (1993) acabaram por a aar,
res, mesmo aqueles que no votaram nele, seja numa base territorial, seja numa base renhido mas favorvel a ratlficaao do trata o e -
o b o futuro e a <<legitimidade da naao.
nacIOnal. Mas, estes representantes pertencem tambm a partidos polticos: eles direita, as certezas so re
defendem uma concepo que deve ser identificvel para que o eleitor possa escolher _ ....__.. .. ...-.. ---_.. --_..---
.. melhor, para designar aqueles que a
.----.-.. ----------------_---_-.------_----..-.----__ .._-- ...--__._...... ._.. -- (54) Uttllzo esta expressao, a la . m necessanamente I la os
(52) Em Frana, este reconhecimento no se aplica, at ao momento, ao Islo que no tem uma repre- 'I dos partidos de esquerda, desenvolvida pelos esquerdIstas, sem sere
sentao reconhecida junto do ministrio do Interior, responsvel pelos cultos. destes partidos. ( fd munista francs) durante os anos 1970: Uma s soluo, a revo-
(53) Cf. Dominique Schnapper, La communaut des citoyens, obra citada, p. 123-147, assim como , (55) Cf. O slogan do PCF par lOCO
Anne-Marie Thiesse. La cration des identits nationales: Europe XVII-XX siec!el, Paris, Seuil, 1999. I, luo, um s meio, o programa comum.
(58) A questo conhecida como vu islmico ilustra bem estes propsitos: parece difcil explicar e
convencer sobre os valores da laicidade quando eles j no acompanham um movimento de emancipao
colectiva e de acesso ao bem estar econmico,
(59) Cf, Marcel Gauchet, La Ruolution des pouvoirs, La souverainet, le peuple et la reprsentation,
1789-1799, Paris, Gallimard, 1989, Esta obra esboa, em concluso, uma homologia muito convincente
entre a mediao simblica necessria para assegurar um lao eficaz entre o tecido social e o poder polf-
tico (mediao do Direito, em particular) e a mediao pessoal necessria para fazer o lao subjectivo entre
o Eu estatutrio ou cultural <para outro) e o Si reflexivo ou narrativo <para si); d, o esquema da
pgina seguinte...
i
........................._-_._._._-_ _ __ .
i
e a partir do momento em que estavam no poder, no s s suas promessas anteriores, mas
aos seus discursos mobilizadores, o que que ainda representava o jogo poltico? Estando
as identidades partidrias desvalorizadas, no devem as identidades simblicas redefinir-se
radicalmente?
Elas tm duas vias possveis. Ou voltam s identificaes comunitrias e estatutrias e
lgica das pertenas: seja a minorias culturais>, ou a corpos profissionais, eventualmente
aos dois ao mesmo tempo. Arepresentao escapar, nesse caso, cada vez mais, aos parti-
dos e s instituies polticas. Ela passar pelos grupos de presso>" pela mediatizao ima-
ginria e por novas formas de mediao profissional da qual Karpik detecta as primeiras
manifestaes, no campo poltico, nos juzes ou os criadores. A identidade poltica j no
ser partidria, mas tnico-religiosa ou estatutria-profissional. O recurso encantatrio aos
valores da laicidade ou simplesmente s exigncias da civilidade arrisca-se a ter muito pouco
peso face s ligaes tradio religiosa e s marcas comunitrias
58
. Assim, ser que a iden-
tidade cidad entra em crise permanente, substituda pela denncia das incivilidades na
escola? denncia pelas elites da despolitizao, da passividade e do abstencionismo das
gentes, estes ltimos do como resposta uma rejeio crescente das estratgias de poder
pessoal dos eleitos e da corrupo de cert05 dirigentes polticos profissionais,>.
Ou ento, avana-se na elucidao e, se possvel, na gesto dos paradoxos da identidade
pessoal, do sujeito de direito, do cidado activo. O paradoxo aquele que liga a sua parti-
cipao pessoal e a sua representao controlada. Como que se pode ser, ao mesmo
tempo, um sujeito dotado duma identidade pessoal e um cidado representado por eleitos
que legislam em nome dum interesse geral? Como que se pode estar seguro que a sua
representao poltica est de acordo com a sua representao de s? Como bem anali-
sou Marcel Gauchet
59
, o problema da representao de si como um todo o mesmo,
quer se trate da totalidade poltica (representao) ou da totalizao pessoal>, <repre-
sentao). Nenhum indvduo, assim como nenhum povo, vive na identidade imediata
consigo prprio, Se se recusa a iluso da representao absoluta na Religio, na Monar-
quia ou na Nao (o que marca, segundo Gauchet, o falhano da Revoluo Francesa e da
sua inveno dum homem novo), e se o indivduo no se acomoda ao princpio genea-
lgico de identificao simblica em Nome do Pai, ao Antepassado mtico e, logo, a Deus,
s sobra o recurso paradoxal e incerto a uma terceira instncia que seja legtima, isto ,
que no seja o em s continuando a ser como si-prprio.
Religio, politica e crise das identidades simblicas
_........-----------.- -- ,, .,-_,__ __, . _ ,. ,_. "_. '_
os novos militantesSG, estavam ri ' , '" ,
traefloes revolucionrias antiautoritrl' t'b p VIsta diVididos entre antigas
t .. ' as e an I urocrtlcas e n '-,
lemmIsmo ou da ecologia J' para na-o t I d d' ovas asplraoes vmdas do
, a ar a etermmao d ' .
campo poltico) para serem reconhecl'das ( I e mmorlas (outrora fora do
por exemp o os homos ' ) C
ou nada com os partidos de esquerda,> ara sexuais. ontando pouco
podIam contar com as mobilizaes das m' ,P ,er avanar as suas causas, eles s
, , monas agItadoras para' I '
mentos SOCIaiS que adoptaram cada Impu slOnar os movi-
'_. , vez menos a forma de revol -. " .
eXIgencIa prmcipal para a Sua sobrevl'v' . t t uoes mcendlanas>,. A
- ' enCIa, ranslormou-se no t t d
zaao colectiva pde reencontrar preoc _ . ac o e que a sua mobili-
, . upaoes pessoais e imediata d
para alem diSSO, de fraces sensibilizadas d . ,_ A 05 os seus membros e,
longo dos anos 1980 e 1990 esta' . d a oplmao. evoluo destes movimentos ao
, ,ama por conhecer Mas d b '
de fundo. E aquela que conduz esperanas I' . , . po e-se es oar uma tendncia
. revo uClOnanas a comp , d' ,
mamfestaes rituais a trabalho d '_ romlsSOS Istanclados
e campo em dlrecao a po I -, '
das Pla crise e pelas polticas de segura ('I' pu aoes particularmente toca-
grantes...). Fazendo isto a maior parte I egaIs, sem uma residncia digna, imi-
pria concepo da e J' t es es <<novos militantes,> transformaram a sua pr-
- un aram-se a outros perfi d
razoes mais caritativas do que mI'lI'tant Ab d 05 e pessoas empenhadas por
es. an onando prog ,
grandes causas revolUcionrias estes no 'I't resslvamente o terreno das
. , vos mi I antes,> transfo d
desenvolveram formas de comproml'sso I'd" . I rma os em actores locais
050 I anos Imp antados I I
tempo uma maior eficcia imediata eu' I' _ no oca e tendo ao mesmo
' ma Imp Icaao pessoal
57
mais forte
J assim que, ao longo dos anos 1990 o , .
Classe, a Revoluo, a Nao _ comeara ' : re erentes antenore,s da aco poltica - a
mais quando a lgica econmica fl'nan m, a cada vez mais problemticos. Ainda
, , celra, capl a Ista parec 'd' .
zonas mteiras da aco do Estado d eu mva Ir tudo, mcluindo
, preocupa o em assegurar g d
cesas uma posio concorrencial no mercad d' I 05 ran es empresas fran-
poltico,>, isto , o Estado se tornava I'mp t tO m
t
un la, Se, como pretendem alguns, o
o en e ace ao desencad t d
e nomadamente ao do capital financel'ro dI" eamen 0 os mercados>,
, . e a sua oglca de rentabTd d
que e que amda significava a cidadania? Se fd I I a e a curto prazo, o
vez, a sua credibilidade seJ'a porque ele's os I os e,os seus eleitos perdiam, mais uma
, ' se relenam a sImbolos fd
seja po rque eles renunciavam em nome d f I os como ultrapassados,
, o pragma Ismo, a qualquer referncia simblica,
..
Utilizo esta expresso para designar ao
!uclOnarios (trotskistas, maoistas anarquistas ltempo aqueles estavam filiados a grupos revo-
exemplo. nos movimentos feministas ou e .. , es que descobnam outras maneiras de militar por
entre estes dois conjuntos, m cer correntes ecolgicas, Existiam muitas
. (57) Cf. a investigao em curso de Bndicte H
de l'engagement solidaire ra d,e Nicourd, Les formes orga-
(UmverSI t de Versailles Saint-Quentin), Abril de Printemps, UVSQ
um centro social e uma seco da CFDT (C Vd " sta Inv,esbgaao InCIde sobre uma seco do DAL
freguesia dos subrbios de Paris, O lao ?mocratique du Travai!) numa
cretos e f<:>rmas de organizao permite nos tr e Imphcaao pessoal (biogrfica), resultados con
diferente da militncia tradicional dos uma dinmica de compromisso
,
i
. --- - - _-'.,--,,_ 'w ._._"_ _ .""..-' .. " __
Religio, poltica e crise das identidades simblicas
__._ ,', e .. ,_.._ "_ _,_,, ..,.. __.,,' __,_._.' ' __''e
.. _--.. _..--._--_.--" ..-- .
o.i
'1
I
Esquema da dupla mediao (segundo Gauchet)60
r----.._;--.. _
( ) Penso Que no tra o pensamento d t ---------------------
tidade Que implica uma articula -o :fi:Zor ao desenv?l.ver a analogia entre a construo da iden-
outro) e "-construo da legitimidade P:tica ue retlex.lVldade (si e identidade social (para
a conC!usao de La rvolution des pouvoirs oQb 'tPd
1ca
articular a SOCIedade civil e o poder poltico' c
..., ra CI a a, p. 263-280. ' .
Em teoria, a reflexividade que deve permitir um' . .
sentao simblica de si (na-o se A . ,. desvIO pela extenondade da repre-
ve a SI propno s v
A
.
trolo da delegao que assim se fez d . , .' ( e a sua Imagem) e um possvel COn-
bem representado) O:nesmo' e SI proprlO nunca se pode ter a certeza de se estar
. se passa no campo polT .' ,
dos eleitos que os cidados se podem t' I ICO. e atraves do debate, do controlo
sen Ir seguros de qu -
uos e, se eles acham que no so pod I e sao correctamente representa-
Ih
' em e eger outro Mas c b '
esco er os seus eleitos? Com ' . om ase em que e que se pode
. . . o e que se pode ter conf I '
legItimidade que assegura um t lana ne es? Qual e o princpio de
a correc a representao d . ( _
ou do seu grupo estatutrio)? Q I' e SI e nao da sua comunidade
sentantes? . ua e a natureza do lao entre os cidados e os seus repre-
. A duma representao de tipo comunitrio .
no, nao e evidente sobretudo qu d d a uma outra, de tipo societ-
, an o as gran es caus . b'I'
cos reclamavam para si acabam de d b E as sIm o Icas que os partidos polti-
. esa ar. ntre os cidad-
preCISO encontrar um princpio de legitimidade . eAOS .seus
tempo, uma garantia da representao d . ' um terceIra Instancla que seja, ao mesmo
Este princpio deve ser baseado n fl.e .sdl:>d
e
que prefigure um exerccio eficaz do poder.
. a re eXIVI a e de cada um n . _
continuando a ser reconhecl'd bl' , as suas convlcoes pessoais
d
. .. o pu Icamente. Mas perg t G h ' '
ar slgmfIcado s atrave's d t ,una auc et, como e que se pode
. ' es es meIOs ao que de d .
Instaurar e legitimar um t ' ,s e sempre, veIO de outro lado? Como
ercelro capaz de representar t d
Segundo ele, ns estaramos a's portas d o o o sem usurpar o poder?
uma nova etapa d h' t' .
mesmo tempo, poltica e porque no I a IS ona da representao, ao
poltica esto em crise p'orque el pesso
b
a
. Se as formas anteriores de representao
d
as nao sou eram resolve
oxo do Terceiro que deve ser ao m t r, nem sequer assegurar, o para-
poder legtimo exterior ao co'rpo o . produzido pelo corpo social e produtor de
.' socla e Intenor esfer IT
e legItimador do poltico Como S. , a po I Ica, representativo do social
d S , . o para I e ao mesmo temp d d
um I proprio, sujeito activo produtor de la . I ( f o pro uto o Eu e produtor
o socla c. esquema):
Esfera pessoal
Si prprio (sujeito)
..-----...- ... "'-em Si
Eu (ser social)
Esfera poltica
Poder (representantes)
.....-----...----..- Terceiro
Sociedade Civil (representados)
Em Frana, historicamente, o rei poderia, como em Inglaterra, assumir esta funo de
mediao legitimadora. No foi o caso, a seguir ao divrcio, em 1791, do rei e da nao.
Hoje, a Constituio poderia teoricamente ser suficiente (com o conselho constitucional)
para assegurar, juridicamente, esta misso: no uma instituio suficientemente pr-
xima do cidado, ela continua a ser arbitrria e distante. O poder judicirio poderia tam-
bm cumprir parcialmente este papel de terceiro poder legitimador, mas a justia no
suficientemente sensvel como emanao dos cidados e ela s intervm depois, para san-
cionar as transgresses. Este terceiro ao assegurar a representao do todo e a legitimi-
dade - revogvel -- da aco pblica poderia ser incarnado por um presidente ao mesmo
tempo, carismtico e ntegro, reflexivo e mobilizador. Mas, alm da experincia gauliana
no poder repetir-se, a questo que fica em suspenso e qual Gauchet chama a identi-
dade para si prprio no tempo decisiva: como que se h-de garantir que o exerccio
prolongado do poder no transformar o homem num tirano?
exactamente aqui que a questo do terceiro poltico alcana ou corta a do terceiro
pessoal. Como que se pode dar significado histria poltica, colectiva se ela no implica
a histria pessoal, biogrfica? Apartir do momento em que a poltica j no um questo
de comunidade ou de estatuto, ela s poder transformar-se numa questo pessoal
6
!
ou desaparecer como questo. Se ela deve transformar-se numa questo pessoal, para l
das escolhas partidrias tornadas altamente instveis e vindas da obedincia, como que
se pode ancorar o projecto poltico colectivo e a sua representao nos projectos pessoais
biogrficos e reflexivos dos cidados? Como que se pode assegurar a conexo do terceiro
poltico com estes mediadores de construo de identidades pessoais quando so os pro-
jectos pessoais, as histrias biogrficas, o que eu chamei as identidades narrativas? Como
que se pode recriar uma instituio que tenha um sentido biogrfico, ao mesmo tempo,
colectivo e pessoal? Durkheim apostou na Escola republicana e nos poderes reguladores
dos grupos profissionais. Isto supunha um corte completo entre a infhcia e a idade adulta,
a socializao e a vida profissional estvel e regulada. Doravante, preciso construir a sua
identidade pessoal durante toda a sua vida, e as empresas desmantelaram amplamente as
regulaes profissionais anteriores. Onde que se pode encontrar um terceiro legtimo
poltica e pessoalmente significante?
Acidadania supe uma forma de legitimidade (TERCEIRO) que permite aos eleitores
sentirem-se pessoalmente representados por eleitos que sejam, ao mesmo tempo, porta-
-vozes dos verdadeiros problemas da sociedade civil e decisores polticos eficazes e
desinteressados na esfera do poder. Da mesma maneira, a identida.de pessoal (si prprio)
enquanto sujeito activo (e logo cidado) supe uma forma de reflexividade (SI) que seja,
(61) A Questo-chave de novo a Que ope o individualismo negativo Que se confunde com o
egosmo dos ricos/desfiliao dos mais fracos e o individualismo positivo que implica um par plano
tico/mobilizao voluntria. A soluo durkheimeniana da conscincia colectiva inculcada pelas insti-
tuies no sem dvida a nica via de passagem de um ao outro, mas as vias alternativas no so claras
(da a crise...).
ao mesmo tempo, expresso do seu Eu, ser social (para outro) e convico, forjada por si
prprio, que permita uma forma de compromisso cidado. Assim, a reflexividade possui
uma dimenso poltica que s se pode desenvolver se alegitimidade do Poder for objecti-
vamente garantida e subjectivamente significante. Hoje em dia, na sociedade francesa,
esta dimenso que est em crise.
CONCLUSO
Estas questes sero retomadas, sob um outro ngulo, no ltimo captulo deste livro
consagrado construo da identidade pessoal no tempo biogrfico dos indivduos.
claro: esta questo tambm poltica, no mais elevado sentido da palavra. Fazer de cada
indivduo, num quadro societrio, um sujeito poltico, um cidado activo no uma
tarefa fcil. Apartir do momento em que este ltimo j no se define como membro duma
comunidade, representada por chefes naturais, preciso que ele se possa definir (ou
redefinir) duma outra forma e encontrar, nele prprio, um princpio de representao
dele prprio que ele possa partilhar com os outros e que legitime a eleio dos seus repre-
sentantes, Ele no o pode fazer sem aderir a convices, com as quais pode argumentar
por ele prprio mas tambm para outro. Ele deve poder mud-Ias se tiver boas razes
para o fazer. Ele deve poder sancionar os seus representantes se eles no merecerem a sua
confiana, Ele deve poder unir as suas convices a compromissos autnticos.
A crise das formas de representao tradicionais acompanhou ou seguiu o questio-
namento dos grandes sistemas ideolgicos herdados da primeira idade da modernidade.
Sucessivamente, os grandes ideais polticos que foram a Revoluo, o Liberalismo ou a
Nao foram abalados, seno mesmo erradicados pelo decurso da Histria (cf. cap. 1). J
ningum tem uma ideia clara e irrefutvel do futuro, do progresso. J ningum acredita
numa soluo milagrosa para os problemas da actualidade. J ningum pode conceder
cegamente a sua confiana a um partido com base nas suas proclamaes generosas.
preciso, pois, encontrar em si razes para escolher este ou aquele representante, este ou
aquele programa, esta ou aquela opo. Mas com base em qu?
Acrise das identidades simblicas no pode significar o abandono de toda a referncia
poltica, a aceitao do reino das imagens, as identificaes especulares, mutveis e insig-
nificantes a esta ou aquela vedeta, mesmo sendo poltica, com base nas suas perfor-
mances de actor meditico. Ela tambm no pode desembocar sobre a nica defesa dos
seus interesses econmicos, corporativos, estatutrios. Ela tambm no pode regredir para
formas comunitrias de pertena que engendram o racismo e a xenofobia. Ento, ela s
pode criadora de novas formas de compromisso, ao mesmo tempo significantes sub-
jectivamente e reconhecidas politicamente. Por isso, ela deve enfrentar a incerteza e refor-
ar a reflexividade pessoal, ao mesmo tempo que os compromissos solidrios.
A questo da identidade pessoal no pode ser separada da poltica, nem do trabalho e
do seu futuro e, logo, das polticas pblicas de emprego, nem da famlia, das polticas edu-
. , . . . . 'd d essoal tambm inseparvel da trajectria pro-
cativas, sanitrias, SOCiaiS..: IddentI a
d
e p _ duma vida das oportunidades de se formar,
f
" I nf do da actIvlda e na uraao, .
ISSlOna , no se I . . lificantes como a convices e compromlS-
de progredir, de aceder a Ento esta construo identitria , ao
sos polticos, que evoluem e o a ta " d e u:O assunto pblico e logo, poltico,
as unto emmentemen e priva o '
mesmo tempo, um s t .d d- .ou simplesmente ser humano, cada
no sentido mais forte da palavra. Enquan o CI a a?, 'dentidade pessoal62, incluindo
um deve poder encontrar os recursos para a I
, bo' l'lcos que lhe permitem aceder a cldadama.
recursos sim
. 'f do ' no dado ou transmitido pela
(62) De facto, a partir do momento em que o b! rficas que impliquem, ao mesmo tempo,
g
em ele s pode ser construdo com base em expenenclas IOg a se forjOarem as suas aprendizagens
, .' -es forneam recursos par '
identificaes com Outrem CUjas conVlCO 'I' d s negat'lvas _ em convices... assim que se
. ' erincias - mc um o a ,
que permitam traduztr as suas exp tal d do a uma forma de cidadania activa.
constri um sujeito que s pode tornar-se ace en
Construo e crises da identidade pessoal
Este ltimo captulo destina-se a elucidar o significado da expresso construo da
identidade pessoal e a defender a tese segundo a qual as crises esto no seio desta cons-
truo sempre frgil e inacabada que a construo dum sujeito mergulhado numa forma
social de dominante societria"l. Ele prope uma interpretao sociolgica da emergn-
cia deste novo imperativo: construir a sua identidade pessoal. Ele tenta elucidar sobre as
relaes entre esta noo de identidade pessoal e as suas formas identitrias construdas
no primeiro captulo e encontradas nos campos da famlia (vida privada), do trabalho (vida
profissional) e da esfera poltica e religiosa (vida pblica ou simblica).
Este captulo, contrariamente aos trs precedentes, no partir de balanos de mudan-
as que tiveram lugar na sociedade francesa, mas duma fenomenologia das crises identi-
trias pessoais, obtida em numerosas fontes e aplicadas em diversos domnios. Ele reti-
rar ensinamentos da emergncia da noo, recente na legislao francesa, do sujeito em
aprendizagem. Assim, tentar elucidar as relaes entre processos de aprendizagem e
construo identitria, entre tipos de saberes e formas identitrias. Ele abordar a questo
da mutao dos ciclos de vida em curso nas sociedades contemporneas, e cuja anlise de
conjunto est longe de ser realizada, nomeadamente em Frana. Desembocar sobre uma
explicitao da noo de identidade narrativa que necessita duma anlise das linguagens
da identidade, do lugar dos relatos da vida na construo da identidade pessoal e da
crise correlativa das formas identitrias.
Este captulo tambm retomar a questo, j abordada por vrias vezes, das inflexes
da sociologia clssica que implica uma tal abordagem da identidade pessoal definida como
sujeito em aprendizagem e forma narrativa. Mesmo se este objecto de investigao no
....--r----'
(1) Cf. cap. 1. A identidade pessoal que vai ser abordada aqui a que resulta duma
de dominante societria (Vergesellschaftung) que implica o estabelecimento de laos sociais volun-
trios e incertos por contraste com os indivduos socializados, primeiro, de maneira comunitria
(Vergemeinschaftung).
nasce s da sociologia, mesmo renovada e di't .
cias humanas (historiadores psiclogos' t z re;pel o a os Investigadores das cin-
implica, para ser abordado' uma post' an ro
p
?Oglos, lingUIstas, psicanalistas, etc.), ele
, ura senslve mente no E t 'I'
acordo, que est longe de ser realizado em I _ va. s a u tIma Supe um
, re aao ao momento h' t' . ,
processo de emergncia do suJ'el'to socO t' . IS onco e a natureza do
le ano.
FENOMENOLOGIA DAS CRISES DE IDENTIDADE
Na sua ltima obra, intitulada La fatigue d'tre soi .
ponto as depresses constituem manife ta - d ' Ehrenberg constata a que
d
t'd s oes ca a vez maIS frequ t d"
ISCU I as por peritos vivl'das atrave's d f . en es, me latIzadas
A . ' e so nmentos es T '
tencla contempornea2, A depressa- t' pecl ICOS, engendrados pela exis-
d
. o ranslormou-se no exempl .
e Identidade pessoal. Depois de ter dl'ag t' d . o mais comum das crises
. . nos Ica o a generaltzao d fg d ,. "
mcertam e a presso normativa do Cu/t d l fi a I ura e Lmdwzdu
tese dum lao estreito entre estas a:e:rdo;mance, Ehrenberg argumenta a hip-
ral com o qual so confrontados os home o lh
rosas
e a mudana do modelo cultu-
, . ns e as mu eres de h O' .
propno, de se realizar, de construir a sua identidad .0Je. ImperatIvo de ser si
ter um bom desempenho engendra est d 'd e pessoa!, de se ultrapassar, de
, a oena I entit . , , .
frequncia por meio de psicot ' . d '. . as vezes cronica, curada com
d
ropICOS ca a vez maiS sofIstIcad b'
rogas cada vez mais problema't' os, mas tam em gerado por
. Icas, acompanhadas por d'
mais diversas. ' vezes, e pSICOterapias cada vez
Doravante, a mudana do modelo cultural im r
Segundo o autor, o indivduo conforme I'
P
Ica ser forte e sobretudo ser si prprio.
d ' que ap Ica as normas do s . da
a sua classe social, como os outros ou qu 'd 'f' . eu meIO, SUa cultura,
h
" e se I entI Ica com fIgu 'd I' d
o erOI, o sbio, etc.), foi substitudo pelo indivd -t . . ,. , ras I Iza as (o santo,
dade pessoal. Face a este novo impe t. raJectona a conqUIsta da sua identi-
ra IVO, mUItos dos noss t A
momento ou outro da sua vida at mes d . . os con emporaneos, nUm
sentimento de insuficincia>: duma c
mo
maIs ou menos crnica, sofrem dum
. ,0nSClenCla aguda de - ta'
Impresso de falta que se pode tradu' . . <<nao es r a altura, duma
zlr por SIntomas dIversos b h'
cansao crnicos, insnias ansiedades e a g' t' e em con eCldos: astenia e
, ' n us las ataques de pA' A . _
n.ante e de sofrer de si prprio: no dum co f1't ' Impressao domi-
CImento do Eu, duma diminuio ou mas enfraque-
sobretudo aos seus prprios olhos A 'd t . de SI, em pnmelro lugar e
. VI a orna-se Cinzenta e, por vezes, fica negra.
Nas trajectrias das imigraes macias anteriores (os belgas e os italianos dos anos
1880-1890, os polacos dos anos 1920-1930), Noiriel actualiza um processo comum: so s
os elementos da segunda gerao que, depois de conflitos frequentemente amargos com
os seus pais, se convertem cultura francesa, ao modo de vida moderno, multiplicam
os casamentos mistos, acabam com as prticas religiosas e renunciam progressivamente
sua cultura de origem. Alguns chegam mesmo ao ponto de mudar de nome50. Outros,
contentam-se em dar nomes franceses aos seus filhos. Estes ltimos, que constituem a ter-
ceira gerao, manifestam uma completa aculturao e, com frequncia, um triunfo
social notvei. Eles vivem apenas as crises comuns da identidade pessoal.
O exemplo da imigrao, estudado em trs geraes, pemite compreender ao mesmo
tempo a natureza profunda das crises de identidade e o seu duplo significado. Funda-
mentalmente, trata-se de passar do comunitrio ao societrio e esta passagem his-
trica, tanto colectiva como individual. Trata-se, duma s vez, de desenvolvimento econ-
mico, de democratizao poltica e de individualizao cultural, de subjectividade. O imi-
grante que chega dum meio comunitrio a um mundo societrio vive uma ruptura
importante. Estigmatizado, ele deve reagir atravs de estratgias identitrias51 que combi-
nam Com frequncia revolta e conformao, instrumentalismo e encerramento sobre si
prprio. Ele s pode estar dilacerado entre dois mundos to diferentes, opostos. Asua iden-
tidade pessoal no pode cortar com as suas identificaes colectivas, mesmo que as possa
privatizar e adaptar-se s regras societrias da vida profissional. Por isso, a sua pessoa pri-
vada tambm aquilo que mais o aproxima da sua personagem comunitria. O acesso
subjectividade barrado pela nostalgia da comunidade e das suas tradies rituais. por
isso que ele s pode conceber a sua famlia e tentar educar os seus filhos segundo as nor-
mas restritivas da sua comunidade.
Mas a escola modifica Profundamente o ambiente e o horizonte cultural dos filhos dos
imigrantes. Acultura escolar entra em contradio e com frequncia em conflito com a
IDENTIDADE PESSOAL E PERCURSOS INDMDUAlS
,. . , . anham todo o curso da existncia porque esta
Doravante, as cnse Identitnas acomp , . rta os percursos de vida cada vez
ltima se tornou, para todos, de de se ter de trocar de compa-
mais diversificados. No decurso da VI a pnva a, -----------------------,--T--
..
experincia escolar sentida como antagomca as exper, ganizado
g
em das revoltas individuais que desembocam terronsmotor h 'a de dramas e at de assassinatos de
d 'Ir inte ou tnnta anos es c el
(53) A actualidade os u Imos V , , ' arte de homens que no suportarama sua eman-
mulheres rabes (e de cultuLeras P;;rrs Michel LaCon, 1990,
cipao, d" por exemplo, D)ura, VOI e U SI , ,
(54) Ibid. 'D I ' t l Mdiatrices rIans les quartiers: le lien, Paris, La Documentation Cran- (55) CC, Catherme e crOlx e a.,
aise, 1995.
. -1
I
gios, voluntariado, empregos temporrios, fundo de desemprego, subcontrataes), pre-
cocidade das pr-reformas e multiplicao das actividades fora do mercado de trabalho
durante o perodo de reforma, mudanas de postos, de estabelecimento, de ofcio, de acti-
vidades ao longo da vida activa comum cuja durao tende a reduzir-se e o estatuto a
tornar-se mais indefinido, mais incerto, mais ambivalente. Aquesto mais delicada reside
no sentido a dar a esta <<vida de trabalho a partir do momento em que os ramos de tra-
balho se misturam, em que as prprias apelaes se modificam e em que a flexibilidade tem-
poral tende a ser erigida numa nova norma. Como que se podem construir projectos
profissionais a partir do momento em que se arrisca a estar exposto a vicissitudes permanen-
tes e em que os comportamentos oportunistas arriscam tornar-se nos mais compensadores'?
No campo das crenas e dos compromissos militantes, as mutaes no foram
menos fortes (d. cap. 4). As prticas religiosas tradicionais diminuram e as formas de
militncia poltica anteriores afundaram-se. Por isso, as trajectrias ideolgicas dos mem-
bros da gerao do baby-boom diversificaram-se consideravelmente em relao s da
gerao precedente. Sem dvida que o fenmeno no novo e as correlaes entre faixa
etria e voto poltico (e, num grau menos elevado, a prtica religiosa) so evidentes desde
h muito. Mas, aqui, mesmo um efeito de poca
58
que se manifesta mais: a relao com
o religioso e com o poltico sofreu transformaes profundas naqueles que chegaram
idade adulta nos anos 1960 e que esto no fim da vida activa na viragem do sculo. Se a
paisagem religiosa mudou completamente e a paisagem poltica se modificou razoavel-
mente desde h trinta anos porque os comportamentos e as atitudes daqueles que foram
adultos durante esta poca se transformaram profundamente,
Hoje em dia, como que se podem pensar estas trajectrias da vida privada, profissio-
nal, poltico-religiosa cada vez mais diversas, mutveis, aleatrias? Como que se podem
unir estas diversas esferas de actividade para perceber o significado subjectivo das muta-
es precedentes? Como que se podem interpretar as relaes entre as mudanas sociais
e as evolues das subjectividades e, logo, da identidade pessoal? A hiptese dum espao
crescente dado identidade reflexiva <Si prprio como distncia aos papiS) e narrativa
<Si como projecto) em relao com a confuso de categorias de identificao societria
(Eu estatutrio) e comunitrio (Eu nominal) foi a que procurei desenvolver neste livro.
Para retomar a terminologia de Elias, poder falar-se duma dominao crescente da iden-
tidade dum Eu pessoal sobre um Ns doravante cada vez mais societrio? Ser a identi-
dade pessoal socialmente defnivel? Poder a sociologia ter algo a dizer? Eu penso, com
Franois de Singly59, que se pode responder afirmativamente a esta questo, mas com uma
condio: avanar na elucidao do que que este Ns societrio e da sua diferena
em relao ao Ns comunitrio.
pess()a}_
I
I
I
\
I
I
I
A
nheiro aumentaram incrivelmente, para no dizer' .'
modelo de instalao vitalcio da famlia estvel ha anos para c. O
sempre e imutveis est em crise. J ningum od' t s unoes duma vez para
pode encarcerar ningum para sem r p e ,o.rar o outro a nao mudar, ningum
2). Esta forma de farr:Iia sob pena de excluso
mcluindo as que tm uma cultura d 'g' '. c a a, e contestada: as mulheres,
d
e on em comunItria descobr'
e vida: elas aprendem francs trabalh < ,Iramum outro modo
d
,amlora, comeam a ler saem de S- . I'
za as pelas suas filhas que vo escol tA b ,casa. ao SOCla 1-
nos e modernos claro' o a e d
em
oas notas, adoptam os modos de vida urba-
. . processo e emancipa- d Ih
profundidade, a instituio familiar D t ao as mu eres transformou, em
, . oravan e as mulheres tm cada '
pnvada e no s uma existncia familiar de r: . _ vez mais uma vida
preocupao com elas prprias este 'd d dPar,lga, esposa e mae. Doravante, elas tm
fl
. ' CUl a o e SI que marca o aces 'd'
re eXIVa, a que Singly chama ' t' so a uma I entIdade
o sIm Imo Desde o sculo XIX 't' d
manifestava o aparecimento na ' . , ' a pra Ica o dirio
s rapangas maIs cultas d ti'd d
mente, esta prtica acabava quando se casav 56 um a CUl a o. Mas, frequente-
Est 'd I am .
pode e j, adolescncia e juventude: ela
tar esta histria dhlstona diz, implicitamente, rela-
, en I a e narratIva Em Frana '- .
cam-se, as incitaes proliferam desd h' t . ta' , as.ocaslOes multtpli-
Mennie Grgoire, jornalista, nos anos dnn '. ;nos. ?esde as emIsses de rdio de
1970, os media apoderaram-se p g .' epols ranolse Do1to, psicanalista, nos anos
I
ro resslvamente deste espao' 'd' . . ,
te evises que disputam conselho fidA ' . ra lOS, JornaIs femminos,
que impem, pouco a pouco uma I enClas, correios de leitores
res. A existncia afectiva va Vida mtIma, especialmente s mulhe-
No decurso da vida ;rofissional 'a:rr;;:rosa parece ter-se o essencial da vida.
3): mobilidades restritivas, mas tarr:bm toda a es?ecle aumentaram (cf. cap,
gresses negociadas precaridad "d s, rupturas Impostas, mas tambm pro-
, es VIVI as mas tambm exp 'A ' d . d .
que a maioria destas m d _,', enenclas eseJa as. E verdade
financeiro ou por de rentabilizao do capital
verdade que o modelo herdado d as mmlstraes pblicas. Mas tambm
trabalho taylorizados ou empregos _emprego eterno em postos de
desenvolvimento da identidade pessoal E t d Ja nao estava capaz de favorecer o
, . o tenha substitudo enquanto sr::doo e
d
o em crise, .sem que outro
," antes, a uma diversificao at mesmo fr p _uma legItimidade macia. Assiste-se,
i,! zaes de trabalho, dos da acf das formas de emprego, das organi-
, . posi() dos ciclos de vida profissional: a vasta recom-
I' de trabalho e experimentao de activ'd d d en o o o.de mserao no mercado
, . I a es ca a vez maIs mterhgadas (formaes, est-
! " _._------------ _ _ __ _._.. _ ------ - ------- - .. --- ,.-T
: ' (56) Cf. Philippe Lejeune Le M. . di -I " ..---...---..------------i (58) Ci. cap, 4, as concluses retiradas da anlise de Yves Lambert no que diz respeito prtica 'i'eH:
(57) Cf F ' .' o/ es uemOlSe .es, Paris, Fayard 1996 '
, . ranOls de Smgly, lndividualisme t r .'.' giosa e de Pascal Perrineau no que diz respeito aos votos polticos.
Primavera 1998, p. 33-45, e len soclal, Lien social et politique, RlAC, 39, (59) a tese que defende no seu artigo lndividualisme et Iien socia!, obra citada, 1998, bem como
no seu livro, Le soi, le couple et la famille, Paris, Nathan, 1996.
A
, de facto, uma pergunta chave da sociolo i '
e, particularmente, em Frana a resposta' , g a, desde o seu naSCImento (cf, cap. 1)
" , ,eerronea Porque el t'
pnSlonelra duma concepo comun't' d " a con mua, com frequencia
P
ina o social e' ,
orque ela continua ancorada num parad' d ,,economista do societrio.
derado como simples interiorizao pelos1g,mda, 'determdmlsta da identidade social, consi-
, ' , m IVI uos uma pos' -
caractenstIcas socialmente pertl'nent P '_ lao que resume todas as
Ih
es. orque ela nao at 'b ' , I'
e pertence na anlise do societrio d 'd ' n UI a mguagem o lugar que
estas razes, a sociologia nomeadam' rte UZI F
O
ao funCionamento econmico. Por todas
, ' en e em rana tem m 'ta t d" .
rar a dimenso biogrfica como uma '1 _ 60' UI en encla para conside-
I usao e as ide f d d
categorias oficiais. J tempo de ret t n I a es como equivalentes de
'd ' omar es es pontos qu t-
I entidade pessoal e dos seus percursos te ' e es ao no cerne das anlises da
A ' , d'f' mporals...
pnmelra I Iculdade em perceber sociolog' t '
soaI como <<valor sociah> eminente re 'd lca
f
m_en e o apareCImento da identidade pes-
SI e na con usao ampla t ' d
entre o colectivo em geral (No's) , , , ' men e onun a de Durkheim
e o comUnItno em part' I 61 C '
o lado, existem Ns que no so comu 'd dE' ICU, ar . ada vez mais e por todo
t
' nI a es. stes nos soclet' ' - ,
nas de pessoas que escolheram por um tem ' , sao voIun-
rao com outros. Estes possuem po, afJharl-se ou crrar aSSOCiaes, em coope-
d
'd' , aos seus o hos uma s'g f' - b' .
me I a em que Implicam a defesa de' t ,In lcaao su 1ectIva na
m eresses comuns e/ou flh d
Olao societrio, enquanto lao social 'f' 'I a par I a e valores comuns
62
.
pre significante. Contrariamente ao I ,e ragl, temporrio, mas sem-
crenas colectivas nem de' ao comumtano, ele no implica a partilha de
, ,<<raizes comuns (Ia d
sim a partcipao em aco com outros _ os sangue, de terra, de cultura), mas
rio no reside s na eficcia o e"xI't d parceIros. Odesafio deste lao volunt-
d ' o os o JectIvos da aco 'ta b'
e cada um dos parceiros tanto como act e m em o reconhecimento
reparou Jean-Daniel Reynaud e' n a ,?r quanto social. Neste sentido, como bem
, a cao co ectIva e na neg , - d
os actores se constituem enquanto s "t 63 E _ ocmao as suas regras que
uJel os . stas acoes colectivas so cada vez mais
, Cf. P. Bourdieu, I.:illusion biographique, Actes ' ,
p, 53-76. Neste texto, o autor desenvolve a metf de la en SClences sociales, 62-63, 1986
do que d a chave das deslocaes dos dos percursos individuais: a
individuais a trajectos sobre linhas Sem mas ser possvel reduzir as deam-
E se os percursos individuais contribussem es e, sobre um mapa com duas dimen-
oes, das estaes? E se as trajectrias subjectiva:
ara
a cartografia das posies e as disposi-
a ?bjectiva das posies sociais _ outras referncias, contribussem para
es et formes Identttaires, Socits contemporaines 29 Cf, C. Dubar, Trajectoires socia-
(61) Sobre a relao entre os dois tipos de e de 1998, p. 73-86.
cf, P, Besnard, M. Borlande, P, Vogt (ed,), Division d t distinguidos por Durkheim,
ele apres, Paris, PUF, 1993. Cf. a interpreta -o raval et soclUl. La these de Durkheim, un sie-
hesitado, teria aderido equao gC; Nlsbet a qual Durkheim, depois
ans, PUF, 1967, p, 109-126, nenco_ ao comunItno, La tradition sociologique,
,E': a que Max Weber d da Ver esel "_.
voluntana regIda pela racionalidade econmica : soclalJzaao socletria como associao
(63) Cf, Jean-Daniel Reynaud Les regI. d' oglca; cf. cap,!.
, es Ujeu, cltoncollectiveetrgulationsociale, Paris, A, Colin, 1989.
diversas e misturam o pblico e o privado, o econmico e o afectivo. Filiar-se num
clube de adeptos, numa associao desportiva, num sindicato ou numa associao profis-
sional, num movimento de desempregados, ou numa organizao humanitria no
advm apenas do interesse, mas tambm da paixo, do desejo e at mesmo do altrusmo.
uma filiao que pode ser emociona!, afectiva ou tica porque ela permite desen-
volver uma sociabilidade escolhida que proporciona prazer, satisfao, alegria (<<estamos a
divertir-nos). Ela no constitui um compromisso para toda a vida, ela s cria deveres
livremente consentidos, mas ela permite encontrar pessoas, falar com elas, cooperar em
conjunto. Mas o Eu guarda a predominncia: ele pode cessar a sua filiao a qualquer
momento.
A inverso da relao entre Eu e Ns tornada principalmente societria pode ir mais
longe: at vida privada mais ntima. A relao amorosa no excepo: o descasa-
. mento64 significa a recusa do Ns comunitrio, conjugal, institudo e a aspirao a um
Ns societrio fundado no amor autntico, mas incerto que deve permanecer um com-
promisso subjectivo do Eu autntico, sem lao comunitrio, sem presso social. Esta a
condio para que ele permanea uma paixo privada, pessoal, altamente incerta mas exal-
tante e reveladora de si (cf. cap. 2). De facto, a condio para que um Ns societrio seja
aceite e mantido, para que um casal se forme, atravs deste amor partilhado, porque o
Eu permanece ele prprio (Si prprio reflexivo) na paixo do outro, ao mesmo tempo
que comea uma fase nova da sua histria pessoal (Si narrativo). O ser amado torna-se
assim o centro da sua identidade pessoal, mediador entre si (identidade narrativa) e si pr-
prio (identidade reflexiva). O amor torna-se um motor essencial desta dupla identidade
para s. Torn-lo pblico, transform-lo em casamento, depois em famlia
65
, arriscar a
encontr-lo alienado no comunitrio. Mant-lo privado significa que se lhe est a dar
uma oportunidade de ser por muito tempo (ainda?) autntico, mgico, ntimo no respeito
absoluto pelo outro, pela construo tanto duma histria pessoal, como partilhada. Em
resumo, ser um puro produto recproco de dois sujeitos definidos atravs das suas iden-
tidades pessoais (cf. cap. 2).
O compromisso pessoal numa aprendizagem experiencial, a construo dum projecto
profissional que seja suficientemente flexvel para se adaptar s restries do mercado de
trabalho, mas suficientemente firme para implicar uma argumentao convincente e
apoiar-se em realizaes suas66, constituem formas de relao ao trabiilho que contrastam
com o destino colectivo imposto por um tipo de diploma ou por uma reproduo familiar.
(64) Irene Thry, Le dmariage. Justice et vie prive, Paris, Odile Jacob, 1993,
(65) Aquesto de saber se se pode educar filhos em casal (coabitao ou no) sem entrar na consti-
tuio de famlia que implica obrigaes de ordem comunitria e inscries na lei da linhagem ainda
no parece estar na ordem do dia, pelo menos em Frana. O debate recente sobre o Pacto civil de solida-
riedade foi prova disso: a adopo de crianas por casais homossexuais ainda continua a ser um tabu.
(66) um ponto capital da anlise das formas societrias: como a participao em colectivos, ainda
que provisria e parcial, permite produzir obras apropriadas pessoalmente e que manifestam o sucesso
das aprendizagens empreendidas.
tituies pblicas (o Estado, as colectividades territoriais, os servios pblicos... ) mais do
que elas com frequncia lhes podem oferecer (no s recursos econmicos e regras con-
tingentes, mas tambm um estatuto, uma proteco identitria, um reconhecimento
vitalcio). Ora, a funo destas instituies evolui medida da modernizao que no
s econmica, mas que faz advir, de maneira mais ou menos aceite e eficaz, uma outra
forma social, uma forma societria, mais ou menos democrtica, sinnimo de individuali-
zao, de iniciativas vindas de baixo e, logo, do desenvolvimento da identidade pessoal.
sem dvida este o ponto mais controverso para os socilogos moldados por uma concep-
o durkheimeniana e marxista
68
do social: a dissoluo das formas comunitrias e a indi
vidualizao das aces institucionais (da escola s polticas sociais, passando pela justia)
frequentemente s analisada em termos de imposio duma lgica econmica, frequente-
mente baptizada de liberal, tendo como efeito o crescimento das desigualdades e dos sofri-
mentos dos mais desfavorecidos (ou da classe operria). Mesmo que se faam, estas anli-
ses no sero suficientes: a construo duma democracia participativa tambm est em
jogo. Este processo longo, complexo, incerto, gerador de desigualdades e de crises iden-
titrias. Mas, na sociedade francesa, ele acelerou consideravelmente nos ltimos 30 anos.
Certamente, pode-se rejeit-lo em massa, em nome de valores ou de nostalgias, em nome
duma outra concepo do societrio que salvaguardaria o que se pensa ser a essncia comu-
nitria (ou o futuro comunista) do indivduo humano (cf, cap, 1), Mas esta rejeio
cada vez mais invlida pela trajectria histrica dos regimes que a puseram em prtica: longe
de criarem um forma superior dos laos sociais e da identidade, eles engendraram regres-
ses comunitrias que esto entre as mais mortferas da histria humana. , alis, esta con-
juntura histrica que permite compreender a crise das identidades: as antigas so invli-
das, ao passo que as futuras continuam opacas e com frequncia ameaadoras. Mas as teo-
rias antigas j no permitem esclarecer o futuro. Ento, s resta tentar compreender em qu
e como as formas societrias podem ser emancipadoras, inclusive para os mais desfavoreci-
dos economicamente e os mais dependentes de formas comunitrias protectoras.
Uma tarefa actual da teorizao sociolgica parece-me ser a seguinte: no se contentar
com a crtica (que tambm deve fazer) das falsas aparncias dos discursos poltico-mediti-
cos que, a pretexto do recurso individualizao, ao esprito de responsabilidade, noo
de competncia, etc., reduzem o societrio ao liberalismo econmico impondo a lei do mais
rico e a do mais forte a todos os outros contribuintes, mas mostrar como e com que condi-
es algumas formas societrias do social podem ser libertadoras, ao mesmo tempo eco-
nomicamente (ao impor, pela aco colectiva, regras equitativas e polticas sociais em favor
dos mais desfavorecidos), mas tambm culturalmente, num novo sentido. J que a acti-
vidade cultural nunca pura preservao dum patrimnio comunitrio imutvel, ela
sempre apropriao, reinterpretao, mestiagem, recriao pessoal e colectiva. O mesmo
Compreender a insero ou os trajectos profissionais n' ,
o nvel de diploma e de descodificar 'g 'f ecesslta de anahsar bem mais do que
realizadas, por si prprio com o a SI Icado atribuda ao trabalho e as transaces
, s parceIros a relao de 'I' '
modelo da competncia pode co n ' emprego, ,eoncamente, o
trabalho profissional A condia" ,ns dI Ulr um que facilite esta subjectivao do
. o e a e que a negocIao entre t
procura seja efectiva e equilibrad' quem olerece e quem
, a, o que esta longe de ser se ( f
As analises da esfera simblica no podem Iimitar- o c. cap. 3).
noutros tempos, entre os indicadores d T se a correlaoes, ate mesmo repetidas
o sobre a escala social num dad as pra ICas e vot,os e pertenas reduzidas a uma posi-
li ' ,omomento. MaIs uma vez d' ..
rontelras e as referncias simblicas (reli io ' , , ' ' compreen er quaIs sao as
indivduo dotado duma identidade etlcas, mas tambm estticas) dum
fica prticas (ou a sua recusa) a si dados sobre o que justi-
didas por si prprio. Enquanto uma rt posloes, mseparavels de compromissos, deci-
assumida por aquele que assim cI pe 'fiend
a
(cultural ou no for pessoalmente
, asSI lca o que garantia tem "I
pertinente para compreender a posi .' um SOClO ogo que ela seja
campo simblico (cf cap 4) n' ao edxpress
a
?Enquanto as evolues macrossociais no
. . , ao se pu erem apoiar sobre p b" '
mente assumidos, que garantia tem o socilo . ro.cessos IOgraficos subjectiva-
jectividade? Orecurso a biografias c t' go que elas nao sao o fruto da sua prpria sub-
t ' on mua a ser um dos meios ' I' ,
onadores e antroplogos) de ancorar 'bT maIs c asslCOS (para os his-
A identidade pessoal concebida de identidades pessoais.
sociais, Ela construda a partir de da nao, e de,termmada pelas suas condies
tria subjectiva. o lao com 't" recyrsos a, social que tambm uma his-
, um ano, sem possIbIlIdade de se d' t '
os mdivduos quando lhes impo' IS anclar, que determina
e as suas normas as suas reg "
tos, reproduzidos de gerao em gera o O <<I ' , " os seus papeIs e estatu-
rece oportunidades recursos referncI" ao" socletno nao determina nada, ele ofe-
d
',as,uma mguagem para a co t d
nan o sempre possvel Ns cent d ", ns ruao o Eu, tor-
ra os na acao colectiva O ' t' , ,
nao dtermina, Ele tamb 'g I ' . ,socle ano diferencia, mas
, d m sm u anza ao mesmo tempo E o d
Cla, esnortear os socilogos que conf d' . que po e, com frequn-
, . , un em mUitas vezes estas dua t d I
as msh tUles societrias no for m ' , , s ormas e ao social:
tomam sujeitos, elas sancionam os a partir do momento em que eles se
o outro. Elas tambm legitimam o que a ham as e que assim atentam contra
filtrar o acesso s posies ,p r as consequenclas das condutas de cada um ao
. economIcamente mais raras EI t 'b
assIm Como os insucessos, responsablidade ist '" d f ddas a n uem os sucessos,
O que complica as anlises o fac ,oe, a I I . a ,e pessoal de cada um.
i temporneas continuarem como t b
to
de
t
, nhume,ros
as
mstltUles das sociedades con- .
, , . ,oem m a VIStO Max Web b" I
comumtno e societri067 MUI't dI' er, a ser com maoes de
t . os aque es que lIdam com elas 't d
oram socializados de forma princi I ' ". ' ' e mUi os os. seus agentes,
,,,.,,.,._ pa mente comumtana. AssIm, eles esperam destas ins-
r,' __.----- -----.--.---..-
.. (67! Cf. o primeiro captulo de ..---..---"-..-----..----..---o---------- .,,0- ".---.- ---.----- -----.- --- .., .-.- --.----.-----.,,-...- ,,----.--. -'--''''-,'''-' T"
Durkhelm e Weber, visando as instituies I ,e, trad. 1971, p. 43-44. A grande diferena entre (68) Dum marxismo determinista e com frequncia mecanicista que privilegia o paradigma da
espcie de crel"" colectiva (s6 o respel'to pe' ,qouDe,.a
r
I,egal e racional de Weber no implica nenhuma I - b fI't.., I t' (d I) ta b I (d 'st' cl'a e de compro
..... el o co t naao so re o con I o, nao so co ec IVO e c asse, mas m m pessoa e resl en .
, n ranamente socializao durkheimenia I
na, I misso); d. J, Elster The multip/e se/r, Cambridge University Press, 1985, p, 34-58,
tria pessoal, de dar sentido ao conjunto das experincias da vida individual. ele, a
mao do indivduo em sujeito resulta da combinao de duas afirmaes: a do mdlvlduo a comu-
nidade e a da convico contra o mercado (ef. La formation du sujet, F. M. Wleworka (ed.),
Penser le sujet, Paris, Fayard, 1995. p. 29-30). Sobre a distino entre sUjeIto e ef.
Touraine, Critique de la modemit, Paris, Fayard, 1992, p. 267-289. De facto: a comuO!-
dade e indivduo enganadora: a forma societria tanto uma forma SOCial quanto uma
sociedade de indivduos, como escreve EIias, feita tambm de laos, ou melhor de relaoes nao comu-
nitrias entre os sujeitos. . .
(70) Cf. os trabalhos de Erving Goffman, e nomeadamente os seus sobre a
Encouters, 1979, eStigma, 1963, obra citada. a partir destes trabalhos que a noao .de face, as.soclada
de distncia em relao aos papis conhece uma grande posteridade na comumdade de socl?logos.
Esta face pode ser considerada como uma forma defensiva do Si prprio Que consls.te em
evitar qualquer assimiliao entre o seu Si e os seus Eus (nominal ou estatUt.no) estIgma-
tizveis, cf. a obra colectiva oriunda dum colquio em sua honra, Le parler frals de Ervmg Goffman,
Paris, d. de Minuit, 1989.
tenas a ns societrios: a distncia em relao aos papis: essencial. da
cincia reflexiva
7o
, tambm a condio de construo duma IdentIdade narratIva. A diS-
tanciao torna-se assim um recurso importante que permite reconstruir nov.os
reinterpretar de forma diferente a sua histria passada e comprometer-se
numa histria pessoal, sempre por reinventar, que no se reduz a uma traJectona SOCial
objectivada. , .
Parece-me que a expresso <<identidade pessoal continua a ser necessana porque ela
.marca bem a passagem duma concepo objectivista e petrificada da identidade para outro
a uma elaborao subjectiva e virtual da identidade para si. Se o sujeito de facto um
sujeito social ao mesmo tempo que pessoal porque ele deve gerir esta
afrontar sempre, nas interaces quotidianas, a projeco sobre ele de
objectivadas. Ahiptese segundo a qual as projeces so cada vez mais multIpias,
provisrias, contestadas em todos os domnios, apoia-se sobre resultados de pesqUisa. E!a
permite unir e interpretar resultados diversos que, sem ela, continuam como o sao
o crescimento das crises pessoais (Ehrenberg), os debates sobre o Insucesso
(Charlot, Terrail), os ensinamentos das trajectrias de imigrao (Noiriel, Sayad), E por-
que as identidades atribudas no so as nicas e porque os de sao cada
vez mais complexos que a identidade pessoal se torna um desafio SOCial e soclOloglco.
Quer-me parecer que o raciocnio da sociologia clssica no leva suficientemente em
conta a mudana do modelo educativo impulsionado na instituio e.scolar, nem a
mudana do modelo de emprego executado nas empresas, nem os.m:can.'smos de apro-
priao subjectiva que implica a construo das identidades profiSSIOnaiS. Ele reduz a
Escola a funes abstractas, muito gerais, e as identidades a super-estruturas puramente
ilusrias. o que acontece quando se reduz, conscientemente ou no, a identidade a uma
posio nica numa hierarquia social unidimensional (a identidade social, em geral!.
Se num determinado momento, este exerccio pode alertar, por um lado, para as desl-
econmicas e a sua relao com as situaes, ele no deixa de subestimar gra-
T
Acrise das identidades I, Construo e crises da __. ._
------- .....-.- ..-.. --..-'-- ... ------
i
Cf. a definio que Alain Touraine d de sujeito: Desejo de ser um indivduo, de criar uma his-
vlido par a identidade pessoal: ela no pertena herdada de uma cultura fossilizada
assim como no constitui um vnculo a uma categoria estatutria dada, imutvel, ela
um processo de apropriao de recursos e de construo de referncias, uma aprendizagem
experiencial, a conquista permanente duma identidade narrativa (Si-projecto) pela e na
aco colectiva com outros eleitos. Aidentidade pessoal implica a interiorizao duma ati-
tude reflexiva (Si prprio) atravs de e em relaes significantes (amorosas mas tambm
competitivas e cooperativas, conflituais e significantes) que permitam a construo da sua
prpria histria (Si) ao mesmo tempo que a insero na Histria (Ns).
A identidade pessoal dos sujeitos em aprendizagem no adquirida, tal e qual, nas-
cena. Ela constri-se durante toda a vida. Mas, ela no se reduz a uma interiorizao
passiva e mecnica das identidades herdadas, do conjunto de caractersticas ligadas
(a forma cultural do Eu nominal), nem a papis estatutrios predefinidos (a iden-
tidade estatutria do Eu socializado). Ao contrrio, ela conquista-se frequentemente con-
tra estas ltimas, por distanciao e rupturas que no excluem nem as continuidades, nem
as ,h,eranas. Claro que a escola constitui uma oportunidade estratgica: ela permite ao
sUjeito reconhecer-se para si prprio e no como um produto dum meio estatutrio
ou cultural adquirido. por isso que o insucesso escolar, mesmo relativo fonte de crise
identitria. Mas ela no a nica via de construo da identidade outras din-
micas de aprendizagem e provaes pessoais esto felizmente em aberto (de forma desi-
gual: por certo) que permitem, no S encontrar a sua via, duma vez por todas, mas pro-
gr:dlr sem fim, aprender com a experincia, encontrar o Outro, recomear graas s
cnses e voar pelas suas prprias asas, mesmo que regularmente seja necessrio encon-
trar as suas razes atravs duma deciso voluntria.
A identidade pessoal, subjectiva, para si pois o puro reflexo das identidades esta-
tutrias, das posies ocupadas em categorias oficiais de pertena, para outro. De facto,
cada vez com mais frequncia, estas posies esto destinadas a mudar ao longo da vida
adu!ta. Novos na vida privada (me, pai, cnjuge, etc.) que, como vimos, no
capitulo 2 eram mUito Incertos. Novas pertenas profissionais so, cada vez com mais fre-
quncia, conquistadas no fim da difcil provao da insero e pelo confronto com o mer-
cado de t.rabalho.. vez com mais frequncia, elas so provisrias, postas em causa seja
de maneira restntIva, pelos movimentos do capital, seja de maneira voluntria, pela exe-
cuo dum projecto de mobilidade, com frequncia atravs duma transaco entre os dois.
Estas mudanas so outra vez geradoras de crises identitrias j que elas pem em causa
as identidades anteriores. Mas estas crises no so insuperveis. A condio
para as ultrapassar reside no facto de no se ter identificado totalmente a sua identidade
pessoal nessas identidades culturais ou estatutrias frequentemente ameaadas. a razo
pela distinguem e identidade, subjectivao
e soclafIzaao . E verdade que a hlstona colectIva no se reduz continuao das per-
. . o essencial entre vrias espcies de palavras, cate-
aqui que se deve fazer uma dlstm d . . t t'va oficial pblica no so as nicas
As I da lngua a mlms ra I, ,
gorias, linguagens. pa avras . _ otl'dl'anas das aces colectivas que,
e tes das mteracoes qu, .
palavras das conversas corr n, d I s prl'vadas ntimas interIores. Sem
'C f entemente as pa avra , ,
eles prprIos" dlterenclam requ rte destes trs registos, o que autoriza todos os
dvida que ha palavras que podem fazer Pd
a
d c r zovel a tese segundo a qual estas
. 73 pode-se defen er e lorma a
jogos de hnguagem ,mas. 'a-o tm a mesma funo, o mesmo
- f . am da mesma maneIra, n , .
trs linguagens nao unclOn ., odem.escolher interessar-se s pelo pnmelro
objectivo e o mesmo trunfo. Os, das categorias socioprofissionais, por exem-
tipo de linguagem e de categorIas. co I o d terml'nado momento, segundo as
I 'f - das pessoas num e
pIo, toma possvel a c assl Icaa,o f' ? A reagrupar respostas similares, ele
. tas . g nta qual e a sua pro Issao. o . N- _
suas respos a per u . I _ t' nas suas categorias oficiaIS. ao sao as
t da popu aao ac Iva
permite conhecer a repar I o d I es as suas respostas a uma per-
. - I sificadas mas as suas ec ara , . . P
essoas em SI que sao c as 'd determinado momento: a actlvl-
. - f lar da sua VI a, num
gunta sobre uma dlmensao par ICU g tas pode-se conhecer as suas tra-
,. G tio das mesmas per un ,
dade profiSSIOnal. raas a repe , I t' te longo. Por exemplo, sabe-se que
., . d nte um penodo re a Ivamen _ (" J
'ectrias profiSSIOnaIS ura era'rl'os em 1968 j no o sao Ja
d h tivos que eram op
mais ou menos metade os omens ac . . , ) m 1990
74
Em funo da sua
. . . I que os claSSIfIcavam assim e .
no se IdentIficam com pa . _ u habitat o que que lhes aconteceu.
idade, pode-se saber a sua quahfIcaao, o se d t' s categorias oficiais mudaram
. t A tulos prece en es: a ,
Ficou bem claro nos res cap " 'I eguir as grandes evolues no so da
muito pouco desde h trinta anos para poslslVe s t be'm a populao adulta sobre a
. b d' o proflsslOna mas am . ,
populao activa so re a Imens f 't obre as dimenses prticas rehglO.-
d "1 e graas a outras on es, s _ , .'
dimenso de esta o CIVI , , . . t Estas categorias no sao estatI.,
' . S' posslVeI adiCIOnar ou raso
sas ou votos pohtIcos. erIa tl'dades Elas esto sempre
. . I t ente e em pequenas quan. .
cas, mas elas modIfIcam-se en am . . I s sa-o petrificadas pelos seus utt-
- d' A as sociais Por vezes e a
atrasadas em relaao as mamJC .' , I a excluso)75. Contudo, elas ten-
c m estigmas (por exemp o,
lizadores que as translormam e I _ . d'vl'dual's mas reagrupam-nas em con-
I - das dec araoes mI, .
tam levar em conta a u?ao h'd estratgico para a aco pbhca, num
juntos que tenham um slgmficado recon eCI o, ou
determinado momento.
, 'as estratgias identitrias, foi introduzida por
(73) Esta noo, essenCIal para . usticos da categorizao. Rompendo com qualq.uer
Wittgenstein para caracterizar os hn
g
. Ii w> numa filosofia da linguagem que
forma de essencialismo, ele baseou a sua sS hi ues Paris Galfimard, 1986, (L' ed. 1953).
P
or excelncia o recurso identitrio, cC. Invest/(IatlOTlS
ld
o ?ps qet s (1968-1990)>>, in C. Dubar e
I ,. professlOnne s ouvner
(74) Cf. Alain Chenu, tmera.lres . USe tentrion, 1999, p. 199 e S. .,
C. Gada (ed.), La promotion sOClale en PelO :orrente (indgena) se torna categona d,a 110-
(
75) este o caso quando uma categona de hng ag t b forma de catalogao de categonas de
' . 'd' t linguagem corren e so , de
guagem poltica, depOIS JUrJ lca e en ra na , nte o que aconteceu com a ,
pessoas identificadas juridicamente, Em Fra;a'd jogo de linguagem tem efeitos ternvels
excluso, desde o incio dos anos 1980 e mea os e .
nas identidades pessoais.
:J721
....._.
vemente a dimenso diacrnica dos processos em curso e a importncia efectiva das ques-
tes identitrias, ao mesmo tempo simblicas e psquicas, destes processos que afectam a
mudana do modelo cultural impulsionado, tanto na escola como na vida profissional e na
vida privada. Quanto a pensar que esta mudana no mais do que um estratagema dos
dominantes para melhor consolidar a sua dominao sobre as massas, esta crena per-
feitamente legtima, mas ela no passa duma crena, como qualquer outra
7J
este ponto de vista sobre a identidade pessoal que fundamenta a importncia estra-
tgica da linguagem e da sua elucidao numa eventual teorizao que s pode ser, mais
(89) Cf. Paul Ricoeur, Soi-mme comme un autre, Paris, Seuil, 1990. A noo de identidade
intervm, em primeiro lugar, na obra de Ricoeur, como concluso da sua magistral histria do relato que
tambm uma interrogao sobre o tempo, d. Temps et rcit, III, Paris, Seuil, 1985, p. 435-490. Ela de
seguida retomada e longamente explicitada, na sua obra mais importante de 1990, em torno desta tese: <<A
compreenso de si uma interpretao que encontra no relato uma mediao privilegiada; esta ltima
imita tanto a histria como a fico, fazendo da histria duma vida uma histria fcticia, ou, como se qui-
ser, uma fico histrica (obra citada, 1990, p. 138).
(90) Cf. Fernandez-Zolla, obra citada, p. 66. sem dvida esta fragmentao crescente provocada pelas
crises identitriasiexistenciais que, hoje em dia, torna a questo da identidade pessoal to vital e avassala-
dora.
(91) Cf. Oliver Schwartz, Le baroque des biographies, Cahiers de philosophie, nmero especial,
Printemps 1990, p. 173 e s.
(92) Fernadez-Zla relembra com muito preciso, no seu livro, que para Benveniste, por exemplo (d.
Problmes de linguistique gnrale, Paris, Gallimard, 1966) antes de servir para comunicar, a linguagem
serve para viver. o que ele prprio chama a carne da lngua, este nvel vernaculaf, saturado de
afectividade que constitui um elemento no qual ns vivemos e no um instrumento para comunicar.
Cassirer (cr: La philosophie des formes symboliques, 1: Le langage, Paris, d. de Minuit, 1972, L' ed.
1923) tambm teorizou longamente por meio duma concepo paradigmtica da linguagem, natural-
mente oposta teoria <<representadonista do senso comum que constitui com frequncia um obstculo
importante compreenso da subjectividade, cf. Demaziere e Dubar, obra citada, cap. 3.
J-------\iIi - --- ------,---.--
ii
uma vez, interdisciplinar. Se o sujeito em aprendizagem antes de mais um sujeito
que fa.la__ porque ele , primeiro, como Benveniste to bem percebera, sujeito de
marca do sujeito na frase depois no relato que necessariamente dialo-
gado. E a razo pela qual, quando se quer falar de identidade pessoal, se necessaria-
numa espiral de pronominalizao
93
que obriga a distinguir o Eu do si,
depOis SI de SI prprio, sem nunca esquecer a presena determinante do ele O que
toda a mesmo interior, dialgica). Este ele pode ser ou no um tu que
ser:e de medIador entre os si e o si prprio, ambos pronomes reflectidos. Estes pro-
de. enunciao constituem vectores de expresso da subjectividade na lingua-
mdlcam a presena da reflexividade e da narratividade por meio de mundos
lexIcaIs que so configuraes de palavras sistematicamente associadas e estatisticamente
mesurveis. Assim, marcas diferenciadas e reconhedveis
94
permitem detectar formas dis-
cursivas a partir de palavras utilizadas e das suas co-ocorrncias. Paul Ricoeur, a propsito
das na:rativas, como alis Marc Aug a propsito das formas simblicas, tm razo
em lIgar estreitamente a <<constituio reflexiva da identidade pessoal com a constru-
o recproca da alteridade e o acesso forma discursiva especfica manifestando a
<<presena do sujeito na linguagem. So estes os termos que uma anlise socioeconmica
deve ser capaz de pr em evidncia a partir de corpos significativos de textos considerados
como discursos subjectivos.
A relao ao outro est exactamente no cerne do processo da identidade pessoal
bem como tambm a vida privada e as relaes interculturais
95
. Quando as formas
ral (Eu e estatutria (Eu socializado) de identificao de si so categorizadas, s
vezes estigmatizadas por outro a partir de instituies annimas, s vezes substitudas
por encerradas em papis (os Outros generalizados de Mead), as formas
reflexIvas e narrativas (identidades para si) so produzidas pelos prprios sujeitos graas
r Enc.ontrei este termo num artigo antigo de Wallon que escrevia: <<As distines pronominais da
a promoo do Eu em direco ao estado de indivduo que conquista o seu lugar, como
no melO. de (Enfance, nmer.o 1963, p. 94). Encontrei este termo no texto de
ean Pierre Boutmet publicado no recente 1rQ/tdes SClences et techniques de la formation Paris Dunod
1999 p 187 E ta' fi -- d . ' , ,
I ,. . S 10 aao o pronommal nos discursos (si, si prprio, eu prprio etc.) ilustra segundo
e, o lugar conquistado pela individualizao no ltimo perodo, mas tambm 'os riscos lhe so
merentes, sobretudo quando as ocasies de realizar a reflexividade so raras ou inexistentes
d (94) que comprovam um gnero biogrfico, podem ser detectadas atravs
de tipo lexlcografica tendo em conta as co-ocorrncias, cf. Paul Wald Classes d'noncs
dlmenslol"ls d I t t' . I " mo a es e ca gones socla es em ALCESTE, Utinam nmero especial Printemps 1999-112
p.303-324. " , ,
(95) Cf. Dominique Schnapper, La relation ['autre, Paris, Gallimard, 1998. Esta obra mostra exacta-
mente em que que a prtica do dilogo intercultural, a ultrapassagem das lgicas comunitrias e o acesso
a aberta7 da cidadania so condies para que o individualismo contemporneo consiga
eVitar ?O sentido do encerramento sectrio, mas tambm fugas para a frente em direco
competlao Neste aspecto, a individualizao claramente um processo ambivalente apanhado
entre a ratoeira do Ns comunitrio e a do Eu todo poderoso.
mediao de outros sujeitos (os Outros significativos de Mead). esta.relao intersub-
jectiva que permite o aparecimento da identidade pessoal, desde os .af:ctuosos
da me at s relaes amorosas, ultrapassando e sublimando a relaao de afelao para a
transformar numa relao de reconhecimento mtuo e autntico, no prazer recproco e
no respeito absoluto. Ocerne do processo relacional de facto, em a
riorizao activa do outro em si, ao mesmo tempo que o reconhecll:nento de SI propno
como um outro est no centro do processo biogrfico ntimo, mediador do ele ou ela
(que tambm por vezes um tu) entre o si prprio reflexivo (<<ter co"! quem
falar) e o si narrativo (<<falar de si prprio a partir do outro), num projecto de Vida par-
tilhada. Esta aspirao da vida autntica com e para o outro) , segundo Ricoeur, a
primeira metade da definio da identidade narrativa. .
Mas Ricoeur acrescenta sua definio <<em instituies correctas96. De facto, a aspI-
rao da vida autntica, mesmo com e para o outro, no pode ser
suficiente para a construo duma identidade pessoal duradoura. esta confIgura-
o de formas identitrias que coloca no centro o Si nar.rativo deve e a:gumen-
tar a continuidade duma histria, em relao com a IlnIdade dum proJ;cto de Vida, pelo
menos duma convico simblica, isto duma crena pessoal. E por isso qu.e
Ns societrios no se podem reduzir pura e simples figura do mercado. O sOCleta-
rio no se reduz ao econmicQ, ao interesse do forte que esmaga os fracos, <<liber-
dade da raposa livre no galinheiro livre (Marx). Ele tambm no uma simpl.es
quia de posies econmicas, de capitais convertveis uns nos outros. Ele tambem e com-
posto de regras e de instituies fundadas sobre um princpio de justia
97
As instituies,
sobretudo porque j no so comunitrias, devem ser justas
98
, isto , proteger o.s
contra os fortes, redistribuir as riquezas segundo principios ticos, entre os quais o nao
respeito que deve poder ser sancionado, tanto de forma eleitoral quanto penal quando
(96) Aexpresso encontra-se em Ricoeur, Soi-mbne comme un autre, p. Ela .
da ideia segundo a qual a interpretao de si como leitura do texto da sua Vida e duma -,<lISpI.-
rao tica que se encontra no seio da relao com o outro como :<lII!er ego que I.m
p
.llca a
dade do respeito mtuo, mas tambm a concertao no espao publtco que permite Ir mais do
que o frente-a-frente e de unir os direitos <receber a sua parte) e os
Norma de reciprocidade, regra de justia e sabedoria prtica respeito, confltto e
o) so os ingredientes, segundo Ricoeur, do Si narrativo que permite argumentar, atraves de e no
relato, sobre o universal em contexto, (Ibid. p. 199-236). . . A'
(97) um ponto fundamental no seio dos debates e das incertezas actuaIs: a dos Estados
democrticos face a prticas consideradas como <<injustas pela maioria enquanto
se realiza lucros considerveis, por exemplo) uma das razes da mesmo rela-
tiva, vrias vezes encontrada nas anlises das polticas familiares, sociais ou .' .
(98) a razo pela qual os debates em torno da obra .de .Thorte la
Ga
llimard 1992 (I." ed. 1982) foram to apaixonados: redUZir a Justia a eqUidade supoe que as dlstnc .
, , ' . . (t' - pe as econml-
entre os mais ricos e os mais pobres sejam justificveis em termos raCIOnaiS ICOS e na? a . n -
cosI, o que manifestamente no o caso no mundo actual onde as desigualdades so (relaao 1
a 74 entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres) e que recomearam a crescer a partir dos anoS 198 .
:
...... .. ... ._.__....'' .... .._. __.... __
infringe a lei. O societrio uma democracia solidria no seio da qual a poltica deve
no s ser desejada e aprovada pela maioria como tambm deve ser construda com a par-
ticipao da maioria. E aqui que tem lugar a questo dos compromissos pessoais que,
como vimos, se tornaram problemticos, evanescentes, susceptveis de serem revistos e
distanciados ao longo do perodo recente (cf. cap. 4).
Porque o outro no se reduz aos todos prximos, o societrio no a reduo do
universo s relaes privadas, familiares e at mesmo amorosas. A abertura ao outro,
tambm a abertura ao mundo, doravante equivalente de toda a humanidade. Esta aber-
tura toma, em primeiro lugar, para muitos, a forma duma recusa: do racismo, da mis-
ria, da humilhao, de qualquer forma de etnocentrismo xenfobo. Os novos compro-
missos concretos, precisos, mediatizados tm uma relao visvel com a identidade nar-
rativa: eles permitem falar de combates - ou pelo menos de convices - contra o racismo,
<;ontra a injustia das expulses, dos despedimentos arbitrrios, das excluses (cf. cap. 4).
E esta abertura que tambm lao social com um sentido novo: no defesa pura e simples
da sua comunidade contra os outros, mas encontro do outro, defesa da sua dignidade
sobretudo se ele ignorado enquanto pessoa, humilhado, desprezad0
99
O encerramento
sobre si prprio, no seu casulo ntimo, na sua comunidade cultural no autentica-
mente pessoal, pelo menos na forma narrativa da sua aspirao tica: para falar de si
como sujeito, preciso reconhecer-se e fazer-se reconhecer como ser moral e, cada vez
mais, como um ser humano que pertence simbolicamente a toda a humanidade e no
apenas quilo que se acredita ser a sua comunidade. O desafio desta configurao cen-
trada na identidade narrativa a de fazer advir, ainda que de forma mnima, e segundo
mltiplas vias, uma humanidade universal atravs do compromisso por exemplo,
humanitrio
lOo
.
por isso que a identidade pessoal no pode falar de si sem qualquer recurso a este
ltimo tipo de linguagem que 8enveniste chama sobre-referencial e que se apoia sobre
palavras-valores, normas ticas e regras de justia. Justificar o trabalho que se faz, o
emprego que se exerce, as escolhas da vida privada, a fortiori os seus votos ou as suas
filiaes voluntrias, referir-se a outra coisa que no os contextos restritivos (<<eu no
tinha escolha), a acasos incontrolados (<<chegou assim, sem mais nem menos), a
dominaes sofridas (<<fui obrigado). Sem que estas referncias requeiram grandes pala-
vras (Justia, Democracia, Solidariedade... ) ou grandes doutrinas (cristos, comunis-
tas, liberais... ), elas esto ancoradas em convices que servem de referncias na verbali-
zao da existncia societria. Ora, preciso constat-lo, estas referncias e estas con-
vices so difceis de exprimir por aqueles que no aprenderam a linguagem da subjecti-
vidade, linguagem do corao que s se pode basear na experincia pessoal e na sua expres-
so subjectiva.
por isso que a hiptese terminal duma crise ,de recursos, lingusticos, mas tambm
cognitivos, ticos, reflexivos e narrativos, da identidade pessoal deve ser formulada
enquanto dimenso importante da crise das identidades. O questionamento, cada vez mais
radical, da configurao anterior das formas identitrias de dominante comunitria e para
outro, na esfera privada (cap. 2), na esfera profissional (cap. 3), nas identificaes simb-
licas, ticas e polticas (cap. 4) perturba a construo das identidades pessoais (cap. 5).
Embora seja verdade que contar em linguagem-relato a subjectividade uma conquista
recente dos humanos e que <<ningum consegue ensinar bem aos jovens como que
podem exprimir a sua subjectividadelol, a conjuntura dos ltimos trinta anos no foi favo-
rvel a uma elaborao colectiva e partilhada de novas referncias e de novos projectos que
permitam evitar a alternativa entre o encerramento comunitrio e o individualismo eco-
nmico cnico. O retorno das aces colectivas
102
, de dominante societria, e o ressurgi-
mento recente das preocupaes filosficas10
3
so sinais encorajantes duma procura de
referncias colectivas e pessoais sem as quais faltaro os recursos identitrios. Mas as con-
dies de acesso de todos a este tipo de identidade esto ainda longe de estar reunidas.
CONCLUSO
Aconstruo da identidade pessoal no pode evitar viver crises que no resultam duma
falta de recursos econmicos, mas da prpria estrutura da subjectividade humana a partir
do momento em que ela se emancipa dos quadros comunitrios. Porque disso que ,se
trata, sociologicamente, na crise das identidades qualquer que seja a dimenso visada. E a
esta grande passagem, sempre incerta, frequentemente dramtica, mas tambm poten-
cialmente emancipadora, da dominao dos laos comunitrios que restringem, determi-
nam, encerram as subjectividades individuais fechadas em identificaes colectivas e em
relaes de dominao terrveis (dos homens sobre as mulheres, dos velhos sobre os
jovens, dos dirigentes todos-poderosos sobre executantes subordinados, ect.) e Que consti-
tuem com frequncia identidades ilusrias, ambguas, at mesmos mortferas
104
s rela-
(101) Esta citaes so retiradas de Fernandez-Zo'ila, obra citada, p. 196 e 207.
(102) Penso no movimento social de 1995, nos movimentos de desempregados em 1997
e no seu seguimento, na mobilizao contra os acordos previstos em Seattle, aquando do pnmelro con-
gresso da Organizao Mundial do Comrcio, em Dezembro de 1999. , .
(103) O movimento, encetado no fim dos anos 80, da multiplicao de cafs filosoficos parece ter SIdo
sol de pouca dura. .
(104) muito significativo que a partir dos anos 90, vindas de todos os quadrantes, mUItas obras se
(99) Quando os dscipulos de Jesus lhe perguntaram: Mestre, mas quem o meu prximo?, ele res--
pondeu atravs da parbola do bom samaritano, cf. Evangelho segundo So Lucas, 10, 2937. Foi um
estrangeiro. um hertico, que reconheceu no homem semimorto o seu prximo.
(100) No preciso momento em que escrevo estas palavras, a organizao Mdicos sem fronteiras
recebe o prmio Nobel da paz. Aapelao sem fronteiras no ser uma das marcas lingusticas mais cla-
ras duma orientao societria? O social comunitrio pode, de facto, definir-se pelas suas fronteiras
como o demonstra o antroplogo Frdric Barth num texto recentemente traduzido in F. Barth Thories
de l'ethnicit, PUF, 1995, p. 203-249. ' ,
-
._----.......
I teiiham consagrado a desconstruir estas identidades (colectivas) como iluses (J. F. Bayard), ambi-
(Balibar e Wallerstein), at mesmo ideias violentas (Amine Maalouf); cf. as referncias na
blbhografia terminal.
(105) o tema do livro de Jacques Commaille, Les nouveaux enjeux de la question social, Paris,
Hachette, 1997, que declina trs imperativos: l/Regenerar as estruturas intermedirias; 2/ Construir a
Europa Social; 3/ Relanar o debate poltico, cf. p. 138-144.
(106) Prezo pessoalmente a obra de Fritz Zorn, Mars, Paris, Gallimard, 1977, como o testemunho mais
comovente sobre a identidade pessoal e a mais bela demonstrao da autonomia das questes identitrias,
as da subjectividade, em relao s questes econmicas (as dos capitais de qualquer espcie!. Eis um
homem que oriundo dumas das melhores famlias burguesas de Constance, filho de banq.uelr?, e
exprime a crise existencial mais intensa, os sofrimentos e as infelicidades mais dolorosas. Tres leltmotws
nesta confisso comovedora: no existe conflito <concha protectora da intimidade familiar, p. 119), per-
feio (consistindo, de facto, em no fazer nada ou apenas em boas maneiras), normalidade <a um
ponto quase repugnante, p. 100). Uma srie de consequncias: depresso (<<solido e desespero, p. 101;
degradao de mim prprio, p. 106), satisfao <eu tinha tudo o que queria, P: estava sempre
bem p. 144) desamparo <sempre esperar e ter esperana, p. 126; nunca amei nmgum, p. 151) e
para ;erminar: cancro (<<agora a morte chegou, p. 150; o cancro da alma retomado da familiar,
p. 157; estou no inferno, p. 238). Ele comea a existir quando decide escrever sobre asua Vida. No fim
da narrao, voluntria, assumida, conquistada contra tudo, o autor torna-se revoluclOnno (p. 250):
contra Deus o Diabo o nosso nico recurso (p. 258); eu entrego uma guerra total (p. 259) (ef. os
extractos e de Michele Leclerc-Olive em Le dire de /'vnement biographique, Lille, Presses
Universitaires du Septentrion, 1997, p. 28-30).
testemunho mais claro do que todos os materiais recolhidos pelos socilogos. de facto
a crise que revela o sujeito a ele prprio, o obriga a reflectir, a mudar, a lutar para a supe-
rar e a inventar-se a si prprio, com os outros. Aidentidade pessoal no se constri de
outra forma.
es socie/rias que individualizam, separam, seleccionam, s vezes exploram, frequente-
mente angustiam, mas tornam possvel uma subjectividade autnoma que alguns cha-
mam a liberdade. Aconstruo das identificaes pessoais, subjectivas, plurais no signi-
fica a ausncia ou a abolio de todo o colectivo, mas a construo dum outro tipo de
colectivo, diferente do precedente, mais societrio, isto , ao mesmo tempo escolhido
livremente e regulado voluntariamente.
Ora, actualmente esta construo realiza-se mal e as identidades pessoais tm dificul-
dade em ultrapassar as suas crises, em gerir os seus percursos, em falar do seu significado.
Dois sculos depois da revoluo industrial e da Revoluo Francesa, as sociedades moder-
nas continuam abaladas por crises identitrias e no apenas econmicas e sociais. Elas
manifestam-se em todos os domnios da vida social assim como em todas as esferas da exis-
tncia pessoal: famlia e relaes amorosas, emprego e relaes de trabalho, poltica e rela-
es pblicas. Certamente, a questo social ainda no foi resolvida e antes de mais neces-
srio que ela o seja105. inteiramente verdade e crucial coloc-Ia no centro das polticas
pblicas (cf. cap. 4). Mas todos os movimentos sociais que tentaram resolv-Ia pela revo-
luo falharam, caindo nas formas comunitrias, tornadas totalitrias. Ento, s resta este
processo lento, tortuoso e frequentemente decepcionante, que consiste em realizar polti-
cas sociais eficazes que facilitem a construo de sujeitos em aprendizagem, mas tambm
que ajam colectivamente para que se convertam em emancipao pessoal.
Esta libertao no pode ser reduzida ao enriquecimento econmico. Ela supe tam-
bm o acesso a uma forma de subjectvidade que tem dificuldade em se construir, mesmo
quando a presso das necessidades materiais menos restritiva. Ao mostrar as crises
inevitveis, este captulo tentou esclarecer as suas principais razes. Mas este processo
societrio est em andamento: as crises pessoais de identidade so disso a prova mais
patente, apesar dela ser cruel. De facto, nada mais inquietante do que um sujeito que
nunca atravessou uma crise. Entre as autobiografias publicadas, houve um exemplo que
me pareceu exemplar e bastante convincente. o dum rapaz duma famlia da grande
burguesia sua que viveu durante muito tempo absolutamente sem problemas, sem
conflito e sem crise e que subitamente soube que tinha uma doena incurvel. Depois
dum imenso trabalho sobre ele prprio, dum relato da sua vida, necessrio para descobrir
o significado do seu cancro, ele escreveu um livro que est cheio de lies sobre as crises
necessrias ao aparecimento da identidade pessoal. Este o caso de Fritz Zorn
lO6
O seu
I 1
i
I
----v
! 1
CONCLUSO GERAL1
Acrise das identidades uma forma de exprimir um conjunto de processos em inte-
raco e o seu momento histrico. Oprocesso mais geral aquele que conduz as socieda-
des ditas modernas a destruir constantemente as antigas formas sociais comunitrias
para as substituir por formas sociais novas que eu denominei, depois de Max Weber,
societrias. Este processo que repousa, como tinha antecipado Marx, sobre uma nova
configurao de foras produtivas produz, pela primeira vez na histria, como Norbert
Elias to bem percebeu, a primazia potencial da identidade dos Eu sobre a dos Ns.
Este processo desenvolve-se atravs de crises que so, ao mesmo tempo, crises pessoais,
as dos Eus visados e as das crises colectivas (econmicas, sociais e simblicas) dos Ns
destruturados, inclusivamente destrudos.
Tentei seguir estas crises nos trs domnios da sociedade francesa mais estudados
pelos socilogos, desde h trinta anos para c (1968-1998): a famlia, o trabalho e o campo
poltico e religioso. Ao abordar as mudanas educativas ocorridas ao longo deste perodo e
nomeadamente esta refedinio oficial dos alunos como sujeitos em aprendizagem que
doravante devero s-lo durante toda a sua vida, eu religuei esta nova orientao educa-
tiva s crises da identidade pessoal que pem em causa todas as esferas da existncia: rela-
es amorosas, laos com o trabalho, crenas poltico-religiosas. Estes domnios e esta
ordem de exposio foram escolhidos porque me pareciam pertinentes para compreender
a crise das identidades, empiricamente observveis e dramaticamente vividas. Ao tentar
ficar prximo dos problemas do quotidiano da maioria das pessoas, esta apresentao ten-
tou compreender as questes que os indivduos colocam quando so confrontados com as
transformaes das relaes entre os sexos, entre as classes e as geraes, mas tambm
-------------------------------_-.--..----------------------------------------------T-:-:r--
(1) Orientei voluntariamente esta concluso no sentido das preocupaes do laboratrio Printemps
(URA 8085 do CNRS - Centre National de la recherche scierttifiQue), sendo eu o nico responsvel pelas
interpretaes avanadas nesta concluso.
eles se deparam com as mudanas das instituies, das suas regras, do seu fun-
CIOnamento e dos seus agentes.
Todas as crises encontradas neste livro tm um ponto em comum: o questionamento
das do lao social, mais configurao antiga das
IdentJtnas , d que repousava na supremacia das IdentIficaes culturais e esta-
reflexivas e narrativas. Aantiga configurao entrou em
cnse. ela Ja nao e suficIente para se definir, nem para definir os outros, para se orientar,
compreender ? e, projectar-se no futuro. Elas so tambm reaces a
estas novas eXlgenClas socletanas: construir a sua identidade pessoal, ser si prprio, reali-
zar-se, ser e eficiente, etc. Os efeitos desestabilizadores sobre as subjectivida-
deste questIOnamento e das suas exigncias foram inventariados na vida privada, pro-
ou no espao pblico. Eles so inseparveis das transformaes das relaes
socIaIs e das formas de relaes interpessoais, das modalidades da relao com o outro.
se trate das relaes homens-mulheres (mas tambm pais-filhos) e das formas de
e familiar, quer se trate das relaes empregadores-assalariados (mas tambm
e das formas de emprego e trabalho, quer se trate das relaes indiv-
duos-lnstltUloes e das formas da vida pblica, os ltimos trinta anos foram marcados em
Frana como em toda a parte, por transformaes importantes que esto longe de ter
tado todos os seus efeitos.
. A dos casamentos, o aumento dos divrcios e a diversificao das formas de
vIda pnvada foram assimilados ao processo de emancipao das mulheres, incerteza cres-
papis assexuados e difuso contnua daquilo a que os socilogos chamaram
o mdlvldualismo familiar. A exploso do desemprego, a transformao das de
e. das relaes profissionais foram assimiladas aos movimentos do capital, des-
trUlao das formas de actividades econmicas e ao que se apelida como processo
de . .? colapso da prtica religiosa, as alteraes das relaes com o
e com foram assimilados ao processo de secularizao e s mutaes do
mundo nomeadamente sob influncia dos media. No fim de contas, as identi-
dades colectivas herdadas do perodo precedente esto desestabilizadas, desestruturadas
por vezes destrudas. O individualismo parece triunfar por todo o lado. '
E, no todas de individualizao (da vida privada, do emprego, das
...) nao querem slgmficar um qualquer triunfo do indivduo sobre o colectivo.
MaIs do que nunca, a oposio indivduo/colectivo no permite compreender os processos
curso e as crises que suscitam. O indivduo no substitui o colectivo. No s porque
hOJe como ontem, no existe identidade do Eu sem identidade do Ns (Elias), como
bm porque, o em causa, a substituio duma forma social por outra, a passa-
gem duma soclahzaao de dominante comunitria a uma socializao de dominante
. .,-----------,
,(2) Aorganizao d?s qu.atro.modos de identificao a que eu chamo formas iqenttras repousou, no
1, numa tentativa hIstrica de combinao do processo de civilizao (Elias), do processo e racio-
na Izaao (Weber) e da luta de classes (Marx e Engels).
'1
societria (Weber) e, finalmente, porque o movimento das foras produtivas pe em
causa as relaes sociais e as formas histricas de individualidade (Marx). So, talvez, as
incertezas, os mal-entendidos, as crispaes em torno desta noo de societrio, fre-
quentemente substitudo pelo termo moderno na linguagem corrente (quando no o
por <<liberal ou capitalista), que os debates e as paixes em torno da natureza dos pro-
cessos em curso exacerbam. Sem dvida, o societrio emerge das novas foras produti-
vas, da extenso das relaes mercantis, da expanso mundial dos mercados. Mas ele
tambm significa a revoluo das formas do lao social, das relaes pessoais, das signifi-
caes simblicas. Ele tambm dinamizador da possvel emancipao da autoridade, do
desenvolvimento da democracia participativa e da nova regulao social. Por exemplo, a
impotncia do poltico face s lgicas dos mercados no o regime normal do social de
tipo societrio. Esta uma das perverses, caracterstica da Crise, que se espalhou por
todo o lado desde a abertura das fronteiras, da mundializao do capital e dos mercados
financeiros, da desregulao das actividades econmicas, da explorao crescente das novas
formas de trabalho. Um dos desafios actuais mais importantes exactamente o da regula-
o, que j no pode ser s da responsabilidade dos Estados, mas que deve ser
responsabilidade de conjuntos mais largos (a Europa e as unidades do mesmo tipO) e, mais
ainda, do Mundo, e que deve implicar todos os actores, em todos os domnios da vida social.
Aindividualizao significa, potencialmente, a primazia crescente dos Eus sobre
a participao activa dos cidados naquilo que lhes diz respeito, a tomada de.
das identidades pessoais nas decises colectivas. Pode-se considerar que amda se esta
muito longe. Mas um processo lento, complexo e incerto que visa cada nova gerao no
desenvolvimento individual e colectivo da sua socializao que tambm uma individua-
lizao. Escolhi abordar esta noo de identidade pessoal a partir da como
giu, dificilmente, de trinta anos de crises na sociedade francesa. Defml-a como a I?entl-
dade dum sujeito em aprendizagem durante toda a vida e que age com os outros, so para
referir as duas caractersticas mais importantes. A primeira ser uma subjectividade em
permanente estruturao. Aaspirao subjectividade no significa o triunfo do egosmo
hedonista. A subjectividade edifica-se e desenvolve-se nas e atravs das relaes com o
Outro. Ser sujeito ser capaz de construir, ao longo de toda a sua vida, relaes de reco-
nhecimento mtuo. Ser sujeito , em primeiro lugar, recusar, para si como para os outros,
as relaes de dominao, de submisso, de autoridade imposta de arbitria, de
prezo e de subordinao pessoal. Foram as mulheres que, desde ha tnnta anos para ca,
abriram as brechas mais profundas nas relaes de dominao, caractersticas das formas
comunitrias, que assentam, desde h muito tempo, na dominao masculina. Para se
libertarem e poderem construir com os homens relaes amorosas e cooperativas que
fossem ao mesmo tempo recprocas e frutferas, as mulheres aplicaram-se em
que esto longe de estar ganhos, mas que provocaram avanos significativos em matna
de subjectividade e, potencialmente, de democracia. .,
Ser sujeito significa tambm poder ser actor da sua vida familiar, profiSSIOnal e poh-
tica. poder entrar voluntariamente em aces colectivas susceptveis de melhorar o seu
LU
.-.-.-..-----------.----.----------..---....-----..
dos movimentos do capital e das novas formas de precarizao. Enquanto produto da des-
truio dos laos comunitrios atravs do desemprego, a mobilidade forada e a concor-
rncia generalizada, ela est na origem dos dramas colectivos e das crises pessoais. Mas
ela representa tambm uma oportunidade de emancipao, uma maneira de se libertar dos
laos da dominao masculina, da influncia das submisses de ordem genealgica e da
submisso s tradies impostas. Apassagem dum lado ao outro da individualizao fre-
quentemente uma aventura longa e difcil que, como desde h muito o temp08 mostram
os testemunhos dos imigrantes, pode estender-se por vrias geraes e implica sempre
dinmicas identitrias delicadas. De facto, a passagem do comunitrio ao societrio
implica uma modificao da prpria estrutura da identidade pessoal, o aparecimento de
novas formas de subjectividade. Efectivamente, ela implica uma reorganizao das formas
identitrias em torno das <<identidades para si e j no das identidades para outro. Ela
implica converses identitrias que faam passar os indivduos de membros submissos
(mas tambm mais ou menos protegidos) a sujeitos actores, embora muito mais expostos
e incertos. a razo pela qual ela no pode acontecer sem crises e por isso tambm que
estas ltimas tomam a forma de crises existenciais e subjectivas.
Aquesto da subjectividade , em primeiro lugar, uma questo de linguagem. Passar
das citaes para as identidades comunitrias, reduzindo cada indivduo a no ser mais
do que um membro intermutvel da sua colectividade tnica ou um agente encerrado nos
seus papis, e de prisioneiros de definies puramente estatutrias por meio de catego-
rias predefinidas a identificaes subjectivamente apropriadas, que pem em jogo a refle-
xividade, exige um reconhecimento e uma valorizao de todos os nveis de linguagem. O
sujeito em aprendizagem deve construir-se e apropriar-se da sua prpria linguagem, a lin-
guagem da sua identidade pessoal. Assim, esta ltima torna-se um processo vital que as
instituies devem ser capazes de reconhecer. Aprender a falar de si torna-se um desafio
essencial das relaes societrias, tanto na esfera privada como na profissional ou pblica.
Ento, j no se trata apenas, primeiro para o sujeito com a ajuda dos seus formado-
res, de aprender uma lngua, mas de se apropriar das linguagens e de aceder sua prpria
expresso.
O Eu reflexivo constri-se assim num processo de apropriao duma linguagem sua.
Linguagem da intimidade, das relaes afectivas, mas tambm linguagem da reflexo, da
apropriao pessoal das grandes obras do patrimnio cultural da humanidade. A indivi-
dualizao antes de mais essa aprendizagem pessoal desta comunicao ntima com cria-
dores, pela leitura, pela msica, pelo teatro, o cinema, as idas aos museus, etc. Mas a indi-
vidualizao tambm a aprendizagem da expresso de si, na vida privada, amorosa e nas
__ , ,
(8) Cf. William Thomas e Florian Znaniecki, Le paysan polonais en Europe et aux tats-Unis. Aeci
d'un immigrant, Paris, Nathan, 1998 (L' ed., 1919). No ser por acaso que as anlises das trajectrias de
imigrao esto na origem das tradies sociolgicas de Chicago; cf. a apresentao de Pierre Tripier. A
anlise destas trajectrias e dos relatos que elas suscitam constituiu um material importante de todas as
anlises empricas dos processos identitrios.
Concluso geral
..
propno destino e o dos outros mais desfavorecidos. Essas aces societrias no so
puramente defensivas: elas unem interesses e valores, da eficcia e da sociabilidade exi-
gncias de resultados com experincias de solidariedade. Os sujeitos em
tambm se tornam actores sociais atravs de compromissos em formas de aco que eles
querem poder inflectir, discutir, controlar. Assim, graas sua experincia, eles so dota-
dos de capacidades subjectivas, de reflexibilidade e de formas de expresso, de referncias
e fronteiras, de convices e de argumentos. Estas capacidades no se adquirem sozinhas,
mas Outros significativos que desempenham um papel essencial na construo
duma mtlmldade pessoal, atravs das relaes amorosas que implicam o desenvolvimento
da expresso subjectiva.
Esta aprendizagem da subjectividade, da relao de si a si prprio, deve tambm ser
mediatizada, no espao pblico, por Outros generalizados que permitem o acesso cida-
dania. A questo das mediaes tornou-se, ao mesmo tempo, central e crtica, em todos os
domnios da vi?a social cada vez mais societria, isto , dependente das configuraes
?e que mteragem nestes campos. Estes ltimos so parcialmente estruturados por
e relaes de poder. As instituies no representam apenas restries
Impostas aos mdlvlduos, representam tambm recursos que eles devem aprender a mobi-
lizar de forma eficaz.
Os. novos movimentos sociais e compromissos solidrios concernem com frequncia
os maIs ameaados pelas mutaes em curso, aqueles para quem o acesso s instituies
e aos seus recursos mais decisivo: movimentos de desempregados que constroem uma
reivindicao colectiva (ressurgimento dos direitos mnimos sociais e participao na
ANPE3
3
) a partir duma verdadeira revolta4, movimento dos ilegais que reivindicam o
direito a um reconhecimento jurdico, mobilizao da associao Droit au Logement para
que se apliquem as leis sobre as requisies mas tambm, localmente, juntamente com
outros.actores colectivos, para que se ajude os mais desfavorecidos a tornarem-se sujeitos5,
de novas formas de mediao nos bairros problemticos6, novas exigncias
etIcas para os militantes sindicais e capacidades subjectivas para os novos mediadores?
ecl. Todas estas formas de aco colectiva manifestam, ao mesmo tempo, a
da crise e o aumento das iniciativas para tentar resolv-Ia.
A individualizao, como se viu ao longo deste livro, um processo naturalmente
ambivalente. Enquanto desregulao, descomprometimento parcial das instituies do
Estado-providncia, ela constitui uma ameaa de excluso e de isolamento para as vtimas
_ _.._.-._ .
(3) N. T.: Asigla significa Agence Nationale pour l'Emploi.
Cf. Didier Demaziere e Maria-Trsa Pignoni, (71meurs: du silence la rvolte, Paris, Hachette,
. (5) Cf. HavardDuclos e Sandrine Nicourd, Les formes de l'engagement solidaire: le cas de
trolS assoclatlOns dans une commune de banlieue, relatrio Printemps, 1999.
. (6) Cf. Catherine Delcroix et ai., Mdiatrices dans les quartiers: le lien, Paris, La Documentation fran-
alse, 1997.
(7) CL o conjunto dos artigos reunidos na 2.' parte do nmero de Utinam, 1999-112.
L.
I
I
I
!
I
,
suas relaes ntimas que permitem a revelao de si. Mas tambm a participao em
relaes profissionais, no seio de instituies de formao e de trabalho. E , finalmente,
o acto de se forjar convices, de poder modific-Ias e de argumentar assim as razes de
escolher este ou aquele representante. Odesvio por todas as disciplinas que tratam da sub-
jectividade pela anlise da linguagem, das manifestaes do inconsciente at s marcas da
enunciao, passando pelos procedimentos argumentativos da persuaso e das formas nar-
rativas como meios de expresso dum projecto subjectivo, parece-me cada vez mais neces-
srio aos socilogos se estes quiserem ter em conta a subjectividade e deixar de reduzir os
s suas origens comunitrias e s suas pertenas estatutrias. A linguagem da
IdentIdade pessoal no pode ser analisada sem os mltiplos recursos das cincias da lin-
guagem e das suas apropriaes subjectivas.
A identidade pessoal no se pode reduzir reflexividade porque o sujeito que aprende
durante toda a vida tornou-se uma histria. O Eu narrativo esta histria que cada um
levado a contar a si prprio e, s vezes, a contar a outros. por isso que a dimenso bio-
grfica se tornou uma componente essencial da identidade pessoal. Contar a sua vida
encontrar uma intriga susceptvel de guiar a seleco dos episdios e o seu encadeamento
de personagens e da sua influncia. construir uma intriga que articula estes dois
e. permite dar um sentido sua vida, ao mesmo tempo que uma direco e um
compreensveis para o outro. Esta biografia atravessada por crises porque a
Identidade nunca est adquirida, est sempre em busca dela prpria, sempre exposta s
mudanas e aos questionamentos.
A anlise das entrevistas biogrficas
9
, instrumento de reconstruo das identidades
narrativas, permite confrontar, numa perspectiva longitudinal, estes materiais10 junta-
mente com outros para alm da importncia da singularidade irredutvel das existncias
pessoais. A interpretao dos pontos de vista disciplinares est aqui completa. As frontei-
ras.entre uma sociologia das trajectrias que tem em conta a subjectividade e uma psico-
logIa clnica que inscreve os percursos singulares nos seus contextos sociais confundem-
-se com as que pareciam separar uma abordagem lingustica das marcas do sujeito no dis-
duma sociologia das linguagens - ou sociolingusticas - da identidadell. De facto,
se pode separar completamente a interpretao das formas identitrias socialmente
da anlise compreensiva e clnica dos processos de expresso da subjectivi-
dade singular. Os relatos de vida no so apenas materiais para o investigador, tambm so
pr?dues de sujeitos que se constroem falando de si. Por isso, h cruzamentos que per-
mitem aguardar uma interdisciplinaridade manifestamente necessria.
----._----------c--.--..c-.----__.c_._..c c__c.. __- c_c .
d" (9)?L Demaziere e Claude Dubar, Analyser les entrefiens biographiques. L'exemple des rcits
msertlOn, Pam, Nathan, 1997. Cf. Thmbm o simpsio da revista Sociologie du travail, 1999-4 Que inclui
um debate sobre o mtodo.
. (lO) Cl. o especial da r.evista,ufinam 1999-4, coordenado por Sylvie Vilter e consagrado s Actas
da Jornada de Prmtemps: QuestIonnalres et entretiens face aux biographies.
, (lI) Cf. Gabrielle Varro, "Sociolinguistique ou sociologie du langage"?, toujours l mme vieux
debat, La71gage et socit, 88, Junho de 1999, p. 91-100.
la
Uma ltima dimenso da identidade pessoal, reflexiva e narrativa, emergiu das anlises
deste livro: a sua dimenso tica. Aesfera simblica, abandonada pelo religioso institudo
e pelas crenas polticas estabelecidas, parcialmente recomposta em torno duma aspi-
rao tica (Ricoeur) cuja anlise emprica c?ntinua ainda p.rimeiro
lugar, trata-se duma espcie de tica de proximidade e das suas eXlgenclas de Justia con-
creta. Amediao do Direito tornou-se, a esse respeito, uma exigncia tica, s vezes avas-
saladora mas necessria instaurao de instituies justas: o papel crescente dos juzes,
em como em todo o lado, disso um testemunho concreto. Mas esta mediao con-
tinua a ser insucifiente porque no suficiente poder acreditar na justia, primeiro
preciso poder reconhecer-se a si prprio e ser reconhecido como justo, isto ,.
mente solidrio daqueles que sofrem. Esta aspirao tica a outra face desta Identidade
narrativa que deve conseguir relatar o acesso vida boa com e para o outro. A inter-
veno de regulaes de ordem tica, regras deontolgicas e marcas de mais o,u
menos reconhecveis e codificadas, constitui ao mesmo tempo uma tendencla mcontesta-
vel e um domnio cientfico ainda pouco explorado e necessitando ento, para ser empiri-
camente esclarecido, de novas investigaes.
Todas estas questes: individualizao, mediao, subjectividade, linguagem, biogra-
fia tica transformaram-se, ao longo dos ltimos anos, em objectos de investigao para
os 'SOcilOgOS, mas tambm para os investigadores de cincias humanas e sociais. Pa.ra os
abordar e esclarecer, atravs de trabalhos de campo com base em domnios muito vanados
(escola, poltica pblica, bairros problemticos, insero profissional, tra-
balho, dispositivos de gesto, desemprego, movimentos sociais... ), os !a s.e
podem contentar com os recursos da sociologia clssica. Ento, outras
cas e metodolgicas so naturalmente solicitadas para estudar expresses mdlvldua!s e
interaces concretas, temporalidades mltiplas e interdependentes, relatos pessoaIs e
grupos em mutao. O interaccionismo simblico, etno-metodolgico, a anlise estrutu-
raI do relato, a anlise de conversa, a lexicografia e a observao etnogrfica fornecem
recursos preciosos. A interdisciplinaridade, embora ainda um pouco limitada, comea a
desenvolver-se. So condies favorveis para abordar as questes da identidade duma
maneira renovada.
Neste livro ao propor um conjunto conceptual que eu espero que seja ao mesmo
tempo mais e mais operatrio, tentei reaproximar domnios da sociologia (fam-
lia, trabalho, poltica, religioso, educao... ) que se ignoram com muita mas
tarribm abrir mais o raciocnio sociolgico para as problemticas destas diSCiplinas pr-
ximas s vezes mais equipadas do que ela prpria para abordar os desafios e processos da
(psicanlise, lingustica, antropologia, histria...). Ao propor e
articular dimenses biogrficas e relacionais, objectivas (<<para outro) e subjectivas
(<<para si) e processos identitrios, tentei ter em conta experincias e trabalhos recentes
sobre a famlia (F. De Singly, I. Thry, J.-C. Kauffman, etc.), o trabalho e o (R.
Sainsaulieu, D. Kergoat, D. Demazire, etc.), mas tambm o religioso (l.-M. DonganJ, D.
Hervieu-Lger, Y. Lambert, ect.), o poltico (L. Karpik, P. Perrineau, M. Gauchet, etc.), a
escola (F. Dubet, B. Charlot, J.-P. Terrail, etc.), a imigrao (G. Noiriel, A. Sayad, M.
Tribalat, etc.) e a linguagem (P. Ricoeur, A. Fernandez-Zo'ila, P. Wald, etc.). As evolues
postas em evidncia nestes trabalhos foram incorporadas a um processo global, signifi-
cante e incerto, complexo multidimensional que valoriza as dimenses pessoais (reflexivas
e narrativas) custa das dimenses colectivas (culturais e estatutrias) da identificao. No
caminho aberto por Weber, Elias e Marx, este processo foi interpretado como uma passa-
gem da primazia de formas comunitrias a formas societrias, uma transformao de
configurao Eu-Ns onde dominam Ns todos poderosos, a outras onde os Eus reivindi-
cam um lugar importante, enfim, uma evoluo de formas de produo e de trocas, locais
e centralizadas, a outras, mundializadas e reticulares
l2
. Este processo no se faz de forma
linear nem pacfica mas por meio de crises imprevisveis e multidimensionais. duma
delas que hoje emerge penosamente, ao que parece, a sociedade francesa.
Para terminar, queria dizer at que ponto as questes de vocabulrio podem constituir
obstculos muito difceis de ultrapassar para quem quer propor uma abordagem com-
preensiva das dinmicas identitrias. Antes de mais, conforme o que o leitor tiver na
cabea, a linguagem das identidades colectivas (a etnia, a cultura herdada, a nao, a
classe, etc.) ou a da identidade pessoal (o si, o si prprio, o ntimo, o subjectivo, etc.), o
seu ponto de vista inicial ser muito diferente. Apartir desse momento, tentar fazer fun-
cionar um sistema de conceitos ligando sistematicamente esses dois grandes pontos de
vista, e aplicando-os ao mesmo tempo a domnios diferentes do social (famlia, emprego,
religio e poltica) e a esferas correspondentes da existncia pessoal (amor, trabalho, cren-
as e compromissos), no desprovido de armadilhas, ambiguidades e incertezas. De facto,
se a forma social dominante se torna mais societria, isso significa, potencialmente, que
todos os campos do social se tornam esferas de experincias subjectivas que o sujeito pes-
soal deve tentar articular para manter, sem o conseguir nem completa nem duradoura-
mente, uma certa unidade sincrnica, reflexiva de si prprio e uma certa continuidade dia-
crnica, narrativa de si. Aunidade e a continuidade nunca so adquiridas, mas elas cons-
tituem uma espcie de espaos-tempos virtuais, de formas simblicas mais ou menos
detectveis. Neste sentido, a identidade pessoal tambm, como o constatava Lvi-Strauss
no fim do seminrio do College de France sobre a identidade, em 1977, uma casa virtual
que no existe (enquanto objecto realizado) mas na qual se acredita e da qual se tem
necessidade de falar (enquanto sujeito) para viver e agir com os outros.
Foi o que eu quis dizer neste livro.
~ _ .. _----------------_._._---------------------
(12) Cf. os trs tomos de Manuel Castells, La socit eh rseau, Le pouvoir de l'identit e Fin de mil-
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