Angela Ales Bello - Introducao A Fenomenologia (Digitalizado)
Angela Ales Bello - Introducao A Fenomenologia (Digitalizado)
Angela Ales Bello - Introducao A Fenomenologia (Digitalizado)
ISBN 5-71bO-32t-S
11111(111
9 l?88574''603292
FILOSOFIA
POLTICA
Introduo
Fenomenologia
Angela Ales Bello
Traduo
Ir. Jacinta Turolo Garcia
Miguel Mahfoud
EDUSC
SUMRIO
APRESENTAO
13
INTRODUO
CAPTULO 1
17
O que f e n m e n o e Fenomenologia?
CAPTULO 2
21
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Primeira etapa
A busca do sentido dos fenmenos:
a reduo eidtica
26
Segunda etapa
Como o sujeito que busca sentido:
a reduo transcendental
Sumrio
CAPITULO
45
A conscincia e as e s t r u t u r a s universais
CAPTULO
57
CAPITULO
61
O Eu, o o u t r o e o ns: a e n t r o p a t i a
CAPTULO 6
69
A intersubjetividade: as m o d a l i d a d e s de
associao e a pessoa
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Massa: predominncia
corpreo-psquica
impulsos utilizados por projetos alheios
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e
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Comunidade
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Povo,
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sociedade
CAPTULO
85
A anlise d a s vivncias p a r a um f u n d a m e n t o
das cincias
A criao evolui: a histria da natureza
indica
uma
teleologia
Sumrio
CAPTULO 8
93
O mtodo f e n o m e n o l g i c o husserliano
e o existencialismo
CAPITULO 9
97
103
O s a t o s especficos d a b u s c a religiosa
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
APRESENTAO
EXPERINCIA VVIDA E
R E F L E X O SISTEMTICA
Temos mo uma verdadeira Introduo Fenomenologia. Fiel ao rigor metodolgico, tpico da fenomenologia, a Prof Angela Ales Bello nos convida a percorrer o
inteiro percurso husserliano. Magistralmente, somos provocados, na contemporaneidade, a atentar ao que nos est
volta e prpria experincia interna. E, com surpresa,
advertimos que, aqui, experincia vvida e reflexo sistemtica podem efetivamente no estarem cindidas.
A novidade que no se apresenta apenas discursivamente u m a tal possibilidade de unidade, mas somos
conduzidos a reconhecer a vivncia - atravs do m t o d o
interrogativo husserliano com surpreendente simplicidade de forma que a introduo ao c a m p o fenomenolgico, to sofisticado, comea a nos parecer familiar,
comeamos a nos sentir em casa, p o r q u e comeamos a
atentar ao m u n d o mais conscientes dos prprios recursos
e do prprio eu.
Apresentao
10
Miguel Mahfoud
Belo Horizonte, 15 de agosto de 2006.
11
INTRODUO
13
Introduo
14
Introduo
15
Captulo I
O QUE FENMENO
E FENOMENOLOGIA
Q u a n d o e como a Fenomenologia comeou? A
Fenomenologia u m a escola filosfica cujo pai e mestre
E d m u n d Husserl. Comeou na Alemanha em fins do
sculo 19 e na primeira metade do sculo 20'.
Por que se chama Fenomenologia? Esta palavra
formada de duas partes, a m b a s originadas de palavras
gregas, c o m o sabemos. " F e n m e n o " significa aquilo que
se mostra; no somente aquilo que aparece ou parece. Na
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Capitulo 9
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Captulo 2
A FENOMENOLOGIA
COMO MTODO
Husserl diz que para c o m p r e e n d e r m o s esses fenmenos, devemos fazer um caminho. A palavra grega para
designar c a m i n h o mthodo. Essa palavra t a m b m formada de duas partes: "odos", que significa estrada e
"meta'', que significa por meio de, atravs. Temos, portanto, necessidade de percorrer um c a m i n h o e essa u m a
caracterstica da histria da filosofia ocidental, que sempre fez esse c a m i n h o para se chegar compreenso do
sentido das coisas'. Segundo Husserl, o caminho formado de duas etapas:'
1 Sobre os pressupostos histrico-filosficos da fenomenologia, et. ALES BELLO, A. Fenomenologia e cincias humanas:
psicologia, histria e religio. Organizao e traduo de
M. Mahfoud e M. Massimi. Bauru: Edusp, 2004.
2 Uma discusso sobre as etapas do mtodo fenomenolgico
pode ser encontrada HUSSERL, E. Ideas relativas a tina
fenomenologia pura y una filosofia fenomenolgico. 2. ed.
Capitulo 9
PRIMEIRA ETAPA
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Capitulo 9
ponto. E aqui est toda u m a polmica com outra corrente filosfica contempornea a Husserl, o Positivismo".
O Positivismo considera m u i t o i m p o r t a n t e os
fatos, sobretudo assumidos c o m o tais pelas cincias fsicas. No entanto, Husserl diz que os fatos existem e so
latos. Mas o que so? Por exemplo, a cincia fsica olha a
natureza, d-se conta dos fatos da natureza, mas o que so
esses fatos? Ou ainda, as cincias sociais olham a sociedade, mas o que a sociedade? Qual seu sentido? Fazemos
tantas anlises da sociedade sem saber do qu se trata.
No basta dizer que existem, e esta uma das polmicas
de Husserl no confronto com o Positivismo, mas tambm
com todas as cincias da natureza e as cincias humanas.
A mentalidade positivista est ainda muito presente em nossos dias, ainda que no a chamemos de positivista. Assim, compreende-se, cientificamente, um fato,
mas se compreende tudo? s vezes, no, mas nem todos
podem ser filsofos, porm importante saber que existem outras dimenses de pesquisa. O que as cincias
podem responder diante da pergunta "o que verdade?".
Faz-se tentativas para se aproximar dela, mas a verdade,
do p o n t o de vista h u m a n o , reside no sentido, no no fato.
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Fenomenologia
como
mtodo
so
tratados
na
Idade
Moderna
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Capitulo 9
SEGUNDA ETAPA
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Na segunda etapa do m t o d o fenomenolgico, , justamente, sobre o sujeito que se faz u m a reflexo. Refletimos
dizendo quem somos ns. A novidade de Husserl
.la-
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Captulo 2
4 Husserl doutorou-se com uma tese sobre clculo das variaes pela Universidade de Viena, em 1882.
5 HUSSERL, E. Philosophie de 1'arithmetiqtie: recherches, psychologiques et logiques. Trad., notes, remarques et index J.
English. Paris: Presses Universitaires de France, 1972.
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Captulo 2
va psicolgica, um estudo dos atos psquicos. Posteriormente, Husserl conclui que a numerao no pode estar
baseada nos atos psquicos, pois a operao indica um
pensar, e no, exatamente, um ato psquico .
Dissemos que Husserl foi s aulas de Brentano,
o n d e ouviu falar dos atos psquicos, e que, inicialmente,
pensara em utilizar a interpretao psicolgica para fund a m e n t a r a Aritmtica. No entanto, percebe que a
Aritmtica no pode se f u n d a m e n t a r na psique. Uma atividade intelectual necessria tambm, mas Husserl vai
alm, a b a n d o n a n d o o projeto sobre a Aritmtica, sobre a
Matemtica, ele se volta para o conhecimento h u m a n o e
recomea pela percepo, destacando que estamos em contato, atravs das sensaes, com o m u n d o fsico o que
percebido p o r ns. A percepo u m a porta, u m a f o r m a
de ingresso, u m a passagem para entrar no sujeito, ou seja,
para compreender como que o ser h u m a n o feito.
Na anlise que estvamos fazendo do copo, talamos da percepo c o m o um ato que estamos vivendo,
porm, nem todo ato que estamos vivendo, que p o d e m o s
identificar, so de carter psicolgico, por isso a anlise se
torna m u i t o refinada e requer u m a ateno especial.
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Capitulo 9
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(no uma
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tambm
analisar
outros
exemplos.
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O tato, segundo Husserl, o sentido mais importante em absoluto, p o r q u e atravs dele registramos os
confins fsicos do nosso corpo, que permite orientarmonos no espao. O tato nos d, portanto, a sensao do
nosso corpo e do corpo externo ao mesmo tempo. No s
a distino, m a s tambm a conexo; a conexo e a distino entre o nosso corpo e o corpo diverso. A viso nos
orienta, certamente, mas com a viso no p o d e m o s perceber o confim do nosso corpo, uma vez que no podemos v-lo todo. atravs do registro dos atos do tato, da
viso, da audio, do olfato que p o d e m o s dizer que temos
um corpo.
Mas isso completamente diferente daquilo que se
diz n o r m a l m e n t e sobre os sentidos. Ns partimos dos
atos e, atravs deles, chegamos concluso que existe um
corpo em relao com o m u n d o externo. As coisas fsicas
so conhecidas atravs da corporeidade. Essa anlise da
corporeidade foi feita por Husserl" em todo o seu desenvolvimento. Trata-se da mesma anlise que MerleauPonty faz em relao corporeidade 1 2 . Husserl conclui
que p o d e m o s dizer que temos um corpo baseando-nos
na anlise dos atos registrados por ns, isto , das sensaes corpreas que registramos.
11 HUSSERL, F.. Uiec per una fenomenologia pura c una filosofia fenornenologica. Organizzazione di V. Costa, traduzione
di E. Filippini. Torino: Einaudi, 1965. v. II (libri II e III)
12 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia tia percepo. 2. ed.
Traduo de C. A. R. Moura. So Paulo: Martins Fontes,
1999. (Coleo Tpicos).
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Capitulo 9
justa-
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Fcnomcnologia
como
mtodo
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13 Edith Stein deu uma contribuio relevante discusso sobre a substncia da alma. Cf. STEIN, E. La estruetura de Iti
persona humana. Madrid: BAC, 2003. Publicao original
de 1913. E tambm STEIN, E. Serfntoy Ser eterno: ensayo
de una ascensin al sentido dei ser. Traduccin de A. Prez
Monroy. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1996.
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Q
rs
t-i
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00
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Capitulo 9
Estamos considerando, aqui, a experincia de indivduos adultos que tm as capacidades fsicas, espirituais
e psquicas desenvolvidas normalmente. A partir da,
conseguimos delinear u m a estrutura. N o se trata de
demonstrar, forosamente, que existe u m a alma, pois a
anlise comea pelas coisas mais simples que fazemos a
cada m o m e n t o : ver um copo, toc-lo, decidir se vou
beber ou no. As experincias que registramos, de que
temos conscincia em um nvel m n i m o , nos dizem que
existem atos diversos, isto , vivncias qualitativamente
diversas. As vivncias ligadas s sensaes no so da
mesma qualidade das psquicas, e estas no so da mesma
qualidade daquelas que c h a m a m o s espirituais. Em outros
termos pode-se dizer que tocar, ter impulso de beber,
refletir e decidir no so vivncia do m e s m o tipo e isso
indica a estrutura constitutiva do sujeito.
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Captulo 3
A CONSCINCIA E
ESTRUTURAS UNIVERSAIS
Vimos que a novidade da abordagem fenomenolgica de Husserl o terreno da conscincia e essa a sua
contribuio mais importante, embora a mais difcil 1 . A
conscincia est no esprito? Est no psquico? No possvel, porque as trs dimenses - corpo, psique e esprito
- s so conhecidas por ns p o r q u e temos conscincia.
Portanto, a conscincia n o um lugar fsico, n e m um
lugar especfico, nem de carter espiritual ou psquico.
c o m o 11111 p o n t o de convergncia das operaes h u m a nas, que nos permite dizer o que estamos dizendo ou
fazer o que fazemos c o m o seres h u m a n o s . Somos conscientes de que temos a realidade corprea, a atividade ps-
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Capitulo 9
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ato psquico
ato espiritual
Se r e t o r n a r m o s questo do beber, q u a n d o a pessoa no pega o copo ainda que tivesse sede, ativa u m a
capacidade espiritual, de inteno e avaliao. Qual a
motivao? Por exemplo, do p o n t o de vista social no
o p o r t u n o , mas se fosse u m a criana muito pequenina,
veria a gua e beberia. Por qu? Porque ainda no ativou
os controles inculcados pela me ao dizer que "no se
p o d e fazer isso" em determinadas situaes. Atravs do
"no pode" ativa-se a motivao. A motivao h u m a n a
diz, que existe u m a razo pela qual ho conveniente,
naquela situao, pegar o copo d'gua e beber. Existe um
motivo que impele para beber, mas a motivao diz "no
neste momento". Pode-se compreender que essa a base
do controle individual e t a m b m social e acontece em
todas as culturas, ainda que de formas bem diferentes.
As diferenas so secundrias, pois as estruturas
no m u d a m . Ainda que o objeto percebido seja diverso
ou que t e n h a m o s percepes diferentes, todos ativamos
a percepo.
Capitulo 9
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reos, a primeira base corprea da sensao. Isso nos mostra que podemos examinar o ser h u m a n o atravs dos
atos, considerando uma estrutura geral, universal.
Figura E
Objetivo de Husserl: fundamentar a anlise da ateno
nos diferentes nveis:
3
C
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Captulo 4
A SNTESE PASSIVA:
FASE ANTERIOR A PERCEPO
Tomamos o sentido dos atos, falamos da percepo, de atos que j temos conscincia. So atos dos quais
ns somos cnscios ainda que no tenhamos feito uma
reflexo sobre eles. Entretanto, Husserl diz que existe um
caminho anterior percepo, que ele chama de sntese
passiva. Ou seja, ns reunimos elementos sem nos darmos
conta de que o estamos fazendo. Podemos dizer, por
exemplo, que tnhamos a percepo do copo, mas para
isso tivemos de exercitar algumas operaes anteriormente (a distino entre um objeto e outro, entre o copo e a
toalha...). Trata-se de operaes que estabelecem continuidade e descontnuidade, homogeneidade e heterogeneidade. Para apreender o objeto em sua unidade devemos estabelecer relaes de continuidade e de descontnuidade, de homogeneidade consigo mesmo e de heterogeneidade para com outros objetos. No nos damos conta
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Captulo 5
Capitulo 9
1 HUSSERL, E. Coitferenze di Amsterdam: psicologia fenomenologica e fenomenologia trascendentale. Traduzione e edizione di R Polizzi. Palermo: Ila-Palma, 1988. Cf. tambm
HUSSERL, E. Meditaes cartesianas: introduo fenomenologia. Traduo de F. Oliveira. So Paulo: Madras, 2001.
2 STEIN, E. II problema delFempatia. Introduzione e note di
E. Costantini, presentazione di P. Valori, traduzione di E.
Costantini e E. S. Costantini. Roma: Studium, 1985.
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Parte dos fenomenlogos falava em cincia da cultura, cincia do esprito, por lidar com o esprito, com o
logos, e com a elaborao cultural. O psquico o lugar das
pulses, dos impulsos, que sero organizados pela dimenso espiritual em processos levados adiante por grupos
humanos. Os agrupamentos h u m a n o s vo se construindo
atravs do enfrentamento da diversidade, do dilogo, dos
direitos, das leis, portanto, com as atividades espirituais.
Podemos, agora, nos dedicar a compreender quais
so as estruturas dos grupos h u m a n o s , qual sua configurao, suas modalidades culturais, suas organizaes espirituais. Existia u m a tendncia, no m u n d o alemo contemporneo a Husserl, de falar em cincias da cultura. Porm,
Husserl se pergunta: "Qual a raiz da cultura?" A raiz da
cultura a atividade espiritual, so os atos do esprito que
f o r m a m a base das cincias e da cultura em geral.'
4 Cf. HUSSERL, E. La crisi dclle scienze europee e Ia fenotnenologia trascendentale: per un sapere umanistico.
Prefazione di E. Paci, introduzione di VV. Biemel, traduzio11 e di E. Eilippini. Milano: Net, 2002. Cf. tambm ALES
BELLO, A. Culturas e religies: uma leitura fenomenolgica. Traduo de A. Angonese. Bauru: Edusc, 1998.
Captulo 2
Captulo 6
A INTERSUBJETIVIDADE:
AS MODALIDADES DE
ASSOCIAO E A PES'SOA
Na experincia da entropatia, temos a possibilidade de contato com o outro, embora, na realidade, do
p o n t o de vista experiencial, antes da anlise que p o d e m o s
fazer, ns sempre vivemos j u n t o com outros, n u m contexto h u m a n o .
C o m o chegamos a reconhecer que um contexto
humano? Q u e no um contexto animal, que no um
contexto de coisas? C o m o chegamos a distinguir? C o m o
ato da entropatia, imediatamente, c o m p r e e n d e m o s que
estamos j u n t o a outros como ns, esta a dimenso
intersubjetiva constitutiva da pessoa 1 .
Ns n a s c e m o s em um contexto interpessoal,
porm existem muitas formas de organizao de associa-
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Capitulo 9
MASSA:
PREDOMINNCIA CORPREO-PSQUICA IMPULSOS UTILIZADOS POR PROJETOS ALHEIOS
Corporeidade e psique so nveis interligados, por
isso falamos de corpo vivo\ ou seja, corpo a n i m a d o pela
70
zione di E. Filippini. Torino: Einaudi, 1965. v. 11. Cf. tambm STEIN, E. Introduzione alia filosofia. Prefazione di A.
Ales Bello, traduzione di A. M. Pezzella. Roma: Citt
Nuova, 2001.
\
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Captulo 2
COMUNIDADE:
VNCULOS CORPORAIS,
PSQUICOS E ESPIRITUAIS
Husserl e Steih acreditam que a organizao que
respeita a pessoa se chama comunidade\ A comunidade
caracterizada pelo fato de os seus m e m b r o s assumirem
responsabilidades recprocas. Cada m e m b r o considera
sua liberdade, assim c o m o tambm quer a liberdade do
o u t r o e, a partir da, verificam qual o projeto conjunto.
O projeto pode ser til para a comunidade, mas deve ser
til t a m b m para cada m e m b r o .
Na comunidade a pessoa considerada singularmente, cada um deve encontrar dentro dela a sua realizao, j que sozinho o ser h u m a n o no consegue se realizar plenamente. Eis p o r q u e indivduo no um bom
termo, pois indica a pessoa considerada fora do seu
g r u p o e, segundo essa interpretao, a comunidade no
se constituir apenas com a proximidade de vrios indivduos. De fato, a c o m u n i d a d e uma unio de pessoas consideradas singularmente, de m o d o que o contexto relacionai possibilita sua realizao, assim, a singularidade e
a c o m u n i d a d e so dois m o m e n t o s co-relatos.
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Capitulo 9
A comunidade se f o r m a q u a n d o cada m e m b r o
aceita a comunidade como lugar de seu movimento individual e, assim, se forma u m a nova personalidade que a
comunidade. Os seres h u m a n o s deveriam viver em comunidade, pois isto corresponde a um grande apelo tico.
Concebendo a comunidade dessa maneira, cada um poderia participar de diversas formas de comunidade.
Uma famlia, por exemplo, poderia ou deveria ser
uma comunidade. Mas nem sempre o , entretanto se
realiza c o m o c o m u n i d a d e q u a n d o o vnculo entre os
m e m b r o s da c o m u n i d a d e positivo, comeando pelos
sentimento. No caso da famlia, o sentimento f u n d a m e n tal o a m o r e sua reciprocidade, pois existe um desejo
solidrio de realizao, mas se isso no acontecer, no h
comunidade familiar. Na famlia h benefcios tambm
no nvel corporal, pois o corpo inteiro do ser h u m a n o faz
p a r t e daquela famlia, j u n t a m e n t e c o m o esprito.
Q u a n d o se diz que acreditamos em um vnculo de sangue, significa, no caso da famlia, que estamos ligados por
um elo corporal. Porm o vnculo de sangue no faz com
que a famlia seja u m a comunidade, preciso que haja
u m a disponibilidade psquica e espiritual.
A comunidade familiar antes de t u d o um processo, no acontece espontaneamente, esse um problema
m u i t o presente atualmente nas famlias. A espontaneida-
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COMUNIDADE E SOCIEDADE
Fazemos parte de organizaes que aparentemente
no so, mas poderiam se tornar comunidades, por exemplo, um grupo de alunos de u m a mesma sala de aula. Na
associao existe um vnculo fsico, corporal, mas aquelas
pessoas f o r m a r a m esse vnculo por acaso. O termo sociedade descreve esse tipo de grupo, u m a vez que os m e m bros esto ali por uma finalidade c o m u m . No entanto, se
eles forem capazes de estabelecer vnculos psquicos e
espirituais, podero tornar-se u m a comunidade. Se todos
trabalharem em unio e no quiserem sempre afirmar a si
mesmos, causando mal ao outro, se trabalharem para o
grupo, a sociedade pode se tornar t a m b m comunidade.
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Ciiptufo 6
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Capitulo 9
independentemente do g r u p o tnico ou da c o m u n i d a d e a
que pertenam. As leis garantem a igualdade entre todos
os cidados e, claro, isso se deu devido a lutas polticas
muito fortes. C o m o se v, o Estado pode estar ligado a
um povo, mas pode ser t a m b m u m a organizao que
vale para povos distintos que vivem juntos. p o r isso que
dizemos que o Estado vai alm do povo, est acima dos
vrios povos e c u m p r e zelar por todos.
Mas podemos perguntar de que forma o Estado
realmente se mantm. O importante que se constitua uma
comunidade estatal. Mas o que quer dizer comunidade estatal? Quer dizer que todos aqueles que pertencem ao Estado
se do conta da comunidade que eles querem sustentar e o
fazem com a participao moral, espiritual. Q u a n d o essa
vontade falta, o Estado deixa de existir.
Consideremos os Estados modernos. Eles nasceram q u a n d o u m a c o m u n i d a d e de um povo ou de vrios
povos se tornou uma c o m u n i d a d e estatal, u m a organizao poltica e jurdica c o m u m a todos. Q u a n d o a c o m u nidade estatal deixa de existir, pode acontecer, ento, que
venha a faltar o prprio Estado. Por exemplo, desde o
sculo 18, a Chechnia no quer fazer parte de um Estado
que lhe foi imposto, antes o Imprio Russo e depois a
Unio Sovitica. Est ocorrendo, p o r t a n t o a fragmentao de um Estado unitrio, e a dificuldade de manter uni-
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Captulo 2
'
Assim, a partir da comunidade como centro de referncia para todas as associaes humanas, do ponto de vista
da antropologia filosfica e atravs da anlise das vivncias,
ns chegamos ao ser h u m a n o singularmente considerado,
ns identificamos sua estrutura como uma estrutura universal, no somente como estrutura pessoal. H u m a abertura ao outro, a muito outros, aos grupos humanos e h
tambm possibilidades de associaes desses grupos humanos que so a massa, a comunidade e a sociedade.
A sociedade um g r u p o que se associa ocasionalmente para um fim, e preciso colocar-se junto, com
u m a finalidade, para se constituir u m a sociedade. H,
pois, u m a racionalidade, u m a afinidade espiritual, porm
para um fim especfico, de forma que, se a finalidade terminar, pode-se f o r m a r u m a outra sociedade ou acabar
ali. Por o u t r o lado, a comunidade um fator de toda
sociedade, f u n d a m e n t a l para o cidado, considerado
aquele que constri a polis, no sentido grego. As comunidades do a base comunidade estatal, p o d e m ser
inclusive tribos, u m a vez que t a m b m elas constituem
diversos vnculos entre seus membros. Nas tribos existem
costumes que servem somente para aquele g r u p o especfico, mas q u a n d o se fala nos m e m b r o s do Estado sempre
h leis, pois os costumes devem valer para todos. Nisto
est o problema da constituio do Estado, o problema
das cidades m o d e r n a s e da realidade contempornea em
conseguir estabelecer u m a legislao que v alm da considerao das diferenas dos vrios grupos tnicos. Por
exemplo, na Europa se busca, atualmente, u m a constitui-
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Capitulo 7
h u m a n o , e de sua relao com os outros, com a comunidade, com a sociedade, com o Estado. Entender tais sentidos
algo que se pode fazer somente atravs de um trabalho de
pesquisa interdisciplinar. verdade que ns no podemos
conhecer tudo. O importante que, ao conhecermos uma
parte, tenhamos a conscincia de que se trata justamente
de uma parte, que existem fundamentos a serem reconhecidos. No se faz cincia h u m a n a sem que saiba o que o
ser humano. Freqentemente falta o fundamento, infelizmente, esta u m a tendncia de nosso tempo.
Atravs das vivncias, p o d e m o s desenvolver o
caminho da Antropologia ou o das Cincias da natureza,
ou ainda o do m u n d o fsico, p o d e m o s tambm perguntar
c o m o se conhece o ser h u m a n o . A interessante anlise que
a Fenomenologia realiza est f u n d a m e n t a d a na seguinte
idia: atravs da anlise dos atos, precisamos adentrar o
m u n d o de carter fsico, da natureza, por exemplo, e nos
damos conta t a m b m de que ns queremos conhecer o
m u n d o fsico, mas que conhec-lo no to fcil. Talvez
seja mais fcil conhecer o m u n d o h u m a n o , p o r q u e podemos conhec-lo atravs de nossa interioridade. O m u n d o
fsico permanece sempre transcendente, externo a ns,
mas temos um vnculo com esse m u n d o da natureza, que
a corporeidade.
Para conhecer as coisas que esto diante de ns,
fazemos u m a srie de operaes muito complexas, mas
q u a n d o se trata de dentro de ns comeamos p o r uma
experincia simples. J verificamos que para ocorrer a
percepo necessria acontecer u m a srie de operaes
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Capitulo 9
A CRIAO EVOLUI:
A HISTRIA DA NATUREZA
INDICA UMA TELEOLOGIA
Evolucionismo, c o m o se sabe, um tema com o
qual o Positivismo se afirmou, problematizando a existncia de Deus. Independente do problema que a expresso paradoxal poderia suscitar, p o d e m o s dizer que existe
u m a histria da natureza no sentido de um desenvolvimento da natureza. Isso no exclui, porm, que a dimenso do esprito tenha a sua autonomia. E assim pode-se
considerar a questo de Deus dentro da investigao
sobre o desenvolvimento da natureza.
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Capitulo 9
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Captulo 8
O MTODO FENOMENOLGICO
HUSSERLIANO E O EXISTENCIALISMO
J dissemos que para Husserl o mais importante
no a existncia mas a essncia, o sentido. Sua idia que
devemos colocar entre parnteses a existncia dos fatos. O
copo diante de m i m um fato, mas no interessa tanto
que ele esteja aqui, e sim o que ele , o problema do sentido. O u t r o exemplo pode ser dado, q u a n d o coloco entre
parnteses a existncia das vrias comunidades, no interessa, nesse m o m e n t o , que exista essa comunidade ou
outra, mas interessa compreender o que a comunidade,
o seu elemento essencial. Q u a n d o Husserl p r o p u n h a isto,
muitos diziam que no se pode colocar entre parnteses a
existncia no sentido de que no se pode negar a existncia. Mas Husserl no estava negando a existncia, mas se
referia existncia como fato positivista.
Os fenomenlogos franceses dizem que a perspectiva da busca de sentido deve ser feita em relao existn-
Capitulo 9
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cia. Neste ponto, existe uma dificuldade para se compreender o que Husserl quer dizer sobre a existncia. Porque ele
no diz que no existe, apenas no quer levar em considerao a existncia como factualidade. Fenomenlogos
franceses como Merleau-Ponty e Sartre comeam pelos fenmenos da existncia porque se referem a Heidegger, que
trata, justamente, do fenmeno da existncia.
Husserl diz: "Se vocs, positivistas, me dizem que
as coisas existem como fato, c o m o objeto da cincia, este
aspecto de existncia no me interessa, porque me interessa compreender o sentido." Poderamos perguntar
qual o sentido e a resposta seria que o sentido de todos os
fenmenos, que esto interativamente sendo analisados e
t a m b m os detalhes internos ao sujeito referentes queles
fenmenos, as vivncias. Heidegger, Merleau-Ponty, e
Sartre admitiram que h um f e n m e n o da existncia
h u m a n a e se interessaram por examin-lo c o m o fenmeno, mas sem adentr-lo, sem examinar a dimenso dos
atos. Essa uma diferena fundamental. Q u e m aceita a
dimenso dos atos Edith Stein, que se interessa pela
estrutura do sujeito, reconduzvel realidade transcendental (atos de conscincia), e, atravs dos atos conquistados, vem depois, a existncia das coisas.
Todas as coisas existem; eu existo, os outros existem, as comunidades existem, porm Husserl no trabalha sobre o plano da existncia, mas do sentido, do significado das coisas que existem. Heidegger, que discpulo
de Husserl, m u d a esta viso, interessando-se pelo fenm e n o da existncia h u m a n a ao qual d e n o m i n a Daiscn.
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como vamos
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Captulo 2
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OS ATOS ESPECFICOS DA
BUSCA RELIGIOSA
C h a m a m o s os atos intelectuais os racionais e tambm os atos morais ligados vontade de espirituais, portanto q u a n d o queremos fazer alguma coisa, estamos
t o m a n d o u m a posio consciente, pois querer t o m a r
posio consciente. Mas a vida espiritual est ligada tambm aos atos religiosos, e pocie se perguntar o que so os
atos religiosos. Husserl diz que na conscincia se encontram correntes, ou seja, correntes de conscincia. A conscincia o estado de estar cnscio de, estar ciente de ; portanto o estado ciente dos atos que estamos realizando.
Edith Stein diz isso de f o r m a ainda mais bonita: "a conscincia u m a luz interior que a c o m p a n h a todos os atos."
Os atos se movem n u m fluir dos atos, por exemplo,
enquanto estamos fazendo esta anlise, percebemos, refletimos, temos emoo, ateno... Se examinarmos nossos
estados de nimo, ainda que por pouco tempo, saberemos
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tema que Santo Agostinho 2 e Santo Anselmo' desenvolveram muito. A experincia religiosa u m a experincia de
si e da experincia de q u e existe algo superior a si, portanto se a superao existe, ela algo que est presente.
Anselmo D'Aosta afirma que este pensamento de
algo que supera o p e n s a m e n t o mais forte que p o d e m o s
ter, no existe nada maior. Anselmo coloca essa questo
em termos de pensamento, de reconhecimento de uma
experincia fundamental.
Husserl 4 aponta
para
isso
2 AGOSTINHO DF. HIPONA. /\ trindade. Traduo e introduo de A. Belmonte, notas de N. Assis Oliveira. So
Paulo: Paulus, 1994. (Coleo Patrstica)
3 ANSELMO, D'Aosta. Prologion. Ed. e traduzione di G.
Zuanazzi. Brescia: La scuola, 2002.
4 Cf. ALES BEL.LO, A. Edmund Husserl: pensare Dio, credere
in Dio. Padova; Ed. Messaggero, 2005.
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trabalha
m u i t o com a prova de Santo Anselmo, dizendo que existe um pensamento originrio de Algo que est presente e
transcende; transcende na sua existncia, mas que presente em ns c o m o marca, c o m o rastro.
J tratamos anteriormente do desenvolvimento do
ser humano, daquela via objetiva atravs da qual a criana
ou a espcie humana conduzida a se desenvolve porque
existe um projeto, u m a meta, um tclos. Mas pode-se perguntar qual o projeto uma vez que o desenvolvimento
h u m a n o no pode ser conduzido pela natureza mesma.
Ento deve ser conduzido por Deus, e essa a via objetiva
e o projeto. Essa, no entanto, tambm a via subjetiva, que
tem u m a dupla validade: religiosa e filosfica, e que j estava presente no pensamento medieval em Santo Agostinho
e em Santo Anselmo, e reflete racionalmente sobre o significado dessa experincia.
Porm o elemento fundamental a experincia, e,
aqui, se resolve tambm o problema da relao entre religio e filosofia, que est muito presente no pensamento
medieval, existindo u m a expectativa de se estabelecer
uma singularidade entre ambas.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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