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Mecanismos Terapêuticos Na Dependência Química
Mecanismos Terapêuticos Na Dependência Química
Mecanismos Terapêuticos Na Dependência Química
II
RESUMO
As tcnicas cognitivo-comportamentais so utilizadas no tratamento da preveno de
recada como recurso para a manuteno da abstinncia de substncias psicoativas. O
objetivo da pesquisa foi determinar relaes entre as tcnicas e os mecanismos
envolvidos nos processos de interveno teraputica. O estudo foi baseado na
experincia do tratamento (internao e ambulatorial) de pacientes da Unidade de
Dependncia Qumica do Hospital Me de Deus em Porto Alegre-RS. A abordagem
utilizada na pesquisa foi qualitativa reflexiva. O tempo de observao foi de oito meses e
o material utilizado para a anlise foram observaes participativas das atividades da
Unidade. As observaes aconteceram de forma livre e no estruturada buscando-se
observar interaes paciente/terapeuta. O material de anlise foi retirado do dirio de
campo e da sntese mensal do comportamento observado em paciente que se manteve
abstinente. A tcnica distrao/relaxamento possibilitou situaes de interveno
teraputica em situaes informais com os pacientes. A participao do terapeuta nas
atividades do paciente torna possvel acessar esquemas emocionais intervindo de modo
que os tornem sensveis reestruturao. A anlise dos dados demonstrou que a relao
teraputica e as tcnicas cognitivo-comportamentais possibilitaram evoluo pessoal aos
pacientes, viabilizando aumento na qualidade de vida e manuteno da abstinncia.
Palavras-Chave: Abstinncia, Dependncia qumica, Relao teraputica.
ABSTRACT
Introduo
O tratamento de dependncia qumica em unidades de internao uma tcnica
teraputica que inclui, na abordagem cognitiva, intervenes nos pensamentos e crenas
associados ao uso da droga. Neste trabalho, apresenta-se os dados de um estudo
longitudinal fundamentado na observao de um caso atendido na Unidade de
Dependncia Qumica (UDQ) do Hospital Me de Deus (HMD) em Porto Alegre, Rio
Grande do Sul. O estudo foi baseado na experincia de tratamento de dependncia
qumica em pacientes internados ou em acompanhamento ambulatorial e de hospital-dia.
Nosso principal objetivo foi determinar relaes entre as tcnicas cognitivas
comportamentais e os mecanismos envolvidos nos processos de interveno teraputica
no cotidiano dos pacientes. O estudo enfocou as situaes de interveno teraputica
que ocorriam em lugares diferentes da situao de setting teraputico do consultrio
psicolgico - algumas atividades do programa de tratamento da unidade, Grupo de
Vivncias, Aula de Hidroginstica e Jogos.
Conforme Marlatt e Gordon (1993) uma importante influncia no nvel geral de estresse
de um indivduo exercida pela freqncia e qualidade das atividades interpessoais.
O programa de modificao no estilo de vida busca oferecer um melhor equilbrio entre
as fontes de estresse e o repertrio de respostas de enfrentamento na vida do cliente. H
trs maneiras de adquirir-se uma melhora transituacional da capacidade de
enfrentamento: pela introduo de atividades novas e gratificantes no estilo de vida do
indivduo (exerccios e relaxamento, por exemplo); pelo senso de aumento da autoeficcia devido ao domnio de novas habilidades de enfrentamento no estilo de vida; e
pela variedade de efeitos benficos para o bem estar fsico e subjetivo do cliente,
adquiridos pela prtica regular de exerccios e relaxamento (Marlatt & Gordon, 1993).
No geral, afirmam Marlatt e Gordon (1993) os programas da preveno de recada
adotam exerccios da categoria geral de exerccios aerbicos, incluindo atividades
isorrtmicas repetitivas (caminhadas rpidas, correr, ciclismo, remo e natao etc.).
Diversas razes justificam a importncia dos exerccios como uma atividade de estilo de
vida muito recomendada. Folkins e Sime (1981, citados por Marlatt & Gordon, 1993),
aps revisarem uma literatura referente treinamento para a sade mental e aptido
fsica, colocam que os exerccios regulares foram considerados como associados a um
melhor afeto, uma melhora nos padres de sono, no desempenho ocupacional etc. Essas
vantagens devem ser compartilhadas com o cliente para que aumente a sua motivao e
oferea uma racionalidade para o seu incio em um programa de exerccios. preciso
que o indivduo forme um compromisso de se empenhar em atividades de tempo para o
corpo.
A estratgia de autocontrole (Goldfried, 1971, citado por Marlatt & Gordon, 1993) seria a
segunda aplicao do relaxamento. A importncia deste mtodo prevenir a recada
quando o indivduo se deparar com uma situao de alto risco ou antecipar uma forte
compulso ou tentao para um lapso. J que um breve perodo de afastamento serve
para relaxar e reequilibrar as prprias energias. Um ponto a se destacar que
estratgias alternativas de enfrentamento podero ocorrer ao cliente durante essa pausa
para o relaxamento, mesmo que a pessoa disponha de poucos minutos para pratic-lo.
Igualmente, poder diminuir a tenso e aumentar a auto-eficcia em meio a uma
situao de alto risco apenas direcionando sua ateno para dentro de si mesmo,
focalizando-se na respirao, mantra ou tnus muscular (para liberar a tenso). Ao invs
de ficar cada vez mais atrado pelas demandas externas da situao e se perder nelas, o
indivduo, atravs deste relaxamento, dirige o foco de volta ao centro subjetivo de seu
controle (Marlatt & Gordon, 1993).
Conforme Burns e Auerbach (1992, citados por Beck et al., 1999) e Persos et al. (1988,
citados por Beck et al., 1999) um mtodo principal so as atividades designadas entre
sesses - consiste em aplicar as habilidades aprendidas nas sesses de terapia, por isso,
as atividades entre sesses so uma continuao vital da terapia. Tendo como objetivo
em longo prazo, essas atividades entre sesses devem propiciar aos pacientes a
aprendizagem e a utilizao, com naturalidade, do interrogatrio socrtico autoguiado
em suas vidas. Essas atividades so uma tima oportunidade para aplicar as crenas de
controle no mundo real. Os pacientes devem praticar a ativao dessas crenas para
poder enfrentar os estmulos de alto risco. A designao de atividades entre sesses
tambm deve compreender a avaliao da validez das crenas aditivas. As atividades
entre sesses so revisadas no princpio do seguimento da sesso.
Em contrapartida, tambm devemos considerar os fatores que so citados por Beck et al.
(1999) como os principais percussores do abandono teraputico e da recada o craving e
os impulsos descontrolados para consumir a droga. Conforme observam Beck et al.
(1999), inicialmente, o terapeuta dever avaliar a percepo idiossincrsica do paciente
de seu craving. Ao longo do tratamento, o terapeuta o ajudar a reenfocar suas
experincias e a desenvolver formas mais adequadas de tratar estes problemas. Para tal,
o terapeuta primeiro precisar identificar os pensamentos automticos do paciente,
associados a essa experincia. Os pacientes podero ser ajudados na reduo do craving
a partir de tcnicas: de distrao, las tarjetas-flash (escrever em fichas frases de
enfrentamento), de imaginao, respostas racionais a pensamentos automticos
relacionados com os impulsos, de programao de atividades e tcnicas de relaxamento.
Igualmente, ser necessrio orientar os pacientes no manejo de suas crenas
disfuncionais que facilitam o consumo de drogas.
Sobre o atendimento do paciente fora do setting teraputico do consultrio psicolgico,
Fontanella (2003) realizou uma pesquisa com um mtodo clnico-qualitativo. O autor
buscou identificar as motivaes dos dependentes de substncias psicoativas para
tratamento com profissionais de sade.
Na categorizao das barreiras para procura de tratamento, uma das questes que
Fontanella citou como especialmente relevantes (e achados aparentemente inditos) foi
a percepo de um distanciamento entre os usurios e os clnicos que os atendiam.
(2003, p.110). Os elementos da amostra desse estudo apontaram uma imagem
caracterstica dos profissionais da sade: de um lado demonstraram fantasias de um
tratamento prazeroso, de outro colocaram expectativas de se depararem com clnicos
distantes e cruis.
Estes dados nos orientam a buscar alternativas para atendimento de pacientes em
situao de dependncia qumica que possam superar o distanciamento e a dificuldade
inicial dos pacientes em se engajarem na construo de aliana teraputica slida com o
objetivo de manter a abstinncia e permitir novas construes pessoais, reconhecimento
de afetos e busca de autonomia.
Metodologia
A coleta dos dados foi realizada a partir do acompanhamento das atividades de recreao
(hidroginstica e jogos na piscina) e da participao do grupo de vivncia dos pacientes
da Unidade de Dependncia Qumica (UDQ) do Hospital Me de Deus, durante o perodo
de oito meses de observao. Inicialmente, elaborou-se uma Sntese Mensal do
Comportamento Observado (do 1o ms ao ltimo ms) em um dos pacientes em
tratamento ambulatorial, que, ao trmino das observaes, enquadrava-se na categoria
geral Manuteno da Abstinncia de Substncias Psicoativas. Na sntese mensal
constaram os principais comportamentos apresentados em cada ms pelo paciente
observado no Grupo de Vivncias e na Hidroginstica. Tendo em vista que o material de
anlise foi retirado principalmente de situaes grupais, igualmente, foi possvel observar
o comportamento do grupo nesse contexto. De posse desses dados, foi feita uma Sntese
Geral dos Efeitos das Tcnicas Comportamentais no Grupo. A sntese geral consistiu de
uma relao das principais mudanas comportamentais do grupo percebidas durante o
perodo de observao.
A metodologia da pesquisa foi baseada em algumas consideraes de Neto (2000, p.
51): Aps termos definido, atravs de um projeto de pesquisa, nosso objeto de estudo,
surge a necessidade de selecionarmos formas de investigar esse objeto. Assim sendo, a
opo por uma determinada metodologia se d pela necessidade das respostas que se
procura encontrar.
A partir do problema a ser investigado, optamos por uma abordagem de pesquisa
qualitativa reflexiva com um mtodo observacional (observao participante). As
observaes aconteceram de forma livre e no-estruturada, buscamos observar as
Resultados
Sntese Geral dos Efeitos das Tcnicas Comportamentais no Grupo:
Vrios momentos de convivncia contriburam para uma maior aproximao e
estabelecimento de vnculos com o paciente: o encontro informal com o paciente antes
do incio das atividades do Grupo de Vivncias, a caminhada at a academia, a conversa
informal no vestirio, a caminhada de volta a UDQ enquanto o paciente lanchava ou
tomava um chimarro, jogava cartas ou at mesmo assistia a um filme.
A atividade de hidroginstica proporcionou que os pacientes se descontrassem, se
distrassem, se movimentassem e acessassem suas emoes. Alm disso, a atividade de
jogos na piscina promoveu um pleno envolvimento entre eles e desbloqueou muitas de
suas defesas, uma vez que, no decorrer dos jogos, alguns pacientes apresentaram um
comportamento cognitivo-afetivo integrado, sem rupturas. Outro detalhe foi o exerccio
de flexibilidade cognitivo-comportamental que essas atividades possibilitaram, parecendo
tambm oportunizar aos pacientes ampliar os repertrios de comportamentos
interpessoais.
Observao do Caso
O comportamento de um dos pacientes do grupo, no decorrer das observaes, foi
analisado para criarmos uma referncia individual, dentro do todo representado pelo
Discusso
A importncia da participao dos profissionais de apoio tcnico no cotidiano das
experincias dos pacientes da UDQ-HMD, durante o tratamento da Preveno da Recada,
demonstrada neste trabalho.
O tratamento busca mudanas cognitivo-comportamentais e caracteriza-se como um
processo de treinamento de habilidades, reestruturao cognitiva e interveno no estilo
de vida. Alm da relao dos pacientes com seus mdicos, esse modelo de tratamento
possibilita-lhes um convvio mais prximo junto aos tcnicos da UDQ.
Nessa convivncia, novos vnculos se formam e os pacientes tentam construir uma nova
histria. Sendo que, alm dos mdicos, os tcnicos tambm so os elementos de escuta
destas novas construes, os receptores dessa nova demanda de relacionamento. Estes
so modelos de relacionamentos diferenciados, uma vez que o trabalho teraputico de
internao, de hospital-dia e de manuteno da abstinncia um todo.
As intervenes da Psicologia, nesse processo de tratamento, se sustentam
cientificamente pela metodologia de observao participante, no qual o cotidiano das
experincias dos pacientes representam o espao social de pesquisa e interveno do
Psiclogo em direo manuteno do processo de abstinncia de substncias
psicoativas.
Na classificao de Sullivan (citado por Safran, 2002), o terapeuta tambm um
observador-participante, pois se torna parte do campo interpessoal que molda ambos
os comportamentos. O terapeuta pode avaliar os comportamentos interpessoais mais
socialmente disfuncionais do paciente, atravs do monitoramento de suas prprias
reaes que aparecem em resposta a ele, e metacomunic-las ao paciente.
Buscando integrar essa idia de Safran (2002) com os fenmenos observados,
percebemos que, num contexto social, possivelmente, essa metacomunicao tambm
poder ocorrer. Verificamos que a atividade de hidroginstica e jogos oportunizou uma
maior aproximao ou estabelecimento de vnculos com os pacientes, uma vez que,
normalmente, aps a atividade os seus nveis de defesa eram menores, favorecendo que,
espontaneamente, falassem sobre o seu sofrimento. Muitas vezes eram assuntos no
levados ao Grupo de Vivncias.
Ao analisarmos as tcnicas comportamentais de distrao (hidroginstica e jogos na
piscina), de relaxamento (na piscina) e de relaxamento progressivo observadas,
reportamo-nos a Neimeyer (1997) que observou que as tcnicas podem ser reconhecidas
como rituais de significados co-construdos (veculos para pontuar, iniciar ou reorganizar
a experincia) e, portanto, elas no tm poder fora dos contextos sociais e culturais que
as informam. Verificamos que as tcnicas comportamentais observadas estimularam a
criao de diversos significados e tambm o desenvolvimento de esquemas afetivocognitivos mais adaptativos.
No que se refere experincia emocional de um indivduo, Safran (2002) sustenta que
junto a ela, ocorre a ao e a percepo (atividades perceptivo-motoras integradas). Ele
destaca a importncia de intervenes que direcionem a ateno dos clientes para seu
prprio comportamento no-verbal e mudanas somticas, os quais podem ser
necessrios no processo de auxili-los a conscientizarem-se de emoes potencialmente
adaptativas. Safran (2002) tambm salienta que o ato de apenas ensinar o cliente em
um nvel consciente e racional que no h problema em experimentar determinados
sentimentos, pode no mudar a qualidade da experincia emocional consciente, uma vez
que o cliente pode precisar de uma habilidade motora perceptiva e no exclusivamente
de uma habilidade conceitual. Inclusive, o autor coloca que no se pode facilmente
A idia de Turato (2003), nos chama a ateno para a relevncia de estudo dos fatores
ambientais, tambm vista por Caballo (2002) ao referir-se ao tratamento da depresso onde as questes ambientais vm sendo pouco estudadas, e os esforos so direcionados
no aporte cognitivo ou no biolgico, e muito pouco no aporte ambiental. Caballo (2002)
fala que seria uma estratgia intermediria promover uma mudana comportamental do
sujeito deprimido atravs da melhora de suas habilidades sociais, pois resultaria na
modificao da reao dos outros sobre ele.
Caballo (2002) aborda que mesmo com a existncia da conscincia terica sobre o valor
da interao, entre pessoa e contexto, pequenos prosseguimentos referentes a este
marco terico existiram no momento de comentar na prtica os transtornos de
comportamento humanos.
Caballo (2002), citando Franks (1984b), destaca que a Associao Psiquitrica Americana
prope que se utilize o termo ecopsiquiatria para demonstrar a complexidade das
interaes entre a pessoa e o ambiente (biolgicas, fsicas e psicossociais) que
determinam a sade mental e a doena. Caballo (2002) sugere que o conhecimento dos
resultados provocados pelo contexto circundante sobre o comportamento, deveria ajudar
a traar e transformar diversos ambientes para produzir o efeito desejado no
comportamento.
Em relao influncia da interao entre pessoa e ambiente, remetemo-nos s
atividades de tratamento da UDQ-HMD analisadas e percebemos melhoras significativas
em relao a uma maior plasticidade comportamental em alguns pacientes. Esta
interao demonstrou estimular, em alguns pacientes, a criao de diversos significados
e tambm o desenvolvimento de esquemas afetivo-cognitivos mais adaptativos.
Quanto ao paciente observado, verificamos que a proximidade estabelecida atravs da
relao teraputica e do aporte ambiental do programa do tratamento da UDQ foi
elemento potencializador de importantes mudanas cognitivo-comportamentais.
Tambm Gossop (1997) assinala que mudanas ambientais e desenvolvimentais podem
ser responsveis pelas alteraes dos padres de consumo de drogas. Assim como na
etiologia e no desenvolvimento de problemas de drogas, a Psicologia do indivduo e o
ambiente social onde ele vive influenciam muito o resultado. Gossop (1997) conclui que
ao terapeuta, no ambiente de tratamento, pode ser instigador ele acreditar que os
fatores de tratamento so mais importantes do que realmente so.
Nesta direo, reforamos a importncia da harmonia entre o cognitivo, o biolgico e o
ambiental dentro dos programas de tratamento para o uso de substncias psicoativas.
Isto nos orienta a ampliarmos o aporte ambiental muito alm das demais atividades de
tratamento, valorizando-o como constante potencializador de novos comportamentos.
Referncias Bibliogrficas
Babor, T. F. (1994). Controvrsias sociais, cientficas e mdicas na definio de
dependncia do lcool e das drogas. Em: Edwards, G. & Lader, M. (Orgs.). A natureza da
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Beck, A. T., Wright, F. D., Newman, C. F. & Liese, B. S. (1999). Terapia cognitiva de las
drogodependencias. Buenos Aires: Editorial Paids.