O documento é uma tese de doutorado apresentada por Michelle Yara Urcci ao programa de pós-graduação em sociologia da USP. A tese analisa as obras de pintores que atuaram no Palacete Santa Helena em São Paulo entre 1935 e 1940, explorando como suas imagens retrataram a cidade na época. A autora agradece a orientação recebida e o apoio de professores, funcionários, colegas e amigos durante a realização da pesquisa.
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O documento é uma tese de doutorado apresentada por Michelle Yara Urcci ao programa de pós-graduação em sociologia da USP. A tese analisa as obras de pintores que atuaram no Palacete Santa Helena em São Paulo entre 1935 e 1940, explorando como suas imagens retrataram a cidade na época. A autora agradece a orientação recebida e o apoio de professores, funcionários, colegas e amigos durante a realização da pesquisa.
O documento é uma tese de doutorado apresentada por Michelle Yara Urcci ao programa de pós-graduação em sociologia da USP. A tese analisa as obras de pintores que atuaram no Palacete Santa Helena em São Paulo entre 1935 e 1940, explorando como suas imagens retrataram a cidade na época. A autora agradece a orientação recebida e o apoio de professores, funcionários, colegas e amigos durante a realização da pesquisa.
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA
MICHELLE YARA URCCI
Os pintores do Palacete Santa Helena: imagens da So Paulo entre 1935 e 1940
So Paulo Junho/2009 2
UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA
Os pintores do Palacete Santa Helena: imagens da So Paulo entre 1935 e 1940
Michelle Yara Urcci
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para a obteno do ttulo de Doutor em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Menezes
So Paulo Junho/2009 3
Catalogao na Publicao Servio de Biblioteca e Documentao Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo _________________________________________________________________________
Urcci, Michelle Yara Os pintores do Palacete Santa Helena: imagens da So Paulo entre 1935 e 1940 / Michelle Yara Urcci ; orientador Paulo Menezes. -- So Paulo, 2009. 405 p.
Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao do Departamento de Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.
1. Palacete Santa Helena So Paulo. 2. Histria da Arte So Paulo 1935-1940. 3. Pintores So Paulo. 4. Arte Moderna. 5. Sociologia da arte. I. Ttulo. II. Menezes, Paulo.
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Aos meus pais, Paulo e Maria Jos, e ao Eduardo, por estarem comigo em tudo e sempre
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Agradecimentos
O momento de agradecer consiste numa etapa prazerosa, pois o momento em que se tem a sensao de dever cumprido, de trabalho concretizado e de uma grande conquista alcanada, tanto pessoal, quanto profissional. Isto se deve tambm a estas pessoas, pois souberam me orientar e me apoiaram sempre. Por todo o suporte, de toda a espcie, pela enorme contribuio, direta ou indiretamente, para a realizao deste trabalho, fao ento os meus agradecimentos: Primeiramente, agradeo ao Prof. Dr. Paulo Menezes, professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP, meu orientador desde o curso de Mestrado, pelo acolhimento desde ento, pela disponibilidade, pelas inmeras lies, pela compreenso, pacincia, pela leitura sempre atenta e minuciosa do trabalho e pela dedicao durante o perodo de orientao. Ao Prof. Dr. Fernando Antnio Pinheiro Filho e ao Prof. Dr. Luiz Carlos Jackson, por aceitarem participar da banca do exame de qualificao da tese, pela leitura atenta, pelos apontamentos e apreciaes importantes e que foram fundamentais para o aperfeioamento e encaminhamento do trabalho. A Prof. Dra. Mayra Laudanna, pelas aulas to cativantes e reveladoras no Instituto de Estudos Brasileiros da USP, pelos ensinamentos e dicas importantes para a pesquisa, por contribuir com indicaes bibliogrficas, com referncias iconogrficas, material de documentao primria e bate-papos sobre o perodo estudado e sobre os pintores tratados neste trabalho. Ao Prof. Dr. Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses e Prof. Dra. Fernanda Aras Peixoto, pelas disciplinas cursadas durante o primeiro ano de Doutorado e que foram esclarecedoras para a maturao do meu objeto de pesquisa. Ao Prof. Dr. Leopoldo Waizbort e aos alunos que ingressaram em 2005, meus colegas de Doutorado, pela leitura do projeto e pelas crticas e observaes relevantes para o desenvolvimento do mesmo. Aos colegas do grupo de estudo sob a orientao do Prof. Dr. Paulo Menezes: Anderson Trevisan, Edlson Saashima, Mara Saru, Marina Jorge, Daniela Dumaresq, Carla Bernava, Michele Perusso, Paulo Scarpa e Jefferson 6
Guedes, pela leitura atenciosa de algumas verses do texto e pelos apontamentos pertinentes e que me auxiliaram a pensar o meu problema sociolgico. Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico), pelo suporte financeiro indispensvel para a pesquisa. Aos Secretrios do Departamento de Ps-Graduao em Sociologia da FFLCH-USP ao longo do curso: Angela, Irani, Juliana, Z, Vicente e Evania, pela competncia, prontido, bom humor e ateno de sempre, pelo auxlio com as burocracias da Faculdade e por nos manter sempre informados de tudo. Para mim, Angela e Irani foram mais que secretrias do Departamento, me deram conselhos e um apoio sempre carinhoso que s os amigos podem conceder. Aos funcionrios do Museu de Arte Contempornea da USP, especialmente aos bibliotecrios, pela eficincia e presteza em me atender. Aos funcionrios do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, bibliotecrios em especial, pela ateno e pela diligncia com que fui atendida durante o perodo de pesquisa. Eliane e Gina, assistentes sociais da Coordenadoria de Assistncia Social da USP, e Ana Maria, secretria da COSEAS-USP, especialmente no ltimo semestre. Obrigada pela prontido, ateno, por me ouvirem e me ampararem enquanto moradora do CRUSP, e por cuidarem de mim, sem titubear, quando eu mais precisei. Ao Prof. Dr. Juarez Ambires, professor da Fundao Santo Andr, pela ateno, disponibilidade, pelas palavras de apoio e pela sabedoria e torcida. minha amiga, comadre e companheira de Doutorado no Programa de Ps-Graduao em Sociologia da USP, Michele Asmar Fanini, pela convivncia enriquecedora, pela amizade generosa, pelos conselhos, pelos livros e referncias bibliogrficas, e pelas conversas sempre animadoras sobre a vida e sobre a Ps-Graduao. Agradeo, inclusive, por se dispor a ler to prontamente uma das verses finais da tese e colaborar com uma interlocuo preciosa, pautada em uma leitura atenta e em sugestes pertinentes. Rosane Pires Batista e a Ivan Lelis, generosos amigos e compadres queridos, pela grandiosa fora que sempre me deram. Compartilharam comigo vrios momentos em quase uma dcada que estou em So Paulo. Obrigada 7
pela amizade sincera, pelo carinho e acolhimento de sempre. Proporcionaram- me muitos momentos felizes junto deles e tambm da pequena Luisa Pires Lelis. Rosane agradeo especialmente pela interlocuo, pela leitura atenciosa de uma das verses do texto e pelos apontamentos preciosos ao longo do mesmo, pelas dicas importantes, pelas referncias bibliogrficas, pelos conselhos e lies tanto para este trabalho, como para a profisso professor e para a vida. querida amiga Lucimara Tudia, amiga de todas as horas desde que a conheci, h pouco mais de 13 anos, quando ingressamos na graduao em Cincias Sociais na Universidade Federal de So Carlos. Ela sempre foi presente, atenciosa e solidria. Agradeo pelo companheirismo, pela amizade generosa de sempre, pela convivncia enriquecedora, carinhosa e divertida. Obrigada por me ouvir, me aconselhar, pela fora que tem e pela pessoa e profissional que e que eu tanto admiro. Ao amigo Paulo Trevisan, pela amizade, pelas vrias informaes para o trabalho desde o momento da feitura do projeto e pelas dicas e ensinamentos importantes sobre como ser um bom professor de ensino superior. Ao amigo Ivan Pacheco Junior, mais que companheiro de moradia no CRUSP, um amigo solidrio e sempre presente ao meu lado nas aventuras e desventuras durante a Ps-Graduao. Auxiliou-me em vrios momentos, deu- me apoio, aconselhou-me, emprestou-me livros, ensinou-me italiano. Tambm me forneceu uma assistncia com relao s tradues em algumas passagens do texto. Agradeo, alm disso, por ter me dado a primeira oportunidade para eu atuar como professora, em sua turma de italiano no campus, na FFLCH-USP, em 2004, e por me ensinar tantas coisas interessantes de sua rea nos anos de convivncia no CRUSP. Karine da Cunha, amiga generosa e prestativa, alm de companheira de moradia no CRUSP. Esteve sempre presente e a par de tudo, ainda que muitas vezes estivesse longe. Emprestou-me livros, me ouviu sempre atenta e me deu muita fora com o seu exemplo de determinao e obstinao que eu tanto admiro. Aos amigos Silvana Vicente Dias e Mauricio Dias, casal que com freqncia nos recebe em vossa casa com carinho e alto astral. sempre bom estar junto deles. A Silvana, mesmo longe, consegue ser sensvel e solidria. 8
Obrigada pela amizade, pela generosidade, pelas dicas e referncias bibliogrficas indicadas para a pesquisa, pelas palavras precisas que sempre tem no momento certo. querida Dayse Ramos, pela amizade, pela fora, em especial, nos ltimos meses, quando passamos a compartilhar o mesmo espao de moradia. Agradeo por me ouvir e me aconselhar, pela convivncia agradvel e alto astral em nossa pequena grande casa. Fernanda de Souza, uma pessoa que se mostrou amiga em momentos difceis e me concedeu muita fora. Obrigada pela solidariedade, pelo otimismo que me encorajou e pelo incentivo dos ltimos meses. A Sara Oliveira, pelo apoio e conselhos como amiga, aluna, cruspiana e representante discente na USP. Ao amigo Phelipe Favaron, pesquisador jovem e disciplinado que eu admiro, pela companhia sempre agradvel e pelo otimismo. famlia Valentin Gonalves: aos meus sogros queridos, Sr. Elias e D. Sueli, e aos meus cunhados, Marisa, Fernanda e Ednei, obrigada pelo acolhimento desde o primeiro momento e por me fazer sentir parte da famlia desde ento. As palavras so insuficientes para expressar todo o meu agradecimento a eles, pois sempre cuidaram de mim com muito carinho nestes quase quatro anos de convivncia. Na casa desta famlia sempre me senti querida, vontade, protegida. No me faltaram afeto, nem apoio, pois sempre se preocuparam em saber como eu estava e se me faltava alguma coisa. Agradeo pela amizade, pelo zelo, pela generosidade e ateno de sempre, o que se estende tambm D. Terezinha e Sr. Pedro, pais de D. Sueli, sempre receptivos em vossa casa. muito bom conviver com uma famlia to cativante, com pessoas to queridas, minha famlia em Santo Andr-SP. Ao Eduardo Valentin Gonalves, meu diamante gigante, mais que companheiro, a pessoa que me apia cotidianamente, me incentiva incansavelmente, me ensina em todos os momentos, me faz enxergar outros aspectos, outros ngulos, enriquece a minha vida. Obrigada pelo suporte emocional, por toda generosidade e dedicao, pelo companheirismo de sempre, pela compreenso e pacincia, em especial nos ltimos meses, nos momentos difceis. Agradeo, inclusive, por me auxiliar na traduo do resumo da tese em ingls. Sua presena em minha vida uma grande alegria e ao seu 9
lado tenho sempre a convico de que tudo dar certo. Admiro enormemente a pessoa que e a capacidade com que analisa, com rapidez e profundidade, as mais diferentes situaes e problemas, e encontra para elas solues certeiras. A tarefa de execuo deste trabalho teria sido imensamente mais rdua se ele no estivesse ao meu lado em todos os momentos, sempre presente, perto ou longe, sempre atencioso e afetuoso, meu conselheiro, meu parceiro para muitas empreitadas, para toda a vida. Aos meus irmos mais que queridos, Jeandre Fernando Urcci e Olavo Eduardo Urcci, pela amizade, pelo carinho e alegria com que, cada um ao seu modo, sempre me recebem em Sertozinho-SP. minha cunhada, Andreza Fernanda de Freitas Urcci, pelo carinho, amizade e zelo com o meu irmo e com o nosso Matheus Fernando Urcci, meu sobrinho nico. Aos meus avs queridos, Virgnia Maria Galatti Rivarolli, Jos Rivarolli, Armida Borzi Urcci (in memoriam) e Eugnio Urcci (in memoriam), pela dedicao, pelos ensinamentos para toda a vida, pelas histrias de nossa famlia, a trajetria de nossos antepassados, o que me motivou, desde pequena, a querer saber mais e mais sobre a imigrao italiana no Brasil. Obrigada pelas lembranas felizes que eu tenho de uma convivncia cheia de amor, pelo carinho e cuidado que sempre tiveram comigo, por comemorarem as minhas conquistas. Do mesmo modo agradeo aos meus padrinhos, tios e primos que sempre torceram por mim. Aos meus pais, Paulo Roberto Urcci e Maria Jos Rivarolli Urcci, meu maior tesouro, agradeo por tudo, pela vida, pelo amor infinito, pela dedicao, amizade, incentivo e apoio incondicional de sempre, pela educao, pelas inmeras lies durante toda a minha vida. No tenho palavras o bastante que possam dimensionar a imprescindibilidade dos meus pais em tudo na minha vida. Obrigada por compreender a minha ausncia em casa, por respeitar as minhas escolhas e decises e apoi-las, pela segurana emocional que me proporcionaram sempre e que sem a qual eu no teria alado vos to altos e no teria realizado tantos sonhos e um deles foi a minha estada na Universidade, a realizao do Mestrado e do Doutorado e tudo o que advm disto. Eles foram o meu porto seguro e sempre me disseram: V, faa tudo o que quiser fazer e, quando quiser voltar, saiba que estaremos sempre aqui te 10
esperando. Eles me deram liberdade de escolha e confiaram em mim, e isto sempre me fortaleceu e me encorajou na busca da realizao pessoal e profissional. Agradeo aos meus pais e ao Eduardo Valentin Gonalves por tudo. Aos meus pais, incondicionalmente ao meu lado, e ao Eduardo, pelos dias que vivemos e por aqueles que sonhamos, dedico esta tese.
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RESUMO
Nesta tese foi abordada a unio dos pintores que estiveram juntos no Palacete Santa Helena por cerca de cinco anos, de 1935 a 1940, bem como as produes pictricas dos mesmos, em especial as que se referem s pinturas de gnero produzidas neste perodo. Por meio da anlise destas obras observamos como estes pintores construram a imagem de So Paulo no perodo em que dividiram o ateli no Palacete Santa Helena. Suas pinturas sugerem uma modernizao s avessas da cidade, pois ao invs de produzirem imagens de uma So Paulo urbana, industrial, a partir de cenas nas quais h um ambiente atribulado, com muitas pessoas, carros e edifcios elementos que propem diretamente a idia de modernizao da cidade notamos que as obras destes pintores nos mostram em grande parte os arrabaldes, as cercanias da cidade e no o centro. De maneira diferente, o pintor italiano Fulvio Pennacchi apresenta, em seus cartazes publicitrios da dcada de 1930, a modernizao da cidade de forma mais direta, pois enfatiza o crescimento e desenvolvimento de So Paulo por meio de imagens que mostram produtos decorrentes da industrializao, como o caf, o cigarro, os chapus, o carro e o pneu. Em contrapartida, a So Paulo apresentada pelos pintores do Palacete Santa Helena, incluso Pennacchi, o lugar povoado por gente humilde, trabalhadores e trabalhadoras que vivem na roa ou em bairros mais afastados do centro de So Paulo, lugar onde muitas vezes tambm executam suas atividades laborais e inclusive desfrutam os momentos de lazer. Quando estes pintores abordam em suas obras a temtica dos trabalhadores urbanos, retratam-nos como fazendo parte de uma engrenagem que auxilia na construo, crescimento e desenvolvimento da cidade e quando aparecem nas telas destes pintores alguns elementos que sugerem mais diretamente a modernizao da cidade, muito vinculada industrializao. Desse modo, a partir da anlise destas obras, podemos notar que a imagem que se tem de So Paulo a da cidade que se deseja moderna, na qual a periferia est em contraposio ao centro, onde a presena do rural sugere uma etapa anterior ao urbano, e o popular presente principalmente nos arrabaldes sugere a tradio que na cidade vai sendo substituda pela modernizao dos edifcios, pela substituio de comportamentos, pela aquisio de novos produtos, de novos modos de vida, hbitos e costumes. A So Paulo na pintura de gnero destes pintores a cidade dos homens da prtica, dos imigrantes e filhos de imigrantes, assim como eles o so. A raiz social o que os conjumina como grupo. No que diz respeito s temticas abordadas em suas obras, estes pintores, quando comparados entre si, se aproximam. J quando se trata da linguagem visual utilizada em suas composies, h dissonncias entre eles, pois utilizam referncias diferentes. Estas referncias tm como fonte alguns artistas modernistas do perodo, aos quais algumas vezes os pintores do Palacete se aproximam tambm no que concerne s temticas tratadas. Assim, os pintores do Santa Helena apresentam as imagens da So Paulo de 1935 a 1940, nas quais observamos uma cidade que tem a modernizao construda s avessas, pelo fato de os elementos compositivos muitas vezes no se relacionarem diretamente com a modernizao da cidade, mas que sugerem esse processo. Desse modo, com originalidade e peculiaridades comuns e dissonantes, estes pintores produziram uma obra muito vinculada ao modernismo da segunda metade da dcada de 1930.
Palavras-chave: Sociologia da Arte, Histria da Arte, So Paulo, Arte Moderna, Palacete Santa Helena 12
ABSTRACT
This work is about the union of painters who have been together in Palacete Santa Helena for roughly five years time, from 1935 to 1940, as well as the pictorial works made by them, particularly those referring to the genre scenes made in the period. Through the observation of these works, we see how painters built the image of So Paulo in the period they shared the Santa Helena studio. Their paintings suggest a backwards modernization of the city as they represent much more images from the suburbs instead of the urban and industrial So Paulo, based on busy scenarios, with lots of people, cars and buildings elements that suggest the idea of modernization of the city we observed that Santa Helena painters works and the majority of these paintings showed us the environs of the city not the downtown. Differently, the Italian painter Fulvio Pennacchi shows in his advertisement banners from the 1930s, the modernization of the city straight forward, as he focuses on the growth and development of So Paulo through pictures coming from industrialization at that time, such as coffee, tobacco, hats, cars and tires. On the another hand, the So Paulo showed in the screens of Palacete Santa Helenas painters is a place of humble people, workers who live either in the countryside or in the suburbs. This same place is scenario of labor and leisure activities. When urban workers are the thematic pictured by the painters, they are shown as part of an engine that pushes the construction, growth and development of the city. It is when some elements which suggest the modernization of the city pops up in their screens, pretty much involved with its industrialization. From the analysis of the paintings, it can be observed that So Paulo wants to be a modern city, in which the suburb is on opposite side of the town where the presence of agricultural elements suggest a previous stage to the urban ones, and the popular manifestation mainly in suburbs suggests the tradition in the city had being substituted by the modernization of the buildings, for the change of behaviors, the acquisition of new products, new ways of life and habits. The So Paulo seen from the genre painting of painters is a city of hands on men, of immigrants and immigrants sons as they are, indeed. The social root is what unite them as a group. Concerning the thematic in their paintings, these painters, when compared to each other, converge. However, there are differences regarding the visual identity employed in their paintings as different references are used among them. These references come from some modernist artists of the period which also show some similarity to Palacetes painters concerning the thematic approached. Then, the Santa Helenas painters show images of So Paulo from 1935 until 1940, which is possible to observe a city that has its modernization build backwards, by the fact the elements that compose the paintings frequently do not have direct relation with the modernization of the city but simply suggest it. This way, with originality and some common and dissonant particularities if compared among the painters, originally created paintings tied up to the modernism of the second half of the 1930s.
Key words: Sociology of Art, History of Art, So Paulo, Modern Art, Palacete Santa Helena 13
A captao de qualquer imagem pela nossa viso implica o desenvolvimento de uma atividade mental.
Pierre Francastel
A pintura a mais assombrosa das feiticeiras. Consegue persuadir-nos, atravs das mais transparentes falsidades, de que a pura verdade.
Jean Etienne Liotard
Quanto mais os hierglifos do artista se ajustam s impresses que os sentidos tm da Natureza e toda arte no passa de hierglifos , tanto maior ser o esforo imaginativo requerido para invent-los.
Max Liebermann
O catlogo das formas interminvel: enquanto cada forma no encontra a sua cidade, novas cidades continuaro a surgir. Nos lugares em que as formas exaurem as suas variedades e se desfazem, comea o fim das cidades.
talo Calvino
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SUMRIO
CONSIDERAES PRELIMINARES .............................................................. 16 CAPTULO 1 OS PINTORES DO PALACETE SANTA HELENA NA SO PAULO DA METADE DA DCADA DE 1930 A 1940 ...................................... 21 1.1 - A So Paulo na dcada de 1930 pelas propagandas de um imigrante . 44 1.2 A formao artstica dos pintores do Palacete Santa Helena ............... 85 1.3 A Famlia Artstica Paulista e o Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo ............................................................................................................. 93 1.4 Operrios, proletrios, artesos ......................................................... 105 CAPTULO 2 OS TRABALHADORES DA CIDADE DE SO PAULO NOS ANOS DE 1935 A 1940 .................................................................................. 122 2.1 Trabalhador urbano ............................................................................ 131 2.2 Trabalhador rural ................................................................................ 158 CAPTULO 3 AS MULHERES NA SO PAULO ENTRE OS ANOS DE 1935 A 1940 ............................................................................................................ 189 CAPTULO 4 O LAZER EM SO PAULO NA SEGUNDA METADE DA DCADA DE 1930 ......................................................................................... 233 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 297 ANEXOS ........................................................................................................ 308 APNDICES ................................................................................................... 366 Breves Perfis dos Pintores do Palacete Santa Helena ................................ 366 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................... 388 NDICE DE IMAGENS .................................................................................... 400
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Siglas Utilizadas
GSH Grupo do Palacete Santa Helena FAP Famlia Artstica Paulista CAM Clube dos Artistas Modernos SPAM Sociedade Pr-Arte Moderna SPBA Sociedade Paulista de Belas Artes e Salo Paulista de Belas Artes SNBA Salo Nacional de Belas Artes EBASP Escola de Belas Artes de So Paulo IEB-USP Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo MAC-USP Museu de Arte Contempornea da Universidade de So Paulo MASP Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand MAM Museu de Arte Moderna MNBA Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro ENBA Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro
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CONSIDERAES PRELIMINARES
Escrever estar no extremo de si mesmo, e quem est assim se exercendo nessa nudez, a mais nua que h, tem pudor de que outros vejam o que deve haver de esgar, de tiques, de gestos falhos, de pouco espetacular na torta viso de uma alma no pleno estertor de criar.
Joo Cabral de Melo Neto
No decurso desta tese abordamos as imagens de So Paulo produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena. Entre os anos de 1935 e 1940, nove pintores estiveram juntos no referido Palacete, edifcio localizado no centro da capital paulista, mais precisamente na Praa da S. Aos poucos foram chegando ao referido Palacete para compartilhar o espao de trabalho e, assim, estabeleceram um convvio em salas alugadas que se transformaram em ateli. Primeiro chegou Francisco Rebolo Gonsales, depois Mrio Zanini, Manoel Joaquim Martins, Fulvio Pennacchi, Aldo Cludio Felipe Bonadei, Clvis Graciano, Alfredo Volpi, Humberto Rosa e Alfredo Rullo Rizzotti. Pouco a pouco foi se formando o ateli coletivo, especificamente de 1935 a 1937, ano em que o ltimo pintor, Alfredo Rizzotti, se uniu ao restante dos pintores. Esta unio perdurou por mais ou menos cinco anos e do mesmo modo que teve sua origem, paulatinamente teve o seu fim. Foi a partir do final da dcada de 1930, por volta de 1939, que os pintores comearam a se dispersar do Palacete Santa Helena, o que no significou, no entanto, o trmino dos relacionamentos entre eles. 1
Enquanto estiveram juntos no Palacete tiveram uma produo pictrica significativa, pintaram os mais diversos gneros: paisagens, naturezas-mortas, retratos, pinturas de gnero, alm de se dedicarem tambm pintura decorativa, ornamentando espaos pblicos e privados, e realizarem trabalhos
1 Cf. ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: O Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel e EDUSP, 1991, p. 100.
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para cenografias, ilustraes e propagandas, a que se dedicou, especialmente, Fulvio Pennacchi durante a dcada de 1930. O que nos interessa como campo de anlise nesse estudo so, inicialmente, as imagens de propagandas encontradas e que foram produzidas por Pennacchi na dcada de 1930. Nestes cartazes o pintor italiano apresenta a imagem de So Paulo que se transforma, nos quais podemos apontar os significativos acontecimentos polticos, econmicos e sociais em que se insere como imigrante e os quais teriam desdobramentos em toda a dcada. Num segundo momento, so de nosso interesse as pinturas de gnero produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena, pois nos permitem analisar a imagem da cidade por eles sugerida no perodo de 1935 a 1940, momento em que alm de terem dividido o mesmo espao de trabalho no Palacete, participaram ainda de agremiaes como a Famlia Artstica Paulista e o Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo. Por essa pesquisa se pretende analisar se a imagem de So Paulo apresentada pelos pintores do Palacete Santa Helena uma representao modernista da cidade que se moderniza. O intuito investigar como se desenvolveram as obras destes pintores, observar a unicidade e as dissonncias de suas produes pictricas e analisar de que maneira a filiao modernista das obras destes pintores, caso exista, pode estar atrelada modernizao da cidade. Com isso, um problema de ordem conceitual, ento, analisado e diz respeito aos conceitos proletrio, operrio e arteso, denominaes encontradas na literatura sobre estes pintores e que so atribudos a eles pelos trabalhos que desenvolviam. Estes conceitos advm da crtica que Mrio de Andrade faz a estes pintores quando afirma que o que caracterizava a obra dos mesmos era o seu proletarismo e que o fundamento de seus trabalhos no era acadmico em nada, era eminentemente escolar, porque impunha dentro das mais livres pesquisas modernas, as leis da tcnica tradicional. 2
Sendo assim, o objetivo tambm problematizar estes conceitos cristalizados pela crtica e analisar como a obra destes pintores, no que
2 ANDRADE, Mrio de. Esta Paulista Famlia. O Estado de So Paulo, So Paulo, 2 jul. 1939, p. 157. 18
concerne ao tema sobre trabalhadores na So Paulo da segunda metade da dcada de 1930, pode repercutir a condio dos prprios pintores do Palacete Santa Helena como trabalhadores na cidade que cresce, se urbaniza, sofre transformaes como a industrializao e a modernizao. A estratgia metodolgica mais adequada para essa pesquisa a anlise interna das obras, pois, somente por meio da observao das imagens produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena no perodo estudado possvel perceber os sentidos que elas sugerem. De acordo com Paulo Menezes,
[...] A arte no expressaria um processo qualquer que existiria em outro lugar, mas ao contrrio, seria expresso de algo que visual e que, portanto, s pode expressar- se visualmente por meio dela. Concebidas como realidade autnoma, o que no quer dizer separadas de suas razes sociais, as artes visuais so expresso das formas pelas quais uma sociedade se concebe visualmente [...]. 3
Pressupe-se que os pintores do Palacete Santa Helena analisados abordem a modernizao de So Paulo ao revs, ou seja, por meio de obras que em grande parte no privilegiam o cenrio do centro urbano, tampouco industrial, mas, ao contrrio, apresentam em suas telas pinturas de cenas do cotidiano em reas rurais ou mesmo nas cercanias da cidade. Como fonte para as suas composies os pintores do Palacete Santa Helena utilizam uma linguagem visual que conta no somente com elementos do modernismo artstico paulistano, mas com aspectos formais provenientes de outros contextos que no o paulistano. Esta peculiaridade o que confere originalidade a estes pintores, inserindo-os, desse modo, no rol dos pintores modernistas pelo fato de apresentarem em suas obras a mesma liberdade de pesquisa plstica to reivindicada pelos modernistas. Este aspecto, alm de sua raiz social e formao profissional, so, pois, particularidades que os caracterizam como grupo. Desse modo, a produo pictrica tem lugar privilegiado neste estudo, j
3 MENEZES, Paulo. A Trama das Imagens: Manifestos e Pinturas no Comeo do Sculo XX. So Paulo: EDUSP, 1997, p. 19. 19
que concordamos com Pierre Francastel quando ele diz que,
Uma obra de arte no jamais o substituto de outra coisa, ela em si a coisa simultaneamente significante e significada. [...] A obra de arte no o duplo de qualquer outra forma, seja ela qual for, mas, realmente o produto de um dos sistemas atravs dos quais a humanidade conquista e comunica sua sabedoria e ao mesmo tempo realiza suas obras. 4
A importncia deste estudo reside na possibilidade de reunir parte da produo iconogrfica dos pintores no perodo em que estiveram juntos no Palacete Santa Helena e analisar como estas obras contriburam para a construo do imaginrio da So Paulo que se modernizava entre a metade da dcada de 1930 e o ano de 1940, juntamente com as obras de outros pintores do mesmo perodo, s quais os pintores do Palacete fizeram meno em suas telas ora no que diz respeito aos aspectos formais, ora ao contedo abordado. Este trabalho foi elaborado tendo como ponto de partida, ou captulo um, a abordagem de como se estruturou o ateli coletivo no Palacete Santa Helena entre 1935 e 1940, e quem eram os pintores participantes desta unio, bem como, sua formao artstica. Neste captulo analisamos, ainda, as propagandas produzidas pelo pintor italiano Fulvio Pennacchi, um dos pintores que tiveram ateli no Santa Helena, e cujas obras consideramos significativas para o perodo histrico estudado, j que por meio delas h a sugesto de modernizao da cidade de So Paulo na dcada de 1930 pela tica de um imigrante. Alm disso, abordamos a participao destes pintores na Famlia Artstica Paulista e no Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, agremiaes que promoveram exposies no perodo em os pintores estiveram no Palacete Santa Helena. Por fim, procurou-se discutir ainda neste primeiro captulo a questo relacionada ao trabalho que os pintores do Palacete Santa Helena exerciam no que concerne ao debate sobre operrio, proletrio e arteso. A partir do captulo dois analisamos as imagens da So Paulo
4 FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa: elementos estruturais de sociologia da arte. So Paulo: Perspectiva, 1973, p. 5. 20
produzidas pelos pintores de 1935 a 1940, perodo em que estiveram juntos no Palacete. Para isso examinamos as pinturas de gnero e destacamos a temtica sobre o trabalho e os trabalhadores que as obras nos indicaram. Desenvolvemos, ento, trs sees para que pudssemos organizar melhor a produo pictrica pesquisada. Cada seo equivale a um tema e se refere a um captulo. No captulo dois abordamos os tpicos sobre os trabalhadores urbanos e rurais; no captulo trs tratamos do assunto mulheres e sua participao como trabalhadoras; e no captulo quatro, versamos sobre o tema do lazer dos trabalhadores. Pelas temticas destacadas pudemos observar elementos que sugerem a modernizao da cidade de So Paulo. A pretenso nestes trs captulos foi mostrar, ainda, como se delineou o trabalho dos pintores do Palacete Santa Helena e como as obras se caracterizaram neste perodo de compartilhamento do espao e das experincias. Alm de compararmos a produo dos pintores com a de outros artistas, para examinarmos como se encaminhavam seus trabalhos, as proximidades e distanciamentos de um e de outro, ainda realizamos uma comparao entre eles para percebermos a possvel unicidade e as dissonncias de suas obras. Desse modo, conciliando a contextualizao histrica da metade de 1930 e incio de 1940 e, principalmente, a anlise das obras dos pintores do Palacete Santa Helena, pretendeu-se realizar um estudo sobre o imaginrio da cidade de So Paulo inserido num projeto moderno e modernista.
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CAPTULO 1 OS PINTORES DO PALACETE SANTA HELENA NA SO PAULO DA METADE DA DCADA DE 1930 A 1940
Um dos maiores dilemas brasileiros do pensamento brasileiro no presente, compreender o homem comum.
Octavio Ianni, Sociologia e Sociedade no Brasil
A unio dos pintores em torno do Palacete Santa Helena teve seu incio com Francisco Rebolo Gonsales e Mrio Zanini. Em 1933, Rebolo transferiu o ateli que tinha aberto em 1926, na Rua So Bento, para o Palacete Santa Helena, 43, no 2andar, sala n231, Praa da S. 5 Rebolo conheceu Mrio Zanini na Escola Paulista de Belas Artes 6 , onde freqentavam o curso de desenho livre noite, lugar em que estes conheceram tambm Clvis Graciano e Manoel Martins, os quais depois passaram a se reunir com eles no Palacete, juntamente com Alfredo Volpi, pintor que Rebolo e Zanini conheceram ainda na segunda metade da dcada de 1920. 7
No ano de 1933, Zanini, recomendado por Paschoal Graciano, passou a trabalhar com Rebolo no escritrio de decorao no Edifcio Scafuto, na Rua 3 de Dezembro. Somente em 1935, Zanini mudou-se para o Palacete Santa Helena para l trabalhar com Rebolo tambm, foi quando se deu o incio do ateli coletivo. Pouco depois, Zanini tornou-se locatrio de outra sala, a de n 233, igual de Rebolo e ligada sala dele por uma porta interna 8 , o que d a idia de que o estabelecimento de decorao dos dois pintores tenha dado certo e por isso o interesse em expandir o espao.
5 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. 8 Pintores do Grupo Santa Helena. So Paulo: lbum editado pelo Centro de Artes Novo Mundo por ocasio da inaugurao da Uirapuru Galeria de Arte, maro 1973. 6 Ver anexo 1. A Escola Paulista de Belas Artes situava-se no n. 41 da Rua 11 de Agosto, num quarteiro tambm demolido como o Palacete Santa Helena, conforme LEITE, Jos Roberto Teixeira. 500 Anos da Pintura Brasileira Uma Enciclopdia Interativa, Raul Luis Mendes Silva e Log On Informtica Ltda, 1999. A demolio ocorreu em 1971, quando houve um plano de remodelao da rea da S, tendo em vista a chegada do metr. O Palacete Santa Helena, situado na quadra entre as praas da S e Clvis Bevilacqua, foi demolido, juntamente com seus vizinhos, para possibilitar a unio dos dois logradouros, formando a grande praa atual construda sobre a estao, que rene as linhas Norte-Sul e Leste-Oeste, de acordo com CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em So Paulo. So Paulo: Senac: Imprensa Oficial, 2006, p. 12. 7 Cf. LEITE, Jos Roberto Teixeira. 500 Anos da Pintura Brasileira Uma Enciclopdia Interativa, Raul Luis Mendes Silva e Log On Informtica Ltda, 1999. 8 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991 p. 14. 22
Em 1935, alguns artistas, que em certos casos j se relacionavam em anos anteriores, foram aos poucos se juntando e se acomodando em uma das salas do Palacete Santa Helena, convivendo at o final da dcada em salas transformadas em atelis. 9 Foi, ento, nesse ano de 1935 que Zanini passou a dividir a sala com Manoel Martins, ano em que Fulvio Pennacchi conheceu Rebolo expondo no Salo Paulista de Belas Artes, o qual o convidou para associarem-se e trabalharem juntos em seu ateli. No entanto, somente em 1936, Pennacchi passou a dividir a sala com Rebolo. Pennacchi desempenhou um papel importante entre os pintores do Palacete no que diz respeito aos conhecimentos tcnicos que possua e que foram adquiridos na Academia de Lucca, na Itlia, onde estudou, e os quais ele transmitia aos outros pintores enquanto estiveram no mesmo espao de trabalho. Martins afirma, em entrevista, que de incio ele dividia ateli com Zanini, e Rebolo com Pennacchi, e havia ainda outros artistas no prdio. 10
Alfredo Volpi, em 1925, havia conhecido Rebolo e, em 1927, conheceu Zanini, na poca tambm decorador. Em meados de 1930, passou a freqentar o ateli no Palacete, mais precisamente em 1935, quando se juntou a Zanini, por mais que tenha afirmado algumas vezes em depoimento que no freqentava o Palacete, apenas o visitava 11 . Ele dizia que no tinha ateli no Palacete Santa Helena. Eu ia l tarde para visitar os amigos, o Rebolo, o Zanini. Tinha um tal Rosa tambm. O Clvis Graciano, o Bonadei. 12
No que se refere participao de Volpi no ateli coletivo do Palacete Santa Helena, Pennacchi afirma em entrevista realizada na dcada de 1970: o Volpi ia l quase todas as tardes, l pelas 5 ou 6 horas, depois do trabalho dele. Ele gostava muito dos outros artistas. 13 Volpi freqentava o Santa Helena para desenhar modelo vivo, participando igualmente das andanas pelas cercanias da cidade, quando pintavam as paisagens. 14 Volpi e Zanini realizaram juntos algumas encomendas de decorao. Temos notcia de que decoraram em 1937-1938, juntamente com Aldorigo Marchetti, a capela da
9 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 90. 10 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 11 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991 p. 100, nota 35. Conforme depoimento do pintor Francisco Rebolo, dado a Walter Zanini em 17 de maio de 1976. 12 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 21/04/1970. 13 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 05/03/1971. 14 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. 23
Usina de Acar de Monte Alegre, em Piracicaba, interior de So Paulo. 15
Aldo Bonadei, ainda em 1936, juntou-se aos artistas que freqentavam o ateli no Palacete e, ao lado de Martins, ajudava a pagar o aluguel da sala de Zanini. No entanto, Bonadei comeou a utilizar o ateli de sua nova casa em Moema, embora se mantivesse vinculado aos demais, e quem passou a ocupar a sua vaga foi Clvis Graciano, onde permaneceu por dois ou trs anos 16 . Por volta de 1936 foi quando Rebolo acolheu tambm em seu ateli Humberto Rosa, alm de Pennacchi, tendo este, algum tempo depois, se mudado para outra sala, na qual permaneceu entre os anos de 1938 e 1939 17 . Alfredo Rullo Rizzotti foi o ltimo a juntar-se aos pintores do Palacete Santa Helena, freqentando os atelis a partir de 1937. Zanini deixou a sua sala em 1939 e passou a dividir novamente o espao com Rebolo, antes de sair do prdio, neste mesmo ano. Dentre os pintores do Palacete Santa Helena havia dois imigrantes italianos, Alfredo Volpi (1896-1988) e Fulvio Pennacchi (1905-1992), um descendente, mas que foi naturalizado italiano, Alfredo Rullo Rizzotti (1909- 1972), e o restante filhos de imigrantes italianos, em sua maioria, como Aldo Cludio Felipe Bonadei (1906-1974), Clvis Graciano (1907-1988), Mrio Zanini (1907-1971) e Humberto Rosa (1908-1948), espanhis, como o caso de Francisco Rebolo Gonsales 18 (1903-1980), e portugueses, como Manoel Joaquim Martins (1911-1979). Aldo Bonadei, Francisco Rebolo, Manoel Martins e Mrio Zanini eram todos paulistanos, Clvis Graciano, Humberto Rosa e Alfredo Rizzotti, nascidos no interior do Estado de So Paulo, respectivamente em Araras, Santa Cruz das Posses e Serrana. Rizzotti naturalizou-se para poder estudar na Itlia, onde permaneceu de 1924 a 1935. 19
A unio destes pintores no Palacete Santa Helena ocorreu, portanto, entre os anos de 1935 e 1937, perodo em que foram chegando aos poucos no edifcio para compartilharem o espao, transformado em ateli, os
15 Ver anexos 2 e 3. 16 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991 p. 100, nota 34. Conforme depoimento do pintor Clvis Graciano, dado a Walter Zanini em 5 de maro de 1976. 17 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991 p. 100, nota 36. Conforme depoimento do pintor Fulvio Pennacchi, dado a Walter Zanini em 3 de janeiro de 1986. 18 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 89, nota 3. Conforme o autor, o nome era originariamente Rebollo. 19 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 89, nota 4. Conforme depoimento de Esmeralda Rizzotti, viva do artista, dado a Walter Zanini em 28 de dezembro de 1974. Ver breves perfis dos pintores nos apndices. 24
aprendizados e o modelo vivo. Neste momento, o Palacete Santa Helena no possua o mesmo atrativo que tivera na dcada de 1920. Vale dizer, de acordo com Campos e Simes Jnior, que o Palacete Santa Helena, construdo na dcada de 1920, inaugurado em 1925 e considerado um dos maiores edifcios de So Paulo, tanto em altura como em rea construda, foi destinado inicialmente a atividades comerciais e de servios, e acabou incorporando um cine-teatro no decorrer de sua execuo, em resposta crescente agitao cultural da cidade no incio do sculo XX. 20
Conforme Mota e Righi, o cine-teatro traduzia o topo da sofisticao paulistana e quanto ao edifcio, devido a sua localizao central, algumas de suas salas foram, de incio, ocupadas por polticos influentes e profissionais prestigiosos. O surgimento do Palacete Santa Helena reforou, desse modo, a presena da elite no centro da cidade e acentuou as caractersticas funcionais do local que, alm do cinema, contava com cabars e bares, onde se reuniam artistas e polticos, pelo fato de ser prximo ao Ptio do Colgio, centro do governo. 21
Como observamos na figura 1, o Palacete Santa Helena, o edifcio mais alto que aparece no centro da imagem, o qual tinha ainda os andares superiores em construo, se situava em pleno corao da cidade de So Paulo, no mesmo largo em que se encontra a Catedral da S, inacabada ainda e ao fundo da figura. Nesta imagem, o largo est repleto de carros e de intenso movimento pelo fato de serem oferecidos nesta regio diversos servios na rea comercial, de escritrios e de lazer, em especial no prprio Palacete, lugar que era muito freqentado e que, de acordo com Mota e Righi 22 , se tornou um ponto de encontro de artistas e intelectuais, como Mrio de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade. Alm disso, outro fator aglutinador da praa era a presena de rgos do judicirio, que estavam ligados ao Palcio da Justia, e do Frum Joo Mendes, prximos Faculdade de Direito do largo de So Francisco.
20 Cf. CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). op. cit., 2006, p. 7 e 11. 21 Cf. MOTA, Carlos Guilherme e RIGHI, Roberto. op. cit., 2006, p. 173. 22 Cf. MOTA, Carlos Guilherme e RIGHI, Roberto. op. cit., 2006, p. 173 e 174. 25
1. Vista do Palacete Santa Helena entre seus vizinhos. Fachada em construo: acabamento dos andares superiores. Esse aspecto da praa, com a catedral inacabada, permaneceria ainda por dcadas. Fonte: CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em So Paulo. So Paulo: SENAC: Imprensa Oficial, 2006, p. 123.
O Palacete Santa Helena, em estilo ecltico, que durante a dcada de 1920 abrigou vrios escritrios de profissionais liberais, aps 1930, com a popularizao do centro velho, passou, ento, a ter usos menos elitizados, como sediar em suas instalaes uma unidade do partido comunista, bem como as associaes de classe, os sindicatos operrios, criados desde o comeo da dcada de 1930 pela Revoluo, como afirma Zanini. 23 De acordo com Malta e Righi, constavam no Palacete as sedes dos sindicatos dos oficiais marceneiros, dos sapateiros, dos teceles e dos metalrgicos, proximidade que agilizava a sua ao poltica conjunta e a divulgao de suas causas, lutas, atividades. 24
Pode-se dizer que a popularizao do centro velho, com a substituio do pblico que o freqentava e conseqente desprestgio do Palacete Santa Helena, ocorreu em decorrncia de dois acontecimentos marcantes e que
23 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 102. 24 Cf. MOTA, Carlos Guilherme e RIGHI, Roberto. op. cit., 2006, p. 174. 26
geraram modificaes econmicas, sociais e polticas no pas, em especial em So Paulo: a queda da Bolsa de Nova York em 1929 e a Revoluo de 1930. A crise da bolsa americana foi o que propiciou a baixa do preo do caf no mercado internacional, o principal produto agrcola brasileiro, e gerou no mercado nacional a perda da hegemonia do poder econmico e poltico dos fazendeiros que cultivavam o produto. Com a grande depresso americana, o cafeicultor se viu perdido, pois o caf neste momento no possua compradores nos mercados estrangeiros em crise. 25 Desse modo, a oligarquia agrcola que compunha a elite em So Paulo teve sua vida econmica, social e poltica profundamente abalada. Atrelado da crise do caf, ainda a Revoluo de 1930 promoveu o aniquilamento das velhas instituies polticas da Repblica Velha, no predominando mais a vontade desta oligarquia cafeeira que constitua a elite local. Isto porque com o golpe que destituiu o ento presidente eleito, Julio Prestes, Getlio Vargas assumiu o comando em 3 de novembro de 1930 e centralizou o poder que antes era regional, passando a administrar o pas de modo diferente quele da Repblica Velha, na qual a administrao era dividida pelos proprietrios rurais. De acordo com Boris Fausto, muitas medidas que tomou no plano econmico financeiro no resultaram de novas circunstncias, mas das circunstncias impostas pela crise mundial. 26
Desse modo, houve um esvaziamento do Palacete Santa Helena por parte da elite e as salas ociosas foram ocupadas por outro pblico ao longo da dcada de 1930 e entre os quais estavam os pintores que passariam a ser conhecidos como o grupo Santa Helena. Podemos dizer que estes dois fatos, alm de terem gerado uma desestabilizao no poder da elite local, funcionaram tambm como uma oportunidade de ascenso social e poltica de
25 Na Primeira Repblica, o controle poltico e econmico do pas estava nas mos de fazendeiros, ainda que as atividades urbanas constitussem o plo mais dinmico da sociedade. Entre 1912 e 1929, a produo industrial cresceu cerca de 175%. No entanto, a poltica econmica do governo continuava privilegiando os lucros das atividades agrcolas. Mas, com a crise mundial do capitalismo em 1929, a economia cafeeira no conseguiu manter- se. O Presidente Washington Lus (1926-1930), com algumas medidas, tentou conter a crise no Brasil, mas em vo. Em 1929, a produo brasileira chegava a 28.941 milhes, mas s foram exportados 14.281 milhes de sacas, e isto num momento em que existiam imensos estoques acumulados. Cf. FAUSTO, Boris. A Revoluo de 1930: historiografia e histria. So Paulo: Brasiliense, 1972, p. 112. 26 FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1995, p. 334. 27
imigrantes e descendentes, em especial aqueles que, de alguma forma, possuam um certo capital. Estes pintores estiveram, desse modo, no Palacete Santa Helena quando o edifcio j havia deixado de ser o local requintado da cidade e se transformado num lugar popular, um espao de negcios, e que abrigava estabelecimentos dispostos em salas alugadas, espalhadas por longos corredores, como o que vemos na figura 2, e que, alm das associaes de classe, ofereciam servios de construo civil e decorao.
2. Corredor interno do Palacete Santa Helena Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: O Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 94.
Com a instalao do ateli que os pintores compartilhavam no segundo andar do prdio, estes passariam a ser visitados por outros pintores e o local passou, ento, a ser mais que um espao de trabalho durante o dia pelos pintores que dividiam o aluguel, mas se transformou, especialmente nos finais de expediente e durante a noite, em lugar de conversas, permuta de informaes e experincias, e tambm lugar de aprendizado, com o estudo do modelo vivo compartilhado ento, por outros pintores tambm. H quem diga que alm dos nove pintores, havia ainda um menos assduo no Palacete Santa Helena, Giuseppe Pancetti. Originrio de Campinas 28
e depois associado ao Ncleo Bernardelli 27 , grupo de artistas do Rio de Janeiro, Pancetti produziu alguns de seus trabalhos no convvio no Palacete. 28
O crtico de arte Walter Guerreiro acrescenta ainda outros pintores envolvidos com aqueles do Santa Helena: Joaquim Figueira, Mick Carnicelli, Raphael Galvez, Dalla Monica, Paulo Rossi Osir e tantos outros. 29 Teixeira Leite a esta lista adiciona ainda Arnaldo Barbosa, pintor que os visitava com freqncia no Palacete. 30
Sobre a presena de outros pintores convivendo com aqueles que eram scios nas salas-ateli do Santa Helena, o pintor Mrio Zanini afirma em entrevista que alm de Rossi Osir tinha ainda Vittorio Gobbis 31 , pintores mais velhos e que notaram os pintores do Palacete em 1936 por ocasio da Exposio de Pequenos Quadros, organizada pela Sociedade Paulista de Belas Artes no Palcio das Arcadas. 32 Mrio Zanini, no entanto, afirma que estes dois pintores no tiveram importncia para o grupo e que apenas
27 Cf. MORAIS, Frederico. Ncleo Bernardelli, arte brasileira nos anos 30 e 40. Prefcio Quirino Campofiorito, Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982, p. 11 e Cf. LEITE, Jos Roberto Teixeira. op. cit., 1999: O Ncleo Bernardelli foi criado oficialmente em 12 de junho de 1931 e seu nome homenageava os irmos Rodolfo e Henrique Bernardelli (Rodolfo faleceu quatro meses depois) que tambm fundaram um curso independente no final do sculo XIX. Os irmos Bernardelli ao lado de alguns artistas da Escola Nacional de Belas Artes, qual estavam artisticamente atrelados, insurgiram-se contra o ensino acadmico, com o propsito de lutarem contra a estagnao da arte em seu tempo e com o objetivo de criar uma alternativa para o ensino oficial da Escola Nacional de Belas Artes, enfatizando a liberdade de pesquisa. Sua primeira sede foi no ateli fotogrfico de Nicolas Alagemovits, e depois passou a funcionar nos pores da ENBA at 1936, quando mudou-se para a Rua So Jos e depois para a Praa Tiradentes, n85, at dissolver-se em 1941. O Ncleo buscou an tes criar um espao de convivncia, estmulo mtuo e discusso livre do que reformar na linguagem da pintura, embora tenham tido alguma influncia do construtivismo de Czanne, do cubismo e do impressionismo. Seus integrantes expuseram em cinco sales prprios entre 1932 e 1941. Seus nomes: Ado Malagoli, Brulio Poiava, Rubens Fortes Bustamante S, Bruno Lechowski, Eugnio de Proena Sigaud, Expedito Camargo Freire, Joaquim Tenreiro, Quirino Campofiorito, Joo Jos Rescla, Jos Gomez Correia, Jos Pancetti, Milton Dacosta, Manoel Santiago, Yoshiya Takaoka e Yuji Tamaki. 28 Cf. MOTA, Carlos Guilherme e RIGHI, Roberto. Modernidade e cultura: o grupo Santa Helena. In: CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). op. cit., 2006, p. 176. 29 Cf. GUERREIRO, Walter Queiroz. A histria da cidade de So Paulo atravs da obra personalizada do grupo de artistas do Santa Helena. In: Jornal A Notcia. Joinville, 21 de maro de 2001. 30 Cf. LEITE, Jos Roberto Teixeira. op. cit., 1999. 31 Vittorio Gobbis, nascido na Itlia, foi restaurador e conhecia muito bem as tcnicas dos velhos mestres. Cf. GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 43. 32 Cf. LOURENO, Maria Ceclia Frana. Operrios da Modernidade. So Paulo: Hucitec/EDUSP, 1995, p. 164: A Casa das Arcadas, de Armando lvares Penteado, foi onde se instalou no final da dcada de 1920 uma das primeiras galerias a exibir no acadmicos, o Palcio das Arcadas. Isso porque no existiam museus com acervos modernos, alm de ser considerada a possibilidade de dotar a urbe deste tipo de obra. 29
trabalhou com Osir na feitura de cermica produzida pela Osirarte 33 , a fbrica montada por Paulo Rossi Osir em So Paulo em 1940, que funcionou at 1958 34 , e que contou com alguns pintores como Candido Portinari. 35
Alfredo Volpi, alm de Mrio Zanini, tambm foi convidado por Rossi Osir para trabalhar na Osirarte em 1940, onde permaneceram at 1950 e 1958, respectivamente, realizando pinturas em azulejos. 36 Eles foram os primeiros pintores convocados por Osir, que contou ainda com outros artistas que tambm aderiram experincia: Gerda Brentani e Giuliana Giorgi, entre 1940- 1941, Virgnia Artigas, entre 1940-1943, bem como Hilde Weber, entre 1941- 1950. 37 Weber foi a artista que mais conviveu com os demais pintores que estiveram na Osirarte, como Zanini e Volpi, contato este que se deu antes mesmo do trabalho na fbrica de Rossi Osir, o que pode ser comprovado pelo retrato que Zanini fez da artista em 1938. 38
O interessante notar a presena das mulheres neste tipo de trabalho, uma forma de se inserirem tambm no meio artstico, atravs das artes aplicadas. 39 Analisando as trajetrias destas mulheres tomamos conhecimento de que as mesmas participavam de reunies no Palacete Santa Helena, em especial no final da dcada de 1930 e incio da seguinte, para estudar com os demais pintores, atradas pelas sesses noturnas de desenho com modelos vivos e pelas sadas em grupo para pintar. Tal fato no somente acresce outros participantes na lista dos que j constavam nas reunies no ateli coletivo
33 Cf. LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 173 e 176: A Osirarte consistia na fbrica de cermica (azulejaria pintada), cujo projeto nasceu da amizade entre Paulo Rossi Osir e Cndido Portinari. Esta empreitada estava intimamente ligada inicialmente execuo de painis para o Edifcio do Ministrio da Educao, no Rio de Janeiro. Depois de concludas as obras para o Ministrio, Rossi Osir procurou ampliar a aplicabilidade dos azulejos e uma das estratgias foi a difuso atravs de exposies, chegando a concretiz-las praticamente ano a ano, entre 1941 e 1947. 34 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971; Cf. LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 176. Ver anexo 4. 35 Ver anexo 5 e 6. 36 Ver anexos 7 e 8. 37 Ver anexos 9, 10 e 11. Cf. LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 175, 176 e 186. Em 1933, Hilde Weber chega em So Paulo proveniente da Alemanha e d incio atividade profissional na imprensa em ilustrao com notria participao. Possui um trao gil e expressivo, sendo estes fatores importantes para pintar azulejos, ao congregar a Osirarte na dcada de 1940. O escultor Franz Kracjberg, por exemplo, antes de se notabilizar como tal, tambm desenvolveu trabalho com azulejo na Osirarte. 38 Ver anexo 12. 39 Sobre a insero de mulheres no mbito artstico no final do sculo XIX e incio do XX, consultar SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Profisso Artista: pintoras e escultoras brasileiras entre 1884 e 1922. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia da FFLCH-USP, So Paulo, 2004. 30
alm dos que ficaram conhecidos como grupo Santa Helena bem como, consiste num dado novo, por se tratar da participao de mulheres neste agrupamento de pintores, um reduto predominantemente masculino. A presena de mulheres na Osirarte se d, portanto, pela relao anterior que elas j tinham com Rossi Osir e os demais pintores envolvidos neste projeto por conta da convivncia no Palacete Santa Helena. 40
Por intermdio da Osirarte as obras destes pintores passaram a fazer parte do cotidiano a partir do momento em que revestiram locais pblicos e privados, ampliando, dessa forma, o pblico moderno. No contexto de industrializao crescente, em especial aps a revoluo de 1930, com o golpe de Getlio Vargas 41 , podemos dizer que o funcionamento desta fbrica consiste num indicador de modernizao na cidade de So Paulo, pois contribuiu para com a arquitetura moderna com os seus azulejos nas edificaes, proporcionou uma rotinizao da arte e gerou trabalho para artistas envolvidos neste projeto de produo ao lado de Rossi Osir. De acordo com Le Corbusier, o azulejo alm de ter uma adequao satisfatria como revestimento, constituiu ainda um suporte de novas
40 Na dcada 1940, Hilde Weber (Waldau, Alemanha, 1913 So Paulo, 1994), chargista, ilustradora, desenhista, pintora e ceramista, passa a viver em So Paulo e toma aulas de pintura com Bruno Giorgi, marido de sua colega da Osirarte, Giuliana Giorgi, alm de estudar pintura com os pintores do Palacete Santa Helena, em especial, Volpi e Zanini. Cf. MAC VIRTUAL. Hilde Weber (1913-1994): obras da artista no MAC. Disponvel em <http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/osir arte/weber.htm>. Acesso em 18/09/2008. Gerda Brentani (Trieste, Itlia, 1908 So Paulo, 1999), pintora, caricaturista, desenhista, gravadora e ilustradora, muda-se para So Paulo com o marido e os dois filhos em 1939, quando conhece Ernesto de Fiori que se torna seu professor de pintura, e tambm Rossi Osir. Virgnia Camargo Artigas (So Carlos, 1915 So Paulo, 1990), pintora, gravadora, escultora, ilustradora, desenhista e cartazista, estuda desenho com Antonio Rocco entre 1937 e 1938, ano em que freqenta o curso livre na Escola de Belas Artes de So Paulo, onde entra em contato com Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Clvis Graciano, Mrio Zanini, Rebolo Gonsales e o arquiteto Vilanova Artigas, com quem se casa. Em meados de 1940, freqenta os atelis do Grupo Santa Helena, e participa das exposies organizadas pelo Sindicato dos Artistas Plsticos. Cf. ENCICLOPDIA Ita Cultural de Artes Visuais. Disponvelem:<http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseactio n=artistas_biografia&cd_verbete=1906&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=3>. Acesso em 18/09/2008. 41 Entre 1929 e 1939, a indstria cresceu 125%, enquanto na agricultura o crescimento no ultrapassou 20%. Esse desenvolvimento deu-se por conta da diminuio das importaes e da oferta de capitais, a partir da troca da lavoura tradicional em crise pela indstria. Mas, foi a participao do Estado, com tarifas protecionistas e investimentos, que mais influiu nesse crescimento industrial. Diferentemente do que ocorreu na Repblica Velha, comearam a surgir planos para a criao de indstrias de base no Brasil. Esses planos realizar-se-iam com a inaugurao da usina siderrgica de Volta Redonda em 1946. Cf. FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1995, p. 334. 31
expresses plsticas. 42 As imagens de nmero 3, 4 e 5 so trabalhos da dcada de 1940, respectivamente: os Msicos, de Mrio Zanini, a Procisso de Barcos, de Alfredo Volpi, e A pracinha, produzida por ambos. As trs composies possuem poucas variaes de cores e traos simples que retratam cenas do universo popular com suas atividades, costumes e rituais.
3. Mrio Zanini Msicos, dcada de 1940, composio com 4 azulejos, Osirarte (So Paulo, SP)
42 Cf. LEMOS, Carlos A. C. Azulejos decorados na modernidade arquitetnica brasileira. Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Rio de Janeiro (2): 167-174, 1984, p. 171. 32
4. Alfredo Volpi Procisso de barcos, 1940/1950, pintura sobre azulejo, 30,5 x 30,5 x 3,0 cm
5. Alfredo Volpi e Mrio Zanini A pracinha, 1940/1950, pintura sobre azulejo, 30,5 x 45,5 x 3,0 cm
33
Na imagem 3, Zanini retrata uma cena urbana, um momento de lazer, na qual o ponto central o coreto em que esto os msicos, tema da pintura. Tanto o coreto como os msicos so os elementos coloridos da composio, ao contrrio dos personagens que esto no entorno, retratados em branco, preto e cinza, permitindo que a ateno do observador se volte para os msicos, o centro da cena retratada. Estes personagens convivem num ambiente de descontrao, um espao de sociabilidade onde danam, passeiam, conversam, namoram. O movimento da cena se d justamente pelos elementos que circundam toda a rea central do coreto, e permite que se tenha a sensao de profundidade da composio. Volpi e Zanini, na imagem 4, apresentam um ritual religioso no qual observamos, num primeiro plano, um barco que faz parte do cortejo e que chega numa rea que ainda no se urbanizou, vista composta por apenas duas casas em segundo plano, uma do lado direito e uma do lado esquerdo. O segundo plano conta ainda com a igreja no ponto central e mais ao fundo da composio, a partir da qual se constri a perspectiva de profundidade com o caminho de terra ocupado pelas pessoas, e que se inicia na igreja e termina no rio, onde est o barco com as pessoas a bordo. J na imagem 5, temos a vista do largo de uma praa repleta de tipos sociais, cujo fundo e laterais so tomados por construes simples, j em segundo plano, as quais compem a zona limtrofe entre cidade e campo. Do mesmo modo que na imagem 4, a igreja ocupa posio central na cena e logo atrs dela e das construes que a ladeiam pode-se observar a mata. Como na imagem 3, o que est retratado o espao de sociabilidade das figuras, que exercem suas atividades de trabalho, lazer, onde convivem pessoas e animais. Nestas imagens, os pintores apresentam o popular e sua cultura, por meio de sua religio, seus hbitos, suas atividades cotidianas. A cidade que estes pintores constroem no aquela de costumes urbanos, dos grandes centros industriais em que estava se transformando dia-a-dia a cidade de So Paulo, a imagem de regies mais distantes do centro da cidade, comunidades em que ainda se podia encontrar esta forma de sociabilidade. Por ser o azulejo um meio que torna a arte pblica na medida em que exposta em revestimento de edificaes, o popular seria, ento, a temtica de maior identificao com o pblico. 34
Para Milliet, os azulejos consistem numa forma de arte com a qual o transeunte tem acesso quando v os painis dos edifcios, uma arte direta, expressiva e sem requintes que contribui para a educao do gosto do pblico e assinala as idias e invenes de nosso sculo. 43 A pintura em azulejo constituiu tambm um importante exerccio para o desenvolvimento da habilidade dos pintores j que com este tipo de material no se poderia realizar retoques. Alm disso, os pintores que se dedicavam a tal atividade tinham a possibilidade de alargar as referncias pictricas e as oportunidades de trabalho. De maneira diversa dcada de 1920, na qual o moderno tinha como projeto apresentar uma arte que rompesse com o academismo, uma arte vanguardista como na Europa, o moderno brasileiro entre as dcadas de 1930 e 1950 tem um envolvimento com a arte levada ao cidado urbano, o que estabelece uma relao de proximidade com diversas camadas sociais. No entanto, conforme Loureno, esta conquista do transeunte se faz paralelamente s buscas realizadas por arquitetos, pintores e escultores, em atualizar as fontes modernas e atingir interessados nos seus projetos, seja o poder pblico ou aquele que vai s exposies. 44
Com relao proximidade de Rossi Osir com os pintores do Palacete Santa Helena, ainda que Mrio Zanini afirme que sua presena no tenha tido importncia para estes pintores, pode-se dizer que vrios indcios apontam o contrrio. Rossi Osir no s props, em 1940, a Zanini e Volpi que trabalhassem com ele em sua fbrica de cermica, como integrou os pintores do Palacete, em anos anteriores, especificamente no ano de 1937, na Famlia Artstica Paulista 45 , cujo primeiro salo foi organizado neste mesmo ano por ele e Vittorio Gobbis, no Hotel Esplanada, em So Paulo 46 , no qual tiveram a oportunidade de entrar em contato com tantos outros artistas. Portanto, a proximidade entre Osir e os pintores do Palacete teve sua importncia, mesmo porque este pintor italiano, filho do arquiteto italiano Claudio Rossi o qual colaborou em muitas obras arquitetnicas em fins do
43 Cf. MILLIET, Srgio. Pintura Quase Sempre. Porto Alegre: Globo, 1944, p. 53. 44 LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 205. 45 Abordaremos mais adiante o tema Famlia Artstica Paulista. 46 Cf. PENNACCHI 100 anos. Curador Tadeu Chiarelli. So Paulo: Pinacoteca do Estado de So Paulo, 2006, p. 133. 35
sculo XIX e incio do XX, como por exemplo, o Teatro Municipal de So Paulo era um artista experiente e que transitava tanto entre pintores como os do Palacete Santa Helena, que ainda no tinham o reconhecimento de seus trabalhos, como tambm estava envolvido com outros, como Cndido Portinari, que j havia tido reconhecimento e com o qual tinha uma relao de amizade h algum tempo, tendo este pintado um retrato de Osir em 1935 47 , bem como de parceira no estabelecimento da Osirarte. Conforme Paulo Mendes de Almeida, Paulo Osir, alm de pintor, era tambm arquiteto, como seu pai, mas que jamais exercera a profisso, tendo se dedicado desde cedo pintura e ao desenho na Europa 48 . De acordo com Srgio Miceli, a aprendizagem prtica que ele teve do ofcio artstico se deve, pois, ao fato de ter entrado em contato desde criana com uma educao artstica diferenciada, por ser filho de arteso bastante qualificado, o que lhe infundiu a dedicao s diferentes modalidades e linguagens de expresso artstica, bem como a habilidade no manuseio das tcnicas imprescindveis para o seu trabalho. Rossi Osir estava, como outros imigrantes, em busca de oportunidades profissionais num pas novo. 49
Alm de possuir conhecimento sobre arte, ele tinha recursos para se manter atualizado sobre ela e dispunha de uma considervel biblioteca em sua casa a qual ele sempre agregava novos exemplares que trazia ou importava, em especial da Europa. Osir disponibilizava com freqncia o grande acervo que possua para que os pintores na poca tivessem contato com outros artistas e obras. Isto porque no havia uma freqncia de exposio estrangeira em So Paulo neste perodo e os sales que existiam aqui eram aqueles ainda muito vinculados arte acadmica. Para se ter uma idia, a primeira exposio de pintura francesa que veio para o Brasil, segundo Walter Zanini, foi em 1940, na qual recebemos a principal remessa de toda essa poca, em trnsito pelo continente, e que consistiu na grande oportunidade de um contato direto com a pintura produzida na Frana, por meio de 175 obras
47 Ver Anexo 13. 48 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu. So Paulo: Perspectiva, 1976, p. 53. Paulo Rossi agregou ao seu nome civil a palavra Osir por injunes da numerologia, uma exigncia do ocultismo, em que era versado, cf. GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). op. cit., 2002, p. 43. 49 MICELI, Srgio. Nacional Estrangeiro: Histria Social e Cultural do Modernismo Artstico em So Paulo. So Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 94. 36
expostas. 50
At ento era por meio de livros e revistas que estes pintores do Santa Helena tinham a possibilidade de conhecer um pouco mais do que acontecia no meio artstico fora de So Paulo. Dessa forma, Osir deu sua contribuio para a informao e formao destes pintores no apenas identificados com os mesmos, mas por vislumbrar a possibilidade de parceria profissional com eles, o que se deu quando trabalharam juntos na fbrica de cermica de Rossi Osir. Houve, neste sentido, uma convivncia enriquecedora dos pintores do Palacete tanto com Paulo Rossi Osir, como com Vittorio Gobbis, pois compartilhavam das mesmas oportunidades profissionais. Foi com Rossi Osir que Volpi e Zanini foram, em abril de 1950, para a Europa, onde passaram seis meses na Itlia e dez dias em Paris para visitar museus e observar obras de arte. 51
Da mesma forma, a convivncia com os outros pintores que freqentavam o ateli no Santa Helena foi importante pelo intercmbio de lies. Os estudos de modelo vivo que realizavam noite no Palacete, em sesses conjuntas de desenho e pintura, foi o mote que os fez compartir do mesmo ambiente de trabalho com outros pintores, ainda que parte deles no constitusse o ncleo dos pintores que dividiam as salas durante o dia.
50 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 52-53, 54 e 55: [...] Apenas de forma muito espordica era dado ao pblico o conhecimento das poucas e magras colees estrangeiras aqui existentes. Em So Paulo [...] nova ocasio ofereceu-se somente em 1930. Consistiu na Exposio de uma Casa Modernista, na recm-construda residncia projetada por Warchavchik na rua Itpolis [...]. De outras propores seria a iniciativa da SPAM, em 1933, que reunia em sua I Exposio de Arte Moderna dezesseis artistas da ento soberana Escola de Paris: Edouard Vuilard, De Chirico, Picasso, Lger, Juan Gris, Constantin Brancusi, Gleizes, Lipchitz, Delaunay, Andr Lothe, Dufy, Marie Laurencin, Foujita, Franois Pompon, Joseph Csaky, alm de Sarah Affonso de Almada Negreiros. Exemplo mais tardio de mostra contendo peas de origem exterior pertencentes a acervos locais foi a organizada pelos MNBA e MEC em 1941, com apresentaes no Rio e em So Paulo. [...] Abordando agora o assunto das exposies coletivas que chegaram ao Pas [...], no decnio de 1930 registrou-se evidente progresso em relao ao perodo anterior. Em 1930, apresentava-se no Rio de Janeiro e em So Paulo a Exposio Alem de Livros e Artes Grficas na Amrica do Sul, na qual inclua aquarelas e gravuras de mestres do impressionismo e expressionismo, como: Max Liebermann, Lovis Corinth, Max Beckmann, Otto Mueller, Karl Hofer, Erich Heckel, Karl Schmidt-Rottluff, Kaethe Kollwitz, George Grosz e Otto Dix, alm de Lyonel Feininger. Ainda neste ano, com o apoio da revista Montparnasse e organizada pelo pintor Vicente do Rego Monteiro e pelo escritor Go-Charles, apresentou-se a exposio consagrada Escola de Paris, cuja mostra foi integrada por cerca de noventa obras de cinquenta artistas. Esta exposio foi sucessivamente vista no Teatro Santa Isabel, em Recife, Palace Hotel, no Rio de Janeiro, e Hotel Esplanada, em So Paulo. Alm dessas mostras, ainda tivemos as exposies locais de artistas residentes no exterior e brasileiros, organizadas por Flvio de Carvalho que nos anos de 1938 e 1939 apresentou numerosos convidados no Salo de Maio. 51 Ver breves perfis nos apndices. 37
De acordo com o pintor Mrio Zanini, em entrevista, a modelo oficial era uma austraca chamada Adolfina. 52 Conforme Paulo Mendes de Almeida, a bela Adolfina era por quase todos eles retratada. 53 Mayra Laudanna afirma que o pintor Raphael Galvez, com o qual os pintores do Santa Helena tambm tinham contato, utilizou a gorda Adolfina em duas composies de nu. A primeira obra tem como ttulo A Gorda e foi produzida em 1943, a segunda se chama Nu da Gorda 54 e foi realizada em 1944, possivelmente no ateli de Angelo Simeone, local que Galvez e Zanini passaram a freqentar aps a morte de Joaquim Figueira, pintor com o qual mantinham relacionamento j na dcada de 1930. 55
Pennacchi afirma em entrevista que Adolfina ficou muito tempo posando para os pintores no Palacete Santa Helena, mas outros modelos apareceram e quando no havia modelo algum, eles pegavam quem encontravam ou ento, no raras as vezes, um posava para o outro, como vemos na figura de nmero 6, feita de nanquim sobre papel, em que Clvis Graciano retrata Rebolo Gonsales no ano de 1939. De acordo com Pennacchi, Bonadei foi um dos que muitas vezes posou e o prprio Pennacchi diz ter posado, assim como os outros. 56 Pelo que vemos na figura 7, de 1943, feita em grafite e guache sobre papel, Bonadei continuou posando mesmo depois de terem deixado o Palacete, o que indica que as relaes entre eles eram mantidas, apesar de no dividirem mais o espao de trabalho nesta poca. Sobre retratos, Mrio de Andrade afirma que os pintores do Palacete Santa Helena comearam a apresent-los nas exposies quando constavam como membros da Famlia Artstica Paulista e que se retratavam entre si, a si mesmos e s suas famlias e amigos, num cultivo de perpetuao bem que est se vendo muito pouco proletrio. Mas que conquistava, pictoricamente uma genealogia, um pedigree. 57 De acordo com Mrio de Andrade, estes pintores estavam em busca de ascenso social e se enobreciam ao se retratarem. No que diz respeito ao fato de posarem para retratos, este
52 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 53 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 53. 54 Ver anexo 14. 55 Cf. LAUDANNA, Mayra. Raphael Galvez 1907-1998. So Paulo: Momesso Edies de Arte, 1999, p. 114. 56 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 05/03/1971. 57 ANDRADE, Mrio de. op. cit., 1939, p. 162. 38
argumento pode fazer algum sentido, visto que estes pintores produziram algumas imagens de seus companheiros de ateli, alm de auto-retratos. Contudo, no que se refere a posarem para o retrato do nu, o argumento de Mrio no faz tanto sentido se atentarmos para o fato de que, neste perodo, a maioria das pessoas no se dispunha, por exemplo, a posar nua, desse modo, eles precisavam pagar o modelo ou ento posavam uns para os outros.
6. Retrato de Rebolo por Clvis Graciano, 1939, nanquim sobre papel, 33,0 x 29,5 cm, ass. c.i.e., Coleo particular
39
7. Fulvio Pennacchi Bonadei posou, 1943, grafite e guache sobre papel, 26,5 x 16 cm
O fato de estes pintores freqentarem o ateli coletivo no Santa Helena no quer dizer que eles mantinham um grupo, com propsitos claros e definidos, no que diz respeito a programa e produo artstica. Os prprios pintores deixaram claro em entrevista que eles no tinham tal objetivo. Segundo Volpi, no havia grupo nenhum, no sentido que eram os concretistas, que trabalhavam dentro de uma mesma linha. Eram apenas amigos que saam juntos para pintar no campo. 58
Zanini afirma, com relao a isso, que o grupo do Palacete Santa
58 Cf. O GLOBO, Rio de Janeiro, 18 de abril de 1977. 40
Helena nasceu sem inteno de ser grupo, surgiu espontaneamente. 59 De acordo com Rebolo, o Santa Helena no comeou como movimento: foi transformado em movimento pelos intelectuais 60 , enfatizando, assim, o papel da crtica na interpretao dos fatos. Graciano tambm afirma que o grupo Santa Helena no tinha uma tese, era um grupo mais de pintores artesos, que procuravam reformar a pintura acadmica, e havia um trnsito de conhecimentos entre todos eles: Volpi, Rebolo, Bonadei, Pennacchi, Rosa e uma poro deles. 61 Ainda conforme Graciano, os pintores permutavam conhecimentos, tcnica, e, segundo ele, acabaram fazendo algo muito importante para a poca. Uma questo importante nos chama a ateno na afirmao do pintor Clvis Graciano e diz respeito ao fato de os pintores do Palacete Santa Helena desejarem, segundo ele, ainda que no tivessem uma proposio bem delineada, reformular a pintura acadmica. Isso constitui, portanto, um ponto de convergncia entre eles, de acordo com o que afirma o pintor, e podemos dizer que consiste num dos elementos que os permitia estarem vinculados. Quanto a isso, Rebolo reafirma o que Graciano aponta: ramos meia dzia de amigos, cujo trao comum era no gostar dos acadmicos e querer a pintura verdadeira, que no fosse anedtica ou narrativa. A pintura pela pintura. 62 Ao que parece, estes pintores queriam estar mais afinados com os modernistas do que com a pintura tradicional feita pelos acadmicos, ainda que, segundo Gonalves, fossem considerados acadmicos pelos modernistas e futuristas pelos acadmicos. 63 Eles estavam num embate entre o academicismo que ainda vigorava no meio artstico paulista e as experimentaes formais da vanguarda, como analisaremos no prximo captulo. O fato de estes pintores afirmarem que no compunham um grupo indica que eles no tiveram um planejamento para se transformarem num grupo, no pelo menos no sentido de propor um movimento artstico, mas revela que apenas quiseram estar juntos com a proposta de colaborao de uns com os outros no que diz respeito ao desenvolvimento de seus trabalhos. E ainda que
59 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 60 GONSALES, Rebolo. O Grupo Santa Helena e a Famlia Artstica Paulista. In: Nosso Sculo 1930/1945 A Era de Vargas. So Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 272. 61 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 20/02/1970. 62 GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). op. cit., 2002, p. 37. 63 Cf. GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). op. cit., 2002, p. 40. 41
afirmem no constiturem um grupo, foi a partir de ento que passaram a ser conhecidos e reconhecidos, puderam se relacionar entre si e com outros pintores e aperfeioarem suas tcnicas. A localizao do ateli no Palacete Santa Helena favorecia o encontro destes pintores, pois estava em pleno centro da cidade. A identificao entre eles ocorria inclusive com relao ao bom ambiente de trabalho, e a respeito disso Pennacchi afirmou em entrevista que quando passou a freqentar o Palacete Santa Helena se harmonizou com todos, era gente muito simples e humilde e eu me sentia muito bem no meio deles. 64
Bonadei disse que se deu conta sobre a importncia que tem um grupo a partir da viagem que fez Itlia em 1930, o que teve uma influncia muito grande em sua obra, pois foi nesse tempo que ele aprendeu que o estmulo dos colegas que se tinha em um grupo era essencial e a partir de ento passou a comear uma tela sem medo, com dimenses um pouco maiores. 65 A convivncia harmnica o ponto forte para que mantivessem o ateli coletivo. A presena de outros pintores no ateli, alm dos nove que ficaram conhecidos como Grupo Santa Helena, a partir de 1941, por referncia de Srgio Milliet, instiga- nos a um questionamento. Interessa-nos saber o porqu de apenas os nove pintores terem sido agrupados 66 como pintores do Santa Helena, se havia outros participantes das atividades do ateli. O fato de estes outros pintores terem sido mencionados como freqentadores do ateli no Palacete, assduos ou no, ou ento apenas visitantes, como se define o prprio Alfredo Volpi, leva- nos a problematizar o motivo pelo qual no estejam inseridos no chamado Grupo Santa Helena, ainda que convivessem com os mesmos. Alfredo Volpi, ainda que tenha negado sua participao no ateli coletivo, foi colocado entre os chamados pintores do Santa Helena, o que nos faz pensar que h algo de semelhante entre ele e os outros pintores do
64 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 05/03/1971. 65 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 24/02/1970. 66 Tem-se o conhecimento de que o crtico Sergio Milliet foi quem nomeou pela primeira vez os pintores do Palacete como Grupo Santa Helena, o que se deu em artigos publicados em 1941 em O Estado de So Paulo: MILLIET, Sergio. Rebolo. O Estado de So Paulo. Suplemento em Rotogravura, So Paulo, n. 188, agosto de 1941; MILLIET, Sergio. Mrio Zanini. O Estado de So Paulo. Suplemento em Rotogravura, So Paulo, n. 193, novembro de 1941; O pesquisador Walter Zanini foi quem os denominou como santelenistas, em 1976, no catlogo: MUSEU DE ARTE CONTEMPORNEA DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO. Catlogo da Exposio Mrio Zanini (1907-1971). So Paulo: MAC-USP, 1976. 42
Palacete colocados nesta condio de grupo. Mais do que freqentador, visitante ou participante das atividades conjuntas, Volpi se relacionava com os pintores do Santa Helena porque tinham afinidades para alm da convivncia no ateli. Acercaram-se uns dos outros, identificados pela origem social, eram provenientes do ncleo imigrante e, portanto, enfrentavam os mesmos tipos de situaes no cotidiano, alm de possurem alguns pontos em comum no que diz respeito formao como pintores 67 . Eles constituam um grupo social antes mesmo de serem denominados como um grupo artstico e, por terem a mesma raiz, serem imigrantes e filhos de imigrantes, como o so em sua maioria, que se identificaram pelo trabalho, pelo aprendizado em artes e ofcios. Por esta razo que se reuniram, pelas tarefas que boa parte deles desempenhava na pintura de paredes e na decorao residencial, e pela necessidade de intercambiar experincias que fossem significativas para o desenvolvimento das tcnicas e aperfeioamento de seus trabalhos. Deste modo, teriam assegurado uma melhor afirmao profissional, o que nos faz pensar que este foi um motivo forte que fez com que ficassem juntos dividindo o mesmo ateli pelo perodo de cinco anos. Vale lembrar o que diz Norbert Elias quando afirma que (...) num mundo onde o poder se distribui com mais igualdade entre os grupos, o grupo tinha para o indivduo uma funo protetora indispensvel e inconfundvel. 68 No entanto, com relao unio dos pintores no Palacete, no houve a inteno por parte deles de organizar um movimento ou um grupo com uma linha de trabalho bem definida e propsitos artsticos delineados, o que houve foi uma identificao que os fez permanecerem juntos. Coube crtica conglomer-los como um grupo. O fato de Paulo Rossi Osir e Vittorio Gobbis terem conhecido o trabalho destes pintores na Exposio de Pequenos Quadros, em 1936, e terem se interessado por conhecer mais de perto as atividades e a produo deles no ateli do Palacete Santa Helena foi o que fez com que desejassem congreg- los na Famlia Artstica Paulista idealizada pelos dois pintores italianos 69 . Neste
67 Mais adiante trataremos da formao dos pintores do Palacete Santa Helena. 68 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivduos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, p. 141. 69 Cf. LEITE, Jos Roberto Teixeira. op. cit., 1999: os membros do Grupo do Santa Helena seriam porm descobertos por Paulo Rossi Osir, que costumava visit-los, tal como Vittorio 43
caso, a questo de unio em grupo de forma objetiva faz mais sentido do que na unio no Palacete Santa Helena. De acordo com Elias, numa sociedade em que a participao num grupo tinha importncia decisiva para a posio e as perspectivas do indivduo, as pessoas sem grupo tinham menor margem de ascenso social. 70 No entanto, quando se trata dos pintores do Palacete Santa Helena, ao que tudo indica, no podemos dizer que este foi um dos fatores que levaram os artistas a se unirem no ateli coletivo, ainda que com o aprimoramento do trabalho feito com a colaborao de uns com os outros e as relaes sociais com diversos pintores teriam maiores chances de insero profissional.
Gobbis, Arnaldo Barbosa, Joaquim Figueira e outros artistas. Foi praticamente para os revelar que Rossi Osir organizou, em novembro de 1937, a I Exposio da Famlia Artstica Paulista[...]. 70 ELIAS, Norbert. op. cit., 1987, p. 162. 44
1.1 - A So Paulo na dcada de 1930 pelas propagandas de um imigrante
Fulvio Pennacchi no o nico imigrante italiano que integrou o ateli coletivo no Palacete Santa Helena a partir de 1935, pois Volpi tambm o era. , no entanto, o nico que chega ao Brasil j formado como pintor, em 1929, um ano marcado pela crise mundial decorrente da queda da bolsa nova-iorquina e que repercutiu por toda a dcada de 1930, caracterizada por decisivas transformaes econmicas, polticas e sociais. O pintor italiano, que foi forado ao exlio por conta da oposio poltica fascista local 71 (que promoveu, a partir de 1925, perseguies macias e que obrigaram numerosos polticos, intelectuais e militares a tomar o caminho do exlio, num total de 10.000 em todo o pas) 72 chegou a So Paulo na metade de 1929 e enfrentou diversas dificuldades, em especial no que concerne insero social e econmica, como deixou registrado em seu dirio, escrito desde a chegada at 1932. 73 Na cidade, realizou algumas atividades para que pudesse se inserir profissionalmente e ter meios de garantir sua sobrevivncia financeira num momento de crise econmica. Trabalhou na feitura de cartazes publicitrios, arte decorativa e arte funerria. 74
As imagens publicitrias produzidas pelo pintor italiano nesta dcada so cartazes que constituem projetos de reclames realizados entre os anos de 1929 e 1932 para propagandas de caf, de cigarros, chapus, bem como para os anncios de carro e pneu das empresas italianas Fiat e Pirelli, respectivamente. No final da dcada, entre os anos de 1938 e 1940, outras imagens encontradas dizem respeito ao momento poltico da Itlia fascista e que repercutiu internacionalmente.
71 Fulvio Pennacchi, assim como todos os Pennacchis de Garfagnana, regio da Toscana, Itlia, foram forados ao exlio. Dois irmos de Pennacchi j viviam no Brasil: Bruno, no Rio Grande do Sul, e Caetano Giuseppe (Beppe), em Esprito Santo do Pinhal SP. Cf. PENNACCHI 100 anos. Curador Tadeu Chiarelli. So Paulo: Pinacoteca do Estado de So Paulo, 2006, p. 140. 72 Cf. TRENTO, Angelo. Fascismo Italiano. So Paulo: tica, 1986, p. 53. 73 Cf. PENNACCHI 100 anos. op. cit., 2006, p. 106-115. 74 Cf. EDIO COMEMORATIVA dos quarenta anos de pintura de Fulvio Pennacchi, So Paulo: MASP, 1973, p. 23. 45
A indstria paulista, que tivera seu incio desde o final do sculo XIX de modo retrado 75 , foi pouco a pouco recebendo incentivo por conta da expanso da manufatura, tendo um vigoroso impulso na dcada de 1930. Com o declnio do preo do caf no mercado internacional gerado pelo crash de 1929, alm do golpe de Getlio Vargas, caracterizando a Revoluo de 1930, houve uma desarticulao da cafeicultura, que no mais compunha a hegemonia nos negcios do pas, decorrendo na decadncia de muitos fazendeiros que investiam neste produto, bem como um rearranjo da distribuio do poder e que no mais contemplava as elites regionais como antes, j que o poder estava centralizado na figura do Presidente da Repblica. Com Vargas no poder, o Brasil entra numa nova era, possvel por profundas mudanas na sociedade. Em 1930 foi criado o Centro das Indstrias do Estado de So Paulo, constitudo por um grupo de industriais, e a cidade se transformou na primeira regio desenvolvida do pas. 76
Alm do afluxo imigratrio para So Paulo, por conta de questes polticas e econmicas que outros pases enfrentavam, como o fascismo italiano, por exemplo, tivemos ainda o afluxo migratrio, desencadeado por dois fatores: o xodo rural crescente, pois a agricultura de caf perderia o incentivo por conta da queda de preos, e a vinda para So Paulo de migrantes de outras regies do pas. Em ambos os casos, os trabalhadores vinham em busca de novas oportunidades de trabalho, contribuindo para a expanso da cidade e a mudana de sua fisionomia. Os cartazes de Pennacchi sugerem uma modernidade da capital paulista no somente pelo contedo apresentado nestas imagens, pelas temticas que compem a publicidade neste momento, mas pela prpria existncia deste tipo de material, j que a propaganda nasceu pela necessidade que o comrcio, a indstria e as pessoas tinham de divulgar seus trabalhos. Os anncios indicam, atravs da representao da cidade, a concepo que o pintor tinha sobre a modernizao alavancada pela industrializao crescente a partir do incio da dcada de 1930.
75 Cf. SCATIMBURGO, Joo de. Os paulistas. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2006, p. 537. 76 Cf. SCATIMBURGO, Joo de. op. cit., 2006, p. 547. 46
Ao observarmos tais cartazes pudemos notar, que em alguns deles figuravam a palavra Clamor, como vemos nas imagens 9 e 13, e Creao Clamor, tal como consta na imagem 10. Nas imagens 9 e 10, o nome aparece como uma assinatura ou marca da oficina, tal como constavam nos azulejos da Osirarte, enquanto que na imagem 13 esta designao faz parte da prpria composio da publicidade. Este nome foi dado ao ateli informal de reclames (sem registro na Junta Comercial) que Pennacchi montou com Antelo Del Debbio em meados de janeiro de 1932 e ainda que os cartazes sejam de autoria de Pennacchi, estes possuem a assinatura pelo nome do estdio. Pela datao das imagens, notamos que Pennacchi j realizava cartazes publicitrios antes da data de criao do tal estdio em sociedade com Del Debbio, bem como continuou a execut-las entre 1938 e 1940, como nos demonstram as imagens 18, 19, 20 e 21. Conforme o dirio mantido por Pennacchi, a partir de 1933 o pintor no faz mais meno ao ateli 77 , o que indica que o mesmo no se consolidou.
[...] de 26 de dezembro a 6 de fevereiro de 1932 Em janeiro, pinto paredes para a patroa, e, em meados desse ms, com Del Debbio, monto um ateli de reclames, e, na segunda quinzena, temos trabalho constante. Nesses dias, realizei muitos projetos de cartazes publicitrios [...]. 7 de maro, tera-feira [...] O ateli Clamor no rendeu mais nada. Realizei muitssimos projetos, nesses ltimos dias, at dois desenhos para uma casa de moda, mas a dona, ao ouvir o preo de 120 mil ris, s faltou bater na gente. Continuo desenhando, mas s para me exercitar [...]. 27 de abril, quinta-feira Trabalhei muito. Cartaz publicitrio para a Apogastrina por 250 mil ris. Outros projetos para cartazes, muitos estudos para composies e alguns quadrinhos a leo [...]. 78
77 Cf. PENNACCHI 100 anos. op. cit., 2006, p. 132. 78 FABRIS, Mariarosaria (trad.). Dirio de Fulvio Pennacchi, In PENNACCHI 100 anos. Curador Tadeu Chiarelli. So Paulo: Pinacoteca do Estado de So Paulo, 2006, p. 114-115, [grifos meus]. Fulvio Pennacchi comea esse dirio quando parte de Gnova no dia 14 de junho de 1929 e escreve o que ocorre desde o seu primeiro dia de vida no Brasil, em 5 de julho de 1929, uma sexta-feira. 47
De acordo com o que afirma Pennacchi em seu dirio, muitas dos cartazes publicitrios constituem projetos e no necessariamente foram vendidos. Com relao venda de um trabalho, o pintor se refere, em seus comentrios, ao medicamento Apogastrina, cujo setor se utilizava enormemente de propaganda, no entanto, utilizando para isso cada vez mais a fotografia, como afirma Brunelli. 79
Na busca por trabalho para a sua manuteno, Pennacchi deixava, ento, o projeto do desenho do reclame preparado para apresentar para os possveis anunciantes que manifestassem interesse pela propaganda proposta e quisessem contratar os seus servios, o que podemos observar tanto pelo que o pintor escreveu em seu dirio, como ao analisarmos as imagens por ele produzidas. Por conta disso, nas propagandas de cigarro e caf, Pennacchi muitas vezes utiliza no s o nome do ateli Clamor como marca dos produtos, bem como faz uso das dez primeiras letras do alfabeto para nomear, hipoteticamente, os produtos que, porventura, fossem anunciados e que seriam depois substitudos por seus verdadeiros nomes. Desse modo, Pennacchi produzia os seus cartazes no a partir de elementos sugeridos pelo anunciante do produto, mas imbudo de elementos que eram para ele significativos sobre o produto no contexto em que estava inserido na So Paulo da dcada de 1930. Realizava, desse modo, com habilidade tcnica de um pintor formado em espao acadmico, uma obra que no pode ser considerada por Norbert Elias como sendo de arteso, pois, conforme Elias, um arteso trabalha para um cliente conhecido e a criao do produto tem um propsito especfico, socialmente determinado. A criao deste produto exige, portanto, que a fantasia pessoal do produtor se subordine a um padro de produo artstica dado por quem consome arte 80 , o que no ocorre. Brunelli supe que a no efetivao de Clamor e a no execuo dos projetos publicitrios por parte dos possveis anunciantes que desejavam atender se deve ao fato de a obra de Pennacchi ser considerada futurista pelo padro de gosto da poca, os artistas no terem conseguido os clientes que
79 Cf. BRUNELLI, Silvana. Dilogo entre as Artes Plsticas e a Publicidade no Brasil. So Paulo: Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Artes Plsticas da ECA-USP, 2007, v. I e II, p. 150. 80 Cf. ELIAS, Norbert. op. cit., 1991, p. 47. 48
almejavam, e quanto a isso ela elenca as propagandas do caf, da Fiat e da Pirelli, bem como o preo considerado alto. 81
Os cartazes de Pennacchi se revelam, portanto, como obras de arte e como tal, de acordo com o cartazista francs Jean Carlu, tem por objetivo essencial provocar uma emoo ou de elevar uma idia na alma do espectador... Seu papel o de associar um nome a uma imagem com objetivo de propaganda. 82
Os anncios 8 (CAF ABCDEFGHIL) e 9 (CafAbcdefgh) tm como tema o caf e, tanto quanto o produto, em ambas as imagens a cidade possui tambm o seu lugar de destaque. Na figura 8, a composio produzida pelos personagens que tomam caf num balco, em primeiro plano, e por prdios em concreto armado, no segundo plano, o que ocupa a maior parte da imagem. O colorido sbrio dos personagens que esto no estabelecimento comercial contrasta com o cinza dos edifcios e com o escuro do cu, o que d destaque ao letreiro, escrito em branco no alto da construo, e que faz meno ao caf. As luzes acesas de alguns apartamentos, bem como o cu negro, indicam que noite. As janelas nas quais as luzes esto apagadas no aparecem nem esboadas, parecem inexistentes, um artifcio para que toda a ateno esteja voltada para o letreiro que est neste plano. Por ser noite, os personagens, homens e mulheres, tanto podem ser trabalhadores que saram tarde do local onde esto empregados, como podem estar apenas em um momento de descanso no passeio noturno pelo centro da cidade. Se forem trabalhadores, no so operrios, visto que trajam roupas sociais, os homens esto de terno, gravata e chapu e as mulheres de saia ou vestido, bem como de chapu feminino, costume da poca. O caf est, pois, neste sentido, ligado a um momento de relaxamento, seja do trabalho ou do lazer, est presente nos momentos de descontrao, nas horas vagas do dia ou da noite. Vinculado a um espao de sociabilidade, os cafs da regio central da cidade so um ponto de encontro de trabalhadores, artistas e intelectuais.
81 Cf. BRUNELLI, Silvana. op. cit., 2007, p. 156. 82 CARLU, Jean apud BRUNELLI, Silvana. op. cit., 2007, p. 156. 49
8. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de caf, dcada de 1930, guache sobre papel, 16,5 x 12,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
Os elementos compositivos da cena so todos simplificados e o segundo plano da imagem, constitudo pelo alto conjunto de edifcios, composto por 50
quatro torres, serve de local de propaganda feita pelos letreiros que percorrem tanto suas paredes, como o alto do telhado. So letras do alfabeto que no formam uma palavra. A comunicao se d pelo letreiro CAF ABCDEFGHIL no alto do prdio, bem como por uma seta ascendente do lado esquerdo que aponta para o letreiro no alto e informa que o caf que est sendo anunciado o mais saboroso. Este recurso de seta indicando para o alto, bem como a tomada da cena, vista de baixo para cima, torna a altura dos prdios muito maiores se observarmos o tamanho das pessoas que esto diante desta construo. A cidade de So Paulo rapidamente se transformava numa metrpole, a prosperidade do caf contribuiu para a industrializao nascente que propiciou o crescimento urbano e a demanda por projetos urbansticos, desde a segunda dcada do sculo XX. De acordo com Amaral, uma grande massa imigratria modificava pouco a pouco a atmosfera da cidade, bem como os seus hbitos e costumes. 83
Com a crise de 1929, a prosperidade do caf se altera, pois neste momento os preos esto em baixa. A publicidade tem, neste sentido, o propsito de incentivar o consumo do produto e tentar reacender a sua produo. No caso de Pennacchi, ele se utiliza de uma linguagem moderna, vinculando o caf com a modernidade da cidade de So Paulo, com o comportamento descontrado de senhores e senhoras que no intervalo de suas atividades se unem para tomar a bebida. O caf est, pois, conforme Pennacchi, atrelado idia de urbe, de desenvolvimento e modernizao do cenrio paulistano. O que se prope por esta imagem que o momento do caf seja um pretexto para um encontro com amigos, na moderna vida paulistana. No entanto, ao mesmo tempo em que a bebida est atrelada aos cafs do centro da cidade que so, portanto, um espao de sociabilidade por reunir muita gente, em outros tantos momentos se tem uma multido solitria, com as personagens envolvidas com os seus propsitos e apressadas com a vida
83 Cf. AMARAL, Aracy. A imagem da cidade moderna: o cenrio e seu avesso. In: FABRIS, Annateresa, org. Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994, p. 90-91.
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agitada que vai tomando conta da cidade, como podemos notar pelas figuras do cartaz 8, abstrados em sua individualidade com a xcara na boca. Simmel afirma que os problemas mais graves da vida moderna provm da reivindicao que faz o indivduo de preservar a autonomia e individualidade de sua existncia em face das esmagadoras foras sociais, da herana histrica, de cultura externa e da tcnica da vida. 84
O processo de industrializao modifica as relaes sociais no espao da cidade. As relaes que o trabalhador rural tinha no campo modificam-se quando este vem em busca de trabalho na capital, fato que se deu, inicialmente, por conta de uma industrializao atrelada ao caf e que depois foi acentuada quando o mesmo perdeu espao no mercado internacional. Com a falta de possibilidades na cafeicultura, em decorrncia do desprestgio que o produto passou a ter pela crise que assolou o mundo capitalista, a industrializao teve maior investimento para se desenvolver, com o objetivo de alavancar a economia nacional novamente. As pequenas cidades se transformaram, receberam indstrias e os trabalhadores que vieram com ela se aglutinaram no espao urbano desenvolvendo um tipo de sociabilidade distinto do que se pode estabelecer no meio rural.
[...] A tcnica da vida metropolitana inimaginvel sem a mais pontual integrao de todas as atividades e relaes mtuas em um calendrio estvel e impessoal. [...] Os mesmos fatores que redundaram na exatido e preciso minuciosa da forma de vida redundaram tambm em uma estrutura da mais alta impessoalidade; por outro lado promoveram uma subjetividade altamente pessoal. No h talvez fenmeno psquico que tenha sido to incondicionalmente reservado metrpole quanto a atitude blas [...]. 85
Na figura 9, temos tambm dois planos bem definidos, o primeiro ocupa o espao de cima da imagem e o segundo plano ocupa o de baixo, divididos igualmente. No plano superior, temos o cu de um azul intenso e neste cu uma xcara, transformada em avio, sobrevoa a quantidade imensa de prdios.
84 Cf. SIMMEL, Georg. O Fenmeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 11. 85 SIMMEL, Georg. Op. cit., 1967, p. 15. 52
9. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de caf, dcada de 1930, guache sobre papel, 16,3 x 12,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
No perodo em que esta imagem foi produzida por Pennacchi, ainda no tnhamos a VASP, a primeira empresa brasileira de aviao, criada em 1934. No entanto, o pintor italiano dispe a xcara e o pires fundindo-os sobre o avio e sugere, assim, a modernizao da cidade, inserindo em seu cu a imagem de uma das maiores invenes do incio do sculo XX. A xcara voadora contm o caf quente que deixa um rastro de fumaa e olor com o qual composto o letreiro com o nome do produto, Caf Abcdefgh. No plano inferior, figura uma grande quantidade de prdios que tomam conta do horizonte, altos, em tons terrosos, um ao lado do outro, de modo que no se permite avistar as ruas que perpassam o bloco de concreto composto neste plano. As imagens da xcara que voa e da imensido de prdios propem uma idia de modernizao de So Paulo, uma cidade em franco crescimento, 53
urbanizao e industrializao, mas que neste perodo no possua o vasto nmero de edifcios que Pennacchi sugere. Consiste, portanto, numa cidade imaginria, sem pessoas, nem carros, uma cidade dominada pela construo, pelo concreto, diversa da que consta no anncio de nmero 8, em que a figura humana ocupa o primeiro plano. Por esta imagem panormica de So Paulo no podemos nos deter na figura humana, na multiplicidade cultural e tnica que passa a existir na cidade com os processos migratrios e imigratrios. A cidade que Pennacchi cria de uma So Paulo organizada, limpa, uma cidade que est sob controle. De acordo com Francastel, a imagem, a meio caminho entre o real e o imaginrio, um sistema de compreenso. A imagem tambm criao, alm de fazer parte do campo da informao; mtodo, mais que descrio. Ela no um mero depsito de elementos, mas reflete um esforo da vontade. Os signos figurativos surgem, no para descrever o real, mas como testemunho de sistemas mentais. 86
Neste sentido, Pennacchi por meio da ausncia da figura prope uma imposio do progresso sobre as pessoas da cidade, o domnio da tcnica sobre a massa citadina, pavimentando o espao urbano e enrijecendo as relaes sociais. Nesta imagem o operariado desaparece, os trabalhadores esto ausentes da cidade construda por eles, muito provavelmente localizados na periferia da cidade, onde se aglomeram em bairros inteiros proletrios, empurrados pela cidade que eles ajudaram a construir, mas que no os recebe como morador, apenas o seu trabalho importante, trabalho presente nas edificaes, no avio, no cultivo do caf. O cartaz 10 apresenta um projeto publicitrio de cigarros, assim como os cartazes 11, 12 e 13. Na imagem de nmero 10, a composio constituda por dois planos, no primeiro figura um casal de fumantes e no segundo o alto edifcio seguido de outros. O homem e a mulher do primeiro plano esto elegantemente trajados, ela de vestido manteau e chapu feminino combinando com o tom da lapela de seu traje, e ele de terno, gravata borboleta e cartola, ambos fumam. A cor do cu vai de uma tonalidade de azul escuro at o preto, espao em que se configura tambm o conjunto de prdios, nos quais podemos observar que as luzes de alguns apartamentos do lado direito esto
86 Cf. FRANCASTEL, Pierre. op. cit., 1983, p. 99. 54
acesas enquanto que a maioria restante est apagada, elemento que juntamente com a cor do cu nos permite concluir que noite.
10. Fulvio Pennacchi Estudo para cartaz publicitrio, dcada de 1930, guache sobre papel, 8,8 x 13,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
A tomada da cena feita de baixo para cima e na diagonal, efeito que d a impresso de serem os edifcios bem mais altos do que seriam se fossem vistos frontalmente. No canto direito um letreiro luminoso est disposto vindo de cima do edifcio at o cho, como se projetasse por meio da luz o nome do produto anunciado, CIGAROS ABCDEFG em letras grandes e brilhantes que se destacam no breu. Este feixe luminoso encontra no cho a figura de um carro apenas esboado na escurido, o que nos permite perceber apenas o seu contorno. O carro est diante da porta do alto edifcio, do lado direito do cartaz e atrs do elegante casal. O homem tem os olhos perdidos na linha do horizonte, est absorto no prazer de fumar, enquanto a mulher observa, atenta, o letreiro luminoso da publicidade, j com o seu cigarro na boca. O edifcio imponente parece tambm aludir imagem de um forte com seu farol. 55
Originalmente eixo de orientao das navegaes, o farol pode ter sido uma das fontes de inspirao de Pennacchi para a composio da imagem em questo, cujo letreiro luminoso parece adquirir os contornos de um elemento norteador do consumo: o feixe de luz, rasgando o breu, chama para si toda a ateno dos transeuntes. Esta imagem remete a elementos, como o carro, o letreiro luminoso e o cigarro como componentes da vida urbana, smbolos de modernidade e elegncia, de gostos refinados, elementos que so usados ainda em outros cartazes feitos por Pennacchi. Alm disso, sugere a emancipao feminina e a igualdade com os homens no que diz respeito ao direito de fumar e de fumar em pblico. No caso de Pennacchi, seu cartaz se valia de imagem publicitria que tirava partido do bom gosto e independncia de atitudes por parte de homens e mulheres, colaborando para o crescimento e desenvolvimento da indstria e do mercado de tabaco, produto que sempre representou importncia para a economia do pas, desde o perodo colonial. Tanto este cartaz 10 como o de nmero 11 propem uma idia parecida quanto a relacionar o cigarro com um comportamento de atitude do homem e da mulher modernos. No anncio 11, o layout da cena disposto em formato redondo e no quadrado, espao de cor cinza em que esto colocadas trs figuras, um homem e uma mulher em primeiro plano e mais uma figura no segundo plano, a qual no conseguimos identificar se a mesma se trata de um homem ou de uma mulher. O que parece que seja uma mulher masculinizada, pois, ainda que a figura tenha uma echarpe vermelha, o que a caracterizaria como mulher, ela usa um chapu caracterstico masculino, alm de possuir o cabelo curto encoberto pelo chapu. Este seria, pois, um possvel recurso utilizado por Pennacchi para abordar a questo da emancipao feminina, a no diferenciao entre homem e mulher, a aproximao dos gneros com relao igualdade de direitos, inclusive no que diz respeito ao consumo de cigarro, apelao publicitria para fomentar a indstria do tabaco. 56
11. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de cigarros, dcada de 1930, guache sobre papel, 10 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
Sobre a emancipao feminina e a masculinizao da mulher, temticas sugeridas pela vestimenta da personagem do anncio de Pennacchi, Gilda de 57
Mello e Souza ressalta que as roupas e adereos masculinos agregam uma suposta qualidade de superioridade mulher, a qual, por vezes, lana mo das vestes masculinas para se sentir integrada e pertencente ao ambiente profissional, por exemplo.
Lanando-se no spero mundo dos homens, a mulher viu-se dilacerada entre dois plos, vivendo simultaneamente em dois mundos, com duas ordens inversas de valores. Para viver dentro da profisso adaptou-se mentalidade masculina da eficincia e do despojamento, copiando os hbitos do grupo dominante, a sua maneira de vestir, desgostando-se com tudo aquilo que, por ser caracterstica de seu sexo, surgia como smbolo de inferioridade: o brilho dos vestidos, a graa dos movimentos, o ondulado do corpo. 87
Podemos notar que na imagem de Pennacchi, as trs figuras portam roupas de cores escuras, sem muitos detalhes e acessrios extravagantes, apenas a echarpe vermelha e o chapu da figura do segundo plano que chamam a ateno do observador e colocam em dvida se a mesma se trata de um homem ou uma mulher. O que corrobora para questionarmos a feminilidade/masculinidade da personagem no diz respeito somente aos acessrios, mas tambm ao formato quadrado dos rostos das trs figuras, a inexistncia de curvas caractersticas da feminilidade e de uma face mais delicada, com traos mais arredondados. Os trs personagens, trajados sobriamente, fumam, o homem, de frente para o observador, e a figura de trs, virada de lado, esto com o cigarro na boca, enquanto que a mulher, do lado direito e virada tambm de lado, est segurando-o entre os dedos. Da fumaa dos trs cigarros acesos se constri a palavra Cigaros logo acima da figura do segundo plano. H uma identificao entre a imagem do homem com a figura atrs dele, pois ambos esto com o cigarro na boca; ao mesmo tempo h uma identificao da mulher com a figura do segundo plano, estando as duas viradas de lado.
87 MELLO E SOUZA, Gilda de. O esprito das roupas: a moda no sculo dezenove. So Paulo: Editora Schwarcz, 1996, p. 106.
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Esta associao de perfis nos permite pensar que h uma proximidade da figura do segundo plano tanto com o elemento masculino, que neste caso ter o cigarro na boca em pblico, quanto com a figura feminina, que aqui o fato de estar virada de lado no cartaz. Seria, ento, a figura que sintetiza uma viso da mulher moderna que est se masculinizando, na viso de Pennacchi, e ao mesmo tempo se equiparando com o homem em comportamentos e atitudes. Ao que parece, o olhar desviante das mulheres sinaliza certo recato, em detrimento do modo como o homem representado (olhar esnobe, que encara o espectador do anncio). A assimetria entre os gneros pode ser percebida nessas posturas aparentemente espontneas. Esta representao de figuras, que olham cada uma para um lado, tambm configura uma solido dos personagens, cada qual no seu universo, distrados e solitrios na cidade moderna, ligados apenas pelo produto que consomem, representada na imagem da fumaa que os congrega. Pennacchi constri esta imagem de maneira distinta das outras imagens que apresenta, em especial no que diz respeito organizao do espao. Neste cartaz o pintor utiliza o formato redondo e as figuras que se superpem em planos. De acordo com Campos, a construo de novos modos de representao pictrica do espao, e a conseqente substituio dos modos antigos, ocorre em funo das interpretaes psicolgico-espaciais da natureza. Para Campos, o critrio no perder de vista jamais o fundamental paralelismo que envolve a sensibilidade plstica e as tendncias estruturantes do fazer social. Ainda, conforme o autor:
A cada perodo, atravs da estruturao geomtrica do espao, os esquemas e as categorias de pensamento, os graus basilares do conhecimento, que caracterizariam a vida social numa poca determinada, encontrariam sua expresso. Na confeco geomtrica da obra, cada civilizao inseriria, por outro lado, todo um material narrativo, alegrico e histrico, inspirado pelos ideais e hbitos prprios aos homens do tempo, e mais freqentemente organizado, ao que parece, segundo a sintaxe do discurso mtico. 88
88 CAMPOS, Jorge Lcio de. Do simblico ao virtual: a representao do espao em Panofsky e Francastel. So Paulo: Perspectiva, 1990, p. 62.
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A imagem de nmero 12, CIGAROS CLAMOR, remete ao nome do negcio de propagandas que Pennacchi teve com Del Debbio na dcada de 1930. Neste anncio 12 temos uma figura central, um homem de bigode, terno, gravata borboleta e cartola, e ao seu lado, e em perspectiva, vemos vrios outros homens, no to elegantes quanto o que est em primeiro plano, mas todos usando chapu e com o cigarro na boca. As figuras mais frente so ntidas, apesar de simplificadas, e as que vo se distanciando do primeiro plano tornam-se apenas sugestes de perfis que, repetidas, vo ficando esmaecidas medida que dirigimos o olhar do primeiro para o segundo plano, at o fundo da imagem, o que d uma noo de continuidade infinita de figuras em ambos os lados do personagem central.
12. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de cigarros, dcada de 1930, guache sobre papel, 9,6 x 13,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
Este bloco humano mais parece um batalho de fumantes, sugerindo um comportamento unnime aos homens desta sociedade, uma massa sem identidade e que apresenta uma conduta coletiva moderna imposta pela 60
publicidade. Acima desta legio de fumantes se coloca a marca do cigarro, CIGAROS CLAMOR, o que sugere que esta seja a marca que est na mente de todos os fumantes, indistintamente. H entre este conjunto de homens uma diferena, eles se vestem de modo distinto. O personagem do centro da cena se sobressai, est de terno e gravata e tem a fisionomia bem ntida. Tanto ele como os homens que se enfileiram do lado esquerdo do personagem central esto virados para frente, enquanto que os que esto do lado direito se colocam de perfil. D para perceber por esta disposio que os que esto do lado direito no usam terno e gravata, mas esto vestidos com camisa simples e chapu, j os que esto do lado esquerdo, dispostos um atrs do outro, ainda que estejam numa posio que impossibilita vermos ao certo se vestem terno, pela cor sbria e escura que observamos nas camisas destes, pode-se dizer que tambm esto de terno, pois, se seguirmos a linha do ombro do personagem do meio que est de palet, notamos que os que esto em sua retaguarda possuem o mesmo aspecto formal. Os chapus tambm so distintos, os homens direita mais parecem usar um bon de operrio, enquanto que a figura central e aqueles que esto esquerda utilizam outro modelo. Os quatro primeiros personagens, tanto o que est de frente, quanto os dois que esto direita e o que se encontra esquerda (logo atrs do personagem central), em alguns aspectos, diferenciam-se ainda dos demais, os que esto ao fundo. As evidncias disto so: os dois primeiros que esto direita possuem bigode do mesmo modo que a figura central, j o que est atrs deste personagem do meio tem, assim como ele, olhos grandes e ntidos e o nico dos personagens que encara o observador. Os caracteres comuns entre estes personagens os aproximam e os colocam numa condio diferenciada com relao aos demais. Estes homens so aqueles que esto no comando da produo em srie de artigos de consumo, enquanto que os demais so os comandados, os trabalhadores que ao mesmo tempo fabricam tais produtos e os consomem, assim como seus patres. A diferenciao de vestimentas nos remete condio de classe social dos dois conjuntos de homens: de um lado os operrios, os empregados das fbricas, e do outro, que so os quatro primeiros da imagem, os patres, os donos dos meios de produo. A propaganda sugere uma igualdade entre os 61
homens de diferentes nveis sociais e isto se d pelo cigarro que consomem. A figura central funciona como um modelo a ser seguido, o espelho para todos os outros homens, induzindo um padro de comportamento na sociedade moderna. Tanto os patres como os trabalhadores das fbricas, cada vez mais presentes e desenvolvidas, podem sentir o prazer de fumar um cigarro Clamor, o cigarro acessvel a todos e que proporciona status a quem o consome. H, portanto, na cidade moderna, a criao de necessidades que fomentam a indstria a dar origem a novos produtos de consumo. O cartaz de nmero 13 consiste num projeto publicitrio para chapus, no entanto, o cigarro est tambm presente na composio da imagem. STYLE, O CHAPU DOS ELEGANTES o slogan do anncio. A palavra em ingls sugere a existncia entre ns de uma cultura estrangeira, da indstria que se insere no Brasil com a vinda dos maquinrios necessrios para a instalao das fbricas. A imagem composta por dois homens, dispostos de perfil, e mais parecem manequins posando para o pintor. No primeiro plano temos o letreiro de cor branca, que contrasta com o fundo preto, e no segundo plano temos as duas figuras viradas para lados opostos para que fosse possvel visualizar o modelo do chapu de ambos os lados. A figura mais de trs est vestida de camisa branca e terno preto, em cujo palet escuro se destacam as letras brancas da palavra style e que compe o slogan juntamente com as palavras escritas no primeiro plano do anncio. Esta figura usa, tambm, uma lente de aumento, um monculo, sugerindo que se trata, portanto, de um homem letrado. O chapu, bem como o cigarro, so os elementos que esto atrelados elegncia e sofisticao, mercadorias que alimentam a produo industrial. A modernizao est presente tambm na instituio da moda, de hbitos de consumo da vida moderna da capital em crescimento que acabam por homogeneizar a aparncia e o comportamento das pessoas.
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13. Fulvio Pennacchi Estudo para cartaz publicitrio, dcada de 1930, guache sobre papel, 12,0 x 6,8 cm Coleo Instituto Moreira Salles 63
As figuras 14, 15 e 16 so anncios relacionados indstria automobilstica, tanto o carro como o pneu, e se tratam de propagandas para as empresas Fiat e Pirelli, respectivamente, sugerindo a insero do produto italiano no mercado brasileiro. O carro constitua um artigo que tnhamos que importar neste perodo, j que a indstria automobilstica em So Paulo s chegou dcada de 1950, tendo seu incio antes disso apenas no que se refere fabricao de autopeas. A Ford Motors Company e a General Motors estavam no Brasil desde 1919 e 1925, respectivamente. No entanto, o funcionamento de ambas se dava como montadoras de veculos importados. No havia at 1950 uma fbrica de carro nacional, muito por conta da guerra que contribuiu para o atraso da implantao da indstria automobilstica aqui. Isso, por outro lado, deu a Getlio Vargas a oportunidade de instalar uma indstria siderrgica em Volta Redonda, Rio de Janeiro, j que necessitaramos de ao para a produo de automveis. 89
O formato do anncio de nmero 14 lembra a parte frontal de um santurio. Este cartaz tem como slogan para o anncio: FIAT, O PODEROSO CAMINHO A OLEO CR, como escrito no cartaz em preto. A palavra FIAT vem acima do caminho, e o restante do slogan colocado no primeiro plano, lugar ocupado tambm pelo enorme veculo de carga e que nesta imagem transporta grandes sacos. Neste plano avistamos ainda duas figuras, uma ao volante e a outra atrs do caminho, mais precisamente em sua sombra. Estes personagens, no entanto, esto apenas esboados, no apresentam detalhe algum, no possuem feies, so apenas perfis de trabalhadores que, em busca de uma ocupao na cidade grande, se integram como operrios nas indstrias, alavancadas nesta poca pela poltica de incentivo de Getlio Vargas. De acordo com Morse, o ndice de aumento de oportunidades para emprego industrial na rea de So Paulo parece ter acompanhado mais ou menos o ndice de crescimento do conjunto da populao. 90
89 Cf. SCATIMBURGO, Joo de. op. cit., 2006, p. 585. 90 Cf. MORSE, Richard M. Formao Histrica de So Paulo (de comunidade metrpole). So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1970, p. 393. 64
14. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade Fiat, dcada de 1930, guache sobre papel, 8,0 x 10,5 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
Esses homens compem o proletariado que surge com a industrializao, o qual constitudo pelo trabalhador emigrado para a grande cidade e que bem cedo, conforme Touraine, sentiu-se parte da sociedade nacional em transio e apto a consumir os seus produtos; isso o tornou mais sensvel atrao do nacionalismo que da solidariedade de classe. Touraine chama a ateno para o fato de que o que atraa este trabalhador para a cidade no era tanto a perspectiva de treinamento profissional ou de identificao definitiva com uma s profisso ou classe, mas as vagas perspectivas do meio urbano, exemplificadas no tipo de vida das classes mdias e altas. 91
Nesta dcada, os trabalhadores passaram a ser respaldados pelos sindicatos de classe que o ento Presidente da Repblica em carter provisrio, mas com plenos poderes, passa a reconhecer oficialmente. Estes sindicatos, aos quais o trabalhador recorre desempenham, de acordo com
91 Cf. TOURAINE, Alan apud MORSE, Richard M. op. cit., 1970, p. 394. 65
Touraine, mais o papel de autoridade governamental que fornece suporte para amenizar a opresso do que como mediador nos propsitos de mudanas scio-polticas, criado pelos seus prprios membros. Neste cartaz de Pennacchi, o trabalhador aparece como coadjuvante no cenrio moderno, as atenes esto voltadas para o robusto veculo, movido a leo cru ou leo bruto, muito usado como combustvel e proveniente da refinao do petrleo. O homem, disposto ao lado direito, parece ter sido includo imagem apenas para que fosse possvel ao target da campanha a mensurao do tamanho do veculo. O homem praticamente desaparece ante a magnitude do caminho. J no segundo plano, temos o cu azul claro e um conjunto de prdios colocados no canto direito da tela, um amontoado de concreto, no qual no se distingue janelas e nenhum outro pormenor, podemos ver apenas uma massa cinzenta. As cores predominantes dos elementos compositivos do anncio variam em tons terrosos e de ocre, contrastando com o azul que neste cenrio caracteriza o cu, no qual consta o nome do fabricante do automvel italiano, o lugar mais ao alto do cartaz. O caminho surge na obra de Pennacchi como o objeto por excelncia do modernismo que ainda no estava ao alcance da indstria brasileira na dcada de 1930, mas que compunha o imaginrio dos diversos estratos sociais como um produto almejado. Nas figuras 15 e 16 temos projetos publicitrios para pneumticos, os PNEUS PIRELLI. Tanto em uma como na outra, o pneu no aparece compondo a roda de algum veculo, o automvel nem mesmo aparece nestes cartazes, mas as figuras humanas que fazem parte da composio como personagens centrais ao lado dos pneus. No anncio 15 o pneu est nas mos de um trabalhador que mais parece um piloto profissional de carro, dada a sua maneira de se vestir.
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15. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de Pirelli, 1931, Coleo Instituto Moreira Salles
Este piloto ocupa toda a extenso do anncio, cuja sombra est projetada em preto no fundo do cartaz. A inscrio, grafada em letras claras, contrasta com o fundo em vermelho vivo e est disposto no alto do cartaz e do lado direito do mesmo. O piloto manuseia o pneu branco da Pirelli e a sua marca est inscrita na prpria borracha como se estivesse em alto relevo, assim como as ranhuras do pneu. Pennacchi relaciona a figura humana com a industrializao e seus produtos, aproxima-o da modernizao, colocando-o como parte importante neste processo, como aquele que o responsvel por girar a roda do capitalismo. O pintor apresenta o piloto como algum dinmico, profissional, como sugere sua vestimenta, e que, portanto, reconhece um bom pneu. Este piloto ao escolher o pneu Pirelli para o seu carro legitima a marca. Na imagem 16, assim como na de nmero 15, o automobilista tambm est presente como elemento compositivo ao invs do automvel, no entanto, 67
diferentemente da imagem 15, o pintor o coloca em cima do pneu que contm a marca do mesmo, alm das marcas das ranhuras. O letreiro PNEUS PIRELLI aparece do lado direito escrito em vermelho e contrasta com o fundo escuro. Do alto do pneu, o automobilista segura a bandeira do Brasil, o que sugere a parceria entre a Itlia e o nosso pas, indstria estrangeira em solo nacional. O pneu muito maior que a figura humana, caracterizada como um piloto tanto quanto na imagem anterior, configurao pela qual Pennacchi prope certo domnio do produto sobre o homem, que se torna assim to pequeno ao seu lado. A tcnica se sobrepe ao humano, ainda que este seja, nestas imagens propostas por Pennacchi, elemento participante fundamental do processo de desenvolvimento industrial por ocupar a posio de trabalhador especializado e que consome o produto fabricado.
16. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de Pirelli, 1931, guache sobre papel, 13,4 x 7,5 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
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A concepo de Pennacchi nestas imagens sugere um trabalhador ativo e participativo como aquele que consome o produto fabricado conscientemente, o que atribudo construo do personagem como central nas imagens. Esta idia tem mais nfase no anncio 15, em que o trabalhador aparece em tamanho maior do que aquele que consta no cartaz 16. O trabalhador da imagem 15 possui ainda feies mais ntidas, se comparado ao da figura 16, e dotado de atitude, pois manuseia o produto com vigor, e desta forma, insere-se no mundo moderno como um trabalhador que no perdeu a identidade por no se confundir com o produto. J na imagem 16, o trabalhador tem as feies mais difusas, indcio de perda da identidade, alm disso, aparenta ser passivo, o que sugerido pelo fato de o produto ser bem maior que a figura humana, o que transmite a sensao de que o mesmo ir engoli- lo, pois o pneu envolve o trabalhador com o seu tamanho bem maior, como se o dominasse. Deste modo, nesta imagem 16, o trabalhador denota no ter tanta atitude quanto o que consta no anncio 15, ao contrrio, parece se reconhecer apenas como mo-de-obra na produo dos pneus Pirelli, alm de ser um consumidor passivo. Na publicidade de nmero 17, AOUGUE BOI DE OURO, Pennacchi prope a modernizao da cidade com a urbanizao crescente e a verticalidade de So Paulo, como sugere em outros anncios. Para isso, o pintor lana mo de uma arquitetura moderna nas edificaes ao fundo do cartaz, no qual vrios arranha-cus dominam o horizonte da cidade imaginria de Pennacchi. Diante deste bloco de concreto, um vigoroso boi compe a cena da cidade, no entanto, na imagem notamos a justaposio e no a integrao da imagem do boi dos edifcios, parecendo haver entre ambas certo estranhamento, tpico do processo de modernizao brasileiro. Esta imagem consiste no anncio do aougue que Fulvio Pennacchi possua em sociedade com o irmo Beppe. 92 Pennacchi traz do campo para a cidade a fora e a robustez de um boi que se apresenta sadio e que, portanto, oferece um bom produto para os seus consumidores na capital paulista, mais especificamente na Rua Bela Cintra, 83. A cena, produzida em 1933, est
92 Cf. FABRIS, Mariarosaria (trad.). op. cit., 2006, p. 114: De acordo com o que Pennacchi escreve em seu dirio, em setembro de 1931, ele aluga o aougue na Rua Bela Cintra, 83 e em outubro ele e o irmo Beppe se mudam para o local, onde possuem um quarto limpo e arejado, como escreve o pintor em suas anotaes cotidianas. 69
disposta num losango, que remete ao mesmo quadriltero que compe a bandeira do Brasil, tambm presente neste cenrio criado por Pennacchi, a bandeira est no cume do mais alto edifcio. Neste momento h a sugesto de que o pintor italiano, aps ter enfrentado as primeiras dificuldades 93 de insero no mercado de trabalho brasileiro por sua condio imigrante recm-chegado num perodo de crise econmica e poltica, est agora um pouco mais ambientado na nova ptria. Todavia, Pennacchi no estava completamente inserido, continuava a enfrentar uma dupla marginalizao, o que se dava tanto pela condio imigrante, como pelo fato de ser proprietrio de um aougue, local, tradicionalmente, pouco valorizado.
17. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade, Aougue do Boi de Ouro, 1933, guache sobre papel, 17 x 20 cm, Coleo Instituto Moreira Salles
Estas imagens produzidas por Pennacchi na primeira metade da dcada de 1930, ainda que no tivessem tido o xito que o pintor esperava no que diz respeito sua comercializao, compem juntas a imagem de uma So Paulo em transformao, devido aos acontecimentos polticos e econmicos, e que
93 Sobre as dificuldades enfrentadas nos primeiros anos em que Pennacchi chegou ao Brasil, consultar as anotaes feitas por ele em seu dirio e que foram traduzidas por Mariarosaria Fabris e publicadas em PENNACCHI 100 anos. Curador Tadeu Chiarelli. So Paulo: Pinacoteca do Estado de So Paulo, 2006, p. 106-115. 70
foi acompanhada por um recm-chegado imigrante exilado em busca de trabalho e de insero social. Utilizando formas simplificadas e que muitas vezes se assemelham esculturas, Pennacchi utiliza uma paleta de poucas cores e poucos detalhes para produzir estes cartazes publicitrios que so significativos no somente pelo fato de abordarem a modernizao da cidade, como sugere Pennacchi, mas a prpria existncia deste tipo de material iconogrfico aponta para a modernizao de So Paulo, advinda tanto da industrializao como da urbanizao que como vimos esto intimamente ligadas. At 1930 houve um incio de industrializao decorrente da economia do caf e que se desenvolveu enormemente aps a decadncia deste produto, pois era necessrio impulsionar a economia. Houve tambm uma urbanizao crescente ligada ao caf e que teve um aumento ainda maior em virtude da industrializao na era Vargas. As propagandas, neste sentido, estavam atreladas ao projeto de industrializao como meio de comunicao para divulgao de seus produtos. O pintor imigrante, que chegou a So Paulo em plena transformao da sociedade local, desenvolveu atividades nas artes aplicadas, oferecendo seus servios de pintura ao longo de sua carreira. Foi um profissional empreendedor, pois precisava se inserir econmica e socialmente e buscava oportunidades neste sentido. Alm da atividade como pintor, em 1931, alugou um aougue em sociedade com o irmo Beppe, que viera do interior para a capital. parte disto, Pennacchi continuou procurando trabalho em outros lugares e realizando atividades como pintor para ganhar dinheiro. Resolveu montar o ateli Clamor em janeiro de 1932 para produzir cartazes publicitrios juntamente com Del Debbio, o qual durou pouco tempo, conforme apontamentos em seu dirio. Por conta dos constantes desentendimentos entre Pennacchi e o irmo Beppe, o pintor consegue ento pagar, com o dinheiro ganho com os trabalhos em pinturas, a parte de seu irmo no aougue e administrar o estabelecimento comercial sozinho, momento em que se encontra mais aclimatado, passadas as maiores dificuldades dos primeiros anos. Por meio da anlise do contedo de seu dirio, possvel notar que Pennacchi sempre procurou estar prximo de seus compatriotas, pela 71
dificuldade que teve em se adaptar no novo pas, pela busca incessante por trabalho. Em seu dirio, percebe-se a ligao ntima que tinha com os italianos de l e daqui e de sua forte relao com a me a quem escrevia inmeras cartas, as quais ele numerava. Nestas cartas ele relatava o seu dia-a-dia na capital paulista. Alm dos reclames que Pennacchi produziu nos primeiros anos da dcada de 1930 sobre produtos como o caf, o cigarro, o chapu, o carro Fiat e os pneus Pirelli, alm do estudo para publicidade para o Aougue do Boi de Ouro, foi encontrado um conjunto de quatro obras da segunda metade de 1930, particularmente final da dcada, em que Pennacchi se remete ao contedo fascista por meio de cartazes produzidos nos anos de 1938 e 1940, partido ao qual se filiou ainda na primeira metade da dcada, em janeiro de 1930. Pelo fato de ter vindo ao Brasil por conta da oposio poltica fascista italiana, pressupe-se que a sua filiao ao Partido Fascista de So Paulo, como pensa Chiarelli, pode ser entendida pela necessidade de se integrar cidade 94 . Ainda que parea contraditrio o fato de o pintor se filiar ao partido fascista, j que ele teve que se deslocar de sua ptria para o Brasil, justamente por conta da perseguio que tanto ele como sua famlia sofreram pelo regime, parece razovel a explicao de Chiarelli, se pensarmos que Pennacchi, aps este episdio na Itlia, no quisesse ser novamente perseguido e hostilizado numa terra que ele mal acabara de conhecer. O trecho abaixo revela que a situao que o fez sair da Itlia, e que se referia s questes polticas, lhe causava desconforto.
[...] 7 de julho [de 1929], domingo Hoje fiquei mais tranqilo. Aquela bendita saudade me deixou um pouco, porm sinto que a preocupao pelo futuro ainda me corri e no estou vontade nessa vida demasiado movimentada e superficial. Hoje estive com Pia, Assunta e Amedeo, comi na casa deles na companhia de Mario e Marino e realmente fiquei mais tranqilo, me senti mais perto de minha casa, de meus entes queridos. Foram todos muito cordiais comigo, exceto o vulgarssimo Trombetti, um bolonhs que me acolheu com evocaes de fatos polticos passados e
94 Cf. PENNACCHI 100 anos. op. cit., 2006, p. 17. 72
inoportunos. Escrevi para casa e para Beppe [seu irmo], e para os amigos.[...] 95
Pelas anotaes que fazia diariamente em seu quaderno, possvel perceber que, num primeiro momento aqui em So Paulo, sentia-se solitrio e desamparado, por isso aproximou-se de seus conterrneos, pois na companhia deles a saudade da Itlia diminua. Alm disso, era necessrio se integrar no somente por conta da solido, mas, principalmente, porque necessitava relacionar-se para que assim conseguisse encontrar trabalho, uma das causas que o aproximou do Partido Fascista de So Paulo, como podemos notar pelo trecho abaixo:
[...] 10, 11, 12, 13, 14 de janeiro [de 1930] Dias toa. No desenho, nem busco ao menos me ocupar com algo, pois me parece quase impossvel. Mario cansou das medalhas de Prestes, porque at hoje, depois de trs meses de trabalho, no conseguiu realizar nada. Prope irmos ao interior vender cpias em gesso dourado de medalha de Jlio Prestes, de uma do Duce e uma do Prncipe. Antelo [Del Debbio] aceita faz-las. [...] Na segunda-feira, dia 13, recebo de Antelo mais 120 mil ris. Hoje, tera-feira, vou sede do Partido Fascista de So Paulo e, apresentando os documentos, solicito minha filiao. Hoje noite, conheo o Sr. Cimieri que me promete fazer o possvel para me conseguir trabalho. [...] 96
Os primeiros anos que viveu no Brasil no foram nada fceis e Pennacchi estava constantemente em busca de trabalho para sobreviver neste momento que, para ele, era duplamente difcil: primeiro pela sua condio de imigrante, mas no somente isto, ele era um imigrante que teve que deixar o seu pas por ter sido perseguido pelo fascismo (o fato de ter neste momento dois irmos j vivendo no Brasil, pode ter sido o motivo da escolha do pas como lugar para se viver aps deixar a Itlia). Depois, porque, estando neste momento num pas sob o governo de Getlio Vargas, o qual tinha simpatia pelo
95 FABRIS, Mariarosaria (trad.). op. cit., 2006, p. 107, [grifos meus]. Esta anotao foi feita dois dias depois de Pennacchi chegar ao Brasil; ele partiu de Gnova em 14 de junho de 1929. 96 FABRIS, Mariarosaria (trad.). op. cit., 2006, p. 111, [grifos meus]. 73
regime fascista, e tendo que sobreviver de seu trabalho, Pennacchi no poderia manifestar as suas reais convices polticas, ao contrrio, deveria aliar-se s foras polticas vigentes, ainda mais se disso dependesse o seu sustento.
[...] 1, 2, 3, 4 de maro [de 1930] No fao nada. Eleies polticas federais no Brasil. Calma completa. No dia 2, domingo, Carnaval brasileiro. Vejo o corso na Avenida Paulista. Na segunda-feira, vou sede do Partido Fascista e consigo carta para o Dr. Fontanella para obter trabalho. Procuro Del Debbio. Hoje, dia 4 (Carnaval), como na casa de Amedeo com meu irmo. Passamos um dia agradvel juntos. [...]. 97
Desse modo, filiar-se ao Partido Fascista de So Paulo foi um meio que Pennacchi encontrou de, possivelmente, se inserir no contexto local e manter relaes profissionais que lhe rendessem indicao para algum trabalho e, eventualmente, alguma relao de amizade. Ainda assim, a insero do pintor na cidade foi bastante difcil, conforme ele anota em seu dirio.
[...] de 28 de dezembro a 20 de janeiro de 1931 Ano novo, vida nova? ainda o velho e no vislumbro nenhum claro, nem novo, nem melhor. Odeio-me. Sinto-me to fraco que gostaria de desertar de mim mesmo. No daria um tosto por minha cabea de to desprovido de memria que eu ando. Antelo iniciou uma infinidade de negociaes. Por mais que diga, at agora, s promessas. Eu executo alguns desenhos e, s vezes, algumas aquarelas para Antelo. Estou tentando na Gazeta, como desenhista, mas no h vagas. Na sede do Partido Fascista, o Capito pouco se ocupa comigo e me olha como se eu fosse um pobre coitado. [...] No dia 28 de dezembro, recebi de Aspasio um vale de 50 mil ris. Virginia parece alimentar ainda uma chama viva de amor; eu a amo muito, mas no concebo a possibilidade de viver no Brasil. Nasci para ser um ermito e no um homem de negcios. [...] 98
Os primeiros anos da dcada de 1930 foram bastante difceis para Fulvio Pennacchi, pois, alm de sua trajetria como expatriado poltico, outros fatos ainda agravaram a sua difcil situao: a crise de 1929 que afetou a economia mundial, agravada pelas revolues de 1930 e 1932. Ademais, com a instaurao do Estado Novo, em 1937, foi outorgada a nova Constituio Brasileira que ampliou a centralizao poltica que estabelecia um Estado autoritrio e a supresso da autonomia dos Estados, o que dava ao Brasil uma caracterstica de Estado unitrio. O perodo do Estado Novo (1937-1945), segundo Roney Cytrynowicz, foi marcado pelo preconceito que diz respeito histria da poltica e da ideologia do regime de Getlio Vargas e das polticas imigratrias, alm, da histria do anti-semitismo, dos regimes ditatoriais no perodo e da histria dos refugiados da Europa tentando encontrar um porto seguro no Brasil. 99
Foram vrias as restries legais impostas pelo Estado Novo com relao aos imigrantes, de acordo com Cytrynowicz, como falar em pblico, ensinar e publicar em lnguas estrangeiras, o que compunham um processo de nacionalizao, legal e ideolgico, que forou a mudana de diretoria e de nome de vrias entidades dos grupos considerados estrangeiros (especialmente de imigrantes e nacionais italianos, alemes e japoneses), os quais eram submetidos aos mesmos constrangimentos e proibies que outros grupos imigrantes. 100
Podemos pensar que estas restries favoreciam a participao de imigrantes no partido fascista brasileiro, pois assim evitariam serem perseguidos pelo governo. Pennacchi que j havia se filiado ao partido desde o incio dos anos 1930, na segunda metade da dcada produziu cartazes para a Casa del Fascio de So Paulo. A consolidao do regime fascista contou com o uso dos meios de comunicao de massa, como as propagandas, com o intuito de deter o controle da opinio pblica. De acordo com Pereira, em qualquer regime, a propaganda estratgica para o exerccio do poder, mas adquire uma fora muito maior naqueles em que o Estado, graas censura ou monoplio dos meios de comunicao, exerce rigoroso controle sobre o
99 Cf. CYTRYNOWICZ, Roney. Alm do Estado e da ideologia: imigrao judaica, Estado-Novo e Segunda Guerra Mundial. In: Revista Brasileira de Histria. So Paulo, 2002, v. 22, n 44, p. 394. 100 Cf. CYTRYNOWICZ, Roney. op. cit., 2002, p. 395. 75
contedo das mensagens, procurando bloquear toda atividade espontnea ou contrria ideologia oficial. 101
Os interesses italianos em relao ao Brasil cresceram nos anos 1930, com a idia fascista de influenciar politicamente o nosso pas, pois, conforme Bertonha, o governo fascista acreditava ter encontrado uma maneira de superar as deficincias em poder econmico e militar que tinham prejudicado os esforos italianos no passado. Sendo assim, a criao de uma ponte ideolgica entre os dois pases serviria, como observa Bertonha, para compensar quaisquer debilidades italianas para sustentar seus esforos hegemnicos no pas. A expanso ideolgica do fascismo seria a grande arma de ao da Itlia no Brasil e na Amrica Latina em geral. 102
No ano de 1938, nos trs cartazes encontrados, Pennacchi utiliza composies quase que monocromticas com figuras que muito se assemelham a esttuas tanto pelas feies simplificadas das mesmas, como pela cor e movimentos rijos que possuem. Nas imagens 18 e 19 temos a referncia clara ao fascismo que se d pela presena do fascio 103 smbolo caracterstico no movimento italiano. A primeira imagem se refere a um cartaz de doao e a segunda ao recibo, propagandas que tratam da doao de ouro a Casa Del Fascio do pas. As imagens 18 e 19 fazem meno figura feminina, alegoria da Itlia, que tambm podemos notar no cartaz 20, Itlia colocando louro sobre cabea de soldado. No cartaz 18, Sottoscrizione nica, temos a figura central composta pela Itlia e atrs da mesma consta o fascio, indicando que a Itlia est sob a soberania do fascismo. Do lado esquerdo vemos um garoto que faz saudao Itlia e, portanto, ao movimento fascista, o que est indicado pelo seu brao
101 PEREIRA, Wagner Pinheiro. Cinema e Propaganda Poltica no Fascismo, Nazismo, Salazarismo e Franquismo. Histria: Questes & Debates. Curitiba: Editora UFPR, 2003, n. 38, p. 102. 102 BERTONHA, Joo Fbio. O Brasil, os imigrantes italianos e a poltica externa fascista, 1922- 1943. In: Revista Brasileira de Poltica Internacional. Braslia, vol. 40, n. 2, julho-dezembro, 1997. Disponvel em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034- 73291997000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27/08/2008. 103 Fascismo vem da palavra italiana fascio, traduzida por feixe. um smbolo de origem etrusca, composto por uma machadinha e um feixe de varas amarradas por correias, carregado pelos lictores, oficiais romanos que marchavam frente dos principais magistrados da antiga Roma, tendo a funo de afastar a multido, abrindo caminho em meio ao povo. Significa grupo dos fascistas. Cf. TURCI, rica. A crise italiana e o Fascio de Combate. Disponvel em <http://educacao.uol.com.br/historia/fascismo-contexto-historico.jhtm>. Acesso em 26/08/2008. 76
direito erguido. Do lado direito do cartaz notamos um homem idoso, o que sugerido pela bengala que possui. Este homem cabisbaixo est com a mo direita aberta em direo Itlia como que a solicitar um auxlio. Temos, portanto, de um lado o idoso e de outro o jovem, figuras que sugerem o passado e o futuro da Itlia, respectivamente. O jovem menino pode ser visto como o futuro promissor da Itlia sob o governo fascista. Est tambm presente a idia de que a adeso ao fascismo representa um comportamento geracional. A ilustrao parece evidenciar esse outro aspecto, ao ladear imagem feminina central o idoso e o menino. A inscrio Sottoscrizione nica, segundo Ramos, refere-se doao de ouro para a ptria, ao civil em virtude das sanes econmicas a que a Itlia ficou sujeita devido s chamadas guerras coloniais. 104 Estas guerras ocorreram durante a dcada de 1930, pois havia uma necessidade de expanso por parte da Itlia, cujo objetivo era possuir colnias que abastecessem o territrio italiano com os produtos de que o pas no dispunha. 105
104 Cf. RAMOS, Flvia Rudge. Pennacchi e seu templo. Dissertao de Mestrado, Programa de Ps-Graduao Interunidades em Esttica e Histria da Arte, So Paulo, 2007, p. 35. 105 Cf. TRENTO, Angelo. op. cit., 1986, p. 64-65 e 57-58: Quanto condio da Itlia na dcada de 1930, o antifascismo no pas no conseguiu arranhar o prestgio do regime, no entanto, manifestavam-se os primeiros sintomas de decadncia por causas internas. Isto porque a conquista da Etipia no trouxe melhoras nas condies de vida dos italianos, alm disso, as colnias de povoamento resultaram de difcil implantao, tanto pela pobreza do territrio como pela guerrilha etipica, que comeou ainda em 1936. Mesmo os grandes trabalhos pblicos s deram emprego a 20.000 italianos, e apenas camadas pequeno- burguesas e de funcionrios conseguiram encontrar vantagens econmicas no territrio africano, sob a proteo do Estado. Houve, portanto, uma decepo com os resultados da conquista da Etipia. O objetivo de Mussolini com a conquista do territrio etope era principalmente contornar os problemas econmicos e sociais da populao que enfrentava a misria e o desemprego. Alm da difcil situao do mercado de trabalho europeu, havia tambm as restries criadas imigrao para os Estados Unidos, e uma eventual transferncia de trabalhadores frica pareceu ser uma soluo para o excedente da mo-de- obra. 77
18. Fulvio Pennacchi Cartela de doao Sottoscrizione unica, 1938, impresso sobre papel, 10 x 14 cm, Coleo Famlia Pennacchi
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No cartaz 19, Pennacchi produz um recibo emitido pela sede brasileira da Casa Del Fascio, em So Paulo, na qual consta a doao de ouro ptria italiana que, conforme os dizeres do cartaz, se insurge ferozmente s sanes, o que ocorre por conta das guerras coloniais, em especial com relao ocupao da Etipia por parte da Itlia. Por conta disso, a Sociedade das Naes acusou a Itlia de violar os compromissos e imps sanes econmicas por sua agresso. Todavia, a Sociedade das Naes no efetivou tais sanes, o que contribuiu para que Mussolini conseguisse o seu propsito e ocupasse a Etipia que juntamente com a Eritria e a Somlia italiana compunham a colnia da frica Oriental Italiana. 106
Nesta imagem, podemos notar a alegoria da Itlia caracterizada com sua coroa e a estrela sobre a cabea, assim como consta nas imagens 18 e 20. No entanto, de modo diferente das imagens 18 e 20, a alegoria neste cartaz no possui a capa ou manteau protetor, mas empunha de um lado uma espada, como vemos no cartaz 20, e de outro um escudo. A alegoria feminina est em posio de defensiva, o que sugere que a Itlia esteja sob proteo e defesa. Atrs da alegoria da Itlia observamos os grilhes que so quebrados por uma guia, smbolo de fora, grandeza e resistncia, signo de soberania, figura usada tambm pelas legies romanas 107
que consistiam no corpo de tropas que compunham o exrcito romano na poca do imprio. Abaixo destas imagens temos o fascio, smbolo do fascismo. Esta imagem de Pennacchi sugere uma Itlia fascista forte, soberana e sob proteo. Os meios de comunicao de massa eram utilizados com o objetivo de entusiasmar a populao e despertar as multides para que apoiassem o regime fascista, com isso garantiriam o sucesso da campanha de doao de ouro pela ptria promovida pela Casa Del Fascio de So Paulo.
106 Cf. TRENTO, Angelo. op. cit., 1986, p. 58 e 59: Em 30 de outubro de 1935, sem prvia declarao de guerra, as tropas italianas comearam a invadir o territrio etipico. Na Frana, e principalmente na Inglaterra, a opinio pblica manifestou-se fortemente contra a agresso, obrigando os governos a promover uma reunio da Sociedade das Naes, em que foram decididas sanes contra a Itlia. Desse modo, os pases scios no podiam exportar bens necessrios indstria blica, nem conceder crditos, nem importar da pennsula. Os efeitos das sanes foram mnimos porque no incluam alguns itens fundamentais como o ao, petrleo e carvo, e porque Alemanha e Estados Unidos no faziam parte da Sociedade das Naes. Em julho de 1936, a Sociedade das Naes retirou as sanes e, paulatinamente, todos os pases reconheceram a anexao. A Itlia saa vitoriosa pela escassa determinao da Frana e da Inglaterra que no conseguiram sequer mant-la a seu lado, pois teve incio a aproximao do fascismo com a Alemanha nazista. 107 Cf. LEXIKON, Herder. Dicionrio de Smbolos. So Paulo: Cultrix, p. 14. 79
19. Fulvio Pennacchi Recibo de doao Don oro alla Patria, 1938, impresso sobre papel, 23,0 x 15,4 cm, Coleo Famlia Pennacchi
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Na imagem 20, a alegoria feminina que simboliza a Itlia porta seu traje caracterstico composto de vestido longo, capa, coroa e estrela logo acima da cabea. A Itlia com uma mo empunha uma espada e com a outra coloca o louro na cabea do soldado, que est vestido com a farda, um manto por cima, capacete, coturno e leva na mo direita a arma de fogo. Nesta imagem a Itlia reconhece o mrito de seu soldado que lutou e luta pela ptria, defendendo-a e protegendo-a. A alegoria feminina que representa a Itlia coloca ento na cabea do soldado um ramo de folhas de louro como smbolo de vitria ou conquista por parte do mesmo. O loureiro, segundo Cardoso, era a rvore consagrada ao deus Apolo, deus grego da profecia, poesia e cura. Na antiguidade greco- romana era smbolo de glria, com as coroas feitas com ramos e folhas da planta. 108
Neste momento, a glria do soldado italiano pelas conquistas da dcada de 1930, em especial da segunda metade como a conquista da Etipia, transformada em colnia italiana em continente africano, tendo com isso o fortalecimento do regime fascista de Mussolini.
108 CARDOSO, Maria das Graas et alii. Plantas Aromticas e Condimentares. Lavras: Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, p. 33. Disponvel em: <http://www.editora.ufla.br/BolTecnico/pdf/bol_62.pdf>. Acesso em 30/08/2008. 81
20. Fulvio Pennacchi Itlia colocando louro sobre cabea de soldado, 1938, nanquim sobre papel, 18 x 15 cm, Coleo Famlia Pennacchi
A imagem 21, produzida em 1940, refere-se ao projeto de cartaz para o Fanfulla, jornal da colnia italiana em So Paulo. De acordo com Bertonha, o Fanfulla foi o jornal chave da coletividade italiana em So Paulo e do Brasil, pois foi o primeiro jornal paulista a adquirir, em 1905, linotipos, mquinas de compor textos em linhas inteiras a partir de um teclado. Alm disso, sua tiragem, em 1910, era de 15 mil exemplares, enquanto que nesta mesma 82
poca o grande jornal paulista da poca, O Estado de So Paulo, tinha uma tiragem no muito maior, de 20 mil exemplares, o que aponta a importncia e prestgio do Fanfulla. 109
21. Fulvio Pennacchi Projeto de cartaz para o Fanfulla, 1940, guache sobre papel, 15 x 16 cm, Coleo Lucas Pennacchi
O peridico dirigido populao italiana tinha um servio de notcias sobre a Itlia, sobre o Brasil e sobre a colnia e apesar dos tons progressistas que tinha assumido desde o seu nascimento, no poderia deixar de representar alvo privilegiado para a conquista fascista, conforme Bertonha. O autor afirma que o Fanfulla tinha uma postura crtica em relao ao regime fascista, em
109 Cf. BERTONHA, Joo Fbio. O Fascismo e os Imigrantes Italianos no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 138. 83
defesa da democracia, posio que foi se exaurindo a partir de 1923, quando os elogios ao novo regime comearam a superar as crticas. 110
Desse modo, a rpida converso do jornal ao fascismo, segundo Dore, decorreu do fato de a ideologia democrtica dos exilados intelectuais que o criaram ser insuficiente para defender as idias contra o fascismo. 111 Assim, o Fanfulla comeou a se inclinar para o regime, atacando os antifascistas, apoiando a poltica fascista na Itlia. No incio da dcada de 1930, o consenso fascista do jornal s cresceu e, em 1934, de acordo com Bertonha, a conquista fascista se completou quando o regime conseguiu assumir o controle direto do Fanfulla que se converteu em agente de Roma at a interveno do governo brasileiro em 1942. Dessa forma, o governo fascista tinha, com o controle da imprensa, fcil acesso aos italianos, leitores do jornal, e por meio das escolas italianas, que constituam outro alvo a ser atingido pelo regime fascista, ocorreria a socializao das crianas, filhos de italianos. 112
Neste cartaz Pennacchi produz a imagem do imigrante trabalhador, homens, em sua maioria, trs mulheres e duas crianas ainda bebs compem a massa humana que constitui o primeiro plano, constando logo acima o nome do peridico e o slogan do mesmo. Estes trabalhadores ajudaram a construir So Paulo, atuaram tanto na zona urbana como na zona rural, colaboraram para o crescimento e desenvolvimento no s da cidade como tambm do Estado de So Paulo. A mo-de-obra imigrante foi enormemente empregada na construo civil e, na imagem de Pennacchi, o que sugere isso a figura dos trabalhadores que esto nos cantos direito e esquerdo da cena, pois esto lidando com tijolos na construo de uma parede do lado direito e com uma mquina de cimento ou concreto do lado esquerdo. Os demais trabalhadores lembram mais lavradores que se encaminham para a roa, pois aparecem na composio com instrumentos agrcolas como a enxada e a p. Alm disso, as mulheres e filhos acompanham os homens, o que sugere o trabalho familiar na zona rural, o que foi comumente empregado em especial no perodo de grande imigrao europia para o Brasil, em grande parte italiana, o que ocorreu do
110 Cf. BERTONHA, Joo Fbio. op. cit., 2001, p. 138-139. 111 Cf. DORE apud BERTONHA, Joo Fbio. op. cit., 2001, p. 139. 112 Cf. BERTONHA, Joo Fbio. op. cit., 2001, p. 139-140. 84
final do sculo XIX at as duas primeiras dcadas do sculo XX e cujo objetivo era substituir a mo-de-obra escrava na lavoura e promover o branqueamento do pas, o que estava implcito no discurso dos abolicionistas pertencentes elite urbana, para os quais havia uma srie de motivos polticos, econmicos, sociais e nacionais para que houvesse a abolio da escravatura. Para eles, a escravido arruinava economicamente o pas, atrasava o Brasil no seu crescimento em relao ao restante da Amrica do Sul e exclua o negro escravo de ser membro de uma ptria comum, forte e respeitada. 113
Os imigrantes, seja no meio rural, seja no urbano, enfrentaram uma dura tarefa de sobreviver no pas que os acolheu e com Pennacchi no foi diferente. Sua obra levanta temticas de ordem scio-econmica que propem a abordagem do contexto histrico da dcada de 1930, em cuja sociedade estava tentando se inserir desenvolvendo o seu trabalho como pintor. No que concerne ao mundo do trabalho e aos trabalhadores, houve na dcada de 1930 a implantao do sindicalismo corporativo que, conforme Castro, j estava implantado desde 1935 na maioria dos estados da Federao e nos maiores centros urbanos do pas, sendo que neste as principais categorias de trabalhadores, muitas das quais com tradio anterior de luta e organizao, j tinham substitudo suas unies e sindicatos autnomos por sindicatos oficiais. 114 A consolidao do sindicalismo corporativo, de acordo com Campinho, se deu para destruir as organizaes autnomas da classe operria, o que ocorreu, inclusive em reao instituio, em 1935, da ANL (Aliana Nacional Libertadora) e intentona comunista. 115
A produo plstica de Pennacchi sugeriu que tratssemos o conjunto de fatos inter-relacionados que envolvem a situao social, econmica e poltica dos anos 1930 e que do o indcio de uma So Paulo que se moderniza a custa de um regime autoritrio sob a presidncia de Vargas que tinha simpatia pelo fascismo e pela poltica de controle da populao de modo que nada pudesse abalar o seu poder poltico.
113 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. So Paulo: Publifolha, 2000, p. 49. 114 CASTRO apud CAMPINHO, Fbio. Sindicalismo de Estado: Controle e Represso na Era Vargas (1930-1935). Revista Eletrnica do CEJUR (Centro de Estudos Jurdicos da UFPR). Curitiba: UFPR, vol. 1, n. 1, agosto-dezembro, 2006, p. 3. Disponvel em <http://www.cejur.ufpr.br/revista/artigos/001-2sem-2006/artigo-06.pdf>. Acesso em 30/08/2008. 115 CAMPINHO, Fbio. op. cit., 2006, p. 3.
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1.2 A formao artstica dos pintores do Palacete Santa Helena
A partir da anlise das trajetrias dos pintores do Palacete Santa Helena, em especial no que diz respeito formao dos mesmos como pintores, pode-se afirmar que tiveram, em geral, trs vias de formao: curso em academia, em liceu de artes e ofcios ou escolas profissionais e estudo com professores em atelis particulares. Rebolo Gonsales, em 1915, trabalhou como aprendiz numa oficina de decorao, onde se deu o seu primeiro contato com a pintura. Por volta de 1926, estudou ornatos na Escola Profissional Masculina do Brs, e em 1933 instruiu-se no desenho com Mrio Zanini. Entre 1954 e 1956 embarcou para a Europa como prmio de viagem e fez um curso de restaurao por alguns meses no Museu Vaticano. Rebolo, portanto, teve uma formao artstica e profissional direcionada para os ornatos. Mrio Zanini fez curso de pintura na Escola Profissional Masculina do Brs 116 de 1920 a 1922, freqentou o curso noturno do Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo de 1924 a 1926 e por alguns meses, em 1928, estudou com o artista alemo Georg Fischer Elpons 117 , que inclusive teve ateli com Tarsila do Amaral, a quem Elpons deu lies, alm de Di Cavalcanti e Anita Malfatti, que tambm foram seus alunos. A formao de Zanini , portanto, feita em sua
116 A Escola Tcnica Estadual Carlos de Campo foi inaugurada em 1911, por meio do Decreto n. 2118-B, de 28 de setembro, denominada Escola Profissional Masculina (por meio desse mesmo decreto, tambm foi inaugurada a Escola Profissional Feminina). Instalada no Brs, bairro que se caracterizava na poca pela significativa concentrao de imigrantes e de operrios e tambm pela concentrao do setor fabril e comercial (esta ltima uma caracterstica do bairro ainda atual), destinada ao ensino e aprendizagem das artes industriais, para o sexo masculino, hoje atual ETE Getlio Vargas, e mais dois institutos no interior do Estado de So Paulo, nas cidades de Amparo, a Escola Profissional de Artes e Ofcios de Amparo, hoje ETE Joo Belarmino e a Escola de Jacare, hoje ETE Cnego Jos Bento, que ensinavam profisses adequadas s necessidades industriais locais. Cf. NOVELLI, Giseli. Ensino Profissionalizante na cidade de So Paulo: um estudo sobre o currculo da Escola Profissional Feminina nas dcadas de 1910, 1920 e 1930. In: ANPED - Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao, 2004, Caxambu, Anais 27 Reunio Anual ANPED, 2004, p. 2. 117 Georg Fischer Elpons (Berlim, Alemanha, 1865 So Paulo, 1939) veio de Munique em 1913, abriu em 1916, um curso de pintura com o escultor William Zadig e o pintor J. Wasth Rodrigues, sendo ministrado curso noturno de desenho com modelo vivo, o primeiro em So Paulo, sendo responsvel por ele J. Wasth Rodrigues. O curso foi inicialmente instalado nos altos do jornal Deutsche Zeitung, na Rua Lbero Badar, mudando-se depois para a rua Vitria (ateli de Tarsila) e afinal para a rua 15 de novembro, 37, 1andar, no Palacete Martinelli recm construdo. Cf. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Pintores Paisagistas: So Paulo, 1890 a 1920. So Paulo: EDUSP, 2000, p. 51. 86
grande parte em escolas profissionais. Zanini afirma, em entrevista 118 , que em sua obra o desenho muito importante. Manuel Martins foi aluno do escultor Vicente Larocca 119 em 1930 e em meados desta dcada seguiu curso livre de desenho que a Sociedade Paulista de Belas Artes 120 oferecia desde 1933. A formao artstica de Martins foi, portanto, em reduto tradicional de arte. Martins, como Zanini, tambm destaca a importncia do desenho em sua obra, como um modo de estudar e preparar a mesma, pois para ele, tanto em gravura, escultura e pintura, a base uma s: desenho. O desenho est para os trs assim como engatinhar est para a criana. E a criana engatinha e eu rabisco. 121
Fulvio Pennacchi estudou no Real Instituto de Belas Artes de Lucca 122 , Itlia, formando-se em 1927, e tambm permaneceu alguns meses na Academia de Belas Artes de Florena, aps completar sua formao em 1927. No Instituto que estudou em Lucca teve como professor o pintor Pio Semeghini, da ctedra de decorao. Nesta instituio, o ensino, de nvel mdio, era voltado para Artes e Ofcios, no entanto, baseado nas academias tradicionais, com o estudo da anatomia, da anlise racional das propores, da geometria e da perspectiva. Sob a direo do arquiteto Pietro Ricci, momento em que Pennacchi ainda desenvolvia seus estudos na instituio, a escola passou por
118 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 119 Vicente Larocca (So Paulo, 1892-1964) era escultor e professor, realizou sua formao artstica no Liceu de Artes e Ofcios do Rio de Janeiro e com, entre outros, Fernandes Caldas, em So Paulo, recebeu no SPBA a pequena e a grande medalha de ouro (1943 e 1958), entre outras exposies que ocorreram nas dcadas de 1940, 1950 e 1960. Lecionou no Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo e na Escola de Belas Artes de So Paulo (da qual chegou a ser diretor) como professor catedrtico. Cf. PONTUAL, Roberto. Dicionrio das artes plsticas no Brasil. Rio de Janeiro, 1969, p. 300. 120 A Sociedade Paulista de Belas Artes foi responsvel pela abertura, em 1933, de um curso livre de desenho em sua sede e pela instituio oficial do Salo Paulista de Belas Artes. A Sociedade Paulista de Belas Artes transforma-se, em 1937, em Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo. 121 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 122 O Real Instituto de Belas Artes (Rgio Istituto di Belle Arti, atual Istituto Superiore Artistico Augusto Passaglia) em Lucca, tem sua origem na antiga academia fundada no sculo XVII pelo famoso pintor lucchese Pietro Paolini, que foi transformada em Academia Lucchese di Pittura e Disegno e, sob a direo de Elisa Bonaparte Baiocchi, teve o nome modificado para Liceo Felice e depois Liceo Reale. Em 1837 a Scuola di Arti e Mestieri (Escola de Artes e Ofcios) foi anexada ao Liceo, e em 1861, com a transferncia para a atual sede, o histrico Palcio Buonvisi (construdo no sculo XVI pela famlia de banqueiros Buonvisi), na Piazza Napoleone, passa a se chamar Rgio Istituto di Belle Arti. Cf. RAMOS, Flvia Rudge. Pennacchi e seu templo. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps- Graduao Interunidades em Esttica e Histria da Arte, So Paulo, 2007, p. 13. 87
uma transformao didtica, pois os alunos comearam a estudar e retratar as cenas trabalhando ao ar livre, como os impressionistas, e no mais somente a partir de modelos nos atelis. 123 Pennacchi, desse modo, teve uma formao acadmica, ainda que esta fosse voltada para a arte decorativa. Aldo Bonadei, de 1923 a 1928, foi aluno do mestre acadmico e especialista em naturezas-mortas, Pedro Alexandrino 124 , e no ano de 1925, fez aula de desenho por alguns meses no Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo. 125 Foi aluno tambm do italiano Antonio Rocco 126 , tambm um pintor acadmico. Freqentou a Academia de Belas Artes de Florena, na Itlia, de 1930 a 1931, onde teve aulas por um ano com Felice Carena, que embora permanecesse fechado s vanguardas da poca, ignorando em suas experincias o futurismo e o cubismo, por ser discpulo de Carrire, teve alguma influncia de Van Gogh e Czanne. 127 Neste perodo, Bonadei dedicou- se muito ao desenho da figura humana, principalmente ao nu, um modo de aprimorar a sua habilidade tcnica.
123 Cf. LAZZARESCHI, E. apud RAMOS, Flvia Rudge. op. cit., 2007, p. 14: O programa de ensino possua as disciplinas de desenho e plstica de ornato e figura; ornato, histria da arte, anatomia, desenho de figura, matemtica, fsica, mecnica aplicada, topografia, materiais construtivos, plstica decorativa, desenho e pintura aplicada decorao mural, desenho geomtrico, artes construtivas, elementos arquitetnicos e ornamentais. Com o tempo a instituio adquiriu um carter que tinha como objetivos a indstria e o territrio, bem como a capacidade de aproveitar sua matria-prima e impulsionar o artesanato. 124 Pedro Alexandrino (So Paulo, 18641942) foi pintor, trabalhou como auxiliar no campo de decorao de interiores em So Paulo com os franceses Brandier e Estiveau, o portugus Adriano Ferreira Pinto e Jos Lucas Medeiros. Estudou em So Paulo com Jos Ferraz de Almeida Jnior e transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou a freqentar a AIBA em 1887. Aperfeioou-se posteriormente em Paris, com Fernand Cormon, Antoine Vollon (cuja influncia ficou marcada em sua obra) e Ren Chrtien. Participou do Salo da Sociedade dos Artistas Franceses, de Paris, em 1899, 1900, 1901, 1903 e 1907. Obteve medalhas de ouro e de honra nos SNBA de 1922 e 1939, e a grande medalha de ouro no SPBA de 1933. Destacou-se como pintor de naturezas mortas. Cf. PONTUAL, Roberto. op. cit., 1969, p. 410. 125 A Sociedade Propagadora de Instruo Popular transformou-se em Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo em 1882. As atividades do Liceu ligadas s artes e ofcios, apoiadas financeiramente pelo governo, tiveram incio na rua Boa Morte, n17, no mesmo prdio onde funcionava a Escola Normal. Em 1885, retirada a autorizao do Liceu para funcionar no local, muda-se para a rua do Imperador, n5 e no incio d e 1893 transfere-se para a rua Santa Tereza, n22. No final de 1896, mudou-se para a ru a Onze de Agosto e em 1900 para a praa da Luz, atual n2, onde foi instalada, em 1946, a Pinacoteca do Estado de So Paulo. Cf. LAUDANNA, Mayra. Raphael Galvez 1907-1998. So Paulo: Momesso Edies de Arte, 1999, p. 19 e 30, nota 7. Ramos de Azevedo, como vice-diretor do Liceu de Artes e Ofcios de 1900 a 1917, a partir de 1903 passou a reorganiz-lo. De 1917 a 1928 ele passou a diretor da instituio. 126 Antonio Rocco (Amalfi, Itlia, 1880 So Paulo, 1944) foi pintor, depois de freqentar o Instituto de Belas Artes de Npoles veio fixar-se em So Paulo. Conquistou a pequena e a grande medalha de ouro no SNBA de 1933. Cf. PONTUAL, Roberto. op. cit., 1969, p. 454. 127 GONALVES, Lisbeth Rebollo. Aldo Bonadei: o percurso de um pintor. So Paulo: Perspectiva: Editora da USP: FAPESP, 1990, p. 38. 88
Com relao aos estudos que realizou com Pedro Alexandrino, Bonadei afirma que estes deixaram marcas em sua pintura. "Estudei muito desenho, copiando. Eu era muito novo, tinha dezesseis anos. No tempo, eu reagia mal. S depois eu cheguei a perceber o quanto foi benfico este estudo para mim. 128 Ele afirma ainda, quanto aos temas e tcnicas, que os pintores do Santa Helena receberam todas as influncias possveis, francesa, italiana, inmeras e que eles iam peneirando. 129
Bonadei, portanto, tem uma formao basicamente em ambiente acadmico e ainda que tenha freqentado o Liceu de Artes e Ofcios por alguns meses, tal instituio tinha tambm como professores os mestres acadmicos que muitas vezes davam aula na Escola de Belas Artes. 130
Clvis Graciano em 1934 interessou-se pela pintura, passando a se dedicar como autodidata. Ele afirma, com relao formao artstica, que no freqentou nenhum curso antes de 1935. De 1935 a 1937, aproximou-se de Cndido Portinari 131 e teve aprendizagem com Waldemar da Costa 132 por
128 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 24/02/1970. 129 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 24/02/1970. 130 A Escola de Belas Artes de So Paulo data de 1925, cuja sede se localizava do lado da Praa da S, na Rua XV de Agosto, uma das travessas que existia antes da expanso da Praa da S. 131 Cndido Torquato Portinari (Brodsqui, So Paulo, 1903 Rio de Janeiro, 1962) foi pintor, desenhista e gravador, filho de imigrantes italianos, encontrou-se com a pintura desde muito cedo, pois j aos nove anos de idade ajudava na restaurao dos adornos da igreja de sua cidade natal, pintando estrelas no teto. Foi para o Rio de Janeiro em 1918 e matriculou-se no curso livre de pintura da antiga ENBA, onde recebeu orientao de Luclio de Albuquerque e Rodolfo Amoedo. Dois anos mais tarde vendeu o seu primeiro quadro, Baile na Roa, e em 1922, figurou pela primeira vez no SNBA, que viria a conferir-lhe medalha de bronze e prmio de aquisio (1923, com o retrato do escultor Paulo Mazzuchelli), bem como o prmio de viagem ao estrangeiro (1928, com o retrato do poeta Olegrio Mariano). Em gozo deste ltimo prmio, transferiu-se para a Europa, fixando-se em Paris e visitando ainda a Itlia, Inglaterra e Espanha. Em 1930 encontrava-se novamente no Rio de Janeiro. Em 1935, recebe prmio do Carnegie Institute de Pittsburgh pela pintura Caf, tornando-se o primeiro modernista brasileiro premiado no exterior. No mesmo ano, convidado a lecionar pintura mural e de cavalete no Instituto de Arte da Universidade do Distrito Federal, quando tem como alunos Burle Marx (1909 - 1994) e Edith Behring (1916 - 1996), entre outros. Em 1936, realiza seu primeiro mural, que integra o Monumento Rodovirio da Estrada Rio-So Paulo. Em seguida, convidado pelo ministro Gustavo Capanema (1902 - 1998) pinta vrios painis para o novo prdio do Ministrio da Educao e Cultura - MEC (1936-1938), com temas dos ciclos econmicos do Brasil, propostos pelo ministro. Em 1940, aps exposio itinerante pelos Estados Unidos, a Universidade de Chicago publica o primeiro livro a seu respeito, Portinari: His Life and Art, com introduo de Rockwell Kent. Cf. PONTUAL, Roberto. op. cit., 1969, p. 432-434. 132 Valdemar da Costa (Belm, Par, 1904 So Paulo, 1982) foi pintor e professor, depois de residir desde a infncia em Lisboa e de ali estudar na Escola de Belas Artes, fixou-se na capital francesa entre 1928 e 1931, logo travando conhecimento com as obras dos artistas da chamada Escola de Paris e convivendo, entre outros, com Cndido Portinari, ento em gozo do prmio de viagem ao estrangeiro conquistado no SNBA. Novamente no Brasil, realizou exposio individual no Rio de Janeiro, ainda em 1931. Residindo em so Paulo, participou das 89
recomendao do prprio Portinari, do qual teve tambm grande influncia em sua pintura. Sobre o professor Waldemar da Costa, Graciano afirmava: Ele era culto, sabia coisas do meti e vinha de uma grande temporada em Paris. Alm do mais, ele sabia transmitir, sem exigir sujeio sua maneira de pintar. 133
Entre os anos de 1936 e 1938 foi aluno livre do curso de desenho da Escola Paulista de Belas Artes e, segundo ele, de 1936 a 1937, alguns dos pintores que seriam depois chamados de grupo Santa Helena tambm comearam a freqentar noite o mesmo curso livre de desenho. Nessa poca, a escola ficava numa das muitas ruas que desapareceram, exatamente atrs do Edifcio Santa Helena, junto ao quartel do Corpo de Bombeiros. No ato da inscrio a gente declarava que desistia da assistncia dos professores, o que os irritava profundamente. 134 Isto porque, conforme Graciano, eles eram academicssimos e a mensalidade era de 5 mil ris. Estes pintores, portanto, queriam ter acesso ao curso oferecido pela instituio, mas dispensavam as instrues dos professores para que no tivessem aulas de contedo acadmico e para que no precisassem pagar a mensalidade. Graciano, diferentemente dos outros pintores do Palacete, ainda que tenha estudado na Escola Paulista de Belas Artes, teve contato prximo com pintores que estavam mais afinados com o modernismo. Alfredo Volpi no fez curso em nenhuma escola de arte, era o pintor da prtica, aprendeu a pintar medida que realizava suas obras. Por volta de 1925, pouco a pouco obteve conhecimento com pintores como Rebolo, Bruno Giorgi 135 e Ernesto de Fiori 136 , pintores que conviveram no Palacete Santa Helena.
mostras da FAP a partir de 1937 e lecionou, de 1938 a 1954 no Liceu de Artes e Ofcios e tambm particularmente, cabendo salientar, entre seus alunos, Lothar Charoux, Maria Leontina e Clvis Graciano. Foi um dos renovadores do ambiente paulista nas dcadas de 1930 e 1940. Cf. PONTUAL, Roberto. op. cit., 1969, p. 148. 133 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 20/02/1970. 134 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 20/02/1970. 135 Bruno Giorgi (Mococa, So Paulo, 1905 So Paulo, 1993) foi escultor, inicia seus estudos de escultura em Roma, entre 1920 e 1922, tornando-se mais tarde aluno de Maillol, em Paris, onde freqentou tambm as academias Ranson e de la Grande Chaumire, em 1936. Retornando ao Brasil em 1939, fixou-se primeiramente em So Paulo (onde montou ateli com o escultor Joaquim Lopes Figueira Jnior) at 1942, pois, entre 1943 e 1949, pemaneceu no Rio de Janeiro. Figurou no III Salo da FAP, realizado no Rio de Janeiro. Cf. PONTUAL, Roberto. op. cit., 1969, p. 237-238. 136 Ernesto De Fiori (Roma, Itlia, 1884 So Paulo, 1945), foi escultor e pintor, em 1903 freqenta a Real Academia de Belas Artes de Munique, mas desencorajado por seu professor Otto Greiner. De volta a Roma descobre a obra do suo Ferdinand Hodler, que o 90
Humberto Rosa estreou em 1924 quando decorou o teto da sacristia da Igreja da Sagrada Famlia de Santa Cruz das Posses, no interior de So Paulo, e foi aluno regular da Escola de Belas Artes de So Paulo de 1927 a 1932, formando-se neste ano. Rosa teve, desse modo, uma formao artstica acadmica. Alfredo Rizzotti esteve na Itlia de 1924 a 1935, desde os 15 anos de idade, onde cursou decorao na Escola Profissional Novaresa e foi aluno livre na Academia Albertina de Turim que entre o final do oitocentos e o incio do novecentos acompanha dignamente a passagem do realismo para a arte nova na direo do ecletismo, da liberdade e de uma renovao das temticas com a pintura de paisagem e de gneros. A Academia Albertina consuma a ltima modificao que tem incio nos anos quarenta, com a contribuio de alguns significativos representantes da cultura figurativa de Turim atualizados sobre modelos da vanguarda europia. 137 . Rizzotti, portanto, teve formao em ambiente escolar tradicional e profissional. Percebe-se ento que a formao destes pintores se deu basicamente para que pudessem aprender uma profisso. Seja em instituies de ensino, com professores particulares ou com os prprios colegas, estes pintores aprenderam uma atividade especializada de trabalho para que pudessem,
influencia inicialmente. Em 1911 segue para Paris, onde reside at 1914. Conhece Matisse, Picasso e participa do crculo de artistas do Caf Dme. Estuda escultura com Hermann Haller, sofrendo influncia de Maillol e Degas. Em 1914 expe nas mostras da Sezession de Berlim, no Salo dos Independentes, em Paris, e em uma mostra futurista, em Roma. Tornar-se-ia ento cidado naturalizado alemo e assim foi combateu na I Guerra Mundial, entre 1916 e 1917. Fixa residncia em Berlim, a participando de vrias exposies coletivas. Em 1926, apresenta-se em Milo, na mostra do Novecento italiano. Face instabilidade poltica alem, viaja, em 1936, para o Brasil, fixando residncia em So Paulo. Neste mesmo ano expe esculturas na Galeria Guatapar, mas, fascinado pela natureza brasileira, retoma a pintura. Inclui seus trabalhos nos trs sales de Maio, em So Paulo, de 1937 a 1939, nas mostras da FAP, inclusive a do Rio de Janeiro, e no VII Salo do Sindicato dos Artistas, em 1942. Cf. TEIXEIRA LEITE, Jos Roberto et al. Seis dcadas de arte moderna na Coleo Roberto Marinho, Rio de Janeiro: Edies Pinakotheke, 1985, p. 209. 137 A Academia Albertina de Turim foi fundada com este nome em 1833, o qual se deve a Carlo Alberto di Savoia, que teve a deciso de fund-la novamente. No entanto, sua origem est na Universidade dos Pintores, Escultores e Arquitetos, que se transforma em Compagnia de S. Luca, em 1652, e Accademia dei Pittori, Scultori e Architette, em 1678, quando Maria Giovanna di Savoia, viva de Carlo Emanuelle II, funda a Academia. Tra la fine dellOttocento e linizio del Novecento l'Accademia accompagna degnamente il passaggio dal realismo all'arte nuova, nella direzione dell'eclettismo, del Liberty e di un rinnovamento delle tematiche, con la pittura di paesaggio e di genere, L'Albertina consuma l'ultima svolta a cominciare dall'inizio degli Anni Quaranta, con lapporto di alcuni significativi rappresentanti della cultura figurativa torinese aggiornati sui modelli dell'avanguardia mitteleuropea e francese. A traduo no texto minha. Cf. ACCADEMIA Albertina delle Belle Arti di Torino. Disponvel em <http://www.accademialbertina.torino.it/accad.htm>. Acesso em 20/08/2008.
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principalmente, prestar seus servios. E quando realizaram outros cursos, estes tambm eram voltados para o aprimoramento do saber tcnico e o aperfeioamento da execuo de obras. Entre os pintores que estudaram em So Paulo, notamos que fizeram cursos na Escola Paulista de Belas Artes, no Liceu de Artes e Ofcios, na Escola Profissional Masculina do Brs e na Sociedade Paulista de Belas Artes. Entre os que cursaram a Escola Paulista de Belas Artes, observamos: Humberto Rosa, que se formou como aluno regular em 1932, e Graciano que estudou por dois anos como aluno livre realizando o curso de desenho at 1938. Dentre os pintores que freqentaram o Liceu de Artes e Ofcios, temos: Zanini que fez o curso noturno por dois anos, at 1926, e Bonadei que fez aula de desenho durante alguns meses em 1925. Os pintores que estudaram na Escola Profissional Masculina do Brs foram: Zanini, que realizou o curso de pintura no perodo de dois anos, at 1922, e Rebolo, que estudou ornatos no ano de 1926. Na Sociedade Paulista de Belas Artes estudou Martins, onde fez curso livre de desenho. Dentre os que freqentaram cursos no exterior, nota-se que os pintores se dirigiam Itlia e no Frana, como fazia grande parte dos pintores interessados em entrar em contato com os centros vanguardistas da Europa. Pennacchi j chegou ao Brasil formado, enquanto Bonadei permanece um ano em Florena, at 1931, e Rizzotti reside por 11 anos na Itlia, retornando ao Brasil aps ter estudado decorao na Escola Profissional de Novara e feito curso como aluno livre na Academia Albertina de Turim. Rebolo quando vai para a Europa, na primeira metade da dcada de 1950, realiza curso de restaurao por alguns meses no Museu Vaticano. Tiveram ainda os que freqentaram os atelis particulares, tanto de mestres brasileiros, como estrangeiros, caso de: Zanini, que por alguns meses estudou com Georg Elpons no ano de 1928; Martins, que no ano de 1930 teve aprendizado com o escultor Vicente Larocca; Bonadei, que foi aluno de Pedro Alexandrino por cinco anos, at 1928, alm de Antonio Rocco; Graciano, que por dois anos, at 1937, teve aprendizado com Waldemar da Costa e proximidade com Cndido Portinari; e Volpi, que teve lies com Bruno Giorgi e Ernesto de Fiori a partir da segunda metade da dcada de 1920. Alguns dos pintores do Palacete instruram-se tambm com os prprios colegas, como 92
Rebolo que aprendeu desenho com Zanini, em 1933, e Volpi que teve lies com Rebolo a partir de 1925. Deste modo, quase todos os pintores estavam formados quando estiveram juntos no Palacete Santa Helena, apenas Graciano ainda acompanhava o curso de desenho na EPBA, finalizado em 1938. Ao analisar a formao que estes pintores tiveram, pode-se dizer que estudaram em reduto acadmico, em escolas profissionais ou com mestres brasileiros e europeus, as formaes possveis na So Paulo das dcadas de 1920 e 1930, na qual os processos imigratrios exigiam dos artistas o empenho em produzir obras que destoassem do academicismo ainda reinante, conforme Miceli. 138
A unio no Palacete constituiu para estes pintores, mais que o lugar de trabalho e negcios. O ateli, que tinham em sociedade, oferecia em grande parte a prestao de servios decorativos, mas tambm consistia num espao de sociabilidade, onde havia estudos e trocas de experincias, havia o aperfeioamento da prtica. Foi um perodo importante para estes pintores, pois, alm do aprendizado coletivo, os contatos que tiveram nesta poca no se limitaram entre aqueles que dividiam o ateli, mas tambm com os pintores que os visitavam e com os quais compartilhavam as exposies 139 , bem como com os crticos.
138 MICELI, Srgio. op. cit., 2003, p. 101. 139 Foi a partir da dcada de 1930 que a maioria dos pintores do Palacete Santa Helena comeou a participar de exposies coletivas e na dcada de 1940 a fazer individuais. Volpi e Bonadei deram incio s suas participaes em exposies ainda na dcada de 1920. Alfredo Volpi exps pela primeira vez em 1925, na 2 Exposio Geral de Belas Artes, no Palcio das Indstrias, em So Paulo, j Aldo Bonadei fez sua estria em 1928, na 35 Exposio Geral de Belas Artes, na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Na dcada de 1930, iniciaram as participaes em exposies os pintores Mrio Zanini, em 1934, no 1 Salo Paulista de Belas Artes, Fulvio Pennacchi, em 1935, no 2 Salo Paulista de Belas Artes, Francisco Rebolo, neste mesmo ano, no 3 Salo Paulista de Belas Artes, Humberto Rosa, em 1936, na Exposio de Pequenos Quadros, organizada pela Sociedade Paulista de Belas Artes, no Palcio das Arcadas, em So Paulo, alm de Manoel Martins e Clvis Graciano em 1937, que participaram do 1 Salo da Famlia Artstica Paulista, no Esplanada Hotel de So Paulo, e Alfredo Rizzotti, que, em 1939, exps no 2 Salo da Famlia Artstica Paulista. 93
1.3 A Famlia Artstica Paulista e o Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo
No catlogo da primeira exposio, realizada em 1937, consta o lema da FAP: A Pintura vale pela qualidade intrnseca dos elementos plsticos e no por suas possibilidades representativas ou narrativas. 140 Tal assero aponta, desse modo, que a preocupao dos membros da FAP era com a qualidade de suas produes, o que era possvel pelos conhecimentos tcnicos e a convico de que o trabalho bem feito era o elemento imprescindvel para a realizao da obra de arte. Eles primavam, desse modo, pela obra bem executada para que, assim, fossem notados e dispusessem de outras oportunidades de trabalho. De acordo com Mendes de Almeida, parte preponderante da FAP era constituda por alguns profissionais da pintura de paredes ou de outros ofcios manuais, providos de curiosidade pela pintura artstica e sensibilidade apurada para a compreenso de seus problemas. Essa parte da FAP era composta pelos pintores do Santa Helena que, concomitante com a unio deles no Palacete, participaram da Famlia Artstica Paulista 141 entre 1937 e 1940. Tal fato refora a idia de ser este tambm o motivo de estes pintores serem mais conhecidos como Grupo Santa Helena do que Famlia Artstica Paulista, pois havia, pelas origens sociais, uma identidade maior entre eles num primeiro momento do que entre eles e os pintores da FAP e todos os outros que freqentavam o ateli no Palacete. De acordo com Loureno, no somente atravs de Vittorio Gobbis e Paulo Rossi Osir, mas tambm de Paulo Mendes de Almeida e Cndido Portinari que os pintores do Palacete Santa Helena, e que depois compuseram a Famlia Artstica Paulista, aproximaram-se da gerao inicial modernista. 142
Mendes de Almeida afirma que na primeira exposio da FAP, em maio de 1937, alm de Paulo Rossi Osir, constavam Anita Malfatti, Armando Balloni, Arnaldo Barbosa, Hugo Adami, Waldemar da Costa, Joaquim Figueira e Arthur
140 CATLOGO DO I SALO FAMLIA ARTSTICA PAULISTA. So Paulo, maio de 1937. 141 A FAP teve a durao de 4 anos, de 1937 a 1940, perodo em que realizou trs exposies, em 1937 e 1938 em So Paulo, e em 1940 no Rio de Janeiro. Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 55-56. 142 Cf. LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 73. 94
P. Krug. Em maio e junho de 1938, quando houve a segunda exposio, novos artistas participaram como Cndido Portinari, Domingos Toledo Piza, Nelson Barbosa, Rene Lefvre, Bernardo Rudofsky, Nelson Nbrega, Vilanova Artigas e Ernesto de Fiori. No II Salo da FAP, estiveram presentes vinte e um expositores e a mostra contou ainda com uma sala especial para Cndido Portinari, convidado de honra para esta exposio. Em agosto de 1940, outros artistas tomaram parte da terceira exposio da FAP e o nmero de participantes subiu de vinte e um para vinte e seis. Os artistas que se juntaram neste ano aos j participantes do ano anterior foram: Franco Cenni, Paulo Sangiuliano, Carlos Scliar, Vicente Mecozzi, Vittorio Gobbis e Bruno Giorgi, a qual teve um grande sucesso, os maiores louvores da crtica, de acordo com Mendes de Almeida. 143
Entre os pintores do Palacete Santa Helena participantes da FAP, tem- se: em 1937, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Clvis Graciano, Francisco Rebolo Gonsales, Fulvio Pennacchi, Humberto Rosa, Manoel Martins e Mrio Zanini; em 1938, alm dos j mencionados, participou ainda Alfredo Rullo Rizzotti; em 1939 e 1940 constavam todos os j anteriormente referidos, sendo que Clvis Graciano, em 1939, ocupou o posto de presidente da FAP. Foi somente a partir da II Exposio da Famlia Artstica Paulista em So Paulo e, sobretudo, depois da publicao do artigo de Mrio de Andrade, Esta Paulista Famlia em O Estado de So Paulo de 2 de julho de 1939, que pintores como Graciano, Volpi, Bonadei e Rebolo comearam a ocupar um lugar de destaque no mbito da pintura paulista. De acordo com Mrio de Andrade sobre os pintores da Famlia Artstica Paulista: (...) a verdade que todos sses paulistas esto pintando excelentemente bem. Muito melhor que no Rio. (...) deliciosa, por exemplo, a faculdade de iluminao de Aldo Bonadei. (...) Pennacchi arremata timamente uma das suas foscas paisagens. (...) Clvis Graciano surge com um vigor exuberante que promete muito e Volpi tem pelo menos duas paisagens quase impressionistas, mas de uma segurana e de uma vibrao excelentes. Mas os dois ases da exposio me pareceram ser Rebollo Gonalves (sic) e Mrio Zanini. Este meu xar foi para mim uma revelao. difcil
143 ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 55 e 56. 95
diagnosticar se a notvel diversidade do seu atual manejo do pincel, indica riqueza ou indeciso, mas pressinto nele o estfo de um grande paisagista. Quanto a Rebollo, se promete menos, tanto pelas suas naturezas mortas como pelas suas paisagens, j um timo artista. Alm das suas qualidade tcnicas muito seguras, sabe revelar uma alma j bem caracterizada, suave e cheia de delicada poesia. 144
Mrio de Andrade, como crtico, teve, desse modo, papel determinante na legitimao destes pintores, colaborando com sua crtica na introduo dos mesmos no meio artstico local, em especial quando afirma que esto pintando excelentemente bem, comentrio que d a entender que estes pintores esto se aperfeioando e, neste momento de suas carreiras, executando bem melhor as suas obras. Ele ressalta a luz de Bonadei, o arremate de Pennacchi, o vigor de Graciano e a segurana e vibrao de Volpi. Mrio ainda salienta que Zanini e Rebolo so os pintores que se sobressaem e destaca os aspectos tcnicos dos dois pintores, o atual manejo do pincel de Zanini, inserindo-o no rol dos grandes paisagistas, e as qualidades tcnicas muito seguras de Rebolo, introduzindo-o na categoria de j um timo artista tanto pelas suas naturezas mortas como pelas suas paisagens. Ainda, conforme Mrio de Andrade sobre estes pintores:
Ora pois o que falta a tda esta paulista famlia? Falta o estouro, falta o estalo de Vieira, falta a coragem de errar. O verdadeiro estdio de cultura no propriamente saber, mas saber ignorar em seguida. Toda esta nossa forte e consangnea Famlia Paulista j sabe eruditamente pintar, mas ainda no aprendeu a coragem de ultrapassar a sabena e conquistar aqule trgico domnio da expresso pessoal, sem o qual no existe arte. Todos stes artistas j sabem caminhar com firmeza, mas lastimvel que na terra que criou a Vasp, a nica emprsa nacional de aviao, les no se arrisquem a voar. Os que procuram a arte no cho, encontram a politicagem, o funcionalismo pblico, a honestidade e vrias outras coisas tirolesas. A arte no. A arte paira nas nuvens. 145
144 ANDRADE, Mrio de. op. cit., 1939, p. 155 e 156. 145 ANDRADE, Mrio de. op. cit., 1939, p. 155 e 156. 96
Por mais que o crtico aponte as caractersticas de bons pintores, que realizam suas obras com destreza, ele acredita, no entanto, que para ser um artista necessrio mais do que uma obra bem executada e que o que faltava para estes pintores era experimentar, criar, inovar. Para Mrio de Andrade, arte no era apenas domnio da tcnica, mas criao. Ao mesmo tempo em que Mrio os chancela e chancela suas obras como produzidas por bons pintores, ele os critica sob a alegao de que para ser artista no basta ter habilidade, o que nos permite pensar que Mrio os inclui na condio de artfices primorosos. Para grande parte dos artistas da FAP a preocupao no era transpor uma arte passadista, mas elaborar um bom trabalho, com esforo para aprender e aprimorar a tcnica, pois esta a profisso deles, para estes pintores produzir uma obra de arte exercer a profisso. Segundo Flvio Motta, havia uma solidariedade entre os artistas com relao ao trabalho, pois dividiam o local, os conhecimentos, as experincias e as oportunidades. Desse modo, o passado tcnico retomado, deixando de ser entendido como passadismo. 146
Srgio Buarque de Holanda, j em 1926, criticava a postura de Mrio, ainda que o admirasse, por conta de sua inteno exagerada em se dispor a inventar um novo Brasil, bem como Oswald de Andrade. Para ele, a maioria dos modernistas no demonstrava interesse pelo passado e pela histria. De acordo com Srgio, uma identidade nacional nunca poderia ser implementada como poltica cultural, pois acreditava que naturalmente poderamos ter em pouco tempo, e que com certeza teramos, como ele pensava, uma arte de expresso nacional. O autor afirma que ela no surgiria, o que evidente, segundo ele, de nossa vontade, mas sim, nasceria bem provavelmente de nossa indiferena. 147
Levou algum tempo para que a expresso nacional fosse modernista. Enquanto os modernistas na Europa discutiam, entre as dcadas de 1911 e 1914, a perspectiva acadmica, o contorno, o foco de luz, que no modernismo no nico, mas mltiplo, pois so vrios os focos de luz que incidem sobre os
146 Cf. MOTTA, Flvio L. op. cit., 1971, p. 141. 147 Cf. HOLANDA, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1967, p. 35. 97
elementos compositivos, no Brasil, no entanto, no havia um movimento to organizado, com um projeto bem definido de rupturas e transformaes nas artes que se tinha at ento. A unidade ideolgica era a necessidade de mudar, sem muita preciso sobre o que mudar e onde mudar, conforme Paulo Mendes de Almeida. O iderio mesmo era o que de mais vago se possa imaginar. Verdade que constitua quase uma constante o sentimento nacionalista, o desejo de redescobrir, ou melhor, de descobrir afinal o Brasil. 148
Num primeiro momento, conforme Paulo de Almeida, imperou um modernismo de fachada e que permaneceu por alguns anos, pois, segundo o autor, no se compreendia que ser diferente ou extravagante no implicava ser moderno. Mesmo assim, a Semana de Arte Moderna teve grande relevncia tanto pelas pessoas que estavam envolvidas, como pela agitao que causou. Participaram da Semana em 1922 nomes como: Mrio e Oswald de Andrade, Graa Aranha, Ronald de Carvalho, Renato de Almeida, estes trs ltimos vindos do Rio de Janeiro, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Emiliano Di Cavalcanti. Enquanto os pintores do Palacete Santa Helena no possuam propostas manifestadas claramente, a Famlia Artstica Paulista, de acordo com Mendes de Almeida, no tinha a inteno de ser modernista, apenas procurava restabelecer um certo equilbrio, prevenindo-se contra os desvarios e facilidades cometidos em nome da liberdade de expresso, o que podemos dizer ser a arte de expresso nacional que nascera da indiferena, como prope Srgio Buarque. Ainda conforme o Mendes de Almeida:
A Famlia Artstica Paulista, portanto, nada tinha, na inteno, de revolucionria. Nem se poderia, tampouco, rotular de passadista. Pensava em realizar uma arte contempornea, que se prevalecesse das lies do passado, ao invs de com le romper. No processo evolutivo das artes plsticas no Pas, proferia uma palavra de prudncia, representando, se assim se pode com propriedade dizer, uma pausa para meditao, no sobredito processo. Significava, sobretudo, uma
148 ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 12.
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atenuao no sentido polmico do movimento coletivo que tivera incio com a Semana de Arte Moderna de 1922, se insurgindo, j agora, contra os preconceitos modernistas. 149
O historiador Srgio Buarque de Holanda no gostaria do termo empregado por Mendes de Almeida quando este menciona o processo evolutivo das artes plsticas no pas, o que nos conduz a pensar que a arte moderna estaria no mais alto nvel de evoluo se comparada arte que se produzia at ento, a arte acadmica ou conservadora, o que no faz sentido para Srgio que criticava a mentalidade positivista. Havia uma grande dificuldade de se conviver com o novo, raros eram os artistas modernos que alcanavam o sustento atravs do prprio trabalho, num meio de poucos interessados, de raros colecionadores, sem museus atuantes. O pblico no acompanhava este desenvolvimento seno lentamente, conforme Walter Zanini. Faltava uma infra-estrutura cultural tanto ao artista como ao pblico. Muitos artistas exerciam funes paralelas e apenas alguns deles conseguiram ter acesso s oportunidades oferecidas em mbito estatal, como Portinari, por exemplo. 150
Modernistas como Anita Malfatti, Antnio Gomide, Alberto da Veiga Guignard, Waldemar da Costa, Nlson Nbrega, Axl Leskoschek, Bruno Lechowski, Yolanda Mohalyi e muitos outros davam aulas para garantir o sustento, enquanto que boa parte dos pintores do Palacete Santa Helena dedicavam-se decorao de casas. 151
Pelo fato de os pintores do Palacete Santa Helena conceberem arte como profisso que neste perodo, ao mesmo tempo em que estiveram envolvidos com outros pintores na Famlia Artstica Paulista, alguns participaram tambm do Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo 152 de 1937 a 1939.
149 ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 49-51. 150 Cf. ZANINI, Walter. op.cit., 1991, p. 23 e 25.
151 ZANINI, Walter. op.cit., 1991, p. 24, nota 9.
152 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 62 e 63. De acordo com Mendes de Almeida, em 1938, ocorreu o IV Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, o primeiro organizado com o novo nome. O ltimo Salo foi o XIII, realizado em 1949. Cf. LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 105, nota 9: O primeiro salo do Sindicato inicia a contagem em catlogo a partir do nmero 4. A terceira mostra, organizada ainda pela Sociedade Paulista de Belas Artes, ocorreu em abril de 1937. O Sindicato que tem origem em 99
O Sindicato nasce de uma experincia associativa anterior, precisamente da Sociedade Paulista de Belas Artes 153 , fundada em 1921, pelo professor Alexandre Albuquerque e mais alguns companheiros. Tal sociedade reunia artistas de So Paulo, atuantes nas mais diversas reas, como a pintura, escultura, desenho, gravura, com o objetivo de ampliar e difundir o gosto pelas artes, sobretudo atravs de exposies, conforme Paulo Mendes de Almeida. 154
A criao do Sindicato relaciona-se diretamente ao contexto poltico dos anos 1930, que no plano social estabelece nova legislao trabalhista, beneficiando uma srie de categorias profissionais. O objetivo, por parte Vargas, era cooptar os sindicalistas em rgos do governo para que pudesse monitorar a massa trabalhadora. Em 1937, tendo em conta a legislao trabalhista em vigor e os benefcios que dela poderiam, eventualmente, advir para os associados, transforma-se a Sociedade Paulista de Belas Artes em sindicato de classe, reconhecido pelo Ministrio do Trabalho: o Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, sob a presidncia de Alexandre de Albuquerque at 1940, ano de seu falecimento. Nesse momento, os pintores que participavam desta associao profissional foram elevados condio de artistas, o que constituiu um momento importante nas artes plsticas de So Paulo e, em especial, na carreira destes pintores, pois agora estariam assegurados em suas questes profissionais e, por conseguinte, econmicas.
1937 tambm conhecido por outros nomes, como Sindicato Nacional dos Artistas Plsticos de So Paulo Sinapesp e Sociedade Paulista de Belas Artes. 153 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 61-62: Em 1922, em meio aos acontecimentos que cercavam a Semana de Arte Moderna em So Paulo e associando-se s comemoraes do primeiro centenrio da independncia do Brasil, a Sociedade Paulista de Belas Artes organizou a Primeira Exposio Geral de Belas Artes, reunindo sessenta e cinco artistas, ali representados por duzentos e setenta e nove trabalhos. De acordo com Mendes de Almeida, a segunda ocorreu trs anos depois, em 1925, no Palcio das Indstrias, local onde bem mais tarde se instalaram a Assemblia Legislativa, mais especificamente de 1947 a 1968, a Secretaria de Segurana Pblica, na dcada de 1970, e a sede da Prefeitura da cidade de So Paulo, no perodo de 1992 at 2004. Alm das mostras peridicas, a Sociedade foi responsvel pela imposio do nome de Almeida Jnior ao antigo Largo de So Paulo, em que se localizava o ateli do pintor; pela criao de um Conselho de Orientao Artstica, em 1932, por decreto governamental; pela abertura de um curso livre de desenho em sua sede social e pela instituio oficial do Salo Paulista de Belas Artes em 1933; pela realizao do Primeiro Salo Paulista Infantil de Desenhos e Aquarelas, reunindo mais de trezentos trabalhos de crianas at 14 anos de idade, em 1934; e pela apresentao dos artistas de So Paulo na Exposio Farroupilha de Porto Alegre, em 1935. 154 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 61. 100
Desde o final da dcada de 1930, bem como nos anos seguintes, o ateli de Rebolo servira tambm de sede do Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, o que nos leva a pensar que o fato de dividirem o mesmo espao de trabalho no Palacete seria elemento facilitador para que participassem em tal associao, ainda que a condio de classe fosse decisiva para que tomassem parte neste projeto. Cabe destacar a atuao dos artistas ligados ao Palacete Santa Helena no Sindicato dos Artistas Plsticos. Viviam do trabalho como artfices, alguns componentes do grupo, como Francisco Rebolo, Aldo Bonadei e Mrio Zanini, ocupavam cargos de organizao e administrao de parte das mostras realizadas, na qualidade de membros do Sindicato. Entre os pintores do Palacete participantes desta agremiao, constavam: em 1937 e 1938, Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, Mrio Zanini e Alfredo Volpi; e em 1939, participaram tambm Clvis Graciano e Manoel Martins. No constavam desta lista os outros pintores que estiveram juntos com estes no Santa Helena, como Flvio Pennacchi, Alfredo Rullo Rizzotti e Humberto Rosa. A organizao dos artistas em sindicato tinha como objetivo a defesa e coordenao dos interesses profissionais e econmicos de todos os artistas que estavam na mesma qualidade de trabalhadores autnomos ou profissionais liberais. Tinham, portanto, o intuito, como associao de classe, de contribuir para a profissionalizao da atividade artstica, para que houvesse a legitimao da atividade profissional que desenvolviam. Os sales constituam a atividade tanto da Sociedade Paulista de Belas Artes quanto do Sindicato, mantendo basicamente o mesmo formato nos anos 1920 e 1930. A idia central dessas mostras coletivas era oferecer aos associados a oportunidade de expor, em um contexto em que as exposies individuais constituam quase um privilgio, inacessvel maioria dos artistas, mesmo porque no havia muito espao para exposio em So Paulo e os artistas interessados em faz-la, muitas vezes tinham que alugar salas ou expor em livrarias. Os sales abriam suas portas a todos os inscritos, sem seleo prvia de correntes e de orientaes, e isto permitia uma ampla participao de diferentes segmentos de artistas, e consistia num espao importante para que eles mostrassem os seus trabalhos e se expusessem, possibilitando o contato 101
com outros artistas e tambm com os crticos. O fato de no ter uma seleo de orientaes no significava que no existiam linhas e estilos caractersticos em cada um deles. Nos trs sales dos tempos da Sociedade Paulista de Belas Artes predominavam artistas de orientao acadmica ou conservadora, aqueles que se mantinham dentro das normas e do gosto do academismo, seguindo os modelos consagrados pela tradio, embora artistas mais comprometidos com as linguagens modernas tambm tivessem lugar nas exposies. Transformada a Sociedade Paulista de Belas Artes em Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, a cada salo mais e mais artistas de orientao esttica renovadora comearam a participar. Enquanto Sociedade Paulista de Belas Artes, a organizao se mostrava sempre adversa s tendncias do movimento renovador no campo das atividades artsticas. Talvez o prprio nome belas artes revelasse isso, de acordo com Mendes de Almeida. No entanto, isso no impedia que pintores que jamais pudessem ser considerados acadmicos, em qualquer fase, expusessem nos sales daquele tempo. 155
Conforme Paulo Mendes de Almeida , as resistncias, contudo, iriam se dissipar. E isso seria o fruto da atuao da Famlia Artstica Paulista que veio fluidificar o azedume no longo dilogo entre arte do passado e arte do presente, recolocando o problema em seus legtimos termos de arte de sempre. 156
Desse modo, no IV Salo, o primeiro organizado com o nome de Sindicato dos Artistas Plsticos, em 1938, alm dos referidos pintores do Palacete Santa Helena, Vittorio Gobbis tambm compunha o conjunto de artistas, juntamente com Anita Malfatti e Oswald de Andrade Filho, pintores de tendncia modernista, diferentemente, dos pintores que tinham suas razes artsticas no Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo e que constituam a maioria nesta associao de classe. Da por diante foi crescente a participao de artistas comprometidos nos movimentos de emancipao. No V Salo, realizado em 1939, a lista dos modernistas contou com a participao ainda de Antnio Gomide, Flvio de Carvalho, Clvis Graciano, Arnaldo Barbosa, Lvio
155 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 62. 156 ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 62. 102
Abramo, Paulo Rossi Osir, Manoel Martins e Waldemar da Costa, ou seja, elementos da Sociedade Pr-Arte Moderna (SPAM), do Clube dos Artistas Modernos (CAM) 157 , do Salo de Maio e da Famlia Artstica Paulista. No VII Salo, de 1942, pode-se dizer que a hegemonia passa a pertencer aos artistas modernos. Entre os expositores do Sindicato 158 constam no catlogo desta exposio como Comisso Organizadora: Jos Cuc, Aldo Bonadei, Mrio Zanini, Francisco Rebolo, Waldemar da Costa, e Bruno Giorgi. Expuseram tambm Ernesto de Fiori, Lucy Citti Ferreira, Lothar Charoux, John Graz, Walter Levy, Domingos Toledo Piza, Carlos Scliar, Pla Rezende, Rino Levi, Hilde Weber e alguns outros. Este Salo, instalado na Galeria Prestes Maia, em propores, foi maior que os que o antecederam. 159
A histria desses sales ao longo dos anos 1920, 1930 e 1940 acompanha a ascenso dos modernos, como afirma Lisbeth Gonalves, pois passaram a dominar as mostras. 160 E quando foram extintos a Sociedade Pr- Arte Moderna, o Clube dos Artistas Modernos, o Salo de Maio 161 e a Famlia Artstica Paulista, foi o Sindicato, com os seus sales, que promoveu
157 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 28 e 33: O Clube dos Artistas Modernos (CAM) foi uma sociedade fundada em So Paulo em 24 de novembro de 1932, um dia depois da Sociedade Pr-Arte Moderna (SPAM), por iniciativa de Flvio de Carvalho, Di Cavalcanti, Carlos Prado e Antonio Gomide, e a sede teve lugar onde os quatro artistas mantinham ateli. Havia uma certa rivalidade entre o CAM e a SPAM. O primeiro reagia contra o granfinismo da segunda, e encerrou suas atividades discretamente, tendo um tempo curto de atividades, mas de realizaes artsticas e culturais importantes. De acordo com Paulo Mendes de Almeida, o CAM era mais democrtico, com mais vivacidade, e a SPAM era mais aristocrtica, mais slida, mais sria. No entanto, tal afirmao deve ser mediada, j que Paulo Mendes de Almeida era componente fundador da SPAM, dentre outros intelectuais e artistas, como Tarsila do Amaral, Lasar Segall e Paulo Rossi Osir. Entre os scios fundadores tinham arquitetos, escritores, pintores, escultores, msicos e bailarinos. A primeira diretoria compunha-se dos membros: Paulo Mendes de Almeida, Olvia Guedes Penteado, Tarsila do Amaral, Chinita Ullman, Lasar Segall e Paulo Rossi Osir. Conforme Paulo Mendes de Almeida, a SPAM foi a principal precursora do MAM-SP. (tem-se a impresso que os nomes dos artistas viram sempre enumeraes no texto). 158 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 55-56 e p. 62-63. O Sindicato organizou entre 1937 e 1949, alm dos sales, exposies em bairros da periferia de So Paulo. O ltimo Salo do Sindicato foi o XIII, realizado em 1949, mas o XII, do ano anterior, foi considerado, segundo Paulo Mendes de Almeida, talvez a maior exposio organizada pela entidade, podendo-se dizer que foi uma exposio de arte moderna, pois o tom modernista era flagrante. Aps 1949, o Sindicato restringiu gradativamente suas atividades e pouco tempo depois deixou de existir. 159 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 62-63. 160 GONALVES, Lisbeth Rebolo. Movimento moderno nas artes plsticas - segunda metade dos anos 30. In: Os Sales: da Famlia Artstica Paulista, de Maio e do Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo. So Paulo: Museu Lasar Segall, 1976. [72 p.], il. p.b. color. 161 Cf. ALMEIDA, Paulo Mendes de. op. cit., 1976, p. 35-47: Os Sales de Maio ocorreram em So Paulo: o 1foi inaugurado no dia 25 de maio de 1937 e o 2no dia 27 de junho de 1938, ambos no Grill Room do Esplanada Hotel, j o terceiro ocorreu em 1939 e foi realizado na Galeria It. 103
importantes mostras, nas quais foram revelados alguns artistas e colocados outros em evidncia. Afinal, ao longo da dcada de 1940 so eles os nicos sales de arte em funcionamento na cidade de So Paulo. Os pintores do Palacete Santa Helena, alm de no terem participado do CAM e da SPAM, criados em 1932 no seio da vanguarda, no participaram tambm do I Salo de Maio, realizado no dia 25 de maio de 1937, no Esplanada Hotel de So Paulo e que era tambm um reduto vanguardista. No entanto, tomaram parte do II Salo de Maio, ocorrido no dia 27 de junho de 1938, novamente no Esplanada Hotel. Entre os participantes, dois deles eram pintores do Palacete Santa Helena, Alfredo Volpi e Francisco Rebolo Gonsales. J no III Salo, realizado no segundo semestre de 1939, na Galeria It, participaram, entre outros, Clvis Graciano, Francisco Rebolo Gonsales e Fulvio Pennacchi, o que demonstra que ano aps ano eles foram conquistando espao entre os vanguardistas e os locais que antes os rechaavam. Desse modo, nota-se que tanto o CAM como a SPAM eram redutos dos modernistas, alm de crticos e mecenas prximos a estes artistas, como Paulo Mendes de Almeida e Olvia Guedes Penteado, por exemplo, como participantes da SPAM. Paulo Rossi Osir seria o elo, por assim dizer, entre estes artistas e os pintores do Palacete Santa Helena, portanto, teve papel importante na carreira como divulgador, de certo modo, dos pintores e de seus trabalhos. Segundo Mrio de Andrade, estes artistas eram comprometidos com uma situao de classe, com uma ideologia, para eles arte profisso. Paulo Mendes de Almeida procurou, de certo modo, opor a Famlia Artstica ao movimento de 1922, dizendo que os artistas da Famlia deram a contribuio do mtier. Mrio reconheceu o novo na Famlia Paulista e este novo, acredita Flvio Motta, tido como uma nova situao para o homem nos processos de transformao. Mrio reconhece a simplicidade em arte e em origem nestes artistas. 162
Buscavam, por intermdio da pintura, uma nova qualidade que substitusse as rduas exigncias do trabalho, impostas pela condio proletria. Se por um
162 Cf. MOTTA, Flvio. op cit., 1971, p. 140. 104
lado, passar de pintor de liso a pintor de quadro, pode corresponder a um enobrecimento, por outro lado se verifica a depurao do ofcio em ntima relao com uma temtica dada a luxos. Pois o prprio Mrio de Andrade notou que esses pintores da Famlia Artstica Paulista, quando pintavam a natureza-morta, no a temtica da fome, pura e simplesmente na sua brutalidade, mas sim, refinamentos com frutas nobres, peras, mas e uvas, que mais condizem com o empenho em vencer as carncias do meio. E nas paisagens notou a predileo pelas casinhas e chacrinhas suburbanas, a pequena propriedade de justificadas aspiraes. Compreendiam o mundo que os cercava, como a resultante de penosas conquistas do trabalho. Procuravam avanar com os recursos que dispunham. Propunham, a partir dsse universo circundante, revaloriz-lo com os meios tcnicos e sugestivos da pintura. 163
Para os pintores do Palacete a unio em torno do Santa Helena era mais uma questo de solidariedade no trabalho e exerccio das habilidades tcnicas do que de especulaes estticas, como acredita Flvio Motta ter sido a congregao destes pintores entre outros na Famlia Artstica Paulista. Pela origem social e pela condio de artfices que estes pintores estiveram juntos pelo perodo de 1935 a 1940 no ateli do Palacete.
163 Cf. ANDRADE, Mrio. op. cit., 1939, p. 137-138. 105
1.4 Operrios, proletrios, artesos
A preocupao tcnica que estes pintores tinham, devido formao, constitua um aspecto nem sempre valorizado pelos pintores vanguardistas, como aponta Ajzenberg 164 , e que lhes rendeu algumas nomeaes por parte da crtica da poca. Mrio de Andrade tanto os denomina operrios, proletrios, bem como artesos no texto em que escreve em 1939, Esta Paulista Famlia, por ocasio da II Exposio da Famlia Artstica Paulista, em que figuraram os pintores do Palacete. Na literatura sobre estes pintores, observamos que as denominaes que os autores utilizam quando se referem a eles baseiam-se nas definies que remontam a Mrio de Andrade, ou seja, aos conceitos artesos, operrios e proletrios que o crtico menciona em seu texto. Mayra Laudanna os trata como artesos, Elza Ajzenberg e Maria Ceclia Frana Loureno, como operrios, Mrio Zanini os denomina proletrios. Sendo assim, so trs os conceitos que os definem e so aqui discutidos: arteso, operrio e proletrio, pois se sabe que a crtica enquadra coisas distintas numa mesma categoria generalizante, de certa forma, reconstri a gnese de uma naturalizao. Em todo material bibliogrfico consultado nos deparamos com estes conceitos que no foram questionados ao longo dos anos em estudos e pesquisas, mas que se cristalizaram como algo resolvido. No s por conta disto necessria uma reviso destes conceitos, mas inclusive porque neste momento, no contexto da cidade de So Paulo, abordar conceitos como estes, ligados ao trabalho e ao trabalhador, faz-se mais que necessrio. A depresso americana, que afetou a economia mundial a partir de 1929, bem como a Revoluo de 1930, a partir da qual Vargas descentraliza o poder distribudo at ento entre as elites regionais, atingiram em cheio os cafeicultores brasileiros, ocasionando a desestabilizao do setor agrcola. A partir de 1930, a sociedade brasileira viveu importantes mudanas. Acelerou-se o processo de urbanizao j iniciado no sculo XIX, em especial por conta dos fluxos migratrios para o pas. Alm disso, a industrializao se tornou crescente e um dos principais objetivos de avano para Vargas, lugar
164 Cf. AJZENBERG, Elza. O Grupo Santa Helena In: GONALVES, Lisbeth Rebollo (org.). A modernidade no sculo XX. So Paulo: ABCA: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2007, p. 141. 106
at ento ocupado pela agricultura de caf. Neste contexto a classe operria cresceu muito e Vargas, com uma poltica de governo dirigida aos trabalhadores urbanos, tentou atrair o apoio dessa classe que era fundamental para a economia, para a indstria que se tornou a nova fora motriz do pas. A criao do Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, em 1930, resultou numa srie de leis trabalhistas. Parte delas visava ampliar direitos e garantias do trabalhador: lei de frias, regulamentao do trabalho de mulheres e crianas. Todo esse processo de desenvolvimento, no Brasil, foi acompanhado por uma verdadeira revoluo cultural e educacional que acabou garantindo o sucesso de Vargas na sua tentativa de transformar a sociedade. De acordo com Antnio Candido, no foi o movimento revolucionrio que comeou as reformas do ensino, mas ele propiciou a sua extenso para todo o pas. 165
Em decorrncia do crescimento da populao urbana, promovido tanto pelo xodo rural, j que o caf deixara de oferecer a quantidade de postos de trabalho como antes, bem como pela chegada de imigrantes, em sua maioria europeus, especialmente italianos, houve tambm a necessidade de crescimento da construo civil para alojar a quantidade de pessoas que aqui chegavam, ampliando, assim, a estrutura da cidade. J na passagem do sculo XIX para o sculo XX se pde notar como o desenho era especialmente importante, no somente por conta da construo civil, para se engenhar, mas tambm para a fabricao de mveis. No final do sculo XIX e incio do XX, o desenho era tido pelas leis de Rui Barbosa como a nica forma para a educao, pois por meio de seu aprendizado era possvel se ter uma profisso.
A idia de popularizao do ensino de arte, com nfase no desenho, e sua adaptao para o trabalho industrial podem ser encontradas nos projetos de Ensino Secundrio e Primrio [1882 e 1883], de Rui Barbosa. Entendia Rui Barbosa que a arte aplicada um talism [que] improvisa, nos Estados que a esposam, a mais deslumbrante opulncia, pois possibilitaria a independncia e a dignidade das classes operrias. 166
165 CANDIDO, Antnio. A Revoluo de 1930 e a cultura. So Paulo: CEBRAP, 1984, p. 28. 166 LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 19. 107
De acordo com Laudanna, esses discursos parlamentares caracterizavam as discusses ocorridas nos anos finais do Imprio e apontavam a educao do povo e sua conseqente profissionalizao, como a soluo de todos os problemas da sociedade brasileira. O Conselheiro Carlos Lencio da Silva Carvalho e Andr Rebouas, entre outros, tinham a mesma crena e, inclusive, Rebouas pensava tornar obrigatrio o ensino de desenho geomtrico. Desse modo, em diversas regies do pas, havia um movimento favorvel educao popular com a finalidade profissional e foi neste contexto ento que a Sociedade Propagadora de Instruo Popular, criada em 1873, se transformou em Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo em 1882. Conforme Laudanna, foram registradas discusses acerca da necessidade da alfabetizao para a populao desde 1870, o que se estendeu nos anos seguintes com a questo urgente da implantao no Brasil de uma educao que orientasse o homem para o trabalho, como o ensino da arte aplicada indstria. 167
O desenho constituiu-se, ento, matria obrigatria no somente para a educao, mas o objetivo maior era o preparo de mo-de-obra para a prestao de servios na rea da construo civil e produo de mobilirio. Com isso, as atividades do Liceu ligadas s artes e ofcios, apoiadas financeiramente pelo governo, tiveram incio na rua Boa Morte, n17, no mesmo prdio onde funcionava a Escola Normal. 168
O Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo, idealizado por Ramos de Azevedo, cresceu enormemente com ele no comando nas dcadas de 1910, 1920 e 1930, em especial nas duas ltimas dcadas. Ramos de Azevedo, como engenheiro negociante, dominava a rea da construo civil. Ele no s trouxe a fundio para o Liceu como obteve dinheiro do Estado e conseguiu ainda um patrocnio da Condessa Penteado para o funcionamento de uma das salas da instituio. Ele promoveu um grande crescimento e desenvolvimento do Liceu que contava tanto com a verba do Estado como tambm de encomendas. Segundo Laudanna, no programa do Liceu havia o ensino de
167 Cf. LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 29, nota 1. 168 LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 19. 108
modelagem, escultura e estaturia, gravura, pintura, fotografia, caligrafia, desenho linear, de ornato, de arquitetura, de mquinas e msica. 169
Para que se pudesse produzir e entregar as encomendas, havia a necessidade de mo-de-obra e que esta fosse econmica e os aprendizes do Liceu se tornaram, ento, essa mo-de-obra disponvel. O ensino no Liceu exigia do aprendiz dedicao, estudo e trabalho. Num momento em que se tinha uma indstria manufatureira crescente, ingressar na rea das artes e ofcios era uma prerrogativa, ainda que as obras desses trabalhadores servissem tambm construo civil, decorao, pintura de parede. Alguns pintores vislumbraram na rea da construo civil e decorao uma forma de insero no mercado de trabalho, j que o crescimento da cidade de So Paulo contribuiu para o desenvolvimento deste setor. Desse modo, os pintores do Palacete Santa Helena iniciaram suas atividades desenvolvendo trabalhos ligados s artes aplicadas. Em So Paulo, os italianos que muito se envolveram com arte, construo civil e decorao. A imigrao italiana para So Paulo repercutiu no somente num aumento de contingente populacional, mas tambm de mo- de-obra e parte dela era mo-de-obra na rea artstica. De acordo com Laudanna, os pintores e escultores que exerciam este tipo de atividade nos anos 1930 eram tidos como artesos. A quantidade de obras escultricas encontradas em cemitrios, por exemplo, e que no so assinadas, embora tragam a marca da oficina e/ou fundio onde foram realizadas, o que diferencia as atividades do arteso e do artista, segundo a autora. Alm disso, outra evidncia da distino est nas obras destinadas indstria de construo, tidas como arte aplicada, pois esta considerada pouco reveladora da identidade do artista, por trazer a marca de trabalho cooperativo e utilitrio. 170
Para Loureno, a operosidade destes pintores advm do fato de serem provenientes de famlias operrias ou da pequena burguesia urbana e, antes de dedicarem-se exclusivamente aos trabalhos artsticos, realizavam uma diversidade de trabalhos artesanais, atuando como pintores de parede, de
169 Cf. LAUDANNA, Mayra. op.cit., 1999, p. 19. 170 LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 71. 109
placas, letristas. 171 Ajzenberg concilia sua opinio com a de Loureno e pelo fato de exercerem atividades de pintura decorativa, refere-se aos mesmos como operrios da pintura 172 , o que denuncia a posio desvantajosa por eles ocupada no cenrio artstico, rtulo estigmatizante. Os conceitos utilizados pelas autoras tm sua origem na crtica de Mrio de Andrade, o qual afirma que o que estes pintores tinham em comum era o fato de todos serem do povo, seno proletrios, pelos menos vindos de operrios ou de gente com pequenos recursos econmicos e culturais. Conforme o autor, neste grupo, em que predominavam descendentes de estrangeiros, estes pintores eram menos inventivos e mais se fortaleciam de excelente base tcnica. 173
Tomando como referncia terica a definio marxista de proletrio pode-se dizer que esta diz respeito classe dos trabalhadores assalariados modernos, que, privados de meios de produo prprios, se vem obrigados a vender sua fora de trabalho por um perodo determinado, sendo remunerado por um montante de dinheiro. 174
Paul Singer afirma que entre o trabalhador assalariado, ou seja, os operrios ou proletrios, estaria, por exemplo, o arteso sem ferramentas e matria-prima que s pode sobreviver como assalariado industrial ou manufatureiro, diferindo-o do trabalhador autnomo, no qual se inclui o arteso que confecciona ou repara com suas prprias ferramentas e matrias-primas, pois possui os recursos para trabalhar por conta prpria. Singer, deste modo, estabelece a diviso da totalidade dos trabalhadores em duas classes, como ele denomina: a pequena burguesia, composta por trabalhadores autnomos, e o proletariado 175 , composto pelos trabalhadores assalariados e afirma que ambos tm em comum o fato de viverem do seu prprio trabalho, ainda que
171 Cf. LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 61. 172 AJZENBERG, Elza. op. cit., 2007, p. 140. 173 ANDRADE, Mrio de. op. cit., 1939, p. 157. 174 Cf. MARX, Karl e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. So Paulo: Escriba, s.d., p. 22, nota de Engels edio inglesa de 1888. 175 Cf. SINGER, Paul. A formao da classe operria. So Paulo: Atual; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1985, p. 52: No Brasil o que ocorre durante a Repblica Velha (1889-1930) a formao de um semiproletariado agrcola e que se limitou a um ramo de atividade integrado na diviso internacional do trabalho. Conforme Singer, na medida em que avanava o capitalismo industrial na Europa, aumentava a procura por caf e a proletarizao de camponeses e artesos, parte dos quais acabava por vir ao Brasil e cultivar o caf a ser consumido na prpria Europa e Estados Unidos, o que promovia, por conseguinte, o crescimento das populaes urbanas. 110
parte da pequena burguesia conte com o auxlio de membros no remunerados da famlia e, ocasionalmente, de trabalhadores assalariados. De acordo com Singer, ambos os trabalhadores compreendem a quase totalidade das pessoas de baixa renda e parcas posses. 176
De um modo geral, Singer afirma que o proletariado que se forma no Brasil at 1920 era, em sua maioria, de servios, ou seja, funcionrios pblicos, ferrovirios, porturios, e que a minoria ocupada em estabelecimentos ditos industriais, conforme o autor, devia ser principalmente formada por operrios manufatureiros, isto , por artesos assalariados, trabalhando com ferramentas ou mquinas manuais. 177
Neste sentido, levando em conta a trajetria profissional dos pintores do Palacete 178 , pode-se dizer que a maioria deles no atuou como operrios ou proletrios, pelo menos enquanto estiveram juntos no Santa Helena, j que no estavam vinculados estabelecimentos fabris, mas dividiam o ateli como scios e estavam atrelados s atividades de pintura, tanto de cavalete como quela ligada decorao, pelas quais recebiam por empreitada e no por salrio. Alm disso, com os trabalhos que realizavam angariavam recursos para comprar ferramentas e materiais para que pudessem executar novos trabalhos. Este o caso de Rebolo, Zanini, Martins, Volpi, Bonadei e Rizzotti. Sobre a forma de trabalho, Martins afirma em entrevista que quando se vendia um quadro, metade do que se ganhava era usado para comprar tintas e tela, o restante era para a chopada, 179 o que demonstra que, alm de investirem o dinheiro na compra de materiais para o trabalho, ainda comemoravam a venda de uma tela, o que era um tanto difcil neste perodo em So Paulo. Rebolo diz em entrevista que vendeu o primeiro quadro mais ou menos em 1937 e que foi adquirido por um professor italiano de passagem pelo Brasil e que dava aulas de Literatura italiana na Universidade de So Paulo, professor Francesco Piccolo. 180 O segundo quadro, conforme Rebolo, foi adquirido pelo crtico de arte Sergio Milliet, o qual no tinha dinheiro e pagou
176 Cf. SINGER, Paul. op. cit., 1985, p. 4 e 5. 177 Cf. SINGER, Paul. op. cit., 1985, p. 58. 178 Ver breves perfis em apndices. 179 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 180 Tanto Rebolo quanto Pennacchi foram apresentados ao professor Piccolo entre 1935 e 1936. Cf. PENNACCHI 100 anos. op. cit., 2006, p. 132. 111
com livros. O terceiro foi adquirido pelo pintor Clvis Graciano. 181 Isto nos mostra que o que existia em So Paulo nesta poca era um comrcio de arte ainda incipiente e que estes pintores sobreviviam, portanto, de outros trabalhos, em especial aqueles ligados decorao, bem como ilustrao, cenografia e propaganda. Pennacchi, Rosa e Graciano, no perodo em que estiveram juntos no Santa Helena realizaram mais que uma atividade ao mesmo tempo. Alm de se dedicarem pintura como decoradores dividindo sala no Palacete, como os demais pintores, Pennacchi, por exemplo, possua um aougue em sociedade com o irmo, comprado em 1932, bem como, a partir de 1935 passou a desenvolver a funo de professor de desenho no Colgio Dante Alighieri. Rosa, ao mesmo tempo em que estava junto ao grupo, desempenhava tambm a funo de professor de desenho geomtrico, atividade que realizou na dcada de 1930 at 1940, ministrando aulas nos Colgios Bandeirantes, Sion e Dante Alighieri. J Graciano exercia a funo de fiscal de consumo, cargo burocrtico que comeou a desempenhar a partir de 1934, juntamente com a pintura. Nestes trs casos, estes pintores, alm de serem trabalhadores autnomos, como os demais, possuam ainda trabalho assalariado, Pennacchi e Rosa como professores, o que os caracteriza como profissionais liberais, e Graciano como funcionrio pblico, o que o define como operrio e proletrio. De modo geral, os pintores do Palacete ganhavam dinheiro com os trabalhos como artfices e com obras que, depois de alguns anos, conseguiam comercializar. Dedicaram-se em grande parte decorao, pelo menos num primeiro momento de suas carreiras, pois havia oferta abundante de trabalho na cidade e eles tinham algumas dificuldades em vender as suas obras. Mrio Zanini afirma que alm de se encontrarem no ateli coletivo para compartilhar e treinar o desenho de modelo vivo, queriam ir alm da pintura de ornatos nas residncias da cidade, ainda que este fosse o trabalho do qual dependeram por um longo perodo. 182
Antes de se unirem no Palacete Santa Helena estes pintores, alm de desenvolverem atividades ligadas pintura de cavalete, decorao e servios,
alguns deles ainda trabalhavam como empregados de determinados estabelecimentos. Rebolo exerceu atividade como jogador de futebol de 1917 at 1934 e concomitante com esta profisso abriu um escritrio-ateli em 1926, deixando de ser assalariado e transformando-se, portanto, num trabalhador autnomo, a partir de 1934, quando deixou o futebol e passou a se dedicar apenas atividade como pintor. Os outros pintores associaram-se a Rebolo no Santa Helena a partir de 1935 para trabalharem no atendimento de encomendas de decorao e praticarem a pintura. Zanini que trabalhava com Rebolo em seu ateli desde 1933, desenvolveu atividades, na dcada de 1920, como copiador de pinturas antigas e letrista da Cia. Antrtica Paulista, adquirindo autonomia quando alugou a prpria sala em 1936 para dividir com Martins e Graciano. Martins trabalhou como ourives e relojoeiro e realizou trabalhos como pintor, escultor, xilgrafo e ilustrador de livros, revistas e jornais antes de se unir aos demais pintores do Palacete, onde ganhava por empreitada, como trabalhador autnomo. Graciano foi empregado da Estrada de Ferro Sorocabana com a tarefa de pintar postes, porteiras e tabuletas, na dcada de 1920, portanto, um trabalhador assalariado neste perodo. Volpi desenvolveu trabalhos como entalhador, marceneiro e encadernador, antes de se dedicar pintura, tanto de cavalete como pintura de interiores e ornamentaes, nas quais trabalhava por encomenda, como autnomo, e no mediante um salrio. Trabalhou muito em construo no incio de sua carreira, na dcada de 1920. Segundo o pintor, esse era um perodo que tinha muita decorao. Em entrevista, ele afirma que trabalhava somente nas decoraes e com aquilo que dava para ele poder pintar. De acordo com Volpi, quando ele realizava a decorao de uma sala, pagavam um conto de ris e com este dinheiro, antes de 1920, dava para passar quatro ou cinco meses sem pensar em nada, poderia pintar por conta dele, pois, como ele mesmo dizia, era moo e no tinha muitas contas a pagar. Ele considera esta fase de decorao em residncia sem importncia artstica alguma. 183 Mesmo assim, foi uma poca de aprendizado, possvel muito mais pela prtica dada pela execuo de decorao e pela necessidade de trabalho para o prprio sustento do que com estudos em escolas ou liceus, no caso de Volpi.
Pennacchi, tanto antes como depois de estar associado aos outros pintores no Palacete Santa Helena, no deixou de executar obras de decorao, ilustrao, bem como trabalhando na realizao de cartazes de propagandas. Fez vrios trabalhos de pintura de ornatos, afrescos e murais em edifcios pblicos e privados, residncias e igrejas, alm de ser proprietrio de um aougue 184 , trabalhando, portanto, como autnomo. Bonadei especializou-se como bordador e costureiro na oficina da famlia em 1920 e Rizzotti trabalhou como fresador, torneiro mecnico e mecnico de carro, antes de passarem a se dedicar pintura. Nesse caso, ambos realizavam atividades como assalariados antes de se unirem no Palacete Santa Helena. Ao contrrio de Humberto Rosa que antes de vir para So Paulo e se associar com os pintores no Palacete, trabalhava no interior como pintor decorador, portanto, realizando encomendas. Pelo que pudemos notar pela anlise das trajetrias dos pintores do Palacete Santa Helena, estes exerciam durante a semana e em horrio comercial as atividades de pintura de parede, ornatos e decoraes, tanto em ambientes pblicos como privados, prestando servios por encomenda. O horrio reservado aps o expediente, bem como nos finais de semana eram, portanto, destinados realizao de outros tipos de pintura, a pintura de cavalete, por exemplo. Nestes momentos que trocavam experincias, informaes, realizavam estudos de modelo, retratavam uns aos outros, realizam auto-retratos e saam para pintar ao ar livre, especialmente nos finais de semana. Em entrevista realizada por Lisbeth Rebollo Gonalves e publicada em 1973, os pintores do Palacete Santa Helena afirmam que nos finais de semana iam a campo para pintar So Paulo e seus arredores. De acordo com Mrio Zanini, ele e Rebolo saam todos os sbados e domingos para pintar, iam principalmente para o Canind. 185 Rizzotti afirma a mesma coisa, dizendo que iam principalmente aos domingos. ramos 2, 3 ou 4 e amos para o Canind pintar. Para o bairro do Limo, Bairro da Coroa, Indianpolis. A periferia de So Paulo. 186 Martins afirma que quando conheceu Volpi, Zanini, Rebolo,
184 Cf. PENNACCHI 100 anos. op. cit., 2006, p. 133. 185 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 186 GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 04/03/1971. 114
Pennacchi e Humberto Rosa tambm passou a ir com eles ao campo para pintar paisagens. 187
Quando podiam, estes pintores do Palacete Santa Helena saam da capital paulista para pintar ao ar livre, alm de retratar os arredores de So Paulo, faziam incurses pelas pequenas cidades vizinhas e litoral. 188 Existem vrias obras cujo tema a paisagem de So Paulo e os bairros da capital, bem como, de outras cidades, algumas prximas, outras nem tanto. Entre elas esto: Mogi das Cruzes, Atibaia, So Lus do Paraitinga, So Vicente, Itanham, Angra dos Reis, Campos do Jordo 189 , entre outras. medida que desenvolviam suas habilidades como pintores, participavam de exposies e passavam a sobreviver cada vez mais da pintura. A experincia que acumulavam com o ofcio de pintor aliada prtica que realizavam no ateli coletivo do Palacete, no que concerne aprendizagem e aperfeioamento tcnico dos pintores, foram fundamentais neste sentido. O fato de exercerem outras atividades, muitas vezes ligadas s artes aplicadas, como analisamos, rendeu a estes pintores a caracterizao equivocada como operariado. O fato de executarem trabalhos como artfices e tcnicos habilidosos e sobreviverem em grande parte deste ofcio, em especial quando j estavam juntos no Palacete, no justifica o uso do conceito operrio ou proletrio para denominar o trabalho destes pintores, pois, como analisamos, apenas Pennacchi, Rosa e Graciano, exerciam atividades como trabalhadores assalariados ao mesmo tempo em que participaram do ateli do Palacete, e mesmo nestes trs casos e conforme o conceito de proletrio de Marx e a referncia de Singer, o trabalho que apresenta este carter o de Graciano, funcionrio pblico e pintor ao mesmo tempo. Para Mrio de Andrade, os pintores do Palacete Santa Helena procuravam aprimorar o mtier com o interesse de possuir condies semelhantes do operrio qualificado, j que buscavam, por intermdio da pintura, uma nova qualidade que substitusse as rduas exigncias do trabalho,
187 Cf. GONALVES, Lisbeth Rebollo. op. cit., maro 1973. Entrevista realizada em 03/03/1971. 188 Ver anexos 15, 16 e 17. 189 Ver anexos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25. 115
impostas pela condio proletria. De acordo com Mrio, passar de pintor de liso a pintor de quadro pode corresponder a um enobrecimento. 190
No entanto, no que diz respeito a sobreviver de outros trabalhos, no somente os pintores do Palacete Santa Helena o faziam, Ajzenberg afirma que raros eram os artistas modernos que se sustentavam atravs do prprio trabalho 191 , havia poucos interessados em divulgar a arte e na poca no tnhamos institutos ou museus que tivessem estes propsitos. Desse modo, faltava aos artistas e ao pblico, ento, uma infra-estrutura cultural. Outros pintores tambm sobreviviam de encomendas que realizavam, alm dos pintores do Palacete Santa Helena. Portinari, Malfatti, Rossi Osir e Gobbis, por exemplo, esto entre eles e nem por isso h a referncia a eles como operrios ou proletrios. Laudanna acredita tambm que estes conceitos no se justificam no que diz respeito aos artistas analisados por ela: Raphael Galvez, Joaquim Figueira, Ado Malagoli, Manoel Martins e Mrio Zanini, j que freqentavam, em sua maioria, escolas tcnico-profissionais nos anos 1920, bem como comearam a trabalhar com decorao de parede, como Zanini e Galvez, retoque de fotografia, como Malagoli, ourivesaria, caso de Martins, e modelagem e fundio de peas, como Figueira e Galvez. 192
Mrio de Andrade em sua crtica tambm se refere aos pintores do Palacete como artesos, conhecedores da tcnica, dotados de excelente prtica do ofcio 193 . Tal fato nos leva a pensar que quando se referiu a estes pintores como operrios e proletrios, fez tal meno em sentido conotativo, em especial quando afirma que tinham uma psicologia de classe mais forte que a individual, a lio assimilada de um, logo eles transfundiam para a mais segura, disciplinada e genrica manifestao da tcnica: o artesanato, e o que tem de admirvel nessa transposio classista que estes pintores no copiavam nunca, mas como artistas verdadeiros, assimilavam o contedo dos exemplos. 194 Conforme Mrio, estes pintores eram tradicionalistas da tcnica, no entanto, artistas criadores, na pesquisa da expresso nova, buscando
190 Cf. MOTTA, Flvio. A Famlia Artstica Paulista. Revista do IEB-USP, 10: 137-175, So Paulo, 1971, p. 137. 191 AJZENBERG, Elza. op. cit., 2007, p. 141. 192 Cf. LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 71. 193 ANDRADE, Mrio de. op. cit., 1939, p. 157. 194 ANDRADE, Mrio de. op. cit., 1939, p. 157. 116
sempre fazer melhor. Podemos dizer, desta forma, que se tratava, ento, de um grupo de pintores comprometidos com uma situao profissional. Norbert Elias faz a distino entre arte de arteso e arte de artista, afirmando que a primeira definida como sendo uma produo artstica encomendada por patronos especficos, normalmente pessoas de nvel social, de status social superior. Neste tipo de arte h a subordinao da imaginao do produtor de arte ao padro de gosto do patrono e constitui uma arte no especializada. J o segundo tipo de arte, a arte de artista, constitui uma produo dirigida ao mercado de compradores annimos, a um pblico, no geral, de nvel igual ao do artista. Neste tipo de arte os compradores so mediados por agncias, tais como negociantes de arte, editores de msica, empresrios. H uma mudana na relao de poder em favor dos produtores de arte, significando que eles podem induzir o consenso pblico quanto a seu talento. H uma maior independncia dos artistas a respeito do gosto artstico da sociedade, paridade social entre o artista e o comprador de arte, h, portanto, neste sentido, uma democratizao. 195
Elias estava pensando na Viena do sculo XVIII e na situao de Mozart nesta sociedade. A So Paulo da dcada de 1930 apresentava um cenrio bem distinto, pois no oferecia um mercado de arte como j a esta altura se tinha na Europa, com ofertas diversas de obras, no havia se difundido amplamente o gosto pelo novo e o pblico comprador de obra de arte apresentava ainda preferncia pelos trabalhos de cunho tradicional. Conforme Laudanna, havia um cerco artstico delimitado por dois focos: as escolas de belas artes e os bares de caf e que cabia aos pintores romper. Isso se d com as experimentaes tcnicas dos pintores, o que contribui para estabelecer o novo e modificar a relao artista-arteso. 196
O desprestgio econmico e poltico dos cafeicultores a partir de 1929 e a ascenso de uma burguesia industrial que se fortalece desde ento, contribui para modificar este cenrio artstico que conta, especialmente, com pintores que se dispem a experimentar. Em So Paulo, a entrada de recursos, por um lado vindos de Assis Chateaubriand e de outro de Francisco Matarazzo
195 Cf. ELIAS, Norbert. Mozart: Sociologia de um gnio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p. 45-46 e 135. 196 Cf. LAUDANNA, Mayra. op. cit., 1999, p. 71. 117
Sobrinho, modifica totalmente o meio brasileiro. A institucionalizao da arte moderna se d na dcada de 1930, quando ocorre, especialmente a implantao dos museus MAM e MASP. 197
Tomando como referncia os conceitos de Elias para pensar sobre o trabalho dos pintores do Palacete Santa Helena na So Paulo da dcada de 1930, podemos dizer que enquanto realizavam encomendas atuavam como artesos, pois estavam sob o juzo de gosto daqueles que os contratavam. Como encomendas, consideramos as obras nas artes aplicadas, arte decorativa, como aquelas que Volpi e Zanini, ao lado de outros pintores, por exemplo, produziram na Osirarte, bem como as decoraes de espaos pblicos e privados que os pintores do Palacete realizavam. Os trabalhos que executavam fora deste contexto eram as obras que poderamos dizer constituir arte de artista, se houvesse a independncia dos pintores a respeito do gosto artstico da sociedade, bem como a mediao, a qual Elias se refere, entre artista e pblico consumidor, o que no acontecia no caso dos pintores do Palacete e que se tornava um obstculo na venda das obras. Nas dcadas de 1920 e 1930 a crtica de arte, segundo Laudanna, incentivava os pintores a usarem a cor tropical e o tema nacional, j no decnio de 1940, se atribua ao artesanato o incio necessrio e imprescindvel a todo verdadeiro artista. Sendo assim, podemos pensar que os pintores do Palacete Santa Helena, considerados pela crtica como exmios artesos nos anos de 1920 e 1930, em funo da formao e da preocupao com o aperfeioamento tcnico, dado pelo ofcio, so tidos como artistas na dcada seguinte. Por todos estes acontecimentos no bojo da sociedade local, pode-se dizer, desse modo, que foi em finais da dcada de 1930 e incio da dcada de 1940 que os artistas artfices do Palacete Santa Helena conseguiram um espao maior no cenrio artstico. A partir do final da dcada de 1930, os pintores foram pouco a pouco deixando o Palacete e passaram a no mais dividir o ateli comum. Mesmo assim no se distanciaram, continuaram mantendo relaes, e as obras de nmeros 22 e 23, de Fulvio Pennacchi, alm da imagem de nmero 24, reforam essa idia.
197 LOURENO, Maria Ceclia Frana. op. cit., 1995, p. 209. 118
22. Fulvio Pennacchi Bonadei pintando, 1942, grafite sobre papel, 31,8 x 18,7 cm
119
Na obra 22, de 1942, Pennacchi retrata Aldo Bonadei exercendo o seu trabalho como pintor, e na obra 23, ele retrata, no ano de 1943, os pintores Manoel Martins, Alfredo Volpi e Clvis Graciano tambm em suas atividades. J na fotografia de nmero 24, pode-se ver Fulvio Pennacchi e Alfredo Rizzotti no ateli de Pennacchi no Palacete Santa Helena no ano de 1943.
23. Fulvio Pennacchi Retratos de Manoel Martins, Alfredo Volpi e Clovis Graciano, 1943, nanquim sobre papel
120
24. Alfredo Rizzotti (de palet, direita) no ateli de Fulvio Pennacchi ( esquerda) no Palacete Santa Helena, em foto de 27-9-1943. Fonte: CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em So Paulo. So Paulo: SENAC: Imprensa Oficial, 2006, p. 195.
Zanini passou a repartir um ateli com Joaquim Figueira, Raphael Galvez e Mrio Levy, na Avenida Brigadeiro Lus Antnio, 62, enquanto Pennacchi, por volta de 1939, passou a ter novo local de trabalho, na Alameda Lorena. 198 Manuel Martins mudou-se para uma sala da Rua Bittencourt Rodrigues, prximo Praa da S. Rebolo permaneceu no Edifcio Santa Helena at 1952 e Zanini voltou para l em 1940, onde se fixou por muitos anos, parte dos quais dividiu sala com o pintor Arnaldo Ferrari. Foi ele quem por ltimo deixou o Palacete, em 1965, quando o imvel j estava muito decadente, sendo demolido em 1971 para dar lugar nova Praa da S. Ainda que no estivessem juntos no mesmo espao de trabalho, os encontros aconteciam com certa freqncia na sala de Rebolo, no ateli de Martins, na casa de Bonadei, no ateli de Bruno Giorgi na Praa Marechal Deodoro e em residncias de amigos comuns. 199
198 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 89, nota 37. Conforme depoimento do pintor Fulvio Pennacchi, dado a Walter Zanini em 18 de dezembro de 1985. 199 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 100-101. 121
Sobre a constante reconstruo do cenrio urbano da cidade de So Paulo, e que envolve a demolio do Palacete e seu entorno na dcada de 1970, Lvi-Strauss j havia feito suas consideraes quando chegou ao Brasil em 1935. De acordo com o intelectual francs, em sua estada por cidades americanas, como Nova York, Chicago e So Paulo, a passagem dos sculos para estas cidades constitui uma decadncia, pois no so apenas construdas recentemente, mas construdas para se renovarem com a mesma rapidez com que foram erguidas. Conforme Strauss, no so cidades novas contrastando com cidades velhas, mas cidades com ciclos. Ao comparar as cidades da Europa com as do Novo Mundo, ele afirma que enquanto as primeiras adormecem suavemente na morte, estas aqui vivem febrilmente uma doena crnica; eternamente jovens, jamais so saudveis, porm. 200
Esta constante reconstruo e, que implica uma destruio anterior, aponta para uma necessidade de inovao presente nesta sociedade, de renovar o espao urbano, de modernizar a cidade como se modernizam as mquinas, a tcnica, modernidade que se reflete, inclusive, nas relaes sociais urbanas. O prprio Palacete Santa Helena constituiu um smbolo da modernidade em So Paulo. Fazia parte, como pioneiro, de um projeto de modernizao da cidade, da construo de grandes arranha-cus. E ao mesmo tempo, tanto o Palacete e seus arredores na Praa da S, foram vtimas desta mesma modernizao, demolidos para darem lugar ao metr. Nos prximos captulos, pelas pinturas de gnero produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena, abordaremos a imagem da cidade de So Paulo, no perodo j anunciado, a partir de trs eixos temticos: os trabalhadores, tanto urbanos quanto rurais, as mulheres e o lazer. As anlises das obras dos pintores do Palacete sero conduzidas por meio da discusso conjunta de outras obras que compem o corpus da pesquisa. Trata-se das obras que apresentam consonncias em relao quelas que configuram o repertrio de imagens dos pintores do Palacete Santa Helena, tanto no que concerne forma quanto ao contedo, ressaltando as referncias pictricas utilizadas por estes pintores e as proximidades e dissonncias entre eles, bem como entre eles e os pintores envolvidos na discusso.
200 STRAUSS, Claude-Levi. Tristes trpicos. So Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 91-92. CAPTULO 2 OS TRABALHADORES DA CIDADE DE SO PAULO NOS ANOS DE 1935 A 1940
A cidade no conta o seu passado, ela o contm como as linhas da mo, escrito nos ngulos das ruas, nas antenas dos pra-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhes, serradelas, entalhes, esfoladuras.
talo Calvino, As Cidades Invisveis
A cidade de So Paulo do ltimo quarto do sculo XIX comeou a crescer, principalmente pela grande quantidade de imigrantes europeus, especialmente italianos, e tambm pela mudana de fazendeiros para a capital. Este fato contribuiu no s para o crescimento da cidade como tambm para a expanso do comrcio e da indstria. A cidade crescia sem planejamento. Os antigos prdios e igrejas que eram construdos em taipas passaram a ser demolidos para dar lugar a outros que se assemelhavam aos europeus, estes construdos com tijolos, o que foi introduzido pelos italianos. 201
Em 1900 comea-se a substituir a iluminao a gs pela luz eltrica. Com a expanso da economia cafeeira e com os meios de transporte mais rpidos poca, pela estrada de ferro So Paulo Rio de Janeiro, grandes companhias de teatro e pera puderam vir para a capital paulista. De acordo com Tarasantchi, nos primeiros anos do sculo XX, So Paulo tinha 240 mil habitantes, grande parte formada por fazendeiros, ex-escravos e imigrantes, em sua maioria, operrios, artesos e profissionais liberais. A cidade evolua rapidamente e, em 1911, So Paulo crescera tanto que sua populao girava em torno de 400 mil habitantes. Conforme Tarasantchi, o aspecto era de uma cidade provisria, tudo parecia incompleto e sujeito a contnuas remodelaes. A economia de So Paulo passa de uma fase agrria para uma fase manufatureira, seguida de uma era industrial. 202
Da mesma forma que a cidade, o ambiente artstico se desenvolveu na capital paulista e contou com a influncia de muitos estrangeiros desde o final do sculo XIX e no decorrer do XX. Muitos dos pintores dedicaram-se pintura
201 Cf. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Pintores Paisagistas: So Paulo, 1890 a 1920. So Paulo: EDUSP, 2000, p. 31. 202 Cf. TARASANTCHI, Ruth Sprung. op. cit., 2000, p. 31, 32 e 79. 123
de gnero, arte paisagstica, e retrataram a cidade de So Paulo e seu desenvolvimento, seu crescimento, sua urbanizao, industrializao e modernizao, que foram elementos fundamentais para as transformaes da cidade. Alguns italianos vindos para So Paulo em fins do sculo XIX e incio do XX, como Rosalbino Santoro, Antonio Ferrigno, Benjamin Parlagreco, Carlo de Servi, Alfredo Norfini, formaram a gerao de pintores italianos que trouxe o interesse em registrar trechos urbanos e cenas da fazenda, temticas qual aderiram mais tarde outros pintores, com o despertar do nacionalismo. Estes pintores tiveram que lutar contra alguns preconceitos, entre os quais a opinio de que suas pinturas eram inferiores dos franceses, pois tudo que fosse francs exercia grande atrao. 203 Os pintores italianos continuaram fixando-se em So Paulo. Alguns vieram antes da Primeira Guerra Mundial e grande foi o nmero dos que lecionaram no Liceu de Artes e Ofcios, lugar em que alguns chegaram a ter o seu ateli. Nos anos 1920 e 1930, em alguns momentos, a maioria da populao era constituda por imigrantes. Na capital paulista, os inmeros pintores estrangeiros trouxeram uma nova maneira de enxergar, pintar, construir, ajudaram, portanto, a representar a nossa identidade.
Um viajante observou que, em So Paulo, tinha por vezes a sensao de estar em uma cidade italiana, se considerasse antes de mais nada a sonoridade da vida social paulistana. Notava-se tal presena na imprensa (em que dominava o clebre jornal da colnia italiana, o Fanfulla, que chegou a disputar com O Estado de S. Paulo a maior tiragem do estado), na cozinha, na mentalidade empreendedora dos que vinham fazer a Amrica, nas indstrias nascentes e at na tradio operstica que se ia criando nos principais centros urbanos. 204
O escritor paulistano Antnio de Alcntara Machado, que participou ativamente das atividades literrias do Estado de So Paulo e que aderiu ao movimento modernista, abordou em seus contos a temtica da influncia
203 Cf. TARASANTCHI, Ruth Sprung. op. cit., 2000, p. 81 e 82. 204 CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em So Paulo. So Paulo: Senac: Imprensa Oficial, 2006, p. 166- 167. 124
italiana na cidade de So Paulo neste perodo. Alcntara Machado deixou registrado em sua obra Brs, Bexiga e Barra Funda as cenas do cotidiano do imigrante italiano, no que se refere especialmente integrao do estrangeiro em So Paulo. Os contos que compem o livro apresentam as figuras de um universo social e cultural rico, com a lngua italiana fazendo parte do cotidiano na cidade e muitas vezes misturada lngua portuguesa, o que contrariava a disciplina gramatical, constitua um impacto inovador e conferia o carter moderno obra. O conto Nacionalidade mostra no s o universo do trabalho do imigrante na sociedade paulistana, como o caso do personagem Tranquello Zampinetti, que exerce a profisso de barbeiro, mas tambm por meio dos personagens Lorenzo e Bruno, filhos de Tranquello, Alcntara Machado mostra que havia certa resistncia por parte dos filhos de italianos criados no Brasil em falar italiano, fato que pode ser explicado pelo preconceito com que os estrangeiros eram recebidos e tratados no Brasil.
O barbeiro Tranquello Zampinetti na rua do Gasmetro n 224-B entre um cabelo e uma barba, lia sempre os comunicados de guerra do Fanfulla. Muitas vezes em voz alta at. De puro entusiasmo. (...) Mas tinha um desgosto. Desgosto patritico e domstico. Tanto o Lorenzo como o Bruno (...) no queriam saber de falar italiano. Nem brincando. O Lorenzo era at irritante. - Lorenzo! Tua madre ti chiama! - Nada. - Tua madre ti chiama, ti dico! - Intil. - Per lultima volta, Lorenzo! Tua madre ti chiama, hai capito? - Que o qu. - Stai attento que ti rompo la faccia, figlio dum cane sozzaglione, che non sei altro! - Pode ofender que eu no entendo! Mame! Mame! MAME! Cada surra que s vendo. 205
205 MACHADO, Antnio de Alcntara. Brs, Bexiga e Barra Funda. So Paulo: Martin Claret, 2004, p. 69-70. Traduo: - Lorenzo, tua me te chama! Tua me te chama, te digo! Pela ltima vez, Lorenzo! Tua me te chama, entendeu? Fique atento que eu te quebro a cara, filho de um co imundo, que no s outra coisa! 125
O conto Sociedade tambm trata do preconceito dos brasileiros com relao aos italianos. - Filha minha no casa com filho de carcamano! A esposa do conselheiro Jos Bonifcio de Matos e Arruda disse isso e foi brigar com o italiano das batatas. 206 A obra de Alcntara Machado trata do conjunto das atividades dirias de homens, mulheres e crianas, tanto no que diz respeito ao trabalho quanto ao lazer em So Paulo. Seus contos, dispostos em pequenos blocos, assemelham-se a quadros que retratam cenas do cotidiano da So Paulo que vai se tornando uma cidade ao mesmo tempo moderna e modernista, no que diz respeito ao plano artstico. A prpria estrutura da obra de Alcntara Machado em pequenas narrativas por si s um elemento modernista. Neste sentido, forma e contedo esto afinados, abordam a modernizao da cidade de um modo modernista. A sociedade paulista teve vrias transformaes com a presena italiana, pois, neste momento, havia duas oligarquias concorrentes: a paulista, tradicional, quatrocentona, e a nova, italiana. De acordo com Campos e Simes, com a urbanizao e a modernizao da vida e das comunicaes, d-se uma mudana do sistema de poder, e a elite at ento dominante vai sendo obrigada a abandonar uma certa conscincia de atraso. Uma viso de mundo com forte apelo rural, aristocratizante e elitista v-se obrigada a ceder algum espao no cenrio econmico e sociocultural, em face do desafio proposto pela presena crescente de imigrantes enriquecidos. 207
Os grandes centros urbanos nascidos com a Revoluo Industrial transformaram profundamente a experincia e os modos de percepo de seus habitantes. O surgimento do novo tipo de metrpole, no incio do sculo XX, exigia novas tcnicas de representao artstica. A elaborao destas tcnicas se originou em So Paulo, cidade que tinha se tornado o centro econmico do pas, sendo a mais desenvolvida. 208
Dessa forma, o modernismo brasileiro partiu de uma cidade que nada tinha de extica, mas que constitua uma urbe, composta por uma diversidade cada vez maior de tipos sociais e de culturas, especialmente por conta das
206 MACHADO, Antnio de Alcntara. op. cit., 2004, p. 41. 207 Cf. CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). op. cit., 2006, p. 168. 208 Cf. BOLLE, Willi. A cidade sem nenhum carter: leitura da Paulicia desvairada de Mrio de Andrade. Espao & Debates Imagens e representao da cidade, Revista de Estudos Regionais e Urbanos - NERU, 27: 14-27, So Paulo, Ano IX, 1989, p. 14. 126
correntes populacionais migratrias e imigratrias que passaram a afluir para So Paulo e constituir a cidade, principalmente em busca de trabalho e novas condies de vida na capital do Estado. So Paulo uma metrpole que conta com a transformao de sua fachada, pouco a pouco, por influncia das tcnicas na construo civil e na arquitetura vindas da Europa, com o uso dos materiais preciosos, como o ferro e o vidro. Isso vai modificando a imagem de seus edifcios, principalmente a partir de 1950, e orientando a cidade para o progresso, para a modernizao, muitas vezes somente tida nas fachadas, enquanto a estrutura social da metrpole permanecia sem transformaes.
Se experimentamos um processo de urbanizao no pas inteiro, o processo de industrializao cultural aconteceu primeiro nas grandes metrpoles. A imagem das grandes metrpoles e de um padro metropolitano europeu influencia, por exemplo, a industrializao da cidade de So Paulo. Sentimos essa influncia na arquitetura do ferro, do vidro que vai se constituindo no centro velho. 209
As obras de Ramos de Azevedo, por exemplo, marcam um padro cultural na cidade de So Paulo que tem a ver com a perspectiva de um modelo europeu de pensar a cultura e de pensar a metrpole. Esse modelo fez com que a tecnologia, a partir da dcada de 1950, se tornasse um elemento imprescindvel para pensar os projetos culturais. A Torre Eiffel marca Paris como smbolo do sculo XIX, pois o processo de industrializao na Europa se instaura j neste sculo com o uso do ferro e do vidro. Em So Paulo, temos o viaduto Santa Ifignia como marco do uso do ferro na construo civil e na arquitetura, como marco da modernizao e da industrializao da cidade. So Paulo foi se constituindo como cosmopolita e o imaginrio da cidade enquanto tal tambm foi sendo construdo, a imagem da So Paulo como cidade brasileira de imigrantes e migrantes em busca de trabalho, o plo industrial e modernizador no qual ocorrem inmeras manifestaes, em especial dos direitos trabalhistas, os conflitos de classe, enfim, uma cidade com uma imagtica peculiar com relao ao restante do Brasil.
209 BORELLI, Slvia. Reflexes sobre cultura e comunicao de massa no Brasil. Mercado Global. Rio de Janeiro: Globo, n. 111, set. 2002, p. 45. 127
Por meio das pinturas de gnero produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena no perodo em que permaneceram unidos no ateli coletivo, compartilhando o mesmo espao de trabalho entre os anos de 1935 e 1940, analisamos como proposta a modernizao da cidade de So Paulo por estes pintores. As pinturas de gnero fazem referncia aos acontecimentos da vida cotidiana, nas quais observamos homens e mulheres dedicados a seus trabalhos rotineiros, a seus ofcios, nos espaos domsticos, em momentos de lazer, em festas populares, cenas da vida no campo e na cidade. O conjunto de obras analisadas contribui, portanto, para a construo da imagem sobre a cidade. Para Francastel a obra de arte no o reflexo de um real recortado antes de qualquer interveno do esprito humano em objetos conformes s nossas nomenclaturas. 210 O que est na tela no uma representao, mas uma sugesto, que oferece ao espectador uma possibilidade de interao, de interpretao, e apenas nessa relao que os sentidos da obra se realizam. A Arte, de acordo com Francastel, nos informa, em suma, mais sobre os modos de pensamento de um grupo social que sobre os acontecimentos e sobre o quadro material da vida de um artista e seu ambiente. 211
As telas que se seguem dizem respeito a So Paulo da dcada de 1930, mais especificamente do perodo de 1935 a 1940. O intuito foi examinar quais os temas que os pintores do Palacete Santa Helena analisados levantam, como sugerem a modernizao da cidade e a quais referncias pictricas se remetem em suas produes plsticas. Entre as pinturas de gnero encontradas no perodo pesquisado, pudemos notar temas significativos que contriburam para a construo da imagem de So Paulo. As obras produzidas pelos pintores do Palacete foram organizadas a partir de trs eixos: trabalhadores, mulheres e lazer. O item relacionado aos trabalhadores foi dividido em duas temticas: rural e urbano, pois as prprias obras nos indicaram essa segmentao. Desse modo, o assunto das pinturas de
210 FRANCASTEL, Pierre. A Realidade Figurativa: elementos estruturais de sociologia da arte. So Paulo: Perspectiva, 1973, p.17. 211 Cf. FRANCASTEL, Pierre. op. cit, 1973, p. 17. 128
gnero constitudo pelo mundo do trabalho, as mulheres inseridas nesse universo, e o tema do lazer como um momento de descanso e diverso, em que os personagens se dedicam a outras atividades que no ao labor. Por meio destas obras abordamos como temtica principal o trabalho e o no trabalho em So Paulo na segunda metade da dcada de 1930. Entre as produes plsticas dos pintores do Palacete Santa Helena no perodo de 1935 a 1940, encontramos pinturas de gnero de Alfredo Volpi, Fulvio Pennacchi, Francisco Rebolo Gonsales, Clvis Graciano e Mrio Zanini. Com relao s obras dos outros pintores do Palacete, como Aldo Bonadei, Manuel Martins e Humberto Rosa, encontramos neste perodo gneros de pintura que no as cenas do cotidiano, as pinturas de gnero, como eram conhecidas, mas outros. 212 J no que diz respeito a Alfredo Rullo Rizzotti, outro pintor que esteve junto com os demais no Palacete Santa Helena, encontramos obras em outros perodos, os quais no condizem com o recorte temporal aqui estabelecido. Os pintores do Palacete ao registrarem trabalhadores urbanos e rurais em suas obras, criaram um repertrio de imagens da cidade de So Paulo e do universo laboral neste perodo. Essas obras esto relacionadas necessidade da representao e da identidade do povo brasileiro, so imagens de orientao nacionalista, de descoberta e revelao do Brasil que mostram as razes do nosso pas, de So Paulo e do povo que auxiliou no seu desenvolvimento e crescimento, trabalhadores e trabalhadoras que participaram da construo da nao. A arte moderna enfatiza as questes nacionais e se configura como uma possibilidade de se libertar dos cnones acadmicos, e de manifestar o que somos, firmar a nossa diferena. De acordo com Mario Pedrosa, na Europa a arte moderna foi uma reao ao ideal naturalista tradicional na cultura do ocidente e a proclamao da autonomia do fenmeno artstico, at ento forado a servir e a subordinar-se a imposies de foras, interesses e fins
212 Entre as obras que encontramos destes pintores no perodo estudado e que remetem cidade de So Paulo esto as paisagens produzidas por Martins e Bonadei, as quais podemos observar nos anexos 1, 2 e 3 do captulo 2. J com relao a Humberto Rosa encontramos paisagens apenas sobre So Lus do Paraitinga, produzida por volta de 1939, como se pode observar na imagem 21 dos anexos do captulo 1. 129
extrnsecos. Conforme o autor, foi deixada fotografia a funo de documentar e copiar a realidade aparente desse mundo exterior. Os artistas, por sua vez, recusavam-se a continuar a servir, por meio de sua obra, religio, ao Estado, s Igrejas, ao Rei, aos prncipes, aos nobres, aos ricos. Conquistaram, assim, a sua independncia em relao ao mundo exterior, concentrando-se na pura abstrao criadora, o que promoveu um afastamento do ideal greco-romano. J no Brasil, conforme Pedrosa, o movimento modernista, depois do estrondo causado em 1922 pela Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de So Paulo, e com o olho em Paris, voltou-se para as coisas do prprio pas. 213
Para Ronaldo Brito, a Semana de 1922 representou o primeiro esforo para olhar o Brasil moderno e tambm para construir o Brasil moderno. Se na Frana, desde o impressionismo na segunda metade do sculo XX, a arte se manifestava contra a tradio, no Brasil, a Academia reinava todo este tempo. O nosso modernismo, de acordo com Brito, foi obrigatoriamente tardio e evoluiu marcado por ambigidades e inadequaes. Ao mesmo tempo em que buscvamos um sentido com a nossa vanguarda, com a afirmao da identidade nacional, a nossa razo de ser era a Europa. Por conta disto o autor afirma que no que diz respeito brasilidade, havia muito mais um clima do que um conceito que se impunha aos nossos artistas, algo que a modernidade europia repudiava, o primado do tema, a sujeio da pintura ao assunto. 214
Desse modo, para construir uma identidade visual brasileira era necessrio dar uma feio ao pas, para que se pudesse projetar o Brasil. Assim, a chamada cor local no era conseqncia ou um dos fatores do trabalho: era a essncia da pesquisa visual, dado que no deixava de ser at certo ponto contraditrio com a prpria modernidade. 215
Pela tica de Tadeu Chiarelli, a visualidade modernista brasileira est bastante afastada de qualquer corrente de vanguarda e muito mais prxima do realismo e naturalismo do sculo XIX no que concerne necessidade dos pintores modernistas brasileiros de continuarem captando a realidade fsica e
213 Cf. PEDROSA, Mario. Acadmicos e modernos. Otlia Arantes (org.). So Paulo: Edusp, 1998, p. 135-152. 214 Cf. BATISTA, Marta Rossetti e BRITO, Ronaldo. Modernismo. Rio de Janeiro: Funarte, 1989, p. 14-22. 215 Cf. BATISTA, Marta Rossetti e BRITO, Ronaldo. op. cit., 1989, p. 22. 130
social do Brasil para a criao de uma arte nacional e que indicasse suas origens. Chiarelli afirma que os artistas do modernismo brasileiro enriqueceram a iconografia do pas produzindo imagens de uma paisagem social muito vinculada ao naturalismo/realismo, o que constituiu uma nova possibilidade ao academismo local, no entanto, era totalmente contrrio ao que se entendia por modernista na Europa. O naturalismo e o realismo constituam tendncias conservadoras e reacionrias e que buscavam anular os avanos mais radicais das vanguardas europias, compondo, desse modo, o movimento de retorno ordem. 216
Os pintores do Palacete Santa Helena no tiveram por ponto de partida a Semana de Arte Moderna, mas produziram uma pintura com variadas referncias anti-acadmicas. Entre as referncias pictricas de seus trabalhos esto as obras de artistas como Paul Czanne, Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Diego Rivera, Victor Brecheret, Anita Malfatti, Lasar Segall. As obras dos pintores do Palacete Santa Helena se aproximam dos trabalhos destes artistas ora no que diz respeito temtica que levantam, ora quanto soluo plstica que desenvolvem. Por conta disto que investigamos e analisamos as obras destes pintores, pois quando buscvamos as referncias das telas dos pintores do Palacete, tanto no que diz respeito ao contedo abordado quanto aos aspectos formais das mesmas, foram nestes artistas citados que encontramos tais menes. O empenho em examinar as obras dos pintores modernistas tanto no que concerne s temticas que desenvolveram, quanto ao feitio de suas imagens, se deve ao fato de termos como questo para a investigao analisar de que maneira a filiao modernista das obras dos pintores do Palacete Santa Helena poderia estar vinculada modernizao da cidade. As obras examinadas ao longo desta tese, e produzidas num perodo marcado por um denso contexto poltico, mostram a cidade de So Paulo como o lugar da modernizao, com temas voltados para a figura humana e o seu mtier. A temtica dos trabalhadores algo que observamos ser recorrente nas obras dos pintores analisados enquanto estiveram juntos no Palacete Santa
216 CHIARELLI, Tadeu. Entre Almeida Jr. e Picasso. In: FABRIS, Annateresa (org.). Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994, p. 63 e 64. 131
Helena. Volpi, Pennacchi, Rebolo e Graciano foram os pintores que entre 1935 e 1940 abordaram o trabalho e os trabalhadores em suas obras, tanto na zona urbana quanto na zona rural de So Paulo. Desse modo, subdividimos o tema que diz respeito aos trabalhadores a partir destes dois temas tratados nas obras: o trabalhador urbano e o trabalhador rural.
2.1 Trabalhador urbano
Entre os pintores do Palacete Santa Helena, o trabalhador urbano foi tema das obras produzidas por Volpi, Rebolo e Graciano, no perodo de 1935 a 1940. Na tela 25, a obra Feira, pintada por Alfredo Volpi na dcada de 1930, aborda o trabalho urbano. Em meio rua de um bairro da cidade, uma multido se aglomera entre barracas cheias de produtos em exposio. Feirantes e compradores tomam conta de todo o primeiro plano da composio, elementos que se estendem at o segundo plano. As altas rvores, dispostas nas caladas, ladeiam a tela desde o primeiro plano at o segundo e formam uma espcie de tnel natural pelas copas que se unem, deixando uma pequena parte do cu azul mostra, localizado no centro direito da tela. neste pedao de cu que se localiza o ponto de fuga do quadro, construdo com a ajuda das rvores justapostas e que sugerem uma linha que converge para o ponto central da tela. O foco de luz est localizado principalmente neste ponto convergente em que vemos o cu, mas tambm est presente no primeiro plano da obra. Do lado esquerdo da calada vemos uma edificao alta, uma espcie de palazzo que nos lembra os prdios de quatro andares comuns na Europa. A feira bastante colorida, os elementos compositivos do quadro possuem cores vivas e uma paleta com tons misturados de cores que se interligam produzindo uma cena cujos elementos constitutivos no possuem um contorno definido. As figuras humanas que esto ao fundo da tela esto apenas sugeridas por meio de pinceladas curtas que do a idia de movimento, o que podemos notar no primeiro plano, em que o pintor tambm prope a agitao caracterstica das feiras livres, onde os ambulantes gritam, gesticulam, conversam, negociam e tentam persuadir o cliente na compra de seus produtos. Podemos notar que as 132
figuras do primeiro plano, mais ntidas que as do segundo, so negros, trabalhadores que deixaram de ser escravos ou possivelmente so descendentes de escravos e que foram substitudos nas lavouras pelos imigrantes europeus, em sua maioria italianos. Assim, estes trabalhadores negros afluem para a cidade em busca de emprego e trabalham onde encontram servio na So Paulo que se moderniza pouco a pouco.
25. Alfredo Volpi Feira, leo sobre tela, ass. dcada de 1930, 20,5 x 25,0 cm
Na tela 26, de Paul Czanne, podemos notar a Avenida em Chantilly, ttulo da obra produzida em 1888. Esta obra foi selecionada para a anlise comparativa com a obra de Volpi pelo fato de conter elementos que possivelmente serviram como referncia para a sua pintura. Ainda que Volpi tenha abordado o tema feira na cena do cotidiano que pintou nesta tela, enquanto que Czanne compe uma cena paisagstica de uma avenida em Chantilly, regio norte de Paris, a estrutura da composio aproxima Volpi do pintor francs. 133
26. Paul Czanne Avenida em Chantilly, 1888, leo sobre tela, 11 x 14 cm
O primeiro plano da obra de Czanne composto por uma avenida no centro da tela, a qual cercada por mata e rvores tanto do lado direito como do lado esquerdo da via. Esta avenida, que tem incio no primeiro plano, se prolonga at o segundo plano da imagem, o que podemos observar quando direcionamos o nosso olhar at o fundo do quadro. Entre o primeiro e o segundo plano h uma via que atravessa a tela na horizontal e corta perpendicularmente a avenida que, vista do observador, est na vertical. Esta ruptura do primeiro para o segundo plano tambm pode ser percebida pela disposio das rvores que margeiam tanto a avenida central, disposta na vertical, quanto a que corta esta via, colocada na horizontal. Alm desta via que corta a tela de um lado a outro e forma um cruzamento com a avenida central, um outro elemento separa os dois planos e funciona como uma barreira entre o primeiro e o segundo plano. Este elemento consiste numa pequena grade de cor verde que impede a passagem de transeuntes a partir da via que corta horizontalmente a tela e a avenida central. Da mesma forma que no primeiro plano, no segundo tambm a avenida est rodeada por mata e rvores altas, com troncos finos e compridos que 134
compem uma espcie de tnel natural, formado pelas copas das rvores de ambos os lados que se encontram bem acima da avenida, como na composio de Volpi, na tela 25. No entanto, Volpi coloca em cena o cotidiano de trabalhadores da cidade de So Paulo em mais um dia de labor, enquanto Czanne trata apenas da natureza, da cena paisagstica numa cidade do norte da Frana. Tanto Czanne quanto Volpi utilizam uma pequena parte da tela para compor o cu, que tem, em ambos os trabalhos, uma cor azul acinzentada, com algumas nuances em branco, no caso do trabalho de Volpi. Nas obras 25 e 26, os dois pintores utilizam o cu como elemento para compor, juntamente com o tnel natural formado pelas rvores, o ponto de fuga que auxilia na criao da profundidade, da perspectiva. No entanto, diferentemente de Volpi, Czanne em sua obra apresenta outros elementos que compem a perspectiva. Ao invs de um ponto de fuga somente, h dois: o cu no alto da composio e o tnel feito das folhas das rvores. Alm disso, a estrada que corta horizontalmente a tela e estabelece uma ruptura do primeiro com o segundo plano, tambm um elemento que Czanne dispe para criar uma perspectiva composta por planos justapostos, bem diferente da forma tradicional utilizada por Volpi. As obras 25 e 26 diferem ainda no que diz respeito s cores, pois enquanto Volpi faz uso de uma paleta mais colorida para compor a Feira, Czanne utiliza poucas variaes das cores verde, azul e bege em sua Avenida em Chantilly. No entanto, no que diz respeito s massas de tintas, temos uma disposio parecida em ambos os trabalhos, pois notamos a simplificao dos volumes, a sntese das formas, as quais so compostas por pinceladas curtas e em vrias direes, modo que tem como proposta gerar um certo movimento nos elementos da cena. Notamos tambm que tanto na obra de Czanne como na de Volpi, estas pinceladas pequenas e ligeiras so justapostas, marca da tcnica dos impressionistas. No entanto, de acordo com Gombrich, neste perodo Czanne j sentia que o que se perdera no impressionismo era o senso de ordem e equilbrio, que a preocupao com o momento fugaz os fez esquecer as slidas e duradouras formas da natureza. Desse sentimento de insatisfao, segundo Gombrich, nasceu o que chamamos arte moderna e a soluo que Czanne buscou levou em ltima anlise, ao cubismo, que se 135
originou na Frana 217 , e cuja soluo podemos notar j esboada nesta tela de nmero 26, o que a obra de Volpi ainda no apresenta. Em ambos os pintores notamos a composio densa, os volumes recortados, o que podemos notar mais em Czanne que em Volpi, a luz que produz um efeito material na tela, sem transparncias. As imagens destes dois pintores no so uma representao realista ou o retrato de impresses fugazes como foram exploradas pelos impressionistas, mas uma pintura da estrutura da cena, na qual o conhecimento da realidade se d no somente pela contemplao, mas inclusive pela pesquisa metdica. Na tela de nmero 27, pintada por Rebolo em 1936, temos a figura do Operrio, ttulo da obra. Essa figura masculina ocupa toda a extenso do quadro e coloca em questo a temtica do trabalho urbano na So Paulo moderna, com o surgimento do operariado. Este trabalhador de olhar distante, pensativo e semblante srio, parece estar num momento de reflexo. Alm de sua expresso facial, o fato de estar de braos cruzados sugere o no trabalho, o momento em que o operrio no est em sua labuta cotidiana. Tanto a indumentria do operrio como o fundo da tela possuem cores neutras e foram pintados, respectivamente, de cinza e bege em pinceladas longas e rpidas. Seu rosto levemente virado esquerda auxilia na construo da perspectiva da imagem e na sugesto de evaso do olhar, do trabalhador que est compenetrado em seus sonhos, quem sabe pensando em sua condio de operrio, desejoso por melhorias em seu trabalho, almejando uma vida melhor.
217 Cf. GOMBRICH, E. H. A Histria da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p. 554 e 555.
136
27. Francisco Rebolo Gonsales Operrio, 1936, leo sobre tela, 73 x 64 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
Tarsila do Amaral, em 1933, j havia produzido uma obra com a temtica dos Operrios, ttulo da tela 28. Neste quadro, Tarsila claramente aborda o trabalho urbano e industrial, pois coloca em segundo plano, no canto 137
esquerdo da tela, a imagem de chamins em cor cinza, uma das quais libera fumaa da fbrica em atividade. Estas chamins esto diante de uma construo em concreto armado, localizada mais ao fundo do quadro, em um tom de branco sujo, com formas simples e retas, nas quais esto dispostas janelas retangulares e simplificadas, uma ao lado da outra. O cu, em um tom de azul claro e vibrante, ocupa uma pequena parte da imagem, disposto acima da edificao que representa a fbrica.
28. Tarsila do Amaral Operrios, 1933, leo sobre tela, c.i.d., 150 x 230 cm, Acervo Artstico Cultural dos Palcios do Governo do Estado de So Paulo, Palcio Boa Vista, Campos do Jordo, SP
J em primeiro plano vemos os operrios, os quais compem tambm o segundo plano da tela, at o limite superior do canto direito do quadro. Juntos eles ocupam mais da metade do quadro e formam como se fosse uma pirmide, uma diagonal crescente que sugere a organizao do contingente crescente de pessoas vinculadas indstria. A justaposio dos rostos dos operrios sugere a profundidade, modo encontrado por Tarsila para construir a perspectiva nesta obra. So homens e mulheres, brancos, negros e mulatos, 138
brasileiros e estrangeiros, migrantes e imigrantes de vrias origens, que para So Paulo afluram para compor os quadros de operrios necessrios para o crescimento e o desenvolvimento das indstrias e se envolveram no processo de industrializao e modernizao da cidade. Esta massa popular, com o seu trabalho como operrios, promoveu no s o crescimento de So Paulo, mas tambm do pas. Conforme Salzstein, o sentimento moderno de Tarsila eminentemente otimista e por isso saudava em Operrios o advento, mesmo que tardio, da cidade industrial na paisagem brasileira. 218
Ainda que a temtica do trabalhador urbano, o operrio, seja a mesma nas obras de Tarsila e Rebolo, o pintor do Palacete Santa Helena, de modo diferente ao de Tarsila, no compe um batalho de operrios em sua obra, mas apenas um trabalhador consta em sua tela. Enquanto que Tarsila prope uma cidade industrial, com os trabalhadores organizados em fbricas, Rebolo sugere um trabalhador urbano tambm, no entanto, sua proposta de industrializao est justamente na ausncia de qualquer elemento que aponte claramente para isso. Os operrios de Tarsila esto todos com os olhares voltados para frente, para o futuro promissor de uma So Paulo industrializada e moderna, dispostos a participar deste processo todos juntos. O operrio de Rebolo um homem que tem o olhar de quem est absorto em pensamentos, fazendo reflexes sobre o seu trabalho, a sua vida, sobre o seu futuro. Sabemos que o trabalhador de Rebolo um operrio e enquanto tal seu espao de labor a cidade, contudo, este homem est de braos cruzados como que se refletisse sobre sua condio laboral. De maneira diversa de Tarsila que mostra certo otimismo no processo de industrializao, tanto para a cidade que cresce e se desenvolve, quanto para a populao, que passa a ter mais opes de trabalho, Rebolo com o seu operrio esboa uma certa angstia com a expresso pensativa do trabalhador. Sua expresso facial, bem como sua expresso corporal, apontam para uma insatisfao em sua situao de trabalhador que muitas vezes no acolhido pela cidade como cidado, como morador, mas apenas como empregado executando suas funes nas fbricas e nos servios prestados para a comunidade da cidade, enquanto sua
218 Cf. SALZSTEIN, Snia. A saga moderna de Tarsila. In: SALZSTEIN, Snia (org.). Tarsila anos 20. So Paulo: Galeria de Arte do Sesi, 1997, p. 11.
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moradia se localiza em bairros distantes do centro, nos arredores de So Paulo. O otimismo sugerido por Tarsila e a crena em uma So Paulo moderna com o apoio do trabalhador que participa deste processo podem tambm ser notados na poesia de Blaise Cendrars, So Paulo:
Adoro esta cidade So Paulo do meu corao Aqui nenhuma tradio Nenhum preconceito Antigo ou moderno S contam este apetite furioso esta confiana absoluta este otimismo esta audcia este trabalho este labor esta especulao que fazem construir dez casas por hora de todos os estilos ridculos grotescos belos grandes pequenos norte sul egpcio ianque cubista Sem outra preocupao que a de seguir as estatsticas prever o futuro o conforto a utilidade a mais-valia e atrair uma grande imigrao Todos os pases Todos os povos Gosto disso As duas trs velhas casas portuguesas que sobram so faianas azuis 219
Nesta poesia, Cendrars apresenta o seu olhar sobre So Paulo e para isso no se detm nas normas da lngua portuguesa, em especial no que diz respeito pontuao, pois coloca as palavras lado a lado e no utiliza vrgulas para separ-las nem quando elas seriam gramaticalmente necessrias. Essa liberdade caracterstica dos modernistas que reivindicavam novas experincias artsticas e literrias. A ausncia de vrgulas no poema de Cendrars transmite a idia de dinamismo, e parece ser este um recurso empregado para traduzir, semanticamente, a sensao de uma modernizao que se faz por atropelos, sem pausas, isto , por uma clere sucesso de feitos que alimentam o apetite furioso da cidade. Cendrars apresenta uma So Paulo que desejava ser moderna, na qual no havia, do seu ponto de vista, lugar para preconceito e nem menos tradio, j que a modernizao promove a ruptura com a tradio, com os costumes. A
219 MILLIET, Maria Alice et alii. Mestres do Modernismo. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo: Fundao Jos e Paulina Nemirovsky e Pinacoteca do Estado, 2005, p. 233. 140
So Paulo que Cendrars idealiza a cidade do trabalho e dos trabalhadores, da expectativa de que consigam construir dez casas por hora, o que sugere um modo industrial de produo em srie e, portanto, rpido, com o empenho de muitos trabalhadores. Outro pintor modernista que aborda em sua obra o tema do trabalhador urbano Candido Portinari. Em sua tela 29, Operrio, produzida por volta de 1934, notamos que o trabalhador a que se refere Portinari o homem negro direita do quadro. Nesta imagem ele faz a sua parada para o descanso, para se alimentar, pois observamos que com a mo direita segura um recipiente e com a mo esquerda segura uma colher, a qual leva boca. Este personagem est descalo como as outras figuras que compem a cena, e veste uma camiseta branca e uma cala em um tom de cinza claro. Ele est na companhia de sua mulher, disposta ao seu lado esquerdo, com um beb no colo que mama em seu peito. Ela est de saia branca e desnuda da cintura para cima, pois est amamentando o seu filho. Entre o homem e a mulher, h uma terceira figura, uma criana, no sabemos se menino ou menina e sua roupa branca. A famlia negra, em primeiro plano, est sentada no espao que pode ser o de uma vila operria, nos arredores das fbricas, pois no canto superior esquerdo do quadro vemos, em segundo plano, a fumaa de uma chamin de uma fbrica em plena atividade. Alm disso, outro elemento que refora essa idia a construo diante da qual esto sentados. No uma casa simples de um trabalhador que mora nas cercanias da cidade, mas uma estrutura recm-construda no entorno das fbricas que se instalaram na cidade, uma edificao nova para abrigar os operrios e suas famlias, para que assim estes trabalhadores perdessem menos tempo no deslocamento de casa ao trabalho e do trabalho casa, permitindo que os mesmos se dirijam rapidamente para casa para poderem se alimentar.
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29. Candido Portinari Operrio, c. 1934, leo sobre madeira, 32 x 39 cm, Coleo particular
De maneira diferente obra de Portinari e, em parte, tambm de Tarsila, Rebolo apresenta, em sua tela de nmero 27, um operrio branco. Tarsila, neste aspecto, privilegia em sua tela no s os homens como tambm as mulheres e mostra em sua obra brancos, negros, mulatos, bem como alguns imigrantes, os quais podemos identificar em meio a esse conglomerado de trabalhadores. Vemos dois homens de origem asitica, pois possuem os olhos mais puxados e a pele mais amarelada; outros operrios que notamos so os judeus, como podemos perceber pelos homens de barbas mais compridas que esto entre estes operrios; observamos ainda os europeus, os quais podemos identificar, especialmente, pelas figuras de pele clara, entre outros trabalhadores de outras origens. Tarsila ainda destaca em meio a esses personagens de sua tela de nmero 28, um operrio de culos em formato redondo e que lembra, de certa forma, a figura de Mrio de Andrade que usava 142
o mesmo modelo de culos. 220 Portinari, por sua vez mostra apenas negros em sua tela, mas no apenas o homem personagem desta sua obra, pois a mulher do operrio tambm aparece, juntamente com os filhos, o que sugere uma cumplicidade da famlia e a participao da mulher como trabalhadora tambm, no entanto, no espao domstico, cuidando dos filhos, do marido, do lar, enquanto o marido, como operrio, se incumbe de ser o provedor da famlia. Ainda que os trs pintores utilizem formas simplificadas para comporem os seus operrios nas telas 27, 28 e 29, Rebolo e Tarsila compem personagens com mais detalhes que Portinari, em especial no que diz respeito expresso facial dos trabalhadores. Enquanto o operrio de Rebolo tem um olhar ao mesmo tempo penetrante e reflexivo, os operrios de Tarsila encaram o observador com seriedade, com vistas ao dever de trabalhador, alienados sua condio, apenas voltados para as suas obrigaes, imbudos da responsabilidade de fazer desenvolver a cidade, o pas. Portinari, por sua vez, mostra em sua obra os trabalhadores com feies difusas, quase no notamos o semblante dos personagens que compem a cena, todos tm os rostos simplificados e seus pormenores no esto visveis, apenas esboados com traos rpidos. Este recurso parece sugerir a idia de anonimato, de que os negros em questo representam a camada de desvalidos, sem direito a nome, sem identidade. O operrio que se alimenta est de cabea baixa, sua ateno est voltada para a comida, para o alimento que lhe dar mais energia para prosseguir na jornada de trabalho. O trabalhador que Portinari mostra em sua obra no pra para refletir sobre sua condio, ele apenas se alimenta para enfrent-la, para continuar na labuta cotidiana e se inserir no mundo do trabalho fabril. Os braos cruzados do Operrio de Rebolo, alm de indicarem o no-trabalho, parecem traduzir certo descontentamento, atitude de reserva. O olhar fixo e a postura retrada (levemente curva) conferem ao operrio certo ar de insatisfao. Na tela 30, Rebolo aborda novamente o tema Operrios, ttulo da obra feita por volta de 1940. Nesta imagem vemos em primeiro plano e no centro da
220 Mrio de Andrade foi retratado por alguns pintores nas dcadas de 1920 e 1930, entre os quais Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Lasar Segall e Candido Portinari, como podemos ver nos anexos 4, 5, 6, 7 e 8. 143
tela uma figura masculina, bem ntida, enquanto no seu entorno observamos outras figuras, mais especificamente seis, as quais no so to ntidas quanto a figura central, o que dificulta, desse modo, a identificao de todas elas quanto ao gnero. Ainda assim, apesar desta dificuldade, podemos dizer que a figura que est do lado direito do personagem central parece ser uma mulher, pois notamos o cabelo mais comprido que o dos outros personagens. As duas figuras que esto no segundo plano tambm aparentam mulheres. Uma est mais ao meio, no fundo da tela, bem atrs do homem do primeiro plano, um pouco mais direita deste, e a caracterstica que a distingue como figura feminina sua sobrancelha fina demais para pertencer a um homem. Outra figura que nos faz pensar que se trata de uma mulher a que consta do lado esquerdo da obra, no limite do quadro, e que possui a feio difusa. Esta figura, apenas esboada, a qual conseguimos observar somente uma parte da sua cabea, apresenta o cabelo repartido de lado, do mesmo modo que o da mulher que aparece do lado direito da figura masculina central. Rebolo, desse modo, sugere que tanto homens como mulheres esto envolvidos nos trabalhos fabris e so empregados como operrios nestes estabelecimentos industriais que cresceram e se desenvolveram na So Paulo da segunda metade da dcada de 1930. Estes operrios trabalham nas fbricas, as quais podemos avistar no segundo plano, com suas chamins fumegantes, construes que se levantam diante de uma montanha que ocupa desde o centro at o lado direito da tela, onde encontra o limite no canto superior do quadro. Os telhados das edificaes formam ngulos e tomam conta de todo o segundo plano, indcio de industrializao em So Paulo, proposto por Rebolo, cuja cidade teve a paisagem transformada pelas fbricas e arranha-cus.
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30. Francisco Rebolo Gonsales Operrios, c. 1940, leo sobre tela
Observando a figura central e mais ntida da obra, notamos que ela nos remete a outras imagens 221 , as quais dizem respeito figura do prprio pintor. Uma destas imagens foi feita por Clvis Graciano em 1939 e refere-se ao retrato de Rebolo, a tela de nmero 6, e que consta no captulo 1; a outra, produzida pelo prprio Rebolo em 1941, diz respeito a seu auto-retrato, como podemos observar a tela de nmero 9 e que consta nos anexos deste captulo; alm disso, outra imagem que refora a idia de que a figura central do quadro 30 corresponde Rebolo a imagem que consta no anexo 10 deste captulo e
221 Ver imagem 6 no captulo 1 e anexos 9 e 10 do captulo 2. 145
que diz respeito a uma foto do pintor tirada na dcada de 1920 no campo do Clube Atltico Ypiranga, quando ainda era jogador de futebol. 222 Desse modo, pode-se dizer que Rebolo se coloca, ento, nesta tela na condio de operrio em meio a multido de trabalhadores, pessoas que ajudaram a construir So Paulo, que participaram do processo de modernizao da cidade, promovendo o seu crescimento e desenvolvimento industrial. Na tela 31, Emiliano Di Cavalcanti outro pintor que retrata o operariado. Seu quadro Operrios, produzido em 1933, mostra em primeiro plano um conjunto de trabalhadores todos virados para o observador, enquanto dois deles esto virados de costas para quem os observa. Estes dois trabalhadores so um homem, esquerda, e uma mulher com uma criana no colo, direita. Entre os trabalhadores que esto de frente para o observador, notamos a presena da maioria masculina e no meio destes constam duas mulheres, elas esto de frente para aquela de costas para o observador. Alm de homens e mulheres, as crianas tambm constam na obra, elas esto do lado direito da tela: o beb est no colo da mulher de costas e a criana maior est de p ao seu lado. Ao fundo da tela observamos algumas edificaes, vemos uma casa com uma janela bem no centro do quadro e em suas laterais, ainda no segundo plano, notamos outras construes, do lado direito observamos uma torre e algumas nuvens de fumaa, do lado direito, podemos ver algumas casas e no alto dos telhados outras nuvens. Os operrios diante das edificaes conversam, a disposio das figuras na cena sugere que eles estejam em assemblia, pois as pessoas de costas, de frente e de lado para o observador compem um crculo, esto reunidos para discutir alguma questo relacionada ao trabalho, condio operria. Todos esto atentos, enquanto a figura masculina que est diante do homem que se coloca de costas para o observador, gesticula, exerce a liderana no grupo de operrios. Ele usa
222 Sua carreira como jogador de futebol tem incio em 1917, quando contratado pela Associao Atltica So Bento como jogador semiprofissional. Em 1922 contratado pelo Esporte Clube Corinthians, em 1927 pelo Clube Atltico Ypiranga, de So Paulo, e em 1934 abandona a profisso de jogador de futebol e intensifica contatos com o meio artstico. Cf. GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 219-220 e 223.
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chapu, como a maior parte dos homens que conseguimos observar, e est com o brao esquerdo estendido, gesticulando enquanto fala.
31. Emiliano Di Cavalcanti Operrios, 1933, desenho, 36,5 x 43,8 cm
Com traos simples e de poucas linhas, Di Cavalcanti sugere a organizao dos trabalhadores na reivindicao de seus direitos, o surgimento do movimento operrio nas fbricas recm-instaladas, o universo do trabalho do povo brasileiro que se insere no espao laboral nas grandes cidades e que compem a classe operria que se forma. De acordo com Magalhes, Di Cavalcanti viveu tempos de ideais revolucionrios e chegou a ser preso por sua militncia e por suas idias polticas. O apreo do artista pelo movimento operrio e pelas causas socialistas levou-o a ingressar no Partido Comunista. 223 Di Cavalcanti, portanto, prope em sua obra um trabalhador ativo, que questiona a sua condio juntamente com os seus companheiros de trabalho. Na obra de nmero 30, Rebolo se aproxima da concepo da tela 28, de Tarsila do Amaral, bem como da de Emiliano Di Cavalcanti, de nmero 31, pois, tanto Tarsila quanto Di Cavalcanti apresentam em seus quadros no apenas um operrio, como fez Rebolo em sua tela 27, mas vrios, um pequeno conglomerado de trabalhadores. Alm disso, tanto na tela de Tarsila como na de Di, h a presena de edificaes em segundo plano e que fazem meno s
223 Cf. MAGALHES, Fbio (curador). Di Cavalcanti: cronista de seu tempo 1921-1964. So Paulo: CCBB e MAC-USP, s.d., p. 4. 147
fbricas, industrializao que cresce e que faz crescer a cidade no que diz respeito construo civil, s oportunidades de trabalho, ao aumento do nmero de trabalhadores, fato que ocorre tanto pelo xodo rural crescente como pelos movimentos migratrios e imigratrios para o Estado at ento. No entanto, h aspectos dissonantes entre as obras de Rebolo, Tarsila e Di. Os trabalhadores na tela de Tarsila (28) esto dispostos de modo diverso aos que constam nas obras dos dois outros pintores. Na tela 28, os operrios aparecem organizados em colunas e linhas, compondo uma espcie de pirmide, no se trata, pois, de uma reunio de trabalhadores, como se d na obra de Di. Nesta, os operrios esto reunidos em crculo, num amontoado de pessoas, maneira pela qual no conseguimos visualizar o rosto de todos os personagens da cena, pois alm de alguns deles estarem de costas para o observador, aqueles que se encontram mais ao fundo da tela no podem ser avistados, apenas o esboo das cabeas que fica ntido nestes casos. J na obra de Tarsila, todos os rostos esto visveis e a organizao dos trabalhadores mais parece um grfico, no qual estes rostos que constituem as coordenadas que apontam para um crescimento progressivo de trabalhadores de todas as origens, denotando, assim, o aumento do trabalho e a necessidade de um nmero maior de trabalhadores. Esta ordem na obra de Tarsila parece ter suas bases nos estudos demogrficos, nos quais as tabelas e grficos indicam o aumento crescente da populao em So Paulo, novos trabalhadores que afluem para a cidade em busca de melhores condies de vida. Diferentemente deste modo de organizao dos trabalhadores, em que os indivduos no interagem, apenas figuram na tela, todos organizadamente virados para frente, Di prope em sua tela (31) a reunio de indivduos que conversam, debatem, trocam idias, numa posio e num espao que gera discusso democrtica, talvez de interesses comuns, para refletir e discutir, quem sabe, sobre os assuntos relacionados ao trabalho nas fbricas, condies dos trabalhadores e direitos trabalhistas. Rebolo (30), por sua vez, que se coloca na prpria pele do operrio, est em meio a um conjunto de trabalhadores, no entanto, no esto organizados como nas obras de Tarsila (28) e Di (31), esto aleatoriamente reunidos. Ainda que estejam reunidos do lado de fora da fbrica, pertencerem mesma classe trabalhadora, mesma categoria de operariado no intervalo do trabalho, os 148
trabalhadores no se comunicam. A reunio destas pessoas no promovida para a discusso de algum assunto comum, cada uma das figuras olha para um lado diferente, no h afinidade entre eles, no h identificao entre estas pessoas. Ainda que estejam dividindo o mesmo espao laboral, no possuem um propsito comum, cada um executa seu trabalho sem estabelecer muito contato com os colegas de profisso. No esto preocupados em participarem de movimento de trabalhadores, no parecem interessados em dividir qualquer experincia, apenas realizam suas atividades cotidianas e voltam para os seus lares no fim do dia. A figura central e mais ntida na composio, no encara o observador, tem a mesma posio frontal, levemente voltada para a lateral, o mesmo olhar perdido e reflexivo da outra obra de Rebolo (27), produzida quatro anos antes desta. O operrio de Rebolo continua voltado para os prprios pensamentos, distante da realidade sua volta, matutando sobre sua existncia, insatisfeito com a condio de operrio, como notamos pelo seu semblante sisudo e concentrado. Desse modo, o descontentamento do trabalhador sugerido de formas distintas nas obras de Rebolo e Di. Enquanto o primeiro sugere a contrariedade pela expresso facial de seu operrio, o segundo prope trabalhadores mais ativos e participativos em busca de solues e mudanas. J os operrios de Tarsila parecem possuir uma atitude blas 224 com relao situao trabalhista, no demonstram reao, esto em estado de inrcia diante de sua condio, parecem no ter muita escolha com relao ao destino profissional, apenas aproveitar as oportunidades de trabalho que lhes aparecem. A imagem 32, feita por Graciano em 1940, tem como ttulo Graxeiro, trabalhador urbano presente nas fbricas e indispensvel para o bom funcionamento das mquinas. O graxeiro era o trabalhador encarregado de lubrificar peas de mquinas e motores, bem como empregado de ferrovia ou companhia de bondes que lubrifica mquinas e chaves de desvio de linhas. A sua figura est, portanto, intimamente ligada ao trabalho industrial, modernizao de So Paulo que com a aquisio de maquinrio para equipar as fbricas da cidade, acaba por necessitar deste tipo de operrio, uma nova oportunidade de trabalho que surge, gerando novos empregos.
224 Cf. SIMMEL, Georg. O Fenmeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 15. 149
32. Clvis Graciano Graxeiro, 1940
Nesta obra, Graciano representa o graxeiro em formas simples, com um quepe na cabea e o traje de trabalho todo sujo de graxa. A postura do graxeiro com a mo na cintura sugere que no esteja no exerccio de sua funo, mas num momento de descanso entre um trabalho e outro. Da mesma forma que Rebolo em sua obra 27, Graciano dispensa outros elementos compositivos em sua obra e apresenta o seu operrio neste quadro sem qualquer outra referncia cidade que se moderniza, utilizam para isso apenas a figura dos trabalhadores, pois tanto a figura do operrio na obra de Rebolo, como a do graxeiro em Graciano so suficientes para sugerir a modernizao de So Paulo com a presena da industrializao como mola propulsora neste processo. Na tela de nmero 33, Rebolo pinta dois trabalhadores em Esperando o Trem, ttulo da obra produzida em 1937. Nesta tela, a abordagem feita pelo pintor em torno da realidade do trabalhador urbano que mora no arrabalde de So Paulo e depende do transporte pblico para chegar a seu trabalho na cidade, assim como para se deslocar do centro at as reas mais afastadas de So Paulo. A tela composta por duas figuras, um rapaz e uma mulher, 150
sentados lado a lado numa estao de trem espera do transporte coletivo para o trabalho. O rapaz parece ser bem jovem, pois, alm de ter o aspecto franzino em comparao com a mulher a seu lado, est vestido com palet e cala curta, roupa caracterstica de garotos neste perodo. Ele usa ainda meias marrons, da mesma cor que a roupa, e sapato preto, e ampara sua cabea com a mo, num gesto de espera e como se ainda tivesse sono, pois pela cor acinzentada do cu parece ser ainda muito cedo. A mulher ao seu lado maior que ele e est vestida de saia cinza, blusa rosa e possui um leno na cabea num tom de rosa mais escuro que a blusa. Os ps esto descalos, indcio de uma condio financeira difcil. A mulher tambm ampara a cabea com uma das mos, o que demonstra sono, cansao e uma atitude de impacincia na espera pelo trem. No cho e entre as duas figuras vemos uma trouxa branca, o que se supe ser a comida que alimentar os trabalhadores em sua jornada fora de casa. Estas duas figuras esto em primeiro plano e no entorno dos mesmos vemos um muro branco que os separa do restante da estrutura da estao de trem com suas edificaes, elementos que compem o segundo plano. No canto esquerdo podemos notar o trilho do trem que juntamente com o prdio da estao compem as linhas de perspectiva. Ao acompanharmos a linha frrea, elemento compositivo to central na tela quanto as figuras em primeiro plano, nosso olhar dirigido at o fundo da tela. As cores utilizadas por Rebolo nesta composio so discretas, em variaes dos tons terrosos e cinzas, sendo apenas o muro e a trouxa com a marmita pintados na cor branca. Ainda que o cu acinzentado aparente o amanhecer do dia, h uma luminosidade em toda a cena. As pinceladas so rpidas, em movimentos que no seguem a mesma direo e as figuras so simplificadas, possuem poucos detalhes e definies. Rebolo nesta tela mais sugere do que evidencia, pois os elementos que constituem a cena tm um aspecto difuso, em especial as figuras humanas e o trilho do trem.
151
33. Francisco Rebolo Gonsales Esperando o Trem, 1937, leo sobre madeira, 44 x 36 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
Nesta obra, Rebolo sugere a modernizao especialmente pela presena do trilho do trem na cena, ele o elemento que aponta para a industrializao de So Paulo, para o elo entre o centro e a periferia, vnculo cada vez maior das reas mais afastadas com a cidade, uma dependncia crescente da zona rural para com a zona urbana, pelo fato de ser na cidade que os empregos passam a ser gerados com maior rapidez, nos meios de 152
produo, a fim de atender a demanda ascendente por produtos industrializados. Mrio Zanini produziu uma obra em 1939, Trecho de Linha 225 , que pela disposio dos elementos compositivos se assemelha bastante a esta tela de Rebolo, feita em 1937, pois ambos apontaram para a industrializao por meio do trecho de linha do trem que chega s reas mais afastadas da cidade por conta da modernizao. Tanto Rebolo quanto Graciano vinculam em suas obras a modernizao presena do trem, smbolo da industrializao. A linha frrea, o trabalhador que necessita deste transporte e o trabalhador necessrio para a manuteno, tanto do meio de transporte quanto desta estrutura frrea, so elementos que compem o cenrio da So Paulo moderna. Enquanto na obra de Graciano a figura do graxeiro no est inserida num cenrio ou paisagem, na tela de Rebolo, o pintor revela um ambiente simples, pacato, distante do centro da cidade, no qual as figuras esperam o trem. Desse modo, Rebolo nos faz pensar sobre os contrastes entre a cidade paulista, que passa por um perodo de crescimento, e a vida praticamente rural dos arredores da cidade, uma reflexo sobre o novo cotidiano. Por meio de traados simples e tons de cores que no so vibrantes, Rebolo sugere a quietude do arrabalde sendo transformada pela mquina que passa a fazer parte da paisagem. na periferia da cidade que ainda h a presena da tradio, do tempo que tem uma velocidade diferente daquela que caracteriza os grandes centros, algo que pouco a pouco vai sendo modificado com a modernizao que chega nessas regies, rompendo com as tradies, alterando a velocidade temporal. Nesta nova realidade h a presena do graxeiro tratado na obra de Graciano, figura que surge com a industrializao, profissional que passa a exercer suas atividades onde quer que os trilhos estejam dispostos na cidade e cercanias. Rebolo em sua obra, alm de abordar o crescimento, trata da melancolia que envolve os arrabaldes, com cores suaves cria, desse modo, uma cena harmnica. A mulher da tela de Rebolo tem alguma referncia com a que Portinari trata em sua obra de nmero 34, Colona sentada, produzida no ano de 1935. Ambas esto sentadas, de blusa, saia, leno na cabea e descalas. No entanto, na obra de Portinari, a colona est numa paisagem bem diferente da
225 Ver anexo 11. 153
de Rebolo, ela funciona nesta obra apenas como um complemento da figura, enquanto que na tela de Rebolo a paisagem impe-se ao pintor como uma necessidade. Na tela de Portinari, o elemento mais importante a figura em primeiro plano, a paisagem o pano de fundo para a personagem e constituda de um plano cinza claro que segue at o segundo plano e que forma com o cu de cor azul e branco, colocado acima no quadro, a linha do horizonte. No canto direito da obra, prxima linha do horizonte, observamos uma construo de traos simplificados e linhas retas, colocada em diagonal, o que ajuda a compor a perspectiva. Mais ao fundo da tela, notamos um pequeno monte que est posicionado na linha do horizonte, atrs da edificao e do seu lado esquerdo, o que auxilia na composio da noo de profundidade da cena. A figura da colona preenche a tela com a sua robustez. uma mulher forte, com ps e mos grandes, calejados, tpicos de trabalhador braal. Tanto a mulher de Rebolo como a pintada por Portinari possuem um porte fsico encorpado, de mulher matrona, me, esposa, mulher vigorosa que lida com a terra, com o trabalho domstico, tem dupla jornada. uma trabalhadora como tantas outras que precisam auxiliar no sustento da casa e da famlia, precisam trabalhar dentro e fora de casa. Portinari aborda por meio desta tela o trabalho feminino nos campos brasileiros, nas reas rurais de So Paulo. E mais, trata tambm do trabalho do imigrante, o tipo social que foi bastante retratado por Pennacchi, na dcada de 1930, como veremos mais adiante. Pela imagem desta mulher cuja moradia a colnia destinada aos imigrantes, trabalhadores das fazendas, da mesma forma que as vilas operrias na cidade abrigam os trabalhadores das fbricas Portinari ressalta o trabalho feminino no campo, necessrio para atender a demanda por produtos agrcolas e cuja presena como trabalhadora tornou-se cada vez mais comum na cidade que se modernizava.
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34. Candido Portinari Colona sentada, 1935, tmpera sobre tela, 97 x 130 cm, ass. c.s.d., Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Coleo Mrio de Andrade, So Paulo, SP
Nesta obra de Portinari, h a sugesto de modernizao da cidade no pela presena de elementos que faam referncia direta a isso, como a linha do trem na obra de Rebolo, ou mesmo a figura do operrio, nas obras dos outros pintores, mas pela ausncia destes elementos. A existncia da trabalhadora camponesa nos faz pensar na questo agrria, no campo em contraposio cidade, na agricultura para atender demanda da cidade que se avoluma e que aos poucos amplia o seu espao em direo ao seu entorno, englobando as cercanias e aproximando-se da zona rural. Portanto, ao analisarmos esta obra, podemos refletir sobre a modernizao a partir da necessidade crescente da mo-de-obra, feminina, inclusive, promovida pelo crescimento da cidade e pelo conseqente aumento de trabalho. Volpi, Rebolo e Graciano foram os pintores que na segunda metade da dcada de 1930 produziram obras nas quais constavam o trabalhador urbano, telas nas quais h uma tenso no que diz respeito transio do rural para o urbano e do incio da vivncia de uma modernidade a partir de um curto espao 155
de tempo. Enquanto Volpi aborda em sua obra o trabalhador ambulante, alguns negros, exercendo suas atividades laborais na feira livre da cidade, Rebolo e Graciano tratam do trabalhador que est intimamente ligado industrializao, pois o primeiro pinta os operrios e os trabalhadores em uma estao de trem, e o segundo pinta o graxeiro. So as percepes destes pintores sobre o moderno a partir do que as telas propem, a questo dos trabalhadores na urbe que se transforma. Estes personagens compem o cenrio da vida moderna, da So Paulo que vai se erguendo com a ajuda dos trabalhadores, brancos e negros, imigrantes e brasileiros, que juntos do origem classe operria e experienciam a vida na cidade moderna. Pode-se dizer neste tpico que h uma proximidade entre as obras dos pintores do Palacete Santa Helena e entre eles e os outros pintores analisados, em especial no que se refere temtica. J no que diz respeito aos aspectos formais, os pintores do Palacete, cada qual a seu modo, utilizam algumas referncias dos pintores com os quais suas obras foram comparadas, como: com Czanne, cuja composio pictrica pode ser notada na obra de Volpi; com Tarsila, mencionada por Rebolo pelo fato de ambos levantarem a mesma temtica, assim como com relao s obras de Portinari e Di Cavalcanti, de quem Rebolo est mais prximo, inclusive, no que concerne disposio dos elementos compositivos da cena. Quanto Graciano, a afinidade que h entre sua obra e a dos demais pintores refere-se mais ao contedo do que quanto forma. De modo geral, com relao ao tema que a assonncia entre estes pintores maior, j que em suas obras, notamos que os mesmos sugerem a industrializao e a modernizao a partir do trabalho e do trabalhador urbano, pela presena de figuras como o operrio nas imagens selecionadas. Mesmo quando pintam os trabalhadores urbanos, abordam a imagem de uma So Paulo sendo edificada por homens e mulheres simples, mas lutadores e que configuram o operariado paulista. Ainda que a tica destes pintores seja a da So Paulo urbana, no o espao fsico da cidade que est em destaque nas imagens analisadas, mas sim, a figura humana, os trabalhadores e trabalhadoras. A So Paulo que consta nas telas consiste, de modo geral, na cidade ainda tranqila, como, 156
inclusive, em outras obras dos pintores do Palacete 226 , a urbe sem a agitao que tomou conta da rea central, lugar densamente povoado, onde se concentravam residncias, vias de transporte, comrcio, instituies e reparties pblicas. Volpi, Rebolo, Tarsila e Di Cavalcanti que propuseram de maneira mais contundente, cada qual com suas peculiaridades, a modernizao ligada movimentao de pessoas, multido que tomaria conta da cidade dia-a-dia. Desse modo, pela anlise destas composies possvel afirmar que as mesmas apontam para uma modernizao s avessas, a qual se nota no por uma So Paulo vista a partir do grande centro urbano ou de reas movimentadas, industriais e modernas. Pelo contrrio, a partir de pinturas, nas quais o cenrio so bairros como o Alto da Cantareira, Vila Maria, Cambuci, Canind, Santo Amaro 227 , regies distantes da rea central e que na dcada de 1930 mais pareciam campos longnquos do que compondo a zona urbana. A partir dos temas por eles contemplados em suas obras foi possvel notar a imagem da cidade deste perodo histrico que os mesmos propem. De acordo com Flores Jnior, ao analisar o Prefcio Interessantssimo, escrito por Mrio de Andrade, este escritor modernista mencionou que a arte moderna no consistia apenas na descrio do mundo, mas que o carter moderno da obra de arte tem como uma de suas exigncias tanto o compromisso com o presente como a realizao esttica plena. Conforme Mrio de Andrade, a arte moderna
226 Ver anexos 3, 12, 13 e 14. O pintor Manuel Martins produziu uma obra bem diferente da de seus companheiros de ateli no Palacete Santa Helena, pois no perodo pesquisado sua tela Praa da S, pintada em 1940, a qual podemos observar no anexo 3, foi a nica dentre as encontradas que apresenta a agitao da cidade de So Paulo. Na tela de Manuel Martins, a praa retratada de modo a expressar a efervescncia urbana do centro da capital paulista. Com a paleta de cores variando entre o marrom, o bege, o ocre e o cinza, e com uma noo de perspectiva muito distinta daquela estudada e aprendida pelos acadmicos, o artista mostra o centro de So Paulo com todos os seus edifcios que compem juntos o cenrio de concreto e tijolo, num amontoado que impede a visualizao da linha do horizonte, j que se avistam apenas edificaes. Os arranha-cus impossibilitam a visualizao do cu nesta tela, pois eles tomam conta de todo o espao do quadro. Muitos carros esto estacionados na praa, o que sugere a industrializao no setor automobilstico, o consumo por parte da populao desse bem produzido pela indstria. A multido de pessoas que est logo em primeiro plano, no lado inferior do quadro, como que se esperasse em um ponto de transporte pblico, tambm contribui para a composio do cenrio da cidade que cresce e adquire cada vez mais este aspecto, uma paisagem composta por concreto, por edifcios que abrigam cada vez mais pessoas que migram para a cidade. As construes pouco a pouco vo tomando conta da cidade, deixando-a em tons de concreto. A Praa da S possua um efeito aglutinador, j que ali se localizavam vrias instituies e reparties pblicas, alm de ser o marco zero da cidade de So Paulo. 227 Ver anexos 1, 2, 15, 16, 17, 18, 19 e 20. 157
no se pode realizar seno por meio desta dialtica. 228
Escrever arte moderna no significa jamais para mim representar a vida atual no que tem de exterior: automveis, cinema, asfalto. Si estas palavras freqentam- me no livro no porque pense com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas tm nele sua razo de ser. 229
Assim, tomando como base a anlise que Flores Jnior fez sobre os contos de Mrio de Andrade, pode-se dizer que as obras dos pintores do Palacete Santa Helena que analisamos so mais que uma descrio da So Paulo na segunda metade da dcada de 1930, mas constituem uma transposio esttica do processo de modernizao visto pela tica dos despossudos. 230
A modernizao da cidade de So Paulo mostrada pela maioria das obras dos pintores do Palacete Santa Helena justamente pelo que no h de moderno, ou seja, pela periferia. Excetuando os operrios, personagens presentes nas obras de Rebolo e, de certo modo, na de Graciano, com a imagem do graxeiro, cujas figuras ressaltam a industrializao e a modernizao da cidade, as demais obras se remetem modernizao pelo seu revs. De acordo com Flores Jnior,
(...) O ritmo da periferia no apenas um mero resduo, ou seja, algo prestes a sucumbir diante do apelo inexorvel do progresso, aparecendo antes como momento constitutivo deste. A contradio, embora evidente, no chega a configurar o conflito esperado entre os dois modos de vida e entre os plos da bvia situao de desigualdade. 231
Ainda que na periferia no encontremos a modernizao que o centro da cidade apresenta, com elementos como os arranha-cus, os carros e edifcios
228 Cf. FLORES JNIOR, Wilson Jos. Modernizao pelo avesso: a So Paulo da dcada de 20 em Os Contos de Belazarte de Mrio de Andrade in PENJON, Jacqueline e PASTA JR., Jos Antonio. Littrature et modernisation au Brsil. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2004, p. 43. 229 ANDRADE, Mrio de apud FLORES JNIOR, Wilson Jos. op. cit., 2004, p. 43. 230 FLORES JNIOR, Wilson Jos. op. cit., 2004, p. 43. 231 FLORES JNIOR, Wilson Jos. op. cit., 2004, p. 44.
158
altos que compem o cenrio urbano, com os seus tipos sociais caractersticos, como a figura dos operrios, por exemplo, o fato de esta periferia existir consiste j num indcio de modernizao. Isto porque a periferia abriga a populao que foi sendo marginalizada das reas centrais da cidade, as pessoas que no conseguiram trabalho e/ou habitao no centro.
2.2 Trabalhador rural
Pennacchi, Rebolo e Graciano foram os pintores do Palacete Santa Helena, dentre os outros do ateli coletivo, que abordaram em suas obras o trabalhador rural na segunda metade da dcada de 1930. A tela de Pennacchi, produzida em 1935, aborda a questo do trabalho rural, do trabalhador no campo, que lida com a terra, com os animais, que cultiva o solo. Pennacchi nesta tela de nmero 35, O arado, sugere uma no modernizao dos meios de cultivo do solo, uma zona rural que ainda tem como instrumento de trabalho a fora humana e animal para tratar o solo para o plantio, onde h uma ausncia de mo-de-obra mecanizada, e o predomnio do trabalho de homens e animais em detrimento do trabalho das mquinas. Nesta obra, o arado composto pela trao de dois bois e tambm conta com o auxlio da fora humana: dois trabalhadores do campo que seguem na retaguarda dos animais e conduzem o arado preso e puxado por estes. Os bois, de cor branca, presos ao arado so fortes e vigorosos e os trabalhadores, mulatos, de ps descalos e com roupas simples e da cor da terra que aram, tambm demonstram ter fora e destreza em manejar o instrumento agrcola. As figuras humanas e animais compem o primeiro plano da tela, na qual tambm consta um pequeno cachorro que acompanha sentado e atento o trabalho dos animais e dos homens do campo. Ao lado deste pequeno animal domstico, vemos uma garrafa e uma trouxa branca, que mais se assemelha a uma marmita enrolada em um pano de prato que o co parece guardar. Esta comida e bebida mais tarde alimentaro os trabalhadores que despertam cedo para a lida na roa, o que se pode notar pela tonalidade do cu cinza que 159
sugere o amanhecer do dia, bem como a luminosidade que recai sobre todos os elementos que constituem a cena, formando a sombra dos mesmos no solo.
35. Fulvio Pennacchi O arado, 1935, leo sobre tela, 80 x 120 cm
O primeiro plano ocupa quase que a totalidade da tela e as linhas que seguem da esquerda para a direita do quadro, acompanhando o caminho do arado braal composto pelos homens e animais, sugerem uma perspectiva construda com o auxlio das massas de cor marrom e que compem o volume de terra, caracterizado por elevaes que esto justapostas e que promovem a sensao de profundidade que se encaminha da esquerda para a direita e do primeiro para o segundo plano. Ao fundo da tela vemos ainda uma parte das terras alterosas em tom de cinza e, logo em seguida, nos deparamos com uma pequena poro do cu, num tom de cinza mais claro, com alguns pontos mais luminosos, onde incide a luz da aurora. No canto esquerdo notamos algumas poucas rvores e trs casas, uma maior que a outra, em meio cadeia de pequenas montanhas. As cores dos elementos compositivos da tela variam em tons de branco, cinza e terra, cor que predomina na composio. 160
Esta composio apresenta linhas retas, traos simplificados e, por conta disto, se parece com as obras publicitrias produzidas por Pennacchi e analisadas no captulo 1. Esta tela de nmero 35 apresenta tambm uma proximidade com o Monumento s Bandeiras, a obra escultrica de Victor Brecheret, como podemos observar na imagem 36 e seu detalhe na figura 37. Esta obra teve sua maquete 232 exposta em 27 de julho de 1920, na Casa Byington, e em meio polmica em torno do nacionalismo, o monumento no foi construdo de imediato. Anos mais tarde que tiveram incio os trabalhos para sua execuo, mais precisamente em 1936, e o monumento foi inaugurado somente em 25 de janeiro de 1953. 233 Esta obra, desde ento exposta no Parque do Ibirapuera, sugeria a cidade dos grandes homens e de seus feitos, o comprometimento dos paulistas com a construo de So Paulo e da nacionalidade. De acordo com Maria Arminda,
[...] Num mecanismo mimtico, transladam-se os atributos da figura sntese do bandeirante para os paulistas como um todo, aqueles que foram capazes de um novo descobrimento: o do desenvolvimento cientfico e tecnolgico, das maravilhas da modernizao. A mitologia paulista solidifica-se. Ao se enraizar, ala vos. So Paulo torna-se o altar-mor da nacionalidade brasileira. [...]. 234
232 Ver anexo 21. 233 Cf. KLINTOWITZ, Jacob. Victor Brecheret: Modernista Brasileiro. So Paulo: MD Comunicaes e Editora, 1994, p. 154. 234 ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrpole e Cultura: So Paulo no meio sculo XX. Bauru: EDUSC, 2001, p. 99.
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36. Victor Brecheret Monumento s Bandeiras, dcada de 1920 a 1950, granito, Parque do Ibirapuera, So Paulo
37. Victor Brecheret Monumento s Bandeiras (detalhe), dcada de 1920 a 1950, granito, Parque do Ibirapuera, So Paulo
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Por conta do perodo de tempo entre a apresentao do projeto (1920) e a finalizao da execuo e inaugurao da obra (1953) que a escultura final apresenta diferenas, em especial quanto aos aspectos formais 235 , pois o contedo permanece o mesmo. No projeto, notamos uma plataforma grande, com uma extensa escadaria, alm das formas das personagens que, pelo que observamos na maquete (anexo 13), possuem formas mais arredondadas do que a obra que foi inaugurada trs dcadas mais tarde. O monumento executado, no entanto, possui figuras compostas com formas mais simples e quadradas, constituindo uma construo angulada. A obra de Brecheret, de grandes propores, constituda por alguns blocos macios de granito no qual esto entalhadas vrias figuras humanas. Diante do bloco principal e maior, h outro em que constam dois cavalos em marcha. Em cima de cada cavalo est montado um homem, cujo olhar se projeta para o horizonte disposio esta que alude ao futuro. Tratam-se dos lderes do restante dos homens, quem encabea a empreitada do grupo. Logo atrs, est o grande conjunto de homens fortes, robustos, com seus msculos bem delineados na pedra e que demonstram vigor para a atividade fsica que realizam. Esto voltados para frente, alguns esto de lado, mas todos possuem expresses e gestos de quem faz fora. H ainda, um personagem que remete a uma mulher indgena, pois ela est quase nua, apenas um pequeno pedao de tecido cobre sua genitlia, e a mesma est com uma criana pequena no colo. A posio dos corpos e os msculos retesados sugerem a determinao que o grupo de figuras tem para puxar e a nica figura de trs tem para empurrar a embarcao que avanaria para o interior, cujo destino desbravar terras ainda no alcanadas. Estes homens apresentam uma postura de movimento, uma perna est diante da outra, os joelhos semi-flexionados para que assim possam suportar o peso que carregam. Todos possuem a cabea altiva, e se unem com o mesmo objetivo, fazem fora na mesma direo. Alguns dos personagens esto vestidos e possuem cabelos curtos e barba, os quais identificamos com os homens brancos, os portugueses, j os outros, que esto nus ou semi-nus, so figuras que nos fazem pensar que sejam ndios catequizados, pois, alm de apresentarem os cabelos lisos e mais compridos,
235 Ver anexo 22. 163
possuem crucifixos pendurados no pescoo. Estes personagens esto unidos numa s proposta, conquistar o interior do Estado. As figuras do monumento so uma referncia aos bandeirantes e sugerem a fora, a coragem e o pioneirismo do paulista. A obra de Pennacchi e a de Brecheret esto alinhadas no que diz respeito a instituir a imagem da So Paulo edificada pela fora dos trabalhadores. Brecheret como escultor, produziu uma obra na qual se tinha a inteno da monumentalidade, com suas grandes propores, mostrou homens valentes, que no fogem luta. Pennacchi como pintor, fez o mesmo em sua tela, criou homens robustos, encorpados, movidos pelo mesmo propsito, qual fosse a labuta cotidiana e o desenvolvimento de So Paulo. Esta era a imagem que se queria da cidade, da nao, representada por estes pintores em suas obras. A idia para a produo desta imagem de Brecheret foi a comemorao de um centenrio da independncia do Brasil, e teve iniciativa de Washington Lus, o ento Presidente do Estado, que com esta imagem pretendia abordar a faanha dos desbravadores das bandeiras. 236
Conforme Klintowitz, a escultura torna o ser definido, demonstra uma realidade palpvel, definida, tridimensional, e obriga o olho do contemplador a circular sua volta, observar os seus contornos, conferir os seus limites, ater- se aos valores de luz e sombra. Portanto, uma expresso artstica que s se permite abordar atravs da real participao, na vivncia comum de uma experincia perspectiva, na cumplicidade sensorial. Por fim, a escultura no pode ser concebida sem o saber de sua poca. 237
A execuo deste monumento foi promovida por Mennotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Monteiro Lobato, os quais tinham uma concepo moderna e nacional desta imagem de Brecheret. 238 Segundo Klintowitz, Brecheret foi encontrado numa sala transformada em ateli no ento Palcio das Indstrias por Emiliano Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Hlios Seelinger e Menotti Del Picchia quando da visita deles exposio de maquetes para o futuro Monumento da Independncia. O grupo se deslumbrou com o trabalho
236 Cf. BRITO, Mrio da Silva. op. cit., 1958, p. 102-103. 237 Cf. KLINTOWITZ, Jacob. op. cit., 1994, p. 61-63. 238 Cf. BRITO, Mrio da Silva. op. cit., 1958, p. 106. 164
do escultor. Era a obra que necessitavam, a base concreta para o seu desejo de modernidade. 239
Na tela 38, Pennacchi aborda o trabalho rural em sua obra Os semeadores, produzida em 1935, mesmo ano em que pintou a tela 35. O pintor apresenta trs trabalhadores semeando o campo, os quais ocupam o primeiro plano da composio. As figuras que compem a cena so dois homens e uma mulher. Ela segue na frente portando blusa e saia longas, enquanto que os homens vestem cala comprida e camisa de manga curta, como podemos observar o trabalhador que est logo atrs da mulher, e camisa de manga longa, o que notamos ao analisar o trabalhador que vem em seguida deste. Somente os homens usam chapu para se proteger. As trs figuras tm os ps descalos e levam um saco com sementes preso cintura. Atrs deste trio de trabalhadores aparece a figura do co, no canto esquerdo da obra. O animal atento ao trabalho na lavoura, presente em outras obras de Pennacchi, compe a cena rural ao lado das figuras centrais. Em segundo plano observamos algumas casas, a possvel colnia de imigrantes, e atrs delas uma pequena cadeia de montanhas. Os elementos compositivos da tela so todos da mesma cor, figuras humanas, cachorro, terra, casas, montanhas, pois a imagem foi produzida com aquarela e grafite. Essa tela monocromtica, de traos simples, contando com poucos detalhes e com figuras em formato cilndrico uma caracterstica marcante de Pennacchi e que pode ser vista em tantas outras obras do pintor, inclusive nos cartazes publicitrios analisados no primeiro captulo desta tese. Esta imagem assemelha-se s obras escultricas, aos homens de Brecheret, pois ainda que as figuras estejam numa posio que remete a movimento, com uma perna frente da outra e, assim como os braos, elas possuem uma rigidez tpica de escultura, alm da cor.
239 KLINTOWITZ, Jacob. op. cit., 1994, p. 81. 165
38. Fulvio Pennacchi Os semeadores, 1935, aquarela e grafite sobre aglomerado, 16 x 19 cm
A questo do trabalho feminino junto ao masculino levantada nesta obra, pois aqui a mulher exerce a mesma funo do homem e inclusive est frente deles no trabalho de semear a terra, como se liderasse os trabalhadores no campo, da mesma forma que a figura do cavaleiro no monumento de Brecheret, imagens 36 e 37, lidera os homens que vm em sua retaguarda. Alm de se aproximar da obra de Brecheret no que diz respeito forma, pois suas figuras tm formato cilndrico e uma expresso corporal que sugere fora e movimento, Pennacchi ainda se alinha com Brecheret quanto ao contedo, pois abordam a questo dos homens trabalhadores na cidade que se moderniza. Observando ainda a imagem de nmero 39, produzida por Candido Portinari por volta de 1935, notamos que as figuras humanas que o pintor retrata 166
em sua tela Colonos carregando caf, possuem uma disposio semelhante s figuras das obras de Pennacchi e Brecheret. Portinari em sua tela aborda a imagem do homem negro, do trabalhador do campo e os dispe em sua obra um atrs do outro, com uma perna diante da outra, posio que sugere movimento sincronizado, como numa engrenagem, proposta que nos faz pensar em cada homem como uma pea importante e todas estas peas acopladas responsveis por transmitirem fora, movimento. Este aspecto formal denota tambm organizao e estrutura de funcionamento, como as rodas motrizes de uma mquina executando o seu trabalho.
39. Candido Portinari Colonos carregando caf, c. 1935, leo sobre tela, 67 x 83 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
Estes homens enfileirados ocupam o primeiro plano, so negros, de roupas brancas de algodo, todos vestidos igualmente, esto descalos e possuem as mos ocupadas, elas amparam os sacos de caf que esto sendo carregados sobre a cabea. Estes colonos, figura que aparece freqentemente 167
na obra de Portinari, trabalham nas fazendas de caf, produto que foi o responsvel por alavancar o crescimento e a industrializao de So Paulo. Neste contexto, pensar nos trabalhadores do campo pensar que eles foram as foras motrizes que auxiliaram, com o seu labor, no desenvolvimento da cafeicultura e na modernizao da cidade. Diferentemente de Brecheret, Portinari em sua obra levanta a temtica do trabalho feminino, como faz Pennacchi em sua tela. As mulheres ocupam o segundo plano da obra de Portinari, so negras tambm, esto descalas, de vestido longo nas cores cinza e bege, aparecem entre os homens e como eles carregam sacos de caf na cabea. Logo atrs destas h outras mulheres, com as mesmas vestimentas, e do mesmo modo participam do carregamento do produto. Estes grupos de figuras justapostas que do a idia de perspectiva. H ainda a presena das crianas, que aparecem trajadas como suas mes, e no carregam nada em suas mos. Portinari levanta a questo do trabalhador e da trabalhadora negra, da famlia que trabalha junto no campo, trabalho em que as crianas esto presentes, no como pequenas trabalhadoras, mas pelo fato de as mes estarem no campo e terem que carreg-las junto. Os traos das personagens so simples, a fisionomia dos homens negros est esboada em seu perfil, no entanto, no possvel identificar os detalhes da face, apenas o semblante srio de trabalhador comprometido com a sua atividade laboral, organizados e empenhados como so tambm os trabalhadores de Pennacchi e de Brecheret. Do mesmo modo que os homens, as mulheres possuem a mesma expresso facial sria, envolvidas na atividade na zona rural. Este conjunto de homens e mulheres dispostos de tal maneira revelam uma organizao que exigida na agricultura, do mesmo modo que nas fbricas da cidade, pois com a demanda crescente pelo produto em escala mundial, os trabalhadores precisam estar alinhados para atenderem ao mercado; so eles os operrios do campo. Assim como Pennacchi e Portinari mostraram em suas obras o mundo do trabalho e do trabalhador brasileiro, a situao social dos homens, mulheres e crianas envolvidos nas atividades laborais, numa cidade em expanso, os muralistas mexicanos tambm deram sua contribuio para a pintura social. Diego Rivera, um dos principais expoentes entre os muralistas mexicanos 168
Jos Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros e Rufino Tamayo produziu murais no Mxico, cujo objetivo era difundir a arte ao povo, para que assim, nas paredes dos locais pblicos, as pessoas tivessem acesso a estas obras que retratavam a condio social e poltica do povo mexicano. A proposta do muralismo mexicano era de que a obra de arte, a pintura sobre seu povo e sua histria, estivesse ao alcance dos mesmos, em espaos pblicos e no somente em acervos de museus e pinacotecas, que era o que acontecia com a pintura de cavalete. Outro ponto em que os muralistas se apoiavam era na proposta de romper com a arte acadmica praticada no sculo XIX, no entanto, estes pintores trabalharam de modos distintos as temticas em suas obras. Rufino Tamayo, ainda que tenha produzido murais, no se deteve em idias de orientao poltica e ideolgica e elaborou obras cujas temticas eram outras, especialmente, as naturezas mortas, os retratos, os animais. Orozco e Siqueiros, embora tenham abordado temas relacionados ao trabalhador mexicano, as disposies dos elementos nas composies destes pintores eram dspares em relao ao conjunto de obras reunidas nesta anlise. Entre as obras destes pintores mexicanos, as que mais se aproximam das imagens que esto sendo analisadas, por abordarem o tema do trabalho e dos trabalhadores e tambm quanto s propostas formais, so as telas de Diego Rivera. A tela de nmero 40 de Diego Rivera, produzida em 1935 e que diz respeito ao Transportador de flor, ttulo da obra, possui elementos muito parecidos com as imagens de Pennacchi, Portinari e Brecheret. As figuras que ocupam todo o espao da obra so produzidas por traos simples, de formato cilndrico e possuem uma disposio semelhante s figuras dos pintores analisados. Rivera tambm levanta a temtica do trabalhador rural, e coloca na cena tanto o homem como a mulher neste espao laboral. A mulher aparece como companheira tanto no ambiente domstico, quanto no servio fora de casa, na agricultura, participando ativamente, com sua mo-de-obra, ao lado dos homens na construo do pas. Enquanto o homem carrega o imenso cesto de flores, faz fora para levar nas costas o peso do seu trabalho, da sua luta diria pela sobrevivncia, num pas que se quer moderno e em desenvolvimento, a mulher o ampara neste trabalho, neste propsito, e como cmplice, divide com 169
ele essa responsabilidade. 240 A posio do trabalhador se assemelha a de um animal de carga: como se a funo por ele desempenhada lhe extrasse a humanidade.
40. Diego Rivera Transportador de flor, 1935, 28 x 31 cm
Rivera, como os pintores muralistas mexicanos, do mesmo modo que Pennacchi, Portinari e Brecheret, contriburam para a construo de uma iconografia do pas e de seu povo. No entanto, enquanto no Brasil, os pintores relacionavam o crescimento, desenvolvimento e modernizao do pas com o trabalho e o trabalhador que foi participante neste processo de transformao, no contexto social, econmico e poltico da dcada de 1930, os mexicanos tinham o intuito de exaltar em suas obras, de feitio realista, o passado da populao mexicana no contexto das dcadas de 1910 e 1920, marcado pela
240 O trabalho feminino destacado em outras obras deste pintor, as quais podemos ver, por exemplo, nos anexos 23 e 24. 170
Revoluo Mexicana 241 , do ponto de vista da esquerda revolucionria. Estavam tambm interessados em romper com a arte acadmica, do mesmo modo que no Brasil, criando uma pintura original e ao mesmo tempo moderna. No Brasil, a sugesto com este tipo de obra era compor um quadro de imagens nacionais, construindo um imaginrio local, uma arte brasileira que no estivesse atrelada aos iderios acadmicos e, ao mesmo tempo, que a forma prevalecesse sobre o contedo, produto de uma pesquisa plstica inovadora, possibilitando a construo de uma arte moderna para retratar o Brasil moderno, a nao em desenvolvimento. No entanto, o propsito do que seria a arte moderna, como se configurava na Europa, aqui no Brasil no se completou por inteiro, pois os pintores no abandonaram o assunto em suas obras, a temtica do quadro, e alm do retorno figura, davam importncia s visualidades regionais. Chiarelli sobre isto diz que,
Nada mais adequado para a situao modernista brasileira. J que ela devia ser uma opo mais nova ao academismo e ao naturalismo/realismo local e ao mesmo tempo ser a continuadora da operao de montar uma iconografia tipicamente brasileira, o Retorno Ordem surgia como um caminho possvel a seguir: ele era novo o suficiente para aparentemente se contrapor arte local (naturalista ou acadmica) e, por outro lado, no colocava em risco aquele compromisso de constituio de uma iconografia tpica do Brasil. 242
As obras de Rivera, Portinari, Brecheret e Pennacchi que analisamos mostram um nacionalismo que pode ser considerado engajado, sobretudo, a partir do momento em que apontam em suas telas as condies do trabalhador,
241 Aps 30 anos de ditadura militar, o movimento revolucionrio ancorado na aliana entre camponeses e setores urbanos, entre eles, intelectuais e artistas projeta uma nao moderna e democrtica, cujos alicerces repousam no legado das antigas civilizaes pr-colombianas e na instituio de um Ministrio da Cultura, dirigido pelo escritor Jos Vasconcelos. A poltica cultural do novo ministrio tem como eixos o combate ao analfabetismo e a renovao cultural. O programa de pinturas de murais, narrando a histria do pas e exaltando o fervor revolucionrio do povo, adquire lugar destacado no projeto educativo e cultural do perodo. Cf. ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporneos. Traduo Denise Bottmann, Frederico Carotti; prefcio Rodrigo Naves. So Paulo: Companhia das Letras, 1992. 242 CHIARELLI, Tadeu. op. cit., 1994, p. 63-64. 171
seja ele campons, negro, branco, imigrante, homem, mulher, criana. Estes pintores focalizaram o universo laboral em suas imagens e a contribuio que a populao deu com a sua mo-de-obra na construo da nao. Notamos que Pennacchi utiliza o aspecto formal do muralismo, aproximando-se, desse modo, tanto do pintor mexicano, Diego Rivera, quanto de Candido Portinari. Estes trs pintores compem suas obras, utilizando figuras com formas simplificadas, com poucos detalhes, as quais possuem o formato cilndrico e em muito se assemelham s figuras escultricas, pois transmitem a idia de uma rigidez de movimentos, muito embora, os trs pintores, muitas vezes, sugiram o movimento de seus personagens, compondo-os com braos e pernas em posies que propem a idia de deslocamento. O fato de Pennacchi, no que diz respeito forma, ter as mesmas referncias para as suas obras que os pintores muralistas, Rivera e Portinari, nos causa certo estranhamento o fato de este pintor italiano, em algumas destas suas obras, levantar a temtica do fascismo. Vimos no captulo anterior que as imagens em que ele aborda o contedo fascista so aquelas que se tratam de publicidade e no de pintura de gnero. contraditria, neste caso, a idia de o pintor utilizar a forma do muralismo para tratar de assuntos do fascismo, j que a proposta da pintura mural mexicana, por exemplo, era tornar a arte acessvel a um grande nmero de pessoas, pintando em locais pblicos, com o objetivo de difundir os ideais revolucionrios da esquerda nas dcadas anteriores a 1930. J Portinari, em sua obra, pinta o cotidiano do povo pobre, em especial os negros e afro-descendentes que em grande parte aparecem, em suas telas da dcada de 1930, vivendo e desenvolvendo suas atividades laborais na periferia da cidade. Tanto Rivera quanto Portinari produziram uma pintura social, no entanto, as propostas dos mexicanos diferenciavam-se da de Portinari. Com suas imagens de publicidade sobre o fascismo, Pennacchi, desse modo, ressalta aspectos deste regime de direita, ao contrrio dos dois outros pintores, que, cada um ao seu modo e com seus objetivos, compem imagens nas quais destacam a vida de pessoas pobres e marginalizadas. No entanto, Pennacchi, como analisamos no primeiro captulo, compe as obras publicitrias sofre o fascismo no por convices polticas no regime de direita, mas porque, como pintor, imigrante, expatriado poltico, precisava de trabalho para sobreviver 172
numa So Paulo marcada por profundas transformaes, a partir de acontecimentos polticos e econmicos ocorridos na dcada de 1930. No entanto, nas outras obras de Pennacchi, tanto nas que se referem aos cartazes publicitrios, quanto nas que dizem respeito s pinturas de gnero, o pintor aborda outros contedos. No que concerne aos reclames, Pennacchi faz meno a uma So Paulo urbana, industrial e que se moderniza, mostrando em suas imagens os produtos a serem comercializados na dcada de 1930, os quais instituam novos padres de comportamento e de consumo. J, quando se trata das pinturas de gnero, o pintor aborda a cidade dos que moram distantes do centro urbano, que vivem nos arredores de So Paulo, ou mesmo no campo, onde desenvolvem tambm o seu trabalho. Sendo assim, notamos que os aspectos formais que Pennacchi utiliza so os mesmos nas obras que produz, apenas o contedo que muda de um tipo de trabalho para outro. Na tela de nmero 41, Pennacchi apresenta a temtica do trabalho no campo, j apresentada anteriormente, no entanto, nesta imagem os trabalhadores no preparam a terra para o plantio, como observamos nas obras 35 e 38, e sim lidam com a colheita. Nesta tela denominada Colheita de uvas e pintada em 1936, Pennacchi no s trata do trabalho rural na agricultura como levanta outra questo, o trabalho familiar. 243 Diferentemente da obra 39, em que o trabalho era feito por homens negros, na tela 41, os trabalhadores so brancos, no entanto, do mesmo modo que na tela 41, as mulheres e a criana esto presentes no espao laboral. Pennacchi sugere com estas figuras humanas a substituio do trabalho escravo pelo assalariado e pelo emprego dos brancos imigrantes ao invs dos negros libertos. Os imigrantes, em grande parte italianos, ocuparam o lugar dos escravos nas fazendas de So Paulo, vindos de uma Itlia bastante comprometida economicamente por conta de guerra. A cena em primeiro plano nesta fazenda de viticultura composta por uma rvore colocada ao centro da tela e cuja copa est carregada de frutos, cachos de uvas vermelhas em meio s folhas da videira. Em volta desta rvore central, esto os trabalhadores. Um homem numa escada de madeira encostada
243 Ver anexos 25 e 26, nos quais nos deparamos com obras cuja temtica da colheita tratada por Pennacchi ainda nos anos de 1979 e 1989, respectivamente. 173
na rvore empunha uma tesoura apropriada para o corte do cacho e faz a colheita das uvas. Ele se parece com os trabalhadores das obras de Portinari, Brecheret e Rivera, tem a mesma estrutura pictrica, pois Pennacchi utiliza formas simples e cilndricas para pintar as figuras humanas como faz inclusive nas propagandas analisadas no primeiro captulo.
41. Fulvio Pennacchi Colheita de uvas, 1936, leo sobre aglomerado, 49,5 x 44,7 cm
Ao lado direito deste trabalhador que est em cima da escada apanhando uvas, vemos outro homem com os mesmos trajes e este possui sobrancelhas, 174
barba e bigode brancos, , portanto, o homem mais velho da famlia. Este homem repousa as mos sobre um tambor de madeira, onde provavelmente esto sendo colocadas as uvas colhidas, ele tem os braos cruzados sobre o tonel, como que se descansasse um pouco do trabalho. Ao seu lado, um co acompanha, sentado e atento, o trabalho da famlia, assim como nas telas 35 e 38. Ainda no primeiro plano e ao lado direito da rvore central h outra rvore, tambm carregada de cachos de uva. Entre estas duas rvores h duas figuras femininas, ambas so loiras. Enquanto uma parece olhar os cachos de uva no p, a outra segura em seu colo um beb que com os braos erguidos indica querer apanhar as uvas da copa da rvore. Nesta figura, o gesto da criana um arremedo ela parece imitar o comportamento do adulto. As duas mulheres possuem blusa e saia longas e usam avental, o que sugere que ambas esto em ambiente laboral. O segundo plano composto pelo cu em tom de azul acinzentado, com nuvens brancas e cinzas, alm de vegetao, uma rvore do lado esquerdo, uma cadeia de montanhas ao fundo, e diante destas algumas casas que se assemelham colnia onde moram os imigrantes. A composio possui um colorido sbrio, mesmo os tons de amarelo e vermelho, cores presentes nas roupas das mulheres, bem como no vermelho das uvas, estas tonalidades no so vivas e exuberantes, o que bem caracterstico da pintura de Pennacchi. A obra 42, produzida por Graciano tambm em 1936, e cujo ttulo Trs homens, tem a mesma concepo da obra Operrio de Rebolo, em sua tela 27. A referncia de ambos os pintores a mesma no que diz respeito disposio dos personagens que apresentam: homens, em primeiro plano, ocupando toda a extenso do quadro, todos eles de braos cruzados. Ao contrrio de Rebolo, que compe a tela com apenas uma figura, identificada pelo pintor como operrio, Graciano utiliza em sua obra trs homens, sendo que a figura central tem a mesma posio que o trabalhador urbano de Rebolo, ou seja, est disposta de braos cruzados e possui barba. Alm disso, diferentemente do trabalhador de Rebolo, aquele apresentado por Graciano usa chapu como o de um trabalhador rural e veste uma camisa de manga longa num tom de 175
salmo claro sbrio. Por este trabalhador, Graciano sugere o no trabalho, assim como Rebolo em sua tela 27.
42. Clvis Graciano Trs homens, 1936, leo sobre tela, 70 x 59 cm
Dos dois lados desta figura central na tela de Graciano, constam outras duas figuras que tambm usam chapu, no entanto, suas feies e suas vestes esto difusas. Os rostos desfigurados dos trabalhadores, que mais parecem bonecos do que homens, sugerem que o trabalhador no tenha vontade 176
prpria, seja um ser inanimado, movido somente para o trabalho, o dia-a-dia rduo na lavoura, sob ordens, produzindo mercadorias em larga escala e que muitas vezes no pode consumir, pela condio econmica que no permite. Esta imagem de homem desfigurado, destitudo de suas caractersticas humanas, proposta por Graciano, aponta para o trabalhador que deixa de ser humano e que no comanda suas aes, mas comandado, passando a ser visto como uma mquina e que, como tal, passa a fazer parte do processo produtivo, se mover como rob, cuja funo produzir. Este homem, que mais parece um espantalho, figura apenas como trabalhador e no mais como homem, tem todo o seu esforo voltado para o trabalho, esse o seu meio de sobrevivncia, por isso ele se envolve inteiramente nos meios de produo, sem questionar. Ao contrrio dos homens inertes e desumanizados que ladeiam o homem que est no centro, este tem sua feio bem definida, o homem questionador, que no perdeu sua capacidade de refletir e de analisar a sua condio de trabalhador braal. Ele cruza os braos, no se dispe a trabalhar de qualquer modo, ele questiona, pondera, sua postura aponta para esta atitude, o seu gesto insatisfeito, o que podemos notar pelo semblante srio e at, pode-se dizer, desanimado, indica que ele no est contente com sua condio de trabalho. Tanto a obra de Rebolo quanto a de Graciano possuem uma proximidade com a obra 43, de Portinari, produzida em 1934 e que aborda o tema do trabalhador rural, diferentemente de Rebolo. Os personagens de Rebolo (27), Graciano (42) e Portinari (43) tm em comum a posio em que esto dispostos na tela, esto de braos cruzados, o que sugere o no trabalho, um momento de descanso e reflexo do trabalho e sobre o trabalho. Mestio o ttulo da obra que tem em primeiro plano, a figura robusta de um rapaz jovem, encorpado, que sugere a mistura de povos e que d origem ao povo brasileiro. Ele possui as caractersticas fsicas bem marcadas, lbios grossos como o dos negros, olhos amendoados como os dos ndios, pele mulata que advm da mistura de branco com negro, ou mesmo de branco com ndio, alm dos cabelos que tambm nos induzem a pensar o branco, ou mesmo o ndio, na miscigenao, pois no to enrolado como o dos negros, mas tambm no liso. Ele forte, vigoroso e tem o semblante srio, como 177
que se encarasse o observador. O mestio de Portinari tem as unhas sujas de terra, o que indica a sua lida com a agricultura, mo de lavrador. Est de braos cruzados, ainda que esteja no espao laboral, o campo, logo atrs dele, em segundo plano.
43. Candido Portinari Mestio, 1933, leo sobre tela, 81 x 65 cm, Aquisio do Governo do Estado de So Paulo, 1935 178
A paisagem que avistamos atrs das costas do mestio de uma rea agrcola, h plantaes por todos os lados, at onde podemos avistar, no limite do quadro. Esta extensa rea cultivada no sugere uma agricultura de subsistncia, mas uma agricultura produzida para atender a uma grande demanda. a riqueza das terras do pas que Portinari sugere com esta produo agrcola em larga escala, a riqueza de So Paulo e de sua brava gente que com o trabalho rduo contribui para o crescimento e desenvolvimento do pas. Esta paisagem tambm tropical, proposta pelo pintor por meio das bananeiras dispostas ao lado direito da tela. A figura do mestio, de msculos bem delineados e mos grandes, sugere a fora da gente que ajudou a construir esse pas, como os bandeirantes de Brecheret, os negros de Portinari, os brancos de Graciano e os imigrantes de Pennacchi, homens e mulheres que estiveram lado a lado no processo de modernizao de So Paulo, sempre, com essas figuras, ressaltando o poder do trabalho e no do capitalista na criao de riquezas. Do mesmo modo se empenharam os pintores, enquanto trabalhadores, no processo de construo da imagem da modernizao de So Paulo por meio de suas produes pictricas. A obra 44, pintada por Pennacchi em 1939, trata da Volta ao trabalho, ttulo da obra em que lavradores retornam para a roa. Em primeiro plano temos os trabalhadores, homens, mulheres e crianas que vo logo cedo para a lavoura para iniciar mais uma dia de trabalho. Pennacchi mais uma vez aborda o trabalho familiar e coloca em ambiente laboral todos juntos, sem distino entre homens e mulheres, adultos e crianas. Todos esto juntos no campo nas obras de nmero 28 e 32 de Fulvio Pennacchi. Assim como na imagem 21, que vimos no captulo 1 para a propaganda do peridico Fanfulla, nesta obra o pintor italiano remete a este universo do trabalho familiar, situao em que se encaixava a maioria dos imigrantes que vieram para o Brasil com suas famlias para aqui tentar uma nova vida. Nesta tela, os dois casais de trabalhadores caminham lado a lado, o que sugere igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito ao trabalho no campo. Os homens levam em uma das mos os instrumentos de trabalho, enxada e foice, e na outra carregam uma garrafa, possivelmente de gua, como vemos o homem do lado esquerdo, e uma espcie de caixa ou sacola, 179
como podemos notar na mo do homem da direita. As mulheres por sua vez, se incumbem de carregar os filhos, como notamos a mulher do lado direito com o beb no colo, assim como a mulher do lado esquerdo que conduz uma criana maior pela mo. Esta mulher, por no ter o filho nos braos como a outra, leva ainda uma cesta na cabea, possivelmente portando o alimento que nutrir a famlia durante a jornada de trabalho.
44. Fulvio Pennacchi Volta ao trabalho, 1939, leo sobre aglomerado, 39,5 x 49,0 cm
Todos esto descalos e usam roupas semelhantes, os homens de cala cinza e camiseta branca e as mulheres de saia e blusa longa e portando um avental branco. O casal da direita protege a cabea do sol, o homem usa um chapu e a mulher um leno, o casal da esquerda no utiliza nenhuma proteo. So todos brancos, inclusive possuem os cabelos claros, como podemos notar ao observarmos especialmente as mulheres e o beb. Diferentemente desta obra e a de nmero 41, em que Pennacchi aborda o 180
trabalho familiar ao retratar dois casais com os filhos na agricultura, na de nmero 35, Pennacchi no trata desta questo, mas sim aborda em sua tela o trabalho masculino e negro na lavoura, estes sem a presena da famlia junto ao trabalho. O segundo plano da tela composto pela mata e por edificaes em meio a fazenda, so as casas que compem a colnia dos imigrantes empregados para trabalhar nas terras dos fazendeiros paulistas. Estes habitantes das colnias mantinham os seus hbitos e costumes, sua lngua, sua cultura e para representar isso Pennacchi utiliza uma fatura cujas referncias remetem Itlia, tanto pela arquitetura das edificaes, quanto pelos trajes das figuras, o que podemos ver em suas obras ao longo de sua trajetria artstica. 244
A convivncia com os compatriotas no mesmo espao permitia este modo de viver no pas que os acolheu, o que, por um lado, favorecia a adaptao dos imigrantes na nova terra, pois amenizava a saudade da ptria e das pessoas que deixaram, e, por outro lado, dificultava a interao com os brasileiros, o que se dava pelo obstculo da lngua e pelos costumes diferentes. O entrave em se relacionar com os brasileiros criava condies propcias para que os imigrantes se relacionassem entre si e at mesmo se unissem em torno de uma causa comum em favor de interesses deste grupo social. H uma economia de cores utilizadas na composio. Pennacchi faz uso das variaes das cores cinza e marrom que predominam nos elementos constitutivos da cena em tons mais claros e mais escuros. O cu representado por uma massa que mistura tons de cinza e branco em pinceladas curtas e rpidas que proporcionam certa agitao na representao das nuvens. O dia est amanhecendo, o sol no est presente no cenrio, no entanto, h uma luminosidade que incide por toda a tela, tornando bem visvel os elementos compositivos da obra, ainda que as formas sejam simples sem muitos detalhes. Em 1940, Rebolo em seu Estudo (Trabalhadores), ttulo da imagem 45, esboa a obra que tem como projeto abordar os trabalhadores do campo, apresentando com traos simplificados trs figuras masculinas. Em primeiro
244 Ver anexos 27, 28, 29 e 30. 181
plano temos dois trabalhadores que portam chapu e esto com seus instrumentos de trabalho em mos, o homem do lado esquerdo, de perfil para quem o observa, empunha uma foice, e o do lado direito, de costas para o observador, maneja uma enxada.
45. Francisco Rebolo Gonsales Estudo (Trabalhadores), dcada de 1940, lpis sobre papel, 31,3 x 26,6 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
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Os trs homens esto descalos, usam cala e camiseta, apenas aquele que trabalha com a enxada que est sem camisa e com cala curta, pois est em pleno exerccio de seu trabalho, o que exige certo esforo. No segundo plano uma terceira figura masculina no empunha nenhum instrumento e nem leva chapu em sua cabea, ele apenas observa. Esta figura est tambm de perfil para o observador, como a homem da esquerda no primeiro plano. O desenho dos homens feitos sempre com uma perna a frente da outra promove a sensao de movimento das figuras, como se estivessem caminhando em meio roa. Rebolo sugere o trabalho com a representao que faz dos dois homens que possuem ferramentas utilizadas na agricultura, e sugere o no trabalho quando apresenta o nico homem do segundo plano sem a posse de nenhum instrumento de trabalho e que, inclusive, tem uma das mos no bolso. Na imagem 46, desenho feito em 1936, Candido Portinari esboa o Trabalhador, ttulo da obra. Os estudos de Rebolo para a sua obra de nmero 45 tm a mesma proposta de Portinari nesta imagem, compor a figura do trabalhador brasileiro. Como Portinari, Rebolo esboa em seu desenho o homem com o seu instrumento de trabalho. Portinari faz os primeiros contornos de um nico homem com a foice na mo em plena atividade, em posio de movimento e execuo do seu trabalho, enquanto que Rebolo traa trs figuras masculinas. No entanto, nem na obra de Rebolo tampouco na de Portinari observamos o espao laboral, pois este est apenas sugerido pelas figuras humanas trabalhando. Portinari dispe a figura de lado, como Rebolo, e desenha-o com os braos erguidos, as mos empunhando a foice, em movimento de descida dos braos. As pernas esto uma diante da outra, como vimos nas outras imagens que analisamos, a de trs est apoiada no cho para dar suporte ao corpo, e a da frente est levemente erguida para impulsionar o corpo que se curva para frente para finalizar a execuo do movimento. O trabalhador rural est de cala comprida e sem camisa, pois Portinari destaca as costelas do homem e o msculo que se esboa nas costas e ainda coloca um carrinho a seu lado, sugerindo ser sua caixa de suporte no que diz respeito a ferramentas de trabalho e materiais. 183
46. Candido Portinari Trabalhador, 1936, grafite sobre papel, 22 x 28 cm, Coleo particular
Na imagem 47, Apagando o incndio, Pennacchi aborda o trabalho da populao de uma aldeia que, pela arquitetura das construes, em muito lembra os povoados italianos. 245 A cidade que Pennacchi tem em mente ainda na dcada de 1940 no a So Paulo moderna como vimos nos cartazes publicitrios produzidos pelo italiano na dcada de 1930 e analisados no captulo 1, mas aspectos da vida italiana, das aldeias toscanas, e que figuram em outras obras do pintor, como se pode ver nas imagens 28, 29 e 30 em anexo. Pennacchi traz estas referncias pictricas de sua terra natal e as utiliza mesmo quando se trata de obras feitas no Brasil e sobre o pas. Alis, essa linguagem visual ser utilizada ao longo de sua carreira como pintor, pois pudemos encontrar obras que aludem aldeia toscana, e feitas nos anos 1980, como observamos nas imagens 29 e 30 dos anexos, produzidas em 1982 e 1989, respectivamente.
245 Ver anexos 28, 29 e 30. 184
47. Fulvio Pennacchi Apagando o incndio, dcada de 40, leo sobre aglomerado, 36,5 x 51,0 cm
Pennacchi traz consigo as imagens italianas, das quais jamais se desvencilhou. Nesta obra dos anos 1940, aps mais de uma dcada vivendo na capital paulista, Pennacchi apresenta uma cena de um vilarejo, cujos elementos compositivos nos mostram reminiscncias de uma Itlia que o pintor no esquece, a ptria sempre presente na concepo de suas obras. Uma So Paulo italiana, reduto de grande quantidade de imigrantes, o meio em que ele vive e o modo que encontrou para se sentir em casa estando em outro pas. A extenso da tela ocupada em grande parte pelo ptio em que esto dispostos os prdios, apenas uma pequena parte do quadro reservada ao cu, que tem uma cor azulada com alguns pontos brancos e outros cinzas, devido fumaa do incndio que acontece no ltimo andar da edificao de trs pavimentos que est bem de frente para o observador. As construes circundam a cena e o centro das atenes est voltado para o prdio em chamas. A cor predominante na obra o marrom e seus tons mais claros e mais escuros que tingem os elementos compositivos da obra. Em primeiro plano temos diversas figuras humanas, mais especificamente 13 pessoas, entre homens, mulheres e crianas, sendo estes dois ltimos a 185
maioria. Apenas dois homens esto neste plano, o do lado esquerdo carrega um balde com gua, na tentativa de ajudar no extermnio do fogo, e o do lado direito puxa a gua de um poo. Duas mulheres neste primeiro plano participam ativamente na tentativa de conter o fogo, elas esto ao lado dos homens e os ajudam. A mulher da esquerda leva um balde na cabea, j a da direita est na beira do poo para obter mais gua. As outras mulheres que compem este primeiro plano observam a cena de incndio ao lado de suas crianas. Como vemos nas outras telas de Pennacchi, nesta ele tambm coloca os ces em cena, neste primeiro plano so dois. No segundo plano, tomado pelas edificaes, vemos no alto do prdio da frente a fumaa que sai por duas janelas do terceiro andar. Um homem no telhado tenta conter as chamas, enquanto outros sobem pela escada colocada na parede da lateral esquerda da construo. Ao p da escada mais homens fazem um mutiro para poder ajudar a apagar o incndio. Em meio a estes homens, vemos uma mulher, ela usa saia longa como as outras e equilibra um balde na cabea, pois est ajudando no transporte da gua do poo para o alto do edifcio. Do lado direito da edificao, outros dois homens tentam colocar outra escada para poder ter acesso ao incndio e ajudar na extino do fogo. O trabalho coletivo nesta comunidade, as pessoas se auxiliam, no h distino entre homens e mulheres quando o assunto trabalho, o que Pennacchi sugere tambm em suas obras 38, 41 e 44 quando coloca lado a lado as figuras feminina e masculina desempenhando a mesma tarefa para auxiliar no sustento da famlia. Essas mulheres acumulam duas funes, pois trabalham tanto em casa, cuidando de seus filhos e marido, como tambm fora, ajudando seus companheiros na lida com a terra. J nesta tela 47, a ajuda entre os moradores do vilarejo se d pois h uma relao de identificao entre eles, pelo fato de estarem na mesma condio, so imigrantes, passam pelos mesmos tipos de situaes pelo fato de serem estrangeiros e por isso se unem e se auxiliam. Estes artistas quando abordam o trabalhador rural em sua produes apontam para o Brasil que se firma como um pas agrcola e rural e possui uma certa distncia do cosmopolitismo do Velho Continente, de onde surgem as referncias vanguardistas que os modernistas almejaram para o Brasil. 186
Nas obras destes pintores, So Paulo focalizada no a partir do centro, mas dos campos, nos arredores da cidade. A cidade apresentada por estes pintores aquela dos desprovidos, dos homens e mulheres que tm no trabalho o nico meio de subsistncia, na zona rural da So Paulo moderna e que se desenvolve. As pinturas analisadas no abordam a modernizao da cidade em seus aspectos urbano e industrial, mas ao contrrio, mostram a So Paulo rural, da vida simples, do trabalho realizado nas zonas mais afastadas do grande centro urbano, nos campos. Por estas obras, o que se sugere a modernizao por outro ngulo, pelo seu revs, por aquilo que pode vir a ser moderno e industrial. Pennacchi, Graciano e Rebolo foram os pintores do Palacete que no perodo estudado trataram de temas ligados ao campo, aos trabalhadores rurais e a participao de homens, mulheres e crianas nas atividades laborais cotidianas. Pennacchi ressalta em suas obras, os camponeses cultivando a terra com o arado, semeando, colhendo, assim como a volta dos trabalhadores labuta, muito possivelmente aps o descanso. Em outra obra levanta ainda a temtica do trabalho no campo, mas desta vez atividade ligada mais a um gesto de solidariedade do que atividade laboral propriamente dita, quando pinta os camponeses auxiliando uns aos outros para apagar um incndio. Graciano por sua vez, pinta em sua obra trs homens num momento de no trabalho, enquanto que Rebolo aborda em sua imagem trs trabalhadores, dois deles esto em posio que sugere movimento, trabalho, enquanto que o outro est em posio de no trabalho. Podemos afirmar nesta seo que no que diz respeito ao contedo, as obras dos pintores do Palacete Santa Helena aproximam-se entre si, bem como so contguas s obras dos pintores com os quais tiveram suas imagens comparadas, pois, tratam de pinturas feitas sobre os campos. Quanto forma, os pintores do Palacete, cada qual com suas peculiaridades, fazem meno s obras de outros pintores, os quais tiveram suas imagens selecionadas e compem neste estudo o repertrio de obras a serem analisadas e comparadas, como: a imagem de Brecheret, cuja disposio dos elementos pode ser notada nas obras de Pennacchi, pois em ambos notamos a idia de movimento dos corpos realizando atividades de trabalho; as obras de Portinari, uma das quais tambm possui aspectos formais muito prximos imagem de Brecheret e que 187
podemos observar tambm nas pinturas de Pennacchi; notamos ainda referncias Portinari nas obras de Rebolo, pela composio da cena, bem como na de Graciano; h ainda a obra do muralista mexicano, Diego Rivera, o qual apresenta propostas formais muito prximas das obras de Pennacchi. Desse modo, notamos que a proximidade entre estes pintores refere-se, de maneira geral, tanto forma quando ao contedo. A abordagem sugerida a partir do trabalho e do trabalhador rural a da modernizao pelo avesso. Estas obras tratam da imagem de uma So Paulo sendo construda por homens e mulheres simples, por trabalhadores rurais. Neste caso, nestas imagens ressaltado o campo, no o que tem de moderno ou industrial, mas o local no qual se situavam oportunidades de trabalho com condies de vida mais dependentes dos ciclos naturais ou agrcolas do que das convenes sociais. Estas obras sugerem uma negao, pois por trs do trabalho rural que aparece nestas telas, ou mesmo da periferia quando tratamos de trabalhadores urbanos, na seo anterior a esta h a indicao de uma sociedade em transformao e que coloca margem da cidade, na zona rural, e tambm na periferia, os trabalhadores que so dispensveis na cidade. Ao mesmo tempo, o trabalho rural aponta tanto para o crescimento da cidade como para o crescimento da participao do pas no mercado mundial de produtos agrcolas. No primeiro caso, a agricultura precisa suprir as necessidades de alimentao da populao que aumenta com a vinda de migrantes e imigrantes, provenientes, inclusive, do xodo rural que passa a ocorrer, j que as pessoas se deslocam em busca de outras oportunidades e melhores condies de vida na cidade. No segundo caso, a produo agrcola deve atender a demanda internacional por produtos como o caf, por exemplo, o que implica a plantao em larga escala da monocultura no campo. Percebemos, assim, o crescimento, o desenvolvimento e a modernizao da cidade, no por obras que apontam diretamente para isso, mas por elementos existentes nas imagens e que sugerem isso. A fora do cotidiano laboral assinala outra tica da modernizao de So Paulo, o outro lado do desenvolvimento e crescimento da cidade. As exigncias de uma vida que se d em grande parte no espao do trabalho, cenas do dia-a-dia de um povo que lutou pela sobrevivncia no pas em crescimento e que colaborou nesse processo. 188
Estas obras revelam a face ideolgica de uma poca, compem o conjunto de imagens que se queria para So Paulo, o lugar das oportunidades, a terra dos migrantes e imigrantes em busca de novos meios de sobrevivncia, a babel brasileira. No entanto, para as pessoas que chegavam numa terra desconhecida o que poderia ser visto como oportunidade, na verdade se constitua como contingncia, dado que no havia tantas possibilidades assim na So Paulo da dcada de 1930, em especial para os negros, os imigrantes, as mulheres. Nesta dcada que se deu o debate do pensamento brasileiro, a partir de obras como Razes do Brasil, Casa Grande e Senzala, e Evoluo Poltica do Brasil, de Srgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., respectivamente. Neste perodo havia o interesse em consolidar uma reflexo sobre a sociedade brasileira e sua histria. Os pintores sugeriam em suas obras a temtica em voga, o desenvolvimento do pas, o contraste da vida margem do progresso, do urbano, do moderno. Do mesmo modo que Flores Jnior por meio de Os contos de Belazarte 246 , de Mrio de Andrade, observa a modernizao de So Paulo pelo avesso, as obras pictricas analisadas propem a modernizao da cidade vista pela negao, ou seja, na qual o atraso parte constitutiva do progresso. 247
Grande parte das imagens apresentadas por estes pintores apontam para as cercanias da cidade, como vimos no tpico referente aos trabalhadores urbanos, bem como para a So Paulo rural, como podemos notar neste sub-captulo, de modo que podemos dizer por estas telas que o atraso a condio do progresso, o rural aquilo que antecede o urbano.
246 Os contos de Belazarte foram escritos por Mrio de Andrade entre 1923 e 1926 e publicados na dcada de 1930. 247 FLORES JNIOR, Wilson Jos. op. cit., 2004, p. 47. 189
CAPTULO 3 AS MULHERES NA SO PAULO ENTRE OS ANOS DE 1935 A 1940
Dona Bianca deitou-se sem apagar a luz... E fechou os olhos para se ver no palacete mais caro da avenida Paulista.
Antnio de Alcntara Machado, Brs, Bexiga e Barra Funda
O assunto mulheres outra temtica abordada pelos pintores do Palacete Santa Helena entre os anos de 1935 e 1940. Este conjunto de obras sobre o universo feminino na So Paulo da dcada de 1930 foi produzido por Rebolo, Zanini, Pennacchi e Volpi, nas quais apresentam algumas mulheres em atividades vinculadas ao labor. Para a anlise destas imagens contamos com o cotejo de outras obras, as quais foram produzidas por pintores contemporneos aos do Palacete. possvel, destarte, acompanhar as proximidades e distanciamentos no que se refere forma e ao contedo das imagens dos pintores do Palacete entre si e entre eles e as obras dos outros pintores mobilizados nesta discusso. A partir das temticas levantadas pelos pintores do Palacete Santa Helena em suas pinturas de gnero, as quais, nesta seo, remetem s mulheres, nos empenhamos na pesquisa iconogrfica em busca de obras de outros pintores que tivessem semelhanas com as imagens daqueles do Palacete Santa Helena tanto pelo contedo abordado como pela composio plstica. Como o objetivo da investigao era examinar de que modo os pintores do Santa Helena perfilhavam as referncias modernistas em suas obras e ao mesmo tempo analisar se a imagem que produziam sobre So Paulo era a de uma cidade moderna, que tivemos como procedimento metodolgico confrontar as obras dos pintores do Palacete Santa Helena com as imagens dos pintores modernistas brasileiros, bem como com outros pintores com as obras dos quais tivessem consonncias. A tela 48, pintada por Rebolo no ano de 1937, tem como tema as Lavadeiras, que d o nome obra. Este ambiente feminino composto por cinco mulheres beira de um imenso tanque coletivo dividido em trs compartimentos. Esta estrutura est sob a proteo de um galpo composto de quatro pilares, dois de cada lado, que sustentam o telhado de cor escura, um 190
marrom enegrecido que toma conta da parte superior do quadro at o seu limite. A perspectiva da obra construda com o auxlio de elementos compositivos como os pilares, o tanque, o telhado, e as figuras das mulheres que so maiores no primeiro plano e menores no segundo. A estrutura de concreto, que constitui o tanque e todo o conjunto da edificao sob a qual esto as lavadeiras, composto por linhas retas. Tanto o concreto armado, quanto as retido das formas so elementos que nos do pistas para pensarmos na obra como uma composio modernista, bem como para analisarmos a So Paulo que se moderniza. As cores neutras utilizadas em toda a composio pictrica so o bege, o cinza, o marrom e o preto em tonalidades mais claras e mais escuras. As pinceladas so longas e ntidas, os traos so simples e as formas um tanto difusas, no evidenciando detalhes, especialmente dos rostos das mulheres lavadeiras. As quatro mulheres que esto na beirada do tanque lavando roupas usam vestidos em tons de cinza e bege, j a que est no fundo da tela veste uma roupa diferente, est de saia preta e blusa branca e no est debruada sobre o imenso tanque como as outras figuras, mas se encontra apenas encostada, descansando do trabalho. Os ps no esto ntidos, mas a idia que se tem de que esto descalos. As figuras esto esboadas e as linhas formam ngulos que em muito se assemelham aos princpios do cubismo. O pintor sugere, nesta obra, o trabalho feminino num local que tanto pode ser o arrabalde da cidade, como tambm uma rea da zona urbana, pois o galpo em que esto apresenta uma construo retilnea que tambm podemos ver na obra de Portinari, a quem Rebolo faz referncia quanto ao aspecto plstico nesta sua tela de nmero 48.
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48. Francisco Rebolo Gonsales Lavadeiras, 1937, leo sobre madeira, 35 x 39 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
A tela de nmero 49, Lavadeiras, foi produzida por Candido Portinari em 1937, ano em que Rebolo tambm produziu sua obra e, da mesma forma que Portinari, intitulou sua obra. No entanto, Portinari em sua tela dispe trs mulheres que caminham em cho de terra com as trouxas de roupa na cabea em direo ao local onde lavaro as roupas, diferente de Rebolo, que pinta em sua obra as mulheres lavadeiras em plena atividade no tanque. Estas mulheres pintadas por Portinari vestem roupas brancas, assim como branco o tecido 192
das trouxas de roupa que levam no alto da cabea, bem como o pano pendurado no varal do lado direito das trs figuras. Com uma das mos elas amparam a trouxa que cada uma carrega. Jlia Lopes retrata bem a profisso da lavadeira e mesmo o preconceito e desqualificao sofridos por aquelas residentes na cidade. Em sua crnica, ela diz que roupa branca representa asseio,
nela que o nosso capricho e o nosso zelo [femininos] melhor se podem revelar [...] As pessoas que residem em cidades populosas devem procurar sempre, com o mximo cuidado, dar a sua roupa de uso a lavadeiras que morem fora, em arrabaldes isolados, onde a gua corra abundantemente e as ervas tenham frescor, vio e perfume. Detestei sempre as roupas lavadas em tanques e nas tinas de cortios ou dos quintais apertados da cidade. Ali, com o mesmo sabo e na mesma gua as lavadeiras misturam a roupa de toda a gente, sem distino, estendendo-a depois a secar sobre pedras ou sobre zinco, em um ar viciado e doentio. noite recolhem e guardam a roupa no mesmo quarto em que dormem com a filharada, entre o amontoado dos trastes e dos trapos. As lavadeiras do campo tm geralmente mais largueza, vivem em casas maiores [...]. 248
Esta cena, descrita por Jlia Lopes de Almeida, nos acresce de informaes para pensarmos, em conjunto com o que as obras nos apontam, a condio da lavadeira na cidade que se moderniza, a profisso feminina nas grandes cidades e na vantagem que estas mulheres tm, segundo a autora, em realizarem suas atividades fora do espao urbano, cujo ar viciado e doentio. Estas caractersticas da cidade, destacadas por Jlia, sugerem a imagem de uma cidade agitada, na qual as pessoas fazem atividades repetitivas, prtica que consiste numa dependncia, especialmente financeira. Esta atitude obsessiva, que tem carter de doena, conduz a uma vida insalubre. Podemos pensar ainda em outra significao para esta dupla caracterizao do ar da cidade e, desse modo, viciado e doentio poderia ser entendido como adulterado e que, portanto, provoca mal sade. Neste
248 ALMEIDA, Jlia Lopes de. Roupa branca. In: Livro das noivas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1914, p. 19-20. 193
sentido, o ar da cidade grande no teria a pureza e o frescor dos arrabaldes, como cogita a prpria autora, fato que corrobora, inclusive, a idia de que as lavadeiras de Rebolo estejam mesmo na cidade, especialmente, pelas roupas que trajam, as quais no so alvas como as que portam as personagens da obra de Portinari. Assim, por meio das cercanias da cidade e dos personagens que convivem nestes locais que podemos pensar no centro urbano e nos impactos que o crescimento da cidade ocasiona, nas novas formas de sociabilidade que gera. , pois, o avesso da modernizao que nos possibilita refletirmos sobre a modernizao e a urbanizao a partir destas obras.
49. Candido Portinari Lavadeiras, 1937, tmpera sobre madeira, 46,0 x 54,5 cm, ass. e dat. c.i.d., Coleo particular
Nesta tela em que aparecem as lavadeiras no entorno da cidade, a mulher que est no primeiro plano aparece apenas da cintura para cima, ela mais robusta que as demais, possui uma feio bem ntida e seus traos remetem mistura de brancos e negros, pois a pele no to escura como a 194
dos negros, no entanto, seus lbios so proeminentes e o nariz largo. A mulher que est logo atrs na composio, aparece de corpo inteiro, est de ps descalos e tem o mesmo tom de pele da mulher em primeiro plano. No visualizamos os seus olhos, encobertos pela trouxa de roupa na cabea, mas o seu nariz e sua boca esto ntidos e se parecem com a figura do primeiro plano. A mulher mais ao fundo est de vestido de manga comprida e suas feies no esto visveis, no podemos notar olhos, nariz e boca, apenas vemos o esboo da cabea. Estas mulheres esto inseridas numa paisagem montanhosa, uma cena que se d no arrabalde da cidade e que neste momento ainda rural. 249 No segundo plano da composio vemos terras alterosas, nas quais notamos algumas cercas brancas que separam as reas de plantao em meio a pequenos arbustos e uma pequena casa simples. A cadeia de montanhas que est do lado direito e ao fundo da composio forma um vale na rea central da tela e auxilia na construo da perspectiva, do mesmo modo que as figuras das trs mulheres colocadas em diagonal contribuem na elaborao de uma linha de perspectiva. No entanto, no h um nico ponto de fuga, como na obra de Rebolo, pois nesta tela 49 as linhas que se formam com os elementos compositivos no convergem para um nico ponto, mas para dois, um do lado direito, quando seguimos com o olhar as montanhas, e um do lado esquerdo, quando acompanhamos o caminho das mulheres lavadeiras do segundo plano em direo ao primeiro. As cores usadas por Portinari so sbrias, aspecto plstico o qual Rebolo tambm lana mo em sua tela. No h em Portinari verdes berrantes nas cores da mata e nem mesmo o cu pintado numa tonalidade viva de azul, mas esmaecido por algumas manchas cinzas sobrepostas cor azul. Rebolo faz tambm uso de tintas pouco vibrantes. As pinceladas de Portinari so longas especialmente no que diz respeito pintura do cu, modo como Rebolo tambm constri os traos que compem os elementos constitutivos de sua obra 48.
249 Ver anexos 21 a 26 do captulo 2, os quais consistem em paisagens pelas quais podemos notar bairros como o Canind, o Cambuci e o Santo Amaro como regies distantes do centro e que possuem ainda caractersticas de zona rural. 195
A obra de nmero 50, cujo ttulo tambm Lavadeiras, foi pintada por Portinari por volta de 1937, mesmo ano em que foram produzidas as telas de nmero 48 e 49, respectivamente de autoria de Rebolo e Portinari. Diferentemente de Rebolo que pinta mulheres brancas na beira de um grande tanque coletivo, Portinari em suas obras aborda o trabalho feminino pintando negras e mulatas lavadeiras. No entanto, Portinari e Rebolo abordam o trabalho feminino e sugerem a realizao das atividades laborais em grupo. As mulheres de Portinari so robustas, enquanto que as de Rebolo so menos encorpadas. Portinari que na tela 49 sugere o trabalho feminino apresentando as mulheres com a trouxa de roupa na cabea, diferente de Rebolo que as mostra lavando roupas, na obra de nmero 50, Portinari no s sugere o trabalho como tambm o no trabalho, pois, notamos em sua obra que apenas uma mulher executa a lavagem da roupa, enquanto outra leva na cabea uma cuia e as demais esto sentadas ou em p e descansam da lida enquanto conversam. Nesta imagem podemos ver ao todo sete mulheres que constituem a cena, todas elas esto vestidas de roupas brancas e possuem grandes ps descalos. Em primeiro plano e do lado direito da tela notamos duas mulheres fortes lado a lado, com pernas e braos grossos e ancas largas, caractersticas do tpico fsico das mulheres negras, mas tambm das mulheres que exercem trabalhos braais. Estas mulheres possuem as feies sem muito detalhamento, esto em p, uma um pouco mais frente da outra, e parecem conversar. Ao lado delas, tambm em primeiro plano, uma mulher no to encorpada est sentada no cho de pernas cruzadas, parece descansar da lida. Pelo seu olhar, ainda que no esteja bem ntido, podemos perceber o cansao do trabalho braal. Ainda no primeiro plano e do lado esquerdo da tela, outra mulher descansa do trabalho sentada, esta, porm, mais robusta, como aquelas que esto em p. Ela est com os joelhos dobrados que servem de apoio para as mos que os abraam, expresso corporal que sugere cansao fsica. Sua fisionomia tambm aponta isto, ainda que os detalhes do rosto no estejam to aparentes. A figura desta mulher, por ter esta constituio fsica e por estar nesta posio, remete-nos s telas de Tarsila do 196
Amaral como Abaporu, Antropofagia e A Negra 250 , obras que tm como elemento compositivo primordial uma imensa mulher negra que Tarsila prope ser a figura da mulher brasileira, projeto modernista de representar a imagem do Brasil e do brasileiro, a mistura de raas que encontramos nos tipos sociais do pas.
50. Candido Portinari Lavadeiras, c. 1937
No segundo plano da composio h outras mulheres. No centro da tela, vemos a nica mulher que efetivamente lava roupas, ela est debruada sobre uma tina de gua, que tem como apoio um suporte retangular para que, assim, esse recipiente de gua fique um pouco mais alto para a mulher que esfrega a roupa. Ela no tem as feies ntidas, usa um leno na cabea e vestido de manga longa para se proteger do sol. Do lado esquerdo, h ainda outras trs mulheres ainda no segundo plano, duas delas esto em p, uma de frente para a outra e conversam no intervalo do trabalho. Enquanto isso a terceira mulher
250 Ver anexos 1, 2 e 3. 197
deste lado da tela est mais ao fundo e encontra-se sentada, descansando apoiada sobre um quadrado de concreto que se assemelha a um grande tanque. Desse modo, Portinari sugere o trabalho e o no trabalho destas mulheres negras que perambulam por espaos destinados populao pobre, os bairros mais distantes da regio central da cidade e que muitas vezes se confunde com a prpria zona rural, pelas caractersticas de campo que os bairros longnquos apresentam. Tanto Portinari quanto Rebolo trazem tona a temtica do trabalho feito pelas mulheres, assunto pelo qual se pode discutir a modernizao que estes pintores propem da cidade. A abordagem do trabalho feminino em suas obras indica a conquista que pouco a pouco as mulheres foram tendo no campo do trabalho. Elas que j executavam a funo de dona de casa, esposa e me, passam, paulatinamente, a assumir outra jornada de trabalho, a atividade que desenvolvem fora do ambiente domstico com o intuito de auxiliarem no sustento familiar. Alm da questo de gnero, do trabalho das mulheres que muitas vezes exercem jornada dupla, executando dentro e fora de casa atividades para as quais no se exige habilidade intelectual, h ainda em pauta a discusso tnica, dos negros e da condio marginal desta populao que deixou de ser escrava e no foi adequadamente absorvida, em especial por no constituir mo-de-obra qualificada cada vez mais necessria para a cidade que se moderniza. A desigualdade social, tnica e de gnero continuam a fazer parte da cidade moderna. O cenrio em que estas mulheres esto possui linhas retas, formas simples, assim como so simplificados os desenhos das prprias mulheres, despojados de detalhes ntidos. A construo em segundo plano em nada se parece com as casas da periferia ou mesmo da zona rural, uma edificao semelhante s casas modernas construdas na rea urbana na dcada de 1930 251 . A obra de nmero 51, feita por Zanini por volta de 1940, apresenta como tema, e tambm ttulo da obra, as Lavadeiras. Assim como Rebolo em sua obra 48 e Portinari em suas obras 49 e 50, todas produzidas em 1937, Zanini nesta tela apresenta as mulheres envolvidas em suas atividades domsticas nos
251 Ver anexo 4. 198
arredores de So Paulo. De maneira diferente de Rebolo, Zanini usa uma paleta de cores mais diversificada do que as poucas cores neutras usadas por Rebolo. Na obra de Zanini, a cor que predomina o verde, presente na mata que compe grande parte da tela. Em meio ao gramado e aos pequenos arbustos, vemos duas mulheres lidando com a roupa, enquanto uma lava a outra estende no varal. Elas usam roupas parecidas, vestido em tom de cinza escuro e leno branco na cabea. No segundo plano, observamos, do lado direito da tela, um arvoredo e, do lado esquerdo, uma casa ao lado de um tronco de rvore que, apesar de possuir traos retilneos, difere da casa modernista presente na obra de nmero 50 produzida por Portinari. O cu, de cor branca com algumas pinceladas em um tom de azul acinzentado bem claro, ocupa a menor poro do quadro.
51. Mrio Zanini Lavadeiras, c. 1940
As pinceladas que compem os elementos da tela so rpidas e espessas, o que promove certo movimento na cena. Esse movimento constitudo tambm pela luz que incide sobre cada componente da obra, num jogo de claro e escuro, evidenciando as massas de tintas, o que se pode observar pelas reas mais claras que se sobressaem. As formas so simples e 199
os elementos na cena so difusos, com poucos detalhes e esboados pelo pincel gil, por uma paleta com pouca diversidade de cores, influncia cezanniana em sua obra. Portinari em 1939 produz a obra Lavadeiras, tela de nmero 52, na qual levanta novamente a temtica do trabalho feminino. Nesta tela, Portinari aborda mais uma vez o cotidiano das mulheres negras trabalhadoras. So duas as mulheres que compem a cena, elas so corpulentas, possuem formas arredondadas, tronco robusto, pernas e braos fortes que muito se assemelham s outras obras de Portinari, de nmero 49 e 50, e as mulheres retratadas por Tarsila e que podemos ver nos anexos 1, 2 e 3. Esto de vestidos de bolinhas feitos de um tecido mole na altura das canelas, que se moldam aos contornos dos corpos e evidenciam a feminilidade destas mulheres, bem como a fora fsica das mesmas, prpria de trabalhadoras braais. Elas esto numa posio pela qual se prope movimento, pois esto com uma perna diante da outra, o que indica que elas estejam caminhando uma de encontro com a outra. A mulher do lado direito do observador est totalmente de lado e aparece de perfil, enquanto que a do lado esquerdo est na diagonal, e seu rosto e seu tronco so mostrados quase que de frente. Os ps esto descalos e a fisionomia de ambas as mulheres sria e aparenta certo cansao, em especial a mulher do lado esquerdo da tela, pois, ainda que Portinari no as tenha disposto na tela em plena execuo do trabalho como lavadeiras, j que na obra no aparecem em tanques lavando roupas e nem mesmo carregando-as, o vigor fsico e o cesto de vime que se encontra entre as personagens indicam o labor, o servio pesado que elas realizam cotidianamente, tanto na lavagem de roupas, como no carregamento de um lado a outro de objetos e at mesmo de roupas, no qual utiliza o cesto como auxlio no transporte. Outro elemento fornecido por Portinari nesta obra e que sugere o trabalho braal das robustas mulheres negras o pilo que se encontra no lado direito da tela, em segundo plano, logo abaixo da janela que compe a edificao que toma conta de todo o segundo plano. O pilo era bastante utilizado pelas mulheres para bater, triturar, descascar, amassar e moer milho, caf, arroz e outros produtos. Este trabalho exigia da mulher fora fsica para a sua realizao.
200
52. Candido Portinari Lavadeiras, 1939, leo com areia sobre tela, 38 x 46 cm, ass. e dat., c.i.e., Coleo particular
As pinceladas so rpidas e, assim, propem movimento cena. H uma luminosidade por toda a tela, no entanto, no vemos nenhuma sombra projetada pela luz que incide sobre os corpos das mulheres e os objetos. H dois elementos compositivos que auxiliam na construo da perspectiva: o primeiro a linha que forma uma esquina no meio da tela, ngulo formado pelas duas paredes que se encontram e que divide o quadro ao meio propondo dois pontos de fuga, um que segue direita e outro que segue esquerda; o segundo a janela que est no canto superior direito da tela, cujo ngulo acompanha a quina da parede e, assim, desenha a perspectiva. A janela constitui um componente da obra que sugere a modernizao e a industrializao da cidade, pois para a sua construo foi utilizado o ferro, elemento estrutural de pontes, edifcios, alm de vrias outras aplicaes. A partir da Revoluo Industrial, no sculo XVIII, foi que o ferro ganhou importncia econmica fundamental, como insumo obrigatrio da indstria siderrgica e da indstria em geral. 201
A tela 53, produzida por Pennacchi, apresenta a Mulher com rodo, ttulo da obra de 1940. Uma mulher de grande porte ocupa toda a extenso da tela, as formas so simples, as cores so sbrias, as pinceladas so rpidas e a tinta fluida, pelo fato de o pintor ter utilizado aquarela sobre papel para apresentar a mulher trabalhadora. Esta mulher possui cabelos pretos e podemos notar um leno que envolve sua cabea prendendo parte dos cabelos. A roupa consiste num vestido branco com listras finas em um tom de cinza bem claro que se assemelha a um jaleco, uma vestimenta, geralmente uniforme, usada por empregados da faxina. Nos ps observamos meias de cor bege e um sapato preto grosseiro, tpico masculino, indcio de que houvesse algo de masculino na mulher que trabalhava fora de casa, como se ela se masculinizasse. 252
Nas mos ela segura um rodo que repousa sobre o solo. A mulher possui uma feio pintada de modo simplificado, assim como todo o resto, o que aproxima a pintura de um esboo. Ela est parada, com o olhar fixo, como se observasse o pintor que a retrata. Sua posio nos d a idia de que ela est posando para o pintor, em seu momento de descanso do trabalho. Enquanto ela pra suas atividades laborais, o pintor d incio ao seu trabalho, utilizando a robusta faxineira como modelo vivo.
252 Sobre a masculinizao das mulheres por meio da indumentria, forma, inclusive, como ela acessa os cargos masculinos, consultar MELLO E SOUZA, Gilda de. O esprito das roupas: a moda no sculo dezenove. So Paulo: Editora Schwarcz, 1996. H tambm interessante referncia ao tema em: PONTES, Helosa. Modas e modos: uma leitura enviesada de O esprito das roupas. Cadernos Pagu Dossi: O gnero da moda e outros gneros (22), Jan- Jul, 2004. Outro trabalho que aborda a temtica, em especial no que diz respeito ao fardo usado pelas mulheres na Academia Brasileira de Letras, o que consta em: FANINI, Michele Asmar. Pano pra manga: a converso da Academia Brasileira de Letras em uma arena de moda. Revista dObra[s], v. 3, p. 68-75, 2009. 202
53. Fulvio Pennacchi Mulher com rodo, 1940, aquarela sobre papel, 29,0 x 18,6 cm
A mulher que Pennacchi apresenta se insere no universo do trabalho na So Paulo moderna, a mulher que sai de casa para trabalhar e, assim, ajudar 203
no sustento da famlia, o que alis, j ocorria em So Paulo bem antes da dcada de 1930. Maria Odila Dias oferece um bom panorama dos antecedentes histricos da diviso entre os sexos na cidade de So Paulo. A autora afirma que em 1825 havia falta crnica de homens em So Paulo para desempenharem, por exemplo, a funo de jornaleiro, para trabalharem nas construes pblicas e no conserto de estradas, onde costumavam servir, lado a lado, escravos e homens livres. 253 Por conta disto que as mulheres foram ocupando postos de trabalho, nos quais os encarregados eram antes os homens.
Em So Paulo, onde as ocupaes levavam os homens a ausentar-se em expedies pelo serto, os papis femininos tomaram colorao peculiar, que se acentuaram no sculo XIX, com a persistente ausncia de homens, que levavam vida andeja como intermedirios de firmas comerciais, entre Rio de Janeiro, sul de Minas, Mato Grosso e Gois. 254
De acordo com a autora, o desequilbrio dos sexos e a modificao das relaes sociais como um todo, mais especificamente entre homens e mulheres, tinha ainda uma causa anterior, e se devia ao prprio processo colonizador, pois, com a marcha do povoamento, houve a tendncia de formar frentes pioneiras, onde faltavam mulheres brancas e os homens eram ausentes. Com isso, tivemos a presena de uma populao majoritariamente feminina, s vezes de mestias, s vezes de brancas empobrecidas. 255
Richard Morse nos d outros dados sobre a emancipao feminina, e afirma, com relao a isto, que em 1898, milhares de mulheres comeavam a trabalhar em estenografia e nas indstrias. J no que se refere ao casamento, ainda conforme o autor, no sculo XX, mais especificamente em 1937, tornou- se cada vez menos comum entre as mulheres a unio pelo matrimnio antes da faixa etria dos 20 anos. Segundo o Morse, este comportamento denota uma sobreposio da poca patriarcal pela industrial, o que levou, no caso das mulheres, como no dos trabalhadores, a uma reorganizao muito maior de
253 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em So Paulo no sculo XIX. So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 35. 254 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. op. cit., 1984, p. 34. 255 Cf. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. op. cit., 1984, p. 34. 204
suas atividades econmicas que de suas lealdades de ordem emocional. 256
Ainda assim, embora as mulheres no estejam mais sujeitas aos tabus patriarcais e que o ingresso seja crescente nas carreiras profissionais, o autor afirma que a maioria, mesmo as que tm empregos, se acomoda tradio que prioriza os interesses domsticos. Vimos que a temtica das lavadeiras, levantada por Rebolo, Zanini e Portinari, coloca em evidncia o trabalho feminino, executado por grupos de mulheres de baixa renda, que residem em reas distantes da regio central da cidade, em bairros to longnquos que se confundem com a rea limtrofe entre zona urbana e zona rural, como podemos visualizar nas imagens 15 a 20, nos anexos do segundo captulo, as quais apresentam alguns bairros de So Paulo como se estivessem fora do permetro urbano, dadas as caractersticas de campo que possuem. Maria Odila Dias nos fornece elementos que antecedem o nosso recorte temporal, mas que, ainda assim, agregam informaes para embasarmos nossa anlise e nosso argumento, em especial, quando diz que,
Na cidade de So Paulo, o espao de sobrevivncia das mulheres foi aos poucos sendo absorvido pelo processo de urbanizao, num longo confronto de reclamaes e resistncia. Lavavam roupas nos chafarizes pblicos, criavam porcos soltos, deixavam seus animais de criao invadir terrenos de vizinhos; no tendo escravos para levar o lixo, dispunham dele nos locais pblicos... Era essencial para a sua sobrevivncia de mulheres pobres ter acesso s matas de uso comum, conservar suas posses e casebres, s vezes construdos fora do alinhamento permitido por posturas municipais. Exigiam acesso aos matos e terrenos baldios da cidade, requerendo terrenos onde pudessem construir casa e quintal... atento o estado de sua pobreza; por vezes, adiantavam-se s concesses e construam casas em terrenos pblicos (...). 257
Como sugerem as imagens sobre estas mulheres, a populao de baixa renda de So Paulo foi empurrada para a periferia da cidade, onde viviam e desempenhavam suas funes que, muitas vezes, mesmo sendo um trabalho realizado para outras pessoas, as quais pagavam pelo servio, como no caso
256 MORSE, Richard M. op. cit., 1970, p. 291. 257 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. op. cit., 1984, p. 35-36. 205
das lavadeiras, tal trabalho no deixava de ser domstico. Estas caractersticas, ou seja, o fato de as mulheres pobres serem empurradas para o arrabalde e o trabalho por elas desenvolvido se dar em espao domstico so ocorrncias que nos remetem modernizao ao revs. O que endossa este nosso argumento o fato de que com o crescimento da cidade e a industrializao em ascenso o centro urbano demandava mais espao para expandir seus negcios, o que requeria tambm mo-de-obra especializada para a realizao das atividades ligadas ao trabalho operrio. De acordo com Saffioti,
O intenso processo de urbanizao que a revoluo industrial inaugurou desalojou do campo imensas massas de trabalhadores rurais, minou as bases da fabricao domstica e do artesanato independente; cavou, enfim, um profundo abismo entre o trabalho e a posse dos instrumentos de trabalho, promovendo o assalariamento de crescentes massas humanas provenientes de uma economia campesina ou de burgo. 258
Assim sendo, as pessoas que ainda permaneciam nos campos ou arredores do centro urbano, morando e desenvolvendo suas atividades laborais nestes espaos, eram aquelas que no tiveram condies de acessar os trabalhos assalariados oferecidos na cidade. Portanto, a presena destas pessoas nas cercanias da cidade refora a idia de que no tiveram insero na cidade que se modernizava, constituindo, pois, a rebarba desta esfera. No que tange ao contedo abordado nas pinturas analisadas, ainda que o assunto seja o mesmo, cada pintor trata a temtica da atividade laboral das lavadeiras sob um aspecto. Enquanto Portinari aborda o trabalho feminino de negras e mulatas robustas, cujo fsico desenvolvido se deve no s ao fato de serem afro-descendentes, mas tambm pelo trabalho braal dirio, as lavadeiras de Rebolo e Zanini so mulheres brancas e no to encorpadas como as que Portinari apresenta em suas telas. Dentre as trabalhadoras analisadas nestas obras, a nica que no est lavando roupa a mulher que Pennacchi pinta em seu quadro. Esta mulher uma figura solitria, ao contrrio das lavadeiras de Rebolo, Zanini e Portinari, e
258 SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2.ed. So Paulo: Vozes, 1979, p. 36. 206
ao invs de lidar com a roupa, ela est com o rodo na mo. Da mesma forma que as mulheres de Rebolo e Zanini, a trabalhadora de Pennacchi branca, no entanto, de maneira distinta aos outros pintores do Palacete Santa Helena, esta mulher forte, vigorosa, tem formas rolias, estrutura de mulher matrona, a mulher que de todos cuida, uma mulher polivalente que cada vez mais est presente na sociedade urbana, industrial e moderna, uma mulher que ao gerir uma casa, assume papis masculinos e por conta disto, ou at mesmo para isto, que se masculiniza. Com a criao de novos produtos, criam-se novas necessidades e para isso necessrio que haja maior poder de compra por parte dos provedores da famlia. Sendo assim, cada vez mais freqente a figura da mulher que trabalha dentro e fora de casa para ajudar no sustento familiar e suprir os gastos domsticos sozinha ou mesmo complementando a renda do marido ou de outras pessoas que compartilhem o mesmo espao domiciliar. Com o crescimento da cidade, a populao de baixa renda foi sendo cada vez mais marginalizada, empurrada para a periferia, para os bairros mais afastados do centro. A industrializao em So Paulo desencadeou um processo migratrio e imigratrio para a cidade que inchou a rea central. Desse modo houve uma supervalorizao do mercado imobilirio nesta regio, o que fez com que as pessoas economicamente menos favorecidas cada vez mais se deslocassem para os arrabaldes. De acordo com Amaral, no estava dentro das cogitaes do modernismo dos anos 1920 a previso das migraes que ocorreram em 1930 e principalmente em 1940, em conseqncia das secas no nordeste do pas, o que alterou substancialmente o crescimento da cidade, provocando os inchaos populacionais e a exacerbao das contradies sociais entre ns. A utopia do moderno, assim, cedeu lugar realidade dura. Difcil de enfrentar, mas que ser vencida por geraes que no as nossas, pois a vitalidade do Brasil espantosa. 259
Na imagem 54, Rebolo apresenta uma obra pintada tambm em 1937 e que se trata de um Nu, o ttulo da tela. Nesta imagem, a modelo vivo est apoiada num banco alto, o que a faz ficar quase de p, apoiando um p no
259 AMARAL, Aracy. A imagem da cidade moderna: o cenrio e seu avesso. In: FABRIS, Annateresa, org. Modernidade e Modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994, p. 95. 207
cho e o outro no degrau do banco. Na sala em que a modelo posa h, atrs dela, um armrio de madeira, no qual ela apia um dos braos, de modo que com a mo segure a cabea. O outro brao recai sobre a perna dobrada. Suas feies esto apenas esboadas, no fica evidente o rosto com detalhes de seu contorno, boca, nariz, olhos e sobrancelha. Os cabelos so pretos e fartos na altura dos ombros, a mulher branca.
54. Francisco Rebolo Gonsales Nu, 1937, leo sobre madeira, 48 x 38 cm, ass. c.i.d., Coleo particular 208
Do lado direito da modelo h um pequeno mvel com uma gaveta, sobre o qual vemos o esboo de uma esttua, um bloco de notas e um telefone, um dos smbolos da modernidade, ligado criao da telecomunicao e ao desenvolvimento industrial. [...] Em 1884, sob os auspcios da Companhia de Telgrafos Urbanos, foram instalados os primeiros aparelhos telefnicos em residncias e em instituies comerciais de So Paulo [...]. 260 Com o telefone, houve um grande avano nas comunicaes, pois as distncias foram encurtadas, a apreenso do tempo foi modificada, e a sociabilidade entre as pessoas tambm se transformou a partir de ento. Como destaca Aranha,
O telgrafo e o telefone representam muito para cada comunidade, representam o fim das barreiras espao- temporais em sua comunicao com o mundo exterior. Providenciais fios metlicos, por meio dos quais tal ou qual comunidade, uma vez dispondo do equipamento, mantm-se em sintonia, sem necessidade da presena fsica ou deslocamento corporal, com o mundo dito civilizado. 261
Algumas propagandas sobre o uso do telefone 262 , produzidas no final da dcada de 1930, ressaltam as facilidades que o aparelho traz para a vida das pessoas, evidenciando as mudanas que comeavam a se delinear nas relaes sociais, as quais poderiam se desenvolver de maneira mais rpida, econmica e eficiente, j que com o aparelho no haveria necessidade de deslocamento, o que geraria uma economia com relao a transporte e tempo.
Na dcada de 1930 era de praxe os estabelecimentos comerciais usarem o telefone para atender freguesia. O cliente ligava de casa para o armazm, a quitanda, ou o consultrio mdico, e resolvia seu problema. Era o que prometia um anncio publicado em 1933, na Revista da Light: mdico, farmcia, dentista no caso de doena; cabeleireiro, manicura e modista para a beleza feminina; confeitaria, armazm, aougue, leiteria e padaria para os alimentos da famlia; e ligar para as amigas por
260 MUSEU DO TELEFONE - Fundao Telefonica. Disponvel em: < http://www.museudotelefone.org.br/livro_fotos/download/cidade.pdf>. Acesso em 30/01/2009. 261 ARANHA, Gervcio Batista. Sedues do Moderno na Parahyba do Norte: Trem de Ferro, Luz Eltrica e Outras Conquistas Materiais e Simblicas (1880-1925). In: , Alarcon Agra do, et alli. A Paraba no Imprio e na Repblica: Estudos de Histria Social e Cultural. 3. ed. Joo Pessoa: Idia, 2005, p. 105. 262 Ver anexos 5 e 6. 209
qualquer motivo se justificava. Nesses anos, as campanhas de incentivo ao uso do telefone garantiam ser ele Rpido. Barato. Positivo. Num mundo onde o lema era time is money (tempo dinheiro), a propaganda da CTB [Companhia Telefnica Brasileira] dizia: No perca tempo. Telephone!. 263
Desse modo, Rebolo sugere a modernizao da cidade de So Paulo, pois aborda em sua obra uma das principais invenes do sculo XX e que est intimamente ligada industrializao, s transformaes temporais e, desse modo, s relaes na nova sociedade que se torna cada vez mais urbana, industrial, moderna. Neste cenrio aparece a mulher como elemento participante nesta nova forma de sociabilidade, inserida no cotidiano da cidade grande e que usufrui das comodidades do telefone. Rebolo sugere nesta obra a figura da mulher como modelo vivo, como trabalhadora ao lado de objetos como o telefone e as duas obras de arte que compem a cena juntamente com ela. Neste recinto, alm do telefone e da esttua disposta em cima da mesa, vemos um quadro pendurado na parede, ao lado esquerdo da escultura. Neste quadro est esboada uma imagem muito parecida com outra obra de Rebolo, feita em 1943. 264 A temtica da obra que est na parede tambm o nu, assunto bastante pintado por Rebolo. Estas duas imagens, tanto a escultura quanto a pintura do nu, presentes na cena, evidenciam o trabalho do artista, materializado nestas obras. Rebolo, nesta composio, ao dispor as obras de arte ao lado do telefone, que tambm aparece na imagem, coloca em condio de igualdade a importncia destes trabalhos, ou seja, o trabalho do escultor, do pintor e do engenheiro que projetou o telefone. Com isso, Rebolo equipara o tempo, a dedicao e a habilidade necessrios para executar estes objetos, frutos do trabalho de profissionais envolvidos em desenvolv-los. Nestes objetos, tanto nas obras de arte quanto no telefone, esto agregados o trabalho do homem, o capital intelectual e material investidos.
263 MUSEU DO TELEFONE - Fundao Telefonica. Disponvel em: < http://www.museudotelefone.org.br/livro_fotos/download/cidade.pdf>. Acesso em 30/01/2009. [grifos meus]. 264 Ver anexo 7. 210
Alm disso, to importante quanto estes trabalhos o trabalho da modelo que posa para o pintor, atividade que no havia muita gente disposta a exercer, devido ao conservadorismo e ao preconceito, cuja existncia era bem anterior a este perodo, em especial com relao participao da mulher neste ambiente. Simioni nos aponta, quando de sua investigao sobre a carreira de algumas artistas que antecederam Anita Malfatti e Tarsila do Amaral no meio artstico, que na poca da academia esta instituio apresentava relutncia com relao presena de mulheres. Simioni enfatiza a dificuldade que as mulheres que almejavam a carreira artstica enfrentavam para ter acesso s aulas de modelo vivo, pelo fato de este estudo ser considerado no adequado para elas. Isto porque para que pudessem freqentar as sesses de modelo vivo elas teriam que compartilhar o mesmo espao de estudos que os homens e era impossvel a convivncia entre os sexos. 265
Se para participarem das atividades que envolviam modelo vivo as aspirantes a artistas enfrentavam dificuldades para serem aceitas, como nos mostra Simioni em seus estudos que envolvem a insero de mulheres na academia brasileira alm de algumas academias europias por ela analisadas (Frana, Inglaterra e Alemanha) podemos pensar que servir de modelo vivo seria ainda mais problemtico. Arriscamos afirmar que por conta da dificuldade em encontrar modelos dispostas a posar foi o que fez com que alguns dos pintores do Palacete Santa Helena, por diversas vezes, posassem uns para os outros, em sesses prprias para este estudo, como vimos no primeiro captulo. Ainda no captulo inaugural desta tese, observamos que o empecilho em encontrar modelo vivo para a prtica usual entre os pintores do Palacete Santa Helena, que consistia em realizar o estudo do corpo em sesses coletivas, foi o que motivou estes pintores, muitas vezes, a utilizarem a mesma modelo. O que corrobora para tal suposio a existncia de algumas imagens semelhantes de nu, mas que foram feitas por pintores diferentes. 266 Notamos neste mesmo captulo primeiro que algumas mulheres participavam dos estudos do modelo junto aos pintores do Palacete para que pudessem executar suas obras, o que denota ser este um espao desprovido de segregao sexista.
265 SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. op. cit., 2004, p. 69. 266 Ver anexos 8 e 9. 211
Ao observarmos as obras 55 e 56, produzidas, respectivamente, por Anita Malfatti e Candido Portinari, notamos certa referncia que Rebolo faz a estes artistas quando utiliza em sua obra concepes plsticas muito prximas. Do mesmo modo que Malfatti e Portinari, Rebolo aborda a temtica do nu feminino, levantando a questo do trabalho, em especial das mulheres que desempenham a atividade como modelo vivo. Rebolo cria um desenho com uma economia tanto de linhas quanto de variaes de cores, as formas so simplificadas e a cena proposta com poucos detalhes, as feies do rosto na obra de Rebolo, assim como na de Portinari, mais do que na de Malfatti, esto difusas, apenas esboadas. A pincelada nesta obra de Rebolo mais fluida e se aproxima mais com o modo utilizado por Portinari em sua tela do que com a de Malfatti, que utiliza uma tinta consistente, espessa. Quanto idia de volume, Rebolo novamente est mais afinado com a tcnica empregada por Portinari, j que este faz uso de pouca variao tonal de claro e escuro, criando uma pintura com um aspecto mais homogneo quanto s cores que se misturam quase que de maneira imperceptvel. J Malfatti evidencia mais a variao dos matizes de cores, efeito de luz e sombra, e, desse modo, as cores mais claras e mais escuras de um mesmo tom parecem no se misturar, com o auxlio de pinceladas agitadas, as diferentes tonalidades esto prximas e ressaltam as formas, criando uma iluso de maior volume. A tela de nmero 55 diz respeito ao Nu produzido por Anita Malfatti. Nesta obra a modelo vivo toma conta de toda a extenso do quadro e podemos v-la da cabea at suas pernas, na regio logo abaixo do joelho. Ela est em p, com o rosto de frente para o observador, o olhar fixo em quem a observa e os traos e feies da face esto ntidos, sobrancelhas arqueadas, olhos negros, nariz empinado, boca pequena e carnuda em tom rosceo, cabelos castanhos cujo comprimento est logo abaixo das orelhas. Seu tronco est levemente virado para a direita e seu corpo est apoiado sobre uma das pernas, enquanto que a outra est suavemente dobrada frente daquela que suporta todo o peso do corpo.
212
55. Anita Malfatti Nu, s.d., leo sobre tela, c.i.e., 63 x 42 cm, Coleo particular
O corpo est todo nu, sua estrutura fsica nos mostra uma mulher com formas vigorosas que acentuam a sua feminilidade, as coxas so grossas, as ancas largas, os seios firmes, o rosto delicado. O brao esquerdo repousa de maneira leve sobre a perna que est dobrada, de modo que a mo esteja sobre a coxa, enquanto que o brao direito est dobrado para cima, posio que permite que a mo alcance a espdua. A disposio desta imagem nos remete 213
imagem de Il David 267 , figura masculina esculpida no mrmore pelo artista do Renascimento italiano 268 , Michelangelo Buonarroti, no perodo de 1501 a 1504, quando a imensa esttua ficou pronta. No entanto, ainda que a posio da modelo pintada por Anita tenha como referncia a postura de David de Michelangelo, os aspectos formais da imagem produzida por ela so distintos dos apresentados na obra escultrica do renascentista italiano. Ambos se aproximam em seu modus operandi, pois pintam o nu, j que a proposta representar a beleza do corpo em movimento. No entanto, ao contrrio de Michelangelo que tem como projeto em seu trabalho produzir imagens que seguem as leis da matemtica, concebendo uma obra harmnica por estar afinada com os estudos de anatomia, Anita prope outro modo de conseguir harmonia, utilizando uma pincelada agitada de tinta espessa e com ela vai traando as linhas, os detalhes sem muita mincia, construindo, com o auxlio de cores mais claras e mais escuras, os volumes e as formas. Sua obra composta mais pela sugesto do que pelas linhas e traos esmerados, como na obra de Michelangelo. O segundo plano da obra de Anita Malfatti composto, do lado esquerdo, por um tecido verde escuro que parece cobrir um cavalete usado como suporte para tela ou prancha de desenho, e, do lado direito, por duas obras de arte que esto emolduradas e penduradas na parede. Tanto o cavalete com a tela em cima, instrumento e meio de trabalho para a pintora, quanto os dois quadros que ornamentam a parede, obras realizadas por ela, sugerem o labor feminino, o trabalho executado por Anita Malfatti que a
267 Ver anexo 10. Uma das esculturas mais clebres do Renascimento, a esttua de David ficou pronta em 1504 e esteve exposta em frente ao Palazzo Vecchio (Palcio Velho), na Piazza della Signoria (Praa da Senhoria), em Florena, at 1873, quando foi transferida para o interior da Galleria dellAccademia (Galeria da Academia), para proteg-la de mais desgastes externos. Desde 1910, uma rplica marca a entrada do palcio e as propores humanas quase perfeitas do original podem ser admiradas na Accademia, que recebe cerca de 1,2 milho de visitantes a cada ano. Desde a criao inspirada de Michelangelo, a escultura sofreu vrios ataques: alm dos protestos e tentativas de cobri-la com uma tanga, h 500 anos, os florentinos receberam- na com pedradas e, em outra ocasio, um banco foi arremessado contra ela por desordeiros. Cf. AGUIAR, Maria Carolina. Polmica nos 500 anos de David de Michelangelo. Cincia e Cultura, So Paulo, volume 56, nmero 1, janeiro-maro de 2004. Disponvel em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S000967252004000100043&ln g=en&nrm=iso>. Acesso em 17/01/2009. 268 Michelangelo se dedicou a estudar as esculturas gregas antigas e a representar a beleza do corpo humano em movimento, com todos os msculos e tendes. No se contentou, como Leonardo da Vinci, a aprender as leis da anatomia observando as esculturas antigas, mas realizou as prprias pesquisas de anatomia humana, dissecou cadveres e desenhou com modelos, at que a figura humana deixou de ter para ele qualquer segredo. Cf. GOMBRICH, E. H. A Histria da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p. 287 e 304-305. 214
autora da obra de nu e das outras que esto dispostas no ateli da artista. A presena da modelo vivo tambm um elemento que levanta a temtica do trabalho feminino, j que ela est exercendo sua atividade profissional, colaborando com o trabalho da pintora e fazendo parte do mesmo no que diz respeito ter sua imagem estampada na obra da artista. Os dois quadros na parede do estdio de Malfatti mostram outros trabalhos. No quadro mais no alto, ainda que no consigamos visualizar totalmente a obra pelo fato de a modelo cobrir parte da imagem, observamos um nu, uma pessoa ajoelhada e com o corpo apoiado sobre as pernas dobradas. Na obra que est embaixo, notamos um retrato e que, por mais que no esteja bem ntida a imagem da pessoa retratada, o esboo nos remete s obras em que Malfatti pinta o seu amigo Mrio de Andrade, o que percebemos, especialmente, pelas caractersticas do formato comprido do rosto e o uso do terno, modo como o personagem retratado aparece em outras pinturas tanto produzidas por Malfatti, quanto por Tarsila, Segall e Portinari. 269
Sendo assim, est agregado nesta obra o labor, no s no que diz respeito ao trabalho da pintora, como tambm dos modelos vivos, que so tambm trabalhadores e que contriburam para a elaborao de ambas as obras, bem como para a consolidao do modernismo em So Paulo, como o caso, por exemplo, da figura de Mrio de Andrade exposta na parede do ateli. A tela de nmero 56 produzida por Candido Portinari em 1930 consiste tambm em um Nu, ttulo da obra. Nesta imagem, uma mulher serve como modelo vivo para que o pintor a retrate. Ela est sentada na beirada de uma cadeira de madeira escura e que est coberta por um tecido no mesmo tom da cor da cadeira. O pano marrom avermelhado esconde o encosto da cadeira, cai sobre o assento acolchoado que possui o mesmo tom do tecido e vai at o cho, ocultando em parte os ps do mvel. A mulher branca est sentada com a perna esquerda sobre a direita, tomando como referncia quem a observa. A perna que est por baixo usada pela modelo como apoio, visto que seu p toca o cho com as pontas dos dedos. A perna que fica por cima tem o p solto no ar. O brao direito, para quem olha a modelo, est dobrado e apoiado no encosto da cadeira, de modo que a mo fica solta sobre o tecido, enquanto que o brao esquerdo repousa
269 Ver anexos 4 a 8 referentes ao captulo 2. 215
sobre a coxa esquerda. Seu tronco est suavemente voltado para o lado direito, enquanto que sua cabea pende para o lado esquerdo. O cabelo castanho, liso e curto, com o comprimento um pouco acima do queixo. Podemos notar um semblante srio, ainda que no estejam muito ntidas as suas feies, pois os olhos, nariz e boca esto sugeridos em pinceladas que simplificam as formas.
56. Candido Portinari Nu, 1930, leo sobre madeira, c.i.e., 32,5 x 23,5 cm, ass. e dat. m.i.d., Coleo particular
A modelo tem formas bastante femininas, dada a robustez de seu corpo, com o quadril largo, as coxas grossas, a barriga que se sobressai, os seios firmes e delicados. Seu trabalho o de posar para o pintor e o dele retratar a imagem em sua tela. Desse modo, est integrada a essa obra a idia de trabalho, o trabalho feminino e tambm o masculino. Portinari nesta tela levanta a temtica do labor da mulher, mas ele prprio est na condio de trabalhador enquanto pinta a modelo que para ele posa, ambos esto num local de trabalho, o estdio de pintura. O pintor est na posio do espectador, que observa a modelo enquanto retratada no ateli. como se observador 216
participasse, desse modo, do processo de elaborao da obra, da execuo do trabalho diante de seus olhos. O quadro na parede que podemos ver em segundo plano, no canto superior direito, cujo contedo no possvel identificar por no estar ntido, tambm um elemento que sugere trabalho, e a obra de arte, desse modo, o bem material produzido pelo desempenho de atividades profissionais, no caso o pintor e a modelo. Do mesmo modo que Malfatti, Portinari sugere as formas com pinceladas soltas, compondo assim toda a cena com seus volumes produzidos pelos contrastes entre claro e escuro, com traos e linhas apenas esboados, sem se deter nos pormenores, como, diferentemente, faz Michelangelo em suas produes no renascimento italiano. Rebolo, Malfatti e Portinari retratam mulheres brancas, em suas obras 54, 55 e 56, diversamente das imagens analisadas a seguir, nas quais as mulheres negras que so personagens nas telas 57, 58, 59 e 60, pintadas, respectivamente, por Rebolo, Segall, Volpi e Di Cavalcanti. Os quadros que trazem as mulheres brancas como protagonistas abordam o trabalho feminino na dcada de 1930, portanto, numa sociedade urbana e que pouco a pouco se industrializa. Nesta poca, no entanto, havia ainda muito preconceito com o trabalho de modelo vivo. O desenvolvimento material da cidade se dava mais rapidamente do que o cultural, pois a mudana de hbitos e costumes requer mais tempo para ser colocada em prtica. Sendo assim, os pintores do Palacete Santa Helena se reuniam no ateli para realizar estudos em conjunto em sesses de modelo vivo. Desse modo, tem papel fundamental o trabalho da modelo para a execuo das obras dos pintores no perodo em que estiveram juntos para que, assim, pudessem treinar o desenho a partir da anlise detalhada da compleio dos corpos. A tela 57 de Rebolo traz a Figura Negra com Paisagem, ttulo da obra na qual temos em primeiro plano uma moa negra de perfil para o observador. Esta figura, que toma conta de toda a extenso do primeiro plano do quadro, aparece de meio corpo, tem o cabelo curto, os lbios grossos, a mandbula proeminente e o nariz arrebitado, o que permite observarmos as narinas largas. O olhar da moa fixo e o semblante srio. Ela usa uma blusa branca de manga curta e tem os braos junto ao corpo, j as mos, no podemos ver, 217
pois esto fora do campo de viso do pintor, no constam como elemento constitutivo nesta tela.
57. Francisco Rebolo Gonsales Figura Negra com Paisagem, 1938/42, leo sobre compensado de papelo, 52 x 43 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
Ao fundo, notamos a paisagem em que est inserida a personagem, na qual se situam trs casas simples do lado direito e que esto em meio s 218
rvores e natureza, elementos que compem tambm o lado direito da tela. A paisagem do segundo plano mostra um local distante do centro da cidade, o arrabalde de So Paulo. A moa, virada para o lado esquerdo da imagem, apenas observa algo, no est em atividade laboral, talvez nem mesmo tenha um trabalho e viva na periferia da cidade, para onde foram empurrados os negros desde que deixaram as senzalas, aps a abolio da escravatura e quando houve a substituio de seu trabalho na lavoura pelo dos imigrantes europeus. Sem instruo e vtimas do preconceito por parte da populao branca, os negros muitas vezes no foram incorporados como trabalhadores na cidade e sem emprego ficaram marginalizados na periferia. Os braos junto ao corpo e a ausncia das mos no campo de viso do observador sugerem o no trabalho, seja pelo fato de a moa no possuir condies de t-lo (tanto intelectual, quanto fsica), seja por possui, mas estar insatisfeita com sua atividade laboral. O fato que esta personagem est, pois, num momento de no trabalho. A figura da moa imensa e transmite a sensao de que ela est em alto relevo, como que se destacasse da paisagem que avistamos ao fundo. Sua figura central e esta sensao de perto e longe que Rebolo sugere ao aproximar a moa do observador e distanci-lo da paisagem ao fundo o modo encontrado por ele para construir a noo de profundidade na cena. Rebolo utiliza a sobreposio de planos, e, neste caso, a figura em primeiro plano fica mais ntida do que os elementos constitutivos do segundo plano, que aparecem com as tonalidades de tinta mais esmaecidas, com as linhas mais tnues do que a figura mais prxima do observador. Outro elemento que auxilia na elaborao desta idia de profundidade da obra a disposio em diagonal das casas do lado esquerdo da tela. Estas casas nos fazem pensar numa linha imaginria que comea do lado esquerdo do quadro e o atravessa em diagonal at o lado direito, cortando a imagem desde o canto inferior esquerdo at o canto superior direito, onde, no ponto mais alto, conseguimos visualizar uma casa. Esta edificao, localizada no ponto de fuga da obra, consiste, como as outras casas, numa construo simples e cujo desenho est apenas esboado, com traos muito leves, como se houvesse uma bruma por toda a cena, e que vai se tornando mais densa, 219
em especial no segundo plano. Essa nvoa na atmosfera dificulta bastante a viso desta casa, pois est no ponto mais claro da obra. A imagem 58 produzida por Lasar Segall diz respeito obra Perfil de Zulmira, produzida em 1928 pelo artista lituano. Nesta tela observamos, em primeiro plano, uma mulher negra, aparentemente jovem, vista de lado pelo observador. Alm da cor da pele, seu cabelo curto e bem crespo e os traos de seu rosto evidenciam as caractersticas da ascendncia negra, pois ela possui o nariz largo, a mandbula proeminente e os lbios carnudos, referncias utilizadas tambm por Rebolo para compor a sua Figura Negra com Paisagem, tela de nmero 57 e na qual podemos observar um perfil bastante parecido com a personagem de Segall.
58. Lasar Segall Perfil de Zulmira, 1928, leo sobre tela, 62,5 x 54,0 cm, ass. m.i.d., Coleo Museu de Arte Contempornea da USP
A mulher presente nesta imagem se chama Zulmira, conforme o pintor. Ela tem os braos na lateral do corpo, levemente dobrados, e est virada para o lado direito, quase que de costas para o observador. Na obra de Rebolo h 220
uma meno clara a esta obra de Segall, no entanto, a sua personagem negra est voltada para o lado direito e o tronco no visto de costas, mas sim de frente. No que diz respeito ao perfil do rosto e posio da cabea, totalmente de lado, Rebolo compe sua figura como Segall em sua tela 58. Outro aspecto desta imagem de Segall que encontramos na tela de Rebolo o fato de a personagem de ambos os pintores no ter as mos visveis ao observador, as mos no aparecem na obra. Contudo, ainda que as mos, indispensveis s atividades braais, no estejam no campo visual do observador, o que sugere o no trabalho, os braos levemente arqueados do a idia de movimento personagem de Segall, o que no ocorre na figura de Rebolo. Esta mulher traja uma roupa estampada em variados tons de rosa e com algumas bolinhas mais claras e mais escuras, cores que do destaque cor da pele da personagem e fazem uma composio harmnica com o segundo plano, no qual h uma combinao com a cor branca, alm de alguns matizes de marrom, rosa e amarelo. Estas cores formam uma espcie de tecido com listras verticais de diversas nuanas e que ressaltam a imagem de Zulmira em primeiro plano. H, contudo, uma integrao do primeiro com o segundo plano e isso ocorre no somente pelas cores semelhantes entre o tecido da roupa da negra como daquele que forra a parede, mas tambm pelas pinceladas que compem listras que aparecem tanto na blusa da mulher quanto no tecido ao fundo. Na roupa de Zulmira estas listras esto apenas esboadas, com cores que se intercalam em pinceladas suaves, j na parede estas listras aparecem mais definidas, com cores que se contrastam em pinceladas bem demarcadas. Notamos ainda uma continuidade das listras que passam do primeiro para o segundo plano pelo trao do pincel que compe uma listra na estampa da vestimenta da mulher, do lado esquerdo, na altura de seu brao, e que tem continuao no forro da parede. Este tecido que compe o fundo da tela possui, alm de algumas listras horizontais, uma rea central na cor branca, sobre a qual h alguns desenhos de tipos vegetais, folhas e frutos em tons terrosos, alm de um tringulo na cor amarela e trs listras transversais, bem ntidos, do lado direito da obra, que so elementos que auxiliam na construo da noo de profundidade, colocando em evidncia a figura negra de perfil. Esta forma de compor a idia de 221
profundidade da cena, pela sobreposio de planos, foi em parte utilizada por Rebolo em sua obra, no entanto, este pintor produz uma paisagem ao fundo e utiliza tambm um ponto de fuga para conformar a perspectiva da cena, enquanto que Segall, alm de sobrepor o primeiro ao segundo plano, faz uso de um colorido vibrante em ambos os planos e que resulta no destaque da figura, que parece estar em alto relevo na obra. Tanto Segall quanto Rebolo levantam a temtica da mulher negra em suas obras e a colocam em evidncia na tela, pintando-a como num retrato. Todavia, a aproximao que eles fazem da personagem, como se dessem um zoom na imagem, no da figura vista de frente pelo observador, mas sim de lado, como se a mulher negra no pudesse ser encarada pelos que a observam. Ainda que a figura negra tenha destaque e seja tema principal nas obras de ambos os pintores, elas no so vistas de frente, mas sim de perfil. A sugesto na obra de Segall, e depois na de Rebolo, de que a mulher negra, diferentemente da branca que quando aparece assim em destaque vista de frente em grande parte das obras analisadas neste captulo so mulheres que, ainda que estejam na sociedade, so reconhecidas de forma desigual com relao s brancas. O fato que as mulheres negras no eram encaradas do mesmo modo que as brancas, pois alm de serem mulheres, eram negras, o que dificultava ainda mais a condio delas na sociedade. Florestan Fernandes sobre a insero dos negros no mundo dos brancos, afirma que mesmo depois que os negros se tornaram libertos ou cidados a condio dos mesmos no mudou muito.
O mundo que surgiria posteriormente, em virtude do crescimento urbano-comercial e industrial, no corrigiria essa situao; para que ele viesse a contar, para o negro e o mulato, era preciso que estes se transformassem previamente, assimilando atitudes e comportamentos do homem da cidade da era do trabalho livre e do capitalismo. Da o quadro desolador, que cerca a desagregao do sistema servil e a formao da ordem social competitiva. O negro e o mulato, postos margem, atravessam um duro perodo de desorganizao social, de apatia e de desmoralizao coletiva. E os fracos ndices de participao econmica, social e cultural chegam at os nossos dias atestando as dificuldades 222
enfrentadas pelo negro e pelo mulato para se integrarem ordem social competitiva. 270
Pela figura da mulher negra, estes pintores, desse modo, trazem tona o debate sobre a integrao da populao negra e mulata sociedade. Estas figuras sugerem no s uma incluso precria das mulheres, como, ao mesmo tempo nos faz refletir sobre uma proposta da modernizao s avessas, se pensarmos na condio marginal das mulheres e negras na sociedade que se moderniza. Sobre isto, Saffioti, afirma que o trabalho feminino alvo de explorao enquanto atividade exercida por um contingente humano subvalorizado sob vrios aspectos, e que as implicaes disto consistem na marginalizao das mesmas do sistema produtivo de bens e servios. Desse modo, h uma marginalizao do trabalho feminino, o que vale dizer, conforme a autora, na marginalizao da prpria mulher na sociedade. 271 Portanto, abordar a mulher negra nestas pinturas propor uma modernizao que no abarca estas figuras, pensar ao mesmo tempo na no modernizao da cidade por meio da modernizao da mesma. No que se refere aos aspectos formais, ainda que Segall e Rebolo tenham pintado mulheres negras, com composies plsticas bem prximas, os perfis das figuras negras so diferentes, no que diz respeito ao posicionamento do tronco. Enquanto que a personagem de Segall tem a cabea virada para o lado direito e o tronco est disposto de costas, a negra de Rebolo possui tambm a cabea de lado, ainda que seja para o lado esquerdo, e o seu tronco est de frente para o observador. Esta diferena na posio dos troncos das personagens, por mais que ambas estejam com a cabea de perfil, o que sugere a dificuldade em encarar as duas mulheres, h a proposta de um olhar diferente para cada uma. A mulher de Segall, quase que de costas, possibilita pensarmos numa maior dificuldade de enfrentamento que esta mulher tinha na sociedade do final da dcada de 1920, quando esta obra foi produzida, do que a negra de Rebolo em sua tela pintada no final da dcada de 1930 e incio da dcada de 1940.
270 FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. 2.ed. revista. So Paulo: Global, 2007, p. 171-172. 271 Cf. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. op. cit., 1979, p. 37. 223
Ademais, podemos analisar as duas obras lanando reflexes sobre a prpria condio de seus pintores, ambos de origem imigrante, Segall como imigrante lituano e judeu, e Rebolo, filho de imigrantes espanhis. Na obra de Segall, oriundo de um povo que foi desrespeitado, sofreu preconceitos e opresso cultural, a negra vista de costas, enquanto que na obra de Rebolo, descendente de espanhis, a negra est de frente para o observador. Em suas devidas propores, tanto os pintores quanto os negros que compem suas obras estavam numa condio de enfrentamento cotidiano na So Paulo que se modernizava, uma cidade que crescia e se urbanizava dia-a- dia, e que foi aos poucos sendo transformada numa metrpole. A cidade de So Paulo, com a presena de povos de diversas origens que para c vieram, consistia na esperana de um futuro promissor. Para isso, teriam que enfrentar os constrangimentos por parte da sociedade brasileira e lutarem para terem um lugar neste espao, no somente com relao insero cultural como tambm profissional. A tela 59, Mulata, ttulo da obra produzida por Volpi, mostra-nos em primeiro plano uma mulher de pele escura, aparentemente jovem, nua, que aparece de meio corpo, mas que toma toda a extenso da tela. Ela tem os olhos grandes, o nariz largo e os lbios grossos. Possui cabelos ondulados e escuros na altura dos ombros. A preocupao da mulata com sua aparncia pode ser notada pela posio das mos em suas madeixas. Com a mo esquerda ela segura uma parte do cabelo e com a direita, quase que sobre sua espalda esquerda, auxilia na arrumao de seu visual. 224
59. Alfredo Volpi Mulata, dcada de 1940, leo sobre tela, c.i.e., 80 x 65 cm, Coleo Rubens Schahin
No canto inferior direito h apenas uma ponta do que parece ser uma mesa sobre a qual est colocada uma toalha xadrez em tons de bege e marrom e um vaso de barro com flores rosadas. Atrs da mulata, vemos uma cortina de um tecido azul vibrante e que est parcialmente amarrada com um lao de fita vermelho. A cortina est na porta de entrada do cmodo onde se encontra a mulata, e separa um ambiente de outro. O arranjo da cortina, dividida ao meio e amarrada em duas partes, faz com que o centro, onde est situada a entrada para o cmodo, fique em descoberto, permitindo que o observador aviste, para alm da cortina, a outra rea do recinto. As cores so fortes, vivas, o azul presente na cortina, bem como o vermelho dos laos de fita que a prendem se sobressaem em meio ao marrom e o bege que predominam no restante dos elementos compositivos. As formas so simples, feitas com pinceladas rpidas, o que no proporciona riqueza de detalhes, mas uma idia geral da cena. 225
A mulata est numa posio que denota que ela esteja possivelmente em frente a um espelho, pois a forma como ela encara o observador e se arruma, nua, diante dele, sugere que este observador esteja na posio do objeto que reflete a imagem da mulata enquanto ela se ajeita. Esta imagem deixa entrever a vaidade desta mulher, que, nua, se olha, se cuida, ao mesmo tempo acaricia e arruma suas madeixas, se apronta diante do espelho. A nudez da mulata no seria suficiente para afirmarmos que a mesma se trata de uma prostituta, se o seu entorno associado ao contexto no reforassem esta possibilidade. Sua posio no to sexual quanto a mulata que Di Cavalcanti apresenta em sua imagem de nmero 60, no entanto, a composio da cena na tela de Volpi (59), em que a mulher est num ambiente que possui caractersticas que colaboram com este argumento, alm do fato de a mulata estar nua, de cabelos soltos, se observando e se preparando para o que h por vir, reforam esta idia. Alm disso, este um momento em que as mulheres negras tm dificuldades para angariarem fundos para a sua sobrevivncia (e, muitas vezes, de sua famlia), mais um elemento que nos possibilita arriscar dizer que esta mulata pode sim ser uma profissional do sexo. Informaes que ainda nos auxiliam na argumentao so as apresentadas por Florestan Fernandes, quando este afirma que a situao do negro aps a abolio no era das melhores, j que o mesmo no participara da revoluo econmica. Quanto a isto, Florestan ainda diz que a revoluo econmica,
se desenrolou, nas condies mais remotas e primordiais, em conexo com a formao e expanso da grande lavoura exportadora. Contudo, nesse processo o negro s teve uma importncia indireta, como agente humano do trabalho que permitiu a captao do excedente econmico que iria condicionar a constituio do complexo urbano- comercial de So Paulo e dinamizar o desenvolvimento do capitalismo comercial como realidade econmica interna. No obstante, o negro ficou margem desse processo histrico-social, cujos heris, no Estado de So Paulo, foram os fazendeiros de caf e o imigrante. Tambm ficou margem dos proventos dessa revoluo econmica, social e cultural, da qual s iria tirar algum proveito de modo muito tardio, quando o crescimento econmico e o desenvolvimento industrial passaram a mobilizar intensamente a reserva de trabalho existente na sociedade 226
nacional, portanto depois das dcadas de 1920 e 1930. 272
Assim sendo, a insero de negros na sociedade urbana e industrial ocorreu de modo marginal, o que contribuiu com que a populao negra, homens, mulheres e crianas, procurassem outras formas de incluso neste contexto econmico e social e no que diz respeito, especialmente, s mulheres, a prostituio seria uma destas formas. O ambiente e a posio da mulata na tela de Volpi do indcios de que ela esteja em seu ambiente de trabalho e que neste cmodo receba seus clientes. No entanto, neste momento em que as cortinas esto amarradas, a mulata est em seu momento de descanso, de no trabalho, ela est no intervalo entre um atendimento e outro, ou mesmo se preparando para iniciar o expediente de trabalho. Enquanto as cortinas amarradas propem o momento de no trabalho, as cortinas soltas sugerem que a mulata esteja realizando suas atividades laborais, j que esta pea de pano, que funciona como divisria entre um recinto e outro, permite certa privacidade neste compartimento da casa quando est solta. Esta obra levanta a temtica da atividade laboral desenvolvida por mulheres negras, pobres, que pela dificuldade em conseguirem emprego, precisam se submeter ao trabalho como prostituta, figura presente no cenrio urbano da So Paulo moderna, em virtude de ser este um meio de as mulheres ganharem a vida na cidade grande. De acordo com Clark, as prostitutas esto formalmente confinadas s margens da sociedade e parecem estar transformando a cidade sua margem. 273 Ainda conforme o autor,
A prostituio um tema delicado para a sociedade burguesa porque nela a sexualidade e o dinheiro esto misturados. H obstculos ao modo de representar ambos, e quando eles se cruzam geram o sentimento incmodo de que algo na natureza do capitalismo est em jogo, ou no mnimo no foi encoberto adequadamente. (...) Trata-se de uma questo de corpos se convertendo naquilo que em
272 FERNANDES, Florestan. op. cit., 2007, p. 169-170. 273 CLARK, T. J. A pintura da vida moderna: Paris na arte de Manet e de seus seguidores. Trad. Jos Geraldo Couto. Ed. rev. So Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 129. 227
geral no so nesse caso, em dinheiro. 274
Nesse caso, pode-se dizer que o sexo uma mercadoria como qualquer outra e que a mulher pobre que no tem como ganhar o seu sustento de outro modo, vende o prprio corpo como uma mercadoria. Clark apresenta a posio do socilogo Georg Simmel, que acreditava, por exemplo, que:
Na prostituio tanto a mulher como o dinheiro se degradavam, e que o ltimo aviltamento no era menos srio que o primeiro. O dinheiro perde sua dignidade, escreveu ele, e s pode reconquist-la se o preo do ato sexual for elevado a nveis irracionais, at que o mero brilho do ouro ofusque a reputao maculada da mulher. 275
A prostituio pode ser definida como o territrio da degradao e da dominao absolutas, o lugar onde o corpo se tornava valor de troca, uma perfeita e completa mercadoria, e adquiria a fora dessas coisas em um mundo em que elas eram todo-poderosas [...]. 276 A prostituta uma categoria: uma categoria que a autoridade procura manter nas margens do espao social, como uma espcie de barreira contra a natureza contra a constante ameaa do corpo de reaparecer na sociedade civilizada e reivindicar seus direitos. Tal categoria representa o perigo ou o preo da modernidade. 277
A tela 60, de Emiliano Di Cavalcanti, Mulata com leque, foi produzida em 1937 e sugere que a mulher esteja em seu ambiente de trabalho, o prostbulo. A mulata ocupa todo o primeiro plano e aparece apenas do tronco para cima. Ela est sentada e reclinada sobre um encosto, no qual apia tambm um dos braos. Seu corpo est levemente penso para o lado esquerdo, tomando como referncia o observador. A mulher possui cabelos pretos, fartos e cacheados na altura dos ombros. Seus olhos so pequenos e escuros, as sobrancelhas arqueadas, o nariz largo e os lbios carnudos e vermelhos. Ela est maquiada: notamos que sua boca est pintada com batom, o que ressalta os seus lbios
274 CLARK, T. J. op. cit., 2004, p. 157. 275 CLARK, T. J. op. cit., 2004, p. 157. 276 CLARK, T. J. op. cit., 2004, p. 158. 277 CLARK, T. J. op. cit., 2004, p. 158. 228
grossos, enquanto nas mas do rosto ela passou blush, pois sua bochecha est levemente avermelhada.
60. Emiliano Di Cavalcanti Mulata com leque, 1937, leo sobre tela, 38 x 46 cm
A mulata usa um vestido da mesma cor do batom, em um tom de vermelho rosado, debruado com um filete branco que enfeita as bordas do decote e das alas do vestido. Ainda que ela esteja vestida, seus seios esto praticamente mostra, pois o decote cavado e a mulata deixa o tecido escorregar, o que promove um jogo de mostra e esconde que torna a mulher mais provocante do que se ela estivesse totalmente nua. Estes detalhes reforam a idia de que se trata de uma prostituta. A mulher possui o semblante srio e o olhar penetrante. O brao esquerdo est junto ao corpo e o direito est dobrado e apoiado sobre a cadeira, em cujo punho h trs pulseiras da mesma cor do debrum do vestido. A mulata possui na mo que est pendurada um leque entreaberto, estampado em tons de amarelo e cuja armao formada por hastes sobrepostas na cor preta. O leque sugere a cultura francesa entre ns, o costume das mulheres 229
que utilizavam o abano no somente para se refrescar, mas que se tornou um complemento indispensvel vaidade feminina. 278
O segundo plano composto por um colorido vivo e que corrobora a idia de que o ambiente seja o de um prostbulo. Atrs da mulata vemos o encosto da poltrona onde ela est recostada e que tem cor de madeira. Notamos tambm um objeto na altura de sua espalda, de cor vermelha, com enfeites estilizados em variaes tonais mais claras e mais escuras de vermelho. Este objeto mais parece uma caixa, na qual predomina a tonalidade vermelha e que muito se assemelha madeira desta cor. Nesta caixa constam os detalhes entalhados nela e que sugere tambm o labor, porm, neste caso, se trata do trabalho do artista que comps tal obra, o marceneiro, que produziu esta pea de madeira entalhada. A composio plstica de Volpi tem proximidades com a de Di Cavalcanti, pois em ambas as imagens, h um colorido intenso, com cores fortes. No entanto, na cena produzida por Volpi, h um contraste proporcionado pela cortina de cor azul vivo no segundo plano e que ressalta a figura da mulata no primeiro, enquanto que na tela de Di as tonalidades que colorem os elementos compositivos no oferecem este contraste e tanto o primeiro quanto o segundo plano so pintados com matizes que tm poucas diferenas entre si. Outra proximidade entre as obras de Di Cavalcanti e Volpi, no que diz respeito forma, refere-se construo da noo de profundidade da cena. Tanto um quanto o outro dispensa o uso de pontos de fuga e fazem uso da sobreposio de planos que reforam a idia de profundidade. Ambos os pintores mobilizam a temtica da prostituta, a figura da mulher no cotidiano de uma grande cidade, o universo bomio que tem os grandes centros urbanos. A figura da prostituta tanto em Volpi quanto em Di apresenta formas arredondadas, o que acrescenta sensualidade a esta mulher que precisa deste atributo para realizar suas atividades laborais. Di Cavalcanti e Volpi propem um olhar sobre a sociedade moderna por meio destas obras.
278 Os leques difundiram-se por toda a Europa, entre os sculos XVII e XIX. Nas primeiras dcadas do sculo XX eram suntuosas plumas fazendo parte da toalete das elegantes, mas, aps este perodo, com o desenvolvimento das novas tecnologias para refrescar o ar, o seu uso foi se tornando cada vez mais obsoleto, embora jamais tenham perdido o glamour, como objetos de rara beleza. Cf. MUSEU HISTRICO NACIONAL. Exposio: Uma Brisa no Ar. Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2002 a maro de 2003. Disponvel em: < http://www.museuhistoriconacional.com.br/mh-e-414.htm>. Acesso em 08/02/2009.
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Eles pintam mulheres sensuais e vaidosas, caractersticas necessrias para estas mulatas que necessitam vencer a disputa pelo trabalho, concorrncia que precisam enfrentar para que assim consigam sobreviver nesta sociedade urbano-industrial que cresce, moderniza-se e vende no s produtos, mas pessoas tambm. Estas mulheres, neste mercado de trabalho, precisam estar preparadas para atenderem a demanda de clientes vidos pelos seus servios. Di Cavalcanti e Volpi tratam do trabalho realizado nos prostbulos, abordam o cenrio da vida cotidiana destas mulheres, as profissionais do sexo, que pela condio scio-econmica marginal na sociedade moderna se dedicam a este metier. Di Cavalcanti sugere em sua obra no s o trabalho feminino no que diz respeito prostituio, mas prope pensarmos o modo de vida urbano do povo brasileiro, como faz em outras obras 279 , e que muitas vezes imitava hbitos parisienses, como o caso da mulata que usa leque nesta imagem. Rebolo, Zanini, Pennacchi e Volpi foram os pintores que entre 1935 e 1940 produziram imagens nas quais a temtica era a mulher e o trabalho feminino. Rebolo e Zanini se dedicaram na pintura de telas sobre as lavadeiras, mulheres brancas e pobres que executavam o servio dispostas tanto em tanques coletivos em algum bairro afastado do centro da cidade, como o caso na obra de Rebolo, quanto em locais ainda mais distantes, numa rea limtrofe entre campo e cidade, como podemos notar pela obra de Zanini. Pennacchi, por sua vez, no aborda as lavadeiras, mas a faxineira, mulher tambm branca e que necessita fazer trabalhos de limpeza para poder sobreviver numa cidade que cresce, se industrializa e gera cada vez mais necessidades para o trabalhador. Volpi, neste mesmo perodo, no pinta lavadeiras e nem faxineiras, mas retrata a mulata, muito provavelmente, conforme analisamos, atuando como prostituta, o que pode ter sido a sua nica opo de trabalho na So Paulo que se moderniza e necessita de mo-de- obra cada vez mais especializada para desempenhar as diferentes funes que a indstria demanda. Por estas obras captamos a percepo destes pintores sobre as mulheres na cidade, sobre as atividades laborais possveis para estas mulheres que, de forma precria, eram incorporadas como mo-de-obra na
279 Ver anexo 11. 231
sociedade da dcada de 1930. So estas mulheres que ao lado dos homens compem a imagem da So Paulo moderna e participam de sua construo e reconstruo. Nesta seo observamos que h entre as imagens dos pintores analisados, tanto entre aqueles do Palacete Santa Helena, quanto entre eles e os demais pintores com os quais realizamos comparaes de suas obras , algumas convergncias muito mais com relao ao contedo abordado nas telas do que propriamente no que se refere aos aspectos formais das mesmas. Quanto a isto, os pintores do Palacete realizaram obras cada qual a seu modo, mas que pudemos notar certos dilogos com as obras de outros pintores, as quais elegemos para analisar juntamente com as imagens dos pintores do Palacete. Estas referncias dizem respeito s telas de Portinari, Malfatti, Segall e Di Cavalcanti. Com Portinari, a aproximao entre as obras diz respeito temtica, pois o assunto so as lavadeiras, j a organizao dos elementos compositivos na tela so diferentes; com Malfatti, no que diz respeito s obras sobre modelo vivo, Rebolo compartilha apenas do contedo, pois os aspectos formais so distintos; no que concerne a Segall, Rebolo trata da negra, assim como o pintor lituano, porm, neste caso, a abordagem dos dois pintores tambm se aproxima, pois ambos dispem a mulher de lado para o observador, denotando uma suposta referncia de Rebolo a Segall tambm quanto forma; j com relao Di Cavalcanti, tanto ele quanto Volpi levantam a mesma temtica, pois pintam a mulata, contudo, a disposio das mesmas na tela e os aspectos compositivos so distintos entre eles. Quanto Pennacchi, a afinidade que h entre sua obra e a dos demais pintores se refere mais ao contedo abordado do que quanto forma de abord-lo. De maneira geral, no que diz respeito ao assunto proposto pelas imagens destes pintores que a confluncia entre eles se estabelece. Por estas obras, notamos no s o trabalho feminino como elemento importante na nova sociedade urbano-industrial, mas tambm a figura marginal da mulher quando se trata de mercado de trabalho na cidade moderna. Estes pintores levantaram a temtica do cotidiano das mulheres trabalhadoras das classes mais baixas, a vivncia e a sociabilidade do grupo feminino na cidade, tanto na rea urbana, como no arrabalde, lugar que muitas vezes tem caractersticas de zona rural. 232
Desse modo, as obras dos pintores do Palacete Santa Helena, ao lado das obras dos pintores modernistas, no s mobilizaram temticas do universo feminino, como sugeriram uma percepo da modernizao que se apreende pelo que no h de moderno, mas pelo que est margem da sociedade moderna, as mulheres negras e brancas pobres. Sendo o eixo temtico deste captulo a questo das mulheres, pudemos analisar estas obras atentando para o fato de que no s as referncias dos pintores do Palacete Santa Helena tm como fonte as obras dos pintores modernistas, como tambm elas nos revelam o modo como se deu a modernizao da cidade de So Paulo e o lugar da mulher nesta nova sociedade que se transformava paulatinamente. Tanto h contradies na sociedade que se queria moderna, quanto no modernismo artstico paulista. Ao mesmo tempo em que a mulher entrava aos poucos no mercado de trabalho, esta insero era marginal, assim como eram marginais aos olhos da sociedade tradicional os pintores que se dispunham a abordar assuntos do cotidiano em suas telas. como se a produo artstica destes pintores exprimisse todas estas contradies: captar a modernizao pelo seu avesso, por aquilo que se afigura como sua rebarba, como seus subprodutos indesejveis e inevitveis, o que acaba por acentuar o duplo carter contraditrio, a saber: a modernizao precria.
233
CAPTULO 4 O LAZER EM SO PAULO NA SEGUNDA METADE DA DCADA DE 1930
Entre o sono e o sonho, Entre mim e o que em mim o quem eu me suponho, Corre um rio sem fim.
Fernando Pessoa, Cancioneiro
O tema lazer tambm tratado pelos pintores do Palacete Santa Helena em suas obras no perodo de 1935 a 1940. Observamos a ocorrncia desta temtica nas obras de Graciano, Rebolo, Volpi e Zanini, os quais apresentaram em suas telas momentos de descontrao por meio de cenas do cotidiano em que as pessoas no estavam exercendo atividades ligadas ao trabalho, mas sim s prticas que so comumente encaradas como momentos de folga, de distrao. Juntamente com as anlises das obras destes pintores do Palacete realizaremos o exame de outras obras, as quais fazem parte do conjunto de imagens selecionadas para a comparao. A metodologia utilizada para tal recorte teve como critrio a seleo de obras que apresentassem confluncias no que diz respeito tanto forma, aos aspectos plsticos, quanto ao contedo, aos temas abordados nas obras dos pintores do Palacete Santa Helena. Com isso, o objetivo foi visualizar as referncias pictricas encontradas nas imagens dos pintores do Palacete e vislumbrar como que So Paulo foi mostrada nestas obras. A investigao e anlise deste conjunto de imagens tinham como questo orientadora a pressuposio de que a filiao modernista das obras dos pintores do Palacete poderia estar atrelada idia de modernizao da cidade e seu entorno. A imagem 61, pintada por Graciano em 1935, apresenta Figuras Danando, ttulo da obra na qual observamos um homem e uma mulher mulatos, de ps descalos, danando no centro do quadro. As cores utilizadas so fortes, no entanto, no so vibrantes. A mulher est de vestido vermelho e leno branco na cabea, j o homem veste uma camiseta azul clara acinzentada e uma cala azul at o meio da canela num tom mais escuro que a camisa. O homem e a mulher danam juntos e a posio de ambos sugere isso: a mulher com uma 234
perna diante da outra e os braos erguidos e o homem com uma perna erguida e a outra apoiada no solo, ao mesmo tempo em que um brao est junto ao corpo e o outro levantado de encontro aos braos da mulher. As cabeas de ambos, apenas esboadas, esto viradas para cima. No h detalhes das feies das duas figuras, as formas de seus corpos so tambm simplificadas.
61. Clvis Graciano Figuras Danando, 1935, leo sobre tela, c.i.e., 54 x 45 cm, Coleo Particular
Nesta obra de 1935, Graciano toma como referncia pictrica a obra de 235
Portinari (62), produzida neste mesmo ano. Assim como este pintor, Graciano tambm aborda a dana como forma de lazer, especialmente no que diz respeito aos afro-descendentes, como ambos sugerem em suas pinturas. Portinari e Graciano retratam negros e mulatos, respectivamente, e ressaltam a ginga destes danarinos, cuja provenincia a capoeira, portanto originria da cultura africana. Graciano faz uso de figuras com feitio avantajado, homens e mulheres robustos e de formas arredondadas, como os personagens de Portinari em sua obra 62. A referncia do pintor do Palacete Santa Helena obra de Portinari mais provvel do que o contrrio, j que Graciano teve uma relao prxima com Portinari, o que, segundo Zanini, teve como conseqncia uma grande influncia na obra daquele pintor. 280
Outra obra de Portinari que muito possivelmente sugere referncia por parte de Graciano em sua tela 61 a imagem 1, que est em anexo, e que apresenta elementos pictricos semelhantes aos encontrados nas figuras que constituem a cena do quadro 61, de Clvis Graciano. Nesta obra, Graciano pinta uma mulata de ancas largas, pernas grossas e ps no cho, assim como a Mulata de vestido branco 281 de Candido Portinari. Observando ambas as telas, notamos que Graciano, como Portinari, usou cores quentes em sua composio e que h uma proposta de movimento na cena constituda pela disposio das personagens vistas de lado para o observador e com uma perna diante da outra, composio plstica que pode ser encontrada em outras obras analisadas neste trabalho e que foram produzidas por Portinari, bem como por Pennacchi, Rebolo, Rivera e Brecheret. 282
Em segundo plano da tela 61, podemos notar dois postes ligados pela fiao que conduz energia eltrica, fato que sugere que estas duas figuras no estejam na zona rural, mas sim, na cidade, ainda que seja na periferia, onde andam de ps descalos por estarem em ambiente domstico. nesta regio distante do centro urbano, para onde a populao pobre foi impelida a morar, que esta gente que no participa dos acontecimentos da cidade grande se diverte em festas realizadas na comunidade. Graciano levanta a temtica dos
280 Cf. ZANINI, Walter. op. cit., 1991, p. 120. 281 Ver anexo 1. 282 Ver obras destes pintores, especialmente as que constam no tpico 2.2 do segundo captulo e que dizem respeito aos trabalhadores rurais. 236
momentos de lazer e descontrao do trabalhador brasileiro, momentos promovidos pelo prprio povo que vive nas cercanias da cidade e que garantem o entretenimento quando no esto realizando suas atividades laborais. O aspecto pictrico de destaque nesta obra de Graciano e que merece ateno na abordagem da imagem de So Paulo so os postes e a fiao presente na cena, no alto das cabeas do casal mulato. No plano da forma, os postes de luz com seus fios pendurados consistem num modo de o pintor construir a perspectiva na cena, conduzindo o olhar do observador, atravs da extenso dos fios, do lado direito para o lado esquerdo, onde se localiza o ponto de fuga da composio. No plano do contedo, estes elementos indicam no s que se trata de uma rea que esteja ainda no permetro urbano, mas que a modernizao presente no centro da cidade comea a dar sinais na periferia e avanar para o arrabalde, lugar que passa ento a contar com a rede de energia eltrica. A imagem 62, Sambistas, produzida por Portinari em 1935, apresenta cinco figuras danando embaladas pelo samba. No primeiro plano vemos trs figuras principais, dois homens e uma mulher, personagem esta que se encontra no canto direito da tela. Os dois homens, de cala clara e camiseta cavada de listras, tocam instrumentos musicais. O homem que est do lado direito, de chapu claro de abas curtas, com detalhe em preto, toca cavaquinho, pequeno instrumento semelhante viola e que possui quatro cordas dedilhveis, usado especialmente no samba e no choro. O outro que est do lado direito toca a cuca, instrumento semelhante a um tambor, mas somente com a pele superior, qual se prende uma vara que produz um ronco peculiar quando friccionada por um pano mido ou mesmo com a mo molhada. 283
283 A cuca um instrumento das quais as origens so menos conhecidas do que os outros instrumentos afro-brasileiros. Ela foi trazida ao Brasil por escravos africanos Bant, mas ligaes podem ser traadas outras partes do nordeste africano, assim como pennsula Ibrica. A cuca era tambm chamada de "rugido de leo" ou de "tambor de frico". Em suas primeiras encarnaes era usada por caadores para atrair lees com os rugidos que o instrumento pode produzir. Existem muitos tamanhos de cuca, e embora seja geralmente considerada um instrumento de percusso ela no percutida. Encaixado na parte de baixo da pele est uma haste de bambu. O polegar, o indicador e o dedo mdio seguram a haste no interior do instrumento com um pedao de pano mido, e os ritmos so articulados pelo deslizamento deste tecido ao longo do bambu. A outra mo segura a cuca e com os dedos exerce uma presso na pele. Quanto mais forte a haste for segurada e mais presso for aplicada na pele mais altos sero os tons obtidos. Um toque mais leve e menos presso iro produzir tons mais baixos. A extenso tonal da cuca pode chegar a duas oitavas. Os tons 237
62. Candido Portinari Sambistas, 1935, grafite e nanquim sobre papel, 23,5 x 22,0 cm, ass. e dat. m.i.e., Coleo particular
O homem que toca cavaquinho menor do que o msico que toca cuca, e, diferente deste que se encontra de frente para o observador, aquele se coloca de lado para quem o observa. Portinari consegue dar a noo de movimento aos personagens pela disposio de seus corpos: o homem que est de lado tem uma perna diante da outra, j o que est de frente aparece com o corpo todo
produzidos tentam imitar a voz na forma de grunhidos, gemidos e guinchos, e podem estabelecer assim um ostinato rtmico. Depois de integrada no arsenal percussivo brasileiro, a cuca foi tradicionalmente usada por escolas de samba no carnaval, mas atualmente tambm encontrada no jazz contemporneo e em estilos funk e latinos. Cf. BIBLIOTECA VIRTUAL do Estudante de Lngua Portuguesa BibVirt Escola do Futuro da USP. Disponvel em: < http://www.bibvirt.futuro.usp.br/index.php/textos/didaticos_e_tematicos/percussoes_do_brasil/c uica>. Acesso em 19/02/2009. 238
retorcido, os ps no alto, como se saltasse do cho, a cabea pra cima, a testa franzida, a boca entreaberta, cuja dentio fica exposta, como se ele entoasse a cano que neste momento executam. Com relao personagem feminina no canto direito da tela, e que tambm compe o primeiro plano da cena, Portinari prope movimento dispondo a mulher com um dos braos para cima e a mo no alto espalmada, como se ela acenasse para quem a observa durante o cortejo. Ela est de vestido claro, cujo comprimento est na altura da canela, tem o cabelo curto e crespo, e, diferentemente dos outros personagens da cena, bem como de outras obras analisadas at ento, ela no tem os ps grandes e nem est descala, mas sim possui um p delicado e porta um sapato to claro quanto o vestido. Deste modo, distingue-se da imagem das mulheres negras e mulatas que foram pintadas neste perodo por Portinari, entre os outros pintores pesquisados e que levantam a mesma temtica do trabalhador afro-descendente. Esta mulher esbanja energia, pois ela no somente mais uma mulher negra, uma trabalhadora braal que assume diversas tarefas em seu cotidiano em mais de uma jornada. Ela participa dos momentos de lazer ao lado dos homens, numa sociedade ainda machista e preconceituosa, mas na qual a mulher tem papel fundamental no mundo moderno, em especial no que diz respeito a trabalhar fora de casa como eles e ajudar no sustento familiar. No entanto, notamos que, ainda que a mulher esteja no mesmo ambiente festivo que os homens, so eles que tocam os instrumentos, a mulher apenas dana. H, portanto, uma diferenciao entre os papis masculino e feminino, mesmo que seja num momento de descontrao como este. A questo de gnero ento se coloca e nos faz perceber as diferentes posies de homens e mulheres na sociedade de 1930. No segundo plano observamos mais duas figuras, uma do lado direito e outra do esquerdo, no entanto, elas esto apenas esboadas, no aparecem de corpo inteiro, h apenas a sugesto destas figuras por meio do desenho rpido de duas cabeas e de seus respectivos rostos, cujas caractersticas esto difusas. Estes dois personagens que compem a cena com suas feies desenhadas com poucas mincias, praticamente desfigurados, mais parecem sombras dos personagens principais, seres inanimados, que se movem com a 239
massa, mas que no tm vontade prpria. So pessoas despojadas de suas caractersticas humanas, como prope Portinari, o que sugere ainda que a populao negra, mesmo que esteja num momento de lazer, e que aparentemente esteja desfrutando desta atividade de entretenimento proporcionada pela msica, no possui o sentimento de pertencimento no seio da sociedade. Isto porque estes homens e mulheres ainda sofrem preconceito e enfrentam dificuldades de integrao, j que continuam sendo comandados e ocupando lugares de desprestgio na sociedade. O desenho est em branco e preto, j que foi produzido por grafite e nanquim sobre papel. H uma pequena linha entre os personagens centrais da obra, os dois sambistas, e que se localiza na altura da coxa do msico do lado esquerdo e do pbis do sambista do lado direito. Este trao configura a linha do horizonte, auxiliando ainda na composio da idia de profundidade na cena. O contorno das figuras leve, muitas vezes inexistente, apenas sugerido pela forma do desenho e tambm pelo jogo de luz e sombra que est presente em toda a extenso do quadro. Os pontos mais escuros remetem aos locais menos iluminados e so nestes pontos onde o contorno se apresenta mais definido. As formas dos personagens so cilndricas, como em outras obras de Portinari, e as caractersticas fsicas das figuras, ainda que no estejam minuciosamente desenhadas, so esboadas de modo a acentuar os traos marcantes dos negros: nariz largo, boca grande, lbios carnudos, estrutura fsica rija e vigorosa. Os personagens apresentam cabea pequena em relao ao corpo, alm de pernas e braos grossos, e mos e ps grandes, assim como so as figuras de outras telas de Portinari, bem como as que Tarsila apresenta em suas obras Abaporu, Antropofagia e A Negra. 284 Graciano em sua tela 61 toma como referncia esse traado cilndrico e essas formas redondas a que Portinari e Tarsila lanam mo em suas composies plsticas do negro e do mulato brasileiro. A constituio fsica destes negros das obras de Portinari, bem como na de Graciano (61), a de quem trabalha, so fortes, possuem uma compleio robusta, prprio de pessoas que pelo trabalho braal desenvolvem a massa muscular. Pelo samba se conta a histria do cotidiano do povo menos favorecido, a
284 Ver anexos 1, 2 e 3 referentes ao captulo 3. 240
narrativa das agruras do dia-a-dia. Dorival Caymi aborda o tema da cultura brasileira em O samba da Minha Terra, nome da msica feita em 1940.
O samba da minha terra, deixa a gente mole. Quando se dana, todo mundo bole Quem no gosta de samba, bom sujeito no . ruim da cabea, ou doente do p. Eu nasci para o samba. No samba me criei. Do danado do samba. Nunca me separei.
Nesta msica, Caymi trata da malemolncia do negro, do ritmo gingado prprio dos cantores e danarinos de samba, ou at mesmo da postura fsica dos antigos malandros, figura proveniente das classes menos favorecidas e que visto como bomio, com um jeito peculiar de se vestir, de andar, de falar, o personagem urbano que usa de esperteza para sobreviver. Conforme Rezende,
A ginga est relacionada com a maneira de se mover. Mais precisamente, est relacionada com um movimento no ortogonal. um artifcio gestual herdado da capoeira, do qual o malandro se utiliza para desviar-se de ameaas e atingir seus objetivos. Assim sendo, alm de poder trabalhar de forma defensiva, o malandro utiliza a sua ginga (assim como sua lbia e carisma), para auxili-lo na busca por formas mais acessveis de usufruir de confortos e vantagens. A malandragem bem-sucedida pressupe que se obtenham vantagens sem que sua ao se faa perceber. 285
Ainda assim, Caymi afirma que esse sujeito bom, pois para o compositor, quem no gosta de samba bom sujeito no . Desse modo, pela
285 REZENDE, Andr Novaes de. Da Lapa para a capa: estudo intersemitico das capas de discos de samba vinculadas imagem do malandro. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, Arte e Histria da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2007, p. 45. 241
tica de Caymi, o malandro se redime at porque o seu comportamento o jeito que ele tem de sobreviver s situaes difceis do cotidiano, vida de pobreza dos negros na cidade, como aponta Ferron, quando diz que,
A imagem de pas colorido, tropical de malandro vivendo s custas de pequenos golpes, aos poucos d lugar a uma nova paisagem: o caos urbano das favelas e o inevitvel surgimento de outra representao do brasileiro vinculado a esse universo. Refugiada em favelas, onde a presena do mundo das normas estabelecidas cada vez mais rara, a populao isolada propicia a substituio do discurso de cordialidade e harmonia. Essa excluso d o tom do comportamento adotado para o perfil da nova imagem e linguagem do brasileiro, a da violncia e do confronto. 286
Esta obra levanta a temtica do lazer, da msica e da dana urbanas, que fazem parte do cotidiano de populaes negras nos momentos em que no esto executando suas atividades laborais. H ainda a idia de trabalho, se pensarmos na possibilidade de estes homens e mulheres que compem a cena sobreviverem da msica.
A recusa em tornar-se um operrio transforma o malandro em inimigo pblico da sociedade industrial capitalista. Preferir viver com o que o jogo permitir, / se a polcia consentir, / E [o que] Deus quiser prope Noel Rosa no samba Malandro Medroso (1931); o malandro faz do no-trabalho, ou o que considerado como tal, o seu trabalho. O jogo, o conto, o golpe e o roubo exigem dedicao e aplicao de tcnicas como qualquer outra atividade de trabalho. 287
O malandro por excelncia uma figura urbana, est presente no cenrio da cidade como o personagem que acabou por desenvolver uma
286 FERRON, Janete Terezinha. Cidade de Deus: do malandro ao marginal. Anais do XI Congresso Internacional da ABRALIC, So Paulo: USP, julho de 2008. Disponvel em: < http://www.abralic.org.br/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/071/JANETE_FERRON.pdf>. Acesso em 02/03/2009 [grifos meus]. 287 ROCHA, Gilmar. Navalha no corta seda: Esttica e Performance no Vesturio do Malandro. Disponvel em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v10n20/07.pdf>. Acesso em 03/03/2009 [grifos meus]. 242
habilidade em trapacear como meio de passar por situaes aflitivas e super- las. Isto se deve condio social e econmica do negro na sociedade que desprivilegiada, fato que faz com que muitas vezes ele no tenha lugar na cidade que se moderniza, na urbe que cresce e se desenvolve, e que no o atende em suas necessidades e expectativas como cidado, fato que o fora a morar nos bairros perifricos e se virar como pode. Entretanto, em se tratando de sambista malandro, Rezende afirma que na primeira metade do sculo XX, esta figura a nica que continua a promover a importncia da liberdade de criao popular e da identidade cultural dos grupos negro-proletrios. 288
Ainda sobre a temtica do malandro, Lilia Schwarcz afirma que,
essa mesma mestiagem que se ressignifica em malandragem no incio do sculo XX e se converte em cone nacional na figura preguiosa de Macunama, ou ento na personagem do Z Carioca, criada por Walt Disney em 1942 para o filme Al, amigos. Nessa ocasio, Z Carioca introduzia Pato Donald nas terras brasileiras, bebendo cachaa e danando samba junto com o mais famoso pato da Disney. Com efeito, era o prprio olhar que vinha de fora que reconhecia nesse malandro simptico uma espcie de sntese local, ou ao menos uma boa imagem a ser importada. 289
O samba faz parte da cultura do povo marginalizado, que vive nas cercanias da cidade. a msica e a dana daqueles que nasceram e foram criados na periferia. Isto porque o samba originou-se dos batuques africanos, portanto negro em suas razes mais primitivas. 290 As rodas de samba so uma forma de arte popular urbana brasileira e que surgiu no Brasil no incio do sculo XX. O ritmo do samba marcado pelo uso de instrumentos de percusso caractersticos, como o tambor, o pandeiro, a cuca, o tamborim, entre outros. J a melodia tem influncia de alguns instrumentos, como os de sopro, o violo, o cavaquinho e outros. Os elementos que compem esta cena da obra de Portinari nos propem a idia da modernizao pelo avesso, a tradio em contraposio ao moderno.
288 Cf. REZENDE, Andr Novaes de. op. cit., 2007, p. 7. 289 SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz. Complexo de Z Carioca: notas sobre uma identidade mestia e malandra. In: Revista Brasileira de Cincias Sociais, n 29, out., 1995. 290 REZENDE, Andr Novaes de. op. cit., 2007, p. 44. 243
O samba consiste, dessa forma, no modo de as pessoas de baixa renda desfrutarem de um lazer barato. O samba faz parte da tradio de uma cultura popular que permanece no meio moderno urbano brasileiro, um tema essencialmente nacional, como queriam exaltar os modernistas. A tela 63, Futebol, ttulo da obra de Rebolo pintada em 1936, apresenta dois jogadores na disputa da bola em meio a um gramado lotado de espectadores. O primeiro plano ocupado pelos dois jogadores, direita um homem branco e esquerda um negro esto na competio pela bola, que se encontra sob o domnio do jogador negro que faz um drible no adversrio. O jogador branco est de uniforme branco e preto, veste camiseta branca com debruns pretos, calo todo preto, meias pretas com listras brancas e chuteira preta. Possui ainda uma faixa branca na perna direita, logo acima da meia, que funciona como joelheira, enquanto que na esquerda porta, por cima da meia, uma faixa branca na canela, a caneleira ou tornozeleira, geralmente usada por esportistas para proteger a canela e o tornozelo de pancadas. O jogador adversrio negro, est de uniforme branco e azul, veste camiseta azul com debruns brancos, calo branco, meias pretas com vivos brancos, chuteira preta e na cabea possui uma touca verde e amarela justa e que remete s principais cores da bandeira brasileira e ao futebol como elemento constitutivo da cultura do pas. Na perna direita leva uma faixa branca no joelho, acima da meia, e que consiste na joelheira, enquanto que na perna esquerda, por cima da meia, usa uma faixa branca no calcanhar e tornozelo para se proteger de pontaps, assim como o seu adversrio. Os jogadores esto cara a cara num gramado que possui um tom de verde sbrio. Eles esto de lado para o observador e a posio destes dois atletas sugere movimento, pois as pernas e braos de ambos esto um diante do outro. Tanto as feies dos jogadores, como os corpos e todos os elementos compositivos da cena possuem formas simples, sem muitos detalhes. Eles possuem uma estrutura fsica forte, so magros e seus corpos so atlticos. Esto em posio de embate, ambos aparecem sutilmente inclinados para frente, o que assegura imagem no apenas certo movimento, como esta disposio parece prenunciar o contato fsico (falta cometida, carto). H a idia de que o futebol um esporte democrtico. 244
63. Francisco Rebolo Gonsales Futebol, 1936, leo sobre tela, 86 x 36 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
O segundo plano composto pela arquibancada que est dividida em duas por um vo central. As arquibancadas aparentam estar com a capacidade mxima de lotao que o estdio pode suportar, pois observarmos todos os 245
espaos ocupados por pessoas as quais so representadas de um modo difuso, esto apenas esboadas por tons de tintas de cores discretas. Mais ao fundo do quadro, para alm do vo central que separa um lado do outro da arquibancada, podemos avistar o que parece ser outro campo de futebol. Neste lugar, notamos uma construo trrea, contendo uma porta e cinco janelas, diante da qual notamos dois mastros altos, em cuja ponta h duas bandeiras em formato triangular, a do lado direito vermelha e a do lado esquerdo azul. No gramado percebemos uma pessoa, possivelmente um jogador, que corre atrs da bola. Estas bandeiras sugerem que duas equipes de futebol se enfrentam tambm neste gramado. A figura do jogador branco nos remete a outras obras de Rebolo, nas quais ele prprio figura como personagem da cena. Este jogador possui o formato do rosto, bem como o desenho que o contorno do cabelo faz na testa, semelhantes s caractersticas de Rebolo. Se observarmos as obras de nmero 2 e 3 que esto em anexo e foram feitas, respectivamente, por volta de 1940 e em 1942 291 , data posterior a essa tela de nmero 65, pintada em 1936, notamos que so todas elas como um auto-retrato do pintor. Levando em conta que durante 16 anos, Rebolo dedicou-se ao futebol, trabalhando como jogador profissional antes de se dedicar inteiramente pintura, a idia de que a imagem do jogador branco seja o auto-retrato do pintor reforada. 292 Alm disso, outro fato que corrobora para que o jogador branco seja o auto-retrato de Rebolo a cor do uniforme deste jogador e que remete ao time do Corinthians, j que Rebolo no s defendeu a camisa preta e branca, como foi o responsvel por desenhar o smbolo do time alvinegro. 293
Para Rebolo, futebol foi tambm trabalho e no somente lazer,
291 Ver anexos 2 e 3. Mais tarde, Rebolo fez a mesma coisa quando pintou a tela Operrios, c. 1940, obra de nmero 30 que consta no segundo captulo (tpico 2.1 Trabalhador urbano), em que o operrio aparece como um auto-retrato de Rebolo. 292 Ver anexo 10, referente ao captulo 2, e anexos 4 e 5 que constam neste quarto captulo. 293 Em 1917 contratado para jogar no A. A. So Bento e em 1922, enquanto acontece a Semana de Arte Moderna, contratado pelo Esporte Clube Corinthians Paulista. de Rebolo o projeto do emblema at hoje conservado pelo time. Durante 16 anos dedicou-se ao futebol e chegou a ser integrante da Seleo Paulista, Quadro B. Aposentou-se no futebol em 1934. Deixou de lado a bola e, muito mais tarde, tambm o escritrio de pintura de liso (ou de parede) e a profisso de decorador. Cf. GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 37.
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especialmente entre as dcadas de 1920 e 1930. No entanto, o futebol simplesmente no garantia o sustento de Rebolo, o que ele complementava fazendo trabalhos como pintor, em especial de decorao e ornamentao de igrejas e residncias. No entanto, em 1936, quando esta tela 63 foi pintada, Rebolo no mais era jogador profissional e o esporte para ele passou a ser apenas diverso, lazer, como o era para muitas pessoas, em especial para a classe baixa que se divertia nas vrzeas da cidade, nos campos de futebol localizados em terrenos baldios, utilizados pelas comunidades locais e jogadores amadores, bem como nos estdios, onde se desenrolavam as partidas oficiais. Esta tela pode ser considerada como constituinte de um marco na vida profissional de Rebolo, pois o momento em que ele j havia deixado o futebol de lado e passado a seguir exclusivamente a carreira de pintor. O futebol passa de profisso para diverso, de trabalho para lazer na vida do pintor. Pela quantidade de gente que ocupa as arquibancadas do estdio, este lugar constitui para os jogadores o espao do futebol profissional e, portanto, de trabalho. J para o pblico, poder acompanhar os 90 minutos de partida consiste em mais um momento de descontrao e entretenimento. Rebolo sugere nesta obra dupla temtica: o lazer para os espectadores e, por outro, o trabalho para os jogadores. O futebol um dos principais elementos da cultura popular brasileira, um tema nacional por excelncia e o esporte que mais agrega torcedores, tanto homens como mulheres, como bem narra Antnio de Alcntara Machado em seu conto Corinthians (2) vs. Palestra (1), em Brs, Bexiga e Barra Funda 294 .
Prrrrii! - A, Heitor! A bola foi parar na extrema esquerda. Melle desembestou com ela. A arquibancada ps-se em p. Conteve a respirao. Suspirou: - Aaaah! Miquelina cravava as unhas no brao gordo da Iolanda. Em torno do trapzio verde a nsia de vinte mil pessoas. De olhos vidos. De nervos eltricos. De preto. De branco. De azul. De vermelho.
294 MACHADO, Antnio de Alcntara. op. cit., 2004, p. 49-53. 247
Delrio futebolstico no Parque Antrtica. Camisas verdes e cales negros corriam, pulavam, chocavam-se, embaralhavam-se, caam, contorcionavam- se, esfalfavam-se, rigavam. Por causa da bola de couro amarelo que no parava, que no parava um minuto, um segundo. No parava. (...). 295
Por este trecho da obra de Alcntara Machado notamos a participao feminina num ambiente majoritariamente masculino, o que indica que as mulheres pouco a pouco passam a ter mais espao de interao na sociedade paulista, tanto no que diz respeito ao trabalho, como tambm ao lazer. Alm disso, outra temtica em pauta diz respeito tambm ao pblico da partida, grande quantidade de pessoas que lota o estdio, como destacou Rebolo em sua obra pictrica, assim como salientou Alcntara Machado no fragmento de seu conto, quando menciona as vinte mil pessoas presentes para assistirem a partida. Este acontecimento aponta para o crescimento da cidade e seu conseqente desenvolvimento, urbanizao e modernizao. Tal crescimento se d muito pela colaborao de migrantes e imigrantes que ajudaram a construir So Paulo e que passaram a participar da vida social da cidade, como bem podemos perceber pelo trecho do conto de Alcntara Machado:
(...) - O Rocco que est garantindo o Palestra. A Rocco! Quebra eles sem d! A Iolanda achou graa. Deu risada. - Voc est ficando maluca, Miquelina. Puxa! Que bruta paixo! Era mesmo. Gostava do Rocco, pronto. Deu o fora no Biagio (o jovem e esperanoso esportista Biagio Panaiocchi, diligente auxiliar da firma desta praa G. Gasparoni & Filhos e denodado meia-direita do S. C. Corinthians Paulista Campeo do Centenrio) s por causa dele. - Juiz ladro, indecente! Larga o apito, gatuno! Na Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga toda a gente sabia de sua histria com o Biagio. S porque ele era freqentador dos bailes dominicais da Sociedade no ps mais os ps l. E passou a torcer para o Palestra. E comeou a namorar o Rocco. (...). 296
295 MACHADO, Antnio de Alcntara. op. cit., 2004, p. 49 [grifos meus]. 296 MACHADO, Antnio de Alcntara. op. cit., 2004, p. 50. 248
No plano formal, Rebolo utiliza cores esmaecidas para tratar o mesmo tema que Portinari levanta em sua tela 64, o futebol, ttulo de ambas as obras. Ainda que abordem a conhecida paixo nacional, Rebolo, diferentemente de Portinari, ambienta a cena no espao urbano, colocando no estdio uma multido de torcedores. Isto porque a abordagem que Rebolo faz do futebol a atividade profissional em campo, ainda que seja um momento de lazer para o pblico. Portinari, por sua vez, utiliza cores fortes, tons berrantes que ressaltam o colorido da nossa terra, os campos de reas mais afastadas do centro da cidade. Desse modo, Portinari trata o futebol como uma atividade descompromissada, uma brincadeira de criana no arrabalde da cidade, trazendo tona outras questes. No que diz respeito perspectiva da obra, Rebolo faz referncia obra de Portinari, pois utiliza do artifcio deste pintor para compor a linha perspctica de sua obra 63. No entanto, Rebolo faz um recorte na arquibancada por meio de duas linhas traadas na diagonal e que dividem a platia em duas partes, entre as quais surge um novo cenrio no fundo do quadro. neste ponto da tela que se localiza o ponto de fuga nico da cena. J Portinari lana mo, em sua obra 64, de mais de um ponto de fuga, j que utiliza vrios recortes que se estendem desde o meio superior da tela at o alto do quadro, em seu limite superior. A tela 64, pintura de Candido Portinari produzida em 1935 e cujo ttulo Futebol, apresenta uma imagem colorida, na qual aborda o lazer preferido da maioria dos brasileiros, o jogo de futebol. A cena acontece num campo improvisado, em meio a uma rea distante da cidade, afastada do grande centro. Os jogadores so crianas e a disputa de bola ocorre bem no centro da tela. O primeiro plano composto por um campo de terra vermelha, no qual onze jogadores correm atrs da pequena bola de cor cinza. Este extenso campo ocupa a maior parte da tela, restando uma pequena parte na qual consta o cu, composto pela cor azul, que aparece junto ao limite superior do quadro, e pelo branco, cor que est mais embaixo, onde forma a linha do horizonte quando encontra o campo com sua plantao verde, em segundo plano.
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64. Candido Portinari Futebol, 1935, leo sobre tela, 97 x 130 cm, ass. e dat. c.i.d., Coleo Portinari
Os pequenos jogadores esto distribudos por toda a extenso do campo de terra batida, esto todos de calas curtas e camiseta, alguns de manga curta, outros de manga longa. H tanto meninos brancos quanto negros, no entanto, os brancos so a maioria, h apenas dois negros dos onze jogadores em campo. Todos, no entanto, convivem em harmonia, proposta de Portinari para enfatizar que o homem brasileiro est representado tanto na figura do branco quanto do negro, e, em se tratando de futebol, no h distino entre branco e negro, pois ambos apreciam o esporte e tm o potencial de pratic-lo com destreza. Pela tica de Portinari, no futebol brasileiro no h segregao racial, referncia que Rebolo toma para si quando na feitura de sua obra de nmero 63. Entre estas onze crianas, h tambm dois animais, ambos do lado direito da composio, um bode branco, localizado entre o primeiro e o segundo planos, e um cavalo tambm branco, mais ao fundo da cena. Os outros animais que fazem tambm parte do cenrio no esto nesse campo de terra, mas sim, ao fundo da composio, aps o cercado construdo de estacas de pau e arame 250
farpado que ladeiam todo o campo, separando-o da rea de pasto e de cultivo e impedindo que os animais avancem. no pasto verde que se encontram os sete bovinos, distribudos por toda a pastagem, desde o centro da tela at o lado esquerdo, todos em segundo plano. O primeiro plano da cena composto ainda por trs tocos de rvores que foram cortadas e que permanecem na terra. Estes troncos de madeira que restam no solo auxiliam na composio da perspectiva, pois o que est mais prximo do observador o tronco maior e medida que se distanciam, na diagonal, o tamanho do tronco diminui. Os trs troncos compem um trao que converge para o canto direito da tela, enfatizando uma das linhas de perspectiva da obra. Outros elementos na cena colaboram para a construo desta representao tridimensional sobre a superfcie plana e auxiliam na formao de outras linhas de perspectiva presentes na cena. Desse modo, no h um nico ponto de fuga, mas vrios, os quais esto todos em segundo plano e so construdos pelo pintor atravs dos vrios caminhos de terra, recortes que existem entre os campos verdes, cada um dos quais conduz o olhar do observador para direes diferentes no fundo do quadro. O cemitrio tambm elemento constituinte de uma das linhas de perspectiva da tela, j que a posio em diagonal de seus muros encaminha o olhar para o fundo da obra. Os troncos de rvore que foram cortados e compem o primeiro plano sugerem o desmatamento no campo, o que ocorre cada vez mais por conta do crescimento populacional, gerado tanto pela migrao como pela imigrao que ocorreu em So Paulo, o que ocasiona a substituio do pasto por plantaes para atender demanda por alimentos. Alm disso, a populao que no absorvida na cidade, desloca-se para os arrabaldes, bem como para a zona rural, em busca de trabalho e condies de sobreviver, e na relao com a natureza, acaba depredando-a. Outros fatos que colaboram para que haja o desflorestamento dizem respeito no s ao uso da madeira para suprir a fabricao crescente de mveis por conta do aumento da populao na cidade, como tambm implantao da agricultura em larga escala com o intuito de gerar produtos para a exportao e assim contribuir para o desenvolvimento econmico do pas. Isto faz com que ou a mata nativa seja substituda por produtos agrcolas ou haja uma desertificao 251
do solo pela m utilizao ou utilizao predatria da terra por parte da ao do homem, ocasionada pelo uso de agrotxico, queimadas e desflorestamento. Desse modo, o desmatamento do campo est intimamente ligado urbanizao, desenvolvimento e modernizao da cidade, como podemos notar inclusive pela terra rida do solo da tela 64, pintado pelo tom berrante de cor laranja avermelhado, terreno que foi transformado pelas crianas em campo de futebol. Observando especialmente o segundo plano, notamos que constitudo por uma rea verde, que contm um extenso pasto, alm de algumas rvores esparsas. No canto direito da tela notamos uma pequena casa diante da qual observamos um alto mastro, em cuja ponta consta a bandeira do Brasil, cena que exalta o nacionalismo e o patriotismo dos brasileiros, uma postura de valorizao da prpria nao e de tudo o que lhe prprio, como a terra, a cultura e a tradio deste povo trabalhador. A tradio sugerida, inclusive, por outros elementos: o crucifixo e o cemitrio presentes na composio da cena. O primeiro elemento levanta a questo da religiosidade do povo brasileiro, a crena religiosa como lenitivo, para que assim, com o suporte emocional que a religio dispensa aos seus fiis, os mesmos possam ter mais tranqilidade para enfrentar as agruras do dia-a-dia. A crena catlica est presente na vida dessa gente que batalha cotidianamente e ajuda o pas a crescer, com f em Deus de que o futuro ser sempre melhor. O futuro da nao tambm sugerido pelas crianas presentes no centro da cena, a brincadeira de hoje que se transforma no trabalho e na profisso de amanh, assim como foi para Rebolo, e como ele mesmo sugere em sua obra 63. Estas crianas, diante da cruz, parecem estar protegidas por Deus, os futuros trabalhadores brasileiros, a esperana de um novo porvir e aparecem na cena como pequenos adultos. O outro elemento que prope a tradio a presena de um cemitrio no canto esquerdo da tela. neste lugar que os mortos descansam, local silencioso e deserto, o campo santo onde habitam os trabalhadores que ergueram o pas, que auxiliaram na sua construo, no seu desenvolvimento. no cemitrio, a morada dos mortos, que esto os homens do passado, em contraposio ao futuro representado na figura das crianas. O cemitrio no seria o local do esquecimento, do silenciamento, mas, o ltimo reduto destas personagens 252
annimas, expelidas para o entorno da cidade grande. Presente, passado e futuro esto colocados nesta obra, trs temporalidades que exaltam o homem brasileiro, o homem trabalhador, os filhos destes homens e as geraes que ho de nascer nesta terra frutfera. A tela de nmero 65 apresenta a Cena de Jogo num Bar (A Taverna), ttulo da obra pintada por Rebolo em 1938. Nesta imagem vemos no centro da tela quatro figuras masculinas num bar, em torno de uma mesa quadrada, onde dois dos homens, um de frente para o outro, jogam cartas. O jogador de frente para o observador usa palet, cala e sapatos pretos, seus cabelos so pretos e, pela sua feio, percebemos que ele tem bigode. O jogador de costas para o observador est de palet e sapatos pretos, cala bege, e na cabea leva um chapu preto. Os dois homens brancos que jogam esto com uma das mos ocupadas com as cartas do jogo, enquanto que as mos livres repousam sobre a mesa.
65. Francisco Rebolo Gonsales Cena de Jogo num Bar (A Taverna), 1938, leo sobre tela, 73 x 64 cm, ass. c.i.d., Coleo MAC-USP
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Estes homens so observados por outras duas figuras masculinas, um deles branco e o outro negro, o que sugere no s que o homem brasileiro tenha origens diversas, como tambm que a convivncia entre ambos seja harmoniosa. O homem branco que assiste ao jogo est sentado ao lado dos dois jogadores e de frente para o observador. Ele se encontra mais prximo ao jogador que tambm est virado para quem observa o quadro e est vestido de palet e cala cinza claro, sapato marrom e podemos notar um bigode em seu rosto. Seus braos esto cruzados na altura da cintura e as mos repousam sobre o colo. O outro homem que acompanha a cena est do lado contrrio a esse observador sentado e trata-se de um negro, est em p, vestido de camiseta num tom de vermelho discreto, com listras numa tonalidade de vermelho mais escuro, alm de portar uma cala cinza escuro, sapato marrom e um avental branco amarrado em sua cintura. A sua camiseta listrada nos remete tela de nmero 62, pintada por Portinari, na qual os negros sambistas utilizam semelhante vestimenta. Esta tambm uma caracterstica marcante do vesturio do malandro, traje que se tornou nome de msica. A letra da msica Camisa Listrada, composta por Assis Valente em 1937, trata do comportamento do malandro em especial no perodo de carnaval, como podemos notar nos versos que se seguem.
Vestiu uma camisa listrada e saiu por a Em vez de tomar ch com torrada ele bebeu parati Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mo E sorria quando o povo dizia: sossega leo, sossega leo
Tirou o anel de doutor para no dar o que falar E saiu dizendo eu quero mamar Mame eu quero mamar, mame eu quero mamar
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mo E sorria quando o povo dizia: sossega leo, sossega leo Levou meu saco de gua quente pra fazer chupeta Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinao E at do cabo de vassoura ele fez um estandarte Para seu cordo 254
Agora a batucada j vai comeando no deixo e no consinto O meu querido debochar de mim Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar Se fantasia de Antonieta e vai danar no Bola Preta At o sol raiar
A camisa listrada do personagem negro presente na obra 65, de Francisco Rebolo, sugere, pois, uma identificao com os negros da obra 62, de Candido Portinari. Contudo, se no quadro de Portinari o negro aparece como sambista tocando instrumentos de percusso e acompanhamento, como a cuca e o cavaquinho, o que tanto pode ser seu momento de lazer quanto de trabalho, nesta imagem de Rebolo, o negro, entre os quatro personagens, o trabalhador da cena, est em seu ambiente laboral e tanto sua posio (em p e encostado no balco), quanto o uso do acessrio indispensvel em seu trabalho (o avental) so elementos que reforam esta idia. Atrs desta bancada estreita e alongada, que separa fregueses de funcionrios, em que o trabalhador negro tem os seus braos apoiados, h uma parede toda revestida por um armrio com algumas prateleiras, as quais esto cheias de garrafas. Esta estrutura de madeira em que se guarda bebida vai at o limite superior do quadro. Pensando ainda na figura negra desta obra, o fato de ele estar caracterizado como trabalhador o redime da figura de malandro, de espertalho, ainda que sua vestimenta o identifique como tal. Outro elemento que tem este papel amenizador na caracterizao do negro no como um sujeito vadio e que abusa da confiana alheia e usa da esperteza para sobreviver ao invs de trabalhar, o fato de ser ele o nico dos personagens que est em p na cena e, portanto, mais afastado da jogatina, vcio que envolve essa prtica continuada. No jogo de baralho, muitas vezes se aposta dinheiro, uma forma de, com esperteza, conseguir angariar alguma soma para sobreviver num mundo cada vez mais difcil. Todavia, ainda que ele esteja numa taverna, como nos informa o nome da obra, sua presena no estabelecimento se deve ao fato de ser um trabalhador no recinto. Desse modo, Rebolo, nesta tela 65, traz tona a temtica do lazer, com os personagens compondo a cena em um bar. O pintor sugere que neste botequim, caracterizado pela quantidade de garrafas dispostas nas prateleiras 255
atrs do balco, onde se vendem principalmente bebidas, os trabalhadores da cidade aproveitam momentos de diverso e tm como passatempo o carteado. No entanto, este humilde estabelecimento comercial no somente lugar de lazer, mas tambm de trabalho, pois enquanto os freqentadores desfrutam de seu tempo livre, jogam cartas, bebem e conversam, o dono do bar trabalha. Este o momento de lazer para a maioria destes homens e de trabalho apenas para o negro. O lazer de uns implica o trabalho de outros e vice-versa, as atividades de lazer e trabalho esto intimamente ligadas. Neste caso, enquanto os homens brancos se entretm com o jogo de baralho, o negro apenas observa, no participa. Este aspecto pictrico que Rebolo acentua prope colocar em cheque a imagem pr-concebida que se tem dos brancos e negros. De acordo com Roberto Da Matta,
A possibilidade de agir como malandro se d em todos os lugares. Mas h uma rea onde certamente ela privilegiada. Quero referir-me regio do prazer e da sensualidade, zona onde o malandro o concretizador da bomia e o sujeito especial da boa vida. Aquela existncia que permite desejar o mximo de prazer e bem-estar, com um mnimo de trabalho e esforo. (...) um papel social que est nossa disposio para ser vivido no momento em que acharmos que a lei pode ser esquecida ou at mesmo burlada com certa classe ou jeito. 297
O malandro , pois, a figura do cenrio urbano por excelncia, e a sugesto de Rebolo, em sua obra, de que qualquer um pode ser malandro, seja branco ou negro. Sendo assim, o pintor edifica a imagem do negro na sociedade da dcada de 1930, vtima de tanto preconceito. Podemos dizer a partir disto que h, pois, um valor moral nesta obra. No canto esquerdo da tela, podemos notar ainda dois ces, um menor que o outro, o maior est deitado e o menor em p e eles esto brincando um com o outro, o que denota um ambiente amistoso. Os elementos compositivos da obra possuem cores sbrias, em tons discretos, cuja cor predominante na composio o bege e cuja forma constituda por traos simples e com pouca mincia, como no caso de Os jogadores de cartas, de Paul Czanne (tela 66).
297 DA MATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984, p. 103. 256
Nota-se uma evidente meno obra de Czanne por parte de Rebolo, j que ambos os pintores tratam de uma mesma forma de lazer referente ao universo predominantemente masculino, o jogo de baralho. Rebolo utiliza a mesma referncia do pintor francs quando aborda a cena de jogo em seu quadro, pois, compe a obra dispondo de quatro personagens, trs homens sentados e um em p. No entanto, Czanne usa cores vivas, vibrantes, para elaborar a cena dos jogadores de cartas, enquanto que Rebolo utiliza cores esmaecidas. Ainda no plano formal, no caso da tela de Rebolo, a composio da obra conta com um ponto de fuga, enquanto que na tela de Czanne a forma de construo da noo de profundidade diferente, no h ponto de fuga, mas sim, planos sobrepostos. Na obra de Rebolo, a cena toda est construda em diagonal aos olhos do observador, de modo que se tenha uma viso em perspectiva desta cena. Isto possvel, pois existem vrios elementos na obra que juntos auxiliam na constituio de linhas que convergem para a mesma direo da tela. Estes elementos so a prateleira na parede, o balco, a mesa e as banquetas. Estes objetos na cena esto paralelos, pois a linha que compe a superfcie de um objeto eqidistante em toda a extenso da linha ou superfcie do outro objeto. No plano do contedo, o tema das obras 65 e 66 diz respeito ao lazer dos homens no cenrio urbano, que tanto pode se dar no centro, quanto na periferia da cidade. Os jogos de cartas praticados nos bares, por exemplo, so geralmente simples e de fcil aprendizado. Sendo assim, constituem um passatempo aglutinador, pois, pela sua fcil assimilao, muitas pessoas so capazes de jogar. Alm disso, se pode adaptar e jogar de inmeras formas, desde as mais simples, at os jogos de extrema dificuldade. Desse modo, os jogos de baralho constituem um meio pelo qual se estabelecem relaes sociais entre amigos, principalmente. O cenrio do jogo tambm um espao de sociabilidade entre os envolvidos e os jogos de baralho muitas vezes mantm os homens presos mesa pelo simples prazer do risco. A abordagem do jogo de cartas como tema sugere que a tradio e o moderno esto lado a lado. Isto porque os jogos com cartas so bastante antigos, tiveram origem no Oriente e depois foram introduzidos no Ocidente, 257
primeiramente na Europa e, mais tarde, na Amrica. 298 Fazem parte, pois, de uma tradio de longa data. Sendo assim, essa tradio perpassa as obras tanto de Czanne quanto de Rebolo e no cenrio que se moderniza, como acontece com a cidade de So Paulo, o jogo de baralho continua a fazer parte do rol de jogos praticados entre os grupos de amigos. Na tela 66, Czanne pinta Os jogadores de cartas, imagem produzida entre 1890 e 1892. Em primeiro plano notamos trs homens, todos sentados em torno de uma mesa que ocupa a posio central no quadro. O homem do meio est de frente para o observador, enquanto que os outros dois ladeiam esta figura central e esto dispostos de perfil para quem observa a cena. Sobre a mesa branca, na qual podemos notar uma gaveta em sua estrutura, h algumas cartas de baralho e um cachimbo de cor clara. Percebemos que tanto o homem sentado de frente para o observador, quanto o que est do seu lado direito, possui algumas cartas nas mos. J o homem que est sentado do lado esquerdo parece no deter nenhuma carta em seu poder.
298 Os jogos com baralho so antigos, sua inveno pode ser atribuda a diversos povos, porm, os chineses, os egpcios, os rabes e os indianos certamente esto entre os primeiros a usarem as cartas. E em todas as verses, as cartas sempre tiveram carter de adivinhao do futuro. Entre os sculos XV e XVI, elas foram introduzidas na Europa pelos rabes, e os europeus, no sculo seguinte, se encarregaram de espalh-las pelo resto do mundo. Apesar da religiosidade oculta sobre o baralho, quando ele chegou Europa apenas se juntou aos outros tipos de jogos, as apostas em jogos de dados (feitos em pedra ou osso), eram conhecidas em diversos pases. As cartas vinham do Oriente (China ou ndia). A Itlia foi o primeiro pas a fabricar baralho na Europa: o tar. Em seus primeiros tempos, o baralho era um passatempo para poucos: as figuras eram elaboradas e pintadas mo, o que o tornava extremamente caro. De qualquer forma, o baralho tornou-se um bom negcio at para os governos, tanto que na Espanha e na Frana a fabricao j foi monoplio estatal. Acredita-se que o baralho tal como o conhecemos foi criado pelo francs Jacquemin Gringonneur, sob encomenda do rei Carlos VI de Frana. Assim, Gringonneur teria criado o baralho para representar as divises sociais da Frana atravs dos naipes. Copas representaria o clero; o ouro, a burguesia; a espada, os militares; e o paus, os camponeses. Os jogos de baralho ficaram famosos na Idade Mdia, onde os senhores feudais comearam a apostar terras e escravos, promovendo a riqueza de alguns e a pobreza de outros, de forma quase instantnea e iniciando a a compulso pelos jogos de azar. No incio do sculo XVII, calcula-se que a venda na Inglaterra alcanou cerca de meio milho de baralhos por ano, quantia comercializada mesmo depois do decreto de Henrique VIII proibindo totalmente o jogo de cartas e dados. A regra foi estabelecida em razo dos constantes conflitos entre soldados que jogavam. Cf. COPAG. Histria do Baralho. Disponvel em: <http://www.copag.com.br/portalcopag/jsp/institucional/historia/index.jsp>. Acesso em 05/03/2009. 258
66. Paul Czanne Os jogadores de cartas, 1890-1892, leo sobre tela, 65 x 81 cm, Metropolitan Museum of Art, Nova York
Em segundo plano, observamos um homem em p, com um cachimbo branco na boca, de braos cruzados, e posicionado do lado esquerdo da imagem. Ele se coloca entre as figuras do centro e do lado esquerdo da tela e deste lugar observa os jogadores de cartas em um momento de lazer coletivo. Os quatro homens usam chapu e esto trajados com muitas roupas e agasalhos. Eles vestem cala e palet, sendo que a figura do lado direito usa ainda um sobretudo azul escuro e a figura central porta, sobre o palet, uma espcie de parca de cor clara, casaco feito geralmente de tecido impermevel. Com exceo do homem do centro da tela (sentado e de frente para o observador), os outros todos possuem bigode. O semblante dos quatro homens srio, o que sugere certa tenso ou mesmo expectativa com as jogadas que ainda esto por vir. Os personagens esto concentrados no carteado, e mesmo que seja um passatempo, os jogadores se mantm atentos. Assim, diminuem 259
as chances de perderem o jogo e colocarem em risco a sorte de faturar algum dinheiro ou mesmo de terem o azar de perder qualquer valor. Mais ao fundo do quadro, atrs do homem que est em p e apenas acompanha o jogo de cartas, podemos observar, do lado direito da tela, ornamentando o local, uma cortina de tecido laranja que parece estar presa, j que est toda drapeada. As pregas do cortinado tm continuidade no bluso azul do jogador sentado direita. Ao lado da pea de pano na cor laranja utilizada para proteger o recinto, h um porta-cachimbo pendurado na parede e no qual constam quatro destes utenslios que so compostos por uma cavidade, onde fica o fumo, um tubo, e uma boquilha, por onde se aspira a fumaa. Cada um desses cachimbos possui tamanho e cor diferentes. H tanto os brancos quanto os marrons e, em ambas as cores existem os de menor e os de maior tamanho. Se Czanne dispe na parede de sua obra os cachimbos como forma de marcar o lugar pblico em que esto os jogadores de cartas, Rebolo, por sua vez, usa a mesma referncia, no entanto, tendo como elemento compositivo em sua obra as garrafas que esto dispostas nas prateleiras encostadas na parede do estabelecimento comercial. Alm disso, em ambos os casos, cigarro e bebida esto atrelados tambm ao vcio, assim como podemos associar o jogo de baralhos. Nesta obra de Czanne notamos os tons de azul que dominam o quadro e uma luz presente em toda a cena, alm de algumas reas de sombra, as quais esto pintadas em tons mais escuros. Nas telas de Czanne, as sombras quase nunca so pretas, mas sim compostas por inmeras tonalidades diferentes, descoberta, alis, feita pelos impressionistas e que se manteve em sua obra. H uma sntese das formas, as quais so produzidas com pequenas pinceladas coloridas e justapostas uma a outra, marca da tcnica dos impressionistas. Czanne recusava o sistema de perspectiva desenvolvido no incio do Renascimento, pois o considerava um meio auxiliar artificial que no correspondia realidade. Desse modo, para criar profundidade no quadro, Czanne integra os elementos compositivos da cena, mas, para isso, no segue as leis da perspectiva. O que cria o efeito de profundidade nesta sua obra, por exemplo, no so as linhas convergentes num ponto de fuga comum, 260
mas sim o uso da cortina e do porta-cachimbo pendurados do lado direito da parede. Estes elementos do uma sensao de perspectiva, pois evidenciam o segundo plano e a idia de Czanne criar o efeito de profundidade por planos justapostos, composio pictrica no seguida por Rebolo quando da realizao de sua tela de nmero 65. O centro da obra a temtica do jogo de baralho, o momento de entretenimento dos quatro personagens, do no-trabalho. Mesmo o personagem que no participa do jogo, mas apenas o observa, est em seu momento de descanso, est de braos cruzados, posio a qual podemos observar em outras obras analisadas neste trabalho. Assim como Czanne, que, por meio da posio deste personagem, sugere o no-trabalho, Rebolo, por sua vez, faz uma referncia a Czanne em sua obra quando apresenta em sua tela o negro que est de braos para o ar. Neste caso, ainda que o negro esteja em seu ambiente de trabalho, ele est absorto pelo jogo e deixa de lado as suas atividades laborais, transformando este seu momento tambm em lazer. O ambiente tipicamente noturno, pois um momento que ocorre aps as atividades de trabalho cotidianas. O jogo em grupo, muitas vezes entre amigos, ainda que seja uma diverso, apresenta um clima de competio. A temtica do jogo de cartas levantada por Czanne em outra obra de mesmo nome, Os jogadores de cartas, 1892-95. 299
Enquanto que na tela de nmero 66, Czanne cria um volume maior nos tecidos das roupas das quatro figuras, bem como na cortina pendurada na parede, na imagem 6, que consta nos anexos e que foi produzida trs anos depois, h uma simplificao dos volumes tendendo a uma expresso geomtrica das formas, o que anuncia, por assim dizer, uma linguagem plstica cubista. Pode-se afirmar, deste modo, que apesar de a configurao plstica ter sido modificada, Czanne continua a abordar a mesma temtica, os jogadores de cartas. Ademais, observamos, ainda, em sua obra 6 (anexos), a presena do cachimbo no cenrio da jogatina, mas, nesta imagem, h apenas um exemplar, o qual consta na boca de um dos jogadores, do lado esquerdo do observador. Estas telas de Czanne atestam a difuso do fumo e do tabagismo, elemento
299 Ver anexo 6. 261
presente no cenrio urbano e bomio, assim como a bebida na tela de Rebolo. A criao de necessidades caracterstica das sociedades que se modernizam, se industrializam e que geram demandas de produtos a serem fabricados para o consumo. H neste caso, a criao de um pblico consumidor e de um padro de comportamento que se institui no novo cenrio urbano, moderno e industrial. Na obra 67, Festa de So Joo, pintada em 1938, Volpi traz tona a cena do festejo popular brasileiro que ocorre no ms de junho em todo o pas. Nesta obra observamos uma casa simples em meio ao campo e algumas pessoas que se aglomeram em seu entorno. A casa ocupa o centro da tela e est em perspectiva, tendo sido construda com a ajuda da linha que compe a estrada de terra que se inicia no centro esquerdo da tela, em primeiro plano, e segue em direo ao canto direito do quadro, j em segundo plano. Alm disso, como recurso para a construo da linha de perspectiva, Volpi dispe a casa em diagonal, cujas linhas constituem que as paredes e o telhado tm como ponto de fuga o lado direito da tela. A pequena casa possui uma porta, duas janelas e uma pequena chamin entre elas, muito provavelmente, para expelir a fumaa gerada pelo fogo a lenha, elemento que se afigura como um contraponto sociedade moderna e industrial. Em volta da casa vemos o cho de terra e o matagal que vai desde o primeiro plano at o segundo. Notamos ainda, que neste segundo plano, no lado esquerdo da composio, h uma cerca que possivelmente delimita as terras nas quais est a casa daquelas que pertencem ao vizinho. A cerca tambm pode ter a funo de demarcar a rea da casa daquela que serve de pastagem, para que assim seja dificultada a passagem dos animais para a rea domstica.
262
67. Alfredo Volpi Festa de So Joo, 1938, leo sobre carto, 17 x 22 cm, ass. c.i.d., ass. e dat., titulado e situado So Paulo no verso
O cu possui um tom de cor cinza azulado, alm de algumas nuvens, representadas pelas reas mais brancas que compem o cu. Pela luz presente na composio, notamos que dia, o que podemos perceber tambm pela sombra projetada pela casa no cho de terra, do lado esquerdo da tela. Todos os componentes da cena aparecem bastante difusos, os contornos no esto bem definidos, vemos alguns personagens mais ntidos e outros apenas esboados por uma massa de tinta espessa, com pouca variao de cores na composio, e que produz um efeito manchado, j que as cores se sobrepem, compondo outras tonalidades. Isto se d pela mistura rpida de tintas diferentes, processo em que uma cor passa por cima da outra. As cores da composio no so vibrantes, mas sim esmaecidas e que variam apenas as tonalidades, considerando as poucas cores que constituem a cena. O aglomerado difuso de pessoas que observamos na obra se divide em dois grupos, o primeiro est diante da casa, em primeiro plano, j o segundo se posiciona mais ao fundo do quadro, na extremidade direita da casa. No canto esquerdo, observamos um mastro alto, pintado em duas cores que se intercalam, e em sua ponta notamos uma bandeira branca com alguns elementos compositivos que a estampam. Muito possivelmente a imagem da 263
bandeira a figura do santo homenageado na festa, caracterstica da comemorao do dia de So Joo. Na obra de Volpi, a imagem da casa remete quela que consta na obra 64, intitulada Futebol, tela produzida por Candido Portinari em 1935. Nesta obra, a pequena casa a qual nos referimos est em segundo plano, cercada por mato, e em uma rea distante da cidade, como fez Volpi em sua obra 67, produzida em 1938. Alm disso, diante da casa que compe o cenrio da obra de Portinari, h um alto mastro em cuja ponta consta uma bandeira, outra referncia encontrada na obra de Volpi (67) e que remete tela de Portinari (64). No entanto, na imagem de Volpi, a estampa da pea de pano no a da bandeira do Brasil, como observamos no quadro de Portinari, e que faz uma aluso nao brasileira. Ainda que a imagem da bandeira esteja difusa, pelo tema da obra de Volpi (Festa de So Joo), podemos dizer que a estampa da bandeira se refere imagem do santo homenageado na festa em comemorao ao seu dia. Outra obra que se sugere ser referncia de Volpi para a sua tela 67 o quadro de Portinari, de 1936-1939, e que tambm aborda a temtica da Festa de So Joo (68). Nesta imagem, Portinari faz uso de elementos compositivos que tambm notamos na obra de Volpi (67), como o caso da pequena casa pintada em diagonal, que aparece do lado direito e em segundo plano, e dos mastros altos com a bandeira fixada em sua ponta, dispostos do lado esquerdo, entre o primeiro e o segundo plano. Ademais, a cena que Volpi concebe em sua tela 67 est localizada, como no caso da de Portinari, nos arredores da cidade. Portanto, nas obras de ambos os pintores a temtica levantada a da cultura popular que permanece no arrabalde da cidade e que pouco a pouco desaparece da regio urbana central, pois os hbitos e costumes tradicionais vo sendo substitudos por novos comportamentos na cidade moderna. Desse modo, a populao das regies perifricas da cidade e que, de algum modo, contriburam para a construo da So Paulo, mantm a tradicional festa de So Joo que consiste tanto na comemorao do dia do santo quanto numa forma de lazer desta gente que vive s margens do centro urbano. De acordo com Jos de Souza Martins, na Amrica Latina ainda 264
alguns se confundem com o tema do moderno em oposio ao tradicional, o que para ele consiste numa interpretao que
relega ao passado e ao residual aquilo que supostamente no faria parte do tempo da modernidade, como o tradicionalismo dos pobres migrados do campo para a cidade, a cultura popular e a prpria natureza. Seriam manifestaes anmalas e vencidas de uma sociabilidade extinta pela crescente e inevitvel difuso da modernidade que decorreria do desenvolvimento econmico e da globalizao. 300
O ponto de vista de Martins de que o estudo da modernidade nos pases latino-americanos, como o Brasil, passa pelo reconhecimento de sua anomalia e inconclusividade, ainda que tenha se tornado quase um cacoete de pas subdesenvolvido na era da globalizao. As misrias, como o desemprego e o subemprego, os valores e as mentalidades produzidos pelo desenvolvimento dependente so partes integrantes da modernidade, embora de um ponto de vista terico e tipolgico no faam parte do moderno. 301
300 MARTINS, Jos de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e histria na modernidade anmala. So Paulo: Hucitec, 2000, p. 17-18. 301 MARTINS, Jos de Souza. op. cit., 2000, p. 18.
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68. Candido Portinari Festa de So Joo, 1936-1939, leo sobre tela, 172 x 193 cm, ass. e dat. c.i.e., Colccion Costantini, Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires
A obra 68, Festa de So Joo, foi produzida por Portinari entre os anos de 1936 e 1939. Nesta tela, o pintor dispe de vrios personagens para abordar uma das festas brasileiras mais populares. Ele constri a imagem com pouca variao de cores, produzindo uma obra que, ainda que tenha tonalidades fortes e vibrantes, as mesmas esto em matizes discretos e no transmitem alegria, como era de se esperar no que diz respeito a uma festa como esta. Isto porque a comemorao est apenas por comear, o que ocorrer assim que a noite cair e tudo estiver pronto. Esta cena se refere, portanto, ao momento anterior ao acontecimento da festividade. No plano geral da obra, podemos notar que a solenidade religiosa, na qual se celebra o dia de So Joo, est sendo preparada pelos moradores do arrabalde da cidade, pois, como observamos, tanto no primeiro quanto no segundo plano da tela, existem homens, mulheres e crianas envolvidos na arrumao do arraial para a festa junina. J no plano mais ao fundo da tela notamos um conglomerado de casas que recobrem todo o monte at onde 266
nossa vista pode alcanar, na linha do horizonte, , pois, onde se localiza a regio urbana central. Pelo cu claro, pintado em diferentes tons de azul, desde a parte mais clara e iluminada at o ponto mais escuro, no limite superior do quadro, percebemos que ainda dia, mas que a noite se aproxima. Trata-se, pois do momento do pr-do-sol. Ainda observando o fundo da tela, notamos outros elementos compositivos da cena: no canto esquerdo h um grande volume de gua e que se assemelha a uma imensa represa, alm disso, outra montanha se destaca logo em seguida grande extenso de gua; j no canto direito, observamos uma casa distante do amontoado de casas que caracterizam o centro urbano, alm de trs palmeiras enfileiradas do lado esquerdo da casa, tomando como referncia o observador. Esta casa simples elemento presente tambm em outra obra de Portinari (64), bem como na tela de Volpi (67). Ademais, tanto na tela 64 quanto na de nmero 67 os mastros altos esto presentes, referncias plsticas de Portinari que Volpi menciona em sua pintura sobre a festa junina. A forma como Portinari organiza os elementos pictricos nesta tela 68 sugere que h no s uma separao espacial entre centro e periferia da cidade, mas uma diferena cultural. , pois, na cidade que se localiza o moderno, o desenvolvimento, enquanto que no arrabalde temos a tradio, a cultura transmitida de gerao para gerao, os festejos populares. No entanto, ainda que haja essa diferena entre as regies que a cidade compreende, h uma interdependncia entre o centro urbano, onde est o conglomerado de edificaes, e a periferia, lugar em que se prepara o arraial para a realizao da festa de So Joo. Muitos dos trabalhadores da cidade moram nos bairros perifricos, dependem do emprego oferecido no centro urbano, assim como os cidados do centro necessitam dos servios destas pessoas que vivem s margens. Alm disso, a cidade gera uma demanda de produtos que as reas mais afastadas da cidade e os campos que esto no seu entorno precisam suprir por meio da agricultura e da criao de animais para o consumo. No que diz respeito ainda interdependncia do centro com relao periferia, e que muitas vezes est mais prxima da rea rural do que da urbana, podemos dizer que no h no campo somente a agricultura e a pecuria de subsistncia, mas tambm as produes em larga escala e que tm como destino a exportao, contribuindo, desse modo, para o crescimento 267
e o desenvolvimento do pas. Tanto no centro quanto na periferia da cidade, homens, mulheres e at crianas atuam como trabalhadores colaborando para a modernizao do Brasil. O primeiro plano composto por vrias figuras femininas e pelas crianas, todas vestidas de roupas claras, mas que esto amareladas e acinzentadas pela ao do tempo, alm dos resqucios de sujeira. Pode-se dizer que h, mais especificamente, quatorze personagens, sendo quatro mulheres e dez crianas, destas, pelo que notamos, apenas uma menino. Os personagens so todos mulatos, pois no s a cor da pele indica isto, mas tambm as feies, as caractersticas fsicas. H os mulatos mais claros e os mais escuros. As mulheres so robustas, pois possuem a constituio fsica dos afro-descendentes. Alm do mais, so mulheres trabalhadoras, exercem atividade braal e, por conta disto, seus corpos se desenvolvem com mais vigor, possuem maior tnus muscular, so, desse modo, mais corpulentas. Portinari desenha nesta obra, assim como em grande parte de suas outras telas, mulheres de pernas e braos grossos e ancas largas. Nesta imagem, observamos que por mais que o motivo seja de festa, os personagens envolvidos trabalham, mas, neste caso, para que o festejo popular acontea, como podemos notar, inclusive, em outras obras de Portinari que tm a festa junina como temtica, as quais constam nos anexos. 302 No primeiro plano, das quatro mulheres que compem a cena, trs esto no ponto central, enquanto que apenas uma est mais esquerda na tela. Este quarteto est empenhado em cuidar dos preparativos da festa. A mulher que est de costas para o observador, de leno claro na cabea, bem como a que consta sentada do lado esquerdo da obra, ambas de vestido claro, so as duas personagens que no esto executando nenhum trabalho braal neste momento, elas cuidam das crianas. A que est de costas tem na barra de sua saia um menino descalo, de cala, camisa e chapu de palha e que segura o seu vestido. Ele parece indefeso e dependente da me. Ainda que pequeno, sua aparncia lembra a de um pequeno homem, recurso que Portinari utilizou em sua obra Futebol (64), quando pintou os jogadores crianas como se fossem pequenos adultos. Afinal de contas, sua infncia durava pouco, pois precisavam ajudar seus pais, os
302 Ver anexos 7, 8 e 9. 268
adultos que necessitavam das crianas maiores tanto para cuidar das menores, quanto para fazer os trabalhos domsticos, ou at ajudarem na lavoura e criao de animais. A mulher que est sentada, do lado esquerdo da obra, tambm se incumbe de olhar as crianas, neste caso, ela est perto de trs delas, duas podemos visualizar bem, esto de vestido claro e uma usa um lao de fita azul no cabelo. As crianas mais velhas ajudam tomando conta das mais novas, como podemos observar tanto do lado direito, a menina com o lao de fita azul na cabea e que segura um beb no colo, como do lado esquerdo, a garota de cabelo preso por uma fita vermelha e que olha a criana menor sentada em cima de uma estrutura retangular e que, ao que parece, feita de concreto. H ainda outra criana neste primeiro plano, ela est entre as maiores, mas pelo tamanho, aparenta ser ainda mais nova que estas, ela est sentada na estrutura de concreto quadrada que ocupa o canto inferior direito do primeiro plano e observa a cena toda. As outras duas mulheres do primeiro plano esto envolvidas em seus trabalhos braais: uma est com uma lata na cabea e a outra se encontra abaixada e amassando algo em um pilo de madeira escura. Ambas usam vestido da mesma cor que o do restante dos personagens e portam leno do mesmo tecido na cabea. Desse modo, ainda que a obra de Portinari aborde o lazer, o trabalho est intimamente ligado ao tema, pois at mesmo para se divirtam as populaes mais pobres precisam trabalhar, j que depende de seu empenho o preparo do acontecimento festivo no arraial. No segundo plano, podemos visualizar melhor a terra vermelha batida, a terra rossa, forma como denominaram os italianos quando trabalharam na frtil roa paulista. Notamos que alguns elementos auxiliam na delimitao entre o primeiro e o segundo plano, so os altos mastros que esto tanto no canto esquerdo, quanto no centro da imagem. Os que constam do lado esquerdo, podemos v-los inteiros, e nas pontas avistamos as bandeirolas caractersticas das festas de So Joo nas quais esto impressas as imagens do santo, mastros estes tambm presentes nas obras 64, produzida por Portinari em 1935, e 67, tela de Volpi, pintada em 1938. Estes mastros compem uma linha de fuga para o canto esquerdo e assim colaboram na construo da perspectiva da cena. Esta linha imaginria 269
formada por estes mastros tem o seu incio j no primeiro plano e conta com o auxlio de outros dois mastros mais grossos e que vistos em conjunto com os demais do canto esquerdo, do uma idia de profundidade ao quadro e dirigem o olhar para este lado. Em um destes mastros grossos, observamos uma criana que o escala, tentando alcanar o seu cume, o que nos remete a pensar nos paus de sebo caractersticos das festas juninas e que consistiam em mastros untados de sebo e que em seu topo havia prmios para quem os alcanasse. No entanto, no h apenas um ponto de fuga nesta obra, mas outros, os quais so construdos com outros elementos compositivos da cena: as palmeiras do segundo plano e que esto do lado direito da obra, diante da pequena casa, bem como a estrada de terra percorrida pelos transeuntes que se deslocam do segundo plano para o primeiro, guiando, assim, o nosso olhar para o centro da imagem e para o fundo. Estes personagens que caminham na estrada de terra so os populares que participaro da festa preparada por eles mesmos. Eles trazem da cidade os ingredientes e produtos necessrios para a elaborao da festa na periferia, carregam latas na cabea e transportam caixas nos braos. H, neste sentido, a sugesto da interdependncia da periferia com relao ao centro e vice-versa. Do lado direito da obra, ainda avistamos cinco figuras femininas, quatro delas esto ocupadas com a lavagem de roupas, enquanto a quinta figura transporta uma lata na cabea. Trs destas mulheres lavadeiras estendem suas peas no varal, j a quarta personagem carrega uma trouxa branca em sua cabea. A temtica do trabalho mais uma vez abordada e, alm disso, h a referncia a outras obras de Portinari, as quais tratam da atividade laboral que desempenhavam as lavadeiras, como podemos notar nas imagens 49, 50 e 52 que constam no terceiro captulo. A obra 69, Figuras no Tiet, produzida por Zanini em 1940, remete a um dos principais rios que cortam a cidade de So Paulo, o rio Tiet. Alm disso, o pintor, por meio de sua tela, aborda a questo do lazer s margens deste importante e caudaloso rio que no somente corta boa parte da cidade de So Paulo como percorre todo o interior do Estado 303 .
303 Cf. SO PAULO 450 ANOS. Os rios e seus afluentes - Rio Tiet. Disponvel em: <http://www.aprenda450anos.com.br/450anos/vila_metropole/15_rio_tiete.asp>. Acesso em 270
69. Mrio Zanini Figuras no Tiet, 1940, leo sobre tela, 32 x 45 cm, Coleo particular
Nesta obra notamos seis figuras humanas, cinco mulheres e um homem, s margens do rio Tiet. Estas figuras formam dois grupos de trs pessoas cada. O primeiro trio est no centro da tela, em primeiro plano, e composto por um homem ao centro e duas mulheres, uma de cada lado. O homem est de calo preto e as mulheres esto nuas, os trs esto sentados no gramado beira rio que possui diferentes tonalidades de verde. O segundo trio de figuras humanas est em segundo plano, do lado esquerdo da tela, so trs mulheres que conversam em p e esto mais prximas da borda do rio que o primeiro trio. A mulher ao centro est de vestido azul mais escuro que os vestidos das outras duas mulheres que a ladeiam. Elas possuem os cabelos
12/03/2009: Tiet, palavra que em tupi significa "gua boa", o nome de um rio que teve grande importncia na histria de So Paulo, pois permitiu a interiorizao da colonizao, ampliando os limites da Amrica portuguesa. Tambm chamado no passado de Rio Grande e Anhembi ou Anhambi, o Rio Tiet, o maior do planalto, com 1.136 quilmetros de extenso, um rio muito sinuoso, com uma longa srie de corredeiras e cachoeiras, e recebe um grande nmero de afluentes. O rio nasce na cidade de Salespolis, em So Paulo, na cadeia montanhosa da Serra do Mar, a mil metros de altitude e a 22 quilmetros do Oceano Atlntico. Contrariando o curso da maioria dos rios, ele corre para o interior do estado, atravessando a cidade. Essas caractersticas fazem com que suas guas s desemboquem no mar depois de percorrerem 3.500 quilmetros, nos quais se encontram com o Rio Paran, divisa do Mato Grosso do Sul, e chegam at o Rio da Prata. Com tal percurso, o Rio Tiet se tornou um dos mais importantes para a expanso territorial do pas. 271
pretos e compridos e a mulher do lado esquerdo carrega uma sombrinha preta para se proteger do sol. Logo em seguida deste trio observamos o rio Tiet que consiste numa faixa na horizontal, pintada com um azul vibrante, e que corta de um lado a outro a tela. No rio, notamos uma pequena embarcao no canto direito da composio, um barco a vela, cujo casco branco com detalhes em marrom e a vela feita de tecido branco. Mais ao fundo da tela, logo aps o leito do rio, avistamos uma faixa de terra que corresponde plancie que em grande parte est recoberta pelo verde da grama. Aps esta extenso de terras planas, podemos ver uma cadeia de montanhas cobertas por tons de verde mais claro e mais escuro, que correspondem mata que est na encosta. H tambm algumas partes na cor marrom, reas em que h falta de vegetao neste solo, o que pode ser o indcio de desmatamento, da ao que promove o processo de desaparecimento das florestas por ao do homem, principalmente aes no autorizadas, que podem ser para explorao econmica, como extrao de madeira, abertura de pastos para criao de gado, ou mesmo a expanso descontrolada de reas de residncia e instalaes industriais, aes que esto intimamente ligadas com a modernizao da cidade. Este desflorestamento consiste numa agresso humana natureza e que ocasiona severas alteraes ou a destruio de ecossistemas. Esta modificao do cenrio da urbe, com a retirada da mata original, deve-se ao processo de expanso da cidade, urbanizao crescente, ao desenvolvimento industrial e que esto vinculados com a modernizao de So Paulo. Ao analisarmos a imagem de nmero 10, fotografia produzida na dcada de 1940 e que consta nos anexos, podemos notar que em segundo plano um conglomerado de concreto se erguia sobre o solo da cidade e que este conjunto de edificaes constitua o centro da urbe paulista. Esta rea central de So Paulo com os seus arranha-cus se situava bem distante do rio Tiet, nas proximidades da Praa da S e seu entorno, onde se localizava o centro comercial, financeiro, cultural e artstico da cidade. J no primeiro plano desta imagem de nmero 10 304 , podemos observar o rio Tiet, no qual um barco estava atracado prximo margem, lugar onde algumas mulheres lavavam
304 Ver anexo 10. 272
suas roupas, indcio de que o rio ainda se mantinha limpo e que nesta regio a cidade era tranqila, muito parecida com o campo, com a zona rural, bem diferente da paisagem que se tinha ao longe. Tanto as figuras humanas como todos os outros elementos compositivos da cena possuem um colorido vibrante, e traos simplificados, produzidos por uma tinta fluida e com pinceladas longas, em grande parte da composio. H pouca variao de cores e os traos feitos com pincel so bem marcados, como podemos notar em todo o quadro. As feies dos personagens so tambm simplificadas, desprovidas de detalhes, constituem apenas esboos e sugestes do que seriam os rostos e seus pormenores, referncias que encontramos na obra de nmero 70 e de autoria de Czanne. H uma luminosidade por toda a composio e o jogo de sombra e luz pode ser percebido pelos tons mais claros e mais escuros de tinta que colore toda a cena.
70. Paul Czanne As grandes banhistas, 1894-1905, leo sobre tela, 172,2 x 196,1 cm, National Gallery, Londres
273
As cores que Zanini utiliza na composio so pouco variadas como faz Czanne, e o princpio que o pintor usa para colorir os elementos constitutivos da cena tem tambm como referncia o modo como Czanne elabora a sua tela. H tanto em Czanne quanto em Zanini a fuso das figuras humanas com a paisagem, o que se d pelas cores usadas para pintar ambos os elementos. Como podemos notar no quadro de Zanini, os diferentes tons de azul tanto colorem as guas do rio quanto os vestidos das mulheres que se colocam em p diante de sua margem; j os matizes de marrom constituem tanto a cor da pele dos personagens da cena, quanto o casco do barco e a cor da terra das margens do rio, bem como da encosta da montanha. H, desse modo, um vnculo criado por Zanini, assim como faz Czanne em sua obra, entre a natureza e as figuras humanas, aproximando os elementos do quadro. Outra referncia que Zanini tem de Czanne com relao idia de profundidade na imagem. A construo da perspectiva nesta obra 69 se d pela sobreposio de planos e no pela conjuno dos elementos compositivos na tela de modo a construir um ponto de fuga nico. Zanini, desse modo, utiliza o recurso que Czanne emprega em suas obras para dar o efeito de profundidade cena. No entanto, na tela 70 de Czanne as figuras esto dispostas umas ao lado das outras, o que diminui a profundidade de campo do quadro. Esta bidimensionalidade mais pronunciada tambm alcanada com os trs troncos de rvores, dois do lado esquerdo e um do lado direito, que parecem adentrar lateralmente no quadro permitindo uma viso reduzida do plano de fundo. Neste sentido, Zanini em sua tela 69 faz aluso a outras obras de Czanne 305 , as quais tm caractersticas pictricas diferentes a esta imagem de nmero 70 no que diz respeito noo de profundidade. Nas obras 11 e 12, que constam nos anexos, Czanne dispe as figuras no primeiro plano e no segundo pinta outros elementos compositivos em tamanho menor, o que auxilia na criao de profundidade tridimensional na cena, como faz Zanini em seu quadro 69. A temtica abordada por Zanini nesta obra a do lazer possvel nas margens do rio Tiet, onde as pessoas podiam desfrutar de um momento de calma na beira do rio, sem temer a violncia e os perigos de uma So Paulo que ainda proporcionava tranqilidade para os cidados. O rio Tiet e seus
305 Ver anexos 11 e 12. 274
arredores consistiam, pois, em um espao de sociabilidade, j que era um dos locais de lazer preferidos dos paulistanos no incio do sculo XX, as pessoas desfrutavam de piqueniques em suas margens, praticavam natao, pesca e esportes aquticos. Trs clubes de regatas se estabeleceram em suas imediaes: o Club Canottieri Esperia, formado pelos italianos, o So Paulo e o Tiet.
"A Ponte Grande se transformou em local de recreio para o paulistano, pois ali, margem do Tiet, foram criados vrios recreios para piqueniques, passeios de barco e restaurantes, entre os quais se destacava o Bella Venezia, freqentado pelos italianos, que aos domingos se recreavam passeando de barco. Foi justamente um grupo desses rapazes que comeou a incentivar a idia da formao de um clube esportivo que teria, naturalmente como atividade, o remo e a canoagem: o Club Canottieri Esperia". 306
Podemos dizer que com a imigrao houve o crescimento da cidade e o seu desenvolvimento, contribuies dos europeus, em sua maioria italianos que para c afluram e participaram ativamente na construo, transformao e modernizao da cidade. s margens do rio Tiet, esses clubes, no entanto, no durariam muito, devido poluio das guas. Estima-se que em 1930, 150 empresas j jogavam lixo no Rio Tiet, o que tornou o rio pouco piscoso, talvez devido barragem em Parnaba e ao Salto de Itu. Os resduos das fbricas e outros tambm concorreram para tornar o ambiente pouco favorvel vida dos peixes. As atividades esportivas continuaram at a dcada de 1950, quando o Tiet transformou-se no esgoto a cu aberto na cidade. 307 Desse modo, Zanini, quando da pintura de sua obra, em 1940, faz referncia a um momento em que o rio Tiet constitua ainda um rio limpo, de guas claras, reminiscncias de uma So Paulo que no havia at ento sofrido os impactos da industrializao e da modernizao. A imagem 70, As grandes banhistas, produzida por Czanne nos anos de 1894-1905, sugere um momento de lazer, com as figuras em meio natureza,
306 GERODETTI, Joo Emlio e CORNEJO, Carlos. Lembranas de So Paulo: A capital paulista nos cartes-postais e lbuns de lembranas. So Paulo: Studio Flash Produes Grficas, 1999, p. 173. 307 Cf. GERODETTI, Joo Emlio e CORNEJO, Carlos. op. cit., 1999, p. 173. 275
inseridas na paisagem. Em outras imagens, Czanne aborda a mesma temtica em telas produzidas em 1875-1876 e 1906 308 , nas quais o pintor sugere o lazer beira de um rio ou lago, onde os personagens aproveitam para se refrescarem e passarem um dia agradvel de descanso de suas atividades laborais. Nesta imagem h onze figuras, todas nuas e no primeiro plano, as quais compem juntas um bloco de pessoas, uma ao lado da outra, sendo que quatro delas esto viradas de costas para o observador, seis de lado e apenas uma de frente, levemente inclinada para a esquerda. Possuem a pele alva e os cabelos claros, apenas uma das personagens tem o cabelo mais escuro, a que est sentada de costas para o observador e do lado esquerdo da tela. Os traos feitos com o pincel ora so alongados, ora mais curtos, ora compem os elementos da cena por meio de pinceladas rpidas, ora os constroem com grandes volumes, conformando massas de grandes dimenses. Observamos que os corpos dos personagens e o solo, que serve de base para a cena, so compostos por pinceladas mais longas que aquelas que compem os traos da mata que circunda o grupo, as rvores e os pequenos arbustos que envolvem estes personagens em primeiro plano. A natureza que est em segundo plano , pois, constituda por pinceladas curtas e rpidas, como notamos onde as tintas esto mais escuras, em especial nos cantos direito e esquerdo e na rea central. J as nuvens, tanto brancas quanto azuis, que esto bem no centro da imagem e se localizam mais ao fundo de onde consta o grupo de pessoas, so construdas por um grande volume de massa e com pinceladas no to curtas. Estas pinceladas agitadas so vistas tambm em outras obras de Czanne que remetem temtica dos banhistas e que foram produzidas em 1875-1876 e 1906, respectivamente, como constam as telas nos anexos de nmero 11 e 12. Na primeira, observamos que os traos do pincel so menores, as pinceladas curtas pouco a pouco vo conformando os elementos constitutivos da obra, com poucas variaes de cores de tonalidades fortes, traos rpidos e uma presena de luz por toda a cena. A proposta nesta pintura no de se deter nos pormenores, mas ter uma impresso global. A captao das condies luminosas, com pinceladas rpidas confere movimento cena. Desse modo, os contornos so esbatidos em
308 Ver anexos 11 e 12. 276
benefcio do realce dos efeitos da luz. A representao dos objetos da cena quase que esboada e o enquadramento sublinha a impresso de realidade de um instante captado pelo olhar. J, na segunda, os traos do pincel so pequenos, as pinceladas so curtas e no preenchem de tinta toda a extenso dos elementos compositivos, deixando alguns espaos em branco, como se o quadro estivesse inacabado. Czanne aumenta o nmero de personagens na tela 12, em comparao com a obra de nmero 11 (ambas em anexo), e insere estas figuras nuas na natureza. Com estas personagens que mais parecem esculturas, Czanne eleva sua composio monumentalidade, pois estas obras passam a compor a histria de um tema cheio de tradio, a pintura do nu. A proposta de Czanne na obra 70 se aproxima quela da imagem 12 dos anexos, j que em ambas a sugesto unir a figura e a paisagem de modo harmnico, assim como pintar a forma das vrias figuras e no a sua individualidade. Sendo assim, os corpos dos personagens da cena so incorporados na composio ao invs de estarem destacados como elementos dominantes da tela. H uma harmonia entre as cores das figuras e das paisagens e desse modo, h o estabelecimento da fuso dos dois elementos da cena. Podemos notar isto na obra de nmero 70, pois h algumas tonalidades de azul mais claro e mais escuro por toda a tela que tanto constituem os corpos dos banhistas quanto o azul do cu e as matas que circundam o grupo de pessoas. J na imagem 12 (anexos) as cores predominantes so: o cinza, que tanto colore o rio e as matas em primeiro e segundo plano, numa tonalidade mais escura, quanto o cu, num tom mais claro; e o ocre nos matizes claro e escuro, que compem alguns elementos constitutivos da cena, como os corpos das figuras, o solo em primeiro e segundo plano, bem como os galhos das rvores. Na imagem 70, a cor bege clara constitui o tom de pele dos banhistas, j o bege mais escuro colore o cho em que esto dispostos estes personagens nesta obra. Este procedimento aproxima os elementos do quadro, fundindo as figuras dos banhistas com as formas da natureza. A paisagem constitui um elemento da pintura equivalente ao das figuras. As cores das figuras repetem-se na paisagem, um meio formal que Czanne utiliza para criar uma composio fechada sobre si prpria. As pequenas pinceladas estabelecem uma ligao 277
estreita entre os vrios objetos do quadro. Em suas obras, Czanne utiliza poucas variaes de cores, parmetro que Zanini toma para compor a sua tela 69. Outra meno de Zanini s obras de Czanne diz respeito ao modo como ambos os pintores apresentam as figuras humanas. Czanne, em seus trabalhos, pinta as figuras no interior da paisagem, no entanto, no se detm na beleza dos corpos, j que o pintor, ao compor os personagens, apresenta corpos deformados, como faz Zanini em sua tela 69. Alm disso, em ambas as obras falta expresso humana aos personagens, os rostos no possuem detalhes e a feio destas figuras no ntida. Todavia, a imagem produzida por Zanini se difere da de Czanne no que diz respeito relao entre os personagens. Enquanto que no quadro do pintor francs as figuras, ao que parece, no estabelecem qualquer espcie de relao ou de conversa entre si, como se esperaria numa situao destas, os personagens que compem a cena na imagem de Zanini parecem sim se relacionar na beira do rio. Tanto que Zanini disps os personagens na tela em dois semi-crculos, pois, assim, os dois trios podem se olhar e conversar. A tela 71, Tiet, produzida por Zanini em 1940, mais uma vez nos sugere o lazer s margens de um dos principais rios da cidade de So Paulo, como o prprio ttulo prope. Quando comparada com a obra de nmero 69, produzida no mesmo ano e pelo mesmo pintor que esta tela de nmero 71, notamos, no entanto, que h algumas diferenas com relao composio plstica. Na imagem 69, Zanini utiliza uma disposio diferente, pois, nesta obra, o rio est em segundo plano e as figuras humanas esto dispostas diante de seu leito, portanto, mais prximas do observador. J na obra 71, ao contrrio, o rio est em primeiro plano e os personagens tanto compem este plano mais prximo do observador, quanto se localizam no plano mais distante. No que diz respeito disposio dos elementos compositivos na cena, em ambas as obras de Zanini notamos referncias s telas de Czanne. Com relao noo de profundidade, Zanini, em sua obra 69 tem a mesma concepo que Czanne quando da produo de suas telas 11 e 12 que esto nos anexos. Nestas trs imagens que mostram figuras beira de um rio, a profundidade da cena se constri com o auxlio de um segundo plano, no qual os elementos aparecem em tamanho menor e, assim, do a idia de tridimensionalidade ao quadro. J, na obra 71, feita por 278
Zanini, a concepo de profundidade a mesma encontrada na obra 72, produzida por Czanne. Nestas imagens, os elementos constitutivos da cena esto dispostos em planos, modo como Czanne criava o efeito tridimensional em suas obras, e no qual Zanini se baseou para compor a sua tela. Desse modo, nos quadros 71 e 72, o segundo plano, ao invs de possuir elementos em tamanho menor, o que transmite ao observador a iluso do quo longnquo a paisagem no fundo do quadro, notamos que esta percepo conta apenas com a justaposio de planos, j que o fundo da tela em ambas as obras todo composto por rvores.
71. Mrio Zanini Tiet, 1940, leo sobre tela, c.i.d, 33,5 x 46 cm
Na imagem 71, pintada por Zanini, podemos observar o rio Tiet em primeiro plano, no qual flutuam quatro embarcaes de pequeno porte. No canto esquerdo, notamos dois barcos muito prximos um do outro, com uma pessoa em cada um. O barco que est mais esquerda conta com uma pessoa de roupa escura e chapu claro de abas largas que rema em direo ao lado esquerdo, tomando como referncia o observador. Ao lado direito deste barco, 279
outra embarcao, um pouco menor, contm uma pessoa de roupas listradas e que tenta se equilibrar em p. Na regio central da cena, notamos um barco um pouco maior, no qual duas pessoas de roupas escuras esto sentadas e a que est do lado direito quem rema. J no canto direito do quadro, observamos outro barco com duas pessoas a bordo, no entanto, este parece estar atracado em um dos peres que h na borda do rio. Ainda no canto esquerdo da obra, vemos duas pessoas de roupas de banho, uma vestida de listrado nas cores amarelo e preto e a outra de roupa azul. Ambas mergulham no rio de cabea e nadam nas guas de um Tiet que o pintor sugere ser prprio para banho e para a prtica de esportes aquticos, portanto, limpo. No segundo plano que Zanini pintou as margens do rio Tiet. Neste plano mais distante do observador, notamos que em alguns trechos da borda h grades de madeira pintadas de branco, as quais protegem os transeuntes, evitando o perigo de carem dentro do rio. Do centro da imagem para o lado esquerdo, notamos algumas pessoas logo aps o gradil, tanto adultos quanto crianas, as quais contemplam o rio e desfrutam de um agradvel dia de lazer ao ar livre. Do lado direito da cena, avistamos uma casa bem na beirada do Tiet. Diante desta casa, podemos ver um mastro alto, pintado em duas cores que se alternam, e em seu topo uma bandeira na cor vermelha com nuances em branco se agita com o vento e tem suas cores esbatidas, resultado da influncia da luz sobre a cor vibrante, como faz Czanne em suas obras. A presena do mastro com a bandeira na ponta nos remete a outras telas analisadas, as quais tambm possuem este elemento em sua composio, e se tratam das obras de nmero 63, 64, 67 e 68, respectivamente, dos pintores Rebolo, Portinari, Volpi e novamente Portinari. Todas elas se referem temtica do lazer, no entanto, nas imagens 63 e 64, o mastro est presente em cenas que tem o futebol como tema, j as de nmero 67 e 68 esto ligadas ao tema da festa de So Joo. Nesta tela 71, a presena da bandeira na cena sugere a demarcao de um espao pblico de lazer e que est sob a responsabilidade e administrao do governo da cidade de So Paulo. Logo em seguida do passeio pblico que margeia o rio, notamos uma seqncia de rvores frondosas que revestem o segundo plano, de um canto a outro da imagem, por entre as quais notamos outras edificaes mais ao fundo 280
do quadro, a cidade de So Paulo que avistamos a partir do rio Tiet. Neste trecho da cidade as rvores ainda so maiores que as construes que esto ao redor do rio, e no o contrrio, pois os grandes arranha-cus ainda no fazem parte da paisagem urbana nesta regio, a natureza ainda impera na cidade tranqila s margens do Tiet, proporcionando lazer seguro ao ar livre. A modernizao desenfreada ainda est por vir, o que ocorre por conta de uma maior industrializao e urbanizao crescente. Esta paisagem paulistana sugere ainda a idia de uma cidade que tem muitos aspectos de campo, em especial nos bairros mais afastados da cidade, nos arredores do centro de So Paulo, onde ainda mais sossegado o cotidiano. Esta obra prope pensarmos no momento anterior modernizao, quando a cidade ainda dispunha de um rio no poludo, da possibilidade de ter o Tiet como um local de lazer saudvel e tranqilo. Na obra 71 notamos a aluso de Zanini tela de nmero 72, produzida por Czanne. As referncias pictricas so bastante aparentes, pois como Czanne em sua tela 72, Zanini utiliza poucas variaes de cores em sua obra 71, nas quais os tons escuros colorem grande parte dos elementos compositivos da cena. Se em Czanne a cor predominante o verde em vrias tonalidades, presente tanto nas matas como no reflexo destas nas guas espelhadas do rio Marne, em Zanini a cor que prevalece so os vrios matizes de cinza e que tendem tanto para tons de azul quanto de verde. Notamos que na obra 71, feita por Zanini, h uma integrao das figuras humanas com a natureza, como observamos nas obras de Czanne (tela 70 e as de nmero 11 e 12, dos anexos), bem como na de Zanini (tela 69), pois nestas imagens as cores que compem a paisagem tambm constituem as personagens e esta caracterstica configura o elo entre estes elementos compositivos na cena. As cores utilizadas por Czanne e Zanini em suas telas 72 e 71, respectivamente, so fortes, no entanto, no se tratam de cores berrantes, mas sim de cores frias, um colorido sbrio e que sugere um clima outonal. Ainda que haja uma luminosidade presente em toda a tela, como podemos notar nos pontos mais claros da cena, o cu, em ambas as imagens, possui um tom de azul acinzentado, alm de algumas nuvens mais claras, tanto esbranquiadas quanto rosadas, indcios de um dia de cu aberto e que neste instante ocorre o cair do sol. 281
72. Paul Czanne Shores of Marne (As margens do Marne), 1888, leo sobre tela, 24 x 18 cm, Pushkin Museum of Fine Artes, Moscou, Rssia
A sugesto nestas obras possibilitar uma viso geral da paisagem, por isso, ambos os pintores no se detm nos pormenores e produzem imagens cujos elementos constitutivos mais parecem esboos. As pinceladas rpidas de Zanini em sua tela 71 aludem aos traos agitados feitos por Czanne na obra 72. Ambos constroem suas imagens contando com pinceladas curtas e que do a idia de movimento na cena, como podemos observar, especialmente, nas folhas que constituem as copas das rvores e na gua do rio Tiet, pois na tela de Czanne o rio Marne parece um espelho com suas guas aparentemente calmas e que refletem a paisagem ao seu redor. A imagem de nmero 72, As margens do Marne, produo de Czanne de 1888, apresenta uma cena beira do rio 309 , cercado por uma floresta. Nesta obra, alm do rio e da mata que compem a natureza, outro elemento constitui a
309 Ver anexo 13. O rio Marne possui 525 Km de extenso e consiste em um dos principais afluentes do rio Sena. O Marne nasce no planalto de Langres, ao sul da capital francesa, corre para o norte do pas e, na altura da cidade de Reims, se desloca para o oeste, desaguando ento no rio Sena, a leste de Paris. Cf. RIO MARNE. Disponvel em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Marne>. Acesso em 19/03/2009. 282
cena a edificao que se localiza no canto esquerdo da tela e que se ergue em meio floresta de mata densa e fechada. Nesta imagem no h figuras humanas e, alm da construo do sobrado de paredes claras e telhado escuro, que observamos em segundo plano, a natureza que ocupa a maior parte do espao do quadro. Trata-se, pois, de uma paisagem, a pintura de um pedao de natureza beira do rio Marne, local tambm de lazer dos franceses. Em primeiro plano, observamos o caudaloso rio Marne de cor escura. Suas guas, aparentemente calmas, so como um espelho, refletem a paisagem ao seu redor e por conta disto o rio adquire as cores da natureza que o cerca, os tons verde claro e escuro das matas, o azul claro do cu e a pontinha da torre que consta ao lado do sobrado, na cor bege bem claro. J no segundo plano que se localiza a beira do rio. A mata abundante, por isso, observamos apenas uma pequena faixa de terra que margeia o rio, o restante da paisagem composto pelos diversos tons de verde que colorem a floresta, bem como algumas pinceladas de azul intenso e pontos mais claros, cores que estampam as folhas das rvores, que onde a luz, presente na cena, incide. Neste plano h ainda a casa de dois andares envolta pela mata. Esta casa composta no somente pelo telhado central, mas por uma torre lateral do lado direito da construo e que aparenta ser outra edificao atrs desta principal. O cu possui um colorido esmaecido, o que sugere um final de tarde outonal. As cores azul, branco e rosa, em tons bem claros, compem o cu. As pinceladas constroem a mata como uma massa volumosa, com rvores de copas frondosas e agitadas. A profundidade da cena se d pela sobreposio de planos, nos quais esto dispostos os elementos constitutivos da tela. A cor que predomina na composio o verde em tons claros e escuros, e a presena do rio associado a estas cores propem um ambiente frio, mido e sombrio, inclusive pela falta de figuras humanas, pela casa deserta na beira do rio. Estas caractersticas sugerem que o clima seja de outono, quando as temperaturas comeam a baixar e o lugar de veraneio fica sem qualquer turista. As margens do rio Marne eram bastante visitadas por aqueles que desejavam ter momentos de tranqilidade quando no estavam executando atividades de trabalho. Pelo fato de o encontro do rio Marne com o rio Sena ocorrer em uma 283
regio ao redor de Paris 310 , o curso do Marne, nas cercanias da capital francesa, era j bastante desfrutado pelos parisienses que se deslocavam da cidade para lugares mais afastados em busca de sossego. As margens do Marne consistiam, portanto, no lugar de contemplao num momento de cio. A casa que avistamos na paisagem se trata de uma casa de campo, um lugar distante do grande centro urbano que Paris e para onde as pessoas se destinam em seus momentos de lazer. Esta casa, apesar de estar em meio mata, a alguns quilmetros da capital, no consiste numa casa simples, mas sim num sobrado que tem uma estrutura muito parecida com as casas na cidade. Alm disso, podemos dizer que o rio Marne, elemento que est em primeiro plano na paisagem e que consiste no tema da obra, constitui o elo entre o campo e a cidade, entre o rural e o urbano, pois liga Paris, o lugar de referncia do modernismo artstico e da modernizao, a outras regies da Frana, bem como a alguns pases vizinhos, o que possvel pelo fato de o rio ser caudaloso e possuir guas mansas, condies que o tornam navegvel. 311
A composio plstica da cena na qual o tema central o rio Tiet se aproxima daquela em que Czanne aborda a paisagem s margens do rio Marne. As referncias pictricas de Zanini em sua obra de nmero 71 so observadas nesta tela de Czanne e, ainda que este pintor tenha como temtica um rio francs e aquele um rio brasileiro, ambos tratam das margens do rio como proposta de lazer nas cercanias da grande centro urbano. Tanto na imagem de Czanne quanto na de Zanini, pode-se salientar o aspecto da modernidade s avessas. A obra 73, pintada por Portinari em 1935, tem como tema o Rio Tiet, o que consiste tambm no ttulo do quadro. O observador posicionado em um lado da beira do rio, em primeiro plano, avista o restante do leito e o seu entorno. O primeiro plano composto pela gua escura do Tiet, alm de
310 Cf. PARIS-LUTCIA: Biografia de uma cidade. Disponvel em: <http://www.lpmeditores.com.br/v3/livros/Imagens/paris2pdf.pdf>. Acesso em 19/03/2009. 311 Uma caracterstica particular da ampla regio da bacia de Paris, cidade localizada em um espraiado relevo natural, era o acmulo de bom nmero de cursos dgua, prximos entre si, de guas mansas e, portanto, normalmente navegveis (Marne, Essonne, Loing, Yonne, Aube). Esses rios desembocavam no Sena, que, por sua vez, desaguava no mar bem a oeste, alm da atual Rouen. Essa rede fluvial permitia comunicao com o Canal da Mancha a oeste, a caminho da Alscia, Alemanha e Sua, e tambm com grande parte do norte, leste e centro da Frana. Cf. PARIS-LUTCIA: Biografia de uma cidade. Disponvel em: <http://www.lpm- editores.com.br/v3/livros/Imagens/paris2pdf.pdf>. Acesso em 19/03/2009. 284
algumas estacas em madeira que emergem da gua, o que nos faz pensar na possibilidade de esta estrutura ter sido um cercado que ficou submerso pelas guas por conta de uma possvel mudana do curso do rio. Ainda em primeiro plano, do lado esquerdo da obra, h um monte de terra que avana na margem deste caudaloso rio, o que refora a idia de desvio de seu leito, pois este procedimento promove o arrastamento do solo pela ao mecnica das guas do rio.
73. Candido Portinari Rio Tiet, 1935, leo sobre tela, 28 x 36 cm, ass. e dat. c.i.e., Coleo particular
J em segundo plano, notamos toda a extenso do rio que aparenta fluir calmamente, visto da superfcie. Avistamos ainda os dois lados da borda, a mata mais baixa do lado direito, alm de duas casas, uma menor que a outra, na reentrncia do barranco, e do lado esquerdo, uma mata mais fechada, com altas rvores de copas frondosas e uma casa maior, de alvenaria, bem na beirada da gua. Seguindo este lado da margem, do primeiro para o segundo 285
plano, notamos que o rio faz uma curva para o lado direito, o qual acompanhado por rvores espaadas na borda esquerda e que, mais ao fundo do quadro, uma montanha se ergue em meio paisagem. Na base desta montanha, observamos duas construes: uma mais prxima do observador e a outra mais distante, cuja casa avistamos apenas o esboo das janelas e do telhado e que est um pouco acima do nvel do rio, na subida do monte alto. O cu composto por um azul bem claro e algumas massas de tinta branca que constituem as nuvens, as quais tm ainda em seu desenho uns riscos escuros compostos por pinceladas rpidas e que do a idia de movimento a estas formaes de vapor dgua condensado que se encontram logo acima da montanha. H uma luz por toda a cena que esbate as cores dos elementos compositivos da imagem. Sendo assim, as cores ficam esmaecidas em alguns pontos do quadro, nos lugares onde incide a luz, como podemos notar os tons mais claros de verde presente nas matas, bem como os matizes de marrom, cor que compe tanto o rio, quanto o pequeno monte de terra, em primeiro plano e esquerda da imagem, e as estacas de madeira que esto tambm no plano mais prximo do observador. A tonalidade de marrom que constitui as guas do Tiet est esmaecida em alguns pontos, os quais so coloridos com riscos de tinta branca e que do a idia de que as guas do rio so espelhadas. A luz percebida ainda pela imagem que a sombra das casas direita projeta na gua, pela sombra que os galhos e as folhas das rvores projetam na parede da casa esquerda da imagem e tambm pela sombra das estacas em primeiro plano reproduzidas a imagem na gua do rio. Czanne j havia feito uso deste procedimento de projetar o telhado da torre da construo, bem como a mata beira rio nas guas do Marne para que assim se percebesse a presena da luz sobre a cena. As pinceladas so rpidas e compem um desenho sem muitos detalhes, mas que transmitem a idia de movimento, em especial das folhas das rvores, das nuvens brancas no cu e da gua do rio. Esta agitao percebida na imagem se d tambm pelo uso de matizes mais claros e mais escuros e que colorem os elementos compositivos da tela, referncias pictricas que esto presentes tambm na obra de nmero 71 produzida por Zanini. 286
Na tela de Portinari (73), h pouca variao de cores e elas so intensas, no entanto, sbrias, frias, como tinham feito Czanne em 1888 e depois Zanini em 1940. Se Czanne e Portinari constroem em suas telas o rio como um curso de gua que mais parece um espelho, aparentemente calmo, Zanini, por sua vez, utiliza pinceladas bem marcadas de cores que se contrastam e criam a idia de movimento, de um fluxo relativamente rpido e macio de gua, que arrasta ou capaz de arrastar consigo objetos e pessoas. Ainda que Zanini tenha feito referncias Czanne quanto linguagem plstica, com uma disposio dos elementos da cena semelhante ao que o pintor francs utiliza em sua obra, Zanini levanta a mesma temtica que Portinari quando trata tambm de uma cena s margens do rio Tiet. Portinari, no entanto, utiliza outra forma de construir a noo de profundidade em sua obra. Diferentemente de Czanne e de Zanini, os quais conformam a profundidade a partir da sobreposio de planos, Portinari, por sua vez, utiliza o ponto de fuga para estabelecer a perspectiva na cena. Para isso ele conta principalmente com o leito do rio como elemento fundamental na elaborao desta idia. O rio que ocupa desde o primeiro plano e vai at o segundo, faz uma curva direita j no fundo do quadro e este caminho consiste, pois, na linha imaginria que converge para o lado direito da tela e que configura o ponto de fuga. Os dois lados do rio que seguem o seu curso margeando suas guas auxiliam nesta composio. Alm disso, o tamanho das rvores, maiores no primeiro plano e menores no segundo, so tambm elementos que colaboram para a noo de profundidade da cena. Tanto na tela de Portinari quanto na de Zanini, respectivamente de nmero 73 e 71, o cenrio do rio Tiet assunto que sugere momentos de lazer, tanto no que diz respeito s atividades e esportes nuticos, quanto s outras atividades realizadas s margens do rio, pois o local oferece tranqilidade para que se desfrute momentos de descanso das atividades laborais. No entanto, enquanto Portinari pinta uma rea do Tiet que mais parece localizado no campo, nos arredores da cidade grande, um lugar calmo e sem personagens, Zanini, por sua vez, aborda outro cenrio do rio. Em sua obra de nmero 71, ainda que afastado do centro atribulado de So Paulo, o rio Tiet que aparece na tela de Zanini possui vrios personagens realizando atividades de lazer em 287
seus momentos de cio na urbe paulista. O rio Tiet, temtica escolhida por ambos os pintores, teve sua importncia no que diz respeito a oferecer opes de lazer, seja na zona urbana de So Paulo como nas reas mais distantes da cidade. Ambas as imagens apresentam uma viso que se tinha de So Paulo nos momentos anteriores industrializao e modernizao. A tela 74, feita por Volpi e que tem como ttulo Menina de Bicicleta, nos apresenta em seu primeiro plano uma pequena garota branca andando de bicicleta. Ela tem cabelos na altura dos ombros, loira, de olhos azuis, e usa um vestido vermelho com detalhes em branco, os debruns que enfeitam a gola, o peito, a cintura e a bainha do vestido. Nos ps, a menina cala um sapato branco que combina com os adornos do vestido. Ela est em cima da bicicleta, com os ps no pedal e de frente para o observador, como se viesse ao seu encontro. Sua bicicleta consiste num triciclo e a lataria de um tom de verde bem escuro. A menina anda de bicicleta como se estivesse numa praa da cidade ou numa espcie de calado. No vemos carros e ela passeia num caminho entre canteiros gramados e arrematados com tijolos, os quais podem ser notados tanto em primeiro plano, no canto inferior direito da tela, quanto no segundo plano, localizado no centro esquerdo do quadro. Estes canteiros gramados so delimitados pelo asfalto que cobre a via pela qual caminha a menina em sua bicicleta, uma espcie de rotatria que se conforma entre a rea gramada. Ao fundo vemos algumas edificaes em tons de marrom avermelhado, sendo mais claro na construo do lado direito e mais escuro na do lado esquerdo. Na casa do lado direito vemos apenas o muro, j a do lado esquerdo, notamos que possui quatro portas e uma janela, e apenas uma das portas est aberta. Estas construes esto imbicadas na esquina que d acesso a esta pequena rotatria em que se encontra a menina com a bicicleta. Para construir a perspectiva na cena, Volpi conta com a disposio da menina em primeiro plano em tamanho grande, enquanto que as construes no segundo plano so menores.
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74. Alfredo Volpi Menina de Bicicleta, dcada de 1940, tmpera sobre tela, c.i.e., 94 x 73 cm, Coleo particular
Alm disso, o caminho percorrido pela menina conduz o olhar do observador do primeiro para o segundo plano, seguindo a linha que configura o ponto de fuga para o lado esquerdo da tela. Na esquina, onde este caminho encontra outra via, a noo de profundidade conformada tambm pela posio das casas no cruzamento das vias. Entre elas h outro caminho que inicia na rotatria, segue por entre as edificaes e avana por detrs delas, conformando o ponto de fuga para o lado direito do quadro. H, portanto, dois pontos de fuga nesta imagem de Volpi. As pinceladas de Volpi so geis, com traos marcados que seguem por todas as direes e proporcionam uma pintura com poucas mincias, com traos simples, em cuja paleta h pouca variao de cores, as quais algumas vezes se interpenetram e acabam criando outros matizes. As cores so vibrantes e 289
luminosas. A luz est presente em toda a extenso da cena, em especial na regio mais clara da tela, dando destaque menina com sua bicicleta e ao caminho que ela percorre. Nesta imagem, Volpi levanta a temtica do lazer por meio do uso da bicicleta que pode ser compreendida como lazer para uns e trabalho para outros. A imagem 75, Menina com Ba e Cabaa, produzida em 1939 por Portinari, sugere um momento de no trabalho, de descanso das atividades laborais, ao invs de propor mais diretamente um momento de lazer, como fez Volpi em sua obra de nmero 74, quando pintou Menina de Bicicleta. Na obra 75, observamos, em primeiro plano, uma menina afro-descendente, de olhos grandes e pretos, nariz largo, lbios grossos, cabelos curtos, crespos e com um lao de fita no alto da cabea. Ela usa um vestido estampado, com ala de um ombro s, e tem os ps descalos. Sua estrutura fsica a mesma das mulheres negras e mulatas que Portinari pinta em outras de suas obras. 312 Esta menina tem o porte de uma pequena mulher, braos fortes, pernas grossas, quadril largo. Esta constituio corprea se deve tanto a sua ascendncia negra quanto ao fato de que ela realiza trabalhos braais, e os indcios disto so a presena da cabaa e do ba na cena. O transporte destes objetos pesados no cotidiano desta menina acaba por desenvolver seu fsico, tornando o corpo mais forte e robusto. Esta menina no s tem a aparncia de uma pequena mulher adulta, como ela desempenha atividades que as mulheres adultas executam, afinal de contas, quando as mulheres, mes de famlia, tiveram que sair de casa para trabalhar fora e ajudar no sustento da casa, foram as crianas que muitas vezes tiveram que realizar em casa o trabalho que a me deixara de cumprir enquanto estava fora. No geral, eram as filhas, ou mesmo os filhos mais velhos, que tomavam conta da casa e desenvolviam o trabalho da me ausente.
312 Ver anexo 14. Nesta obra, produzida em 1940, Portinari tambm apresenta uma menina afro-descendente com formas fsicas de uma mulher adulta, alm da figura do ba que tanto pode sugerir trabalho quanto lazer, conforme anlises da obra 75, Menina com Ba e Cabaa, pintada em 1939. 290
75. Candido Portinari Menina com Ba e Cabaa, 1939, tmpera sobre tela, c.i.e., 94 x 73 cm, Coleo particular
O fundo da tela composto pelo traado irregular, com pinceladas que correm para todas as direes e no desenham nenhum objeto especfico, apenas formas, linhas, traos, pequenos quadrados e crculos de formatos e tamanhos desiguais que compem o cenrio em que esta menina se encontra. Do lado direito da menina, h uma grande cabaa, fruto do cabaceiro, que possui uma casca dura e impermevel, e que comumente utilizado como recipiente quando seco e sem polpa. A presena desta cumbuca na obra tanto sugere trabalho quanto lazer. Se pensarmos na cabaa como sugesto de trabalho, levamos em considerao que este objeto, com furo no gargalo, serve como uma cuia onde se guarda gua e que as pessoas levavam consigo para matar a sede quando se encontravam em ambiente laboral executando suas atividades. J se pensarmos na proposta de lazer que a cabaa oferece, temos em mente que esta estrutura resistente era geralmente utilizada como instrumento musical de percusso e para isso eram introduzidas algumas contas em seu interior, ou 291
presas sua volta, de modo que funcionasse como um chocalho, produzindo um som quando fosse agitado. Neste sentido, h uma referncia ao lazer que se tem pela msica, relacionado aos negros e mulatos, como propem os pintores Graciano e Portinari, respectivamente, em suas obras de nmeros 61 e 62. Ao lado esquerdo da menina de semblante srio, observamos tambm um ba, j em segundo plano. O ba com sua forma retangular e tampa abaulada tem algumas utilidades, ele usado como uma caixa para guardar objetos pessoais, ou como uma espcie de mala para o transporte de bagagem. Por conta disto que o ba presente na cena, e que pode ou no ser da menina, consiste num elemento que remete ao mesmo tempo ao trabalho e ao lazer. Quando pensamos no ba como til para o trabalho, ligamos a figura da caixa idia de transporte de objetos de um lado a outro, idia de mudana. J quando se trata de lazer, h a sugesto de viagem, de deslocamento, e neste sentido, a cabaa de gua tambm pode ser pensada como til para enfrentar esta jornada. A presena destes dois objetos ao lado da menina indica atividade relacionada ao trabalho e o fato de a menina estar imvel, fitando o observador, um indcio de que ela no est desempenhando qualquer atividade laboral, mas sim, em um momento de cio, de no trabalho. Estes dois objetos que ladeiam a menina remetem ainda expresso popular de mala e cuia, o que sugere deslocamento, mudana, e cujo motivo pode ser tanto relativo ao trabalho, como ao lazer. O lao de fita na cabea da menina tambm um diferencial no que diz respeito ao possvel momento de lazer, pois as meninas se enfeitam para passear, adorno que podemos ver tambm em outra obra de Portinari, Menina no Campo, a qual consta no anexo de nmero 14. Ainda que estas meninas mulatas tenham a feio e a constituio fsica de mulheres adultas, fortes e robustas, e muitas vezes desempenhem o trabalho destas mulheres, o lao no cabelo denota que elas so ainda meninas. Volpi em sua imagem no colocou o lao de fita em sua personagem, pois, h outros indcios de que ela seja uma menina: o corpo do vestido debruado e com as mangas fofas, e a saia rodada tambm adornada com debruns brancos em sua barra. Alm disso, a menina de Volpi est montada em seu triciclo, equipamento que para ela era o seu brinquedo. Enquanto que a obra de Volpi possui alguns indcios de a 292
personagem se tratar de uma menina, na tela de Portinari, apenas o lao de fita na cabea que denota isso de modo mais enftico. Na obra de Portinari, os elementos que compem a imagem ao lado da menina que auxiliam na constituio da perspectiva. A noo de profundidade se d pela posio da menina em primeiro plano, da cabaa do lado direito, logo atrs da menina, e do ba, do lado direito e mais ao fundo. Enquanto que na tela de Volpi, a bicicleta consiste num equipamento que sugere industrializao e modernizao, na obra de Portinari, os elementos presentes na cena juntamente com a menina so indcios de tradio. O ba est ligado ao costume que se tinha no somente de guardar objetos, muitas vezes de gerao para gerao, mas tambm memrias, lembranas, fato que o vincula ao tradicional, como recorda Gilberto Gil no trecho da msica Back in Bahia: (...) Tanta saudade preservada num velho ba de prata dentro de mim/Digo num ba de prata porque prata a luz do luar (...). 313 A cabaa tambm um objeto que est atrelado aos costumes tradicionais, s prticas da cultura popular, pois est presente no cotidiano dos brasileiros. De Norte a Sul do pas este fruto dos cabaceiros tem mltiplos usos:
(...) No cenrio cotidiano, como instrumento de trabalho e recipiente para lquidos e alimentos, na msica, nos rituais, nas festas e brincadeiras, no artesanato tradicional e nas recriaes de artesos urbanos, entrecascas desses frutos multiformes constituem tanto objetos de uso corriqueiro quanto suportes de expresses que distinguem e identificam indivduos e grupos da sociedade brasileira, num universo misto de referncias culturais. Alm disso, do nomes a cidades, rios, praias, serras e lagoas de Norte a Sul, e esto amplamente presentes na tradio oral no Brasil (...). 314
Alm de estarem ambos os objetos ligados tradio, enquanto que a bicicleta est mais voltada idia de inovao, criao de um equipamento
313 GIL, Gilberto. A importncia dos bas abertos da nossa memria afetiva. Disponvel em: <http://www.wooz.org.br/culturagilmuseu.htm>. Acesso em 23/03/2009 [grifos meus]. 314 MINISTRIO DA CULTURA DO BRASIL. Da cabaa, o Brasil: natureza, cultura, diversidade. Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, 2005. Disponvel em: <http://www.cultura.gov.br/foruns_de_cultura/culturas_populares/index.php?p=9074&more=1&c =1&tb=1&pb=1>. Acesso em 23/03/2009. 293
que modificou e muito o deslocamento das pessoas e a noo de tempo e espao das mesmas, h ainda o vnculo da bicicleta ao espao urbano e da cabaa ao espao rural. Notamos na tela de Volpi as edificaes, bem como o asfalto por onde desliza a menina com sua bicicleta, cena que ocorre, pois, na cidade. J na tela de Portinari, no est definido o cenrio ao fundo da obra, no entanto, a presena da cabaa est atrelada s reas mais afastadas da cidade, onde possvel encontrar muitas destas rvores frutferas. Por outro lado, Portinari coloca nesta cena tambm um elemento produzido pelas mos do homem, o ba, como faz Volpi que pinta a bicicleta em sua tela 74. Ambos os objetos, bicicleta e ba, nos propem pensarmos na contribuio do imigrante em nossa cultura. A bicicleta entrou no pas como um produto de consumo que passaria a ser exportado de modo mais massificado a partir da dcada de 1950 315 para atender a demanda desejosa de obter o equipamento que modificou o transporte, j o ba veio com os imigrantes quando da mudana destes, especialmente da Europa, para o Brasil. Desse modo, a bicicleta refora a idia de objeto inovador produzido pela tcnica, enquanto que o ba, tambm originado pela tcnica e habilidade humana, enfatiza a proposta de tradio de carregar os pertences e, por conseguinte, a histria de quem o possui. Sendo assim, nesta obra de Portinari, h, ento, a proposta de aliar a tcnica e a natureza, a inovao e a tradio, alm do trabalho e do lazer, idias que estes objetos suscitam, e que, de certo modo, formam pares antinmicos, cuja complementaridade revela a contradio do processo de modernizao no Brasil. As imagens de Volpi e Portinari configuram ainda outras oposies. Na tela do primeiro pintor a personagem branca, loira de olhos azuis, enquanto que na do segundo ela negra, o que sugere a mistura de povos na So Paulo que abrigou tanto os migrantes quanto os imigrantes. Na obra de Volpi h a sugesto de modernizao mais aparente do que na de Portinari, em que a proposta a da modernizao ao revs, pela ausncia de elementos que evidenciem esse momento. Por mais que os objetos de ambas as obras remetam idia de lazer, h tambm a meno ao trabalho nestas imagens. Na tela de Volpi, a bicicleta possui essa duplicidade,
315 Cf. MUSEU DA BICICLETA DE JOINVILLE. Disponvel em: <http://www.museudabicicleta.com.br/museu_hist.html>. Acesso em 23/03/2009. 294
constitui o lazer da menina e o trabalho de quem a fabricou. No quadro de Portinari, o duplo aspecto, lazer e trabalho, sugerido tanto pelo ba quanto pela cabaa, no entanto, no que diz respeito ao ba, pode-se pensar tambm no trabalho atribudo a quem realizou a execuo deste utenslio, enquanto que a cabaa produto da natureza e somente envolve trabalho humano no que diz respeito ao tratamento do objeto para que ele seja til para o uso tanto para as atividades laborais quanto de lazer. Graciano, Rebolo, Volpi e Zanini se dedicaram na segunda metade da dcada de 1930, entre outros gneros, pintura do cotidiano. Nesta seo, mais especificamente, o elemento que os aproxima a temtica do lazer, portanto, as personagens das telas aparecem em suas atividades, as quais no constituem trabalho, mas sim momentos de descanso e descontrao. As figuras que esto dispostas nas telas so homens, mulheres e crianas, brancos e negros, os quais compem o conjunto de pessoas pobres da cidade urbano-industrial que cresce e se moderniza. Graciano, quanto ao tema lazer neste perodo, se ocupou em pintar a dana dos mulatos num terreiro na periferia. J Rebolo pintou o futebol, cuja partida se d num campo abarrotado de gente, alm de retratar o jogo de cartas em um bar da cidade (em ambas as atividades pintadas por Rebolo constavam tanto brancos quanto negros). Volpi pintou a festa de So Joo num arraial localizado numa regio que tanto pode estar situada nos arredores da cidade, quanto no campo, alm disso, retratou tambm uma menina andando de bicicleta numa rua da cidade, telas nas quais figuram pessoas brancas. Zanini, por sua vez, se dedicou a pintar algumas figuras s margens do rio Tiet, um espao que no havia sido tomado ainda pela construo civil, pela urbanizao tal como hoje se apresenta. Analisando estas obras, pudemos notar quais as imagens que estes pintores elaboraram sobre o lazer que a populao, em grande parte de baixa renda, desfrutava na cidade de So Paulo na dcada de 1930. Observamos ainda que existem algumas proximidades entre estes pintores do Palacete e aqueles que selecionamos para a nossa investigao. Tais afluncias dizem respeito, na maior parte das vezes, ao assunto tratado na obra e foi este o critrio no qual nos pautamos para escolhermos as imagens para a comparao com as obras dos pintores do Palacete. Alm dos temas em 295
comum que estes pintores levantam, observamos ainda as composies pictricas que os mesmos utilizam em suas obras. No que diz respeito aos aspectos formais, os pontos de contato so menos freqentes do que so aqueles que se referem s temticas. Quanto s referncias utilizadas pelos pintores do Palacete Santa Helena, podemos dizer, pelas imagens desta seo, que as obras de pintores como Portinari e Czanne, que configuram entre os pintores da avant garde de suas pocas, serviram como fonte para a composio das telas daqueles pintores. Cada um dos pintores do Palacete, a sua maneira, retratou o lazer em So Paulo entre 1935 e 1940, contudo com alguma assonncia com os pintores com os quais h a sugesto de que estabeleceram certo dilogo. Com Portinari, os pontos comuns que existem com relao aos pintores do Santa Helena se referem, substancialmente, aos temas levantados. Graciano aborda a dana de mulatos e Portinari, os sambistas negros. Neste caso, h tambm uma convergncia entre eles quanto aos aspectos formais, pela composio e disposio dos personagens. Rebolo tem em comum com Portinari o fato de terem tratado do tema do futebol, momento em que brancos e negros interagem na atividade de lazer. Todavia, no que concerne forma, eles utilizam fontes distintas de composio. Volpi, do mesmo modo que Portinari, pinta a festa de So Joo, mas para tanto faz uso de aspectos formais distintos daqueles que encontramos na obra deste. Volpi, alm disso, assim como Portinari, trata do lazer entre as crianas, mas enquanto apresenta em sua obra uma menina branca andando de bicicleta, Portinari mostra uma menina afro-descendente ao lado de um ba e de uma cabaa, sugerindo outra forma de lazer e at mesmo o trabalho. Os aspectos plsticos de um e de outro neste caso tambm so diferentes. Zanini, por sua vez, tem algum ponto de contato com Portinari por abordar em sua tela algumas figuras beira do rio Tiet. Este , alis, o nico elemento comum entre eles, a presena do mesmo rio, j que a forma como pintaram este rio bastante diversa. Nesse caso, a obra de Zanini se aproxima mais da de Czanne quanto aos aspectos formais, ainda que a paisagem deste pintor seja outra. Com relao Czanne, Rebolo tambm tem algo em comum com o pintor francs e diz respeito tela sobre o jogo de cartas. Tanto 296
no contedo quanto na forma, h alguma assonncia entre as telas destes pintores. De maneira geral, os pintores analisados compuseram obras que abordam o lazer que a populao pobre, branca e/ou negra, desfruta na cidade de So Paulo no perodo examinado. O ponto em comum entre todos os pintores a abordagem da modernizao da cidade ao revs. Em suas telas observamos que alguns detalhes, determinados elementos que compem a cena, que, muitas vezes, de modo sutil, sugerem a modernizao, o crescimento, a industrializao, o desenvolvimento da cidade e do pas. Por outro lado, a ausncia de elementos que sugestionem de modo mais direto a modernizao, ou que faa meno de alguma forma industrializao, constitui tambm um modo de propor uma reflexo sobre o moderno, por meio do no moderno, de elementos que no so novos na sociedade em transformao. O novo cenrio da cidade nem sempre tomado por novos comportamentos, em especial, nos locais em que esta modernizao ainda no teve seu lugar, como os campos e os arredores do centro urbano. Por conta de as obras abordarem o lazer que muitas vezes acontece em regies que no so o centro urbano, que nos deparamos com a proposio da modernizao da cidade s avessas. Isto porque h nestas telas muito mais a tradio que ainda persiste na periferia, do que a modernizao que aos poucos toma conta. Estas obras nos fazem pensar nas tenses da sociedade da dcada de 1930: manter a tradio ou ceder ao novo que tanto fascina.
CONSIDERAES FINAIS
De uma cidade, no aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que d s nossas perguntas.
talo Calvino, As Cidades Invisveis
Aps termos examinado, ao longo desta tese, a unio dos pintores do Palacete Santa Helena na segunda metade da dcada de 1930, a condio de trabalhadores que os aproximava, bem como as imagens de So Paulo sugeridas em suas obras (especificamente naquelas produzidas enquanto estiveram juntos no ateli coletivo), procederemos, a seguir, a um balano pormenorizado acerca das questes que atuaram como eixo de orientao de cada um dos captulos. Ao examinarmos as obras dos pintores do Palacete tnhamos como objetivo central observar se a imagem que eles propunham sobre So Paulo era uma imagem modernista da cidade que se modernizava. Foi essa a pressuposio que conduziu a nossa investigao. Para tanto, analisamos as telas dos pintores do Palacete Santa Helena levando em considerao dois planos analticos: o da forma e o do contedo. No que diz respeito forma, procuramos as referncias pictricas das obras dos pintores do Santa Helena em telas dos pintores modernistas produzidas tambm na dcada de 1930, com o intuito de observarmos se os pintores do Palacete seguiam a mesma linguagem plstica que os modernistas, seus contemporneos. No que concerne ao contedo, buscamos obras dos pintores modernistas do perodo estudado que levantassem temticas semelhantes ou adjacentes em relao quelas levantadas pelas telas dos pintores do Palacete Santa Helena, assim, poderamos notar se ambos os grupos de pintores tratavam dos mesmos assuntos e que imagens produziram sobre a cidade de So Paulo. Com isso, foi possvel examinar se os pintores do Santa Helena estavam afinados entre si e tambm em comparao com os modernistas tanto no que se refere forma modernista da composio, quanto ao contedo abordado, observando, neste sentido, se os temas mobilizados diziam respeito modernizao da So Paulo 298
na dcada de 1930 e de que maneira esta temtica se apresentava nas pinturas analisadas. Tanto as imagens de propaganda feitas pelo pintor italiano Fulvio Pennacchi na dcada de 1930 na cidade de So Paulo quanto as pinturas de gnero produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena entre 1935 e 1940 lanam olhares sobre a cidade e nos fazem pensar sobre a So Paulo que se construa neste perodo e sobre a So Paulo que estes pintores sugeriam por meio de suas produes pictricas. A proposta neste trabalho de ter como recorte temporal o perodo de 1935 a 1940 para realizarmos as anlises das obras est vinculada ao perodo que os pintores do Palacete Santa Helena estiveram juntos em ateli coletivo. Sendo assim, organizamos a tese em quatro captulos, os quais versam sobre dois pontos importantes de discusso no trabalho: a organizao dos pintores no Palacete Santa Helena e a produo pictrica realizada por eles enquanto estiveram juntos no Palacete que, por sua vez, fazem meno cidade de So Paulo. No primeiro captulo o debate principal sobre a unio dos pintores no Palacete Santa Helena, a morfologia do ateli coletivo, a formao artstica dos nove pintores, alm do espao de trabalho e da condio de trabalhador dos mesmos. Para tanto se fez necessrio analisar conceitualmente as noes de operrio, proletrio e arteso, terminologias recorrentemente encontradas na literatura que aborda a trajetria dos pintores do Palacete Santa Helena e o desenvolvimento de suas carreiras. O que se pretendia com isto era examinar qual seria a definio mais adequada para a categorizao destes trabalhadores, luz das atividades laborais que desempenhavam (paralelamente pintura). Ainda levando em conta esta temtica, tratamos tanto da participao destes pintores na Famlia Artstica Paulista quanto no Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, agremiaes existentes no perodo em que estiveram juntos no Palacete. A tais anlises dedicamos o primeiro captulo, momento em que tambm nos debruamos sobre as investidas profissionais do italiano Fulvio Pennacchi o nico imigrante entre os pintores do Palacete que chegou ao Brasil formado e trouxe de sua terra natal a experincia de trabalho na esfera das artes grficas, cujos cartazes de propaganda por ele produzidos 299
puderam ser conhecidos. Com base na discusso realizada no primeiro captulo podemos dizer que os nove pintores que estiveram juntos no Palacete Santa Helena entre 1935 a 1940 tiveram uma formao que viabilizava o exerccio da profisso. Os pintores realizaram os seus estudos seja em instituies de ensino, com professores particulares ou com os prprios colegas e, dessa forma, cada qual ao seu modo, obteve o aprendizado necessrio para executar suas obras e prestar servios. Para estes pintores, a unio no Palacete Santa Helena era duplamente vantajosa: dividir o mesmo espao fsico representava, por um lado, certo alvio material, j que tiveram amenizados os gastos individuais com o aluguel das salas que compartilhavam (transformadas em atelis coletivos), e, por outro, a convivncia cotidiana lhes facultou o enriquecimento de suas experincias prticas, por meio da troca de informaes, o que contribuiu para o aperfeioamento de suas habilidades tcnicas. A origem social tambm os aproximava, eram imigrantes ou filhos de imigrantes, assim como a condio de artfices. Ao serem rotulados, os pintores do Palacete Santa Helena assistiram, ao que parece, subestimao de suas habilidades artsticas, justamente por estarem associadas, muito recorrentemente, arte aplicada. Pelo que se nota, esta denominao, ao ser mobilizada para qualificar estes pintores, no corresponde a seu sentido lato (trabalhadores assalariados), mas a uma estratgia de desqualificao/estigmatizao de seu trabalho. Ainda no captulo inaugural, analisamos os cartazes publicitrios do pintor Fulvio Pennacchi. Por meio de suas obras foi possvel refletir sobre a dcada de 1930, perodo em que estes cartazes foram produzidos, e sobre os acontecimentos sociais, polticos e econmicos em So Paulo. Estas imagens de propaganda fazem aluso modernizao da cidade de So Paulo a partir da industrializao, da produo de bens de consumo e da criao de novos padres de comportamento. Produtos como o caf, o cigarro, o chapu, o carro e o pneu aparecem em suas composies e sugerem o crescimento e desenvolvimento da cidade. Estes anncios nos propem pensar sobre o momento histrico em que o pintor imigrante estava inserido, ou tentando se inserir, bem como sobre o trabalho de homens, mulheres e crianas, brasileiros 300
ou no, que auxiliaram na formao e modernizao da incipiente metrpole. A partir do segundo captulo analisamos as pinturas de gnero que se referem s imagens de So Paulo, produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena na segunda metade da dcada de 1930, e observamos agrupamentos temticos recorrentes e que dizem respeito ao universo do trabalho e dos trabalhadores: os trabalhadores urbanos e rurais, as mulheres e o lazer, assuntos tratados, respectivamente, em trs captulos. As obras encontradas e que esto inseridas em cada captulo da tese dizem respeito s imagens produzidas por: Alfredo Volpi, Francisco Rebolo Gonsales, Clvis Graciano, Fulvio Pennacchi e Mario Zanini. Com relao aos demais pintores que estiveram juntos destes no Palacete Santa Helena no perodo de 1935 a 1940 a saber, Aldo Bonadei, Alfredo Rullo Rizzotti, Humberto Rosa e Manuel Joaquim Martins no encontramos pinturas de gnero por eles produzidas e que tivessem como temtica a cidade de So Paulo e elementos que apontassem para a sua modernizao. Mobilizamos as obras de outros pintores que pudessem ter sugerido alguma referncia pictrica aos pintores do Palacete Santa Helena, tanto no que concerne forma quanto ao contedo abordado em suas obras, as quais se referem aos pintores: Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Emiliano Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Anita Malfatti, Lasar Segall, Paul Czanne e Diego Rivera. Com isso, temos um conjunto de obras que nos auxiliam a pensar no desenvolvimento de So Paulo, uma cidade que conta ento com uma industrializao e urbanizao crescentes. Pelas telas dos pintores do Palacete, assim como pelas produzidas por estes outros pintores aos quais a referncia que se d diz respeito ora forma, ora ao contedo e, em algumas vezes, forma e ao contedo a proposta que se avista sobre a cidade que se moderniza. No segundo captulo da tese tratamos, ento, dos trabalhadores, tanto homens como mulheres, adultos e crianas, pessoas que aparecem nas telas destes pintores. Para melhor organizao do captulo as telas foram divididas em dois tpicos de acordo com a temtica nela contemplada: trabalhadores urbanos e trabalhadores rurais. Na seo sobre os trabalhadores urbanos, as temticas levantadas foram sobre a figura dos operrios, do graxeiro, alm de 301
trabalhadores nas cenas da feira e tambm esperando o trem para o trabalho. Os pintores do Palacete Santa Helena que abordaram estas temticas foram Alfredo Volpi, Francisco Rebolo Gonsales e Clvis Graciano, os quais fizeram meno, cada qual a seu modo, aos pintores Paul Czanne, Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Emiliano Di Cavalcanti. Na seo sobre os trabalhadores rurais, os temas tratados foram sobre os trabalhadores que preparam o solo com o arado para o plantio, aqueles que a semeiam, bem como os que realizam a colheita, alm de tratarem de momentos em que o trabalhador rural est parado ou mesmo voltando da roa. Os pintores do Palacete que tiveram estes temas em suas obras foram Fulvio Pennacchi, Clvis Graciano e Francisco Rebolo Gonsales. Estes pintores, cada um com suas peculiaridades, utilizaram como referncia para as suas obras os trabalhos de Victor Brecheret, Candido Portinari e Diego Rivera. Os trabalhadores urbanos e rurais que constam das obras destes pintores so figuras marginais na sociedade industrial e moderna, so imigrantes, negros, mulheres e crianas, trabalhadores que tm uma insero marginal de sua mo-de-obra na cidade que se moderniza, no entanto, so fundamentais para o desenvolvimento da cidade e do pas. Ainda sobre o mundo do trabalho, desenvolvemos o terceiro captulo inteiramente dedicado s mulheres e s atividades laborais por elas desempenhadas, conforme nos apontaram as obras dos pintores do Palacete Santa Helena. As figuras que aparecem em suas telas so a das lavadeiras, faxineira, modelo vivo, negra, mulata, prostituta. Os pintores que levantaram estas temticas foram Francisco Rebolo Gonsales, Mario Zanini, Fulvio Pennacchi e Alfredo Volpi. Eles tiveram como referncia as obras de pintores como Candido Portinari, Anita Malfatti, Lasar Segall e Emiliano Di Cavalcanti, para a produo, cada um a sua maneira, de suas composies. Nestas telas que abordam a figura da mulher na sociedade da segunda metade da dcada de 1930, observamos como os pintores sugeriram o debate sobre o trabalho feminino na cidade que se modernizava. Como apontado nas obras, ainda que fossem marginais as diferentes contribuies da mulher, pois realizavam trabalhos pouco valorizados na sociedade desse perodo, as atividades laborais que estas profissionais desempenhavam eram indispensveis na So Paulo que, paulatinamente, se transformava. 302
Em contraposio ao momento do trabalho e s atividades laborais, dedicamos o quarto captulo ao tratamento daquelas obras que propusessem uma discusso sobre o lazer na cidade de So Paulo no perodo pesquisado. Os pintores do Palacete Santa Helena apresentaram em suas telas homens, mulheres e crianas como personagens desfrutando de atividades relacionadas a momentos de descanso e descontrao. Estes pintores abordaram atividades como a dana, o futebol, o jogo de cartas, a festa de So Joo, a diverso s margens do rio Tiet, o passeio de bicicleta. Estes assuntos estiveram nas obras de Clvis Graciano, Francisco Rebolo Gonsales, Alfredo Volpi e Mrio Zanini, os quais mencionaram em suas telas, com caractersticas particulares, aspectos das obras de Candido Portinari e Paul Czanne. Estas imagens sugerem as possveis atividades de lazer de homens, mulheres e crianas, os quais ocupavam um lugar s margens da sociedade da dcada de 1930, assim como os prprios pintores do Palacete Santa Helena. Ainda que o eixo temtico sugerido pelas pinturas de gnero sobre a cidade de So Paulo, produzidas pelos pintores do Palacete Santa Helena, se refira questo do trabalho seja este desenvolvido por trabalhadores urbanos ou rurais, por homens, mulheres e crianas podemos dizer que o tema lazer, tambm apresentado por estes pintores e abordado nesta pesquisa, compe o par antinmico do tema trabalho, pois est tambm atrelado s atividades laborais, ainda que seja pela idia de descanso destas atividades. A fruio do lazer traz implcita a idia a qual se contrape: o trabalho. Trata-se, pois, de um momento em suspenso, de uma pausa que subentende o breve retorno atividade laboral, a sua retomada. Desse modo, o tema lazer est intimamente ligado ao assunto trabalho, pois este o momento de interrupo do movimento, do esforo fsico e mental, o interregno, o perodo de repouso necessrio para que o trabalhador possa voltar atividade laboral com disposio e executar com ateno e afinco o seu trabalho. Alm desse par, cuja antinomia revela toda a sua complementaridade (trabalho e lazer), h ainda a discusso do trabalho por meio do no-trabalho, assunto sugerido pelos pintores do Palacete Santa Helena em suas obras sobre o trabalho, tanto no agrupamento temtico que trata dos trabalhadores urbanos e rurais, quanto naquele que se refere s mulheres trabalhadoras. O no- 303
trabalho contrape-se menos veladamente ao trabalho, uma vez que a pausa pode ser aqui entendida como um momento distinto do lazer. As imagens que o tematizam no sugerem a recusa ao trabalho, mas justamente o contrrio: o momento de pausa revelador da exausto e do descontentamento desses trabalhadores. Ao analisarmos as obras dos pintores do Palacete Santa Helena pudemos observar ainda que a questo da modernizao da cidade se faz presente nos trs eixos temticos propostos. Contudo, a imagem da cidade que se apresenta nas telas destes pintores a de uma So Paulo na qual a modernizao sugerida por alguns detalhes presentes nas cenas e que nos levam a refletir sobre o processo de desenvolvimento da cidade, ocasionado pela industrializao e crescimento da mesma e que est intimamente ligado ao trabalho das pessoas que participaram na sua construo. Em outras obras no a presena de elementos vinculados idia de modernizao que a sugere, mas sim a ausncia destes, o que conforma, desse modo, as hesitaes do moderno e as contradies da modernidade no Brasil 316 , como analisa Jos de Souza Martins. Neste caso, temos dois tipos de obras quando analisamos as pinturas de gnero dos pintores do Palacete Santa Helena: as que sugerem a modernizao por algum detalhe presente na cena e que remete diretamente a este perodo efervescente, e aquelas que propem a modernizao pela ausncia de caractersticas que nos faam pensar neste fato. Tanto a presena quanto a ausncia de ndices alusivos modernizao da cidade constituem pares antinmicos que caracterizam a contradio do processo de modernizao no Brasil. Os elementos apreendidos pelo seu vis podem ser sintetizados da seguinte maneira: trabalho/no-trabalho; trabalho/lazer; urbano/rural; adultos/crianas; homens/mulheres; modernizao da cidade/periferia e campo, modernizao/tradio. O repertrio temtico dos pintores est, vale dizer, em sintonia com a posio por eles ocupada no cenrio artstico de ento: a de marginais, seja pela raiz social, pelo fato de serem imigrantes, caso de Pennacchi e Volpi, ou descendentes de imigrantes, como o so os outros pintores, seja pelas
316 MARTINS, Jos de Souza. op. cit., 2000, p. 17 e 18. 304
atividades profissionais desempenhadas, a necessidade de conciliar a pintura em tela com as artes aplicadas, a pintura decorativa a pintura de parede, trabalho que os pintores do Palacete Santa Helena tambm realizaram e mesmo com outras profisses tradicionalmente pouco reconhecidas, como o caso de Pennacchi que trabalhou em um aougue, bem como aconteceu com Rebolo, que realizou atividades como jogador de futebol. A condio marginal dos pintores pode ser observada ainda pelo fato de estarem no Palacete Santa Helena, em pleno centro da cidade, um local que estava j desprestigiado, o que ocorreu por conta da queda do caf a partir de 1929 e da conseqente quebra dos fazendeiros que cultivavam o produto e que na dcada de 1920 freqentavam tanto a regio central da cidade quanto o elegante Palacete e que deixaram de circular por esta rea a partir da dcada de 1930. O caf, de acordo com Caio Prado Jnior, est vinculado com a industrializao, a partir de 1910. 317 Da dcada de 1920 em diante, ou seja, aps a Primeira Grande Guerra, ocorre uma acelerao na transformao industrial do pas e uma modificao dos aspectos geogrficos de So Paulo. 318 Foi o caf que desencadeou o processo de industrializao brasileira a partir do momento em que com quase a totalidade dos donos de propriedades rurais dedicando-se produo agrcola, houve a necessidade de se criar um sistema industrial, alm da economia monetria. 319
Desse modo, com a crise do produto que alavancara a industrializao e modernizao em So Paulo, os pintores do Palacete Santa Helena entram em cena, instalando-se no edifcio em decadncia, ou seja, justamente na contramo da produo industrial do caf, quando o produto teve a sua comercializao em queda e os fazendeiros deixaram de freqentar o Palacete, abrindo espao, ento, para que os pintores se acomodassem, na segunda metade da dcada de 1930, nas salas alugadas disponveis neste momento. Os pintores adentraram, ento, o recinto do Palacete Santa Helena quando o caf se tornou produto marginal na economia de So Paulo, estabelecimento que se deu, portanto, quando da condio marginal tambm do Palacete. E foi
317 Cf. PRADO JNIOR, Caio. Histria econmica do Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1945, p. 275. 318 Cf. SIMONSEN, Roberto. Evoluo industrial do Brasil e outros estudos. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973, p. 20 e seguintes. 319 Cf. DEAN, Warren. A industrializao de So Paulo. So Paulo: Difel, s.d., passim. 305
neste contexto que estes pintores tiveram reconhecimento de seus trabalhos, tornando-se conhecidos pelo nome do edifcio que os comportou. Desse modo, os fatos apontam para a idia de que, muito embora, pela condio marginal, estes pintores tiveram suas carreiras reconhecidas, ou seja, h um reconhecimento dado s avessas, contradio que ocorre tambm com relao s obras por ele produzidas. como se as telas destes pintores representassem todas estas contradies, pois, em seus trabalhos pudemos observar que a apreenso da modernizao tambm se d pelo seu revs, por elementos que configuram aquilo que no se encaixa mais na cidade moderna, as sobras, e que constituem ao mesmo tempo aquilo que no se deseja, mas que tambm no se pode evitar, destacando aspectos contraditrios, como a modernizao precria, retraduzida na prpria condio destes pintores, como artistas-artesos. Podemos dizer que h, neste sentido, uma correspondncia, tendo em vista os feitos dos pintores do Palacete Santa Helena, no que diz respeito s suas carreiras, com os feitos em suas obras. parte dos cartazes publicitrios de Pennacchi, analisados no captulo um os quais possuem elementos que sugerem a industrializao e modernizao da cidade de So Paulo na dcada de 1930 de forma mais direta do que as telas dos pintores do Palacete Santa Helena nos demais captulos a cidade que os mesmos apresentam uma So Paulo ainda rural, dos arrabaldes, a cidade dos trabalhadores e trabalhadoras, da populao que vive na periferia e nos campos que se localizam no entorno da cidade, em grande parte negros e brancos imigrantes, como apontam as obras, os quais no se inserem totalmente no processo de modernizao da cidade, no fazem uso de seus produtos, e quando se inserem para realizar atividades operacionais que contribuam para o desenvolvimento da cidade, trabalho braal, como eles, os imigrantes e filhos de imigrantes, os pintores do Palacete Santa Helena. Por estas obras observamos que o cotidiano no se desenrola na urbe agitada, em que homens, mulheres e crianas esto dispostos em cenas de trabalho ou lazer que ocorrem em uma cidade moderna. Nas telas destes pintores no h a presena explcita de indstrias e, quando h alguma sugesto neste sentido, esta pode ser notada por meio dos produtos da industrializao que aparecem nas obras, como o caso, inclusive, dos 306
anncios publicitrios produzidos por Pennacchi. Nestes cartazes, h a sugesto de que a cidade de So Paulo esteja se industrializando e se modernizando, pois, h na composio da cena artigos, como o caf, o chapu, o cigarro, o pneu, o carro, elementos que apontam novos padres de comportamento, os quais promoviam um incentivo para hbitos de consumo novos que propulsionassem o desenvolvimento e o crescimento industrial na cidade. Os produtos industriais no aparecem somente nas obras publicitrias de Pennacchi, mas tambm nas telas dos pintores do Palacete Santa Helena, em que constam as pinturas de gnero. Em tais obras, a sugesto de modernizao da cidade ocorre no s pela presena destes elementos, mas tambm pela ausncia de objetos que propem a modernizao de modo mais direto, como vimos em outras telas. Nestas obras, pode-se pensar a industrializao e a modernizao que ainda est por vir, em cenas nas quais aparecem os arrabaldes da cidade, o que nos permite pensar na contraposio que compem com o centro da cidade, bem como em outros pares antinmicos que as pinturas sobre o cotidiano sugerem: a zona rural prope a contradio com relao zona urbana; a no-industrializao como o contraponto do desenvolvimento e crescimento industrial, a modernizao entremeada tradio, as pessoas que esto margem na cidade, que se situam na periferia e no campo, as quais no se inserem na sociedade moderna, de consumo, em oposio aos consumidores que pagam por servios e adquirem mercadorias que criam novos comportamentos e hbitos de consumo. Sendo assim, o pressuposto do qual partimos nesta investigao se reitera a cada captulo, quando analisamos as obras dos pintores do Palacete Santa Helena e notamos que suas cenas do cotidiano abordam a modernizao de So Paulo s avessas, por meio de telas que em grande parte sugerem a industrializao e desenvolvimento da cidade priorizando o cenrio rural e as cercanias da cidade, o que ressalta, inclusive, as contradies do processo de modernizao no Brasil. Ainda nestas telas, quando a cena parece ocorrer na rea urbana de So Paulo, esta no se d no centro da cidade, mas a sugesto de modernizao consiste na presena de alguns elementos da cena que nos apontam para este acontecimento e para o papel fundamental dos trabalhadores de um modo geral na construo desta cidade. 307
No que diz respeito ao aspecto formal das obras dos pintores do Palacete Santa Helena a conjectura colocada tambm se afirma, pois os pintores analisados tinham como referncia pictrica para as suas telas a linguagem visual que contm elementos encontrados em grande parte nas obras de pintores que estavam no contexto do modernismo paulistano, como Portinari, Tarsila, Di Cavalcanti, Brecheret, Anita e Segall, assim como nas obras de Paul Czanne e Diego Rivera, advindos de outros contextos que no So Paulo. O fato de serem imigrantes e/ou filhos de imigrantes e de precisarem conciliar outras profisses com a pintura, seja nas artes aplicadas ou no pelo menos at se firmarem exclusivamente como pintores so elementos que os aproximam. Alm da raiz social, as suas produes pictricas, no que diz respeito tanto forma quanto ao contedo, so elementos que tambm proporcionam, em certa medida, proximidade entre os pintores analisados. Com relao ao contedo, estes pintores levantaram temticas sobre a modernizao de So Paulo vinculada ao empenho do trabalhador e colaborao com as suas atividades laborais para com a industrializao e o desenvolvimento da cidade. No que concerne forma, com originalidade produziram obras tendo como referncia as composies de vrios pintores. Cada qual ao seu modo, com suas peculiaridades, fez meno tanto ao modernismo paulista, como ao ps-impressionismo francs e mesmo ao muralismo mexicano, conforme nos apontam as anlises do conjunto de obras desta tese. Podemos dizer que os pintores do Palacete Santa Helena eram cronistas de seu tempo, pois suas obras sugerem uma narrativa sobre os temas do cotidiano na So Paulo da dcada de 1930, em especial da segunda metade. A So Paulo proposta a cidade daqueles que dependem nica e exclusivamente do trabalho, assim como os pintores do Palacete Santa Helena e, portanto, para os quais a formao profissional e a prtica so fundamentais para o aperfeioamento da tcnica para que pudessem, como pintores habilidosos, produzir suas telas e executar os seus trabalhos, a pintura de parede e decorao, atividades que lhes garantiram a sobrevivncia durante este perodo.
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ANEXOS
IMAGENS DO CAPTULO 1 OS PINTORES DO PALACETE SANTA HELENA NA SO PAULO DA METADE DA DCADA DE 1930 A 1940
1. Prdio da rua XI de Agosto. Sede da Escola de Belas Artes de So Paulo Acervo Faculdade de Belas-Artes. Fonte: 100 ANOS DE PINACOTECA A formao de um acervo. Curador Marcelo Mattos Arajo. So Paulo: Pinacoteca do Estado de So Paulo, 2005, p. 23.
309
2. Vista lateral da Capela da Usina de Acar de Monte Alegre (Piracicaba-SP), decorada por Alfredo Volpi, Mrio Zanini e Aldorigo Marchetti, em 1937-1938. Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: O Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel e EDUSP, 1991, p. 110.
3. Cpula da Capela da Usina de Acar de Monte Alegre (Piracicaba-SP), decorada por Alfredo Volpi, Mrio Zanini e Aldorigo Marchetti, em 1937-1938. Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: O Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel e EDUSP, 1991, p. 111.
310
4. Paulo Rossi Osir diante de parede revestida de azulejos produzidos pela Osirarte. Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: O Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 4.
5. Candido Portinari Conchas e Hipocampos (detalhe), 1941-1945, Mural do MEC, painel de azulejos, 990 x 1510 cm, Palcio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, RJ.
311
6. Candido Portinari Composio com execuo da Osirarte, So Paulo, 1941-1945
7. Alfredo Volpi Briga de Galos, pintura sobre azulejo, 30 x 30 cm
312
8. Mrio Zanini Msicos, dcada de 1940, azulejo avulso, 15 x 15 cm
9. Hilde Weber Mapa do Brasil, 1941, 60 x 60 cm, Coleo FAU-USP
313
10. Hilde Weber Detalhe de Mapa do Brasil. Coleo FAU-USP
11. Franz Kracjberg Sem ttulo. (Pescadores). Coleo particular
314
12. Mrio Zanini Retrato de Hilde Weber, 1938, leo sobre tela, c.i.d., 54,5 x 46,0 cm, Coleo Museu de Arte Contempornea da USP
315
13. Candido Portinari Retrato de Paulo Rossi Osir, 1935, leo sobre tela, 53,5 x 45,5 cm
316
14. Raphael Galvez Nu da Gorda, 1944, leo sobre tela, 73 x 60 cm, Coleo Pinacoteca do Estado
317
15. Rebolo pintando ao natural em Campos do Jordo, incio da dcada de 1940. Fonte: GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 29.
318
16. Fulvio Pennacchi, Aldo Bonadei (ambos em p), Francisco Rebolo Gonsales (deitado), Campos do Jordo, SP Fonte: RAMOS, Flvia Rudge. Pennacchi e seu templo. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao Interunidades em Esttica e Histria da Arte, So Paulo, 2007, p. 129.
319
17. Fulvio Pennacchi Carta a Filomena, dcada de 1940, o artista conta a excurso pictrica Campos do Jordo com Rebolo e Bonadei. Fonte: RAMOS, Flvia Rudge. Pennacchi e seu templo. Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao Interunidades em Esttica e Histria da Arte, So Paulo, 2007, p. 41. 320
18. Alfredo Volpi Mogi das Cruzes, dcada de 1930, leo sobre tela, c.i.d., 54,0 x 81,4 cm, Coleo Museu de Arte Contempornea da USP (SP)
321
19. Manuel Martins Paisagem de Atibaia, 1937, leo sobre tela, c.i.d., 40 x 50 cm
20. Mrio Zanini Mulheres numa rua de Mogi das Cruzes, 1938, Pintura, Doao Carlo Tamagni, 72
322
21. Humberto Rosa So Lus do Paraitinga, c. 1939, leo sobre tela, 38,5 x 53 cm, ass. c.i.e.
22. Mrio Zanini Igreja de So Vicente, c. 1940, leo sobre tela, Doao Francisco Matarazzo Sobrinho 323
23.Mrio Zanini Rua de Angra dos Reis, 1940, Pintura, Doao Carlo Tamagni, 73
24. Alfredo Volpi Vista de Itanham - Marinha de Itanham, dcada de 1940, tmpera sobre tela, c.i.e., 45 x 76 cm, Coleo particular
324
25. Francisco Rebolo Gonsales Campos do Jordo, leo sobre carto, 1942, 40 x 50 cm
325
IMAGENS DO CAPTULO 2 OS TRABALHADORES DA CIDADE DE SO PAULO NOS ANOS DE 1935 A 1940
1. Manuel Martins Alto da Cantareira, 1937, leo sobre tela, ass. c.s.d.
326
2. Aldo Bonadei Vila Maria, 1938
327
3. Manuel Martins Praa da S, 1940, leo sobre madeira, 50 x 40 cm
328
4. Tarsila do Amaral Retrato de Mrio de Andrade, 1922, ass. e dat. c.i.e.
329
5. Anita Malfatti Mrio de Andrade I, 1921/1922, Coleo Famlia Mrio de Andrade
330
6. Anita Malfatti Mrio de Andrade II, 1923, ass. c.i.d., Coleo Mrio de Andrade, IEB-USP
331
7. Lasar Segall Retrato de Mrio de Andrade, 1927
332
8. Candido Portinari Retrato de Mrio de Andrade, 1935, ass. c.i.e.
333
9. Francisco Rebolo Gonsales Auto-retrato, 1941, leo sobre tela, c.i.d., 45 x 38 cm
334
10. Rebolo no campo do Clube Atltico Ypiranga, dcada de 1920. Fonte: GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 12.
11. Mrio Zanini Trecho de Linha, 1939, leo sobre tela, 56 x 68 cm
335
12. Francisco Rebolo Gonsales Casa com Terrao e Mulher (Vista do Santa Helena), 1935, leo sobre tela, 77 x 65 cm
336
13. Alfredo Volpi Esquina, Centro de So Paulo, dcada de 1930, leo sobre tela colada sobre carto, c.i.e., 39 x 49 cm
337
14. Francisco Rebolo Gonsales Igreja da Consolao, dcada de 1930, xilogravura PA, 36,5 x 22,0 cm, ass. c.i.d., Coleo particular 338
15. Fulvio Pennacchi Paisagem Canind, 1937, leo sobre carto, 29,7 x 41,0 cm
339
16. Francisco Rebolo Gonsales Canind, 1937, leo sobre compensado de papelo, 40 x 29 cm, ass. c.i.d., Acervo MAM-So Paulo
340
17. Francisco Rebolo Gonsales Arredores de So Paulo, 1938, leo sobre compensado de papelo, 32,0 x 41,5 cm, ass. c.i.e., Acervo MAM-So Paulo
18. Francisco Rebolo Gonsales Cambuci, 1940, leo sobre papelo, 32 x 43 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
341
19. Mrio Zanini Canind, c. 1940, leo sobre tela, 32,8 x 43,6 cm, Coleo MAC-USP
20. Mrio Zanini Paisagem represa Santo Amaro anos 40
342
21. Victor Brecheret Estudo para Monumento s Bandeiras, desenho, dcada de 1920
22. Victor Brecheret Maquete do Monumento s Bandeiras, gesso, dcada de 1920, Prefeitura do Municpio de So Paulo, Brasil
343
23. Diego Rivera Vendedora de flor com cesto, 20 x 26 cm
344
24. Diego Rivera Vendedora de flor com criana, 1941, 18 x 24 cm
25. Fulvio Pennacchi Colheita, leo sobre tela, 1979, 50 x 70 cm 345
26. Fulvio Pennacchi Colheita de Uva, leo sobre eucatex, 1989, 30 x 40 cm
27. Fulvio Pennacchi Cotidiano, guache, ass. dat. jul. 1942 sup. dir., 8,5 x 12 cm
346
28. Fulvio Pennacchi Aldeia Toscana, 1941, leo sobre carto, c.i.e., 45 x 50 cm
29. Fulvio Pennacchi Praa Toscana, leo sobre eucatex, ass. dat. 1982 inf. dir. e no verso, 40 x 40 cm 347
30. Fulvio Pennacchi Aldeia Toscana, leo sobre eucatex, 1989, 40 x 60 cm
348
IMAGENS DO CAPTULO 3 AS MULHERES NA SO PAULO ENTRE OS ANOS DE 1935 A 1940
1. Tarsila do Amaral Abaporu, leo sobre tela, 1928, 85 x 73 cm, ass. c.i.e. 11-1-1928, aniversrio de Oswald de Andrade
349
2. Tarsila do Amaral Antropofagia, leo sobre tela, 1929, 126 x 142 cm, ass. Tarsila 29
350
3. Tarsila do Amaral A Negra, leo sobre tela, 1923, 100 x 80 cm, ass. Tarsila, Coleo MAC-USP
351
4. A Casa modernista, So Paulo, Gregori Warchavchik, 1930.
5. Publicidade de 1939, na qual destacada a rapidez nas comunicaes, bem como a emoo de um telefonema. Acervo Fotogrfico da Light. Fonte: MUSEU DO TELEFONE - Fundao Telefonica. Disponvel em: < http://www.museudotelefone.org.br/livro_fotos/download/cidade.pdf>. Acesso em 30/01/2009.
352
6. Em 1933 era possvel ter acesso a diferentes servios pelo telefone. Acervo Fotogrfico da Light. Fonte: MUSEU DO TELEFONE - Fundao Telefonica. Disponvel em: < http://www.museudotelefone.org.br/livro_fotos/download/cidade.pdf>. Acesso em 30/01/2009.
7. Francisco Rebolo Gonsales Nu, desenho a grafite, ass. dat. 1943 inf. dir., 31 x 22 cm
353
8. Francisco Rebolo Gonsales Nu Feminino Sentado, carvo, ass. inf. esq., 44 x 34 cm
9. Aldo Bonadei Nu, 1937, leo sobre tela, coleo Bertha e Isaac Krasilchik 354
10. Michelangelo Buonarroti Il David, 1504, mrmore, Coleo Galeria da Academia de Belas Artes de Florena, Itlia
355
11. Emiliano Di Cavalcanti Sem ttulo (mulher com cesto de peixes), 1934, ass. m.i.d., aquarela e nanquim sobre papel, 32,1 x 24,5 cm
356
IMAGENS DO CAPTULO 4 O LAZER EM SO PAULO NA SEGUNDA METADE DA DCADA DE 1930
1. Candido Portinari Mulata de vestido branco, 1935, leo sobre tela, 76 x 60 cm, ass. e dat. c.i.e., Coleo particular
357
2. Francisco Rebolo Gonsales pintando um Auto-retrato, ateli do Santa Helena, c. 1940. Fonte: GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 128.
358
3. Francisco Rebolo Gonsales Auto-retrato, 1942, leo sobre compensado de papelo, 24 x 19 cm, ass. c.i.d., Coleo particular 359
4. Francisco Rebolo Gonsales com companheiros do Clube Atltico Ypiranga, dcada de 1920. Fonte: GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 224.
360
5. Francisco Rebolo Gonsales com o time do Ypiranga, 1929. Fonte: GONALVES, Antonio e GONALVES, Lisbeth Rebollo (coord.). Rebolo: 100 Anos. So Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 222.
6. Paul Czanne Os jogadores de cartas, 1892-95, leo sobre tela, Courtauld Institute, Londres 361
7. Candido Portinari Festa de So Joo, 1936, grafite sobre papel, 35 x 40 cm, ass. c.i.d.
8. Candido Portinari Festa Junina, 1936, grafite sobre papelo, 34,2 x 34,2 cm, ass. m.i.d., Museu de Arte Contempornea da USP, So Paulo, SP 362
9. Candido Portinari Noite de So Joo, 1939, guache e grafite sobre carto, 35,5 x 34,0 cm, ass. c.i.d., Coleo particular
10. Lavadeiras na Marginal do Tiet, em So Paulo, tendo ao fundo o centro da cidade, com as torres do Banespa e do Edifcio Martinelli, na dcada de 1940. Crdito: Thomaz Farkas Fonte: SO PAULO 450 ANOS. Os rios e seus afluentes - Rio Tiet. <http://www.aprenda450anos.com.br/450anos/vila_metropole/15_rio_tiete.asp>. Acesso em 12/03/2009. 363
11. Paul Czanne As banhistas, 1875-76, leo sobre tela, 38,1 x 46,0 cm, Joan Whitney Payson Foundation, The Metropolitan Museum of Art, Nova York
364
12. Paul Czanne As grandes banhistas, 1906, leo sobre tela, 208,5 x 249,0 cm, W. P. Wilstach Collection, Museum of Art, Filadlfia
13. Mapa de localizao do rio Marne na Frana Fonte: RIO MARNE. Disponvel em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Marne>. Acesso em 19/03/2009.
365
14. Candido Portinari Menina no Campo, 1940, leo, guache e pincel seco sobre carto, 43,5 x 36,5 cm (aproximadas), ass. e dat. c.i.e., Coleo particular
366
APNDICES
Breves Perfis dos Pintores do Palacete Santa Helena 1
Estes breves perfis dos pintores do Palacete Santa Helena abordam as origens sociais dos mesmos e profisses paralelas ao trabalho de artista plstico, bem como as participaes em mostras e sales, as viagens artsticas realizadas por eles e os prmios que receberam ao longo da carreira. A disposio das biografias foi organizada levando em conta a ordem de entrada dos pintores no Palacete Santa Helena para participar do ateli coletivo.
1 Para construir esta seo com os breves perfis dos pintores do Palacete Santa Helena, tomamos como base as informaes contidas nas referncias bibliogrficas: GONALVES, Lisbeth Rebollo. 8 Pintores do Grupo Santa Helena. So Paulo: lbum editado pelo Centro de Artes Novo Mundo por ocasio da inaugurao da Uirapuru Galeria de Arte, maro 1973; LEITE, Jos Roberto Teixeira. 500 Anos da Pintura Brasileira Uma Enciclopdia Interativa, Raul Luis Mendes Silva e Log On Informtica Ltda, 1999; PONTUAL, Roberto. Dicionrio das artes plsticas no Brasil. Rio de Janeiro, 1969; ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991.
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Francisco Rebolo Gonsales
Francisco Rebolo Gonsales Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 95.
Nasceu em 22 de agosto de 1903 em So Paulo. Trabalhou como entregador de chapu quando fazia o primrio. Comeou a pintar quando tinha mais ou menos 10 anos, momento em que demonstrou interesse pela pintura decorativa. Deram-lhe o encargo de levar o almoo ao seu irmo que trabalhava como pintor de residncias e numa tarde apareceu o Sr. Gino Catani, responsvel e mestre dos pintores. Notando o seu interesse perguntou se no gostaria de pintar tambm. Rebolo gostou da idia e foi trabalhar nas decoraes da Igreja de Santa Ifignia, permanecendo por cinco ou seis anos desenvolvendo este tipo de trabalho. Em 1914, foi, ento, aprendiz numa oficina de decorao, quando teve o primeiro contato com tintas e pincis. Em 1915, trabalhou como decorador, na ornamentao de igrejas e residncias e foi jogador de futebol de 1917 a 1934, sendo campeo do Centenrio pelo E. C. Corinthians Paulista em 1922. Antes 368
de jogar pelo Corinthians, Rebolo comeou sua carreira no futebol dois anos antes, jogando no time Associao Atltica So Bento. Em 1926 abriu um escritrio-ateli na Rua So Bento. Estudou ornatos na Escola Profissional Masculina do Brs, fundada em 1911. Em 1933 transfere o seu ateli de pintura para uma sala do Palacete Santa Helena. Rebolo instruiu-se no desenho com Mrio Zanini e ainda no ano de 1933 passa a pintar do natural. Em 1934, parou de jogar futebol quando estava no Atltico Clube Ipiranga. No final de 1935 exps no 3 Salo Paulista de Belas Artes e participou juntamente com Pennacchi de uma exposio de miniquadros no Palcio das Arcadas, onde tiveram os trabalhos comprados pelo Professor Piccolo. Em 1936, recebe medalha de ouro no 4 Salo Paulista de Belas Artes e participa pela primeira vez no 42 Salo Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, no qual conquista medalha de bronze. Em 1937 participa pela segunda vez no 43 Salo Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e obtm medalha de prata. Neste mesmo ano, expe na I Exposio da Famlia Artstica Paulista ao lado dos demais pintores do Palacete Santa Helena, entre outros, bem como no 5 Salo Paulista de Belas Artes. Em 1938 expe no 2 Salo de Maio, no Esplanada Hotel de So Paulo, assim como no 4 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos. Em 1939 realiza a primeira individual na Galeria It e participa da II Exposio da Famlia Artstica Paulista, quando recebe elogios de Mrio de Andrade e de Giuliana Giorgi em O Estado de So Paulo. Neste mesmo ano participa do 3 Salo de Maio, na Galeria It, do 5 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, na Galeria Prestes Maia e no 6 Salo Paulista de Belas Artes. Em 1940 participa da III Exposio da FAP, realizada no Rio de Janeiro, do 46 Salo Nacional de Belas Artes, no MNBA, obtendo medalha de bronze, e do 6 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, na Galeria Prestes Maia. Em 1941 participa de concurso de desenho e guache organizado pelo Patrimnio Artstico de So Paulo e ganha o prmio de desenho e guache. Neste mesmo ano, Srgio Milliet faz aluso ao seu colorido. Ainda em 1941, 369
novamente premiado no Salo Nacional de Belas Artes, no qual recebe a medalha de prata. Em 1944 realiza a primeira mostra individual na Livraria Brasiliense, em So Paulo, e expe paisagens, sobretudo da So Paulo suburbana e rural, conforme Milliet, alm de naturezas-mortas e figuras. Em 1946 faz exposio individual na Galeria Itapetininga. Em 1949 expe no XIII Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, ganhando o 1prmio Mrio de Andrade. Em 1954 expe no III Salo Nacional de Arte Moderna e ganha o 1 prmio, o prmio de viagem ao exterior, partindo em setembro de 1955 com a famlia para a Itlia. Percorreu tambm a Espanha, Alemanha, Frana, ustria e Holanda. Permaneceu por dois anos na Europa e fez um curso de restaurao no Museu Vaticano durante alguns meses. Antes de viajar para a Europa, em 1955, ainda realiza uma exposio individual no MAM-SP. Em 1957 realiza exposio individual na Embaixada do Brasil em Roma, na qual expe 30 obras. Neste mesmo ano retornou ao Brasil com mais habilidade na arte paisagstica e fez, ainda, experimentaes com a gravura, o que influenciou sua pintura, a qual retomou de modo mais sistemtico e estruturado. De acordo com Rebolo, a viagem Europa determinou uma fase nova em sua pintura, pois antes da viagem era mais caligrfico 2 , depois passou a pintar com mais liberdade. Ainda em 1957 realizou exposio individual no MAM-SP. Foi membro da Famlia Artstica Paulista e do Sindicato dos Artistas Plsticos, co-fundador do Clube dos Artistas e Amigos da Arte e do MAM-SP e expositor dos Sales de Maio. Em 1960 exps na Petite Galerie do Rio de Janeiro e participa do IX Salo Paulista de Arte Moderna, ganhando o prmio de aquisio. Em 1972 ao completar 70 anos de idade, recebe homenagens da Cmara Municipal de So Paulo e do Museu de Arte Moderna. No ano de 1973, Rebolo realiza retrospectiva no Museu de Arte Moderna de So Paulo. Ainda neste ano realiza ilustraes para a Loteria Federal. Em 1974 ocorre uma retrospectiva comemorativa dos seus 40 anos de pintura. Morreu em So Paulo, em 1980, quando tinha 77 anos.
Mrio Zanini Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 97.
Nascido em So Paulo em 1907. De 1920 a 1922 fez curso de pintura na Escola Profissional Masculina do Brs. Trabalhou como copiador de pinturas antigas em 1922, foi letrista da Cia. Antrtica Paulista de 1922 a 1924, pintou a sua primeira paisagem em 1923. De 1924 a 1926 fez o curso noturno do Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo. Em 1927 trabalhou como decorador e conheceu Volpi que nesta poca era tambm decorador. Em 1928 estudou por alguns meses com o artista alemo Georg Fischer Elpons. Em 1933 passou a trabalhar com Rebolo que tinha escritrio de decorao e atenderam encomendas at 1938. Desde 1934 participou de exposies coletivas e neste ano expe no 1 Salo Paulista de Belas Artes. Em 1935 mudou-se para o Palacete Santa Helena para trabalhar com Rebolo e neste mesmo ano participa do 2 e 3 Sales Paulista de Belas Artes. Em 1936 alugou uma sala no Palacete e a dividiu com Manoel Martins e Clvis Graciano e passa a fazer excurses pela capital, arredores e litoral para pintar. Em 1937 participa do I Salo da Famlia Artstica Paulista, no Hotel Esplanada e, em 1938, do 4 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos. 371
Em 1939 expe no II Salo da Famlia Artstica Paulista, destacando-se pela paisagem e obtendo boa referncia de Mrio de Andrade. Em 1940 produziu padres de azulejos para a Osirarte e a partir deste ano interessa-se pela monotipia 3 e comea a pintar em Itanham uma srie de marinhas. Ainda neste ano, participa da terceira e ltima exposio da Famlia Artstica Paulista no Rio de Janeiro e expe tambm na Diviso Moderna do 46 Salo Nacional de Belas Artes, no MNBA do Rio de Janeiro, no qual recebe o prmio medalha de prata. Neste mesmo ano de 1940, participa do 5 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, na Galeria Prestes Maia. Em 1944 realiza a primeira exposio individual na Livraria Brasiliense em So Paulo. Em 1948 expe individualmente em Buenos Aires. No ano de 1950, viaja, de abril a outubro, pela Itlia com Paulo Rossi Osir e Alfredo Volpi. De 1951 a 1955 participa da exposio coletiva no Salo Baiano de Belas Artes. Ainda em 1955 participa da exposio coletiva no Salo Paulista de Arte Moderna e na exposio no Salo Paranaense de Belas Artes. Neste mesmo ano ganha o prmio de viagem ao pas, no Salo Paulista de Arte Moderna. Em 1958, foi professor de gravura na Associao Paulista de Belas Artes e na Escola Carlos de Campos. Ainda neste ano, recebe o prmio grande medalha de prata no Salo Paulista de Arte Moderna e prmio de aquisio. De 1951 a 1959, participou de exposio coletiva na I, II e V Bienais de So Paulo. Em 1960 recebe prmio do governador do Estado. Em 1962 realizou a segunda exposio individual na Casa do Artista Plstico de So Paulo com 81 pinturas e recebeu o prmio de aquisio, ainda no Salo Paulista de Arte Moderna. Em 1966 realizou a terceira exposio individual em Porto Alegre, na Galeria Pancetti. Em 1968 lecionou na Faculdade de Belas Artes de So Paulo e em alguns certames artsticos atuou como jurado de comisso de organizao, seleo e premiao. Era acima de tudo um paisagista e retratou So Paulo, tambm foi marinhista, comps naturezas-mortas e figura. Em 1974 ocorreu a
3 Processo de impresso pelo qual se transfere, por compresso, a imagem pintada numa placa, geralmente de vidro, para o papel.
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quarta exposio individual aps trs anos de seu falecimento, organizada pela Opus Galeria de Arte, com 39 obras pertencentes a colecionadores e amigos. Morreu em 16 de agosto de 1971, So Paulo, com 64 anos, quando exercia a funo de professor de gravura da Associao Paulista de Belas Artes.
Manuel Joaquim Martins
Manuel Joaquim Martins Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 96.
Nasceu em So Paulo em 1911. Foi vendedor na praa, guarda-livros, trabalhou como ourives, em 1925, desenhista, escultor, xilografista, ilustrador e pintor. Em 1927 dedica-se relojoaria e posteriormente passa a trabalhar no comrcio. Na dcada de 1930, paralela atividade no comrcio, iniciou estudos de escultura com o professor Vicente Larocca, em 1931, e por sugesto dele se matriculou no Liceu de Belas Artes, onde freqentava as sesses de modelo vivo, era aluno do curso livre. Em 1931 comeou a desenhar e esculpir e logo depois a pintar. A partir de 1932 realizava escultura, desenho e pintura. Em meados da dcada seguiu cursos que a SPBA oferecia. Em 1936 ligou-se aos pintores do Palacete Santa Helena e em 1937 juntou-se Famlia Artstica Paulista. Como xilgrafo e ilustrador fez vinhetas e ilustraes para obras literrias como O Cortio, de Alusio de Azevedo e Bahia de Todos os Santos, 373
de Jorge Amado, entre outros, alm de livros de Jamil Almansur Haddad, alguns poemas e contos avulsos em jornais e revistas. Deu nfase em seus quadros no paisagem suburbana ou natureza-morta, mas fixao de aspectos urbanos. Em 1939, freqenta, com outros artistas, as reunies do Grupo Cultural Musical, promovidas pelo mdico Afonso Jagle, e instala seu ateli na Rua Bittencourt Rodrigues. Em 1942, freqenta as reunies culturais promovidas por Osrio Csar e participa, com alguns trabalhos, da publicao do lbum 35 Litografias de Sete Artistas. A partir da dcada de 1930 participou de diversas exposies coletivas. Entre a dcada de 1930 e 1940 exps em: 1937, no 1 Salo da Famlia Artstica Paulista, no Esplanada Hotel de So Paulo, em 1938, no 1 Salo de Maio e no 4 Salo do Sindicado dos Artistas Plsticos, no Automvel Clube. J em 1939 participa do 2 Salo da Famlia Artstica Paulista, do 2 Salo de Maio e do 5 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos. Em 1940 expe em Porto Alegre-RS no Salo de Belas Artes, no 46 Salo Nacional de Belas Artes, no MNBA, Rio de Janeiro, no qual obtm meno honrosa, e no 3 Salo da Famlia Artstica Paulista. Em 1946 participa de coletiva de pintores brasileiros em Santiago do Chile. Em 1948 realiza a primeira exposio individual, na Galeria Itapetininga. No ano de 1951 participa da I Bienal de So Paulo. De 1952 a 1963 participa do Salo Nacional de Arte Moderna. No ano de 1962, ganha o prmio de aquisio no Salo Paulista de Arte Moderna. Em 1963 realizou a sua primeira e nica exposio individual na Galeria Selearte, em So Paulo. No ano de 1964, ganha medalha de bronze no Salo Paulista de Arte Moderna e medalhas de bronze e prata no Salo Nacional de Belas Artes. Em 1967 foi sua ltima participao em exposies na mostra Famlia Artstica Paulista Trinta Anos Depois, no Auditrio Itlia. Morreu em 1979, em So Paulo, com 68 anos.
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Fulvio Pennacchi
Fulvio Pennacchi Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 96.
Nasceu na Vila Collemandina, pequena cidade localizada na Garfagnana, provncia de Lucca, na regio da Toscana, Itlia, em 27 de dezembro de 1905, e chegou ao Brasil em 1929, portanto, com quase 24 anos, que completaria aqui. Veio formado, licenciou-se em arte, depois de dedicar-se ao desenho e pintura no Real Instituto de Belas Artes de Lucca, formando-se em 1927, e ter passado alguns meses na Academia de Florena, como parte desta formao. Entre seus mestres est o pintor e gravador italiano Pio Semeghini. Quando chegou ao Brasil, como imigrante, teve dificuldade em encontrar trabalho como pintor, tentou trabalhar em qualquer lugar. Em 1932, ajudando pintores, foi que teve a oportunidade de encontrar aqui em So Paulo o escultor Galileo Emendabili, que havia estudado com ele na Academia de Lucca. Emendabili o convidou para compartilhar o seu ateli e para colaborar com ele no concurso ao monumento a Ramos de Azevedo. Pennacchi fez, ento, parte do desenho e Emendabili ficou to entusiasmado com o trabalho de Pennacchi que procurou sempre manter contato com ele. 375
Desenvolveu trabalhos como pintor, desenhista, notabilizou-se pela pintura sacra e foi considerado pelo meio artstico paulistano como um futurista. Foi dono de aougue e enquanto exercia a funo de aougueiro durante o dia, pintou, durante a noite, as fases da vida de Jesus e cenas da vida de So Francisco de Assis. Depois que teve contato com Emendabili, Pennacchi encontrou um lugar como professor no Dante Alighieri, em 1935. Fez, ento, uma exposio e ficou conhecido como pintor. Neste mesmo ano participou do 2 Salo Paulista de Belas Artes com um quadro bastante grande, era uma composio figurativa, A Fuga para o Egito, quadro que foi adquirido pelo Conselho de Orientao Artstica. Ainda em 1935, exps no 3 Salo Paulista de Belas Artes, no qual recebe a grande medalha de prata e onde conhece Rebolo. Pennacchi, ento, sabendo que Rebolo tinha ateli no Palacete Santa Helena, pediu a ele se este podia ceder uma parte de seu ateli. Assim, Rebolo, convidou Pennacchi para ser scio e trabalharem juntos no ateli alugado no Palacete, no centro da cidade. No final de 1935 participou juntamente com Rebolo de uma exposio de miniquadros no Palcio das Arcadas e os seus trabalhos foram comprados pelo Professor Piccolo. Em 1936 foi decorador floral, artista mural, e iniciou uma srie de murais decorativos em residncias paulistas. Neste ano tambm ilustrou um livro de poemas de Jorge de Lima, O Anjo. Ainda em 1936 exps no Salo Nacional de Belas Artes e no Salo Paulista de Belas Artes e conquistou duas medalhas de prata, em ambos os sales. Em 1936, como professor de desenho no Colgio Dante Alighieri, conheceu Filomena Matarazzo, a que seria ento sua futura esposa e que neste momento era aluna do colgio. No ano de 1937 participa da I Exposio da Famlia Artstica Paulista e do 5 Salo Paulista de Belas Artes. Em 1937 e 1938 produz outros murais, respectivamente, na capela da fazenda de Agostinho do Prado (que foi idealizada e projetada por Pennacchi, que executou tambm para a mesma uma Via Sacra em terracota, alm dos altares e vitrais) e no salo de entrada de A Gazeta, uma sntese visual da evoluo da imprensa. At 1939 todos os murais foram realizados a leo e a partir deste mesmo ano ele empregou exclusivamente a tcnica do afresco. Neste mesmo ano participa da II Exposio da Famlia Artstica Paulista e do 3Sal o de Maio, no Hotel Esplanada. 376
Em 1940 participa da ltima exposio da FAP, no Rio de Janeiro, e, neste mesmo ano, ganha medalha de prata no Salo Nacional de Belas Artes. Em 1941, executou os afrescos da igreja Nossa Senhora da Paz, considerados monumentais por Osrio Csar, crtico da poca. Em 1943 aparece pela primeira vez a temtica folclrica em seu afresco pintado no Hotel Toriba, em So Paulo. Em 1944 realiza a primeira exposio individual na Galeria It, na qual expe as cenas religiosas e algumas telas que mostram cenas brasileiras, paisagens do interior, vistas urbanas com personagens e paisagens rurais. Em 1945 realiza exposio individual em Buenos Aires, Argentina, na Galeria Muller, na qual mostra as paisagens apresentadas no ano anterior. Em 1951 realizou um grande mural afresco tendo como base a festa de So Joo, com alguma ajuda de Mrio Zanini e Paulo Rossi Osir. Neste mesmo ano, participa da I Bienal de So Paulo com apenas um trabalho dos trs enviados para avaliao. Em 1952, ganha medalha de ouro no Salo Paulista de Arte Moderna. No ano de 1953, passa a dedicar-se cermica. Em 1960 realizou uma srie de cartes de Natal a convite da Galeria Atrium, a partir da qual comeou a fazer miniaturas de quadros que, por um lado, o recolocou no circuito das artes e, por outro lado, prejudicou-o por completo j que estas obras lhe minimizaram o estilo. Foi ainda cartazista na Cia. Pirelli e projetista de escultura tumular. Decorou ainda o hall do edifcio de A Gazeta e a capela do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de So Paulo. Em 1969 mandou trabalhos para o I Salo de Arte Contempornea, mas o jri os cortou. Em 1973 realizou-se a retrospectiva no MASP, no qual Pennacchi ressurgiu como um dos valores da arte paulista e brasileira modernas. Morreu em So Paulo, 1992, com 87 anos.
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Aldo Cludio Felipe Bonadei
Aldo Cludio Felipe Bonadei Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 96.
Nascido em So Paulo em 17 de junho de 1906. Em 1915 pintou sua primeira natureza-morta, Goiabas. De 1915 a 1923 realizou, de modo autodidtico, uma srie de outras pinturas. Especializou-se como bordador e costureiro na oficina da famlia em 1920. De 1923 a 1928 foi aluno de Pedro Alexandrino, alm de ter estudado tambm com o italiano Antonio Rocco e aprendido algo com Amadeo Scavone. Em 1925 teve aulas de desenho por alguns meses no Liceu de Artes Ofcios de So Paulo. Entre 1928 e 1933 participa das Exposies Gerais de Belas Artes no Rio de Janeiro. Em 1928 conquista meno honrosa de primeiro grau no Salo Oficial, Rio de Janeiro, na 35 Exposio Geral de Belas Artes da ENBA, com o leo Cmplices, de conotao acentuadamente realista. Em 1929 realiza a primeira exposio individual em sala alugada, na Rua So Bento, 13, no centro de So Paulo, a qual passaria despercebida e participa da 36 Exposio Geral de Belas Artes, na ENBA. Em 1930, recebe medalha de bronze e aquisio no Salo Oficial, no Rio de Janeiro, na 37 Exposio Geral de Belas Artes, na ENBA. Tendo 378
necessidade de se aprimorar nos estudos que iniciara no Brasil embarcou para a Itlia em 1930 retornando em 1932. Neste tempo estudou na Academia de Belas Artes de Florena e teve aula com Felice Carena e Ennio Pozzi. Em 1932 realiza a segunda individual em Campinas, na qual obteve discreto sucesso. Em 1933 participa da 40 Exposio Geral de Belas Artes, na ENBA, Rio de Janeiro. De 1934 em diante envia pinturas para o Salo Nacional de Belas Artes e o Salo Paulista de Belas Artes e, em 1934, ganha o prmio da Prefeitura de So Paulo no Salo Paulista de Belas Artes. Em 1935, participou do 41 Salo Nacional de Belas Artes, na ENBA, Rio de Janeiro, do 2 e 3 Salo Paulista de Belas Artes, recebendo neste ltimo a meno honrosa. Neste mesmo ano juntou-se aos artistas que freqentavam o ateli de Rebolo no Palacete Santa Helena e em 1937 foi integrante da Famlia Artstica Paulista. Em 1935 recebe o prmio Prefeitura no Salo Oficial, em So Paulo. Em 1936 participa do 4 Salo Paulista de Belas Artes e da Exposio de Pequenos Quadros, no Palcio das Arcadas, em So Paulo. Em 1937 participa com destaque na I Exposio da Famlia Artstica Paulista em So Paulo. Neste mesmo ano recebe meno honrosa no Salo Paulista de Belas Artes e participa ainda do 43 Salo Nacional de Belas Artes, no MNBA, Rio de Janeiro. Em 1938 expe no 4 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos e em 1939, no 2 Salo da Famlia Artstica Paulista, e no 5 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, na Galeria Prestes Maia. No final da dcada de 1930 inicia uma srie de desenhos e de pinturas que intitulou Impresses Musicais, e que traduz suas preocupaes quanto correspondncia entre as artes do espao e as do tempo, entre a cor e o som (dez anos antes no Rio de Janeiro, Guignard fizera tambm pinturas sob a influncia da msica). Em 1938 recebe meno honrosa no Salo Oficial, em So Paulo. De 1938 a 1949 mantm presena constante nas exposies anuais do Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo. Em 1939 participa com destaque na II Exposio da Famlia Artstica Paulista em So Paulo. Ainda em 1939 participa das reunies do Grupo de Cultura Musical, criado neste ano por Adolfo Jagle e que se mantm entre 1942 e 1944 na casa do psicanalista e crtico Osrio Csar. Em 1940 faz uma srie de quadros abstratos, baseados em impresses musicais, o que era novidade na poca. 379
Ainda em 1940 participa com destaque na ltima Exposio da Famlia Artstica Paulista, no Rio de Janeiro, mesmo ano em que recebe medalha de prata no 46 Salo Nacional de Belas Artes, na vigncia da Diviso Moderna. No incio da dcada de 1940 realizou algumas esculturas, mas logo recuaria nas tentativas com o tridimensional. Foi figurinista e realizou croquis para vesturio em 1944, desenvolveu atividade na arte decorativa, pintura sobre porcelana, criando padres para a Cermica Alabarda entre os anos de 1944 e 1951. Em 1945 expe individualmente seus leos no Rio de Janeiro. Em 1948 visita a Bahia e realiza uma exposio individual na Biblioteca Pblica de Salvador. Em 1949 foi professor de pintura na Escola Livre de Artes Plsticas de So Paulo, recm-criada por Flvio Mota e a partir deste ano passou a ter alguns alunos particulares. A partir de 1950 realizou bom nmero de exposies individuais, quando pouco a pouco se viu reconhecido como um dos mais importantes pintores de So Paulo e do Brasil. Em 1950 foi figurinista da Cia. Ndia Lcia Srgio Cardoso e para os filmes Fronteiras do Inferno e Garganta do Diabo, de Walter Hugo Khoury e tambm ganhou medalha de ouro no Salo Paulista de Arte Moderna. Ainda neste ano, recebeu medalha de ouro no Salo Oficial, no Rio de Janeiro. Em 1951 expe no Salo Paulista de Arte Moderna e conquista a medalha de ouro novamente. Ainda neste ano expe na Bienal de So Paulo e no Salo Oficial da Bahia, onde recebe o prmio aquisio. Em 1952 expe na Bienal de Veneza e no Salo de Maio de Paris. Em 1953 expe na Bienal de So Paulo e no Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo, onde recebe o 2prmio. Em 1954 participa da exposio no Salo Paulista de Arte Moderna e no Salo Nacional de Arte Moderna. Neste ano ganha o prmio do Governo do Estado no Salo Paulista de Arte Moderna e o prmio de viagem ao pas no Salo Nacional de Belas Artes. Em 1955 expe na Bienal de So Paulo e realiza uma retrospectiva no MAM-SP, abrangendo obras realizadas entre 1926 e 1955. Em 1959 participa da exposio no Salo Paulista de Arte Moderna e ganha o prmio de aquisio neste salo. A partir de 1960 desenvolveu apenas trabalhos como pintor. Em 1961 expe na Bienal de So Paulo. Em 1962 expe no Salo Paulista de Arte 380
Moderna e ganha o 1prmio de viagem ao exterior e passa trs meses, a partir deste ano, em Portugal, detendo-se em Lisboa, bidos, Pena e Badajs, e ali realiza uma srie de 21 pinturas, objeto da mostra do ano seguinte. Em 1963 expe na Bienal de So Paulo, realiza uma retrospectiva na FAAP, em So Paulo, mostra organizada por Helou Motta para expor as obras da fase Portugal e ainda expe individualmente seus leos no Rio de Janeiro. Em 1969 voltou para a Europa pela ltima vez, quando passou dois anos na Itlia, demorando-se em Gnova, Turim e Veneza, onde pintou diversos quadros. Em 1971 lanou um lbum de xilogravuras e poemas lanado na Galeria Cosme Velho, em So Paulo. Fez diversas mostras enviadas a pases como Japo, Chile e Cuba. Em 1976 realizada uma exposio pstuma de seus leos no Rio de Janeiro e em 1978 uma retrospectiva pstuma no MAM- SP, reunindo, sob o nome de Homenagem a Bonadei, 81 obras de todos os perodos. Morreu em 1974, em So Paulo, com 68 anos.
Clvis Graciano
Clvis Graciano Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 97.
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Nasceu em Araras, interior de So Paulo, em 1907, e passou sua infncia em Leme, interior do Estado tambm, onde foi ferreiro. Com apenas doze anos de idade, comea a trabalhar numa oficina de ferreiro. Em 1926 interessou-se pela msica e pelo desenho. Aos vinte anos, em 1927, emprega- se na Estrada de Ferro Sorocabana com a tarefa de pintar postes, porteiras e tabuletas. Para o desempenho desta atividade, mora num vago de carga, do qual v desfilar a paisagem rural de So Paulo. Transferiu-se para So Paulo e, em 1930, presta concurso para fiscal de consumo e aprovado, mas, engajando-se na Revoluo de 1932, feito prisioneiro, s assumindo o cargo em 1934. Residindo na capital paulista, comea a praticar a pintura, de maneira autodidata. Dividiu desde ento o seu tempo entre o trabalho de burocrata e a pintura em 1934. Foi desenhista e do desenho passa aquarela e da ao leo, o que ocorreu entre 1934 e 1935. Comps paisagens bblicas, foi cenografista, figurinista para teatro e bal, e ilustrador de livros. Em 1932, em So Paulo, participa da Revoluo Constitucionalista e entre 1934 e 1944 trabalha como fiscal do consumo, dividindo seu tempo entre esse emprego e a pintura. Em 1934, interessado pela pintura, acompanhou as sesses de modelo vivo na SPBA. Freqentou de 1935 a 1937 o ateli do pintor Waldemar da Costa, por recomendao de Cndido Portinari, perodo em que teve proximidade com este pintor e que influenciou muito a sua obra. Entre 1936 e 1938 freqentou o curso livre de desenho da Escola Paulista de Belas Artes. Em 1937 instalou-se no Palacete Santa Helena junto com Rebolo, Zanini e Bonadei, entre outros. Em 1937 realizou a primeira exposio no Par com outros pintores do Palacete Santa Helena. Participou das exposies da Famlia Artstica Paulista. Em 1939 foi presidente da Famlia Artstica Paulista, participou do 5 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, na Galeria Prestes Maia, do 2 Salo da Associao de Artes Plsticas Francisco Lisboa, em Porto Alegre-RS, do 3 Salo de Maio, alm de ter realizado exposio individual na Galeria It. No ano de 1940 exps no III Salo da Famlia Artstica Paulista, no Palace Hotel, no Rio de Janeiro. Em 1940 e 1941 exps na Diviso Moderna do Salo Nacional de Belas Artes do MNBA, no Rio de Janeiro. No ano de 382
1940 ganhou meno honrosa em pintura no 46 Salo Nacional de Belas Artes e em 1941 ganhou medalha de prata em desenho e medalha de ouro em pintura no 47 Salo Nacional de Belas Artes. Em 1941 realizou exposio individual no Centro Paranaense, em So Paulo, com desenhos a nanquim, guaches e monotipias. Em 1942, recebe o 1prmio n o concurso de desenho promovido pelo Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, em So Paulo. Em 1943 exps as primeiras pinturas a leo. Em 1947, conquista o 1 prmio no concurso de cenrios e vestimentas para o teatro, promovido pelo Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda de So Paulo. Em 1948 expe na Diviso Moderna do Salo Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, no qual ganha o prmio de viagem ao exterior. Dedicou-se muito tempo cenografia e costumes para teatro e bal, trabalhando para o Grupo de Teatro Experimental, Grupo Universitrio de Teatro e Teatro Brasileiro de Comdias e ilustraes de trabalhos de Jorge Amado, Paulo Bonfim, entre outros. Em 1949 embarca por uma permanncia de dois anos na Frana, Itlia, Blgica e outros pases. A partir de 1950, dedica-se, tambm, pintura mural, executando em So Paulo e outras cidades cerca de 120 painis. Em 1971 foi nomeado diretor da Pinacoteca do Estado de So Paulo, tendo sido tambm adido cultural em Paris. Neste ano ainda faz ilustraes para a Loteria Federal. Morreu em So Paulo, em 1988, com 81 anos.
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Alfredo Volpi
Alfredo Volpi Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 95.
Nascido em Lucca, na Itlia, em 14 de abril de 1896, chega ao Brasil com seus pais em 1897. Foi entalhador, carpinteiro, marceneiro, encadernador, decorador, pintor de interiores e ornamentaes em salas de visitas e de jantar de casas de pessoas de posses. Iniciou na carreira no pintando quadros, mas fazendo provas de cores, empastando uma com a outra, pois tinha a preocupao dos tons. Em 1914 pintou sua primeira obra, uma paisagem. A partir de 1925 foi travando conhecimento com artistas como Rebolo, Bruno Giorgi e Ernesto de Fiori. Desde 1922 participou de exposies coletivas. Em 1925 participa da 2 Exposio Geral de Belas Artes, no Palcio das Indstrias, em So Paulo. Em 1928 participou de exposio coletiva no Salo de Belas Artes Muse-Italiche, no Palcio das Indstrias, no qual ganhou a medalha de ouro. 384
Em meados de 1930 freqentaria o ateli no Edifcio Santa Helena. Em 1933 participou no Rio de Janeiro da 40 Exposio Geral de Belas Artes, na ENBA, na qual recebeu a medalha de bronze. Em 1934 comeou a participar do Salo Paulista de Belas Artes, na Rua 11 de Agosto, o primeiro que ento se realizava. Em 1935 e 1936 participa do 3 e 4 Salo Paulista de Belas Artes, respectivamente, e conquista a medalha de bronze no ano de 1935. Ainda em 1936 participa da Exposio de Pequenos Quadros, no Palcio das Arcadas. Em 1937 expe no 1 Salo da Famlia Artstica Paulista, no Esplanada Hotel de So Paulo, e em 1938 no 2 Salo de Maio, tambm realizado no Esplanada Hotel, bem como no 4 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos. Em 1939 visitou pela primeira vez Itanham e deu incio a uma srie de marinhas. Neste ano expe no 2 Salo da Famlia Artstica Paulista, no 3 Salo de Maio, na Galeria It, e no 5 Salo do Sindicato dos Artistas Plsticos, na Galeria Prestes Maia. Em 1940 participa do 3 Salo da Famlia Artstica Paulista, no Palace Hotel, bem como no 46 Salo Nacional de Belas Artes, no MNBA, ambos no Rio de Janeiro, e no 2 Salo do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. A dcada de 1940 marcou o incio da sua presena no Salo de Arte da Feira Nacional de Indstrias, em So Paulo, em 1941. Em 1944, de 15 a 30 de abril, fez a primeira exposio individual numa sala alugada na Rua Baro de Itapetininga, em So Paulo. Foi a Belo Horizonte a convite do governo de Minas Gerais, visitando as cidades histricas. Em abril de 1950 foi Europa com os pintores Paulo Rossi Osir e Mrio Zanini e permaneceram seis meses na Itlia e dez dias em Paris. Foi seduzido pela arte de Giotto, influenciado pelos afrescos franciscanos da Igreja Superior de So Francisco, em Assis, na Itlia, executados nos fins do sculo XIII. Enquanto esteve na Itlia quase nada pintou. A partir de 1951 que viveu apenas da pintura. Em 1953 participa da II Bienal de So Paulo e neste mesmo ano os artistas geomtricos paulistas apontam-no como um precursor e o crtico Mrio Pedrosa, no Rio de Janeiro, proclama-o um dos maiores pintores brasileiros contemporneos. Ainda neste ano ele conquista o prmio de melhor 385
pintor nacional e tambm o primeiro prmio ex-aequo, com Di Cavalcanti de pintura. Em 1955 recebe o prmio governador do Estado, no VI Salo Paulista de Arte Moderna. Nos anos de 1956 e 1957 participa das exposies nacionais de arte concreta, em So Paulo e no Rio de Janeiro, mas no admite que o classifiquem como concretista, j que dizia que estava em busca da cor e no da forma. Em 1957 foi realizada a primeira retrospectiva de sua obra no MAM- RJ. Em 1958, obtm o prmio Guggenheim e recebe mil dlares. Em 1961 expe 95 telas na sala especial na VI Bienal de So Paulo. Em 1962, recebe o prmio da crtica de arte do Rio de Janeiro, como o melhor pintor brasileiro. Em 1970, obtm o prmio aquisio no segundo panorama da pintura atual, no Museu de Arte Moderna de So Paulo. Em 1972, realiza retrospectiva de sua obra no MAM-RJ. Em 1975 e 1986 ocorrem as retrospectivas de sua obra no MAM-SP. Em 1993 realizada a mostra pstuma na Pinacoteca do Estado de So Paulo e em 1998 na Bienal de So Paulo. Morreu em 1988, So Paulo, com 92 anos.
Humberto Rosa
Humberto Rosa Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 97. 386
Nascido em Santa Cruz das Posses, interior de So Paulo, em 1908. Comeou a vida no armazm do pai em Santa Cruz das Posses, foi pintor de paredes e fez sua estria como tal ao decorar o teto da sacristia da Igreja da Sagrada Famlia de sua cidade natal. De 1927 a 1932 foi aluno regular da Escola de Belas Artes de So Paulo, formando-se em 1932. Foi professor de desenho geomtrico nos Colgios Bandeirantes, Sion e Dante Alighieri at 1940. Participa de vrias exposies coletivas entre 1936 e 1940. Em 1936 participa em So Paulo das exposies de pequenos quadros, organizada pela Sociedade Paulista de Belas Artes, no Palcio das Arcadas, bem como do 4 Salo Paulista de Belas Artes. Em 1937 participa do 5 Salo Paulista de Belas Artes e do I Salo da Famlia Artstica Paulista, no Esplanada Hotel de So Paulo. Em 1939 participa do II Salo da Famlia Artstica Paulista e em 1940 participa do 3 Salo da Famlia Artstica Paulista, do 7 Salo Paulista de Belas Artes e do Salo de Belas Artes do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Morreu em So Paulo, em 1948, com 40 anos.
Alfredo Rullo Rizzotti
Alfredo Rullo Rizzotti Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: o Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 97.
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Nasceu em Serrana, interior de So Paulo, em 15 de agosto de 1909. Trabalhou como torneiro mecnico, fresador, mecnico de automveis e decorador antes de trabalhar como pintor. Em 1924 viaja para a Itlia, onde permanece at 1935 e onde estuda decorao, o que lhe abriu caminho para a pintura. Foi na Itlia, segundo o pintor, que se deu o incio de sua carreira artstica quando tinha 19 para 20 anos. L participou de um pequeno curso de decorao com diversos mestres, foi ento quando comeou a pintar, quando comeou a fazer pintura de cavalete. Cursou Escola Profissional Novaresa e a Academia Albertina de Turim como aluno livre. Participou de mostras coletivas em Novara e Turim. Em 1937, conheceu Rebolo e ia desenhar no ateli dele, estudar o nu. Juntou-se neste mesmo ano aos pintores do Palacete Santa Helena e participou da Famlia Artstica Paulista em 1939 e 1940, expondo na ltima mostra. Em 1945 realiza individual na Galeria Brasiliense, em So Paulo. Por volta de 1946 foi obrigado a parar de pintar por conta de uma alergia s tintas, por isso pinta muito pouco. Retornou em 1962 e passou a usar material plstico, base de resinas. Em 1963, ganha medalha de bronze no XII Salo Paulista de Arte Moderna. Deixou obra pouco numerosa, que conta com paisagens, naturezas- mortas e figuras. Morreu em 1972, em So Paulo, com 63 anos.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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NDICE DE IMAGENS
1. Vista do Palacete Santa Helena entre seus vizinhos. Fachada em construo: acabamento dos andares superiores. Esse aspecto da praa, com a catedral inacabada, permaneceria ainda por dcadas p. 25 Fonte: CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em So Paulo. So Paulo: SENAC: Imprensa Oficial, 2006, p. 123.
2. Corredor interno do Palacete Santa Helena p. 27 Fonte: ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas dcadas de 1930-1940: O Grupo Santa Helena. So Paulo: Nobel, EDUSP, 1991, p. 94.
3. Mrio Zanini Msicos, dcada de 1940, composio com 4 azulejos, Osirarte (So Paulo, SP) p. 31
4. Alfredo Volpi Procisso de barcos, 1940/1950, pintura sobre azulejo, 30,5 x 30,5 x 3,0 cm p. 32
5. Alfredo Volpi e Mrio Zanini A pracinha, 1940/1950, pintura sobre azulejo, 30,5 x 45,5 x 3,0 cm p. 32
6. Retrato de Rebolo por Clvis Graciano, 1939, nanquim sobre papel, 33,0 x 29,5 cm, ass. c.i.e., Coleo particular p. 38
7. Fulvio Pennacchi Bonadei posou, 1943, grafite e guache sobre papel, 26,5 x 16 cm p. 39
8. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de caf, dcada de 1930, guache sobre papel, 16,5 x 12,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 49
9. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de caf, dcada de 1930, guache sobre papel, 16,3 x 12,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 52
10. Fulvio Pennacchi Estudo para cartaz publicitrio, dcada de 1930, guache sobre papel, 8,8 x 13,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 54
11. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de cigarros, dcada de 1930, guache sobre papel, 10 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 56
12. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de cigarros, dcada de 1930, guache sobre papel, 9,6 x 13,0 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 59 401
13. Fulvio Pennacchi Estudo para cartaz publicitrio, dcada de 1930, guache sobre papel, 12,0 x 6,8 cm Coleo Instituto Moreira Salles p. 62
14. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade Fiat, dcada de 1930, guache sobre papel, 8,0 x 10,5 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 64
15. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de Pirelli, 1931, Coleo Instituto Moreira Salles p. 66
16. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade de Pirelli, 1931, guache sobre papel, 13,4 x 7,5 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 67
17. Fulvio Pennacchi Estudo para publicidade, Aougue do Boi de Ouro, 1933, guache sobre papel, 17 x 20 cm, Coleo Instituto Moreira Salles p. 69
18. Fulvio Pennacchi Cartela de doao Sottoscrizione unica, 1938, impresso sobre papel, 10 x 14 cm, Coleo Famlia Pennacchi p. 77
19. Fulvio Pennacchi Recibo de doao Don oro alla Patria, 1938, impresso sobre papel, 23,0 x 15,4 cm, Coleo Famlia Pennacchi p. 79
20. Fulvio Pennacchi Itlia colocando louro sobre cabea de soldado, 1938, nanquim sobre papel, 18 x 15 cm, Coleo Famlia Pennacchi p. 81
21. Fulvio Pennacchi Projeto de cartaz para o Fanfulla, 1940, guache sobre papel, 15 x 16 cm, Coleo Lucas Pennacchi p. 82
22. Fulvio Pennacchi Bonadei pintando, 1942, grafite sobre papel, 31,8 x 18,7 cm p. 118
23. Fulvio Pennacchi Retratos de Manoel Martins, Alfredo Volpi e Clovis Graciano, 1943, nanquim sobre papel p. 119
24. Alfredo Rizzotti (de palet, direita) no ateli de Fulvio Pennacchi ( esquerda) no Palacete Santa Helena, em foto de 27-9-1943 p. 120 Fonte: CAMPOS, Candido Malta e SIMES JNIOR, Jos Geraldo (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em So Paulo. So Paulo: SENAC: Imprensa Oficial, 2006, p. 195.
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25. Alfredo Volpi Feira, leo sobre tela, ass. dcada de 1930, 20,5 x 25,0 cm p. 132
26. Paul Czanne Avenida em Chantilly, 1888, leo sobre tela, 11 x 14 cm p. 133
27. Francisco Rebolo Gonsales Operrio, 1936, leo sobre tela, 73 x 64 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 136
28. Tarsila do Amaral Operrios, 1933, leo sobre tela, c.i.d., 150 x 230 cm, Acervo Artstico Cultural dos Palcios do Governo do Estado de So Paulo, Palcio Boa Vista, Campos do Jordo, SP p. 137
29. Candido Portinari Operrio, c. 1934, leo sobre madeira, 32 x 39 cm, Coleo particular p. 141
30. Francisco Rebolo Gonsales Operrios, c. 1940, leo sobre tela p. 144
31. Emiliano Di Cavalcanti Operrios, 1933, desenho, 36,5 x 43,8 cm p. 146
32. Clvis Graciano Graxeiro, 1940 p. 149
33. Francisco Rebolo Gonsales Esperando o Trem, 1937, leo sobre madeira, 44 x 36 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 151
34. Candido Portinari Colona sentada, 1935, tmpera sobre tela, 97 x 130 cm, ass. c.s.d., Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Coleo Mrio de Andrade, So Paulo, SP p. 154
35. Fulvio Pennacchi O arado, 1935, leo sobre tela, 80 x 120 cm p. 159
36. Victor Brecheret Monumento s Bandeiras, dcada de 1920 a 1950, granito, Parque do Ibirapuera, So Paulo p. 161
37. Victor Brecheret Monumento s Bandeiras (detalhe), dcada de 1920 a 1950, granito, Parque do Ibirapuera, So Paulo p. 161
38. Fulvio Pennacchi Os semeadores, 1935, aquarela e grafite sobre aglomerado, 16 x 19 cm p. 165
39. Candido Portinari 403
Colonos carregando caf, c. 1935, leo sobre tela, 67 x 83 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 166
40. Diego Rivera Transportador de flor, 1935, 28 x 31 cm p. 169
41. Fulvio Pennacchi Colheita de uvas, 1936, leo sobre aglomerado, 49,5 x 44,7 cm p. 173
42. Clvis Graciano Trs homens, 1936, leo sobre tela, 70 x 59 cm p. 175
43. Candido Portinari Mestio, 1933, leo sobre tela, 81 x 65 cm, Aquisio do Governo do Estado de So Paulo, 1935 p. 177
44. Fulvio Pennacchi Volta ao trabalho, 1939, leo sobre aglomerado, 39,5 x 49,0 cm p. 179
45. Francisco Rebolo Gonsales Estudo (Trabalhadores), dcada de 1940, lpis sobre papel, 31,3 x 26,6 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 181
46. Candido Portinari Trabalhador, 1936, grafite sobre papel, 22 x 28 cm, Coleo particular p. 183
47. Fulvio Pennacchi Apagando o incndio, dcada de 40, leo sobre aglomerado, 36,5 x 51,0 cm p. 184
48. Francisco Rebolo Gonsales Lavadeiras, 1937, leo sobre madeira, 35 x 39 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 191
49. Candido Portinari Lavadeiras, 1937, tmpera sobre madeira, 46,0 x 54,5 cm, ass. e dat. c.i.d., Coleo particular p. 193
50. Candido Portinari Lavadeiras, c. 1937 p. 196
51. Mrio Zanini Lavadeiras, c. 1940 p. 198
52. Candido Portinari Lavadeiras, 1939, leo com areia sobre tela, 38 x 46 cm, ass. e dat., c.i.e., Coleo particular p. 200
53. Fulvio Pennacchi Mulher com rodo, 1940, aquarela sobre papel, 29,0 x 18,6 cm p. 202 404
54. Francisco Rebolo Gonsales Nu, 1937, leo sobre madeira, 48 x 38 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 207
55. Anita Malfatti Nu, s.d., leo sobre tela, c.i.e., 63 x 42 cm, Coleo particular p. 212
56. Candido Portinari Nu, 1930, leo sobre madeira, c.i.e., 32,5 x 23,5 cm, ass. e dat. m.i.d., Coleo particular p. 215
57. Francisco Rebolo Gonsales Figura Negra com Paisagem, 1938/42, leo sobre compensado de papelo, 52 x 43 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 217
58. Lasar Segall Perfil de Zulmira, 1928, leo sobre tela, 62,5 x 54,0 cm, ass. m.i.d., Coleo Museu de Arte Contempornea da USP p. 219
59. Alfredo Volpi Mulata, dcada de 1940, leo sobre tela, c.i.e., 80 x 65 cm, Coleo Rubens Schahin p. 224
60. Emiliano Di Cavalcanti Mulata com leque, 1937, leo sobre tela, 38 x 46 cm p. 228
61. Clvis Graciano Figuras Danando, 1935, leo sobre tela, c.i.e., 54 x 45 cm, Coleo Particular p. 234
62. Candido Portinari Sambistas, 1935, grafite e nanquim sobre papel, 23,5 x 22,0 cm, ass. e dat. m.i.e., Coleo particular p. 237
63. Francisco Rebolo Gonsales Futebol, 1936, leo sobre tela, 86 x 36 cm, ass. c.i.d., Coleo particular p. 244
64. Candido Portinari Futebol, 1935, leo sobre tela, 97 x 130 cm, ass. e dat. c.i.d., Coleo Portinari p. 249
65. Francisco Rebolo Gonsales Cena de Jogo num Bar (A Taverna), 1938, leo sobre tela, 73 x 64 cm, ass. c.i.d., Coleo MAC-USP p. 252
66. Paul Czanne Os jogadores de cartas, 1890-1892, leo sobre tela, 65 x 81 cm, Metropolitan Museum of Art, Nova York p. 258 405
67. Alfredo Volpi Festa de So Joo, leo sobre carto, 17 x 22 cm, ass. c.i.d., ass. dat. 1938, titulado e situado So Paulo no verso p. 262
68. Candido Portinari Festa de So Joo, 1936-1939, leo sobre tela, 172 x 193 cm, ass. e dat. c.i.e., Coleccion Costantini, Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires p. 265
69. Mrio Zanini Figuras no Tiet, 1940, leo sobre tela, 32 x 45 cm, Coleo particular p. 270
70. Paul Czanne As grandes banhistas, 1894-1905, leo sobre tela, 172,2 x 196,1 cm, National Gallery, Londres p. 272
71. Mrio Zanini Tiet, 1940, leo sobre tela, c.i.d, 33,5 x 46 cm p. 278
72. Paul Czanne Shores of Marne (As margens do Marne), 1888, leo sobre tela, 24 x 18 cm, Pushkin Museum of Fine Artes, Moscou, Rssia p. 281
73. Candido Portinari Rio Tiet, 1935, leo sobre tela, 28 x 36 cm, ass. e dat. c.i.e., Coleo particular p. 284
74. Alfredo Volpi Menina de Bicicleta, dcada de 1940, tmpera sobre tela, c.i.e., 94 x 73 cm, Coleo particular p. 288
75. Candido Portinari Menina com Ba e Cabaa, 1939, tmpera sobre tela, c.i.e., 94 x 73 cm, Coleo particular p. 290
(M) - BARBOSA, Renata Bezerra de Freitas - 2015 - Ser Artífifice Na América Portuguesa - Trabalho e Organização Laboral No Recife Setencentista (O Caso Da Irmandade de São José)