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A grande imprensa "liberal" carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento
A grande imprensa "liberal" carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento
A grande imprensa "liberal" carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento
E-book572 páginas7 horas

A grande imprensa "liberal" carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento

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Sobre este e-book

O livro aqui apresentado pretende questionar a interpretação tradicional da historiografia brasileira sobre a oposição da grande imprensa carioca ao segundo governo Vargas (1951-1954), que seria motivada pela incompatibilidade entre uma imprensa liberal e um governo nacionalista. Tais pressupostos são exaustivamente analisados, permitindo verificar que nem o governo Vargas foi "nacionalista e anti-imperialista" nem a chamada grande imprensa era necessariamente liberal e "entreguista". Constata-se, ao contrário, que ambos mais se aproximavam do que se distanciavam em termos de política econômica, pois compartilhavam boa parte dos princípios desenvolvimentistas que, à época, ganhavam densidade teórica com a CEPAL. Embora ainda se perceba a forte divergência política entre esses atores, os quais, porém, focavam-se mais nas políticas inclusivas sustentadas por Vargas em sua vida pública.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de set. de 2024
ISBN9788539708901
A grande imprensa "liberal" carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento

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    A grande imprensa "liberal" carioca e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954) - Luis Carlos dos Passos Martins

    APRESENTAÇÃO

    Originalmente uma excelente tese de doutoramento, o presente livro de Luis Carlos dos Passos Martins destina-se a ser uma contribuição marcante para a historiografia brasileira acerca do papel político desempenhado pela chamada grande imprensa, particularmente no contexto dos anos 1950, durante o Segundo Governo Vargas.

    A pesquisa apresenta como ponto de partida um questionamento radical a certos posicionamentos consagrados daquela historiografia no tocante às relações entre a imprensa e o Governo Vargas, o que talvez constitua a razão básica de seus muitos méritos. Essa crítica original estruturou-se a partir de uma bem-apanhada distinção entre o que se poderia chamar de oposição propriamente política e oposição à política econômica, exercidas pela imprensa ao governo varguista e às ações pontuais de tal governo nesses dois campos. Tem-se aqui o argumento básico do autor segundo o qual verifica-se, de forma recorrente na historiografia, uma certa confusão entre tais formas de oposição ou posicionamento e, principalmente, incorre-se no equívoco grave de considerar-se a segunda como mera decorrência da primeira.

    Tais equívocos, alimentados pela ausência de pesquisa específica, elevaram-se quase ao patamar de um senso comum acadêmico – o qual se transferiu, de resto, aos diversos níveis de ensino, através dos manuais de toda sorte – a ideia pela qual se entende que o liberalismo da grande imprensa, que embasou ideologicamente os conflitos desta com a perspectiva política varguista desde os anos 1930, particularmente no período ditatorial do Estado Novo, fundamentou, da mesma forma, uma suposta oposição radical e genérica à política econômica nacional-desenvolvimentista que começava a tornar-se hegemônica no princípio dos anos 1950.

    Centrando seu trabalho investigativo nessa segunda forma de oposição ou, melhor, de posicionamento, da imprensa relativamente ao governo e suas ações concretas, o autor alcançou os resultados extraordinários aqui publicados, os quais, já em uma primeira visão, destroem os fundamentos daquele senso comum. A nova visão que emerge dessa crítica notável desconstitui principalmente a generalização, tão apressada quanto repetida, do uso acadêmico de um conceito vago de liberalismo, transposto, sem sustentação empírica e devida reflexão teórica, do plano político ao econômico, para assim caracterizar distorcidamente a ação dos órgãos da imprensa relativamente a este campo das relações entre o Estado e o corpo social. A leitura deste trabalho levará, desse modo, a uma contestação surpreendente e fundamentada da imagem historiográfica clássica de uma imprensa liberal, radicalmente oposta ao nacional-desenvolvimentismo em suas variadas implicações.

    Ao cumprir, com criatividade inteligente e profícua, as diversas exigências dessa grande empreitada investigativa a que se propôs, Luis Carlos dos Passos Martins apresenta aqui um trabalho exemplar, que, de forma rara na produção acadêmica formal, instiga e propõe avanços em variadas faces da sua construção.

    Destaca-se nesse sentido a abordagem inovadora dos órgãos da imprensa como atores políticos. Fundado teoricamente no conceito de campo de produção ideológica, de Pierre Bourdieu, o autor constitui um instrumental analítico rigoroso que não permite argumentações sem sustentação robusta e tampouco conclusões dependentes de alguma forma de reducionismo prévio à pesquisa.

    Desse modo, aqui se desvenda a extraordinária complexidade das formas de atuação pública da imprensa moderna, sem jamais ver tal atuação completamente subsumida a fatores externos ao campo jornalístico, tais como classes, partidos ou focos de interesse de variados tipos. Ao mesmo tempo em que permite considerar o peso relativo desses fatores como formas de pressão mais ou menos sistemáticas sobre a imprensa. Nessa direção, o trabalho permite igualmente que se analisem com nitidez as características absolutamente peculiares da atuação dos jornais no espaço público, as quais, mostra o autor, não se confundem jamais com os padrões de ação de um partido, de um intelectual, da academia ou de outras esferas de produção ideológica. Aqui se verá, portanto, que a posição de um jornal a respeito de ações governamentais adquire um sentido singular e definitivamente próprio do campo.

    A pesquisa é também notável no que toca à metodologia. Assim como a teoria subordinou-se a propósitos e indagações concretas do autor, também quanto ao método criou-se um instrumental que propiciou uma forma ótima de tratamento do imenso corpus documental com que aquele se defrontou. A utilização muito bem delineada da análise de conteúdo conduz o leitor a visões de conjunto dos jornais analisados, as quais, ao entrecruzarem-se permanentemente com abordagens pontuais e específicas, sustentam ricas possibilidades de comparações, diferenciações e verificação de rupturas ou de linhas de continuidade no posicionamento de cada órgão jornalístico e do conjunto destes frente à política econômica varguista.

    O exame aqui apresentado de tal política é outro dos pontos altos do trabalho. Apoiado na melhor literatura especializada e em fontes primárias para alguns temas específicos, o autor logra estabelecer um quadro descritivo e analítico, em muitos pontos original, acerca do nacional-desenvolvimentismo varguista. Também quanto a esse ponto, fundamental para os propósitos da pesquisa, o leitor encontrará uma visão crítica de certas proposições consagradas da historiografia, as quais, a leitura mostra, abriram espaço para simplificações e falsos dilemas.

    Dada a natureza marcadamente interdisciplinar do trabalho que lhe deu origem, o presente livro será leitura obrigatória para pesquisadores e especialistas de variados campos acadêmicos, como a História, a Ciência Política, a Sociologia, a Economia e a Comunicação Social. Todavia, mercê da clareza elegante do texto, será leitura de grande interesse e de extraordinário potencial de esclarecimento para o grande público não acadêmico, o que não deixa de ser mais uma de suas notáveis virtudes.

    Prof. Dr. Helder W. Gordim da Silveira (PUCRS)

    INTRODUÇÃO

    O trabalho apresentado neste livro corresponde a uma versão parcial da minha tese de doutorado – A grande imprensa liberal da Capital Federal (RJ) e a política econômica do Segundo Governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento nacional – defendida no Curso de Pós-

    -Graduação de História, em dezembro de 2010, e financiada pelo (CNPq).

    Inicialmente, na versão para o livro, pensei em, como é de praxe, retirar a parte teórica que corresponde ao primeiro capítulo do trabalho. Entretanto, como a pesquisa aqui apresentada é, acima de tudo, um trabalho acerca da historiografia sobre o papel da imprensa no Segundo Governo Vargas, considerou-se que a retirada deste debate a respeito dos limites e possibilidades de análise dessa imprensa suprimiria muito de sua força argumentativa, tendendo a tornar o trabalho excessivamente descritivo.

    O foco da pesquisa que aqui se apresenta é a imprensa carioca dos anos 50 tradicionalmente classificada como liberal. Como é notável na historiografia sobre o período, esta imprensa é considerada um dos principais atores da cena política no Segundo Governo Vargas, especialmente no que se refere ao seu desfecho trágico e prematuro. Durante os últimos meses da permanência de Getúlio no Catete, os grandes jornais preencheram as suas páginas com denúncias e acusações contra o presidente e, para parte significativa dos especialistas no tema, esta atitude foi fundamental na geração do ambiente político negativo que precipitou a sua queda.

    Muitos dos grandes jornais do Brasil, como Estado de S. Paulo, já tinham um longo histórico de conflito com Vargas cuja origem pode ser situada nos primeiros anos do Governo Provisório (1930-1934), instalado no país logo após a Revolução de 30. Não surpreende, assim, constatar que, na eleição presidencial vencida por Getúlio em 1950, a grande maioria dessas publicações tenha dado apoio ao candidato da União Democrática Nacional (UDN), brigadeiro Eduardo Gomes. Nem devemos estranhar a postura oposicionista adotada por muitos desses jornais depois que Vargas retornou à Presidência, em 1951.

    Em se tratando de oposição a Getúlio, a imprensa da cidade do Rio de Janeiro ocupa um lugar de destaque. Localizados no centro administrativo e cultural do país, os grandes jornais cariocas tinham enorme poder de influência na sociedade brasileira e no universo político dos anos 50, sendo sempre citados quando o tema é o cerco que a mídia nacional teria feito ao presidente.

    Como podemos entender tamanha oposição?

    Dentre os vários motivos apontados pelos pesquisadores, dois merecem nossa atenção. Por um lado, como já salientamos, são apontados motivos políticos. O histórico de longos conflitos entre Vargas e os grandes jornais brasileiros, especialmente durante a ditadura do Estado Novo – período em que Getúlio procurou controlar a imprensa –, teria gerado grande animosidade dos jornais com o político gaúcho. Classificado seguidamente como ex-ditador, caudilho, demagogo e populista, Vargas representaria os principais males da política brasileira, devendo, assim, ser combatido a todo custo. Somando-se a isso a afinidade desses impressos com a UDN, cujo candidato à Presidência recebeu o apoio da maioria dos diários cariocas nas eleições de 1950, teríamos, então, o quadro que explicaria o posicionamento dos jornais.

    Por outro lado, a ênfase é dada nas divergências programáticas. Segundo esta explicação, a principal causa da forte oposição dos jornais a Vargas seria uma profunda incompatibilidade entre o programa econômico implementando pelo presidente em seu Segundo Governo e aquele que era defendido pelos grandes diários do Rio de Janeiro. Por essa linha de interpretação, Vargas teria levado adiante na sua volta ao Catete um programa nacionalista e, para alguns, popular. Esse projeto era baseado em uma ampla intervenção do Estado na economia e em uma forte hostilidade ao capital estrangeiro, tendo como objetivo promover o desenvolvimento de um capitalismo autônomo no Brasil. Já a grande imprensa seria liberal ou neoliberal e, por isso, advogava o mínimo de intervenção estatal na economia e o máximo de liberdade ao fluxo de capital e mercadorias no comércio exterior. Com isso, o país atrairia mais investimentos estrangeiros e poderia tirar melhor proveito das trocas internacionais, exportando o que produzia melhor e mais barato (bens primários) e importando aquilo que produzia com menos qualidade e com maior preço (bens manufaturados).

    Alguns autores procuraram explicar melhor estas teses associando as posições de Vargas e da imprensa a grupos econômicos e sociais que se enfrentavam no período. Nessa ótica, o governo de Getúlio seria sustentado por uma aliança entre a burguesia nacional e as massas trabalhadoras urbanas. Já a grande imprensa era representante do capital estrangeiro investido ou interessado em investir no Brasil, do comércio de importação-exportação e, ainda, do setor agrícola voltado para o mercado externo. Para muitos analistas, estes grupos financiavam os jornais ou mesmo os corrompiam, determinando, dessa maneira, o ponto de vista que a imprensa deveria defender. Essa interpretação é muito difundida e, com algumas variações, a mais empregada para a compreensão do posicionamento da imprensa no período. Entretanto, apresenta alguns problemas que exigem um exame mais acurado.

    Primeiro, não existem pesquisas específicas que tenham testado a sua validade. Ela é, na verdade, muito mais decorrente de observações gerais sobre a imprensa e de relatos de personagens da época do que de análises concretas sobre o conteúdo dos jornais.

    Segundo, essa tese – e a maior parte dos trabalhos que a sustentam – é baseada em uma concepção bastante redutora do papel da imprensa no debate público, normalmente limitada à condição de porta-voz dos grupos dominantes. Por ela, as tomadas de posição dos jornais devem ser sempre interpretadas como a defesa dos interesses econômicos ou políticos daqueles que financiam as publicações ou que têm poder de influência sobre elas. Situação que seria mais grave nos anos 50, quando o jornalismo brasileiro ainda não havia adotado os princípios de neutralidade e objetividade da imprensa anglo-saxônica, sendo formado por jornais partidários, cuja linguagem e linha de conduta se confundiam e se subordinavam à política.

    Ao nosso entender, essa forma de compreensão da imprensa e de sua relação com outras instâncias sociais é bastante discutível. Algumas análises mais recentes têm demonstrado (Lavínia RIBEIRO; ABREU & LETTMAN-WELTMAN), por exemplo, que os grandes jornais brasileiros dos anos 50 já apresentavam maneiras próprias de inserção no espaço público, não podendo ser considerados apenas suporte do discurso de poder de outras instâncias sociais.

    Terceiro, a década de 1950 é considerada, pela historiografia especializada em economia, como um período de grandes transformações no Brasil. Conforme muitos autores (BIELSCHOWSKY, FONSECA, BASTOS, DRAIBE, etc.), no Segundo Governo Vargas, foram esboçadas as bases teóricas, programáticas e institucionais de um projeto desenvolvimentista, que tentou promover a industrialização planejada da economia brasileira. Embora esse programa tivesse como alicerce a ampliação do papel do Estado, ele não era hostil ao capital estrangeiro, desejando contar com o seu apoio para investimentos em infraestrutura e na produção de bens de consumo. Por essa corrente, Vargas apenas preferia evitar inversões privadas estrangeiras em setores estratégicos da economia (petróleo, hidroeletricidade), dando prioridade para o capital público de agências como o Banco Mundial e o Eximbank. Dessa forma, tais autores classificam o programa varguista como nacional-desenvolvimentista e o colocam como fundamental para o progresso brasileiro dos anos posteriores, não havendo grande ruptura entre este projeto e o levado adiante por JK na segunda metade da década de 50.

    Ora, se aceitarmos essa argumentação e mantivermos a interpretação de que a grande imprensa se opôs a Vargas por causa de seu programa econômico, seremos obrigados a concordar que, ao fazer isso, os grandes jornais se opuseram às bases do nacional-desenvolvimentismo e, assim, ao próprio processo de crescimento do Brasil no período. Além disso, deveríamos igualmente aceitar que ela se opôs à burguesia industrial brasileira, a grande beneficiária e o suporte social desse programa. Mas seriam plausíveis essas conclusões? Mais uma vez não dispomos de pesquisas específicas sobre esse ponto, ou seja, sobre qual foi a posição dos nossos grandes jornais frente ao programa nacional-desenvolvimentista como um todo e que, conforme as palavras de BIELSCHOWSKY, estava se tornando hegemônico no período.

    Em consequência, as três questões levantadas acima permitem justificar o estudo sobre o posicionamento dos principais jornais cariocas a respeito do programa econômico do Segundo Governo Vargas. Tal pesquisa, além de nos permitir uma noção mais clara acerca da posição da grande imprensa do Rio de Janeiro frente a este governo, ainda pode elucidar melhor sobre a visão desses impressos acerca das mudanças em curso e do projeto desenvolvimentista.

    Para dar conta dessas questões, procuramos analisar como os principais jornais cariocas classificados como liberais abordaram as ações do Governo Vargas na condução de sua política econômica, no período de janeiro de 1951 até agosto de 1954. Entendendo por ações tanto as propostas e as medidas próprias do Executivo quanto as reações a situações impostas a ele. Para realizar esta tarefa, delimitamos um universo composto por quatro jornais da Capital Federal: O Globo, Correio da Manhã, O Jornal e Jornal do Brasil. Esta escolha se ancorou em três critérios básicos.

    Primeiro, selecionamos apenas jornais que pertenciam à grande imprensa da época e que eram identificados ou se identificavam como liberais[ 1 ], conjunto de impressos que se constitui no mais indicado para se verificar a pertinência ou não da explicação que aqui queremos avaliar. Segundo, escolhemos somente periódicos do Distrito Federal, porque, além de serem os mais influentes no país, ainda não foram objeto deste tipo de estudo, como ocorreu com O Estado de S. Paulo.[ 2 ] Terceiro, utilizamos um critério qualitativo de representatividade para os jornais selecionados, quer seja pelo histórico de atuação e de influência na esfera pública brasileira – como eram os casos do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil – quer seja pelo possível impacto ou abrangência que suas tomadas de posição podiam atingir – como eram os casos do O Jornal, órgão-líder da cadeia dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, o mais importante conglomerado de comunicação no país, e do O Globo, o diário de maior tiragem entre todos os selecionados.

    Como não era possível nem desejável fazer uma leitura completa de todas as edições desses impressos durante o mandato de Vargas, a nossa pesquisa seguiu um roteiro de itens previamente selecionados. Este roteiro foi composto por uma amostragem qualitativa das principais ações, propostas e reações do governo nos temas essenciais de sua política econômica. A escolha dos itens partiu da avaliação da bibliografia especializada no assunto e das fontes primárias consultadas (discursos e propostas do governo) e a seleção dos pontos teve como objetivo compor um itinerário de pesquisa ao mesmo tempo sucinto e representativo. Porém, este itinerário serviu apenas como um guia inicial de pesquisa e foi modificado e adaptado na medida em que a própria leitura dos jornais nos indicava temas relevantes para serem trabalhados e que não eram enfatizados pela historiografia.

    Iremos apresentar aqui os resultados obtidos com base em duas grandes categorias presentes no roteiro originalmente elaborado: de um lado, as principais medidas e projetos concernentes à estabilidade econômica e às questões cambiais e de fluxos de capital (Lei do Câmbio Livre, Instrução 70 da Sumoc[ 3 ] e o Decreto no 30.363, sobre reinvestimento de capitais); de outro lado, as medidas/ações relativas ao programa de desenvolvimento econômico do governo (Plano de Reaparelhamento, BNDE, Petrobras, Eletrobras). Para levar adiante essa investigação, a pesquisa procurou abarcar tanto o espaço informativo (reportagens, matérias, entrevistas) quanto o espaço opinativo (editoriais e colunas não assinadas) dos jornais. Em virtude do nosso objetivo central – identificar o posicionamento oficial dos órgãos de comunicação selecionados – demos preferência para a coleta e para a análise dos editoriais. As matérias e reportagens foram empregadas de forma complementar ou quando não havia posicionamento direto dos impressos. Foram empregadas também para confirmar a convergência de posição entre o espaço informativo e o opinativo em um mesmo jornal. Igualmente utilizamos o material informativo para verificar o destaque e a visibilidade recebida por um determinado tema entre os diários pesquisados.

    Com o objetivo de superar as dificuldades teóricas na abordagem da imprensa brasileira da década de 1950, buscamos alternativas conceituais no aporte de Pierre BOURDIEU. Este autor apresenta uma visão geral sobre a relação histórica entre o jornalismo e a política a partir da noção de Campo de Produção Ideológica (CPI). Desenvolveu essa categoria para dar conta do espaço de debate que emerge nas sociedades contemporâneas ocidentais. Segundo BOURDIEU, o CPI é um espaço de conflito no qual se disputa a visão mais legítima sobre os assuntos politicamente relevantes, em que projetos e programas de ação são legitimados ou desautorizados no debate público. Entretanto, mesmo que o CPI possa realizar o que o autor chama de função ideológica – ou seja, ter um papel significativo no processo de legitimação dos grupos sociais e seus projetos de poder –, esse processo passa por uma série de mediações, devendo incorporar os interesses específicos e a lógica interna aos produtores culturais.

    Para dar conta da atuação do jornalismo no CPI, BOURDIEU emprega o conceito de campo jornalístico. Com base nele, devemos entender que o universo dos jornais não é homogêneo e unificado e sim um espaço de luta, no qual se dá uma série de conflitos entre agentes, ideias, programas e projetos que buscam legitimidade social. Além disso, para o autor, a atividade jornalística e a atividade política estão bastante imbricadas, mas ocupam funções diferentes. Mesmo que o campo político possa, por vezes, ter uma predominância sobre o campo jornalístico, não é possível falar em subordinação. Na verdade, campo político e campo jornalístico também estão em disputa pela condição de porta-voz mais autorizado do corpo social, o que gera muitos conflitos entre os seus agentes. Por fim, devemos lembrar que o campo jornalístico, diferentemente do campo acadêmico ou da arte erudita, apresenta um dos mais baixos graus de autonomia, na medida em que está sempre obrigado a lidar com uma série de pressões externas: do campo político (Estado), do campo econômico (anunciantes) e do universo de leitores. Por isso, devemos considerar as tomadas de posição dos agentes do campo jornalístico sempre como estratégicas, ou seja, como uma alternativa para lidar com uma série de pressões e demandas contraditórias entre si (uma ação que agrada os anunciantes pode desagradar os leitores, etc.).

    Com base nessas reflexões, submetemos o material levantado em nossa pesquisa a uma série de perguntas, organizadas em três seções principais:

    Qual foi o posicionamento de cada jornal frente aos principais pontos da política econômica do Governo Vargas? É possível constatar uma oposição sistemática a este programa? Em caso negativo, em quais pontos houve convergência e em quais houve divergência entre os jornais e o programa varguista? De outra parte, podemos falar de um posicionamento uniforme entre os diversos periódicos analisados? Em caso negativo, quais foram as principais divergências/convergências entre eles? Nos termos de BOURDIEU, que relações podemos encontrar entre campo jornalístico e campo político nesta questão?

    Podemos identificar uma linha de pensamento econômico coerente para avaliar os pontos selecionados do programa de Vargas e, em caso positivo, qual foi ela? Como esta postura se enquadrava no debate sobre o desenvolvimento brasileiro no período estudado? Em outras palavras, seguiram uma linha liberal e ortodoxa e, assim, contrária ao processo de industrialização acelerada? E, como no item anterior, é possível falar em um posicionamento uniforme? Se houve diferenças entre os jornais, quais foram elas?

    A partir do próprio universo textual dos jornais, é possível perceber como os impressos escolhidos procuraram se inserir no debate em questão? É possível identificar as relações que se estabeleceram entre os agentes do campo jornalístico e os agentes do campo político e econômico, cujos interesses estavam envolvidos nos programas do governo? Essas relações podem ser compreendidas com base na ideia de subordinação da imprensa aos demais poderes sociais, expressada na condição de simples porta-voz de grupos externos, ou podemos encontrar outras formas de inserção da imprensa no debate público? Por fim, partindo da condição do campo jornalístico com baixo grau de autonomia, quais foram as estratégias adotadas pelos jornais para dar conta dessas diferentes demandas externas?

    Por fim, a apresentação dos resultados deste trabalho neste livro foi organizada em quatro capítulos distintos.

    No Capítulo 1, apresentamos um apanhado geral da imprensa carioca nos anos 50, analisando o universo dos jornais e as suas relações gerais com outros espaços. Apresentamos também uma avaliação das principais interpretações sobre a relação dos grandes diários do Rio de Janeiro com o Segundo Governo Vargas. Depois, expomos algumas alternativas teóricas que nos permitiram uma compreensão diferente dessa imprensa através do aporte de BOURDIEU. Por fim, dedicamo-nos a analisar com mais detalhes os quatro impressos aqui estudados e seu papel no universo jornalístico brasileiro do período.

    No Capítulo 2, estabelecemos uma visão geral dos principais itens sobre o debate estabelecido no Brasil a respeito da melhor alternativa para o desenvolvimento do país, dando ênfase especial à proposta de industrialização acelerada, procurando distinguir as correntes doutrinárias que se enfrentavam no período. Depois, fizemos uma análise sobre a historiografia do Segundo Governo Vargas a fim de compreender como podemos enquadrá-lo nesse debate.

    No Capítulo 3, analisamos as medidas de Vargas sobre o controle da inflação e da instabilidade financeira, bem como os problemas cambiais e o fluxo de capital. Nosso objetivo foi analisar a forma como os diários se posicionavam frente a estes temas, que envolviam desde a possível identificação de uma linha ortodoxa nas ações do Executivo, até a discussão sobra a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e a necessidade ou não da industrialização.

    No Capítulo 4, analisamos as mais importantes ações na área do planejamento econômico do Governo Vargas (Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e Assessoria Econômica para a Presidência da República) e os seus programas de reaparelhamento e desenvolvimento, especialmente no setor de energia. O nosso objetivo foi verificar a posição dos jornais sobre cada um desses programas e, em particular, qual concepção – ou concepções – de Estado é possível identificar a partir das suas tomadas de posição.

    ***

    Não poderia terminar esta introdução sem fazer alguns agradecimentos e homenagens a instituições e pessoas que muito contribuíram para que este trabalho fosse levado adiante e atingisse os seus resultados, inobstante os seus prováveis defeitos, todos eles de inteira responsabilidade do autor do livro.

    De início devo agradecer à PUCRS pela oportunidade que me ofereceu para desenvolver esta pesquisa, à qual eu devo boa parte da minha formação como pesquisador e professor. Ao CNPq, por ter permitido condições para o financiamento do trabalho. E à Fundação Biblioteca Nacional (FBN) que franqueou o acesso ao seu acervo e facilitou o quanto foi possível a consulta da sua documentação sobre os jornais.

    Dentre as pessoas envolvidas neste trabalho – mesmo que, muitas vezes, a despeito da sua própria vontade –, devo especial agradecimento e, acima de tudo, reconhecimento pela competência e empenho ao professor Helder Gordim da Silveira, cuja orientação e estímulo foram fundamentais durante todo o processo de elaboração desta pesquisa.

    Devo igualmente fazer referência aos membros da banca, Dra. Luciana Murari, Dr. Luciano Arone Abreu, Dr. René Gertz e Dr. Marco Antônio Villa-Lobos, cujas perguntas, sugestões e críticas contribuíram decisivamente para que este trabalho avançasse na densidade e na qualidade dos resultados que agora se apresentam.

    Uma lembrança imprescindível deve ser feita aos amigos Nádia Comerlato e Ricardo Michel cuja acolhida no Rio permitiu que os dias de pesquisas nesta cidade se tornassem menos árduos e mais agradáveis.

    Indiscutivelmente, devo aos meus pais, Maria Iara e Hermínio Martins, eterna e impagável dívida na minha formação e em toda a trajetória que deram bases para que este livro realmente pudesse ser feito.

    E, finalmente, à Nair, minha esposa, cujo apoio e incentivo fizeram com que este livro fosse possível e cuja presença ao meu lado fez com que esta etapa da minha vida tivesse sentido. Sem contar as noites de diálogos e leituras do texto original, momentos responsáveis para que ele viesse ao público um pouco mais palatável à leitura.

    Notas


    [ 1 ] Todos os jornais citados eram de circulação diária e regular e apresentavam tiragem entre 60 e 100 mil exemplares/dia, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Imprensa – 1950 a 1957, publicados em Ana Paula Goulart RIBEIRO (Imprensa e História no Rio de Janeiro dos anos 50. Rio de Janeiro: E-papers, 2007, p. 60), e eram identificados ou se identificavam como liberais. Dessa amostra, ficaram de fora jornais de grande circulação que não se identificavam ou podem ser considerados propriamente liberais do ponto de vista do seu posicionamento em economia política, como a Última Hora e o Diário de Notícias, e jornais que eram identificados como liberais, mas que tinham baixa tiragem, como a Tribuna da Imprensa.

    [ 2 ] SARETTA, F. O Jornal O Estado de São Paulo e Getúlio Vargas: política e economia (1951-1954). In: IX ENCONTRO NACIONAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA POLÍTICA, 2004, Uberlândia. Anais... Uberlândia, 2004, v. 1, p. 1-20.

    [ 3 ] Superintendência da Moeda e do Crédito do Banco do Brasil.

    1

    IMPRENSA, POLÍTICA E PROGRAMA ECONÔMICO

    NO SEGUNDO GOVERNO VARGAS

    1. 1 Imprensa carioca nos anos dourados do jornalismo brasileiro

    Os anos 50 são considerados um período de grande dinamismo para os meios de comunicação brasileiros e, especialmente, da cidade do Rio de Janeiro, principal centro urbano e caixa de ressonância dos grandes acontecimentos culturais e políticos do país.

    Nessa década, o rádio atinge o seu momento áureo. As radionovelas e os programas de auditório garantem a este veículo uma penetração social e uma abrangência territorial inigualáveis no Brasil, país que ainda não dispunha de um sistema de comunicação nacional. A televisão, por sua vez, começa a dar os seus primeiros passos, guiada pelo megaempresário Assis Chateaubriand, que, não satisfeito em possuir a maior rede de jornais e revistas entre nós, funda também a TV Tupi, em 1950.

    Apesar da importância e do poder de difusão de informações e de ideias desses veículos, quando o tema é o jornalismo, porém, o eixo de análise se desloca do rádio – mais voltado para o entretenimento – e da TV – ainda no nascedouro – para a imprensa escrita, em especial, os grandes jornais diários.

    Durante o Segundo Governo Vargas, uma ampla variedade de impressos circulava diariamente pela cidade do Rio de Janeiro. A cada manhã, várias folhas com significativa tiragem, como o Correio da Manhã, O Jornal, o Diário Carioca, o Jornal do Brasil e o Diário de Notícias, eram colocadas à disposição da população carioca, enquanto à tarde, alguns vespertinos, dentre eles o recém-criado Última Hora e o já estabelecido O Globo, disputavam esquina a esquina a preferência do leitor. Com menos regularidade e menor penetração, os pontos de venda ainda recebiam publicações de baixa circulação, voltadas para públicos específicos, que procuravam oferecer informações sobre um tema particular (Jornal dos Sports), difundir uma causa (O Radical) ou representar um grupo social, étnico ou profissional (Diário Trabalhista, A Voz de Portugal, Jornal Israelita). Toda essa profusão de impressos caracterizava um pungente jornalismo carioca dos anos 50 pela sua considerável variedade de títulos, que, em 1953, por exemplo, apresentava 29 publicações diferentes, mais de 10% do total de jornais editados no Brasil à época, que era de 254.[ 4 ]

    Os historiadores especializados na imprensa brasileira, entretanto, têm alegado que, apesar desse número de impressos, o jornalismo carioca – e brasileiro – tinha como uma das suas fragilidades a baixa tiragem, pois, raramente uma publicação atingia a marca de 100 mil exemplares/dia,

    o que normalmente só ocorria na edição especial de domingo.[ 5 ] Em média, os grandes jornais ficavam na casa dos 50 mil, sendo raros os que ultrapassavam esse limite. Isso pode ser considerado muito pouco, se comparado aos principais centros culturais e econômicos mundiais, como Paris e Nova Iorque, onde os diários podiam chegar perto de 500 mil exemplares em um único dia.[ 6 ]

    A pouca tiragem dos jornais brasileiros em relação aos países do centro do capitalismo é explicada pelos especialistas por três fatores básicos: o baixo índice de alfabetização e de escolaridade da população brasileira, que atingia níveis bem inferiores aos das nações desenvolvidas;[ 7 ] o precário desenvolvimento econômico com consequente renda média limitada, o que era agravado pela excessiva concentração dos ganhos; e a carência em infraestrutura, como meios de transportes e comunicação rápidos, baratos e eficientes. Esses três elementos em conjunto afetavam diretamente a imprensa brasileira porque restringiam o mercado potencial de leitores – tanto socialmente quanto geograficamente – e enfraqueciam a sua capacidade de financiamento através da publicidade comercial. Como lembram muitos autores, o surgimento das grandes empresas jornalísticas nos países capitalistas modernos esteve diretamente ligado ao desenvolvimento econômico e, em especial, à industrialização, que ampliou o público leitor e disponibilizou uma plêiade de companhias produtoras e vendedoras de bens de consumo interessadas em divulgar esses artigos entre os seus possíveis compradores.[ 8 ]

    Nos últimos anos, porém, alguns pesquisadores, como Ana Paula RIBEIRO, têm relativizado esta crítica, lembrando que, nesses centros, a imprensa já passava por um processo de concentração em grandes empresas. Assim, se a tiragem era maior, o número de jornais estava ficando cada vez menor, diminuindo a sua variedade, enquanto que, no Rio de Janeiro, esse fenômeno ainda não tinha se consolidado, permitindo uma oferta mais diversificada à disposição do leitor.

    Por outro lado, não deve ser esquecido que a cidade do Rio de Janeiro configurava um caso especial. Capital da República e dispondo de um dos melhores níveis de renda nacional e do maior índice de alfabetização, o Distrito Federal demonstrava, segundo os dados levantados por André de HONS, uma oferta per capita de exemplares de jornal bastante singular: enquanto, no Brasil, em 1954, eram 37 exemplares diários por cada mil habitantes e São Paulo, centro econômico da nação, tinha uma cifra de 100, na capital do país, atingia-se o número de 194, ou seja, quase o dobro da metrópole paulista e cerca de um exemplar de jornal para cada cinco moradores da cidade.

    A forte presença da imprensa na sociedade carioca em comparação ao resto do Brasil contribuía para tornar os grandes jornais do Rio de Janeiro, aliados a impressos ditos alternativos – como a Revista do Clube Militar e o Jornal de Debates –, em um dos principais espaços de discussão sobre os temas mais essenciais do país. Além disso, por se localizarem na Capital da República, cidade de grande tradição cultural e política nos anos 50, estas publicações vão pretender assumir o papel de uma verdadeira imprensa nacional, dando prioridade, nas suas páginas, a assuntos internacionais e à política brasileira, em especial às ações da Presidência da República e das diferentes instituições representativas do país. E, mesmo que os grandes jornais tivessem baixa penetração nas camadas de menor renda, eles tinham enorme repercussão sobre a própria elite política, econômica e cultural, cujas tomadas de posição, muitas vezes, levavam em conta a sua possível repercussão na imprensa do Rio.[ 9 ]

    Outro ponto importante a considerar é que, embora apresentasse limites estruturais sérios, o mercado do jornalismo impresso estava em plena ascensão no Rio de Janeiro. Entre os anos de 1940 e 1950, muitas publicações novas foram criadas na cidade, como a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, e a inovadora Última Hora, de Samuel Wainer. De modo geral, os jornais mais tradicionais também estavam aumentando as suas tiragens e, por conta disso, o seu rendimento. Segundo os dados disponíveis, na década de 1940, a média diária de exemplares de jornal na Capital da República era de aproximadamente 600 mil; no ano de 1952, essa média vai ultrapassar a casa de 1 milhão, para atingir 1,2 milhão, em 1956, ou seja, dobrando em cerca de uma década.[ 10 ]

    A explicação para essa mudança apresenta diferentes aspectos. Um deles é o próprio retorno ao regime democrático e, por consequência, o restabelecimento da liberdade de imprensa. Embora a política desenvolvida pelo Estado Novo em relação às empresas jornalísticas não tenha sido apenas cerceadora e repressora, alguns analistas salientam que o ambiente de democracia política permitiu muito mais oportunidades para inovação e renovação jornalística, com a oferta de novos jornais e de novos produtos (cadernos de cultura, cadernos de esportes, diários voltados para as camadas mais populares, etc.).[ 11 ]

    Outro fator esteve no desenvolvimento econômico do país. Como veremos no capítulo seguinte, embora ainda com grande defasagem ante o centro do capitalismo mundial, nos anos do pós-guerra, a economia e a sociedade brasileira vão passar por profundas transformações, com uma das melhores médias do crescimento do PIB e da indústria de bens de consumo entre as nações subdesenvolvidas. Isso aumentou o emprego urbano, incrementou a renda nacional e ampliou os ganhos em salários, especialmente das camadas médias urbanas. Entre os anos 40 e 60, a população urbana quase dobrou e o índice de escolaridade, apesar de ainda baixo, praticamente triplicou.[ 12 ] Todos esses elementos somados nos permitem compreender a enorme ampliação do mercado potencial para o jornalismo impresso, ao menos até o momento em que este irá começar a perder terreno para o televisivo, mas isso só viria a ocorrer nas décadas de 60-70.

    Os jornais cariocas aproveitaram bem essa nova dinâmica. Segundo Ana RIBEIRO, as verbas de publicidade, até então relativamente modestas na composição das rendas de um jornal, passaram a ocupar parte significativa das fontes de financiamento dos meios de comunicação. De 1947 a 1953, conforme a autora, o volume investido em publicidade nos jornais e nas revistas aumentou cerca de 400% (2007, p. 179). Nos anos 50, apesar da importância da radiodifusão e do surgimento da televisão, era para os jornais de grande circulação que esse crescimento mais se direcionava. Em 1954, a grande imprensa[ 13 ] carioca abocanhou 35% da verba publicitária aplicada nos meios de comunicação do Rio de Janeiro, enquanto às revistas restou 13,3%, e ao rádio e à televisão, 25%.

    Por essas razões, não é de estranhar que a renda em publicidade passava a compor uma parte cada vez mais expressiva das receitas dos jornais, muito embora a carência de dados confiáveis não nos permita fazer afirmações mais precisas. Apenas para ilustrar, Ana RIBEIRO comenta o balanço publicado pelo Correio da Manhã, em 1959, em que consta que este impresso teria faturado Cr$ 7,4 milhões em assinaturas, Cr$ 24,8 milhões em venda avulsa e Cr$ 236 milhões em publicidade, obtendo um lucro declarado de Cr$ 16 milhões.[ 14 ]

    Conforme Ana RIBEIRO (2007) e SÉGUIN DES HONS, a migração das receitas dos jornais para a publicidade, porém, acabou por provocar mudanças estruturais na imprensa carioca. No período do pós-guerra, as verbas publicitárias começaram a se concentrar, cada vez mais, em agências, quase todas estrangeiras, que eram 56, em 1940, e chegaram ao total de 300, no final dos anos 50. Essas agências passaram a aplicar métodos mais modernos de gerenciamento dos recursos de seus clientes, não apenas preparando o material publicitário, mas estabelecendo critérios mais objetivos na distribuição das verbas, os quais levavam em conta o público atingido por uma publicação, tanto em termos de qualidade (ou seja, as camadas sociais em que ele penetrava com mais força) quanto em termos de quantidade (a sua capacidade de divulgação). O uso desses critérios gerou um processo de concentração das empresas jornalísticas, na medida em que os grandes jornais e os conglomerados de comunicação passaram a receber o grosso dos recursos, enquanto os impressos de menor porte foram sendo paulatinamente excluídos.

    Jornais como O Globo (Cr$ 35,9 milhões), Correio da Manhã (Cr$ 27,5 milhões), Diário de Notícias (Cr$ 20,5 milhões), Jornal do Brasil (Cr$ 20 milhões) e O Jornal (Cr$ 19,8 milhões) aumentaram as suas receitas e especialmente abocanharam as principais fatias desse bolo, ocupando o topo da tabela em faturamento publicitário em 1950. O resultado foi que, entre os anos de 1953 e 1960, o total de jornais diários no Rio de Janeiro passou de 29 para 18, diminuindo cada vez mais nos anos seguintes.[ 15 ]

    Outro aspecto interessante diz respeito ao tipo de produto anunciado, ou seja, quem bancava esta verba publicitária. Segundo análise de Ana RIBEIRO, comentando os dados do ano de 1953, o grosso da publicidade na imprensa carioca era feito por empresas estrangeiras, que contratavam agências também estrangeiras para produzir e distribuir os seus reclames. Além disso,

    na primeira metade da década de 50, os maiores anúncios eram de artigos de consumo diário, como produtos de higiene, medicamento, cigarros e bebidas. Panorama que mudou completamente na segunda metade da década, com o crescimento da indústria automobilística.[ 16 ]

    Essas alterações estruturais envolveram importantes mudanças materiais e editoriais na grande imprensa. O período dos anos 50 foi de extrema renovação do maquinário gráfico e até das sedes físicas dos jornais cariocas. Seguindo o embalo do crescimento industrial do país no pós-guerra e da reabertura do mercado internacional para a importação dos equipamentos de impressão, alguns dos maiores jornais do Rio procuraram renovar as suas oficinas, importando novas rotativas e incorporando novas tecnologias, como foi o caso de O Globo, do Correio da Manhã, de O Jornal e do Diário Carioca, entre outros.

    Para que isso fosse possível, teve fundamental importância o crescimento do mercado de leitores e da publicidade, que permitiu suporte econômico para as publicações se aventurarem nesses investimentos, que retratamos antes. Entretanto, contribuiu ainda significativamente a posição dos governos de Dutra e de Vargas, que facilitaram essa dinamização com uma política de favorecimento à imprensa brasileira. Uma dessas políticas dizia respeito à importação não apenas de máquinas e equipamentos, como também de papel. Nesse período, o papel empregado pelos grandes jornais nacionais era praticamente todo importado e, dessa maneira, o crescimento dos impressos dependia muito da liberalização da sua compra no exterior. Por isso, os jornais acabaram saindo beneficiados da política brasileira de valorização cambial e de seletividade das importações, estabelecida depois de 1947.[ 17 ]

    Outro auxílio importante fornecido pelo governo esteve nas facilidades de crédito para a importação de maquinários, ocorrida com particular intensidade durante a gestão do primeiro presidente do Banco do Brasil (BB) no Segundo Governo Vargas, Ricardo Jafet, que manteve uma criticada política de extensão creditícia, em pleno período de combate à inflação. Muitos jornais receberam dinheiro emprestado a juros baixos e longos prazos de amortização, podendo ainda oferecer como garantia dos empréstimos o próprio maquinário a ser importado ou equipamentos obsoletos, dos quais desejavam se livrar.

    Quando estourou o escândalo envolvendo o jornal Última Hora, em 1953, e uma CPI passou a investigar o esquema de financiamento dessa publicação com dinheiro público, abriu-se a caixa-preta dos créditos à imprensa feitos pelo BB e descobriu-se, não com certo espanto, que boa parte dos grandes impressos também era devedora do banco, sendo que os maiores benefícios não tinham sido feitos ao jornal de Samuel Wainer, mas à cadeia Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e ao jornal O Globo. Apenas as empresas de Roberto Marinho tinham obtido, entre os anos de 1950 e 1953, mais de 1 milhão de dólares em créditos, em valores correntes, com os quais compraram três máquinas off set (para imprimir em uma, duas e quatro cores) e uma rotativa Hoe, último tipo, tendo oferecido, como garantia, uma antiga rotativa Goss.[ 18 ]

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