Escritos do confinamento
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Sobre este e-book
Ao aproveitar o período de reclusão em decorrência da pandemia, descobri que o tempo ocioso descortinava uma oportunidade de me livrar dos dias apressados da vida moderna, quando havia pouco espaço para perceber o acontecer da vida. O tempo volta a ser meu aliado e o desafio que se apresenta agora é o de encontrar uma atividade para aproveitá-lo. Decidi, então, enfrentar o "perigo" de escrever sobre o que vi, o que vivi e o que aprendi. Temas que considero relevantes na atualidade relacionados ao colonialismo, extinção de povos pré-colombianos, meio ambiente, guerra e paz, o sagrado, precarização do mercado de trabalho, dentre outros. Ideias, crenças e convicções, contaminadas pela minha infância vivida na roça e pelo privilégio de ter tido acesso ao conhecimento universitário.
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Escritos do confinamento - Mauro Leite Teixeira
De Primeiro
O alçapão de minha memória se abriu e o belo pássaro da juventude voou e pousou nas minhas lembranças trazendo recordações dos tempos idos, quando cheguei à cidade, do interior, para estudar. Vinha do campo lá onde o dono do tempo era a natureza e seus ciclos, longe das terras civilizadas, sem rádio e nem notícias
. Não sabia nem da Copa do Mundo em 1950 no Maracanã. Maracanã para mim era uma ave, espécie de papagaio, que atravessava o vale em bandos e vinha pousar num pé de pau-d’alho perto do terreiro da casa, lá na roça.
Cresci no vale do Rio Doce, região coberta pela Mata Atlântica, caracterizada pela variedade e exuberância de suas espécies. Ainda menino presenciei o final de sua degradação. A derrubada de imensas árvores, a serem transportadas para uma serraria na cidade, era feita com machado. Deixava-me intrigado o fato de o som do machado golpeando a árvore no morro só ser ouvido no terreiro quando o machadeiro já estava com o machado levantado para outro golpe. Somente anos depois é que fui entender como a Física explica esse fenômeno.
O corte das imensas perobas e jequitibás demorava horas. Ficou agarrado na minha memória o rugido do tronco querendo resistir à queda e o barulho do seu tombo ao arrastar cipós e outros arbustos. O ronco da queda abria uma desastrada clareira na mata e despertava o voo apressado e o alarido estridente dos pássaros, assustados, como se algo de muito grave estivesse acontecendo. Com o passar os anos, o capinzal e as erosões existentes no local revelam que aquele mundo da antiga floresta ficou tão distante. Parece nunca ter existido. Algo de muito grave, de fato, acontecera.
Tempos depois, já adolescente, senti o que parece ser o desequilíbrio decorrente do processo de degradação da região ocasionado pelo desmatamento e uso inadequado da terra. Tempo das águas, e a chuva não vinha! O gado vagando à procura de capim, e a época do plantio atrasada. Poeira na estrada e nas vargens arenosas, os córregos secavam. O povo buscava nas suas crenças uma maneira de clamar aos céus o fim da estiagem. Acompanhei uma pequena romaria promovida pelo povo simples do lugar, que deveria cumprir a penitência de levar pedras na cabeça, do cruzeiro da capela para outro, na casa de Seo Domício – o morador mais antigo. A pequena procissão seguia cantando hinos religiosos. Estrada seca e o Sol a pino. O rezador tirando o canto e os penitentes respondendo. Garrafas d’água eram levadas por alguns para molhar o cruzeiro e assim chamar chuvas. Crenças e costumes do lugar.
Na obra A ferro e fogo, de Warren Dean² (apud COUTO, José Vieira), encontrei um relato que resume de forma mordaz o processo de destruição que se aplica no ocorrido no vale do Rio Doce, decorrente do desmatamento e do costume de usar o fogo na agricultura:
O naturalista mineiro José Vieira Couto descrevia o agricultor brasileiro ‘com um machado em uma das mãos e um tição na outra’ praticando uma ‘agricultura bárbara’ como alguém que olha para duas ou mais léguas de florestas como se fossem nada, e ele mal as reduziu a cinzas e já lança seu olhar ainda mais adiante para levar a destruição a outras partes; não nutre nem afeição nem amor pela terra que cultiva, tendo plena consciência de que provavelmente não irá durar para seus filhos.
2 WARREN, Dean. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.
O Sertão do Rio Doce
O vale do Rio Doce é também o berço dos aimorés/botocudos, e, nas minhas andanças na região, verifiquei que não ficou nem rastros daquela tribo. Darcy Ribeiro (1995)³ informa: Foi possível no passado liquidar os indígenas e a mais pungente floresta brasileira, a do vale do Rio Doce, convertida em ralas pastagens debaixo das quais a terra é uma ferida exposta à erosão
.
Carrego até hoje uma grande dúvida: Onde foram parar os aimorés? Só ficou o nome? Foram vítimas da amnésia histórica? Ao ler o livro de Jared Diamond⁴, Armas, germes e aços: os destinos das sociedades humanas, percebi que o desaparecimento daquela nação indígena está no contexto do processo de colonização ocorrido a partir do século XVI na América Latina. O autor busca entender a razão que levou as sociedades eurasianas no tempo de Colombo a dominar as sociedades ameríndias, e não o contrário.
Diamond defende que a produção de alimentos, germes, tecnologia (inclusive armas), organização política e escrita foram os principais fatores que influenciaram o resultado dos confrontos pós-colombianos. Entendo que Diamond não considerou a influência da religião, pois, no relato das obras em que aborda o conflito entre essas sociedades, esteve sempre presente a aliança entre a espada e a cruz.
O autor relata que o momento mais dramático nas relações subsequentes entre europeus e nativos americanos foi o primeiro encontro entre o