A literatura como reveladora das vozes sociais do nosso tempo
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A literatura como reveladora das vozes sociais do nosso tempo - André Plez Silva
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Revisão: Giovanna Ferreira
Capa: Matheus de Alexandro
Diagramação: Larissa Codogno
Edição em Versão Impressa: 2020
Edição em Versão Digital: 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Conselho Editorial
Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)
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Sumário
Folha de rosto
Apresentação
Os posicionamentos éticos e estéticos presentes nas obras de arte como reveladoras do social
André Plez Silva
Milena Moretto
1. A obra Quarup como reveladora do seu tempo: as marcas de um Brasil multifacetado
André Plez Silva
Milena Moretto
2. O mito da democracia racial em Jubiabá, de Jorge Amado
Evandro José dos Santos Neto
3. Pode o intelectual falar? Representações do outro em Carlos Drummond de Andrade
Moema de Souza Esmeraldo
4. Índios habitam o Brasil desde antes do Brasil
: literatura, resistência e luta pela terra – análise do livro Yvyrupa: a Terra uma Só, de Timóteo Verá Tupã Popygua
Larissa Alves Mundim
5. Direitos Humanos e Literatura: o eco do grito dos mudos
Gustavo Single de Aguiar
José Nogueira de Moraes
Egeslaine de Nez
6. A ambivalência do feminino e as possibilidades do regionalismo-universalismo em Lua Cambará
, de Ronaldo Correia de Brito
Giovanna de Araújo Leite
7. Contar é deixar aflorar corpos, vidas e histórias de si e do outro
Linda Maria de Jesus Bertolino
Rogério da Silva Lima
Sobre os autores
Página final
Apresentação
Os posicionamentos éticos e estéticos presentes nas obras de arte como reveladoras do social
Não existe nem primeira nem última palavra, e não existem fronteiras para um contexto dialógico (ascende a um passado infinito e tende igualmente a um futuro igualmente infinito.) Não existe nada morto de uma maneira absoluta: cada sentido terá sua festa de ressurreição. Problema do grande tempo. (Bakhtin, 1993)
No presente livro, procuramos selecionar estudos que revelassem o diálogo vivo que diferentes obras literárias e gêneros textuais e artísticos estabelecem com a cultura e a história, uma vez que se mostram como uma literatura engajada e de denúncia, surgida em épocas e contextos de ebulições políticas e de grande fragmentação intelectual, revelando-se como uma arte que visava à resistência.
Dessa forma, a obra possui um caráter interdisciplinar, ou seja, reúne estudos que analisam obras literárias brasileiras (romance e poema), a partir dos quais seja possível observar como o meio social de seu tempo influencia na obra, nos âmbitos político, econômico e social, fazendo assim uma ponte com o que vivemos atualmente. Por isso, primamos pelos estudos que analisassem a composição de diferentes textos, identificando tais gêneros como um fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal, o qual revela as vozes sociais do seu tempo, ou seja, que entendam a história não como uma série de fatos passados, mas que demonstrem a sociedade como uma ação em movimento, revelando que o passado nos ajuda a traçar as perspectivas do presente, reconhecendo as formas que insistem na manutenção da exploração, submissão e dominação.
Portanto, identificamos que os gêneros literários e demais gêneros artísticos, ligam-se ao tema Literatura como reveladora das vozes sociais do nosso tempo
, pois ambos estão inseridos em uma estratificação interna da linguagem, revelando a diversidade social e a divergência de vozes sociais que ele encerra. Assim, os estudos aqui reunidos são compostos por análises que demonstram períodos da cultura e da história brasileira de formas diversas, demonstrando, por exemplo, que a questão do estilo deriva justamente de seus imbricamentos históricos. Dessa forma, tal estilo se forma a partir de determinado momento histórico, sendo a marca legítima do estilo das pessoas, ou seja, se revelam como a marca cultural do Brasil.
Para Bakhtin, na obra Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1993), a constituição do romance possui um caráter pluridiscursivo, firmando na relação com o outro a exemplificação de que a arte participa de um movimento rumo à alteridade, em suas relações intrínsecas e extrínsecas entre a vida individual e o todo social, criando nessa interação um enlevo entre o romance e outros gêneros, tanto textuais quanto artísticos, bem como redes plurilinguísticas que revelam a interdependência entre o eu e o outro, dialogicamente imbricadas no contexto histórico a que pertencem.
Ao verificarmos a presença das interações dialógicas nas esferas da atividade humana, sobretudo na constituição dos gêneros discursivos, que para Bakhtin são infinitos, percebemos que o gênero romanesco e a lírica social-engajada, bem como outros gêneros artísticos de representação crítica, são os únicos capazes de explicitar o caráter de uma época e seu desdobramento futuro. Ainda assim, a arte engajada se mostra como a única capaz de sintetizar as representações culturais formadas ao longo do tempo, como também um embrião de procedimentos para composições futuras
, num diálogo transtemporal
que, representando o tempo presente, descobre um tempo que não é o seu
(Machado, 1990, p. 135).
Assim, percebemos que as obras selecionadas e suas análises se mostram pertencentes a um gênero em devir, ou seja, condicionadas a diversas transformações, evidenciando neste caráter multifacetado sua vitalidade e permutabilidade durante os séculos, perdurando no mundo moderno com toda a sua força e originalidade; tendência esta que o exonera de uma classificação exígua ou rígida, devido à sua fluidez dialógica, que interage com os discursos que o ladeiam.
Dessa forma, o romance e a lírica social-engajada, reúnem em si uma gama significativa de diferentes línguas e vozes sociais, revelando sua característica plurivocal. Portanto, o plurilinguismo configura-se como o discurso social que envolve todas as palavras, direcionadas a vozes alheias que habitam a consciência do artista da palavra.
O poeta, afinal, seleciona palavras não do dicionário, mas do contexto da vida onde as palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor. Assim, ele seleciona os julgamentos de valor associados com as palavras e faz isso, além do mais, do ponto de vista dos próprios portadores desses julgamentos de valor. (Bakhtin, 1926, p. 15)
Antonio Candido, um dos grandes teóricos literários do Brasil, demonstra que a literatura possui, como uma de suas principais características, a sua consciente função social e histórica, que o próprio denominou como literatura empenhada. Dessa forma, é importante analisar o papel histórico e político da literatura e demais expressões artísticas, na observação e discussão dos debates atuais, bem como no enfrentamento dos problemas sociais. Por isso, destacamos como ponto principal de nossa obra a possibilidade de analisar diferentes posicionamentos artísticos, gerando assim a consciência do direito e da importância de revelar as vozes sociais de nosso tempo presentes no campo artístico, retomando seu sentido universal, de estranhamento, de problematização, desautomatização e, por conseguinte, humanizador.
Dessa forma, no Capítulo 1, "A obra Quarup como reveladora do seu tempo: as marcas de um Brasil multifacetado", André Plez Silva e Milena Moretto analisam o processo estilístico do romance Quarup (1967), de Antonio Callado, que se insere no quadro da literatura produzida pós-64, a qual explora e expressa o meio social de seu tempo, ou seja, o conturbado período da Ditadura Militar no Brasil. Também como marca do estilo, procuraram evidenciar a dupla refração presente na obra, a partir dos estudos de Bakhtin sobre o fenômeno da autoria, em que a voz do autor-pessoa se refrata na voz do autor-criador, evidenciando que o romance de Callado é fruto da esfera jornalística e literária. Como objetivo específico verificou-se dialogicamente o percurso do herói Nando, sob o viés das relações dialógicas de Bakhtin, observando que a peregrinação do herói serviu como mote para a representação da identidade dos muitos brasis que o autor procurou recuperar a partir de ambientes específicos e recortes históricos, evidenciando o conceito bakhtiniano de cronotopo.
No Capítulo 2, "O mito da democracia racial em Jubiabá, de Jorge Amado", Evandro José dos Santos Neto nos apresenta a análise da representação do negro em Jubiabá, evidenciando a preocupação de Jorge Amado em discutir a violência disfarçada de igualdade racial e a real condição econômica e social de uma sociedade relativamente recém-egressa da escravidão, que concentrava riqueza e privilégios nas mãos de uma elite branca, criando assim, uma barreira intransponível entre brancos e negros. A falácia dessa igualdade racial fica mais perceptível no protagonista de Jubiabá, cujo processo de formação de caráter e consciência é acompanhado pelo leitor desde os primeiros anos de infância. É por meio de suas relações que nos é informado sobre a ausência de ações afirmativas que visassem à integração do negro e do mulato nessa nova ordem baseada no trabalho livre.
No Capítulo 3, Pode o intelectual falar? Representações do outro em Carlos Drummond de Andrade
, Moema de Souza Esmeraldo faz uma análise dos poemas O operário no mar
e Favelário nacional
, como também da crônica Debaixo da ponte
. A partir destas fontes literárias, a autora discute sobre o lugar do intelectual na contemporaneidade, bem como debate sobre a representação do outro na literatura drummondiana. Com isso, pretende-se um estudo que identifique nas palavras poéticas e prosaicas de Drummond, a descrição dos marginalizados
ou personagens subalternos
, demonstrando o projeto intelectual do poeta itabirano de uma aproximação do sujeito intelectualizado com a realidade desse outro que vive em uma situação periférica.
No Capítulo 4, Índios habitam o Brasil desde antes do Brasil
: literatura, resistência e luta pela terra – análise do livro Yvyrupa: A Terra uma só, de Timóteo Verá Tupã Popygua, Larissa Alves Mundim analisa não apenas histórias que fazem parte da cosmologia Guarani, mas apresenta uma arguta e ampla discussão sobre a face política da publicação do Cacique Popygua, em meio a discussões sobre demarcação de terras indígenas e a chamada
tese do marco temporal", interpretação jurídica que entende que apenas as terras ocupadas no momento da Constituição de 1988 seriam demarcadas, demonstrando que a ideia de territorialidade indígena é incompatível com a noção de propriedade legislada na Constituição.
No Capítulo 5, Direitos Humanos e Literatura: o eco do grito dos mudos
, Gustavo Single de Aguiar, José Nogueira de Moraes e Egeslaine de Nez, analisam o romance de Henrique Schneider, O Grito dos Mudos, sob a luz dos Direitos Humanos na Literatura. A ficção relata as vinte e quatro horas da vida de um trabalhador que sofre constante desrespeito à condição de ser humano. A literatura e sua interdisciplinaridade com os Direitos Humanos revelam como o protagonista da obra representa uma parte da sociedade, e como a busca por melhorias é antiga. A investigação revela que a literatura tem papel de vanguarda na demonstração do retrocesso das condições trabalhistas. Aborda-se o tema de maneira qualitativa, utilizando a pesquisa bibliográfica e o procedimento do método dedutivo. Destaca-se, finalmente, que é possível escutar o eco do Grito dos Mudos até os dias de hoje.
No Capítulo 6, A ambivalência do feminino e as possibilidades do regionalismo-universalismo em ‘Lua Cambará’, de Ronaldo Correia de Brito
, Giovanna de Araújo Leite discute como é possível mostrar as (con)tradições sociais por meio da literatura. Para isso, analisa a personagem Lua que, ao longo do conto, transgride a toda construção romantizada do ser mulher ou do feminino, ao mesmo tempo que deseja os sentimentos de afeto e amor. Discute ainda um regionalismo que, nos dizeres da própria autora, "transcende a geografia física do Nordeste, que mostra as enunciações presentes nos cantos, nas superstições, nos folclores não como algo passadista e cristalizado, mas como possibilidades de se analisar outras esferas do regional que