Egberto Gismonti, Academia de Danças: Entrevistas a Charles Gavin, Som do Vinil
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Pré-visualização do livro
Egberto Gismonti, Academia de Danças - Charles Gavin
Academia de danças
EMI Odeon, 1974
Direção de produção Milton Miranda
Direção musical Lindolfo Gaya
Produção Executiva Geraldinho Carneiro
Arranjos Egberto Gismonti
Regência Mario Tavares
Gravação Toninho
Design da capa Lula Lindberg
Música Egberto Gismonti
Letras Geraldinho Carneiro
Músicos
Egberto Gismonti Piano acústico, piano elétrico, órgão, sintetizadores, violão, flauta indígena, apitos e voz
Luiz Alves Baixo
Robertinho Silva Bateria
Tenório Junior Piano elétrico em Jardim dos prazeres
Danilo Caymmi Flauta
Paulo Guimarães Flauta
Dulce Bressane Voz
Egberto Gismonti
Fala um pouquinho então, Egberto, você saiu do Brasil e foi estudar na França.
Foi no início dos anos 1970. Na realidade eu não fui estudar na França. Fui porque teve o Festival Internacional da Canção, FIC, no Maracanãzinho, que eu participei com uma música chamada Sonho
. Que premiação não ganhou nenhuma, mas ganhou reconhecimento e um monte de gente começou a gravar. Pessoas com quem na época eu tinha uma relação mais intensa: Henry Mancini, essas coisas assim. E aí acabou que nesse festival veio uma atriz, francesa, chamada Marie Laforêt, que eu nem sabia que cantava. Eu sabia que ela existia, porque era uma das atrizes do cinema francês que eu gostava muito. Tinha ela, tinha Brigitte Bardot, eu e todo mundo. E ela ficava no Rio e disse assim: "Eu queria muito que você fizesse uns arranjos pro meu disco. Mal sabendo ela a idade que eu tinha e o absoluto desconhecimento dométier. Que a primeira vez na vida que eu toquei profissionalmente foi no Maracanãzinho. Aliás, tem cada história que aconteceu por causa desse festival, que deixa pra lá, mas enfim.
Você tinha quantos anos?
Vinte e poucos anos. [O festival foi em 1968, Egberto tinha 21 anos]. O arranjo que eu fiz tinha lá uma nota, para as cordas, era orquestra no festival. E eu fazia arranjo, porque eu tinha estudado em conservatório, o que não era normal. Ninguém estudava naquela época. Então, eu fiz o arranjo pra orquestra e a primeira leitura, que a orquestra fez dentro do Maracanãzinho. Leitura de ensaio. Os músicos de orquestra, as cordas, ao invés de mexer com arco pra dar a nota, como era muito longa essa nota, porque não acabava nunca, eles começaram a mexer com o violino, assim, uma espinafração violenta. E aí isso deu uma confusão danada e o Radamés Gnatalli chegou e tomou conta da situação e deu uma bronca danada nos músicos e disse: vocês não estão entendendo que essa nota tem uma relação com os acordes! Vocês não estão entendendo nada.
E antes disso ele me perguntava assim: quem que fez o arranjo?
. Eu dizia assim: Eu
. Ele disse: Não menino, você trouxe o arranjo. Quem que escreveu?
Eu dizia: Eu que escrevi. Se você escreveu isso aqui, como?
Aí ele mostrava assim. O que que é isso aqui?
Isso aqui é um clarinete
… Isso é muito engraçado pra mim, porque na minha cabeça que morava em Friburgo, o que mais interessa é isso. Eu sou de uma família de músicos, então todo mundo lia música e escrevia música. Era comum na minha casa, porque eu aprendi música e escola, pedagogia normal, comecei com cinco, seis anos, tudo ao mesmo tempo. E por mania do meu pai a gente estudava francês, também. Então de forma que para alguém que morou numa cidade de interior, porque Friburgo era interior na época. De repente chega no Rio de Janeiro, seis meses depois está no Maracanãzinho e alguém pergunta quem fez o arranjo. É claro que fui eu que fiz o arranjo e o cara ficou surpreso. E esse cara é maluco. Quer dizer, bom, primeira surpresa.
Surpreendente mesmo.
A história toda é surpreendente. Bom, só sei o seguinte, que aí a música foi tocada, a Marie Laforêt não sabendo que eu tinha zero de experiência de tocar, de shows, não sei o que disse assim: você não quer fazer uns arranjos pro meu disco?
Eu disse: Claro
. Aí fiz os arranjos. Os arranjos foram pelo correio. Passado não sei quanto tempo ela me escreve, telefona. Diz assim: Você não quer vir gravar os arranjos aqui em Paris?
Eu digo: Ótimo
. Lá chegando ela disse: você não quer formar um grupo aqui, pra tocar, não sei o quê, a gente faz o lançamento
. Eu disse: Também toco
. Passado um ano e meio que eu estava nessa, fico não fico. Ganhei dinheiro como o diabo! Porque Marie Laforêt eu, do meu lado aqui, imaginava que fosse só a parceira, a companheira de Alan Delon, Jean Paul Belmondo nos filmes. Mas eu não sabia o que que isso significava internacionalmente. Ela muito conhecida, muito respeitada, ganhava dinheiro pra burro e pagava muito bem. Aí eu saio de Friburgo, passo pelo Rio, paro em Paris ganhando um salário impressionantemente grande, que eu não tinha nunca sonhado ganhar dinheiro desse jeito. E tocando Variété Française. E no meio disso, no primeiro mês entrou uma música minha, depois entraram duas, entraram três… Até que tive tempo pra procurar e achei professores e comecei a estudar música. Aí acabei me formando em outras coisas de música. Estudando com Nadia Boulanger, que tinha sido amiga do Stravinsky, do Debussy, não sei o que. Estudando com Jean Barraqué, que tinha sido amigo de Schoenberg, Anton Webern. E não é que eu tenha aprendido um monte de coisa. Até porque a cabeça tinha vinte e poucos anos. Mas eu fui informado de um monte de coisa. A coragem que eu tive, por causa da minha família, sobretudo do tio Edgar. O tio Edgar é o melhor exemplo que eu tenho na minha vida, como músico, profissional. O melhor exemplo que eu tenho. O tio Edgar viveu na cidade que eu nasci, chamada Carmo, 1.800 habitantes na época. E tinha um princípio que era o seguinte: eu não vou sair do Carmo e vou ser músico profissional e vou ter minha família, meus filhos, meus netos, vou educar todo mundo. Todo mundo achou esse troço mais louco do mundo, não é? E aí ele começou a bater de porta em porta quando tinha dezoito, dezenove, vinte anos e perguntava: Bom dia, qual o dia do seu aniversário?
. O cara: tal do tal
. Caderninho e assim por diante. Quando a data se cumpria, ele batia na porta, o cara abria e ele tocava uma música qualquer na clarineta e dizia assim: esse é meu presente pra você. Passados alguns meses, a cidade o contratou como compositor oficial da cidade e ele viveu lá até o último dia. Depois dessa lição de coragem, de que tudo pode, eu voltei com essa informação. A informação de conservatório, a informação de ter dirigido um show da Marie Laforêt que viajou trinta países. E mais a informação de Nadia Boulanger, de Jean Barraqué, cheguei aqui, evidente, achando que tinha o Super Homem e eu. Claro só tínhamos nós dois, vivos, tínhamos nós dois. Bom, e aí fui morar em Teresópolis, coisa e tal. E pouco a pouco comecei a me dar conta que aquela informação tinha que servir pra outras coisas. Que eu não podia ser detentor de uma informação e chegar às conclusões que não fossem comparativas. Aí comecei a conhecer pessoas, como Geraldinho Carneiro… gente como o diabo. E fui entendendo que cada uma dessas pessoas tinha, não só conhecimento, mas sobretudo como eu, ideias que poderiam ou não se realizar. O tempo foi passando e uma delas me levou a de querer fazer discos, me levou pra Odeon. Fiz um disco na Odeon, que tinha uma árvore na capa tratando de questão de queimadas, não sei o que, tá ali. Com experiências de música dodecafônica, com confusão, com música de orquestra, não sei o quê. Depois fiz um disco dedicado pro meu avô, pai do tio Edgar, que era um compositor genial, também, que tem um manequim na capa. Porque meu avô era alfaiate italiano, por isso é que tem um manequim. Em seguida a Odeon começou a entrar numa certa crise, na época, isto é, 1975, 1977 por aí, mas a renovação do meu contrato não tinha sido feita. Eles tinham feito um aditivo que era mais um disco. E eu senti pelas minhas contas, setenta e tal. Eu digo: "bom, se tem gente pra caramba aqui conhecida, como Edu Lobo, Francis Hime, Paulinho da Viola,