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Sobre este e-book
Foi, aliás, ao lado de Waly que Jorge Salomão saiu da Bahia para se estabelecer no Rio de Janeiro em 1968. Juntos, foram personagens fundamentais da contracultura no Brasil, sempre assíduos nas Dunas de Gal das areias de Ipanema. Também com Waly e Torquato Neto idealizou a revista experimental Navilouca, em que refletiam a produção cultural de vanguarda da época. Extremamente versátil, dirigiu peças de teatro, produziu capas de disco e serviu até mesmo de inspiração para a canção "Jeca Total", de Gilberto Gil. Mas foram nos anos 1980 que faria grande sucesso comercial como letrista, gravado por Adriana Calcanhotto, Cássia Eller, Frejat, Marina Lima, Zé Ricardo e Zizi Possi, e alcançando as paradas de sucesso.
Esta antologia reúne os sues sete livros publicados, a sua obra completa. O leitor encontrará na obra, nas palavras da imortal Nélida Piñon, a arte de um "espírito poético". "Ele capta o sentido da poesia no seu texto, na sua própria arte. É um homem luminoso que ama os seres, que ama as palavras, e que vai ao holocausto por elas.", define a imortal em seu texto de contracapa.
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7 em 1 - Jorge Salomão
alguns
Mosaicalseco
seco
pareço um leito enxuto de rio
sem chuva nem vegetação
seco
igual a carne seca
fruta seca
um som seco
sem badalos
direto
despojado
informação seca
com um canto sem acompanhamento
com a goela seca
seco
batendo na terra
buscando algo
que não seja seco
* * *
minha sensibilidade
minha sensibilidade
não é lata de lixo não
nem espremedor de laranjas
a triturar frutas sem parar
nem alvo para testes de pontaria
nem rede para se espreguiçar
nem milho de pipoca prestes a estourar
nem ar condicionado
nem nada do que se possa esperar
nem ventilador a atirar o caos para o ar
nem mensagens que não puderam
numa garrafa entrar
nem barco sem condições
atirado a altas ondas do mar
minha sensibilidade é simples
não gosta de barulho
mas gosta de dançar
é simples
e volta e meia
se perde no filme invisível
que passa por entre as rochas
e fica a indagar o seu caminhar
minha sensibilidade
é uma interrogação
neste deserto de absurdas afirmações
não é nada
do que se possa esperar
é simples
e quer aumentar...
* * *
os abutres
há um fascínio no que a máscara encarna. ganso morto na ponta da faca quente. quem há de querer o primeiro pedaço do rabo? tudo parece imóvel entre as mesas deste bar, set improvisado para rodar uma cena. você parece um barco encalhado na primeira onda do desejo, não respira, transpira um sufoco de caos impulsivo. entre as pedras nenhuma flor brota pelas membranas do mágico que passa pela fresta.
treme você na hora de dar o passo decisivo na dança do salto para o alto de si. mapeamento sinuoso do universo das cidades. não sigo nenhuma trilha tradicional. beijo até o fogo. narro, brinco e os fatos se revelam; crescem e numa velocidade alucinante desaparecem como corisco no céu dos dias por entre montanhas de circunstâncias. montes de guardanapos sujos do mesmo batom. a torneira jorra água fétida para as panelas do bairro cheio de curvas à beira-mar. tudo parece insosso e nada há de deter a explosão da comporta trancada a sete cadeados. crianças miam e gatos choram. estou só na estrada e isso não é de agora. alguns palhaços dançam na linha do horizonte. setas indicam direção nenhuma. há um vácuo, e nós? quando a dor decidiu fazer o cerco total eu disse não e abri. em volta no monte de lixo, os abutres devoram a paisagem.
* * *
é tudo ficção
lavo os pratos
bato meu carro
saio nos jornais
conto piadas na tv
choro canto danço
penso em ir embora
às vezes eu me desespero
digo não sim
quero mais
por todo lado confusão
tento me equilibrar
na corda bamba andar
o que se passa sob o sol
é tudo ficção
o que era calado silêncio
agora é pura flecha
o que era novo de manhã
no almoço é só poesia e podridão
nesta tribo tecnológica
sem fios nem pontas
neste painel eletrônico sem portas
tem luz dentro do túnel
e fora só escuridão
como não há solução
só problemas
a questão é filosofar
e como um trapezista pular
e acreditar:
o que se passa sob o sol
é tudo ficção.
* * *
o invisível
todos estão cegos
nessa manhã ensolarada
apenas eu vejo a luz
os automóveis atolados na lama
lagartos dançam na sua fama
e nós dois em que cama?
nem tudo são rosas
às vezes é amargo demais
ela não bate a porta
felicidade balão solto
no ar no coração
e brilha...
teu sorriso criança
brinca entre os mendigos
uma grande dúvida toma conta de tudo
o sol forte continua a nos iluminar
nem tudo o que reluz é ouro
às vezes é nada mesmo
nem tudo o que vem
volta atrás
apenas eu vejo a luz?
apenas eu vejo a luz?
apenas eu vejo a luz?
* * *
texto nº 1
Técnicas. TVs. Tecnologias.
Vulcões. Símbolos. Imagens.
Figuras. Pacotes. Posições.
Imensos. Desenhos. Campos.
Números. Cores. Letras.
Cenas. Poesias. Papos.
Pontes. Plurais. Mais.
Jogos. Diversões. Diferentes.
Doces. Barcos. Beijos.
Pontilhados. Águas. Gráficos.
Cravos. Criativos. Jardins.
Olhos. Grupos. Bandos.
Pessoas. Amores. Estações.
Estágios. Departamentos. Dedos.
Borrachas. Desejos. Cartas.
Lados. Coisas. Fatos.
Ares. Notas. Cacos.
Corpos. Matérias. Densos.
Hálitos. Pedras. Palavras
* * *
texto nº 2
o novo o ar dele o clima
vindo inteiro intenso
solto doido independente
fluente espacial
atual pérola pedra pão
grãos deuses mãos
sim texto corrido
feito rio barcos balsas
navegações vegetações
situações bússolas satélites
mergulhos voos cantos
silêncios paixões passagens
brechas buracos idades
ideias tempos
* * *
política voz
eu não sou o mudo
balbuciando
querendo falar
eu sou a voz
da voz do outro
guardada
falante
querendo arrasar
com teu castelo de areia
que é só soprar
soprar soprar
e ver tudo voar
eu não sou a porca
que não quer atarraxar
e nem a luva
que não quis na sua mão entrar
eu sou a voz
que quer apertar o cerco e explodir
toda essa espécie de veneno
chamado caretice
e expulsar do ar, do ar, do ar
a nuvem negra
que só quer perturbar
soprar
e ver tudo voar
soprar
e não ficar nada para contar
* * *
comendo vidro
nas diurnas
nas noturnas
um cigano vagabundo
um clown pirado
sapato furado
barriga vazia
tudo tão exposto
a qualquer estação
que nem adianta
pensar que vai ser diferente
a estrada é longa
bom andar
ontem ali
hoje aqui amanhã acolá
pulando de galho em galho
na tela do computador
como um risco um foguete
uma explosão em cada espaço
comendo vidro
engolindo
soprando fogo por todos os poros
abrindo caminho no fechado
trilhando o claro
escuro dos dias
não é fácil não
é mais que duro
fere até o imaginar
um letreiro qualquer:
a poesia o pão são necessários
comendo vidro
como um malabarista
desses que extraem do organismo
alimento para uma canção
um blues ao sol do meio-dia
* * *
onírica
uma voz rouca ecoa no deserto
como uma serpente no asfalto quente
caio numa areia movediça
de cinema à tarde
e deus criou a mulher...
fartos peitos
boca aberta
muito prazer
apago o cigarro na mão
tomo dois goles de aguardente
da goela labaredas de canção
saio de mim e volto
caio em ti e viajo
estou ilhado
cercado de ferozes tubarões
é grande a fome
nas paredes da barriga
tudo parece girar
num redemoinho de vento e som
passo sem pestanejar
de sonho em sonho
uma bala explode o monstro coração
num lacônico não
desprotegido ao sol
ligo para um amigo
grito: socorro
festa no outro lado do mar
e ela grita tanto
num triste bangue-bangue
que desperto
de olhos grudados
feliz na neblina
sem luz nenhuma a velejar
* * *
só quero cantar
garganta aberta para o canto
não sei o certo
corro riscos
não sou nada seu
nem laços nem coração partido
sou a voz de um fogo
crescente a crepitar
que ao cantar
toca nos quatro cantos da terra
fazendo-a girar mais e mais
sou a voz de um pássaro gigante
com sua doida dança a voar
mágica cheia de truques
bailarina boca
igual ao imenso mar
que quando canta
quer que o mundo escute
e como flor se abra
para o ar
só quero cantar
quem canta inventa o canto
em cada canto
é bom sentir-se vivo
e o canto espalhar
* * *
pseudoblues
dentro de cada um
tem mais mistérios do que pensa o outro
uma louca paixão avassala
a alma o mais que pode
o certo é incerto
o incerto é uma estrada reta
de vez em quando acerto
depois tropeço no meio da linha
tem essa mágica
o dia nasce todo dia
resta uma dúvida
o sol só vem de vez em quando
o certo é incerto
o incerto é uma estrada reta
de vez em quando acerto
depois tropeço no meio da linha
* * *
ONDAS ONDAS ONDAS
MAR MAR
VIDA
* * *
Te(x)To
ilhas
blocos
constelações...
Se soubesse dos teus mistérios todos, seria... o quê?
nada,
nenhuma coisa aconteceria.
Negro.
Não me canso, digo em diferentes tons o tempo todo,
você não me ouve: I love you.
Mudança de papo
Calor
Alma quente febril
Amor
Palavras
ideias
pensamentos
Pedras
nenhum sentimento existe neste volume
Onde
Como
Quando?...
O coração
Deus existe?
O azul do universo
Será tudo precioso ou inútil?
nenhuma certeza
Tudo ou nada?
Não sou máquina...
Não...
Sim...
te vejo no espelho
no lago
os olhos
Tu és um camarão...
Ok?
Exercícios
Dedos
Tubarão
Ave de plumagem rara
Grotesca beleza
Risos
Plantas
Diversas sementes
Chão
Onde andas?
na lama ou na areia?
no céu ou no inferno?
Frutas na mesa
garrafa vazia
vida
Existe sentimento na mão?
existe fôlego no coração da jararaca?
Não sei de nada...
ao olhar o mar, abro-me...
Imensidão.
* * *
voz eco
não tenho nada
amor ninguém
sou a voz
o eco
lamento
canto danço as paredes desse texto
entre dias vazios
noites frias
choro gotas enormes
numa erupção rápida
entre soluços
lavo a cara com as próprias lágrimas
digo não à fome
ela se dissipa
no oco estômago e ponto
a voz beija o eco
ele se espanta cresce até o monte
se alimenta dela
que por si só
precisa do seu rosto inteiro
conhecem-se estranham-se
amam-se odeiam-se
são unha e carne devoram-se
entre gritos
emissões
* * *
chiaroscuro
na cabeça do boi
vinga e triunfa o espírito da vaca
linda loura e louca
tu és um furacão de sensações
tempestade em copo d’água
lama e ouro
mesmo prato
luz e misérias
tu és pedra pedra pedra
inteligência rara
desperdícios e corações
tu és nada nada nada
tu és não
* * *
enciclopédia chinesa
texto século 21
a) cultura / carnaval
b) marcha das utopias
c) ?
d) bomba luminosa
e) isso aqui é o Novo Mundo?
f) liberdades conquistadas são liberdades conquistadas
g) explosão
h) captando ondas no ar do mundo
i) criar produtos
j) trabalhos e dias
l) inventar o dia cada dia
m) lâminas do mundo
n) pratos quentes
o) variados
p) luz e sombra
q) deuses e diabos
r) notas e notícias
s) luz natural e luz artificial
t) força bruta viva
u) flores e frutos
v) quanto mais melhor
x) diversos e diferentes
y) fazer fazendo
z) agora e sempre
* * *
em mim não habita o deserto que há em ti
minha alma é um oásis luminoso
você constrói sua jaula e nela quer ficar
cuidado
eu faço o que acho que deve ser feito na hora certa
existe diferença entre paixão e projeção?
será que terei de me tornar um insensível
só para suprir a demanda do mercado atual?
quanto mais eu me acho mais eu me perco que os tambores
batam e que tudo se acenda forte!
* * *
algo se move
se movimenta
por entre as pedras
algo corrente fio d’água
algo que aflora
fazendo surgir um outro espaço
algo alga
numa dança aquática
algo mole
gelatina no pirex
algo que filtra
algo serpentino
algo que vaza
em direção à superfície
algo novo
algo surpresa
aparecendo com vontade
algo na direção da luz
* * *
na vida
um ponto
no dia
uma interrogação
volta e meia
dentro e fora
no claro
no escuro
igual a peixe
na mão
no braço
no pé
no coração
tudo pássaro
sensação
* * *
poética I
aqui do alto da montanha
vejo a terra toda:
sinto-me mágico
por instantes dono
sublime rei
depois carinhoso aliado
pele próxima
expansão junta
* * *
azul azulão
aproveitando a sombra do teu barraco
minha alma é puro sol
um avião passa
e um produto anuncia
acendo um cigarro
tudo parece ter um pouco de magia
e uma ciência
no circo do dia
vacas no pasto a ruminar
estórias desejos
a sujeira do mar
asas abertas
eu quero voar
igual à linha do horizonte
eu vou ficar
na minha cabana
tudo é liberdade
e amor
exercícios físicos à beira-mar
peixes frutas à vontade
o sol todo dia vem
uma voz salta
de dentro de mim
outras outras
"azul
muito azul
imenso azul
azulão"
estampido próximo
ao ouvido
luz geral
– você chegou!
* * *
DEPOIS DO CANTO,
VOOU
NINGUÉM NUNCA MAIS O VIU.
* * *
meditação subversiva
é diferente da contemplativa:
valores explodem em luzes, transformando tudo,
alimentando totalmente os fragmentos individuais
pela tonificação do ser.
fixe um ponto
visualize o horizonte
espalhe ideias
não se derrote
seja um lutador
na batalha
as coisas pintam
seja a longo
ou curto prazo
tudo é peça de um jogo
saiba armar
saiba dançar
crie estratégias
a explosão acontecerá
e quem não a quer?
* * *
supermercados da vida
nos supermercados da vida
se conhece o homem e seus preços
baratos ou caros
eles vendem suas almas
nessa podridão
poesia amorfa
pedra que eles não querem lapidar
para eles tudo é pequeno
em suas mãos e cabeças
rolam cheques e moedas
numa farta mesquinharia
sua visão é embaçada
muito longe se aspira a felicidade
pois neles tudo é reles
seu crânio de micróbio
sua pele de paquiderme
sua ação vital de barata
como porcos na lama
passeando pelo lixo que são suas vidas
destroem o prazer de viver
* * *
fúria e folia
me chamo o vento
passeando pela cidade destruída
depois que bombas foram lançadas
e tudo reduzido a pó
na praça aberta
sou um colar de livres pensamentos
quem quer comprar o jornal de ontem
com notícias de anteontem?
nada sei
apenas vivo a perambular
uns trabalham por dinheiro
outros por livre e espontânea vontade
eu trabalho para o nada
espalhado pelo chão
sou solidão a dançar
com a língua no formigueiro
ando ando ando sem parar
na poeira dos fatos
nas transparências
as ruas que o digam
viver é fúria e folia
rumo ao mágico
* * *
fractais I
A cidade vista do alto.
O Rio ensolarado.
O Rio cheio de sol.
A cidade entre o mar
e a montanha.
A cidade vista do alto
de um tapete voador
Quem não tem seus podres?
O olho do pássaro
material : borracha.
Sob outra luz
necessário mapa.
A cantora cabeluda
na goela da baleia
começa a meditação:
uma bossa é o que
surpreende sempre
sem fronteiras
nem limitações.
O artista,
pimentas:
surpresas no mundo.
Ir ao fundo
tocar com a mão a lama
descobrir o diamante escondido:
lapidá-lo.
* * *
múltiplo
eu sou um
eu sou vários em um
eu sou flecha
eu sou alimento para sua cabeça
eu sou o que sou
farol
brisa
sol
bússola
dia
noite
visão
motor em contínua mutação
* * *
duplo
eu e minha sombra
na poça d’água
na lama
no carnaval
no circo
no disco a rolar
no alto-mar
no deserto dos dias
no negro de nós
eu ela
a voar
juntos a brincar
conforme a luz
jogo de amar
* * *
há verde por entre os azuis
ocre nos dedos da mão
algum prata sobre os telhados
algo louco perto das nuvens
nenhuma dor aos músculos
alguma brecha para os lábios
nada na orla
a não ser o mar
ao olho
o olhar
* * *
canção
não beba do trago deste passado
ele é osso duro de roer
inventa o imenso presente
assim é melhor viver
alguma opção
para que nosso amor
não seja em vão
algumas flores brotem
no cérebro
na imaginação
alguma coisa então...
seduz o mundo
ele te diz sim
ninguém gosta dos fracos
os fortes são mesmo assim
* * *
universo em contramão
tudo cheira a extrema solidão
tira logo a carapuça
e mostra canalha
o guardado coração
por uma mão aberta
passa uma canção
um néctar novo
sem rima
nem solução
ser artista
piruetas no trapézio
bananeiras no calçadão
roleta russa
jogo de facas afiadas
olhos abertos
ouvidos atentos
uma canção
passa por entre os dedos
de uma mão aberta
e dinamita o otário coração
* * *
luz da manhã
você abrindo a porta
depois da noite morta
tudo é flor
meu Rio maior cor
acende rápido
um beijo em pleno asfalto
se abre em rios
luz da manhã
caminho
ruas vazias
na varanda filtra o sol
alegria!
outra paixão
linda luz
entre mistérios
decifra-me ou devoro-te
nova canção
na luz da manhã
* *