Aquele que tudo devora
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Aquele que tudo devora - Philippe Wollney
o ponto está riscado: há que se ler a poética para entender a política
há que se ler o encanto para se entender a ciência
a ciência encantada das macumbas,
luiz antônio simas e luiz rufino
I.
continuo incapaz de contar uma história
de contar uma história que não seja dessa forma
nessa fôrma
costelas à vista expondo o tutano tectônico
como um estilete leitoso sulcando
os lábios das rochas, a língua no osso
rastros rupestres de onças na caatinga
cantigas aos sons de maracás, plumas de anacãs
líricas efusões pintadas com gordura e saliva
xamã de sumé no sertão da escrita
aboio de gestos — continuum constrito
— agora que aprendi o seu idioma
posso amaldiçoá-lo
continuo incapaz
inconcluso persisto
porque a poesia não está para a perfeição
e sim para o delito, e eu insisto
no erro de contar qualquer história que seja
fazendo elipse, chiste, luz curvada e atraída
pelo buraco oculto que é todo poema
uma vocação de camuflar abismos e flutuar no vácuo
inabilidade pelo tédio de descrever quem é fulano
ou que beltrano sorria como se olhasse para a morte
ou que sicrano tinha cheiro de pelo de cachorro molhado
ou sobre um ninguém que não esperava ganhar vintém
de nada e nures de néris de reles de ralo de raro e naco e necas
de pessoa sequer
um texto dobrando a esquina
dando as costas, cerrando as cortinas
rede de embalar na alegórica voz do oculto
nesse vulto esquivo drenado pelos olhos
hipermetrópicos, vertiginosos, miopíticos
que tantos chamam de mal olhado
e outros acreditam em malassombro
fantasmagoria
acesso ao passado
que insiste em não calar
salvarei meu corpo dos livros
salvarei minha vida das letras e gavetas?
II.
e eu