Adoravel Mentirosa
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Adoravel Mentirosa - Barbara Cartland
proteção.
CAPÍTULO I
1819
Um dos guias dos quatro cavalos da carruagem mancou. O Conde de Staverton blasfemou baixinho. Depois, fez a carruagem parar. O lacaio pulou do assento traseiro do faetonte.
—Deve ter sido uma pedra, milorde— disse, correndo para a frente—, estas estradas são péssimas.
—Sim, péssimas— concordou o Conde, evitando um termo mais forte.
Prendeu a rédea na parte dianteira do faetonte e também desceu.
A estrada era de fato muito pedregosa, e ele não se admirou por ver que uma pedra tinha entrado no casco do cavalo.
Achou que talvez estivesse dirigindo a uma velocidade excessiva, numa estrada tão ruim, mas tinha pressa de chegar a Londres e de se afastar da caceteação que tinha suportado enquanto era hóspede de uma casa perto de St. Albans, aonde fora para assistir à luta entre dois conhecidos pugilistas.
Foi uma luta excelente. O Conde apostou uma grande quantia no que acabou vencendo. Mas, tanto a companhia do anfitrião quanto a comida tinham sido medíocres, do princípio ao fim.
A verdade era que o Conde não se divertia com facilidade, achando muitas coisas e muitas pessoas «mortalmente tediosas», conforme ele mesmo dizia.
Era uma agradável manhã de primavera. Viam-se muitas flores silvestres no meio do capim ao lado da estrada. Havia prímulas nas sebes, os jacintos formavam um tapete azul sob as árvores da mata.
O Conde viu o lacaio tirar a pedra do casco do cavalo, com todo o cuidado, para não soltar a ferradura.
Olhou com prazer para os animais, negros e combinando perfeitamente uns com os outros; eram os cavalos mais perfeitos que podiam ser vistos no Four-In-Hand Club. O Conde sabia que nenhum outro sócio possuía animais tão bons.
Caminhou pela grama, para esticar as pernas, pouco lhe importando que o pólen manchasse suas bolas, que tinham sido lustradas com champanhe, conforme recomendava o Belo Brummell.
A seu lado erguia-se um muro de tijolos, mais alto do que os que costumavam cercar os parques das residências de aristocratas.
Os tijolos, estreitos e antigamente vermelhos, tinham ficado escuros com o tempo, adquirindo um tom rosa sujo que fez com que o Conde, um perito em antiguidades, soubesse que eram da época elisabetana.
A luz do sol, brilhando nos tijolos, tornava-os de fato muito bonitos, e Staverton desejou que o muro que cercava sua mansão, em Oxfordshire, tivesse a mesma cor. De repente, um objeto pesado passou rente à sua cabeça, não a atingindo por uma questão de milímetros.
Caiu aos pés do Conde com ruído. Ele viu, com espanto, que se tratava de uma valise, não pesada demais para se carregar, mas, sem dúvida, perigosa, se tivesse atingido sua cabeça.
Olhou para o muro e percebeu, no alto, um vulto feminino.
Surgiu, escandalosamente, um par de pernas bem-feitas, antes que a dona caísse no chão com graciosa agilidade, firmando-se nos pés, em vez de se esparramar, como era de esperar.
A moça se virou, e só então viu o Conde, com a valise a seus pés.
—Você fez uma coisa muito perigosa— disse ele, friamente—, se a valise me atingisse, poderia ter me matado.
—Como é que eu ia saber que havia uma pessoa justamente no único lugar por onde eu poderia descer?
Aproximou-se do Conde ao falar, e ele notou que ela segurava o chapéu na mão e que seus cabelos eram louros com reflexos avermelhados.
Examinou-o. Seus olhos eram grandes, um pouco puxados nos cantos, o que lhes dava uma expressão maliciosa. Nos lábios havia um trejeito petulante.
Não era exatamente bonita, mas o Conde achou que tinha um rosto fascinante, diferente do de qualquer jovem que conhecia.
—Suponho que esteja fugindo.
—Eu seria louca de pular o muro, se pudesse sair pelo portão— respondeu a moça.
Curvou-se para pegar a valise e nesse momento notou os cavalos do Conde.
—São seus?— perguntou, atônita.
—São, mas uma pedra entrou no casco do guia, devido às suas estradas abomináveis, senhorita!
—Minhas, não! Mas eles são maravilhosos! São os cavalos mais magníficos que já vi!
—Sua opinião muito me honra— respondeu o Conde, irônico.
—Para onde você vai?
—Para Londres.
—Então, por favor, por favor, me leve também. É para lá que quero ir, e nada me daria maior prazer do que ser conduzida por animais tão perfeitos.
Ao dizer isso, aproximou-se dos cavalos, esquecendo a valise que ainda estava aos pés do Conde.
—Creio que é meu dever perguntar de quem está fugindo e por quê— disse ele.
A moça admirava os cavalos, com olhos brilhantes.
—São soberbos!— disse, ofegante—, como conseguiu encontrar quatro animais que combinassem tanto?
—Eu lhe fiz uma pergunta— insistiu o Conde.
—Sobre o quê?— perguntou, distraída—, eu estou fugindo da escola… e a não ser que o senhor queira que descubram minha ausência, é melhor irmos andando.
—Não quero me envolver em nada censurável.
—Que maneira pedante de falar!— zombou a moça—, mas, se não me levar, então Jeb, o açougueiro, me levará. Deve aparecer por aqui a qualquer momento.
—Tem encontro marcado com ele?
—Não, mas falei com Jeb sobre os cavalos dele e sei que me fará esse favor.
Olhou para a estrada, ao dizer isso, e depois de novo para o Conde:
—Leve-me, por favor... nada do que possa dizer ou fazer me fará voltar, de modo que tem que ser o senhor ou Jeb. Mas eu gostaria muito de ser conduzida por esses cavalos.
Nesse momento, o criado do Conde se aproximou.
—Agora, está tudo em ordem, milorde.
A moça ainda fitava o Conde.
—Por favor— pediu, baixinho.
—Eu a levo, com uma condição.
—Qual é?
—Que me conte por que está fugindo. Se eu não achar o motivo válido, devolvo-a à escola, menina.
—Não pode ser tão traiçoeiro! Mas na realidade, meu motivo para fugir é muito bom.
—É melhor que seja.
Ajudou-a a subir na carruagem e pegou as rédeas.
O lacaio apanhou a valise, colocou-a na parte de trás do faetonte, subiu para o assento de onde tinha descido e a carruagem partiu.
Seguiram durante algum tempo em silêncio. O Conde compreendeu que a moça não estava pensando nele, e sim, nos cavalos.
—Estou esperando— avisou.
—Esperando o quê?
—Você sabe muito bem. E tenho a impressão de que está adiando as explicações para ser levada o mais longe possível da escola, antes de me contar o que houve.
Ela sorriu de um modo encantador.
—Isso é muito inteligente da sua parte.
—Não sou obtuso como parece pensar— respondeu ele, com ironia—, com quem vai se encontrar, quando chegar a Londres?
A moça deu uma risada.
—Gostaria de poder dizer que é um namorado ardente e apaixonado, mas garanto-lhe que, se existisse um, eu teria feito com que ele viesse me buscar, em vez de ter que confiar em Jeb. ou na sorte de encontrar mm estranho como o senhor.
—Nenhum namorado? Então, por que essa pressa de chegar a Londres?
—Porque estou velha demais para continuar na escola e meu tutor horrível e malvado insiste em que eu passe todas as férias em Harrogate.
—Que há de errado em Harrogate?
—Há tudo de errado em Harrogate! É maçante, está cheia de gente velha e doente. Quando estive lá, nas férias de Natal, não conheci nenhum homem, a não ser o vigário.
O tom da moça era tão zangado, que o Conde não pôde deixar de rir.
—Parece que você sofreu muito, nesse lugar. Mas não havia outro para onde pudesse ir?
—Não, no que diz respeito a meu tutor. Aquele miserável nem mesmo responde às minhas cartas, e todas as sugestões que faço são repelidas por seu advogado.
—Ele parece uma criatura insensível. Quando chegar a Londres, pretende enfrentá-lo?
—Claro que não! Não tenho a mínima intenção de chegar perto dele. E acho que a razão de ele não querer me ver, nem se comunicar comigo, e porque está gastando minha fortuna.
O Conde olhou-a intrigado. Quando percebeu que ele notava o chapéu simples, com fitas de tom azul-escuro, assim como o vestido sem graça, a moça explodiu:
—O senhor acha que não pareço uma herdeira rica. Mas, por acaso isso é de admirar, quando minhas roupas são escolhidas pela prima Adelaide, que tem quase oitenta anos, e as contas, pagas pelo advogado de meu tutor?
Apertou os lábios, zangada e continuou:
—Fiz dezoito anos na semana passada, e todas as minhas amigas, minhas verdadeiras amigas, debutaram no ano passado. Eu ainda estava de luto pela morte de papai, de modo que acho que havia uma desculpa para não ser apresentada à corte, mas pensei que, este ano, me deixariam ir para Londres.
—Qual a razão de seu tutor não permitir isso?
—Já lhe disse que nunca tenho a menor notícia daquele bruto! Escrevi-lhe páginas e páginas, depois do Natal, e o advogado dele respondeu, simplesmente, que eu devia ficar na escola até segunda ordem.
Respirou fundo e acrescentou:
—Esperei até agora. Três meses... depois, tomei uma decisão importante: vou resolver por mim mesma!
—E, quando chegar a Londres, o que pretende fazer?
—Vou me tornar uma mundana.
—Uma... mundana?
—É assim que o irmão de Claire, Rupert, as chama, mas acho que há outras designações: «rabo-de-saia», ou «dama-da-noite».
O Conde ficou tão atônito que, por um momento, afrouxou as rédeas, e os cavalos começaram a galopar.
Ele os conteve e depois perguntou:
—Tem ideia do que está dizendo?
—Claro que tenho! Como não me deixam tomar meu lugar na sociedade, levarei a vida à minha moda.
—Não posso acreditar que saiba do que está falando.
—Claire, minha melhor amiga, me explicou tudo, no ano passado, antes de sair da escola. Todos os rapazes elegantes têm amantes, e isso significa que a mulher que escolhem deve pertencer a eles e a mais ninguém. Uma mundana pode escolher à vontade. Quando um homem a aborrece, ela procura outro mais interessante.
—E acha realmente que esse tipo de vida lhe convém?— perguntou o Conde, escolhendo as palavras com cuidado.
—Deve ser mais interessante do que ficar sentada naquela escola cacete, já tendo aprendido tudo o que podem me ensinar. Mas, naturalmente, vou ter muito cuidado na escolha do homem com quem pretendo passar meu tempo.
—Espero que sim!
—Imagine como vai ser divertido fazer o que eu bem entender, sem ter que ouvir as pessoas me dizerem que tudo o que faço é errado e pouco convencional!
—E o que pretende fazer?
—Em primeiro lugar, ir a Vauxhall para ver os fogos. Dirigir meu próprio faetonte, dançar todas as noites, ter minha própria casa e não me preocupar com casamento.
—Não quer casar?— perguntou o Conde.
—Claro que não! Ficar amarrada a um homem para sempre seria pior do que ser amante de alguém! Além do mais, Claire diz que a sociedade não passa de um mercado de casamentos.
—O que sua amiga Claire quer dizer com isso?
—Diz que todas as debutantes competem para casar com algum idiota, porque ele possui um título, ou com um velho gordo e de rosto vermelho, porque é rico. Pelo menos, essa é uma coisa com a qual não preciso me preocupar. Tenho uma grande fortuna.
—Se isso for mesmo verdade, seu tutor permitirá que gaste um pouco de seu dinheiro?
—Já lhe disse: não responde a minhas cartas. O advogado dele diz para eu lhe mandar as contas, que serão pagas. Mas o que quero é dinheiro vivo na mão.
—Creio que há melhores meios de obtê-los, em vez de adotar a profissão de que falou.
—Profissão? Ser mundana é uma profissão, como ser médico ou advogado? Que interessante!
O Conde pensou em várias respostas que poderia dar a uma mulher mais sofisticada, mas calou-se e, de rosto fechado, continuou