A Dama de Negro
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A Dama de Negro - Barbara Cartland
CAPÍTULO I ~ 1898
Sibele colocou um bouquet sobre a sepultura de seu pai e reparou que o frio de dezembro já estragara as flores do dia anterior.
Não que houvessem muitas, apenas pequenos ramalhetes de rosas silvestres postos ali pelas pessoas da aldeia, uma coroa de crisântemos brancos, homenagem do pastor, e outra de crisântemos amarelos do médico que cuidara de seu pai até a morte.
Aquele não era um reconhecimento à altura de um homem que fora a própria fonte de inspiração e criatividade.
«É, ninguém mais parece se interessar pelas palavras de um sábio com dotes intelectuais acima da média», pensou ela ceticamente.
Sibele amara muito seu pai e o achara bonito até mesmo depois de ter sido levado pela morte.
Entendia perfeitamente a coragem de sua mãe ao fugir com ele, arcando não só com a indignação da família inteira, como também com o completo esquecimento a que foram submetidos pelo resto da vida.
Seus pais tinham sido muito felizes e o único consolo de Sibele era acreditar fervorosamente que agora os dois estavam juntos de novo e que nada mais os separaria.
Mesmo assim, só conseguia sentir um terrível vazio no coração, quando saiu do cemitério e caminhou lentamente para a casa nos arredores da aldeia, onde morava desde que nascera.
Os sentimentos e as recordações que a envolviam naquele momento eram tão intensos que, ao abrir a porta da frente, teve a impressão de ouvir o riso de seus pais vindo do escritório e de ver uma garota idêntica a ela saindo da sala de estar.
Só de pensar em Selene, o que raramente fazia, Sibele ficava infeliz e magoada.
Chegara a acreditar que sua irmã gêmea viesse ao enterro do pai, mas condmu que tinha realmente alimentado uma esperança ridícula.
Sibele tirou dos ombros a capa pesada e foi direto para o escritório, o menor cômodo do andar térreo da casa, e o mais aquecido também. Como esperava, Beth acendera a lareira, enquanto estava no cemitério.
Beth era a pessoa que cuidara das gêmeas desde que tinham nascido e todos na casa a chamavam de Bá
.
As sombras e as luzes das chamas da lareira dançavam sobre a velha poltrona de couro onde seu pai costumava sentar. Por um momento, Sibele pensou tê-lo visto ali. Mas, em seguida, concluiu que quando alguém está desolado pela perda de um ente querido sempre tem visões, e ela era uma pessoa muito sensível.
Tão logo se esquentasse um pouco, começaria a copiar, com sua letra impecável e elegante, as últimas traduções do grego que seu pai tinha feito antes de adoecer.
Estava torcendo para que o editor, que já aceitara dois outros manuscritos de seu pai, também gostasse daquele.
Mesmo assim, sabia que renderia pouco dinheiro. Porém, Sibele achava que seu pai ficaria satisfeito em saber que havia mais um pequeno volume do seu trabalho pronto para o público, se é que este se interessava o suficiente a ponto de comprá-lo.
«Por que será que o trabalho de papai, que é tão emocionante e envolvente, não é comerciável, enquanto outras obras de valor duvidoso têm grande saída?», pensou.
Como conhecia a resposta muito bem, Sibele começou a rir.
—Pelo menos, papai sempre teve a certeza de que mamãe e eu apreciávamos tudo o que ele escrevia— disse em voz alta—, talvez um dia seja reconhecido como um grande escritor.
Durante toda a sua vida Sibele sempre alimentara essa fantasia, imaginando que, de repente, seu pai ficaria famoso da noite para o dia, como lord Byron.
Então, as pessoas correriam para a aldeia onde morava para dizer da profunda admiração que sentiam pelo seu pai e quem sabe lhe oferecessem um cargo em uma universidade.
Mas, essa fantasia nunca se tornara realidade, e seu pai continuava desconhecido. Os livros que escrevia não despertavam entusiasmo e da parte do editor havia tanta indiferença, que seria menos doloroso se elé lhe dissesse de uma vez que não queria mais nenhuma obra.
A quantia de dinheiro que os livros rendiam era mínima e Sibele pensava que talvez tivessem morrido de fome, se não fosse a pequena herança de sua mãe, deixada para as filhas gêmeas antes de morrer.
De certa forma, era uma sorte Selene ter desprezado sua parte, indo embora de casa dois dias depois da morte de sua mãe.
Ainda agora, depois de três anos de absoluto silêncio de Selene, Sibele ficava espantada ao pensar que sua irmã gêmea tinha partido, sem nem sequer se despedir, deixando apenas um bilhete.
A expressão de tristeza e desgosto do rosto de seu pai ainda continuava tão viva em sua lembrança, como se tivesse sido marcada a fogo.
Ainda sentia também o terrível vazio que a dominara ao ler o que Selene havia escrito:
"Vou procurar os parentes de mamãe e pedir para morar com eles.
Não suporto mais esta aldeia horrorosa e a pobreza em que vivemos.
Não me procurem, por favor. Minha decisão está tomada e não desistirei dela
por nada neste mundo.
Selene."
Só isso! Nenhuma palavra de afeto, nenhum vestígio de tristeza pelo pai que sempre a amara ou pela irmã que, até aquele momento, acreditava serem inseparáveis.
Na verdade, Selene, nunca em sua vida gostara da família, foi o que Sibele veio a compreender com o tempo, amargurada.
Pensava que Selene e ela fossem tão unidas que ficariam desesperadas uma sem a outra, e sempre acreditara que os gêmeos eram diferentes das outras pessoas.
Como as duas eram mesmo idênticas, a ponto de ninguém conseguir identificá-las, foi duro Sibele encarar a realidade e aceitar que a semelhança entre elas era apenas física.
Ela sabia que a irmã era ambiciosa, e que se aborrecia com a vida pacata que levavam por não terem dinheiro.
Quando ficavam sozinhas, Selene sempre se queixava:
—Como mamãe pôde ter sido tão ingênua a ponto de fugir de casa e abandonar a vida de luxo e riqueza que tinha, para viver nessa miséria?
—Ela se apaixonou por papai.
—Mas ele não passava de um simples professor, recebendo verdadeiras esmolas para dar aula aos irmãos dela!
—Papai vem de uma família nobre da Hungria— argumentava Sibele—, a família dele pode não ser rica, mas seu sangue é azul, se é isso o que a interessa.
—Como poderia me interessar? Não é nenhum consolo pensar que mamãe jogou fora toda sua riqueza por sangue azul húngaro muito inferior ao dela!
—Não fale assim, Selene!— Sibele sempre ficava chocada com as opiniões da irmã—. Ê muita injustiça com papai, que é tão inteligente. Seus textos e traduções do grego são brilhantes!
—Quem pensa assim, além de você e mamãe?— Selene encolhia os ombros e a discussão terminava.
Selene falava com a voz cheia de sarcasmo e Sibele pensava que ela desprezava sua mãe, pois aos olhos dela, a mãe tomara uma atitude errada que afetara a vida de todos.
Quando o pai não estava presente, costumavam pedir para a mãe falar sobre a época em que morava numa imensa e luxuosa mansão em Oxfordshire.
O pai dela, lorde Gransden, era uma pessoa importante no Condado e também na corte e, segundo a mãe dizia com orgulho, um homem respeitado por todos.
Sibele formou uma imagem tão real do avô que chegava a sentir que o conhecia e, com os olhos arregalados, ouvia as histórias das festas, jantares importantes e bailes que ele oferecia em sua casa.
A mãe contava também sobre as festas a que era convidada em Oxfordshire e em Londres, e do seu baile de debutante no Palácio de Buckingham.
Para Sibele, aquilo tudo era belo e distante como um conto de fadas, e só mais tarde percebeu que Selene se ressentia por não habitar aquele mundo e que culpava a mãe por tê-lo deixado.
—Quando eu tiver idade, quero ir a todos os bailes que puder!— disse Selene certa vez, quando estavam a sós, depois de uma sessão de reminiscências
de sua mãe—, quero morar numa mansão, ter belos cavalos, festas e jantares todos os dias. Ah! E também quero vestidos caros e luxuosos!
Atravessou oquarto, enquanto falava e olhou-se no espelho.
—Sou bonita! Sei que sou bonita, mas quem olha para mim aqui? Só alguns velhos fazendeiros e aquele bando de garotos horríveis do coro da Igreja!
Sibele não respondeu. Receava de que sua mãe ouvisse uma das explosões de revolta de Selene, coisa que a deixaria terrivelmente magoada.
Foi quando sua mãe ficou doente, piorando visivelmente a cada dia que passava, que Selene tomou a decisão de ir embora de casa, só esperando o enterro para fugir.
Sempre que estava sozinha no quarto, para evitar que o pai ficasse ainda mais magoado e deprimido, Sibele chorava.
«Como ela pôde ser tão cruel?», pensava, rezando com fervor para que Selene mudasse de ideia e voltasse.
Porém, com o passar do tempo, ficou claro que a irmã não voltaria. E como Selene também nunca mandou pedir sua parte na pequena herança deixada pela mãe, Sibele imaginava que ela devia estar morando com os parentes maternos e que agora vivia como sempre desejara.
Naquela época, elas tinham dezesseis anos e agora, três anos passados amargurada, Sibele lembrou que dali há dois meses fariam dezanove.
Ela hesitou muito, antes de escrever para Selene comunicando a morte do pai, mas afinal resolveu avisá-la, enviando o envelope para a casa de seu avô em Oxfordshire, imaginando que, caso Selene não estivesse lá, assim mesmo a carta chegaria às mãos dela.
Sibele costumava se perguntar se Selene deixara de ser a menina que não queria viver na obscuridade e se teria um tipo de vida completamente diferente.
«Talvez ela nem seja mais parecida comigo», pensou, indo olhar-se no espelho.
Durante aquele tempo que passara longe da irmã tinha ficado muito mais bonita do que era aos dezasseis anos. O brilho avermelhado dos cabelos, herança do sangue húngaro de seu pai, formava um forte contraste com a pele clara, quase translúcida.
Tinha o nariz pequeno e reto e os lábios perfeitos, mas eram pouco notados, já que as pessoas voltavam-se primeiro para seus olhos.
Emoldurados pelos cílios negros, seus olhos às vezes eram verdes ou então misteriosos com a tonalidade do crepúsculo. Extremamente expressivos, refletiam seus sentimentos, suas emoções e até mesmo seus pensamentos.
Sibele, tinha certeza de que Selene também era assim.
No passado, sempre sabia exatamente o que a irmã estava pensando. Além disso, quando estava com raiva, seus olhos brilhavam como se soltassem faíscas, e, quando estava feliz, não eram apenas verdes, pareciam transmitir o brilho do sol.
«Espero que Selene esteja feliz», pensou, atravessando o pequeno vestíbulo em direção à cozinha.
Beth estava mexendo nas panelas. Embora não sentisse fome, depois de toda a tensão emocional pela morte e enterro de seu pai, sabia que não podia desapontar a ama, recusando sua comida.
—Chegou, Srta. Sibele?— gritou Beth, assim que ela entrou na cozinha.
—Sim, Bá. Está tão