Menzel (Djerba)
Menzel (em árabe: منزل, lit. "vivenda"; pronunciado em árabe moderno como "manzul") é um tipo de habitação e propriedade agrícola típica da ilha tunisina de Djerba.
O conjunto espacial constituído pela habitação e parcelas agrícolas associadas é geralmente propriedade duma família alargada e tipicamente ocupa entre dois e cinco hectares plantados de palmeiras, oliveiras, árvores de fruto, sorgo, cereais e culturas hortícolas. Conforme a região onde está implantado, o menzel dispõe de um ou vários poços ou cisternas destinadas à irrigação dos campos.
Descrição
[editar | editar código-fonte]Um menzel é formado por diversas unidades de habitação (o chamado houch), rodeadas de pomares e terrenos agrícolas. Por vezes estão associadas ao menzel oficinas de tecelagem, celeiros, lagares de azeite (frequentemente subterrâneos).[1] Cada menzel tem um número variável de poços ou cisternas e está rodeado de taludes (habia) com funções defensivas, onde são plantadas palmeiras, sebes de cactos (figueiras-da-índia), agaves e aloes que aumentam a privacidade e protegem contra as poeiras e invasão de areia.[2][3] Geralmente é habitado por três gerações da mesma família.[4]
Historicamente, e à semelhança das peculiares mesquitas de Djerba, os menzeis tinham funções defensivas e por isso têm características de pequenas fortalezas. Alguns estudiosos sugerem que a planta básica dos menzeis pode ter tido origem nos fortes dos limes (fronteiras fortificadas) romanas, que existiram no sul da Tunísia, nomeadamente o que é atualmente a província de Tataouine.[5]
O houch
[editar | editar código-fonte]Os houch, as áreas habitacionais do menzel, são quadradas ou retangulares, sem janelas para o exterior. As janelas abrem-se geralmente para um pátio interior, em redor do qual se encontram dois a quatro blocos habitacionais (dar) de tamanho variável,[3] usualmente cobertos por abóbadas e cúpulas, o que constitui um isolamento térmico muito eficaz contra o calor.[6] Os dar podem ser divididos por tabiques internos, portas, ou simples cortinas (kella), onde se encontram as chamadas sedda ou doukkana (quartos de dormir), magsoura (pequenos quartos), el-khzana (despensa) e mesthan ou moust-han (pequenos quartos de banho sem sanita).[3] O doukkana, o quarto de dormir de inverno, tem o teto em abóbada e dispõe de uma ed-dokkana, uma plataforma elevada em forma de bancada, com cerca de 50 cm de altura, que serve de cama. Junto a uma das suas extremidades existe um nicho mural (taga) que serve de mesa de cabeceira. Num dos cantos há um pequeno oríficio para o exterior, o el-midhouaya, que permite ver o nascer do sol, ou seja, saber quando são horas de se levantar. O moust-han dispõe dum chuveiro rudimentar, constituído por um pote de barro (el-briq), pendurado entre duas estacas acima da altura da cabeça. Na el-khzana eram guardados azeite, tâmaras e cereais em grandes ânforas (sefri).[7] No passado, os rapazes que se casavam obtinham o seu próprio apartamento no houch dos pais.[3]
A sqifa, situada na entrada, é a área do menzel onde se reúnem os seus habitantes e serve também para receber os vizinhos e os visitantes menos importantes. Para os visitantes mais importantes, as famílias mais abastadas dispõem em geral dum makhzin dhiafa, um bloco independente ou anexo ao houch, que frequentemente tem uma entrada para o exterior.[8] Outra das partes do menzel é o khouss, uma construção em troncos de palmeira onde funcionam a cozinha e a casa de banho. A cozinha pode também ser uma parte de certa forma autónoma, recebendo então o nome de matbakh. A casa de banho com sanita tem o nome de knif ou mihadh. A área de lavagens, o houch el bir, onde se guardam os potes de água - geralmente salobra - que é usada nos trabalhos de lavagem que não incluem detergentes.[9]
Em alguns casos, além destas partes o houch tem uma ou várias gorfas,[nt 1][6] torres ou blocos quadrados mais altos que o resto do houch, situados nos cantos deste.[7] O acesso às gorfas é feito por uma escada interior rígida e sem corrimão,[6] por baixo da pode existir um nicho profundo (el-mkhaba) onde era guardada a et-tass, uma pequena ânfora de gargalo largo onde se guarda a farinha de cevada usada como base da zammita (ou zommita), um dos pratos tradicionalmente mais consumidos em Djerba, principalmente ao pequeno-almoço.[7] Durante a estação quente, as gorfas dos'menzeis são usadas como quartos de dormir devido à sua frescura. São as únicas partes do menzel que têm pequenas frestas viradas para o exterior,[6] judiciosamente orientadas de forma a captar a brisa marítima, que refresca o interior.[7]
Mobiliário
[editar | editar código-fonte]O mobiliário é geralmente simples e austero. As camas são simples colchões colocados diretamente em cima de esteiras (h'sira) ou sobre estrados ou banquetas de alvenaria (sedda ou doukkana). Há arcas ou grandes potes para guardar a roupa,[9] marfaa (espécie de cabides), sofra ou mida (espécie de mesas baixas onde se come sentado em esteiras ou almofadas compridas e baixas chamadas gaada). As reservas alimentares eram conservadas em grande potes de barro cozido (khabia, tass, zir ou sefri), fabricadas há séculos na aldeia de Guellala, de onde provém igualmente toda a loiça tradicional de Djerba.[nt 2][10]
Cisternas
[editar | editar código-fonte]Tendo em conta a fraca pluviosidade (menos de 250 mm por ano) e a consequente falta de água potável, os djerbanos ganharam o hábito de construir cisternas para recolher e armazenar a água das chuvas através de implúvios.[nt 3] Há dois tipos de cisternas: as feskia ou fesghia e as majen ou majel. As primeiras são geralmente subterrâneas, de forma retangular ou quadrada e situam-se no exterior do houch.[9] As segundas assemelham-se a enormes garrafões largos e abertos, e são construídas na maior parte das vezes dentro do pátio interior do houch. Os majen e as feskia recolhem a água da chuva que cai no teto das habitações, terraços e pátios, que todos os anos são caiadas com cal viva (jir) antes da estação húmida a fim de garantir alguma higiene. Este sistema de recolha de água pluvial já existia na época romana, tendo sido descobertas grandes cisternas na antiga cidade de Meninx. Em 1967 estimou-se em cerca de 1 000 000 m² a área usada por implúvios em Djerba.[12]
Notas e referências
[editar | editar código-fonte]- Texto inicialmente baseado na tradução dos artigos «Djerba» na Wikipédia em francês (acessado nesta versão) e «Menzel» na Wikipédia em francês (acessado nesta versão).
- ↑ O termo gorfa está geralmente associado aos alvéolos, ou cubículos que constituem o elemento base dos alcáceres do Magrebe, uma espécie de celeiros e armazéns fortificados, mas em Djerba, quando aplicado aos menzeis tem um significado diferente.
- ↑ O tipo de loiça fabricado em Guellala era já usada pelos romanos para a exportação de azeite de Djerba para Roma.
- ↑ "Impluvium" no artigo da Wikipédia em francês. Em sentido estrito, um implúvio (em latim: impluvium) era um pátio descoberto ou tanque existente nas casas romanas onde era recolhida a água da chuva que escorria dos telhados.[11] Em francês, o termo latino é também usado para designar outros sistemas semelhantes para captação e armazenagem de água pluvial (ver «Impluvium» na Wikipédia em francês).
- ↑ Éternelle Djerba 1998, p. 50-51
- ↑ Bernard 2002.
- ↑ a b c d «Le menzel djerbien vu par Yatou TV - France 3 Corse». www.djerbaexplore.com (em francês). Parc Djerba Explore - Le conservatoire du patrimoine djerbien. Consultado em 14 de agosto de 2012
- ↑ Éternelle Djerba 1998, p. 47
- ↑ Morris 2001, p. 378.
- ↑ a b c d Ouezdou 2007, p. 34.
- ↑ a b c d Bouslama 2010, p. 13.
- ↑ Stablo 1941, p. 164.
- ↑ a b c Éternelle Djerba 1998, p. 48
- ↑ Stablo 1941, p. 114.
- ↑ «Implúvio». www.Infopedia.pt. Consultado em 27 de setembro de 2012
- ↑ Tlatli 1967, p. 34.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Bernard, Élise (2002), «Djerba, tourisme international et nouvelles logiques migratoires», Revue européenne des migrations internationales (REMI), ISSN 1777-5418 (em francês), 18 (1): 102-103, consultado em 13 de agosto de 2012
- Bouslama, Abdelmajid (2010). Les portes du Menzel (em francês). [S.l.]: Paris: Éditions Abencérage; Cartago: Éditions cartaginoiseries. p. 344. ISBN 9789973704184. Consultado em 27 de setembro de 2012
- Morris, Peter; Jacobs, Daniel (2001). The Rough Guide to Tunisia (em inglês) 6ª ed. Londres: Rough Guide. p. 503. ISBN 1-85828-748-0
- Ouezdou, Hédi Ben (2007). Découvrir la Tunisie du Sud. Djerba. Perle de la Méditerranée (em francês). Tunes: [s.n.] ISBN 9789973616043
- Tlatli, Salah-Eddine (1967). Djerba. L’île des Lotophages (em francês). Tunes: Cérès Productions. p. 191. OCLC 3206295. Consultado em 12 de agosto de 2012
- Stablo, René (1941). Les Djerbiens. Une communauté arabo-berbère dans une île de l’Afrique française (em francês). Tunes: SAPI. p. 164. OCLC 32421833. Consultado em 12 de agosto de 2012
- Éternelle Djerba (em francês). Tunes: Association de sauvegarde de l’île de Djerba et Société tunisienne des arts graphiques; Société tunisienne des arts graphiques. 1998. p. 94. OCLC 49614743
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Tmarzizet, Kamel (inverno de 1993). «Les Djerbiens, des migrants séculaires» (PDF). www.revues-plurielles.org (em francês). Confluences Méditerranée. pp. 74–75. Consultado em 6 de outubro de 2012
- Ajmi, Mimita (1987). «Pour la sauvegarde du patrimoine et de l'environment d'une île mediterranéenne : l'île de Djerba - Tunisie» (PDF). www.international.icomos.org (em francês). ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Consultado em 6 de outubro de 2012
- «Maison de Djerba - Tunisie» (PDF). www.meda-corpus.net (em francês). Corpus — Euromed Heritage — Architecture Tradtionelle Méditerranéenne. 2001. Consultado em 6 de outubro de 2012
- Cabre, Monique (23 de janeiro de 2012). «Musée de Guellala : l'authenticité du patrimoine djerbien». www.Micmag.net (em francês). Consultado em 6 de outubro de 2012
- «Dossier de presse» (PDF). www.djerbaexplore.com (em francês). Parc Djerba Explore. 2006. 9 páginas. Consultado em 6 de outubro de 2012
- Parc Djerba Explore - Le conservatoire du patrimoine djerbien - les videos (em francês, inglês e alemão). www.djerbaexplore.com. Página visitada em 12 de agosto de 2012