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Martingale

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Em teoria das probabilidades, um martingale é um modelo de jogo honesto (fair game) em que o conhecimento de eventos passados nunca ajuda a prever os ganhos futuros e apenas o evento atual importa. Em particular, um martingale é uma sequência de variáveis aleatórias (isto é, um processo estocástico) para o qual, a qualquer tempo específico na sequência observada, a esperança do próximo valor na sequência é igual ao valor presentemente observado, mesmo dado o conhecimento de todos os valores anteriormente observados.[1]

O movimento browniano parado é um exemplo de martingale. Ele pode modelar um jogo de cara ou coroa com a possibilidade de falência.

Em contraste, em um processo que não é um martingale, o valor esperado do processo em um tempo pode ainda ser igual ao valor esperado do processo no tempo seguinte. Entretanto, o conhecimento de eventos anteriores (por exemplo, todas as cartas anteriormente retiradas de um baralho) pode ajudar a reduzir a incerteza sobre os eventos futuros. Assim, o valor esperado do próximo evento, dado o conhecimento do evento presente e de todos os anteriores, pode ser mais elevado do que o do presente evento se uma estratégia de ganho for usada. Martingales excluem a possibilidade de estratégias de ganho baseadas no histórico do jogo e, portanto, são um modelo de jogos honestos. É também uma técnica utilizada no mercado financeiro, para recuperar operações perdidas. Dobra-se a segunda mão para recuperar a anterior, e assim sucessivamente, até o acerto.

Martingale é o sistema de apostas mais comum na roleta. A popularidade deste sistema se deve à sua simplicidade e acessibilidade. O jogo Martingale dá a impressão enganosa de vitórias rápidas e fáceis. A essência do sistema de jogo da roleta Martingale é a seguinte: fazemos uma aposta em uma chance igual de roleta (vermelho-preto, par-ímpar), por exemplo, no “vermelho”: fazemos uma aposta na roleta por 1 dólar; se você perder, dobramos e apostamos $ 2. Se perdermos na roleta, perderemos a aposta atual ($ 2) e a aposta anterior ($ 1) de $ 3. 4, por exemplo. duas apostas ganham (1 + 2 = $ 3) e temos um ganho líquido de $ 1 na roleta. Se você perder uma segunda vez na roleta Martingale, dobramos a aposta novamente (agora é $ 4). Se ganharmos, ganharemos de volta as duas apostas anteriores (1 + 2 = 3 dólares) e a atual (4 dólares) da roda da roleta, e novamente ganharemos 1 dólar do cassino [2].

Originalmente, a expressão "martingale" se referia a um grupo de estratégias de aposta popular na França do século XVIII.[3][4] A mais simples destas estratégias foi projetada para um jogo em que o apostador ganhava se a moeda desse cara e perdia se a moeda desse coroa. A estratégia fazia o apostador dobrar sua aposta depois de cada derrota a fim de que a primeira vitória recuperasse todas as perdas anteriores, além de um lucro igual à primeira aposta. Conforme o dinheiro e o tempo disponível do apostador se aproximam conjuntamente do infinito, a possibilidade de eventualmente dar cara se aproxima de 1, o que faz a estratégia de aposta martingale parecer como algo certo. Entretanto, o crescimento exponencial das apostas eventualmente leva os apostadores à falência, assumindo de forma óbvia e realista que a quantidade de dinheiro do apostador é finita (uma das razões pelas quais casinos, ainda que desfrutem normativamente de uma vantagem matemática nos jogos oferecidos aos seus clientes, impõem limites às apostas). Um movimento browniano parado, que é um processo martingale, pode ser usado para descrever a trajetória de tais jogos.

O conceito de martingale em teoria das probabilidades foi introduzido por Paul Lévy em 1934, ainda que ele não lhes tivesse dado este nome.[5] O termo "martingale" foi introduzido em 1939 por Jean Ville,[6] que também estendeu a definição à martingales contínuos.[7] Muito do desenvolvimento original da teoria foi feito por Joseph Leo Doob, entre outros.[8] Parte da motivação daquele trabalho era mostrar a impossibilidade de estratégias de aposta bem-sucedidas.[9]

Uma definição básica de um martingale de tempo discreto diz que ele é um processo estocástico (isto é, uma sequência de variáveis aleatórias) de tempo discreto que satisfaz, para qualquer tempo ,

Isto é, o valor esperado condicional da próxima observação, dadas todas as observações anteriores, é igual à mais recente observação.[10]

Sequências martingale em relação a outra sequência

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Mais geralmente, uma sequência é considerada um martingale em relação a outra sequência se, para todo ,

Da mesma forma, um martingale de tempo contínuo em relação ao processo estocástico é um processo estocástico tal que, para todo ,

Isto expressa a propriedade de que o valor esperado condicional de qualquer observação no tempo , dadas todas as observações até o tempo , é igual à observação no tempo (considerando que ).

Definição geral

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Em geral, um processo estocástico é um martingale em relação a uma filtração e medida de probabilidade se

  • for uma filtração do espaço de probabilidade subjacente ();
  • for adaptado à filtração , isto é, para cada no conjunto de índices , a variável aleatória for uma função mensurável ;
  • Para cada , estiver no espaço Lp , isto é,
  • Para todo e todo , sendo , e todo
em que denota a função indicadora do evento .
A última condição é denotada como
que é uma forma geral de valor esperado condicional.[11]

É importante notar que a propriedade martingale envolve tanto a filtração, como a medida de probabilidade (em relação à qual os valores esperados são assumidos). É possível que seja um martingale em relação a uma medida, mas não em relação a outra. O Teorema de Girsanov oferece uma forma de encontrar uma medida em relação à qual um processo de Itō é um martingale.[12]

Exemplos de martingales

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  • Um passeio aleatório não viesado (em qualquer número de dimensões) é um exemplo de martingale.
  • O dinheiro de um apostador é um martingale se todos os jogos de aposta com que ele se envolver forem honestos.
  • Uma urna de Pólya contém uma quantidade de bolas de diferentes cores. A cada iteração, uma bola é aleatoriamente retirada da urna e substituída por várias outras da mesma cor. Para qualquer cor dada, a fração das bolas na urna com aquela cor é um martingale. Por exemplo, se atualmente 95% da bolas são vermelhas, então, ainda que a próxima iteração mais provavelmente adicione bolas vermelhas e não de outra cor, este viés está exatamente equilibrado pelo fato de que adicionar mais bolas vermelhas altera a fração de forma muito menos significativa do que adicionar o mesmo número de bolas não vermelhas alteraria.
  • Suponha que seja o dinheiro de um apostador depois que uma moeda honesta foi jogada vezes, sendo que o apostador ganha $1 se der cara e perde $1 se der coroa. O valor esperado condicional do dinheiro do apostador depois que a moeda for jogada novamente, dado o histórico, é igual ao dinheiro atual. Esta sequência é, portanto, um martingale.
  • Considere , em que é o dinheiro do apostador no exemplo acima. Então, a sequência é um martingale. Isto também pode ser usado para mostrar que o total de vitórias ou derrotas do apostador varia aproximadamente entre menos e mais a raiz quadrada do número de vezes que a moeda for jogada.
  • No caso de um martingale de Moivre, suponha que a moeda é desonesta, isto é, viesada, com probabilidade de dar cara e probabilidade de dar coroa. Considere
com se der cara e se der coroa. Considere
Então, é um martingale com relação à . Para mostrar isto,
  • No teste de razão de verossimilhança em estatística, uma variável aleatória é tida como distribuída de acordo com uma densidade de probabilidade ou uma densidade de probabilidade diferente . Uma amostra aleatória é tomada.[13] Considere a razão de verossimilhança
Se for verdadeiramente distribuída de acordo com a densidade e não com a densidade , então é um martingale com relação a .
  • Suponha que uma ameba se divide em duas amebas com probabilidade ou morre com probabilidade . Considere o número de amebas sobreviventes na -ésima geração (em particular, , se a população estiver extinta naquele momento). Considere a probabilidade de eventual extinção. Considerar como uma função de é um exercício instrutivo. A probabilidade de que os descendentes de uma ameba eventualmente morram é igual à probabilidade de que qualquer um de seus descendentes imediatos morra, dado que a ameba original se dividiu.[14] Então
é um martingale em relação a .
Uma série martingale criada por software.
  • Em uma comunidade ecológica (um grupo de espécies em um nível trófico particular, competindo por recursos semelhantes em uma área local), o número de indivíduos de qualquer espécie particular de tamanho fixado é uma função de tempo (discreto) e pode ser visto como uma sequência de variáveis aleatórias. Esta sequência é um martingale sob a teoria neutra unificada de biodiversidade e biogeografia.
  • Se for um processo de Poisson com intensidade , então o processo de Poisson compensado é um martingale de tempo contínuo com caminhos amostrais contínuos à direita/limitados à esquerda.

Submartingales, supermartingales e relação com funções harmônicas

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Há duas generalizações populares de um martingale que também incluem casos em que a observação atual não é necessariamente igual à futura expectativa condicional , mas, em vez disto, a um limite superior ou inferior à expectativa condicional. Estas definições refletem uma relação entre a teoria do martingale e a teoria do potencial, que é o estudo das funções harmônicas.[15] Assim como um martingale de tempo contínuo satisfaz a , uma função harmônica satisfaz a equação diferencial parcial , em que é o operador de Laplace. Dado um processo de movimento browniano e uma função harmônica , o processo resultante também é um martingale.

  • Um submartingale de tempo discreto é uma sequência de variáveis aleatórias integráveis que satisfaz a
Da mesma forma, um submartingale de tempo contínuo satisfaz a
Em teoria do potencial, uma função sub-harmônica satisfaz a . Qualquer função sub-harmônica limitada acima por uma função harmônica para todos os pontos no limite de uma bola é limitada acima pela função harmônica para todos os pontos dentro da bola. Da mesma forma, se um submartingale e um martingale tem expectativas equivalentes para um dado tempo, o histórico do submartingale tende a ser limitado acima pelo histórico do martingale. Grosso modo, o prefixo "sub-" é consistente porque a atual observação é menor ou igual à expectativa condicional . Consequentemente, a observação atual oferece apoio a partir de baixo da futura expectativa condicional e o processo tende a crescer no tempo futuro.
  • De forma análoga, um supermartingale de tempo discreto satisfaz a
Da mesma forma, um supermartingale de tempo contínuo satisfaz a
Em teoria do potencial, uma função super-harmônica satisfaz a . Qualquer função super-harmônica limitada abaixo por uma função harmônica para todos os pontos no limite de uma bola é limitada abaixo pela função harmônica para todos os pontos dentro da bola. Da mesma forma, se um supermartingale e um martingale tem expectativas equivalentes para um dado tempo, o histórico do supermartingale tende a ser limitado abaixo pelo histórico do martingale. Grosso modo, o prefixo "super-" é consistente porque a atual observação é maior ou igual à expectativa condicional . Consequentemente, a observação atual oferece apoio a partir de cima da futura expectativa condicional e o processo tende a decrescer no tempo futuro.

Exemplos de submartingales e supermartingales

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  • Todo martingale é também um submartingale e um supermartingale. Reciprocamente, todo processo estocástico que é tanto um submartingale, como um supermartingale, é um martingale.
  • Considere novamente um apostador que ganha $1 quando uma moeda der cara e perde $1 quando a moeda der coroa. Suponha agora que a moeda possa estar viesada e que ela dê cara com probabilidade .
    • Se for igual a , o apostador em média não perde, nem ganha dinheiro e a riqueza do apostador ao longo do tempo é um martingale.
    • Se for menor que , o apostador perde dinheiro em média e a riqueza do apostador ao longo do tempo é um supermartingale.
    • Se for maior que , o apostador ganha dinheiro em média e a riqueza do apostador ao longo do tempo é um submartingale.
  • Uma função convexa de um martingale é um submartingale pela desigualdade de Jensen. Por exemplo, o quadrado da riqueza de um apostador em jogo de moeda honesta é um submartingale (o que também se segue do fato de que é um martingale). Da mesma forma, uma função côncava de um martingale é um supermartingale.

Martingales e tempos de parada

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Um tempo de parada em relação a uma sequência de variáveis aleatórias é uma variável aleatória com a propriedade de que para cada , a ocorrência ou a não ocorrência do evento depende apenas dos valores de . A intuição por trás da definição é que, a qualquer tempo particular , pode-se observar a sequência até o momento e dizer se é hora de parar. Um exemplo na vida real pode ser o tempo em que um apostador deixa a mesa de apostas, o que pode ser uma função de suas vitórias anteriores (por exemplo, ele pode deixar a mesa apenas quando ele vai à falência), mas ele não pode escolher entre ficar ou sair com base no resultando de jogos que ainda não ocorreram.[16]

Em alguns contextos, o conceito de tempo de parada é definido exigindo-se apenas que a ocorrência ou não ocorrência do evento seja probabilisticamente independente de , mas não que isto seja completamente determinado pelo histórico do processo até o tempo . Isto é uma condição mais fraca do que aquela descrita no parágrafo acima, mas é forte o bastante para servir em algumas das provas em que tempos de parada são usados.

Uma das propriedades básicas de martingales é que, se for um (sub/super)martingale e for um tempo de parada, então, o processo parado correspondente definido por é também um (sub/super) martingale.

O conceito de um martingale parado leva a uma série de teoremas importantes, incluindo, por exemplo, o teorema da parada opcional, que afirma que, sob certas condições, o valor esperado de um martingale em um tempo de parada é igual ao seu valor inicial.

  1. Williams, David (14 de fevereiro de 1991). Probability with Martingales (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9780521406055 
  2. «A Estratégia Martingale» 
  3. Balsara, N. J. (1992). Money Management Strategies for Futures Traders. [S.l.]: Wiley Finance. p. 122. ISBN 0-471-52215-5 
  4. Mansuy, Roger (junho de 2009). «The Origins of the Word "Martingale"» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 8 de maio de 2017 
  5. Mazliak, Laurent (junho de 2009). «How Paul Lévy saw Jean Ville and Martingales» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  6. Shafer, Glenn (junho de 2009). «The education of Jean André Ville» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  7. Ville, Jean (1 de janeiro de 1939). Étude critique de la notion de collectif (em francês). [S.l.]: Gauthier-Villars 
  8. Locker, Bernard Locker (junho de 2009). «Doob at Lyon» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  9. Meyer, Paul-André (junho de 2009). «Stochastic Processes from 1950 to the Present» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  10. «Martingale - Encyclopedia of Mathematics». www.encyclopediaofmath.org (em inglês). Consultado em 10 de maio de 2017 
  11. Grimmett, G.; Stirzaker, D. (2001). Probability and Random Processes 3rd ed. [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 0-19-857223-9 
  12. Watanabe, Shinzo (junho de 2009). «The Japanese Contributions to Martingales» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  13. Tze, Leung Lai (junho de 2009). «Martingales in Sequential Analysis and Time Series, 1945–1985» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  14. Aalen, Odd; Andersen, Per Kragh; Borgan, Ørnulf; Gill, Richard; Keiding, Niels (junho de 2009). «History of applications of martingales in survival analysis» (PDF). Electronic Journal for History of Probability and Statistics. 5 (1). Consultado em 10 de maio de 2017 
  15. Kleinert, Hagen (1 de janeiro de 2009). Path Integrals in Quantum Mechanics, Statistics, Polymer Physics, and Financial Markets (em inglês). [S.l.]: World Scientific. ISBN 9789814273558 
  16. Siminelakis, Paris (24 de março de 2010). «Martingales and Stopping Times» (PDF). Corelab - Computation and Reasoning Laboratory. Consultado em 10 de maio de 2017. Arquivado do original (PDF) em 19 de fevereiro de 2018