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Graciano (jurista)

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 Nota: Se procura pelo imperador romano do século IV, veja Graciano.
Graciano
Franciscus Gracianus
Graciano (jurista)
Retrato de Graciano em um exemplar do século XIII do livro Concordia discordantium canonum
Nascimento Século XII
Possivelmente em Chiusi, Itália
Morte Século XIII
Supostamente enterrado em Bolonha
Ocupação Monge jurista e professor de teologia

Graciano, também conhecido como Franciscus Gracianus ou Johannes Gratianus (A), foi um monge jurista camaldulense e professor de teologia bolonhês. Suas datas exatas de nascimento e morte são desconhecidas, embora saiba-se que sua vida transcorreu entre os séculos XII e XIII. É considerado o pai do direito canônico graças a sua obra Concordia discordantium canonum,[1] que permaneceu em vigência até 1917.[2]

A pouca informação que se tem sobre Graciano é fornecida em sua própria obra, nos sumários e compilações dos primeiros exemplares do século XII.[3] Também não há certeza se a obra é de sua escrita ou se foi apenas uma compilação.[4]

Com comentários ulteriores e adendos, a obra de Graciano foi incorporada à chamada Corpus Juris Canonici.[5] Seu Decretum Gratiani, como ficou conhecido, tornar-se-ia rapidamente o livro-texto padrão de estudantes do direito canônico por toda a Europa, embora sem nunca ter recebido algum reconhecimento oficial do papado. Somente o Codex Juris Canonici, de 1917, o colocaria em desuso.[2]

Biografia e especulação

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A vida de Graciano está sujeita a muita especulação, visto que a biografia tradicional que nos foi legada é demonstradamente falsa em sua maioria, inclusive restando dúvidas concernentes ao seu título de monge.[6](B) Outros cronistas o definem como conselheiro do papa Inocêncio II (1130-1143) ou de Eugênio II (1145-1163), embora sua condição de monge seja corroborada pela maioria da doutrina.[7][8][9][10] Por outro lado, sabe-se com total certeza que Graciano foi o autor de Concordia discordantium canonum.[11]

Segundo a Crônica de Martin von Troppau, Graciano nasceu em Chiusi della Verna, uma cidade toscana da Itália.

Segundo outras versões, poderia ter nascido em Orvieto, na cidade italiana de Ombrie. Graciano tornou-se monge em Camaldoli, dedicando-se depois ao ensino do Direito no monastério de San Félix na Bolonha[12] consagrando sua vida a estudar os cânones eclesiásticos, elaborando seu Decreto de Graciano. Segundo parece, foi ajudado por seus discípulos do monastério de San Félix — especialmente de Paucapalea —, que continuaram sua obra, acrescentando inclusive as chamadas Paleae.[13]

Graciano foi membro da Faculdade de Direito da Universidade de Bolonha durante a Alta Idade Média.

Suas conquistas no campo do direito canônico tornaram-no uma eminência da época e, junto ao prestígio de Irnério no campo do direito civil, converteram a Bolonha no centro de excelência de estudo do Direito. Graças a ambos, após a proliferação de universidades por toda a Europa o Direito passou a ser uma ciência jurídica independente da retórica e se difundiu por todo o continente, sendo o epicentro dessa revolução a própria Universidade de Bolonha, sendo Graciano o precursor do ramo de direito canônico.[14] Convém, no entanto, ter em conta que o direito canônico não surgiu com Graciano, senão o seu estudo científico: ensinou a deduzir dos textos antigos o seu sentido genuíno, a aplicar as normas antigas às exigências contemporâneas, a resolver as controvérias e a suprir as lacunas.[13]

A data, causa e local de sua morte também são desconhecidos. Provavelmente ocorreu antes do III Concílio de Latrão (1179), posto que segundo as crônicas da época "sentiu-se a ausência do Mestre Graciano". Também se desconhece o local onde foi enterrado, embora a cidade de Bolonha tenha reivindicado essa honra, inclusive construindo um monumento funerário em sua homenagem na Basílica de São Petrônio.

Graciano reuniu uma grande quantidade de doutrinas, incluindo interpretações da Bíblia, legislação papal e conciliar, leis seculares, entre muitas outras, em seus esforços de conciliar e unificar o direito canônico, sistematizando-o e eliminando possíveis contradições. Sua compilação, a Concordia discordantium canonum ou Decreto de Graciano é sua obra mais importante.

Decreto de Graciano

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Ver artigo principal: Decreto de Graciano

O Decretum de Gratiani ou Concordia discordantium canonum (Concordância das Discordâncias dos Cânones[15]) é uma obra pertencente ao direito canônico que, como indica seu título, trata de conciliar a grande quantidade de cânones existentes desde séculos anteriores, muitos dos quais opostos entre si. Forma a primeira parte da coleção de seis textos jurídicos, conhecida como a recompilação Codex Juris Canonici.

Essa obra de enormes proporções representou um passo importante na consolidação e unificação do Direito da Igreja na Alta e na Baixa Idade Média, além de aumentar a importância do canonista, que passou a ter uma atividade doutrinária própria, até então restrita à política legislativa pontifícia.[16]

Exemplar do manuscrito original.

O Decreto de Graciano é uma coleção de cerca de 3.800 textos que recolhem e sistematizam o direito canônico anterior (ver Fontes). A obra encontra-se estruturada em três partes: A primeira consiste nas distinciones, que trata das fontes do direito, da hierarquia eclesiástica e das disciplinas do clero; a segunda parte consiste em trinta e seis causae, cada uma dividida em questiones que tratam, entre outras coisas, do processo judicial, ordens religiosas, heresias, casamento e penitência; a terceira parte, de consecratione, diz respeito aos demais sacramentos.[17]

As fontes da obra de Graciano foram a Bíblia, as bulas papais, a patrística, cânons pertencentes aos concílios e sínodos tanto ecumênicos como nacionais e provinciais, sejam europeus, africanos ou asiáticos.[16] Na maioria dos casos, Graciano não obteve este material de uma leitura diretamente das fontes, mas através de coleções secundárias (segundo eruditos como Charles Munier,[18] Titus Lenherr[19] ou Peter Landau).[20][21][22]

Em sua obra, Graciano recorreu à técnica dialética do sic et non elaborada por Pierre Abélard. Também reconheceu o valor relativo às diferenças das fontes e introduziu a ideia de jurisprudência no direito canônico, além de conferir a este um valor notavelmente prático e útil para sua aplicação. Por isso, embora sua obra não tenha sido considerada oficial, sua utilização estendeu-se por toda a Europa e através da História, consagrando Graciano como a maior influência do direito canônico moderno.

Influência e repercussão

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O nome pelo qual Graciano batizou seu trabalho (Concordância das Discordâncias dos Cânones) sugere o objetivo que buscava: harmonizar os cânones redigidos ao longo da Alta e início da Baixa Idade Média, que, em muitos casos, mantinham contradições entre si. Nesse sentido, Graciano discute em sua obra as diversas interpretações e uma única solução proposta para cada tema. Esta abordagem dialética permitiu que outros professores das leis canônicas trabalhassem com o Decretum, desarolando suas próprias conclusões, soluções e comentários.

Iluminura de uma página do livro Concordia discordantium canonum, feito por Graciano no século XIII.

O resultado final do trabalho realizado por Graciano foi conseguir a unificação jurídica proposta ao final da Alta Idade Média pela Igreja, que pôde com isso abandonar o particularismo das igrejas nacionais e criar um único e centralizado poder dentro do direito canônico. O movimento denominado reforma gregoriana só conseguiu ser implementado mediante a política legislativa pontifícia, pelo que foi novidade o passo importante de consolidação motivado pela atividade doutrinária canonista.[16]

Embora não tenha sido promulgado oficialmente, na prática o Decretum difundiu-se amplamente por sua utilidade na sistematização e clarificação da jurisprudência pontifícia e pela autoridade doutrinal dos textos contidos na obra, o que ajudou na proliferação do direito canônico durante o século XII, permanecendo em vigência até 1917, quando foi promulgado o Código de Direito Canônico durante o movimento conhecido como "Codificação", que percorreu toda a Europa.

Por ter uma estrutura bastante didática, a obra foi adotada rapidamente pelas escolas de Direito, primeiramente pela de Bolonha, considerada como a capital européia do estudo do Direito à época. Foi rapidamente interpretada e comentada, ajudando no ensino do direito canônico. Graciano, por isso, hoje é conhecido como uma das mais notáveis figuras de direito canônico.

Destaca-se a sua influência em Pedro Lombardo (a biografia medieval dizia que era irmão de Graciano, inclusive que eram gêmeos)[23] e, por isso, de forma estendida em Tomás de Aquino.

A partir do Drecreto de Graciano, o Direito geral da Igreja, de acordo com os postulados de Gregório VII, desenvolveu-se pela legislação pontifícia. Por isso, apesar de o Decretum ter desempenhado um papel importante na reunificação, foi logo necessário recompilar as disposições, sobre todas as Decretais), que não refletiam a situação da época.

Historiadores e estudiosos

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Os historiadores e estudiosos mais reconhecidos no que diz respeito a Graciano são:[24]

Nota (A): Outras variações conhecidas de seu nome: Jean Gratien, Gratiani ou Gratian e Giovanni Graziano.

Nota (B): Nas crônicas de Richard Howlett sobre Roberto de Torigni é revelado que este afirmava ser Graciano um bispo de Chiusi.[25]

Referências
  1. «Bibiografías Kirchenlexicon». 2 de Agosto de 2007. Consultado em 23 de Junho de 2008 
  2. a b Nelson Dellaferrera (2001). «Historia del Derecho y sus Fuentes II» (em espanhol). Facultad de Derecho Canónico del Universidad Católica de Argentina. 7 páginas. Consultado em 23 de Junho de 2008 
  3. "Johannes Gratian" na edição de 1913 da Enciclopédia Católica (em inglês). Em domínio público.
  4. Anders Winroth (5 de Maio de 2001). «Domus Gratiani - Homepage for Gratian Studies». Universidade de Yale. Consultado em 23 de Junho de 2008 
  5. BRODBECK, Rafael Vitola (8 de Julho de 2006). «Noções fundamentais de Direito Penal Canônico». Jus Navigandi. Consultado em 28 de agosto de 2022 
  6. Kenneth Pennington Medieval canonists: A Bibliographical Listing to Appear in History of Medieval Canon Law ("Canonistas Medievales: Una lista Bibliografica para Aparecer en la Historia del Derecho Canónico Medieval"). Washington.
  7. Peter Landau , "Gratian", en "Theologische Realenzyklopädie" (la Enciclopedia Teológica) de Berlín.
  8. Peter Landau , "Quellen und Bedeutung des gratianischen Dekrets" (Fuentes e importancia del Decreto de Graciano) y "Studia et documenta historiae et iuris" (Estudios y Documentos de Historia del Derecho).
  9. Stephan Kuttner , "Gratien", en el "Dictionnaire d’histoire et de géographie ecclésiastiques" (Diccionario de Historia y Geografía Eclesiásticas) de Paris.
  10. Stephan Kuttner , "Research on Gratian: acta andagenda" (Investigación sobre Graciano: Acta Andagenda) en "Proceedings of the Seventh International Congress of Medieval Canon Law" (Los Procedimientos del Séptimo Congreso Internacional de Derecho canónico Medieval) de la Ciudad del Vaticano.
  11. Terence McLaughlin , Summa parisiensis ad C. , q. , d. p. c. et C. , q. , c. de "Summa Parisiensis on the Decretum Gratiani" (Summae Parisiensis en el Decreto de Graciano) de Toronto.
  12. John T. Noonan, "Gratian Slept Here" (Graciano Durmió Aquí), un estudio sobre la crónica de Carlo Mesini que redacta una biografía del Magister Gratianus, padre del diritto canonico.
  13. a b Gianfranco Ghirlanda, "El Derecho en la Iglesia Misterio de Comunión", Las Fuentes del Derecho Eclesiástico. Madrid. Ediciones Paulinas 1990.
  14. Bibiografías Kirchenlexicon.
  15. Friedrich Heyer, "Der Titel der Kanonessammlung Gratians" (El Título de la Colección de Cánones de Graciano).
  16. a b c Enrique Gacto Fernández, Juan Antonio Alejandre García y José María García Marín, "Manual Básico de Historia del Derecho - Temas y antología de textos". 2006 Lasex S.L. pp.166-167. ISBN 84-922890-0-7
  17. Anders Winroth, "The Making of Gratian’s Decretum" (La Elaboración del Decreto de Graciano), New York. Publicado por la Universidad de Cambridge, 2000. ISBN 0521632641.
  18. Charles Munier, "Les sources patristiques du droit de l’église du VIIIe au XIIIe siècle" (Las Fuentes Patrísticas del Derecho eclesiástico del siglo VIII al siglo XIII) Mulhouse, 1957.
  19. Titus Lenherr, "Die Exkommunikations- und Depositionsgewalt der Häretiker bei Gratian und den Dekretisten bis zur Glossa ordinaria des Johannes Teutonicus" (La Excomunión y Deposición de los Herejes con Graciano y el Decreto hasta Lengua Ordinaria de Johannes Teutonicus), 1987. ISBN 3880963428
  20. Peter Landau, "Quellen und Bedeutung des gratianischen Dekrets" (Fuentes e importancia del Decreto de Graciano) y "Studia et documenta historiae et iuris" 218-235(Estudios y Documentos de Historia del Derecho) pp. 218-235 y Kanones und Dekretalen (Cánones y Decretales) pp. 177-205 y 207-224.
  21. Peter Landau, "Neue Forschungen zu vorgratianischen Kanonessammlungen und den Quellen des gratianischen Dekrets" (Nuevas Investigaciones a Colecciones de Cánones y las Fuentes del Decreto de Graciano), 1984
  22. Peter Landau, "Gratians Arbeitsplan" (Plan de Trabajo de Graciano) en Derecho canónico promovendo: publicación de aniversario para Heribert Schmitz en su 65 cumpleaños" pp. 691-707, 1994
  23. Anders Winroth, "Making of Gratian's Decretum, The Cambridge Studies in Medieval Life and Thought: Fourth Series" (Elaboración del Decreto de Graciano, los Estudios de Cambridge en Vida y Pensamiento Medievales: Cuarta Edición), Universidad de Cambridge, 15 de Febrero de 2005. ISBN 978-0521632645
  24. Reconocidos según la Universidad de Yale
  25. Richard Howlett "The Chronicles of the Reigns of Stephen, Henry II and Richard I. The Chronicle of Robert of Torigni" (Las Crónicas de los Reinos de Esteban, Enrique II y Ricardo I. La Crónica de Roberto de Torigni)

Ligações externas

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