Antropologia comportamental
Antropologia comportamental é o conjunto de conhecimentos e conceitos resultantes da aplicação das teorias do materialismo cultural e behaviorismo na análise dos costumes e hábitos de uma população. [1] [2] O paradigma do materialismo cultural praticamente foi estabelecido pelo antropólogo americano Marvin Harris (1927 - 2001) a partir das pioneiras concepções de cultura de Karl Marx, (1818 — 1883) e Friedrich Engels, (1820 — 1895), mais especificamente as noções de infraestrutura e superestrutura, e as concepções do psicólogo americano B. F. Skinner (1904 -1990) sobre cultura e ambiente social determinante dos costumes ou comportamentos habituais de um povo.
Para Skinner o ambiente social (formador da cultura) em parte é o resultado de procedimentos de grupo que geram o comportamento ético e a extensão desses procedimentos aos usos e costumes e, em parte é a realização as “agências controladoras” que possuem certa espécie de poder sobre as variáveis que afetam o comportamento humano. São essas agências de controle: o governo, a lei, a religião, processos como educação e psicoterapia e o controle econômico. A cultura na qual um indivíduo nasce se compõe de todas as variáveis que o afetam e que são dispostas por outras pessoas [3]
Segundo Ward e Eastman [4] a análise cultural tem sido sempre a essência filosófica do "behaviorismo radical" desde o início dessa proposição e como visto em importantes publicações de Skinner (Walden II, Ciência e Comportamento Humano, O mito da liberdade e Sobre o Behaviorismo).
No artigo de Richard W. Malott, “Comportamento controlado por regras e antropologia comportamental” (1988) [5]. esse autor propôs claramente a aproximação da psicologia comportamental à proposição do materialismo cultural, onde se afirma que práticas culturais resultam da ação dos integrantes daquela população e não de predisposições sociobiológicas, mentalísticas ou místicas (por ex., hindus idolatram vacas porque, à longo prazo, tal idolatria resulta em mais comida e não em menos comida). Uma regra, nesse caso é entendida como uma descrição verbal de uma contingência comportamental e uma contingência comportamental consiste de uma resposta, uma conseqüência e um estímulo discriminativo em cuja presença a resposta produzirá aquela conseqüência (Malott,1988 o.c.)
Voltando às definições de Skinner do seu livro "Ciência e comportamento humano" sabe-se que uma vez originado um costume, uso ou estilo, será automantido pelo sistema social que o observa e à medida que cada indivíduo vem se conformar com este. Seu proprio comportamento conformado contribui para o padrão com o qual o comportamento dos outros será comparado. (oc. p. 455)
Na sua fundamentação teórica Skinner recorre ainda à Thorstein Veblen, (1857 - 1929), autor de "A teoria da classe ociosa", para quem os membros de um grupo aderem às suas práticas para serem aceitos e para obter prestígio ao controlar aqueles que são incapazes de se controlar da mesma maneira. (Skinner (2003) oc. p. 454)
Behaviorismo, antropologia e comportamento
[editar | editar código-fonte]Como dizia o próprio Skinner, "grande parte daquilo que é chamado ciência do comportamento não é behaviorista", no sentido estrito do termo.[6] A própria antropologia cultural e social dividem-se quanto a acepção do conceito de comportamento, desdes as concepções do século XVIII de Immanuel Kant (1724-1804) sobre a metafísica dos costumes às "regras de conduta" submetidas a sanções e aprovação do grupo, entendidas ainda como costumes e crenças, mas cuidadosamente descritas pelas regras da etnologia moderna e trabalho de campo (etnografia).[7] O comportamento e as regras de conduta podem ainda ser entendidos como "atos tradicionais, agrupados (pelo etnógrafo) com vista ao seu efeito mecânico, físico ou químico, conhecidos como técnicas segundo Mauss [8] que ao contrário de Karl Marx (1818 — 1883), como ele cita, são atos tradicionais capazes de condicionar a economia. (Mauss,1972 o.c.), não sendo somente os fatores econômicos o que os condicionam e determinam.
Segundo Herskovits [9] antes de 1920, vários antropólogos como Franz Boas (1858 — 1942), Alexander A. Goldenweiser (1880 – 1940), Charles G. Seligman (1873 – 1940) e William H. R. Rivers (1864 — 1922) e outros "sublinharam a necessidade de levar muito em conta a psicologia", destacando que Boas falou da etnografia como de uma "disciplina behaviorista" e a obra de Clark Wissler (1870 – 1947), "Man and Culture", 1923 (O homem e a cultura) baseava seus argumentos psicológicos nas teorias dessa escola. Ainda segundo esse autor (Herskovits, 1948 o.c.) a teoria dos instintos (psicologia instintivista) era absolutamente incompatível com a variedade de costumes que a humanidade apresenta. Skinner, 2006 (o.c. p. 189) ressalta entretanto que há behavioristas que minimizam a importância da hereditariedade (referindo-se particularmente à Jacob R. Kantor (1888–1984)) mas que questões ambientais e especificamente sociais e políticas, representam um papel maior que aparentam. Observe-se porém a visão particular que o behaviorismo, leia-se Skinner, possui sobre o governo e instituições organizadas tais como religiões, sistemas econômicos, educacionais exercem sobre os indivíduos, infelizmente, via de regra, segundo ele, são imediatamente adversativas para aqueles que são controlados ou os exploram a longo prazo. (Skinner, 2006, o.c. p. 164))
As ciências do comportamento ainda hoje são compreendidas como uma ciência dos costumes, de abrangência inter-disciplinar entre a psicologia e as ciências sociais, sociologia e antropologia ou etnologia, sendo essa última definida como um estudo comparativo da humanidade e da cultura, procurando explicar a diversidade e a similaridade do comportamento humano em todo o mundo.[10] [11]
Segundo Melo e Moreira [12] a análise de práticas culturais envolve, necessariamente, a análise de contingências comportamentais. De certo modo a seleção, manutenção e extinção de comportamentos operantes (numa perspectiva individual ou ontogenética) não pode ser dissociado das práticas culturais. Contudo, assinam os autores, a complexidade das relações envolvidas em práticas culturais ou crenças torna a tarefa de analisá-las consideravelmente mais difícil que a análise de comportamentos individuais. Nesta análise deve ser considerado o comportamento social de origem filogenética que corresponde aos comportamentos em grupo que aumentam as chances de sobrevivência e/ou reprodução da espécie; e os de origem ontogenética, que correspondem aos comportamentos individuais com suas consequências mais ou menos associadas aos reforçadores estabelecidos em regras pela cultura ou na interação com outros indivíduos.
- ↑ Lloyd, K. E. Behavioral anthropology: A review of Marvin Harris' Cultural materialism. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1985, 43, 279-287 abstract Mar. 2014.
- ↑ Glenn Sigrid S. Contingencies and metacontingencies: Toward a synthesis of behavior analysis and cultural materialism. Behav Anal. 1988 Fall; 11(2): 161–179. PDF in: NCBI Resources Acesso Março 2014
- ↑ Skinner, B. F, Ciência e comportamento humano. SP, Martins Fontes, 2003
- ↑ Ward, Todd.A., Eastman, Raymond., & Ninness, Chris. (2009). "An Experimental Analysis of Cultural Materialism: The Effects of Various Modes of Production on Resource Sharing". Behavior and Social Issues, 18, 1-23.
- ↑ Malott, R. W. (1988). Rule-governed behavior and Behavioral Anthropology. The Behavior Analyst, 11, 181-203. Disponível em .pdf com tradução parcial no Boletim informativo ABPMC, nº 10, Ago. 1996)
- ↑ Skinner, B. F. Sobre o behaviorismo. SP, Cultrix, 2006
- ↑ Malinowski, B. Crime e Costume na Sociedade Selvagem (1926). DF, Ed. Universidade de Brasília, 2008
- ↑ Mauss, M. Manual de Etnografia. Lisboa, Ed.Portico, 1972.
- ↑ Herskovits. Melville J. Antropologia cultural (Man and his works) 2V, 1v. (1948). SP, Mestre Jou, 1963
- ↑ University of Michigan - Dearborn. Behavioral Sciences: Anthropology Academic Programs & Departments Jun. 2011
- ↑ Service, Elman R. Os caçadores. RJ, Zahar, 1971
- ↑ MELO, Camila Muchon; MOREIRA, Márcio Borges. Análise Comportamental da Cultura. in: MOREIRA, M. B. (Org.) Comportamento e Práticas Culturais. Brasília: Instituto Walden4, 2013 (Cap 7) p. 72, 90
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Lamal, Peter A. (Ed.) Behavioral Analysis of Societies and Cultural Practices. USA Hemispher Publishing Corporation, 1991 Google Books Acesso Março 2014
- Lamal, Peter A. (Ed.) Cultural Contingencies: Behavior Analytic Perspectives on Cultural Practices. USA, Praeger Publishers, 1997 Google Books Acesso Março 2014
- Malott, Richard W. Rule-governed behavior and behavioral anthropology. Behav Anal. 1988 Fall; 11(2): 181–203. PDF - NCBI Resources Acesso Março 2014