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22 fevereiro 2025

e assim vamos andando cada vez mais depressa para trás

 


Há pouco mais de um ano, a Alemanha escandalizou-se ao saber de uma reunião de pessoas ligadas ao partido AfD e outros grupos grupos da extrema direita, com o objectivo de definir uma estratégia em relação aos estrangeiros que vivem neste país. Talvez não seja por acaso que tenham marcado essa reunião para um cenário semelhante ao palacete da Conferência de Wannsee, e bastante perto deste.

"Remigração" foi a palavra que chocou a sociedade alemã: repatriação em larga escala de imigrantes, inclusivamente os seus descendentes nascidos na Alemanha e com nacionalidade alemã.

Esta revelação provocou a maior onda de manifestações desde a criação da República Federal Alemã. Não obstante, um ano depois, a AfD usa a palavra "remigração" com a maior naturalidade no espaço público, e tudo aponta para que venha a ser o segundo partido mais votado nas eleições de amanhã.

Pior ainda: também no discurso eleitoral dos partidos democráticos, os "estrangeiros" passaram a ser vistos como uma "ameaça" e um problema que a sociedade tem de resolver. A sociedade alemã regressou sem peias ao "nós" contra "eles".

Recentemente, num talk show, uma jornalista especializada na problemática dos refugiados, que conversa com eles nos campos, nas rotas de fuga e nos países de chegada, chamou a atenção aos outros participantes: "Estamos a falar de seres humanos como se fossem cadeiras desdobráveis". E lembrou os 25% da população alemã que tem uma história de migração, falou nesse "nós" contra "eles" que envenena o "nós todos" e provoca insegurança numa boa parte da população. Mas os políticos não aceitaram o repto, e voltaram ao chavão: "a migração é um problema, e tem de ser resolvido".

Podia resolver-se com reforço dos serviços administrativos, com mais aulas de alemão, mais programas de integração, mais creches, mais habitação, mais programas de formação profissional (o país precisa desesperadamente de mais pessoas no mercado de trabalho, e de dar uma volta à pirâmide etária). Mas não: no espaço do discurso público, a única maneira de resolver o "problema da migração" é com repatriamento, regras ainda mais apertadas e desumanas, e controle nas fronteiras.

Esta sociedade consegue fazer melhor, e já o mostrou em 2015. Quando Angela Merkel abriu as fronteiras aos desesperados que fugiam à guerra da Síria, os alemães viveram um momento alto da sua humanidade: o número de voluntários que queriam ajudar era superior ao dos refugiados. Muitas famílias abriram as suas casas a desconhecidos. Muitas pessoas assumiram o cargo de tutor de menores não acompanhados. Comunidades locais uniram-se para acolher essas pessoas e criar pontes. Lembro-me, por exemplo, de jovens de uma pequena cidade que organizaram grupos de skating com jovens refugiados.

2015 foi também o ano em que a AfD, que começara por apostar, sem êxito, no tema da saída do euro, viu finalmente a sua oportunidade para começar a ganhar algum poder: a instigação à xenofobia e ao ódio como ferramenta política. Foi introduzindo o seu discurso insidioso na sociedade, e o discurso foi corroendo os valores humanitários que as pessoas até então se esforçavam por assumir como seus. Merz, da CDU (o partido que ainda tem "cristão" no nome), que será provavelmente o próximo chanceler alemão, já chegou ao ponto de se referir aos filhos dos imigrantes muçulmanos como "pequenos paxás que não respeitam nada na escola primária". E também se queixou que os refugiados tiram o lugar aos alemães nas listas de espera dos dentistas. É o nível a que chegámos.

Com as eleições à vista, pouco antes do encerramento do Parlamento, Merz decidiu chantagear os outros partidos democráticos, provavelmente para aparecer aos olhos do eleitorado xenófobo como o homem forte que defende convictamente os seus interesses nacionalistas. Levou ao Parlamento uma proposta para serem tomadas medidas mais drásticas contra os imigrantes, incluindo medidas ilegais. Como era de esperar, os partidos democráticos votaram contra, e a proposta de Merz passou com os votos da AfD. Foi um momento muito estranho no Parlamento Federal: todos os deputados dos partidos democráticos com cara de enterro, inclusivamente o próprio autor da proposta, e os deputados da AfD aos vivas e aos abraços no plenário.

A classe política e grande parte da população ficaram em choque por Merz ter quebrado um tabu até agora consensual: não se leva a Parlamento nada que ofereça à AfD o papel de decisor. Merz veio para a comunicação social explicar o seu ponto de vista, repetindo por todo o lado que "uma coisa que é certa não deixa de ser certa por ser aprovada pelos errados". A mensagem é apelativa - mas um parlamento democrático não é lugar para desvarios quixotescos, e a Democracia não funciona assim. Um político que impõe aquilo que entende ser o certo, contra a realidade e contra todos, não é um democrata. A Democracia é um jogo de diálogo, atenção às diferentes perspectivas, negociação e concessão. "Eu é que sei o que é o certo, e imponho a minha vontade" é mais o estilo do Trump. De facto, se olharmos com atenção, vemos que já há muitos políticos europeus com traços de trumpismo - e não apenas o Merz, e não apenas na Alemanha.

A quebra daquele tabu provocou nova onda de manifestações com centenas de milhares de pessoas nas ruas. Duas amigas minhas, de 85 e 87 anos, estiveram numa manifestação várias horas em pé e no frio do inverno berlinense, porque estavam revoltadas. Uma delas comentou: "pela primeira vez na vida não vou votar CDU".

Mas as sondagens mostram que esta deriva autoritarista de Merz lhe rendeu um pequeno aumento das intenções de voto. E a AfD continua firme no seu lugar de segundo partido mais votado.

Amanhã a Alemanha vai votar. Longe vão os tempos em que o resultado das eleições não era realmente importante: um pouco mais à esquerda ou um pouco mais à direita, mas sempre com estabilidade democrática. Hoje em dia, a questão começa logo com a dúvida sobre a possibilidade de formar um governo estável. A extrema-direita populista paira sobre a Democracia como uma espada de Dâmocles. Assisto a tudo isto incrédula. Agora sei como foi possível que Hitler tomasse o poder. Como foi impossível impedir que Hitler tomasse o poder.

Uma amiga minha anda a ler o livro "Dança Sobre o Vulcão", sobre o ambiente nos loucos anos vinte na Berlim do século XX. E lamentou-se: "cem anos depois, temos o vulcão mas nem ao menos dançamos!"


16 fevereiro 2025

Berlinale 2025 - dia 1


1. Kaj ti je deklica (Little trouble girls), de Urška Djukić

Não consegui evitar os paralelos com o Gloria, de Margherita Vicario, que vi também na Berlinale no ano passado: primeira longa da realizadora, música, jovens mulheres ou adolescentes a cantar. Mas no Gloria a alegria e o prazer da música estão no centro; neste Kaj ti je deklica, a música é apenas a moldura que enquadra as tensões e a descoberta da sexualidade.


2. Minden Rendben (Growing Down), de Bálint Dániel Sós

Um filme bem feito, com bom ritmo, bons actores, e a pergunta que angustia: pode um pai obrigar o filho a mentir para escapar às consequências dos seus actos?


3. El Diablo Fuma (y guarda las cabezas de los cerillos quemados en la misma caja), de Ernesto Martínez Bucio

Também primeira longa metragem do realizador, tinha tudo para me conquistar: um título muito promissor, um bando de crianças. Digamos assim: não conquistou.


4. Das Licht (The Light), de Tom Tykwer

À saída da exibição, ouvi um jornalista a comentar com outro: "mas que foi isto?!" Isto é uma vertigem berlinense neste princípio do século XXI, com uma mensagem simples (estamos todos perdidos, cada um no seu próprio labirinto; só nos salvamos se tocarmos o essencial de mãos dadas com os outros. É isto, mas na forma de sopa da pedra cinematográfica: um pouco de tudo, e tudo e excesso. Ainda estou a decidir se gostei ou não, mas há duas cenas que não esqueço: o modo como filma o primeiro date de um adolescente (lindo!!!) e o comentário de uma vizinha perante a discussão do casal no patamar das escadas (não conto, mas: adoro os berlinenses!)




15 fevereiro 2025

Berlinale 2025 - sessão de abertura

A Berlinale continua política, e não é só nos temas de muitos dos filmes que exibe. Na abertura do festival, os carros dos VIP passavam por manifestantes com uma bandeira da Palestina e um cartaz a acusar a Alemanha de ser cúmplice do genocídio. Do outro lado das barreiras, no tapete vermelho, lembraram David Cunio, que há alguns anos veio a este festival apresentar o filme "Youth", onde teve o papel principal - e agora é um dos reféns do Hamas. 

Muita política, e o seu quê de provinciana, nomeadamente em certos vestidos: a boa, velha Berlinale!

Como sempre, as actrizes já consagradas vieram agasalhadinhas, e as que ainda andam a lutar pela vida passaram um frio dos diabos. Fan Bingbing, a actriz chinesa que faz parte do júri do concurso, veio agasalhada num braço e a passar frio no outro. Talvez falsa modéstia...

Infelizmente não consegui bilhete para a sessão de abertura. Por isso, tirei uma fotografias do povo de pé à neve, ainda passei pelo stand da Armani, onde insistiram muito para me fazer o make up (a mim! coitados, sabem lá eles com quem se meteram...) e fui cedo para casa, que não convém rebentar os foguetes todos logo no primeiro dia. 







 

Berlinale 2025 - cá vamos nós outra vez


 Cá vamos nós outra vez! Até 23 de Fevereiro: correria, correria, correria. Mas quem corre por gosto...

A Berlinale está cada vez mais pobre. Perderam patrocinadores poderosos, e nota-se: até nas flores do tapete vermelho poupam. Mas é bem verdade que quando se fecha uma porta… o São Pedro abriu as comportas do céu e pôs a cidade mágica de neve. E termos de efeitos especiais: um luxo!









10 cm de neve nos passeios.
Sim, antes de sair para os cinemas, tenho de limpar a neve em frente à minha casa antes das sete da manhã. Esta minha Berlinale é glamour puro…

Como ia dizendo: 10 cm de neve nos passeios. Adeus, "escolhi o caminho menos percorrido", adeus "a distância mais rápida entre A e B é uma recta". É que nos dois primeiros dias fui para lá com as minhas botas favoritas, por serem as mais confortáveis, e por serem as favoritas estão com as solas muito lisas. Normalmente ando em cima da neve para evitar escorregar, mas com a neve tão alta não dá, porque fico com as calças ensopadas. Por isso ando aos ziguezagues na rua, pelos sítios que me parecem menos escorregadios, e como na velha anedota: sigo o caminho das pedrinhas.
Ao terceiro dia: levei uma botas com uma sola que deixa mosquinhas na neve. (Já falei do outlet desta fábrica? Noutro dia conto. Mas, para já, falemos da Berlinale.)








12 fevereiro 2025

o meu sofá começa a fumegar...


Trump ameaçou o rei da Jordânia: se não aceitar colaborar na limpeza étnica de Gaza, acolhendo no seu país muitas centenas de milhares de palestinianos (e sabe-se lá quantos membros e simpatizantes do Hamas, que é mesmo o maior sonho de qualquer país...), então adeus apoios da USAID, adeus aos 1.450 milhões de dólares anuais que os contribuintes norte-americanos pagam à Jordânia.

Parece simples. Mas esquece que a ajuda humanitária é mais do que pura generosidade e esmola dos ricos para os pobres: é uma ferramenta importante de soft power. Esquece que um país que "não deve nada" aos EUA está mais à vontade para procurar novos aliados. Esquece que os EUA têm meia dúzia de bases americanas na Jordânia. Esquece que é tão fácil rasgar os acordos de paz entre vários países árabes e Israel como lhe tem sido fácil a ele rasgar os acordos internacionais dos EUA.

Trump só tem força suficiente para tentar mandar nos outros enquanto é da boca para fora. Porque quando for a sério, a China terá o maior prazer em vir ocupar o espaço que os EUA deixam vazio ao recusar dar ajuda humanitária aos países pobres, terá todo o gosto em importar as matérias primas até agora reservadas ao mercado norte-americano. Quando for a sério, talvez a Rússia consiga instalar bases militares em países que até agora eram aliados dos EUA.

Quando for a sério, ver-se-á que o presidente dos EUA ofereceu de bandeja os países da sua esfera de influência aos seus maiores inimigos ou concorrentes.

Por esta altura, o sofá de onde atiro estas ideias ao mundo já começa a fumegar. E sinto uma espécie de empolgamento, aquele momento épico dos filmes quando uma multidão de pessoas sem poder se ergue contra o tirano.

Mas depois caio em mim: isto não é um sofá e não é um filme. Isto é o nosso mundo - tão complexo, em equilíbrio imperfeito e permanentemente precário - a perder todas as amarras e a mergulhar no caos. É a economia dos países (nomeadamente: os nossos) a entrar em recessão profunda, são as convulsões sociais, é o fim da paz social e da Democracia.

Espero que o Trump se aperceba em breve que o mundo é bem diferente do filme que ele vê a partir do seu sofá na Casa Branca.

(Se calhar uma pequena avaria no fornecimento de água ou electricidade a todas as bases militares norte-americanas no Médio Oriente, uma estranha avaria simultânea em todas elas, duas ou três horas apenas, era coisa para fazer mudar ligeiramente os contornos do mundo que se avista a partir do sofá do Trump.)


11 fevereiro 2025

ou a nado...

 

O mistério do dia nos dai hoje...

Andei à procura de uma passagem de avião em várias plataformas diferentes, para comprar a mais barata. A mais barata era a da TAP. Comprei. Quando chegámos a vias de facto (eu pagar), disseram-me que aquele voo já não estava disponível. Tentei várias vezes, sempre a mesma coisa: na hora H, não há voo.

Fui comprar à Opodo, 5 euros mais caro.

Passados dois dias, a TAP manda-me um mail: o voo que eu queria comprar ainda está disponível. Fui lá ver: estava 30 euros mais barato.

Pessoal, assim não há condições. Já é suficientemente complicado gerir que o preço dos voos aumente de dia para dia. Mas se agora tanto podem aumentar como reduzir, eu... eu... eu...
...agarrem-me, que só me apetece ir a pé!

trabalho de casa

 


São "portugueses de bem" que querem conquistar poder político para "limpar Portugal". E o cabecilha já se veio vangloriar de que o seu partido actua imediatamente. Diz que "não quer bandidos no partido" e "não é como os outros partidos, que encobrem em vez de agir". Mas deve andar distraído, porque até agora ainda só afastou dois. Talvez ande demasiado ocupado a produzir mentiras, porque essas coisas também dão trabalho, pelo que decidi dar uma ajudinha e fazer o seu trabalho de casa: aqui deixo afixado o "quadro de honra" do partido dos "portugueses de bem", e aqui uma lista detalhada relativa às suas figuras de topo.

Repare-se que um em cada cinco deputados do partido do Vintruja está a ser ou foi investigado pela polícia. O que dá uma percentagem muito superior à taxa de criminalidade dos imigrantes.

Com o trabalho de casa feito, com as "maçãs podres" identificadas, só me ocorre perguntar: se é realmente "diferente dos outros", se se gaba de actuar imediatamente - de que está à espera para fazer a purga?



10 fevereiro 2025

em que nos estamos a tornar?

 


https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/afegao-que-matou-2-pessoas-alemanha-seguia-no-pais-devido-erro-administrativo/

Em finais de Janeiro, uma tragédia atingiu a Alemanha em cheio: um refugiado afegão, conhecido por ser violento e por ter problemas psíquicos, e que já devia ter saído do país há vários meses, atacou um grupo de crianças de uma creche que iam a caminho de um parque. Matou um menino marroquino e feriu uma menina síria. Também matou o homem alemão de 41 anos que tentou defender as crianças.

Três dias mais tarde, numa sessão pública em memória das vítimas, Fátima, uma menina afegã de 12 anos insistiu muito com a organização para a deixarem dizer algumas palavras aos presentes. Tradução do que é dito no filme: Fátima: "Peço desculpa às mães das crianças." Organizadora: "Não tens de pedir desculpa. Não tens culpa." Fátima: "Mas há pessoas que pensam que eu, por ser afegã, sou uma pessoa má." Organizadora: "Tens à tua frente muitas pessoas, e não há uma única que pense isso de ti." Mais tarde, Fátima explica a uma equipa do canal BR (vídeo completo aqui) que depois daquele crime as crianças da escola começaram a olhar para ela de soslaio e a evitá-la, por pensarem que ela era perigosa e má.

A tragédia de Aschaffenburg pôs a questão da migração ainda mais no centro da campanha eleitoral que está em curso. Apesar de ser um resultado directo da ineficiência dos serviços, que naquele caso demoraram demasiado tempo a reagir, a passar informações e a fazer avançar o processo de saída do país que já estava decidido há muito, alguns partidos apressaram-se disparar numa direcção mais conveniente para os seus objectivos de curto prazo, exigindo mais dureza nas regras de entrada de refugiados.

A sociedade vai atrás. Não adianta um Scholz e um Habeck chamarem a atenção para os factos, o erro dos serviços, e a necessidade de melhorar os processos burocráticos para os tornar muito mais velozes e eficientes. O que dá votos é prometer mão forte, portas fechadas, controlo apertadíssimo das fronteiras, centros de refugiados fora da Europa. E os partidos da direita, mais a esquerda radical populista da Sahra Wagenknecht e a direita fascistóide da AfD atiram-se sem quaisquer escrúpulos a esse veio de ouro.

Um pequeno detalhe da hipocrisia: as crianças vítimas, que tanta comoção provocaram, pertenciam ao grupo dos indesejados, dos que é preciso "repatriar". São todos os "perigosos", os "maus" - para usar o vocabulário da jovem Fátima. Nenhuma criança síria ou marroquina se pode sentir em segurança num país que desconfia liminarmente de todos os seus compatriotas. E um dos partidos que mais cavalga o escândalo da morte destes pequeninos não se importa nada que outros pequeninos como estes morram no Mediterrâneo ou que os seus pais sejam assassinados por guardas da fronteira (sim, a Beatrix von Storch já sugeriu que se defendam as fronteiras alemãs a tiro). É nisto que nos estamos a tornar.

falando do tempo

 


Falando do tempo: aqui está um sol radioso, que quase faz esquecer a temperatura perto do zero. (do zero graus negativos...)

Informa-me o facebook que há 4 anos saí para passear em Grunewald, e estava um dia igualmente bonito. Publiquei esta foto, e o texto que se segue. 
(Sim, ando a trazer para o blogue as memórias do facebook, para o dia em que deixar de frequentar aquela casa.)


Vou confessar: estou tão orgullhosa desta fotografia!

🙂
(5 graus negativos e os dedos dormentes de frio, mas valeu a pena)


"quinta do Carmo"

 

Ontem, a palavra mágica da Enciclopédia ilustrada era #Quinta_do_Carmo. Arquivo aqui o que escrevi lá:
(fonte: http://www.bacalhoaasia.com/index.php/pt/quinta-do-carmo)
Consta que na capela da #Quinta_do_Carmo há uma porta secreta que permitia ao rei fazer de conta que ia à missa para se pisgar para a alcova da sua amada, que vivia na casa ao lado.

Esta história da porta secreta sempre me intrigou. Ele deixava lá o padre a falar sozinho e ia dar uma rapidinha entre o acto penitencial ("confesso a Deus, e a vós, irmãos, que pequei muitas vezes") e a comunhão? E o padre ia nisso? E ninguém reparava? E se reparavam todos, porque se davam ao trabalho da encenação?

E porque precisava aquele rei de uma passagem secreta, quando todos os outros faziam o que queriam às claras?

E o rei ia todos os dias à missa?

E como ia de Vila Viçosa para Estremoz? Para ganhar tempo, ia a cavalo? Chegava à sua dama todo suado, a cheirar a estrebaria?

E antes de partir, que anunciava a si próprio: "hoje vou à missa", ou "hoje vou à moça"?

09 fevereiro 2025

ver menos

 



Estava a ler o texto da Luísa Sobral neste reel, e fiquei parada naquele "ver menos", no final. Já não fazia parte do texto (é o "ver mais" para mostrar o texto todo e o "ver menos" para reduzir a parte de texto e deixar ver mais imagem) mas...

..."ver menos" como lema para as férias é muito bom!

(Só não sei se consigo interiorizar e fazer isso mesmo, com alegria e desprendimento. Pode alguém ser quem não é?)


08 fevereiro 2025

*espelho meu*

 

Mais uma semana, mais um tema proposto ao grupo de gente da antiga bloga (contei aqui). Depois de "espalhar-se ao comprido", é a vez de "espelho meu". Um espelho para vermos bem a figura que fizemos quando nos espalhámos ao comprido? Na próxima semana, talvez fosse boa ideia ter como tema "Juliana Saavedra - a psicanalista que deixa os pacientes na merda"...

Ora então, espelho meu: o meu espelho. Provavelmente o espelho mais invejado do planeta. Foi uma amiga quem me abriu os olhos: "o teu espelho da casa de banho põe-nos muito mais magras! Será que mo queres dar?"

Nunca tinha reparado. E, de facto, continuo sem reparar. O meu espelho põe-me como sou! O problema é mais com a câmara fotográfica, que tem a lente avariada. E aquela balança da Ikea, que comprei no fim das férias em Portugal, também tinha uma versão muito surpreendente da minha realidade. Claro que a fui devolver, só podia estar avariada - e regressei com alegria ao meu espelho berlinense.

Amigas amigas, espelhos à parte. Não dei o espelho da casa de banho a essa amiga, lamento. Preciso muito dele: é o antídoto para um mundo que me impõe miragens como meta. Respondo-lhe alegremente com outra miragem.

Parece-me um expediente legítimo: as miragens que se entendam, que eu cá tenho uma vida para viver.

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Os espelhos delas:

Boas Intenções

A Gata Christie

O Blog Azul Turquesa


07 fevereiro 2025

fazê-lo pagar


O facebook, que se gabava de me conhecer melhor que os meus próprios pais, agora pespega-me com "sugestões" de tipos e partidos que considero inaceitáveis. O instagram ainda está pior: às vezes até com a página do coelho do Vintruja vem invadir o meu espaço pessoal.
Agora estava aqui a pensar: é o Vintruja que paga às redes sociais para invadir o meu espaço pessoal, ou são elas que decidem que eu devia alargar os meus horizontes políticos até à cloaca? E se é o sistema Vintruja que paga: paga mais se eu clicar, ou se ficar mais tempo a olhar para aquele lixo? Digam-me o que lhe custa mais dinheiro, que eu faço tudo! Não é que me agrade dá-lo a aganhar ao Zuckerberg, mas uma pessoa tem de conhecer as suas prioridades.
ADENDA: A Rita Dantas explicou no facebook como é que isto funciona. Partilho convosco, que eu cá não sou de sonegar informação importante:
Quando ele paga publicidade, em princípio tu consegues ver essa indicação. O problema é que ele pode pagar para a Manuela ver, ela vê e presta atenção e depois o algoritmo mostra-to a ti, de graça, porque costumas ter o mesmo gosto que a Manuela e ele deseja ter o mesmo resultado – que tu passes o máximo de tempo na rede. Se tu ainda por cima confirmares o interesse, ele vai de seguida mostrar o mesmo ao teu amigo João, para além claro de continuar a mostrar-te outras coisas da mesma índole.
Acho que ganhas mais em sinalizar que não estás interessada.

06 fevereiro 2025

reconstruir Gaza


Não é preciso pôr ninguém para fora de Gaza para reconstruir as casas.

Basta virem a Berlim perguntar aos que ainda viveram essa época: como foi possível continuar numa cidade brutalmente destruída?
Uma amiga contou-me que quando se mudou para Berlim, uma dúzia de anos depois da guerra, muitos edifícios do Ku'damm só tinham o rés-do-chão. O resto tinha caído nos bombardeamentos. Faziam um telhado provisório, e tinham lojas, cafés e restaurantes na mesma. Se já foi possível em Berlim, será certamente possível em Gaza. Mas se querem mesmo pôr os palestinianos fora de Gaza, a única solução aceitável é criar campos de refugiados em Israel, à responsabilidade da ONU. Assim, tem-se a certeza de que essas pessoas regressarão a Gaza, e o mais cedo possível, porque Israel não quererá ter refugiados palestinianos no seu território durante muito tempo
Pronto, era apenas uma ideia. De sofá para sofá, como tudo o que diz respeito à nossa opinião sobre israelitas e palestinianos.

04 fevereiro 2025

Maria Teresa Horta

 



No ano passado, em frente ao mar, em conversa com duas amigas - daquelas amizades tão antigas que já posso dizer "de sempre" - chegámos à Maria Teresa Horta e à sua poesia de mulher inteira. "Tinha certamente uma relação muito completa", comentou uma das minhas amigas, e alguns dias depois ofereceu-me As Palavras do Corpo. Em Novembro, a Luísa Sequeira e o Alexandre Sama trouxeram a Berlim o documentário O Que Podem as Palavras. Falaram do projecto longamente interrompido depois das primeiras entrevistas preparatórias, de como durante esse compasso de espera elas foram morrendo, uma após outra. Ficou a Teresa Horta. A morte do marido deixou-a desamparadamente mais só, tristíssima - contou a Luísa Sequeira, e contou dessa ligação especial que transparecia no modo como se olhavam, nos gestos, na cor da voz.

Pode dizer-se tanta coisa sobre esta mulher que morreu hoje, mas é só isto que me ocorre: foi tocada pela plenitude do amor. E por isso pode partir em paz.


01 fevereiro 2025

*espalhar-se ao comprido*

Na semana passada aconteceu um pequeno milagre, e poucos repararam: juntou-se um grupo de resistentes do tempo dos blogues, com o projecto de escrever todas as semanas sobre um tema predefinido - os mais cuscos, que gostam histórias de bastidores, podem espreitar aqui.
Ainda não temos casa nem nada, mas já começámos a escrever. 

O tema desta semana era “espalhar-se ao comprido”, e eu, que devia ter publicado ontem, só tratei do caso hoje. Vou-lhes sugerir que um dos próximos temas seja “atraso de vida”, sobre esse assunto posso escrever vários compêndios.

Espalhar ao comprido não é bem a minha especialidade. Eu sou mais meter o pé na poça. Em termos de quedas, sobretudo metafóricas, na maior parte dos casos salva-me um estranho reflexo condicionado que me mantém sempre em pé. Tenho andado a pensar neste fenómeno (na verdade, foi esta manhã, no duche), e parece-me que começa por isto: não fazer planos sérios para nada. Deixar que a vida vá decidindo. Se o rumo muda, olha, tanto melhor. Estava a caminho de Munique quando descobri que o comboio ia para Hamburgo? Ainda bem: sempre quis ir conhecer Hamburgo, e vai ser hoje!

É por isso que, nas entrevistas para emprego, a pergunta que mais odeio é “onde se vê daqui a cinco anos?” Uma vez, quando estava a concorrer a um trabalho na Lufthansa, respondi: “aonde as minhas capacidades me levarem, sem perder de vista o risco do princípio de Peter”. O entrevistador riu-se, e deixou-me passar à segunda fase. Nessa, meti o pé na poça e espalhei-me ao comprido: não consegui aquele emprego. Mas não se perdeu tudo porque na entrevista seguinte, para a Bosch, quando me perguntaram quanto queria ganhar (outro tópico que adoro...) respondi desajeitadamente “não sei, mas na Lufthansa ia receber x”. Os entrevistadores entreolharam-se, surpreendidos, e acabei a receber esse montante. Para fazer um trabalho desagradável num lugar horroroso. E ainda bem, porque tornou mais fácil a decisão de ir à minha vida, e o emprego que encontrei a seguir me pagou tão bem que ao fim de alguns anos me despedi e fui gastar o superavit em San Francisco com a família toda. Nunca sonhara viver dois anos em San Francisco, mas fui, e adorei.

Talvez a imagem do sempre-em-pé não seja a adequada: é mais um saltitar, aceitando alegre e irresponsavelmente os convites da vida, e servindo-me das contrariedades para mudar de direcção. Mais uma frase deste género, e vai tornar-se evidente que, neste grupo de escrita sobre um tema semanal, fiquei com a pasta de life coach. Para o que uma pessoa está guardada! Mais duas frases do género, e dou comigo no Extremamente Desagradável, “Helena Araújo: quanto pior, melhor!”

Como ia dizendo: nunca tive medo de me espalhar ao comprido. Vamos indo e vamos vendo, já dizia o meu instrutor da escola de condução. Mas ultimamente dou comigo a concentrar-me quando desço escadas. Um olho nos degraus e outro no corrimão, atenta, tomada por um medo inédito de cair e de me partir toda e de nunca mais nada voltar a ser o que era. Envelhecer deve ser isto: temer que o nosso corpo, em crescente parvoeira para se emancipar de nós, nos ataque à traição.

Se este tema vos interessa, não percam os escritos da próxima semana. E mais não digo.

E se quiserem ler outras abordagens a este “espalhar-se ao comprido”, senhoras e senhores, aqui vos deixo: a Maria João, a Carla, a Calita, a Mariana, a Joana.   

Enjoy.

31 janeiro 2025

assustadoramente fácil


Inspirada pela lógica da retórica trumpiana, era capaz de vir aqui pôr a hipótese de a tragédia da colisão entre o avião e o helicóptero em Washington DC ser culpa dos despedimentos e dos cortes orçamentais decretados pelo presidente com efeitos imediatos. Seria o resultado trágico deste "menos Estado" abrupto e à bruta.
Pode ser que a caixa negra do avião nos dê outra explicação dos factos, mas "é claro" que, a partir de agora, tudo o que se afastar desta minha tese é fake news.
Desculpem. Acabei de pôr uma sementinha de realidade paralela no coração dos meus leitores.
E é assustadoramente fácil.



27 janeiro 2025

alheiras

 

(Autor: Lichinga)

Por causa da horrível tragédia que se abateu depois do 7 de Outubro sobre Gaza, e das palavras de ordem para acabar com Israel, comecei a ver as alheiras com outros olhos.

Dei comigo a pensar no sofrimento das pessoas obrigadas a mudar de religião, de cultura e de hábitos, sujeitas ao olhar inquisidor dos vizinhos que vinham verificar se tinham em casa chouriços ao fumeiro como um cristão de bem. A sentir asco pelo sadismo desses vizinhos e inquisidores, provavelmente gente muito convencida dos seus princípios exemplares e da sua razão. A dar-me conta de que, na origem do produto IGP mais vendido em Portugal, está um insuportável terror de ser preso, torturado, queimado vivo no centro das cidades ou expulso do país.
Isso não nos tira nem o sono nem o apetite.

De Gaza para a alheira, e da alheira para a responsabilidade histórica dos portugueses: ao longo de vários séculos, os nossos "egrégios avós", com o seu ódio e a sua desconfiança, infernizaram a vida aos seus vizinhos judeus. A expulsão da Península Ibérica lançou os sefarditas para um descaminho que os empurrou primeiro para o centro da Europa, e depois para o buraco negro de Auschwitz, desembocando na proclamação do Estado de Israel em território palestiniano. Como seria a História dos palestinianos se estas pessoas não tivessem sido expulsas da Península Ibérica? Metade dos judeus que vivem em Israel são sefarditas.

Não foram apenas Portugal e a Espanha. Com algumas honrosas excepções, a Europa inteira, e nela incluo também a Rússia, andou mais de um milénio a fazer crescer no povo judeu a ânsia de um país onde pudesse viver em segurança. Mais de um milénio a perseguir, massacrar, marginalizar judeus. Confinados a guetos, vítimas de terríveis calúnias por parte da religião todo-poderosa dessa era, impedidos de praticar a maior parte das actividades económicas normais no seu tempo, odiados por recorrerem à usura para ganhar a vida, quando não os autorizavam a fazer praticamente mais nada.
Em suma, e para usar a expressão da tal religião dominante: foi por pensamentos e palavras, actos e omissões, que os europeus encurralaram os judeus num sonho sionista.

Neste dia em que comemoramos os 80 anos da libertação de Auschwitz. tenhamos isso presente: quando estendemos um dedo para acusar Israel, estamos a virar três dedos para nós: como queremos ajudar o povo judeu a resolver o problema que os nossos antepassados lhe criaram?

25 janeiro 2025

voltar aonde se foi feliz

 


Pequena incursão na minha infância.
Só está a mais: o cabaço (nós éramos mais garrafão) e a cantoria organizada da rusga.
O que falta: um bando de miúdos em cima do carro de vacas, a ser sacudidos violentamente cangosta abaixo.
(Se lá estivesse, aposto que éramos nós, que ao ouvir passar um carro no caminho agarrávamos num naco de broa para o caminho e saíamos disparados da casa da avó a pedinchar "ó Ti Maria, deixanuzir no seu carro?)

24 janeiro 2025

este post é pura maladade

Fiz uma pequena recolha das piadinhas sobre as malas do deputado do partido do Vintruja. Pessoas que não estão a gostar desta desbunda, ficam avisadas: não olhem para baixo! Nos sítios onde encontrei os memes, apareceram logo fãs do Vintruja com fotografias do Sócrates ("deste ninguém fala!") ou "os outros também roubam todos!" (adoro este "todos", hehehe) ou algum escândalo envolvendo um partido de esquerda. Como se alguém dos que estão ali a rir estivesse também a pôr as mãos no fogo pelo Sócrates, ou a aprovar qualquer espécie de corrupção ou escândalos em Portugal...

Pensava que os fãs do Vintruja eram contra a corrupção e o crime, pensava que queriam um país "limpo" e seguro, mas não, afinal parece que o campeonato é só para ver quem fica com a medalha de prata da roubalhice. Já se dão por contentinhos se acharem que há quem roube mais do que os deles. Em vez de "portugueses de bem", são "portugueses de do mal o menos".

Dito isto, cá vamos nós (mas atenção: isto é tudo um caso de alegadamente!):































Também havia um filme onde este deputado falava sobre a necessidade de prisões para meter os criminosos, blablabla. Como estamos no domínio do alegadamente, não vou fazer nenhum paralelo com aqueles tipos muito homofóbicos que morrem de medo de sair do armário. O que se segue já não é piada. As estatísticas sobre a percentagem de deputados do Chega que já tiveram problemas graves com a Justiça são um caso sério. E aqueles screen shots da página Vinted de alguém que parece ser este deputado do Chega dão sinal de uma burrice tão inacreditável que - desculpem a lapalissade - até custa a acreditar. Mas parece que é mesmo verdade: durante meses, alguém com este nome de utilizador andou a vender roupa usada, de todos os tamanhos, por preços baixíssimos.