Actions

Work Header

Se não for eu quem vai fazer você feliz

Chapter 3: Capítulo 03

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

Alan estava... intrigado. Provavelmente todos do grupo estavam; com exceção, talvez, de Charlie, que parecia tratar a atenção de Babe como se fosse algo comum. 

Ele não podia estar mais errado. 

Babe era uma boa pessoa. Ele tinha o coração e a mente no lugar, mas sua personalidade era quase mais instintiva do que racional. Ele nascera a muito tempo atrás, quando a sociedade não era bem sociedade ainda. Alan via muito de sua época nele. 

Babe era ao mesmo tempo atencioso e cruel. Brutalmente prático em um momento e totalmente instintivo no próximo. Ele agia assim com todos eles, até com Way, que era quem o conhecia melhor. Havia algo meio bruto em sua personalidade. Algo que o isolava dos outros. Alan não conseguia entender muito bem exatamente o que.  

Havia algo como exaustão que brilhava em seu olhar e isso acontecia desde que Alan o conhecera. Algo que parecia querer desistir a qualquer instante. Como se respirar fosse pesado demais. Como se andar sobre suas próprias pernas fosse cansativo. Era algo que denunciava o desapego que sentia em relação a tudo.  

Pelo menos até agora.  

Babe estava diferente. Ele agia diferente quando perto de Charlie. Era o jeito discreto que ele levantava o olhar para observá-lo. Era a microexpressão de quase surpresa que parecia fazer seus olhos brilhar quase infantilmente.  

Ele estava intrigado com o garoto e isso era óbvio para qualquer um que já conviveu com ele por tempo o bastante.  

Charlie, no entanto, parecia não identificar a curiosidade em suas atitudes, em sua expressão ou a forma como ele virava o rosto para ouvir melhor quando North e Sonic faziam uma pergunta mais particular para Charlie. Um sorriso discreto quando Charlie gaguejou ao falar que não, ele não tinha ninguém em sua vida no momento.  

Não que faria grande diferença se tivesse. Excluindo North e Sonic, Alan nunca vira um relacionamento bem sucedido de outro imortal.  

Falando sobre isso. 

Outra questão a ser considerada é o olhar de absoluto ódio que repousa placidamente no rosto de Way. Novamente, seria preciso uma longa convivência para se perceber a profundidade de sua ira. 

Alan percebia, é claro. Ele não era o líder atoa. Ele conhecia cada um deles. Cada fraqueza, cada desejo desesperado, cada obsessão.  

E Way era obcecado. Sempre fora.  

Quando Alan os encontrara eles agiam quase como um só. Haviam aprendido a se comunicar sem palavras. Existiam segredos entre eles que provavelmente jamais seriam pronunciados. Alan tentava não se meter muito naquele vespeiro. Era um conto antigo; uma paixão não correspondida.  

O problema é que eles eram, com a devida liberdade de expressão, imortais. Way jamais precisaria desistir de Babe. Não havia o aceite inerente de que a oportunidade viera e se fora.  

Way jamais desistiria de Babe e isso era conhecimento comum dentro de sua pequena família. 

E era exatamente essa a mensagem que ele transmitia para Charlie; se ele era esperto o bastante para entender era outra questão. 

Alan não sabia muito bem o que pensar sobre a situação toda. Ele torcia pela felicidade de cada um deles, inclusive Charlie.  

Os três haviam desistido do amor romântico a muito tempo. Quando se perde o número de pessoas que eles perderam era impossível deixar o coração desprotegido. Conseguia entender isso muito bem. Alan passava pelo mesmo.  

Essa situação, porém, era novidade. Babe havia se conectado com Charlie antes dele se tornar imortal. Babe sentira atração por ele e interesse o bastante para retribuir sua atenção e para deixar que Charlie o marcasse. Isso não só era raro, era absolutamente ímpar. Babe não era assim. Alan nunca o vira agir desse jeito.  

Esperançoso? Talvez. 

Talvez o que brilhava discretamente no fundo de seus olhos era a esperança de ter encontrado alguém que não seria perdido para o tempo. 

 

“Nong, não é isso que a gente quer saber.” Sonic resmungou, frustrado. Charlie sentia seu rosto enrubescendo lentamente até ficar desconfortavelmente quente.  

“Eu não sei o que dizer.” Ele admitiu em um meio resmungo. North estalou a língua e se inclinou mais para perto do garoto. 

“A gente só quer saber o que rolou entre vocês dois, nada demais.” Ele falou com um sorriso nos lábios. Charlie lançou outro olhar para a sala de estar, observando a parte de trás da cabeça de Babe. Ele lia um livro silenciosamente. Way estava ao seu lado, é claro; Charlie não o vira deixar o lado de Babe desde a pequena refeição que compartilharam.  

Charlie sorriu calmamente. 

“Eu não entendo o que vocês querem saber. Eu já disse: p’Babe me encontrou na frente do meu apartamento e me trouxe para cá.” Imortais ou não, Charlie jamais cairia na pressão de contar sobre algo que não queria expor. Ele crescera em um orfanato pelo amor de deus. 

“Deu de importunar o garoto. Você não devia tá rastreando Pete, Sonic?” Alan questionou. Sonic gemeu e se jogou dramaticamente em cima da mesa.  

“Não tem rastro nenhum, lung. Eu não sei mais onde procurar.” Ele resmungou. Charlie o observou atentamente. Eles haviam explicado sobre a situação toda, sobre como seu segredo havia sido exposto. Sobre como estavam comprometidos e o quanto era importante que a situação fosse reparada.  

“Quando a gente encontrar ele o que...” Ele hesitou. “O que a gente vai fazer?” Os três o olharam com um misto de pena e exaspero. 

“A gente precisa se livrar de qualquer pessoa que saiba sobre nossa imortalidade. A gente precisa se livrar de qualquer prova digital, fotos, qualquer coisa que possa dar uma pista.” Alan respondeu calmamente. Charlie piscou para ele uma, duas, três vezes. 

“Você quer dizer matar todo mundo que sabe?” Charlie questionou, quase incrédulo. North deu de ombros. 

“Ou é isso ou é viver no meio da selva por uns sessenta anos. Duvido que você queira fazer isso.” Ele respondeu. Charlie realmente não queria fazer isso. Ele gostava de banhos quentes e de camas confortáveis.  

“Você parece falar por experiência própria.” Ele sussurrou. Era frustrante o entendimento do quão pouco Charlie conhecia. Do tanto que seu conhecimento era falho. Do quanto aquelas pessoas eram... porra.  

Seu olhar voltou a percorrer o caminho até o sofá, observando a nuca de Babe. O que ele vivera? O que ele passara que o deixara tão... espinhoso? 

Charlie queria ir até ele. Mesmo poucos metros de distância pareciam muito. Por deus Charlie era ridículo. 

O olhar de Way encontrou o seu de novo e havia tanto em sua expressão, tanto que ele parecia querer comunicar, que Charlie se sentiu sobrecarregado. Ele desviou o olhar.  

“P’Babe e p’Way estão...?” Charlie hesitou. Ele havia cortado a pergunta que North fazia para ele com seu sussurro. North, no entanto, não pareceu se importar. Ele se aproximou ainda mais dele e respondeu também em um sussurro. 

“Nunca desde que eu os conheço.” Ele confidenciou. Charlie não sabia se os dois sentados no sofá conseguiam ou não ouvir a fofoca sussurrada, mas, mesmo sendo errado falar sobre os outros pelas costas, Charlie sentiu um peso sair de seus ombros. “Nós não sabemos se havia algo antes, né... mas eu não acho que teve. P’Babe sempre foi... extremamente reservado sobre isso.” 

Sonic assentiu e a curiosidade retornou ao seu olhar. 

“Por isso você é tão intrigante, nong. P’Babe deixou que você o marcasse... Impressionante, sinceramente.”  

Charlie tentou disfarçar a vergonha que sentiu no momento. Ele devia ter se empolgado na noite em que estiveram juntos. Se lembrava de marcar Babe com seu cheiro em meio a lapsos de memórias de pele quente e gemidos. Lembrava de Babe marcá-lo também; Jeff havia rido dele quando percebera. Não era algo comum para desconhecidos. Na verdade, era até bastante incomum. Marcar alguém com seu cheiro era geralmente reservado para família ou parceiros românticos.  

Havia algo entre os dois. Charlie não estava doido. Não era só do seu lado. Babe também sentia e a forma como sua família falava sobre seu comportamento incomum era informação o bastante.  

Não que Charlie precisasse receber mais incentivado, sinceramente.  

 

Babe observou atentamente o peito de Charlie subir e descer enquanto ele dormia. Era assustador perceber o quão encantado estava. Atualmente era quase impossível encontrar algo que fosse novidade em sua vida. Ao longo dos séculos Babe experimentara quase tudo, literalmente.  

Nada como aquilo. Nada como a forma como Charlie pareceu tomar seus pensamentos.  

Ele se apaixonara antes. Não seria hipócrita de tentar negar. Havia se encantado por pessoas cuja vida fora tão efêmera que Babe mal se lembrava de seus rostos mais. Era uma dor pontual ao longo do tempo. O garoto de seu vilarejo com quem Babe se envolveu antes mesmo de saber o que era. Um dos escravos que Babe libertara de um campo de trabalho. O escritor que gostava de escrever sonetos para ele... 

Houveram muitos. Demais até mesmo para se contar em um dia. Babe era um romântico. Sempre fora.  

O problema é que não se pode sonhar com o feliz para sempre quando o para sempre é unilateral. Babe não envelheceu com nenhum deles. Babe os viu partir com o mesmo rosto com que os conhecera e isso era dilacerante.  

Ele havia desistido. Fazia muito tempo que desistira. E agora Charlie... Babe estava desconcertado e frustrado e sem saber bem como agir. Nunca estivera nessa posição. Nunca tivera a oportunidade de realmente considerar. Nunca nem se permitira imaginar poder viver o que North e Sonic viviam.  

O para sempre.  

Charlie poderia ser seu para sempre e isso o assustava de verdade. Fazia com que ele quisesse correr o mais rápido possível na direção contrária. 

Babe havia visto um imortal morrer. Ele havia visto um imortal sangrar em batalha e fechar os olhos e nunca mais abri-los. Só de imaginar experimentar a vida ao lado de Charlie e então correr o risco de perdê-lo era... perturbador.  

Era ridículo o quanto já se sentia apegado a ele. Sentia vontade de estar perto dele o tempo todo. Queria sentir seu cheiro em sua pele. Queria poder marcá-lo com seu próprio. Babe queria possuí-lo e queria ser possuído por ele. Era quase como estar morrendo de sede e ter que negar água.  

Em todos os seus anos de existência nunca havia chegado perto de descobrir o motivo daquilo tudo. Do porque eles eram diferentes dos outros. Quem ou o que os escolhia. Como e quando ficava decidido que seu tempo acabara. Então Babe não sabia bem porque Charlie. Porque agora, mas ele sentia que talvez... só talvez, Charlie havia sido escolhido para ele. Para responder aos apelos silenciosos que  Babe fazia para a noite sem que ninguém soubesse.  

Ele havia pedido para morrer. Havia pedido para encerrar aquilo tudo. Estava cansado de sentir solidão. Estava cansado de seu auto imposto isolamento emocional. Da casca que criara ao seu redor.  

Seu olhar voltou a percorrer o rosto bonito. Ele parecia cansado, estressado e não era para menos. Babe o arrancara de sua vida. O arrancara de sua família mortal. Ele se sentia ao mesmo tempo culpado e ao mesmo tempo aliviado. Para ser sincero, Babe não queria dividir Charlie com ninguém. Nem mesmo com sua família humana. O que era egoísta e mesquinho. Ele tentava calar aquela parte estúpida de seu cérebro que insistia em agir com selvageria. 

Era perigoso também, é claro. Way passara por isso na época em que o encontrara. Ele continuou ligado à sua família mortal mesmo depois de décadas de imortalidade, a única coisa que ganhara com isso foi acusações e gritos. Babe ainda se lembrava da forma como seus irmãos, já com os cabelos todos embranquecidos, apontaram dedos em sua cara, acusando-o de bruxaria, de negar passar o conhecimento da vida imortal. Foram brigas homéricas. Babe o tirara de lá antes que os dois fossem capturados.  

Apesar de sentir satisfação com a forma como Charlie o olhava, mesmo depois de tudo que havia feito, Babe se sentia culpado. Charlie ainda teria uns bons vinte anos com seu irmão antes que realmente precisasse admitir que algo estava errado. E Jeff provavelmente não era uma pessoa ruim. A mentalidade das pessoas da era atual era fascinante. O acesso à cultura e o estímulo gerado por histórias fantasiosas auxiliavam no processo de aceitar situações inusitadas como a deles.  

Talvez Babe havia sido rígido demais com ele. Era difícil tentar voltar a andar naquela corda bamba de ser agradável e ao mesmo tempo fazê-lo entender a seriedade da situação. Ele poderia ter sido mais delicado. Poderia ter tomado um pouco mais de cuidado com ele.  

Mas isso envolveria deixar Charlie se aproximar e Babe não achava que estava preparado para isso.  

Ainda não conseguia se permitir. Ainda sentia aquele bloqueio. Aquele medo irracional de se entregar. Babe tinha medo de se permitir amar, ser amado, e perder de novo.  

Ele engoliu em seco, tentando molhar a garganta seca e secar os olhos molhados. Não podia desviar sua atenção agora. Eles estavam em perigo. Precisava estar focado. Precisava proteger sua família. Não podia se dar ao luxo de se deixar envolver por Charlie e pela intenção que via no fundo de seus olhos. Charlie sentia o mesmo, ele o queria tanto quanto Babe. 

E isso era aterrorizante.  

 

Fazia quase uma semana que Babe trouxera Charlie para a casa da igreja. 

Way não estava contente com isso. Não só não estava contente, na verdade estava enfurecido. 

Ele conhecia Babe a tanto tempo que quase conseguia ler os pensamentos que passavam pela sua cabeça. A forma como ele olhava para Charlie não era comum. Não era platônica.  

Way não havia percorrido tudo que percorrera para perder Babe agora. Jamais aceitaria isso. Jamais aceitaria ver Babe nos braços de Charlie. Way queria rosnar cada vez que via Charlie se aproximar dele.  

Apesar disso tudo, Way precisava ser inteligente. Babe nunca fora o tipo de pessoa que podia ser controlado facilmente. Jamais, em momento algum, Way se atrevera a interferir com qualquer parceiro romântico que ele escolhera.  

O negócio é que eles eram efêmeros. Viviam no máximo trinta anos. Cinquenta se tivessem sorte. Charlie? Charlie não iria embora.  

Way trincou os dentes. Ele observou em silêncio Charlie perseguir Babe pela casa. Ele se ofereceu para ajudar a limpar os armamentos só para ficar ao lado de Babe por mais tempo. Ele se ofereceu para lavar a louça quando foi a vez de Babe cozinhar. Ele se ofereceu para ir com Alan e Babe quando os dois iam sair em busca de suprimentos. Graças a deus Alan hesitou. 

“É meio perigoso te levar junto. Você sumiu, Charlie. North criou o registro da tua morte, mas tem pessoas que sabem que você não morreu e que podem estar te procurando. É melhor não te levar perto de qualquer lugar que pode ter câmeras.” 

“Eu posso usar uma máscara, um boné.” Ele insistiu. Patético. Way sorriu cruelmente quando Babe lançou um olhar cáustico em sua direção e sibilou. 

“Você fica.” Charlie se sentou imediatamente no sofá. Sua expressão entristecida com o tratamento que recebera. Way continuou sorrindo mesmo depois que Babe e Alan partiram. 

Ao mesmo tempo que era satisfatório ver Babe tratar Charlie com distanciamento e agressividade, Way também entendia que tudo aquilo era muito mais para tentar se isolar do garoto do que realmente vindo de um local de repúdio e era isso que o deixava mais irritado.  

Era evidente que Babe estava desesperadamente tentando colocar distância entre os dois, mesmo com Charlie insistindo em rondá-lo o tempo todo, e isso só demonstrava o quanto Babe estava fascinado. Suas tentativas rudes de tentar se distanciar de Charlie não enganavam Way. Ele trincou os dentes.  

“Acha mesmo que ele vai te dar qualquer atenção?” Way questionou cinicamente. Charlie virou o rosto para ele e piscou em silêncio, ouvindo suas palavras. “Babe já foi cultuado como uma divindade por cidades inteiras. Você acha mesmo que ele daria atenção pra um pirralho como você?” Ele continuou, sem conseguir frear suas palavras. Quase podia sentir o veneno nelas. Way estava se afogando nele.  

“Não sei, p’Way. Eu realmente não conheço p’Babe o bastante pra tentar entender a forma como ele pensa.” Charlie respondeu calmamente. O que só aumentou sua raiva. “O que eu sei, na verdade, é que mesmo depois de séculos juntos ele não te deu uma chance. Então não sei porque você ainda não desistiu.”  

Way viu vermelho. Ele partiu para cima de Charlie antes mesmo de tomar ciência de que se levantara de sua poltrona. 

Way o derrubou no chão assim que Charlie se levantou do sofá para se defender. Ele socou seu rosto, quebrando uma das alças dos óculos estúpidos que usava. Charlie, no entanto, não era completamente despreparado. Seu cotovelo subiu e atingiu seu nariz, quebrando-o. Way grunhiu e se inclinou para trás, permitindo que Charlie invertesse suas posições.  

Way puxou sua arma e teria descarregado toda sua munição na cara de Charlie se North e Sonic não tivessem apartado a briga e o contido no canto da sala.  

“QUE PORRA É ESSA?!” Sonic gritou. Havia frustração em sua voz. Era difícil irromper brigas entre eles. Não impossível, mas bastante esporádicas. Pelo menos brigas físicas.  

“Não sei qual é a porra do teu problema.” Charlie rosnou para ele. Way quis atacá-lo de novo. Só de pensar que aquele filha da puta havia tocado em Babe. Havia tido a oportunidade de tomá-lo, Way queria poder matá-lo.  

“VOCÊ É A PORRA DO MEU PROBLEMA!” Ele gritou de volta, ensandecido. North se meteu no campo de visão de Way. 

“Já chega, p’Way!” Ele pediu desesperadamente. Charlie deu uma risada exasperada.  

“Acho que você vai ter que se acostumar em algum momento, p’Way. Duvido que p’Babe vai me deixar ir de qualquer jeito.” E oooh, aquele menino tinha coragem. Way rosnou em sua língua materna, xingando-o de tudo que podia imaginar. Ele foi contido por North e Sonic de novo ou teria atacado Charlie mais uma vez.  

Charlie deu as costas para os três e saiu da casa. O que foi um alívio. Way nunca mais queria ter que olhar para sua cara de novo.  

 

Charlie sabia que era infantil brigar com Way. Sabia que era estúpido sentir ciúmes do tanto que Way sabia sobre Babe; de ter ciúmes dos séculos e séculos que os dois compartilharam, mas Charlie era só... humano e Way sabia exatamente o que falar para mexer com suas inseguranças. 

Ele andou quase cegamente pelo bosque próximo da casa. Parando assim que achou um espaço iluminado pelo sol pálido. Não ia chorar, sabia que não ia. Charlie tinha o entendimento de que suas chances com Babe eram quase nulas. Na verdade, ele tinha mais chances quando era mortal do que agora, provavelmente.  

Só era difícil ouvir isso em voz alta.  

De qualquer forma, Charlie era um idiota. Quem se apaixona pelo próprio sequestrador? Não que Babe tivesse alguma outra opção, é claro. Agora que entendia um pouco mais sobre a vida que eles precisavam levar; sobre o risco que seria ter seu segredo exporto, percebia que não havia realmente nenhuma outra opção. 

Não que tivesse perdoado Babe por separá-lo de Jeff. Eles ainda iam voltar nesse tópico. Charlie jamais desistiria de reencontrar seu irmão; mas agora, depois dos dias que passara com eles, que passara com Babe, Charlie já não se via mais vivendo sem ele. Já não se via mais acordando e não dando de cara com sua expressão ranzinza, de tomar café barato em silêncio ao seu lado ou de... sonhar que talvez pudesse ter uma chance? Charlie não sabia mais se conseguia acreditar naquilo. 

Ele não era de desistir. Não era mesmo, mas talvez Babe realmente preferisse não se envolver com alguém que ficaria eternamente do seu lado e Charlie até podia entender racionalmente. Emocionalmente, porém, Charlie só queria provar que ele poderia ser bom para Babe. Que os dois poderiam ser bons juntos. Que talvez eles não precisassem passar a eternidade sozinhos ou enfrentando a perda a cada poucos anos. 

Era um pensamento triste o de precisar experenciar a morte dessa forma. Charlie não queria passar por isso. Não queria ver Babe passar por isso. 

 

Babe pisou dentro da casa e percebeu imediatamente que Charlie não estava lá. Era como um vazio negativo. Uma falta que abalava diretamente o ar dentro da casa. Ele deixou as sacolas cair no chão descuidadamente. 

“Onde ele tá?” Ele perguntou, confuso. Ele fugira? Fora embora?  

Ele o abandonara? 

“No bosque, p’Babe.” North respondeu. Ele parecia um pouco receoso. Babe tentou disfarçar o alívio em seu rosto, mas provavelmente não foi bem sucedido, porque Way deu uma risada sarcástica da poltrona onde estava sentado. Babe lançou um olhar para ele. 

“Que foi?” Ele questionou, confuso. Way deu de ombros displicentemente, se recusando a elaborar o motivo de sua atitude. 

“P’Way brigou com nong, pi.” Sonic respondeu em seu lugar. Babe sentiu sua nuca se arrepiar de irritação. “A gente teve que separar os dois.” 

“Você fez o que?” Ele questionou, incrédulo, seu olhar se fixou na expressão desdenhosa no rosto de Way.  

“A gente se desentendeu.” Way admitiu. Ele se levantou da poltrona e o olhou do alto de seus dez centímetros a mais de altura. “Ele só foi espairecer. Logo deve voltar. Infelizmente.” Babe sentiu... raiva. E ele não era muito bom em lidar com seu temperamento. Em segundos já estava frente a frente com Way e o empurrava contra a parede, apontando o dedo em sua cara.  

“Eu não vou permitir que você toque um dedo nele.” Ele rosnou na cara de Way. O olhar de surpresa e choque em sua expressão foi verdadeira, Babe podia ver isso. O que era óbvio. Babe jamais agira daquele jeito para defender ninguém e irromper brigas entre eles não era algo tão fora do comum assim. 

Era só... seus instintos. Algo dentro dele havia se tornado extremamente protetor com Charlie. Sua cabeça parecia soar um alerta cada vez que Way disparava algum comentário sarcástico na direção do garoto. Babe não gostava nada daquilo. 

“Me entendeu, Way?” Ele questionou, autoritário. “Eu te amo como um irmão, mas não vou permitir que você toque nele.” Ele insistiu e então deu a volta e saiu da casa. O silêncio acompanhou sua fuga. Babe podia sentir o choque de todos os presentes com sua atitude. Ele estava errático. Estava agindo estranho e incoerente, mas Charlie era- importante.  

Ele seguiu sua trilha facilmente e o encontrou em uma clareira, sentado na relva. O sol em seu rosto dava um ar quase mágico a visão. Em suas mãos Charlie agarrava seu celular quebrado e ao lado de suas pernas descansava seus óculos com a armação partida. 

Babe sentiu seu coração doer. Ele parecia tão indefeso. Tão perdido. Ele se aproximou, fazendo mais barulho do que o normal para anunciar sua chegada. Charlie levantou o olhar para ele. 

“P’Babe.” Ele o cumprimentou com a voz neutra. Não parecia ter chorado, o que era incomum. Babe vira Charlie chorar mais de uma vez ao longo da última semana. Geralmente seu pranto vinha acompanhado de mais um pedido para falar com seu irmão. Babe sempre negava. 

Babe se sentou a sua frente e ficou em silêncio. Charlie o observava atentamente. 

“É verdade?” Ele perguntou. Babe inclinou a cabeça, confuso. 

“O que é verdade?” Perguntou e ele mesmo quase não reconheceu seu tom de voz. Ele soava quase delicado. 

“Que você jamais vai me dar uma chance?” Babe se surpreendeu com a pergunta. Fora por isso que os dois brigaram? 

“Você e Way brigaram por causa disso?” Ele perguntou, ignorando a questão. Nem ele mesmo sabia a resposta para ela. Charlie só assentiu, seu olhar ainda fixo no rosto de Babe. “Você não devia brigar por minha causa.” Ele raciocinou. Foi a vez de Charlie inclinar o rosto, confuso. 

“P’Babe eu faria quase tudo por você. Mais até do que seria considerado correto. Mais do que seria considerado normal.” Babe sentiu seu rosto enrubescer. Ele desviou o olhar para baixo, observando as mãos de Charlie em seu colo. “Eu não vou fingir que entendo nada disso e talvez você me ache uma criança estúpida, mas eu só... não quero viver do seu lado sem nunca-” Ele se calou. Babe viu quando Charlie a esticou e não se mexeu quando ele a pousou em seu queixo, levantando seu olhar de novo. “P’Babe, posso te beijar?” Ele perguntou e havia tanta vulnerabilidade em seus olhos, em sua voz.  

O sim estava na ponta de sua língua. Babe havia sonhado com aquela pergunta, naquele exato tom de voz, por muitas noites. Ele queria. Queria muito beijá-lo. Queria poder sentir todo o carinho e amor que conseguia enxergar no fundo dos olhos de Charlie. Ele engoliu em seco e negou lentamente com a cabeça. A expressão de Charlie se entristeceu. 

“Eu preciso de tempo, Charlie.” Babe sussurrou de volta. Charlie era uma criança comparado a Babe. Ele era impulsivo e ansioso assim como a maioria dos mortais tendiam a ser. Quando se vive tanto quanto Babe viveu era mais fácil ter paciência e levar as coisas com calma. 

“Isso não é um não, né?” Ele perguntou, ainda um pouco esperançoso. Babe sorriu para ele e se inclinou para a frente, escondendo o rosto em seu ombro, sentindo o cheiro de sua pele. 

“Não é um não.” 

 

Babe estava de novo observando, fascinado, o peito de Charlie subir e descer enquanto ele dormia. Desde a briga entre Way e Charlie a tensão dentro do grupo só crescera. Babe tentava lidar com um e com o outro sem gerar novas intrigas, mas era difícil. 

Way se levantou para tomar seu posto alguns minutos antes de seu horário. Babe tentou não suspirar cansadamente. Sabia bem qual era sua intenção.  

Ele se sentou na poltrona ao lado da sua e também lançou um olhar para a sala.  

“Não faz isso, Way.” Babe sussurrou. Ele conseguiu sentir quando o olhar de Way se voltou para ele.  

“Eu não posso nem saber?” Ele perguntou amargamente. Babe tentou ter paciência. Tentou ter empatia. Way era apaixonado por ele, isso era um fato. Way admitira que era apaixonado por Babe desde antes de se encontrarem, quando ainda o via só em sonhos.  

Babe voltou o olhar para ele, observando-o. 

“Você sabe minha resposta.”  

“O que ele tem?” Que eu não tenho... Babe completou em sua mente. Babe piscou. 

“Eu não sei. Eu não entendo nada disso. Eu nem entendo o que sinto por ele de verdade.” Babe admitiu. Seu olhar se voltou para ele de novo. Aquela sensação de euforia o tomou. Queria ir até ele. Queria estar nos braços dele do mesmo jeito que Sonic estava nos braços de North. Queria saber como seria adormecer e acordar ao seu lado.  

“Babe eu sempre estive aqui.” Way insistiu. Babe não respondeu. “Eu sempre estive ao seu lado. Isso não é justo.” Babe franziu as sobrancelhas e o olhou de novo. 

“Eu não sou uma coisa, Way. Eu não sou tua propriedade, mesmo que você tenha me conhecido por mais tempo do que qualquer outro.” Way se calou. É claro. Ele sempre sabia quando devia parar de pressionar. Babe aguardou alguns minutos, deixando o silêncio crescer entre eles, e só então se levantou.  

Antes que pudesse se deitar em seu próprio canto, porém, Charlie soltou um grito estrangulado e se sentou abruptamente, respirando ofegante. Em menos de um segundo Babe estava ao seu lado agarrando seu rosto e forçando-o a olhar para ele. Os outros também despertaram, sobressaltados com o barulho, e observaram os dois. 

“O que?” Babe perguntou, confuso. Charlie o olhou com a expressão apavorada. Um medo indescritível por trás de seus olhos. 

“Eu sonhei que tava me afogando.” Ele respondeu. Babe o soltou como se sua pele o tivesse queimado. Ele se levantou e deu dois passos para trás. Charlie parecia um pouco alheio ao seu comportamento. Ele continuou falando. Seu olhar perdido no chão de madeira. “Eu me afogava e morria e então voltava e me afogava e morria e era desesperador.” Sonic suspirou tristemente. North o abraçou delicadamente. A expressão de Alan também se entristeceu. “Eu estava preso dentro de um-” Sua narração foi interrompida pela saída abrupta de Babe da casa. A porta se fechou atrás dele com um baque surdo. Charlie se calou. Seus olhos fixos na porta por onde Babe desaparecera. 

Alan se levantou e buscou um copo de água na cozinha. Ele o entregou para Charlie e então se agachou perto dele. 

“Bebe.” Ele mandou. Charlie sabia que beber água era uma ação instintiva e que acostumava acalmar o cérebro depois de um momento de pânico. Ele mesmo enumerou o passo a passo de seu treinamento militar em sua cabeça, tentando se acalmar.  

“O nome dele é Dean.” Alan falou depois de alguns minutos, quando a respiração ofegante de Charlie se acalmou. Havia uma tristeza tão profunda em seu rosto que Charlie quase não conseguia olhar em seus olhos. “Nós o encontramos a cerca de oitocentos anos, na Europa. Alguns séculos mais tarde as pessoas começaram a enlouquecer. A peste afetou a maior parte da população. Pobreza, fome e a doença fizeram as pessoas se voltar para a igreja com um fervor doentio.” Ele engoliu em seco, como se não quisesse continuar falando. 

“Foi horrível, Charlie. A pior época de toda a nossa vida. Inclusive a de Babe. Nós tentávamos salvar as mulheres que conseguíamos, mas a inquisição era pesada e eles tinham muitos recursos. Dean foi capturado, Babe foi atrás dele para tentar trazê-lo de volta.” 

“Eles foram enforcados e quando não morreram só comprovou qualquer que seja a ideia assustadora da época. Bruxos, pacto com o demônio, seja lá no que acreditavam de ruim. Eles foram torturados por quase um ano antes que eles tivessem a ideia de como se livrar deles.” Charlie engoliu em seco, ainda sentindo a água salobra em seus pulmões, em sua garganta.  

“Eles o jogaram no mar.” Concluiu ele mesmo. Alan assentiu.  

“Eles prenderam Dean em um caixão de ferro e o jogaram em alto mar. Babe ainda estava preso, mas sem ter como saber onde estavam. Eles o mantiveram por mais alguns meses antes que nós conseguíssemos encontrar e libertar ele.” Charlie sentiu um pavor tão horrível que sua pele se arrepiou.  

“Ele ainda tá lá... eu sonhei o que ele tá vivendo.” Ele sussurrou, um pânico horrível se alojou quase fisicamente em sua garganta. Não queria confirmar sua conclusão. North fungou e Sonic o abraçou.  

“Babe não gosta de falar sobre isso. Ele se culpa.” Way resmungou. Havia rancor em sua voz. Como se ele não tivesse gostado que Charlie trouxe o assunto à tona. Charlie sentiu seu coração apertado. 

“Como ele pode se culpar? Não foi culpa dele. Não foi culpa de ninguém além daqueles filhas da puta.” Charlie reclamou. Alan sorriu tristemente e pousou uma mão em seu ombro. 

“Nem tudo que acontece com a gente é fácil de racionalizar, Charlie.”  

 

Charlie esperou quase uma hora antes de sair atrás de Babe. Ele o encontrou sentado sobre uma lápide gigantesca. Era uma caixa de concreto em cima da terra. O busto de uma mulher repousava sobre a tampa moldado em pedra. Charlie se aproximou lentamente, tentando avaliar seu humor. 

“Desculpa ter tocado no assunto.” Ele pediu em voz baixa, receoso de perturbar o silêncio sepulcral do cemitério. Babe lançou um olhar para ele. Charlie percebeu que ele precisou elevar o queixo para olhá-lo nos olhos. 

“Não é culpa sua. Todos os novatos sonham com ele.” Babe respondeu. Sua voz estava tão plácida, tão impassível que forçou Charlie a se aproximar mesmo querendo respeitar o espaço pessoal de Babe. Era horrível ver aquela máscara de indiferença fingida em seu rosto. 

“Não é culpa sua.” Ele sussurrou baixinho no ar entre eles. Babe ainda o observava atentamente. De perto, mesmo com a luz fraca que emanava da iluminação externa da casa, Charlie podia ver o brilho das lágrimas em seus olhos.  

“Eu parei de procurar por ele.” Ele respondeu e havia raiva em sua voz. Uma raiva fria. Morta. Como se ela já tivesse queimado todo o calor ao longo de anos e anos. Charlie deu mais um passo para a frente. Podia sentir a respiração de Babe em seu rosto. 

“Você tentou tudo o que podia.”  

“Como sabe se eu tentei mesmo?” 

“Porque eu vejo isso nos teus olhos. Você não teria desistido se tivesse qualquer outra forma de tentar achar ele.” Babe se calou e engoliu em seco. Uma lágrima solitária escorreu pela sua bochecha e ele fungou. Charlie interrompeu seu caminho com seus dedos, acariciando a pele gelada de seu rosto.  

“Se você soubesse metade da merda que eu já fiz não ia querer nem se aproximar de mim.”  

“Eu não me importo.” 

“Eu já matei muita gente, Charlie.” 

“Eu não me importo, p’Babe.”  

“Eu tenho problemas com raiva e eu sou grosseiro e as vezes eu passo semanas e semanas sem falar uma palavra e-” 

“Cala a boca, p’Babe.” Charlie se inclinou lentamente, permitindo que Babe se afastasse se quisesse, e o abraçou. Babe suspirou contra ele e passou os braços pelo seu pescoço, mas ele ainda estava rígido. Charlie acariciou sua nuca, se encaixando entre as coxas de Babe e colando seus corpos. Babe se afastou um pouco dele e soltou um suspiro trêmulo. 

“Eu perdi as contas de com quantas pessoas eu fui pra cama e eu-” 

“Shhh... eu não vou embora.”  

“Mas eu-” 

“Pi, por favor, cala a boca.” Charlie o puxou para si de novo, sentindo quando Babe finalmente enfiou o rosto em seu pescoço, respirando seu cheiro, a ponta gelada de seu nariz acariciando logo abaixo de sua orelha. Foi a vez de Charlie estremecer. Babe gemeu contra ele e o abraçou mais apertado.  

“Eu sei que eu entendo muito pouco. Eu sei que toda palavra deve soar estúpida e imatura quando sai da minha boca, p’Babe, mas eu odeio te ouvir falar desse jeito.” Babe não respondeu, então Charlie continuou. “Eu posso ser meio burro mesmo, mas qualquer pessoa com meio cérebro consegue perceber que você jamais deixaria ninguém pra trás.” 

E Babe só... ficou sem palavras. Ele geralmente era a pessoa que apoiava os outros. Ele era o mais velho. Era o mais experiente em tudo. Até mesmo Alan buscava conforto com ele quando necessário. Babe tinha Way, mas com o detalhe intransponível da paixão que ele nutria por Babe, jamais tivera coragem de pedir seu conforto. Seu carinho.  

Babe estremeceu ao sentir o calor do corpo de Charlie. Era... bom não precisar fingir ser forte pelo menos uma vez.  

 

Way observou a figura indistinta que os dois faziam ao longe. Ele viera atrás deles quando ficou evidente que não voltariam para dentro logo. Eles estavam abraçados a vários minutos. Não conseguia distinguir se se beijavam ou não, mas sua mente traiçoeira imaginava que sim. 

Por deus, Way sabia que já havia tentado usar a vulnerabilidade de Babe para roubá-lo para si. Ele não se orgulhava disso, mas havia tentado. Não ficaria surpreso se Charlie tentava o mesmo. 

Agora, diante da cena que presenciava, se arrependia de não ter escutado Alan quando ele avisou para ficar.  

Babe parecia... outra pessoa quando estava com Charlie. Ele parecia mais sensível, mais permissivo. Charlie o conquistara em dias. Way sentiu uma lágrima escorrer de seus olhos. Ele acendeu outro cigarro e se encostou na parede gelada da casa observando a sombra dos dois abraçados. 

 

Babe acordou com os primeiros raios de sol. Algo havia despertado sua atenção. Ele observou Charlie, ainda adormecido meio torto no banco do carona. Os dois haviam se espremido no banco apertado, Babe meio no colo de Charlie, e haviam adormecido assim. Babe sorriu e passou os dedos nos fios rebeldes de cabelo que teimavam em cair sobre os olhos de Charlie. 

Outro barulho chamou sua atenção. Dessa vez teve certeza de que não havia sido impressão sua. Ele levantou o olhar para a casa e a observou atentamente. Parecia haver... sombras passando pela janela? Era cedo demais para qualquer um dos outros estarem acordados. 

Uma explosão ensurdecedora foi o que fez Babe entrar em ação em segundos. Eles haviam sido atacados. Way deveria estar de vigia, como aquilo havia acontecido? 

Charlie também despertou com o som e o seguiu imediatamente para fora do carro, sua arma já engatilhada em suas mãos. 

“Eu entro primeiro, você me cobre.” Babe sussurrou quando chegaram na porta lateral da casa. Charlie assentiu. Seu olhar percorreu o quintal da frente da casa, mas não havia nada de diferente. 

Babe entrou e seus olhos passaram rapidamente pelo ambiente, observando os danos. North, Sonic e Alan não estavam em lugar nenhum, Way estava na poltrona, morto, parecia que uma granada havia explodido em seu peito. 

“Way.” Babe chutou seu pé, tentando despertá-lo. Não havia mais ninguém na casa. “Way, acorda.” Ele chamou de novo. Charlie observava o machucado, fascinado e aterrorizado ao mesmo tempo. Babe soltou sua arma e se aproximou dele. Ele encostou dois dedos em seu pescoço, tentando medir seu pulso. Um breve desespero tomou sua mente... Way havia...? Babe levantou a mão e a desceu em um tapa brusco em seu rosto. Way despertou em um sobressalto, gemendo de dor. 

“Ah, caralho.” Ele resmungou. Babe respirou aliviado. 

“Os outros?” 

“Eu não vi. Não sei. Eu acho que adormeci de madrugada, não vi nada.” 

“Porra, Way.” 

“Eu acho que levaram os três.” Babe não esperou por outra informação. Ele se voltou para Charlie e apontou para a poltrona ao lado de Way. 

“Fica aqui com Way. Eu vou tentar interceptar antes que consigam chegar onde tá o transporte.” 

“Eu vou-” 

“Você fica aqui e espera meu sinal.” E isso não era uma sugestão. Charlie engoliu em seco e assentiu.  

Babe saiu pela porta de trás, onde podia ver uma zona de pegadas. Eles haviam se refugiado na igreja enquanto aguardavam o transporte. Babe nem pensou duas vezes. Ele correu na direção da porta dos fundos e entrou silenciosamente pela única porta que sabia estar com as dobradiças lubrificadas.  

Dentro da igreja soavam sussurros dispersos. Uma breve altercação. Babe observou atentamente antes de agir. North e Sonic estavam desmaiados, sendo carregados já algemados, mas Alan estava de pé e lutando, seus pulsos também presos. Babe se atirou sobre o homem que o segurava e o matou em dois golpes. 

“Mais um!” Gritou um deles. Uma cacofonia absurda se seguiu. O espaço outrora ostentoso ecoava os sons de tiros e da espada de Babe e de sua pistola. Babe não parou até que o último homem estivesse caído em uma poça de sangue. 

“Babe! North e Sonic!” Alan gritou. Ele estava na porta da igreja. Um mar de sangue cascateava pelas suas costas. Ele havia sido atingido? 

“Eu vou atrás.” 

“A gente precisa do Way e do Charlie.”  

“Fora de questão, não vou colocar eles em perigo.”  

“Babe!” 

“Lung!” Os dois se encararam por mais alguns instantes até que o olhar de Babe se desviou para o ombro direito de Alan. “Por que esse sangue não para?” Alan desviou o olhar para seu ombro, observando o local onde fora esfaqueado. 

“Eu-” Ele se calou, em choque. Babe se aproximou e rasgou mais a manga de sua camiseta, observando o corte. Eles ficaram em silêncio por vários instantes, observando atentamente a pele lacerada. 

“Não tá curando.” Alan levantou o olhar para Babe de novo. Babe o observava abismado.  

 

Charlie carregava duas bolsas pesadíssimas. Ele havia ido contra a ordem de Babe e assim que Way e ele terminaram de organizar as bolsas para partir, havia seguido para a igreja.  

Ele andou entre os corpos até onde Babe e Alan estavam parados próximo do altar. Estava tentando não se deixar abalar pelo mar de sangue que fazia suas botas escorregar. 

“Phi?” Babe se virou para olhar para ele e havia um desespero insuportável em sua expressão. Charlie quase correu na sua direção “O que houve? Você se machucou?” 

“Alan ele...” A voz de Babe falhou e ele se virou para Charlie e enfiou o rosto em seu ombro, como se quisesse se esconder. Charlie soltou as bolsas imediatamente e o abraçou. Ele levantou o olhar para Alan, confuso. Alan ainda observava Babe silenciosamente.  

“Todos nós vamos chegar aqui algum dia, phi." Ele pousou uma mão no ombro de Babe e Charlie ficou ainda mais chocado ao sentir o corpo de Babe balançar com soluços contidos. 

 

Os olhos de Babe ainda estavam avermelhados e inchados. Charlie o conhecia a tão pouco tempo, mas até ele podia dizer que aquela não era uma visão comum. Way também lançava olhares contínuos em sua direção, preocupado com a forma como Babe se calou diante de tudo o que acontecera. 

North e Sonic foram levados e Alan não era mais imortal. Charlie apertou os dedos de Babe, que estavam entrelaçados com os seus. 

Eles haviam fugido para uma antiga mina de extração de carvão. Diferente do que o exterior sugeria, o interior era bastante prático. Havia um tipo de pavimentação emborrachada no chão de pedra e um espaço reservado para acender fogo e muitos e muitos quadros, esculturas, livros e antigos tesouros. 

Charlie já não achava que conseguiria se chocar com mais nada. 

“Way eu preciso que você rastreie os dois.” Alan pediu. Way franziu os lábios. 

“Você sabe que eu sou péssimo nisso. North e Sonic que-” 

“North e Sonic não estão aqui.” Babe o cortou secamente. Seu olhar estava fixo no fogo que tremulava e não em nenhum deles. Um silêncio tenso permeou o espaço. 

“Eu tenho uma ideia.” Charlie cortou o silêncio. Alan o olhou, mas Babe e Way continuaram calados. “Meu irmão é T.I. na delegacia de polícia ele tem aces-” 

“Não.” Babe o cortou também. Charlie se virou para ele. 

“E você tem alguma outra ideia?”  

“Eu sei que você quer ver teu irmão, mas agora é perigoso demais. Não só pra gente, pra ele também.” Babe raciocinou e ele não estava errado. Jeff poderia ser a ponta solta se alguém já tivesse descoberto a existência de Charlie.  

“Não é só por isso, phi. Jeff é ótimo com computadores. Ele poderia hackear o FBI se quisesse.” Talvez seu comentário contivesse um pouco de exagero, mas Charlie precisava insistir. Poderia ser um pouco egoísta usar a situação para tentar ver Jeff, mas talvez fosse sua última chance.  

“Não é uma ideia péssima. Não tem mais ninguém que a gente possa contar.” Alan tentou. Babe se calou diante do argumento. Seu olhar finalmente se voltou para outra direção além do fogo.  

“Way?” Ele só deu de ombros, se abstendo de votar. Babe suspirou e tirou um celular de seu bolso.  

“Chamadas de dois minutos ou menos. Você lembra do número de cabeça?” Charlie sentiu sua mão tremer ao aceitar o celular.  

“Sim, sim.” Ele se levantou e se afastou para a entrada da mina. Era madrugada na Tailândia, mas foda-se, Charlie ia falar com Jeff depois de quase duas semanas. 

“Alô?” Jeff respondeu no terceiro toque com a voz carregada de sono. Charlie sentiu sua garganta se fechar ao ouvir sua voz. 

“Jeff?” Ele questionou, ainda sem acreditar. Um silêncio ensurdecedor soou do outro lado da linha.  

“P’Charlie?” Veio a resposta incrédula dele. Charlie riu, nervoso. “Charlie onde você tá? Que porra aconteceu? Todo mundo no trabalho enlouqueceu, disseram que foi emitido um comunicado do teu falecimento, mas eu tava com você, phi. Eu vi você sair do hospital vivo.”  

Charlie engoliu em seco. 

“Nong, desculpa. Me desculpa. Eu vou explicar tudo, eu juro. Eu só preciso saber de algo antes.” Charlie atropelou suas palavras, sabendo que se passasse do limite estipulado por Babe poderia ter seu direito de conversar com Jeff revogado. “Você consegue rastrear uma pessoa a partir de nome e foto? É importante.” Jeff se calou do outro lado da linha quase por tempo o bastante para obrigar Charlie a checar se a ligação havia caído.  

“Você sabe que sim, mas eu preciso saber o que tá acontecendo antes.”  

Charlie não explicou por ligação. Antes que pudesse até pensar em tentar Babe estava ao seu lado. 

“Você precisa desligar agora.”  

“Pi, você tá bem? Quem tá com você agora? Quem tá falando?”  

“Nong eu vou te ligar de novo, mas por favor me escuta agora. Você não pode contar pra ninguém que conversou comigo, ok? Eu morri, Jeff e eu preciso continuar morto.” Babe o abraçou quando ele desligou a ligação, cortando as palavras desesperadas de Jeff do outro lado da linha tentando extrair qualquer outra informação. Ele nem mesmo percebeu quando começara a chorar. Babe o abraçou e tirou o celular de sua mão e sussurrou em seu ouvido que eles iriam para Tailândia e que ele ia ver Jeff. 

“Promete, pi?” Charlie pediu. Suas mãos agarravam a camiseta de Babe desesperadamente, buscando algo em que se apoiar. 

“Eu prometo.” 

Babe o puxou para perto da fogueira de novo e se sentou ao seu lado, quase sem deixar espaço entre eles. Charlie estava um pouco em choque ainda depois de ouvir a voz de Jeff depois de tanto tempo, mas o calor do corpo de Babe e do fogo ajudou. 

Alan e Way conversavam amenidades em voz baixa, mas Charlie estava em silêncio e Babe o acompanhou. Quando os olhos de Charlie começaram a se fechar de sono Babe se levantou e o puxou pela mão até uma das camas encostadas na parede.  

Charlie sempre imaginara o que seria dormir com Babe em seus braços. Apesar de seu tamanho e da ferocidade com que podia literalmente dilacerar um ser humano, ele se encolheu ao lado de Charlie, descansando a cabeça em seu ombro, escondendo o rosto em seu pescoço.  

Ele se sentiu protetor dele. Babe costumava agir como se nada o abalasse, mas Charlie sabia muito bem que saber que o ferimento de Alan ainda não se curara – Charlie precisou costurá-lo, o que foi no mínimo difícil sendo que Alan não estava acostumado a sentir dor por mais do que trinta segundos – o deixara transtornado.  

Charlie o apertou contra si. Ao mesmo tempo que queria que a noite passasse rápido, também queria ficar eternamente ali, sentindo seu cheiro o envolver. 

Na manhã seguinte eles foram para a Tailândia. Charlie falou com Jeff mais duas vezes, passando toda a informação que tinham de Pete para tentar localizá-lo.  

Os quatro estavam dentro de outro avião cargueiro voltando para a Tailândia. 

Charlie estava tão ansioso de pensar em reencontrar Jeff que suas pernas estavam inquietas. Babe estava sentado ao seu lado, meio adormecido, meio acordado com a cabeça encostada em seu ombro. Seus dedos ainda entrelaçados com os de Charlie. 

Parecia que uma vida havia se passado desde a última vez em que estivera em um avião com Babe. Eles estavam... estranhos. Um bom tipo de estranho. Charlie não pedira para beijá-lo de novo, mas depois de sua conversa no cemitério Babe estava muito mais grudento. Qualquer oportunidade que surgia ele entrelaçava seus dedos com os de Charlie. Ou o abraçava, ou o puxava para dormir próximo dele.  

Charlie podia sentir o olhar de ira que Way direcionava para eles sempre que algo desse tipo acontecia, mas sinceramente? Foda-se. Way podia ir pra puta que pariu. Charlie ia abraçar Babe e ia adormecer com ele em seus braços e eles estavam voltando para a Tailândia e ele ia ver Jeff de novo.  

Seus olhos se enchiam de lágrimas sempre que pensava sobre seu irmão. Nunca antes os dois passaram tanto tempo separados. Charlie sentia sua falta quase fisicamente. 

Babe aceitara, um pouco a contragosto, passar o endereço da casa segura em que ficariam para que Jeff os encontrasse lá. 

Charlie desceu do carro antes mesmo que ele estivesse completamente parado e andou a passos largos para a casa pequena e pacata que jamais pareceria um ponto de encontro de um exército de guerreiros imortais.  

Ele podia enxergar luz pela janela da cozinha, o que queria dizer que Jeff já estava lá dentro. Charlie bateu na porta ansiosamente e assim que Jeff a abriu ele pulou sobre ele, abraçando-o quase dolorosamente. 

“Phi!” Jeff grunhiu um pouco de dor e um pouco de emoção.  

“Me desculpa. Eu sinto muito. Eu não queria te abandonar assim.” Os dois ficaram abraçados por longos instantes. Lágrimas traiçoeiras molhavam seus rostos. Só depois de longos minutos de conversas sussurradas Charlie percebeu que os outros não o seguiram para dentro da casa. “Eu vou lá buscar eles.” Jeff engoliu em seco, mas assentiu. Ele era a pessoa mais corajosa que Charlie já conhecera. 

Os três estavam esperando dentro do carro, então assim que Charlie saiu do hall iluminado da casa eles se puseram em ação. Eles pegaram as malas e levaram tudo que podiam em uma única viagem. 

Babe foi o último a passar por ele. Ele hesitou, observando seus olhos ainda úmidos. 

“Tudo bem?” Ele sussurrou e sinceramente? Charlie achava que o amava. Tipo... amava de verdade. Ele sorriu. 

“Sim.” Agora tudo estava mais ou menos bem. Na medida do possível. 

 

Alan ainda estava um pouco em choque. Ser imortal em um instante e mortal no próximo era... desconcertante. Ele entrou na casa ainda um pouco aéreo. Seus olhos fizeram uma varredura simples do ambiente, procurando possível ameaças e catalogando saídas. Ele hesitou assim que avistou a única outra pessoa ali. 

Ele devia ser Jeff e provavelmente Alan não devia estar causando uma boa impressão, assim, de boca aberta no meio da sala. É só que... ele era a criatura mais linda que Alan já havia posto os olhos.  

“Você deve ser Jeff.” Way se aproximou dele e algo dentro de Alan se retesou estranhamente. Como se... como se Way se aproximar dele fosse perigoso.  

“Oi, sim.” Jeff esticou a mão e o cumprimentou rigidamente. Seu olhar se voltou para Alan e a palma de sua mão também. Alan se forçou a dar os poucos passos que o separavam dele. 

“Oi, Alan, prazer em conhecer.” E ele apertou a mão pequena e macia entre seus dedos grosseiros. Alan nunca se sentiu tão inadequado em toda a sua vida.  

“Nong você já escolheu um quarto?” Charlie entrou na sala já questionando. Jeff puxou sua mão do aperto de Alan bruscamente. Ele também limpou a palma da mão contra sua calça. Alan se sentiu um pouco decepcionado. Sua mão estava suada por acaso? 

“Sim, sim. Peguei o primeiro a direita.” 

“Ok.” Charlie seguiu pelo corredor com Babe logo atrás sem dar muita atenção aos três que ficaram para trás. Um silêncio constrangedor pesou o ambiente. 

“Então.” Jeff cruzou os braços sobre o peito. “Foram vocês os imortais que sequestraram meu irmão?”  

Alan queria que o teto da casa desabasse em sua cabeça. 

Notes:

Sobrevivi às duas últimas semanas úteis do ano. Pra uma arquiteta é um feito e tanto kkkkkk

Além de sobreviver ainda preparei presente de natal. Gostaram?

Babe tá mais bonzinho agora? Ele é incompreendido, coitadinho kkkkk

O que acham que vai rolar com o Jeff e o Alan? Não se empolguem, lembrando que meus nenéns são os CharlieBabe. Tenho dificuldade de escrever outros casais, mas quis incluir os dois, nem que fosse uma participação breve.

Notes:

O que acharam? Me empolguei com essa história. Vão ser 4 capítulos e talvez um epílogo. Minha ideia é publicar ela toda ainda esse ano.