Chapter Text
Socando o saco de boxe repentinamente, o couro afundando com a força exercita, o som de seus punhos se chocando contra o material dominavam o cômodo, servindo como um lembrete de que Vi já deveria ter parado, que já deveria ter tirado uma pausa na última hora, ou talvez na anterior.
Ela estava naquilo há quase duas horas seguidas. Duas malditas horas socando aquela merda, aquele caralho, e nada havia mudado. Tudo continuava igual — o seu interior continuava turbulento, seu peito doendo, sua cabeça latejando com as memórias que assombravam a sua mente, todos os seus erros sendo repetidos. E, como se isso não fosse tortura o bastante, as lágrimas continuavam caindo livremente dos seus olhos, molhando sua pele, deixando um rastro de limpeza em suas bochechas sujas da noite passada.
Cada soco que a zaunita acertava contra o equipamento parecia mais pesado que o anterior, contendo todos os seus sentimentos e dores. Talvez até mesmo os seus arrependimentos e os seus acertos. A sua força, por mais que vacilasse depois de tantos golpes consecutivos, ainda era o suficiente para a corrente que sustentava o saco balançar de um lado para o outro, como se o ferro fosse ceder a qualquer momento.
Violet já sentia o esgotamento chegando até si, principalmente na maneira como ela quase falhava alguns dos golpes, algo que só servia para fazê-la sentir-se pior — mais fraca, mais lenta, mais… como uma nada. Miserável pra caralho. Ela sentia os seus punhos latejando, pedindo por uma pausa, uma água fria, um intervalo; por qualquer coisa semelhante a isso, mas ela não conseguia parar. A sua mente não lhe dava um mísero minuto de descanso.
A mulher estava suada, ofegante e com o cabelo bagunçado, alguns fios grudando em sua testa, o cheiro de suor dominando o ar, mas nem isso era capaz de fazê-la ter um pouco de amor próprio. Vi sabia o quanto seu corpo estava cansado, o quanto ela tinha gastado uma grande quantidade de energia nas últimas horas, principalmente por conta da imagem das ataduras já gastas — elas tinham que ter sido trocadas na noite passada, porém a lutadora não foi capaz disso, já que tinha desmaiado no instante em que encostou no colchão, depois de ser auxiliada por Loris, depois de mais uma bebedeira do caralho.
Mas nada disso importava. Nada parecia fazer qualquer merda de diferença, menos ainda fazer o seu interior se acalmar. Talvez mais algumas horas “treinando” resolvessem o seu problema, quem sabe. Talvez mais uma sequência de socos até ela cair desmaiada no chão de tanto cansaço lhe fizesse bem. Quem sabe, talvez isso funcionasse. Não dava para ter certeza sem testar antes, não é?
No entanto, além de toda a frustração e toda a dor, um nome ecoava, acima de todos os outros — como um sussurro pronunciado perto de seu ouvido, uma presença implicante, a porra de uma assombração.
Não importava o quanto Violet se forçasse a ignorá-la, tentando ter um minuto de silêncio dos seus demônios, aquela mulher sempre voltava, alimentando silenciosamente sua raiva e a mantendo de pé. Sevika.
Por mais que tentasse, o nome dela não saia de sua cabeça, o rosto da morena permanecia no fundo de sua mente. A imagem dela encostada na sua parede, fumando maconha como se nada mais importasse no mundo, ainda estava lúcida, provocando-a, fazendo o seu interior ferver.
Sevika parecia uma sombra, a porra de uma alucinação criada apenas para desnorteá-la — presença irritante era um termo melhor, na verdade.
A mesma mulher que havia aparecido do nada na multidão em uma de suas lutas, cruzando suas íris escuras com as azuladas de Violet, sem expressar qualquer coisa além de um olhar calmo e analítico, observando a distância. Como se fosse a dona daquele fundo do poço que chamavam de ringue. A filha da puta que havia lhe jogado um saco de moedas, apenas confundindo-a cada dia mais.
Elas haviam interagido poucas vezes, Violet tinha consciência desse fato, mas o pouco que viu, que ouviu, que observou, já foi o bastante para fazê-la ficar mais confusa, com mais perguntas do que respostas no final de cada frase trocada, até de cada combate. Mas isso não era o pior. Porra, não chegava nem perto!
O pior era que Sevika tinha dito que ia voltar, deixando apenas aquele simples — e irritante pra cacete: “Talvez eu volte, se ninguém explodir nada” para a mais nova se agarrar. Como a grande sádica que aquela mulher era.
Aquilo foi há três dias. Já haviam se passado três longos dias e nenhum sinal da Scary Lady — fosse nas lutas, no bar, encostada na sua parede ou entre a multidão dos telespectadores. Três dias desde a última vez que Sevika tinha se feito presente, lhe dito as coisas mais sem sentido possíveis e sumido, como um fantasma, como se não se importasse e só quisesse mexer com a cabeça dela. E, possivelmente, era exatamente esse o seu intuito. Porque mais aquela mulher teria surgido, afinal?
Parando por um momento, precisando de um tempo para respirar, a zaunita de cabelos pintados se apoiou no equipamento ao perceber que estava prestes a desmoronar, agora usando-o como se fosse um pilar, tentando acalmar seu coração, tentando ignorar a maneira como o seu corpo estava tão quente ao lembrar da maneira como Sevika expulsava a fumaça do beck para fora dos lábios. Provavelmente era ira, talvez raiva ou repulsa. Só poderia ser isso. Não tinha como outro sentimento dominar o seu peito sempre que pensava naquela- naquela… traidora imunda!
Era tão patético. Tão confuso pra caralho. Como algo tão pequeno e simples era capaz de mexer tanto com Vi? Talvez ela estivesse finalmente enlouquecendo depois de todos aqueles anos.
Vi estava cansada de esperar, de permanecer parada no mesmo lugar, como uma estátua. Estava cansada de... se importar. Essa a verdade, por mais doloroso que fosse admitir — mesmo que internamente. Ela não tinha razão para isso. Não deveria se sentir tão sozinha e deprimida naquele lugar — tinha Loris, afinal, embora não o conhecesse há muito tempo, algo que ficava evidente nas vezes em que os dois estavam sóbrios. Nada e nem ninguém poderia impedir Violet de simplesmente mandar Sevika se foder! Ir pra puta que a pariu, pelo o que importava!
Com esse pensamento em mente, dominando todo o seu ser de uma hora para outra, Vi disparou um soco forte no saco de boxe — um golpe rápido, seco, direto, cheio de fúria por todas as palavras que Sevika lhe disse há exatamente três noites. Tudo voltou com o dobro de força.
“Achei que você merecia”, as palavras da Scary Lady se repetiram em sua mente, fazendo a lutadora piscar, afugentando a cena do sorriso nos lábios da mulher negra de sua cabeça, não querendo pensar naquilo — não naquele momento, pelo menos. A boca de Vi retorceu uma única vez, começando a moldar o seu rosto, seus punhos implorando por alguma ação, sua garganta secando por uma bebida. Outro soco foi disparado, o suor pingando de seu braço, voando pelo cômodo, quase parecendo uma lágrima.
Merecia o quê, caralho? Beber menos algumas garrafas não parecia uma vitória, não quando Vi ainda aparecia na arena todas as noites, em busca de descontar todas as suas frustrações e falhas nos outros participantes, não se importando caso seu corpo virasse poupa por outras mãos, se outra série de hematomas decorasse o seu rosto, ou se o seu sangue pintasse as paredes daquele buraco.
Que merda ela merecia? Nada. Não merecia porra nenhuma. Isso a fez lembrar da grana que ganhou há três noites atrás, principalmente de como nem sabia porque tinha feito questão de gastar poucas moedas do saco de dinheiro que ganhou de Sevika.
Porra, Violet poderia ter comprado e bebido tanto álcool com aquela quantia, mas parecia que, sempre que tocava no pano surrado, com o selo familiar da arena, ouvia novamente a voz dela perto de si, geralmente em seu ouvido. Como a porra de um fantasma.
“O motivo não é importante. Aceite a merda do dinheiro ou me devolva”, outro golpe acertou o equipamento, e um grunhido escapou dos lábios dela, a saliva escorrendo por seu queixo quando mais um murmúrio dolorido saiu quando a imagem de Sevika voltou, parecendo tão relaxada, encolhendo os ombros, se repetiu por um breve momento.
A visão de seu punho afundando no couro não fez nada por Vi, não amenizou porcaria nenhuma. Uma dor surda subiu pelo seu braço, os nós dos dedos implorando por repouso. Dessa vez, ela rangeu os dentes, insatisfeita com aquela fala em específico.
O motivo era importante pra caralho.
Qual era a porra da dificuldade daquela mulher em responder a uma simples pergunta? Sevika sentia tanto prazer assim em deixá-la confusa? Foda-se. O que importava? O que mudaria caso Sevika fosse direta uma única vez, e lhe dissesse diretamente o que queria consigo?
“Achei que você fosse mais inteligente do que isso, Violet”, mais uma vez, a voz dela preencheu sua mente, e nem mesmo o tom humorístico da mais velha foi o suficiente para fazer o seu sangue arrefecer. Mas a maneira como o seu cérebro lhe lembrou de como a mulher mais velha tinha pronunciado o seu nome… puta merda. Um arrepio subiu pela sua espinha, parando em sua nuca. Isso fez Violet parar mais uma vez, puxando o ar para dentro de seus pulmões algumas vezes, tentando se acalmar. Não deu certo.
“Acha mesmo que, se eu não me importasse com você, teria feito questão de fazer o que fiz?”, aquela fala amaldiçoada se repetiu por um tempo, como se a sua consciência estivesse torturando-a de alguma forma, tentando fazê-la ver alguma coisa, talvez perceber algo que não tinha feito ainda. Infelizmente para o seu cérebro, Vi não tinha energia para fazer nada durante aquele tempo — apenas ficou parada, seu peito subindo e descendo, com as mãos do lado do corpo, fechadas em punhos, sentindo as unhas ameaçando perfurar sua pele.
Aquela pergunta retórica, por mais simples que tivesse soado, serviu apenas para deixá-la confusa, tomada pela incerteza de ter entendido certo. A resposta mais fácil para suas dúvidas era: sim, Sevika se importava. Mas só isso não era o bastante para fazer Violet simplesmente aceitar aquilo sem mais nem menos.
Primeiro: por quê? Mesmo depois de tudo, como a morena ainda era capaz de se importar? De todas as lutas, todas as… tudo bem, talvez discussões não fosse a melhor palavra, mas era o que conseguia usar. E, se a resposta fosse não, então por que diabos a desgraçada se deu ao trabalho de fazer parecer que se importava? Que ligava caso Vi acabasse morta em uma vala? O que Sevika queria com todo aquele teatro, afinal?
Aquelas palavras tinham sido tão ambíguas, que Vi só conseguia se sentir uma estúpida, desejando voltar no tempo e nunca ter saído de casa naquela noite. Ou ter se retirado para a sua casa quando teve a chance. Talvez, se Vi tivesse feito tal coisa, não estaria aqui: lembrando-se do ex-braço direito de Silco, entre todas as pessoas. Pensando em como funcionava a mente da intitulada Scary Lady, e em como diabos ela se encaixava no grande esquema de coisas daquela mulher.
Bastou uma breve conversa com Sevika para fazê-la perder o sono naquela madrugada e, mesmo depois de horas que a mais velha tinha ido embora, se retirado sabe se lá pra que canto da Cidade Baixa, Vi estava na cama, completamente acordada, olhando pro teto, pensando no que caralhos aquilo significava.
“Fui a pelo menos quatro lutas suas nas últimas duas semanas”, agora aquela informação a fez espremer os lábios, chupar os dentes, seu nariz se enrugando, sua expressão se transformando rapidamente. E, quando Violet percebeu, estava acertando soco atrás de soco, golpe atrás de golpe, ignorando a dor em seus pulsos, que subiu pelos seus braços, fingindo não sentir o latejar em seus dedos.
Ah, eram as consequências de suas atitudes.
Novamente, ela tentou expulsar tudo de dentro de si, colocar todos aqueles pensamentos e lembranças no seu “treinamento” — neste ponto, sabia que não era mais sobre isso, mas se enganar era mais fácil. Violet tentava expulsar a raiva, a frustração, o cansaço, as dúvidas. E principalmente enxotar aquela mulher da sua cabeça.
Mas era inútil, sua consciência repetia, de novo e de novo, como um disco arranhado. Depois de tanto tempo naquilo, era óbvio que nenhum golpe faria o que Vi queria. Nada era suficiente, precisa de… uma bebida, era isso. Uma garrafa de cerveja, de vodka, de gin, de qualquer coisa! Quem se importava se era com pouco ou muito teor alcoólico?
Quando Violet finalmente decidiu o que fazer, ela esticou os braços, parando o equipamento antes que tivesse a chance de acertá-la no rosto, ignorando a dor que dominou suas palmas. Deveria ter algum bar aberto àquela hora, tinha certeza disso; aquela era a Cidade Baixa, pelo amor de Janna. No entanto, ao girar os calcanhares e dar um passo, ela parou no instante em que outra fala de Sevika cruzou sua mente: “Vê se tenta beber com moderação”.
Aquilo a trouxe de volta ao presente, o tom de Sevika servindo como uma espécie de alerta, um maldito lembrete não solicitado de como ela estava se afundando cada vez mais. Foi como se tivesse levado um tapa pelas palavras da mulher mais velha. Talvez o melhor termo fosse um soco — um soco da intitulada Scary Lady definitivamente era forte o bastante para fazer Vi acordar.
Expulsando um grunhido baixo e amargo, a ex-presidiária sentiu uma gota de suor escorrer por sua testa, fazendo uma trilha desconexa até o seu queixo, cobrindo uma parte de seu pescoço. Aquilo só serviu como um lembrete das últimas horas, do quão quente e abafado o cômodo estava, mas aquilo não afetava Vi há muitos anos. Mesmo caso ela não tivesse se acostumado com o ar da Subferia, seu tempo na prisão teria “ajudado” nessa merda.
Quando ela não ficava noites e mais noites passando frio naquela porcaria que os guardas chamavam de solitária, ficava passando calor, sofrendo de ataques de ansiedade e chorando para tentar diminuir a dor em seu peito, o buraco em seu coração, o pedaço que faltava em sua alma — relembrando dos momentos com sua irmãzinha Powder, querendo vê-la, encontrá-la, saber se ela estava viva ou morta.
Por mais quente que o quarto estivesse — e tudo graças a janela atualmente fechada, já que a porra do pino estava estragado —, e o seu corpo implorava por um banho gelado e refrescante, a mulher de cabelos pintados não conseguiu se importar com nenhuma dessas coisas. Ela já estava acostumada a ignorar o desconforto físico que sentia, de qualquer forma.
Infelizmente para a zaunita, as inúmeras perguntas em sua mente eram mais difíceis de ignorar.
“Não sou conhecida por distribuir gentilezas. Eu não gosto de bancar a babá”, a voz rouca e profunda de Sevika voltou a soar dentro de sua cabeça, a imagem da mulher negra erguendo as sobrancelhas, um pequeno sorriso aparecendo em seus lábios, fez Vi ranger os dentes. Sua respiração aumentou, embora ela tentasse se controlar, e não voltar a espancar o equipamento — tentou permanecer de costas para o saco de boxe, com os pés grudados no chão.
Então por que você me ajudou? E por que voltou?, eram as principais perguntas que a mais nova tinha na ponta da língua, apenas coçando para serem ditas. Para serem respondidas, na verdade… de preferência diretamente.
Por que você mentiu pra mim?, foi uma pergunta que Vi não teve coragem de se demorar por muito tempo, empurrando-a para dentro de sua mente, escondendo-a, expulsando-a da mesma forma que expulsou a imagem de Sevika sentada no banquinha do bar, dezenove dias atrás, rindo de alguma merda que um cara apoiado no balcão tinha dito a ela, parecendo dar em cima de Sevika sem medo, ao contrário de metade do bar.
— Que merda. Porra — murmurou Violet ao sentir algo diferente em sua mão direita, uma dor mais forte do que as outras, como uma pontada repentina.
Baixando os olhos para a mão enfaixada, ela não demorou a visualizar um rasgo nas ataduras gastas, percebendo que sua pele machucada estava pior. Era mais uma consequência de todas aquelas lutas noturnas. Não parecia tão ruim, apenas estava ficando roxo, indicando um mau jeito, e que o ideal seria alguns dias de repouso.
Puta merda, isso vai ser um problema.
Suspirando profundamente, Vi se moveu até a cama, sentando-se no próximo instante. Mas, ao perceber o quanto as suas pernas estavam doloridas — que todo o seu corpo estava, na realidade —, ela jogou-se de costas no colchão fino, fechando os olhos.
Erguendo as mãos até o rosto, massageando a área, só percebeu naquele momento o quão pesada suas pálpebras estavam. Ao ponto de sua mente estar ameaçando levá-la até a inconsciência.
Tudo bem, talvez mais algumas horas de sono fizessem bem. Ela não havia conseguido pregar o olho na noite passada, de qualquer forma — sua mente conturbada estava cheia de pesadelos sobre aquela fatídica noite.
A sensação de estar entre os escombros do prédio ainda era viva em sua mente, a dor de ver o corpo de seus irmãos Mylo e Claggor do outro lado, entre as pedras, sempre ficaria marcada em suas memórias, como uma ferida que nunca se fechava por completo. E o quão vulnerável e assustada Vi se sentiu quando observou Vander, seu pai, lutar contra uma criatura horrível criada por Silco.
Mas, além disso tudo, um sentimento prevalecia entre todos os outros, fazendo-os parecer apenas uma amostra, uma sombra da verdadeira dor: o arrependimento de ter batido em Powder. Em sua doce e amável irmãzinha. De ter… criado Jinx.
“Ele não criou a Jinx. Você criou”, lembrar-se daquela fala de sua irmã já foi o suficiente para fazer os olhos de Vi arderem, uma dor preenchendo o seu peito, a culpa a corroendo-a por dentro como um verme. Um verme que não pararia até tirar tudo de si.
“Que bom que é você. Tinha que ser… você”, foi a última coisa que a lutadora ouviu antes de cair no sono, uma última lágrima escapando de seus olhos.
Um estrondo repentino soando foi o bastante para fazer Violet se mexer durante o sono, um resmungo cansado saindo de sua garganta no próximo instante. Ainda de olhos fechados, ela contraiu as pálpebras, se mexendo na cama, tentando despertar, ou escutar algo que fosse útil para seus ouvidos.
No entanto, ela desistiu em algum momento, e estava pronta para fingir que aquele som nunca aconteceu, chegando até a jogar o pequeno travesseiro que usava por cima do seu rosto — a luz da janela era muito irritante para os seus olhos.
Outro baque ecoou no silêncio, como se o maldito barulho invadisse o seu sonho, o que fez Vi se mover mais uma vez, girando na cama. Entretanto, um novo som soou, desta vez um que ficou claro que era uma batida na porta. Com isso, ela finalmente percebeu que aquilo não era o som de alguma briga ou discussão, mas sim da sua casa.
Vi se forçou a levantar, precisando de um momento para coçar os olhos, percebendo que ainda estava no mesmo lugar, tentando ignorar as imagens que invadiram sua mente. Ela andou lentamente até a entrada e, ao girar a chave, viu ninguém menos que Loris parado na frente da sua porta. Ele tinha um olhar divertido no rosto, por mais que parecesse cansado.
— Dormiu pra caralho, hein? — ele perguntou, bem humorado, o que fez ela soltar uma risada abafada, praticamente um bufo do que uma risada completa. — Quase achei que não estava em casa.
— É, eu… não consegui dormir e fiquei treinando, aí capotei — disse Vi, erguendo uma mão, começando a massagear seu pescoço, sentindo a área meio dolorida, provavelmente do mal jeito que ela tinha dormido. Caralho, precisava de um colchão novo pra ontem. Loris ergueu uma sobrancelha, claramente não acreditando em suas palavras. — Foda-se, entra ai.
Fugindo do olhar de seu amigo, ela girou os pés, se movendo novamente até a cama, sentando nela sem nenhum cuidado, soltando um novo resmungo quando sentiu a finura do colchão. Apenas um lembrete do quanto precisava de um lugar melhor, do quanto tinha decaído em pouco tempo, mas não tinha coragem de juntar dinheiro para-
Merda. Mais uma vez, a grana que ganhou de Sevika noites atrás dominou sua mente, fazendo um sentimento estranho encher seu peito. A possibilidade de finalmente se livrar daquela porra pareceu muito atraente, mas em questão de coragem… Essa era uma questão mil vezes mais complicada.
— Eu trouxe comida. — A voz de Loris a fez girar o queixo, depositando toda a sua atenção nele. Mas no instante em que Violet colocou os olhos na sacola familiar na mão dele, tendo certeza de que aquilo era uma marmita, toda a sua atenção era da comida. Ele soltou uma breve risada ao perceber isso, e uma maior quando ouviu o estômago de Vi roncando. — Você comeu algo hoje?
Ela balançou a cabeça, negando a pergunta, não tendo coragem de dizer aquilo em voz alta. Como já esperava, recebeu um suspiro do homem, mas ele não tentou dizer nada, apenas se aproximou, e lhe deu a sacola, se sentando perto dela.
Violet nem esperou, sentindo seu estômago praticamente se retorcer depois de tanto tempo sem comer, apenas pegou a embalagem, tirando a marmita com os talheres de plástico, e começou a comer, recebendo um sorriso olhar de Loris no processo. Quase parecia que ele estava… triste? Talvez decepcionado? Não. Não poderia ser isso. Ele estava só pensativo. Sim. Era exatamente isso.
Os dois não disseram nada enquanto ela se alimentava. Vi se dignou em comer, apreciando o gosto familiar da comida de Jericho — desde que ela tinha dito que gostava da comida do homem-peixe em mais uma noite de bebedeira, Loris se empenhou em trazer pelo menos três vezes na semana a comida da barraca de Jericho.
Loris apenas ficou em silêncio, se movendo até encostar as costas na parede, ainda sentado no colchão, com o olhar em um ponto aleatório do cômodo. Ele parecia pensativo, mas Violet não percebeu por estar muito focada em mastigar a comida gordurosa.
— Então… — ele começou, recebendo um resmungo de Vi, evidenciando que ela tinha escutado. — Aquela mulher que te ajudou no outro dia… vocês são algumas coisas?
Vi parou de comer, engasgando com um pedaço de peixe ao ouvir aquilo — claramente não esperando aquela pergunta. Uma pergunta sobre Caitlyn teria sido menos chocante, com certeza. Ela levou um momento para não morrer com a comida, mas, quando conseguiu engolir, girou o queixo, olhando para Loris com os dois olhos arregalados, deixando suas emoções à vista.
— O quê? — perguntou, mas não deu tempo para seu amigo responder antes de soltar outra questão: — Que porra de pergunta é essa, cara?
Loris não se ofendeu com o tom, apenas retorceu os lábios para baixo, como se dissesse “Estou apenas perguntando” sem precisar expressar nada. Violet ergueu as sobrancelhas, seus olhos crescendo por um momento antes de voltarem ao tamanho normal. Ela agora tinha girado o torso na direção dele, esperando que ele continuasse.
— Você me disse que ela voltou uns dias atrás, quando eu saí mais cedo — Loris falou, erguendo uma mão para coçar a barba, desviando o olhar por um breve momento, completamente tranquilo. — Só queria saber. Ela parece importante pra você.
— Quando caralhos eu fiz isso? — Estava se referindo ao dia em que disse tal coisa. Ela não se lembrava de fazer aquilo. Violet fez questão de não comentar sobre Sevika com Loris, mentindo para si mesma que era sobre não querer que seu amigo se envolvesse com a Scary Lady — mais do que já tinha se envolvido, claro. Mas com o quão bêbada ela geralmente ficava… era meio foda ter certeza.
Agora que pensava nisso — estando sóbria —, era quase certo que Vi tinha conversado algumas vezes sobre Sevika com ele. Puta merda.
— Ontem — Loris disse, o que serviu para fazer Violet voltar para a conversa, piscando algumas vezes no processo. — Foi depois que você terminou uma rodada pesada de uma bebida nova. Acho que a bebida se chamava Tahm Kench. — Ele encolheu os ombros no final, parecendo desinteressado, mas ela sabia que não era, nem de longe, o caso. — Eu só me lembro que tinha um sapão na garrafa.
Com isso, a mulher de cabelos pintados parou, deixando a marmita no colo, pensando por um tempo. Ela nunca deixava de se impressionar o quanto Loris se importava com os nomes das bebidas, com o quão fortes eram… ele parecia tão desleixado e despreocupado na primeira vez que os dois se encontraram, que ver esse lado do homem ainda a impressionava.
— Hm. Eu não… não me lembro disso — Violet disse, abaixando o olhar ao perceber que estava sendo sincera. Ela realmente não se lembrava de boa parte da noite depois da luta. Caralho, a noite passada foi um borrão e tanto.
Como resposta ao seu comentário, um riso sem humor soou dele.
— É, eu andei notando isso — ele comentou, simples e direto.
Quando Loris não disse mais nada por algum tempo, ela voltou a comer, agora de maneira mais lenta. Não tinha exatamente perdido o apetite, apenas… estava pensando se tentava responder a pergunta do amigo ou não. Honestamente, a assustava um pouco que Loris tivesse percebido, mesmo que indiretamente, que Sevika e ela pareciam ter uma história.
Porra, a unica coisa que ele deveria saber, é que elas sairam no soco pelo menos umas três vezes desde que Vi tinha saído da prisão. E nenhuma delas foi “bonita” de se olhar. A primeira foi em um beco, que resultou em uma facada na barriga, na quase morte de Violet; a segunda foi no Última Gota, que resultou em Violet arrancando o braço mecânico da intitulada Scary Lady; e uma terceira vez na arena, onde resultou em muitos hematomas e dois olhos roxos — um em Sevika e um em Violet —, e um empate que deixou Vi sedenta por uma revanche por dias.
Sevika somente olhando-a, dos pés a cabeça no final do round um não ajudou. E, quando a mulher negra apenas pediu pra sair do ringue, escolhendo ganhar um saco de dinheiro ao invés de tentar ir pro segundo round, também não serviu de muita coisa para fazer o interior da zaunita mais nova se acalmar. De qualquer forma, o azar foi dos oponentes de Vi — a maioria quase não sobreviveu, saindo sangrando pra caralho na maioria das lutas dela dali pra frente.
— Você também não pareceu lembrar quando ela te ajudou aquela primeira noite — a voz de Loris impediu Violet de se enterrar naquela memória em especial, mas não ajudou a impedir a raiva de preencher seu peito, enchendo-o, seus punhos latejando por alguma ação.
Violet só percebeu que estava apertando a marmita entre os dedos quando sentiu um toque familiar em seu antebraço. Isso a fez piscar, seus dedos soltando a embalagem antes que pudesse parti-la em pedaços, voltando a ver o chão sujo do quarto ao invés da imagem de Sevika olhando fixamente para ela, dentro da arena, tão exausta e sem ar quanto Violet, principalmente depois de quase duas horas trocando socos e chutes sem parar. Apesar do cansaço, a morena parecia ter uma pergunta silenciosa em seus olhos cinzentos, mas nunca a colocou em palavras, apenas saiu sem dizer nada.
Sevika não disse muito durante a luta, na verdade, apenas rebateu algumas provocações de Vi, como se não se incomodasse em tentar começar uma conversa. Como se só estivesse na arena para se divertir. Era um puta contraste em comparação com Vi, que só ia na arena em busca de… fazer merda. De quebrar o nariz do primeiro idiota que aparecesse na sua frente.
— Foi mal, garota — pediu Loris, recebendo um novo olhar da mulher de cabelos pintados. Não era exatamente uma pergunta, mas ele escolheu interpretar como se fosse uma. — Não sabia que era um assunto sensível pra você.
Violet demorou um momento para responder, pensando mais uma vez se tentava colocar seus pensamentos para fora, mas decidiu rapidamente que foda-se. Ele já tinha notado a relação delas, de qualquer forma. O que ela tinha a perder?
Além disso, era um pouco surpreendente que ele não tivesse perguntado sobre isso antes. Talvez Loris estivesse esperando que ela desse o primeiro passo… quando estivesse sóbria. Provavelmente. E como isso nunca aconteceu, ele escolheu ser aquele a trazer o assunto à mesa.
— Não é isso — ela respondeu, sofrendo um pouco para colocar as próximas palavras para fora: — É só que… eu não sei o que Sevika é minha.
— Ela não é sua amiga? — o homem perguntou, parecendo bastante surpreso com aquela informação, como se aquilo mudasse tudo o que tinha observado entre as duas até agora, por mais breve que tivessem sido as interações delas. Era como se Loris tivesse certeza do contrário; de que elas eram alguma coisa, pelo menos próximas.
Violet movimentou a cabeça para os lados, negando a pergunta do amigo, com a testa levemente franzida.
— Isso é estranho — sussurrou ele, coçando mais uma vez a barba no processo de pensamento. — Ela parece se importar com você. Bastante, na verdade.
— Ela parece? — rebateu a zaunita, azeda, como se Vi tivesse se ofendido apenas com essa possibilidade. Isso surpreendeu Loris, ao ponto dele aumentar os olhos, claramente não esperando o tom dela. — Aquela mulher não se importa com nada. Sevika nunca- — parou, espremendo os lábios, se impedindo de cuspir as palavras. — Foda-se.
— Bom, eu não sei, não conheço ela — Ele disse e, de fato, era verdade. Loris não tinha nem trocado quinze palavras com a referida mulher, já que todas as (poucas) vezes que os dois conversaram, foi pra falar sobre Vi. E foi uma das conversas mais breves que o homem já teve com uma pessoa. — Mas pelo o que eu vi… ela parece se importar com você. Isso deve contar pra alguma coisa. — No final, ele se impediu de continuar, parecendo pensar antes de completar: — Ao menos, contaria se fosse comigo.
— Eu não sei o que pensar. Achei que… — parou Violet, abaixando o olhar em seguida, uma expressão cabisbaixa, e ao mesmo tempo pensativa, apareceu em seu rosto. — Que ela me odiasse. Depois de tudo…
— Ninguém se daria o trabalho de ajudar alguém que odeia — ele comentou, recebendo um olhar engraçado da zaunita, como se somente agora aquela possibilidade aparecesse na mente de Vi. Isso fez Loris sorrir. — Principalmente aquela mulher. Ela não parece… — Loris parou, procurando as palavras certas para descrever Sevika, parecendo não querer ofendê-la.
Observar aquilo fez a mulher de cabelos pintados bufar, achando a cena engraçada.
— Ela parece uma filha da puta, isso sim. — Ouvir aquele comentário fez Loris girar o queixo, olhando diretamente na direção de Violet. Os olhos dele estavam arregalados, a surpresa gritando em seu rosto. — Relaxa, cara. Sevika não está aqui, você pode ofender ela o quanto quiser.
Loris retorceu os lábios para baixo, concordando em partes com as palavras dela, por mais “grosseiras” que tivessem sido. Mesmo assim, ele escolheu não ofender a referida Sevika, e foi por outro caminho.
— Você não tem nenhum medo dela, né? — comentou o homem, e ficou óbvio pelo seu tom de que aquilo era uma pergunta retórica. Violet não fez mais do que encolher os ombros enquanto mastigava um novo pedaço de peixe. — Metade das pessoas daquele bar parecem ter medo de Sevika. Ela é meio intimidadora.
— É o título dela. Scary Lady — Vi destacou as palavras, soltando uma risadinha no final ao ver a expressão de Loris mudando, parecendo surpreso. Se era pelo título ou o deboche em sua voz, não estava claro. — Sevika sempre foi… difícil de ignorar, eu acho. Eu só me lembro de ouvir um monte de histórias sobre ela, uma mais estranha do que a outra.
— Como o quê? — perguntou ele, parecendo genuinamente interessado nas histórias.
A lutadora encolheu os ombros, tentando parecer desinteressada, mas Loris foi capaz de ver a chama de interesse por trás de suas íris azuladas. A admiração estava presente, mesmo que ela tentasse fingir não se importar, ou caso negasse.
— Tipo… sei lá, eu ouvi de muitas pessoas que Sevy era invencível na adolescência, antes mesmo dela aprender a andar. — Violet riu no final, achando aquilo engraçado, descrente. Loris não disse nada, apenas esbanjou um pequeno sorriso, mostrando que estava escutando atentamente. — Também tinha um boato de que ela deu um murro no rosto de um dos conselheiros de piltover. E que ainda dormiu com ele no final. Falavam que foi graças a isso que Sevika nunca foi presa: o cara tinha tanto tesão nela, que não teve coragem de mandar prender ela.
Loris só conseguiu erguer as sobrancelhas, seus lábios se separaram logo em seguida; ele não esperava por aquele final de jeito nenhum. Ao ver essa expressão dominando o rosto do amigo, outra risada saiu de Vi, um brilho alegre agora dominava o seu rosto.
— Mas tem boatos mais divertidos e fodas ao redor do nome dela. — Outra risadinha saiu de Violet, a diversão em poder contar aquilo para uma pessoa que poucos meses atrás morava na Cidade Alta chegou com tudo. — Como um que dizia que Sevika venceu uma gangue grande na adolescência, que bateu até em um garotinho menor que ela, e por isso ganhou a fama de ser tão assustadora.
Loris continuou olhando-a durante toda aquela fala, apenas se dignando em expressar um simples “uau” como resposta, percebendo que Vi parecia bastante interessada nas histórias ao redor do nome daquela mulher.
— Já ouvi um boato que falava que na Revolta da Ponte, Sevika lutou contra cinco defensores de uma vez — ela continuou, destacando o número, alheia ao olhar que o seu amigo estava lhe dando naquele momento. — E sozinha! E que ela venceu no final. Esse eu acho mais verídico, só meio exagerado.
— Você realmente acredita que aquela mulher lutou contra cinco defensores? E sobreviveu? — o homem perguntou, surpreso com aquela possibilidade. Violet encolheu os ombros, um sorriso ainda presente em seus lábios.
— Sei lá. Talvez. Ela sempre foi bem forte. E quando Sevika era mais nova… — a mulher de cabelos pintados parou por um momento, pensando, mas continuou rapidamente depois de dar de ombros: — Ela deveria ter uma força do caralho. Não que ela já não tenha hoje em dia, mas… ah, que se foda. Você entendeu. Ela deveria ser mais rápida, pelo menos. Da última vez que lutei contra ela em um beco, parecia meio lenta.
— Pode ser também a diferença de tamanho entre vocês — Loris falou, não percebendo o quanto aquele simples comentário mexeu com Violet.
Realmente… agora que parou para analisar aquilo, elas tinham uma diferença de altura perceptível — Violet não olhava mais para isso hoje em dia, já que conseguia vencer pessoas que eram quase o triplo do seu tamanho em comparação com antigamente. Mas não era pra tanto também. Vi até achava aquela diferença de altura entre elas… um pouco atraente, se fosse para ser honesta.
Muito atraente, na verdade. Pessoas altas eram completamente o tipo dela.
— E o braço mecânico também não parece a coisa mais leve para se ter, ou lutar contra alguém — continuou ele, não notando o efeito que suas falas tiveram na zaunita. Felizmente, aquele último comentário chegou até Violet, que piscou antes de perceber o que o homem tinha dito. Ela pensou por um momento antes de absorver aquilo.
— Eu não tenho certeza. — Mais uma vez, ela encolheu os ombros, mexendo o resto da comida na marmita, percebendo que faltava pouco para terminar. — Mas o último braço dela era bem leve, até. Mais leve do que eu esperava — disse Vi, se lembrando do dia que tinha feito tal coisa. — Eu senti o peso do material quando arranquei o troço.
— Você… — Loris paralisou, choque dominando todo o seu rosto ao ouvir a última parte da fala da zaunita. — Arrancou o braço dela?
Erguendo o queixo, Vi franziu as sobrancelhas, um pouco confusa com o tom do amigo.
— Hm, sim? — ela perguntou, não encontrando o problema. — O que tem?
O homem demorou um tempo pra responder, mas, quando o fez, a admiração era óbvia.
— Uau — sussurrou ele, retorcendo os lábios para baixo no final, impressionado com aquilo. — Agora eu entendi de onde vem o pensamento daquela mulher te odiar. Eu com certeza não simpatizaria com alguém que arrancou um braço meu.
Como resposta, Vi soltou uma risada, acenando com o queixo, concordando com as palavras dele.
— É, Sevy tem esse e muitos outros motivos para me detestar. — Em seguida, a lutadora voltou a comer, ignorando a maneira como Loris moveu a cabeça para os lados, parecendo ainda cético com aquela última parte. Como se ele realmente não conseguisse ver da onde ela tinha tirado aquela possibilidade, mesmo com a nova informação adquirida sobre o braço mecânico.
Horas depois, quando a escuridão já dominava as ruas da cidade baixa como uma segunda natureza, Violet tinha acabado de sair de outra luta, com alguns novos arranhões em seus braços e um novo curativo em seu nariz; aquilo não era nada, porque ela tinha vencido mais uma vez.
Em uma das mãos a mulher tinha um saco de dinheiro, e Loris estava do seu lado, acompanhando-a, observando de soslaio se Vi ia conseguir andar até o bar, ou se ele ia ter que levá-la até em casa como geralmente fazia. Ela tinha reclamado de um mal jeito no pulso mais cedo, e isso já era suficiente para ele analisar se a luta foi mais agressiva ou difícil do que as anteriores.
— Eu tô bem, cara — disse ela depois de um momento de silêncio, sendo capaz de sentir o olhar dele sobre sua figura. — É sério.
Loris não pareceu nem um pouco convencido com aquela declaração rasa, por mais que a mulher tivesse conseguido soar confiante. Como já era característico de alguém como ele, Loris não fez questão de minimizar as ações dela.
— Da última vez que disse isso — começou o homem, olhando diretamente para a amiga, uma expressão calma em seu rosto. — Você apareceu com o nariz quebrado. De novo.
Violet bufou, desviando o olhar, claramente fugindo da expressão dele.
— Não é a primeira vez que eu quebro o nariz. Eu já te disse isso — ela continuou, jogando o saco de dinheiro de uma mão pra outra, parecendo brincar com o som das moedas batendo uma na outra. — É bem comum esse tipo de merda na prisão.
Loris não respondeu por um tempo, ponderando alguma coisa dentro de si. Ele apenas continuou andando ao lado dela, o som das moedas dominando a atmosfera ao redor dos dois. Mas, quando ele finalmente encontrou voz, seu tom pareceu contemplativo.
— Aquele lugar realmente deixou uma marca em você, não é? — perguntou, já sendo capaz de ouvir o som da música alta e uma atmosfera um pouco diferente. Ali, ele soube que o bar estava próximo.
— Porra, sim — ela confirmou, e até conseguiu sorrir. Mas não era um feliz. Era um sorriso amargo, azedo, quase… doloroso. Passar todo aquele tempo atrás das grades, perder todos aqueles anos dentro da prisão foi um verdadeiro inferno. — Aquele é o pior lugar do mundo. Eu não-
Ela se interrompeu ao erguer o olhar, vendo a fachada principal do bar. No entanto, não foi isso que fez Violet se calar, mas sim avistar a figura de Sevika; a Scary Lady estava de costas, um pouco afastada da entrada do estabelecimento, mas Vi seria capaz de reconhecer a capa vermelha característica dela em qualquer lugar e o corte de cabelo.
E… foda-se, Sevika era como um ponto vermelho no escuro para Violet, essa era a verdade. Além disso, se a capa não fosse visível e perceptível o bastante, a companhia da Scary Lady com certeza seria.
Uma única linha de pensamento dominou sua mente: Sevika estava aqui. Não em outro lugar ou esperando na casa de Violet como da última vez — isso não seria ruim, porém entre vê-la agora e depois, era óbvio qual opção iria escolher —, mas aqui. Somente aquela possibilidade já era o suficiente para fazer sua mente girar, não querendo acreditar naquilo, mas seus olhos não mentiam. Sevy estava aqui.
No entanto, antes que o sentimento de alívio pudesse dominar seu peito e controlar suas próximas ações, Vi desviou o olhar para outra figura.
Uma mulher alta, muito mais alta do que Sevika, estava escorada na parede, com os braços musculosos cruzados à mostra para qualquer um olhar — graças a sua blusa rasgada nas mangas. Ela tinha um sorriso convencido nos lábios enquanto conversava com Sevika, ambas parecendo completamente à vontade uma com a outra, parecendo muito próximas.
O cabelo dela lembrava um moicano, com um topete que ficava muito bonito nela. A cor marrom de seus fios davam um destaque a mais para as duas tranças laterais de cada lado de sua cabeça, que eram em uma tonalidade azul chamativa. A mulher tinha brincos enfeitando suas orelhas e os piercings em seu rosto refletiram por um breve momento contra a luz.
Isso fez Violet piscar, saindo de seu transe, parando de observar a mulher desconhecida como se estivesse prestes a ir até ela. Não. Não era isso que Vi queria fazer. Para o inferno com quem diabos era aquela mulher. O foco era Sevika.
Violet queria ir até Sevika, falar com ela, perguntar o que tanto queria perguntar, gritar na cara dela, pedir para lutar contra ela na arena, e possivelmente no final mandá-la pra puta que a pariu por demorar tanto para voltar.
— Você vai ficar parada aí ou vai até ela de uma vez? — A voz de Loris soando tirou a lutadora de seus pensamentos, impedindo que Vi cavasse fundo demais em sua mente.
Como um lembrete de que ela não estava sozinha naquele local, que não poderia simplesmente dar meia volta e ignorar a existência de Sevika sem mais nem menos.
Girando o queixo, afastando o olhar da intitulada Scary Lady, Violet não demorou a ver o rosto de seu amigo, só percebendo naquele momento que os dois estavam parados. Ele tinha uma sobrancelha arqueada, como se estivesse provocando-a.
— Vai lá logo, garota — ele a encorajou, espremendo os lábios ao captar o olhar surpreso no rosto de Vi. — É melhor do que você beber até cair essa noite, isso com certeza. Eu vou estar na mesa de sempre, caso você queira conversar.
Bom, ao menos em algo Loris estava certo: ir até Sevika parecia um destino melhor do que desmaiar depois de ingerir um monte de álcool. Além disso, a noite não tinha acabado. Estava no começo. Nada impedia Vi de conversar com Sevika e, depois de ter uma decepção ou vê-la ir embora como da última vez, encher a cara como todos os outros dias. Quem a impediria?
Com isso em mente, Vi acenou com o queixo na direção de seu amigo e, respirando uma única vez, começou a se mover até Sevika — e da mulher desconhecida, mas estava fazendo o possível para ignorá-la. Ela buscou ignorar todas as sensações naquele momento; fingiu que seus punhos não se fecharam e abriram quando ouviu a risada de Sevika soando, que sua cabeça não latejou com as possibilidades, que sentiu uma série de sentimentos que não fazia ideia de como nomear. Talvez fosse raiva. Talvez fosse alívio por estar finalmente fazendo o que queria fazer. Ou talvez fosse… um sentimento que Vi não queria nomear, muito menos aprofundar.
Entretanto, ao chegar perto o suficiente da Scary Lady, a maneira como seu coração apertou quando viu Sevika girando o rosto, sem dúvidas sentindo a nova presença se aproximando, não serviu de nada para fazer o interior dela se acalmar. E, no instante em que seus olhos se cruzaram, o cinza aço de Sevika batendo contra os azuis profundos de Vi, todo o ar sumiu de seus pulmões. De ambas.