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A Escola e o Mundo

2018

É frequente dizer-se que o mundo mudou e a escola permanece a mesma. Esta afirmação é, em parte, verdade. Mas é perigosa, porque incute a ideia de que a escola é imutável e de que não vale a pena tentar sequer mudá-la. Outra maneira de ver a questão é refletir sobre o que mudou. E embora não tenha mudado tanto como gostaríamos e como deveria ter acontecido, temos de reconhecer a existência de algumas mudanças que vão no sentido da democratização, da inclusão, da colaboração, da responsabilização, da interdisciplinaridade, da profissionalidade, da busca de qualidade e desenvolvimento, da preocupação pelo bem-estar dos seus atores. É claro que não se pode generalizar. Tenho encontrado escolas e escolas, climas muito diferentes, a indicar, aliás, que cada escola tem o seu rosto, os seus traços identitários específicos, ancorados embora na matriz identitária da instituição escola.publishe

View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk brought to you by CORE provided by Repositório Institucional da Universidade de Aveiro A ESCOLA E O MUNDO Isabel Alarcão Professora Catedrática, aposentada Universidade de Aveiro ELO comemora 25 anos. As minhas primeiras palavras são de parabéns. A sua memória está presente nos 24 números publicados e hoje acessíveis através da internet. A sua identidade evidencia-se na publicação de artigos que potenciam o desenvolvimento profissional dos educadores e professores. E o apelo aos desafios demonstra a vontade de ajudar a construir o futuro. É frequente dizer-se que o mundo mudou e a escola permanece a mesma. Esta afirmação é, em parte, verdade. Mas é perigosa, porque incute a ideia de que a escola é imutável e de que não vale a pena tentar sequer mudá-la. Outra maneira de ver a questão é refletir sobre o que mudou. E embora não tenha mudado tanto como gostaríamos e como deveria ter acontecido, temos de reconhecer a existência de algumas mudanças que vão no sentido da democratização, da inclusão, da colaboração, da responsabilização, da interdisciplinaridade, da profissionalidade, da busca de qualidade e desenvolvimento, da preocupação pelo bem-estar dos seus atores. É claro que não se pode generalizar. Tenho encontrado escolas e escolas, climas muito diferentes, a indicar, aliás, que cada escola tem o seu rosto, os seus traços identitários específicos, ancorados embora na matriz identitária da instituição escola. A escola, como instituição, tem uma história, enfrentou desafios, mal e bem aceites e aproveitados, e mantem a sua missão de educar e instruir, de ajudar a formar os cidadãos do mundo. Diz-se frequentemente, ou melhor, dizia-se frequentemente, que a escola prepara para a vida. Atualmente, 67 prefere dizer-se que a escola é a vida, salientando assim a ideia de que a cidadania se aprende a viver e se vive desde a infância e que a vida na escola não é o limbo de uma realidade futura, mas a própria realidade. A escola liga o passado, o presente e o futuro. Do passado traz os saberes acumulados ao longo da história. O presente vive-se. Mas é também nele que é preciso descobrir os sinais que prefiguram o futuro. Estar atento a esses sinais é uma obrigação de quem desenha e implementa o currículo da escola. Esses sinais estão a emergir na sociedade com uma velocidade exponencial neste limiar da quarta revolução industrial que estamos já a viver. Após a descoberta da máquina a vapor (1ª revolução industrial) no século XVIII, do uso da eletricidade no século XIX (2ª revolução), da tecnologia eletrónica e informática no século XX (3ª revolução), entrámos na 4ª revolução, um desenvolvimento da 3ª, mas em que as tecnologias entrelaçam as esferas físicas, digitais e biológicas. Termos como nanotecnologias, drones, inteligência artificial, robots, nuvem, 4G, digitalização, 3-D, internet, plataformas, virtualização, on-line, a-sincronia, teletrabalho, globalização do trabalho, fluxos migratórios, desemprego, on-line, são hoje comuns e denotam novas realidades, novas possibilidades, novos riscos. Concomitantemente, termos como talento, criatividade, inovação, colaboração, resiliência, coragem, integração de conhecimentos, ética, autoconhecimento, autoestima, aprendizagem contínua, abertura de espírito e aprendizagem coletiva flutuam também nas nossas conversas como capacidades indispensáveis para, no mundo presente e no futuro, poder ser-se bem sucedido. Embora seja ainda difícil prever todo o impacto desta revolução, é possível antever algumas consequências disruptivas se atendermos a algumas características já identificadas: velocidade exponencial, âmbito, profundidade e transformações nos vários sistemas organizadores da vida humana (Schwab, 2016). Uma das consequências, aliás na sequência do que já vem acontecendo, será o desaparecimento de várias profissões e de muitos empregos, mas também o aparecimento de novos empregos, fruto do desenvolvimento tecnológico. Vários documentos que progressivamente vão surgindo evidenciam a preocupação com essa previsível realidade e suas consequências sociais e chamam a atenção dos políticos e empregadores para a necessidade de a antever e de nos prepararmos para ela. O White Paper do World Economic Forum sobre Eight futures of work. Scenarios and their implications (2018) é disso um exemplo. 68 No mundo interconectado, instável, pouco estruturado, caótico até, em que hoje vivemos, tão bem sintetizado no acrónimo VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity, Ambiguity),1 os cidadãos deverão assumir um papel mais ativo, expressar as suas opiniões, discutir políticas, coordenar esforços, requalificar-se, reinventar-se e adaptar-se sem se acomodarem. Para tal serão exigidas competências em resolução de problemas, em colaboração e interação, em criatividade e pensamento crítico, em análise e síntese, em relacionamento de matérias de diferentes disciplinas, habitualmente designadas por competências transversais. Mas isso não quer dizer que sejam dispensáveis os conhecimentos escolares e académicos. O segredo está em articular o desenvolvimento de competências disciplinares com competências transversais e associar-lhes ainda o respeito e o cultivo dos valores que devem reger a nossa vivência em sociedade. Recordo que já em 2006 Howard Gardner, um professor e investigador da Universidade de Harvard (EUA), na sua obra Five minds for the future, identificava cinco tipos de mente: a) a mente disciplinar, relativa ao conhecimento dos conteúdos disciplinares e da estrutura das respetivas disciplinas; b) a mente sintética capaz de distinguir entre o que é importante e o que não é, selecionar o que é relevante e articular as partes no todo de síntese; c) a mente criativa, que questiona, arrisca e vai para além do que já é conhecido; d) a mente respeitadora, que aceita considerar outras ideias e atitudes e e) a mente ética, que se rege pelos princípios morais. Se os humanos detêm todas estas capacidades, então educar alguém implica fazer apelo a essas capacidades e orientá-las no sentido do saber disciplinar, mas também no processamento da informação, no relacionamento com os outros e na aplicação dos conhecimentos nas situações reais da vida. A consciência da importância de ligar o saber ao saber fazer e conviver levou-nos à introdução da noção de “competências” no mundo da educação. A noção de competências entrou no vocabulário educacional há alguns anos e foi, em muitos casos, mal interpretada, na medida em que alguns, mal informados quanto ao verdadeiro sentido do termo, viram neste conceito um substituto de “conhecimentos”. Não se trata de nada disso. Grande parte das competências necessárias à vivência da cidadania integram e apoiam-se em conhecimentos; sem os substituírem, conferem-lhes um valor acrescentado. Outras, mais de natureza processual ou atitudinal, desenvolvem-se no próprio processo de aceder aos conhecimentos, em situações de aprendizagem individual e em grupo. Há que reconhecer também que alguns setores educacionais enfatizaram demasiado as competências em 1 A expressão VUCA surgiu nos anos 90 do século XX no vocabulário militar e depressa foi apropriada pelo mundo das organizações, nomeadamente no âmbito da liderança e da estratégia. 69 desprimor dos conhecimentos, fazendo deslizar para elas o pêndulo e perdendo o equilíbrio, um fenómeno que, não raro, acontece no mundo da educação. Com efeito, muito se tem falado e escrito sobre competências, inclusive em documentos legislativos de natureza curricular. Perante a complexidade do assunto, impõe-se ativar a “mente sintética” de que nos fala Gardner e lançar um olhar sistematizador sobre esse assunto. Foi o que fez António Dias de Figueiredo que, após cotejar vários documentos e sites e sobre eles refletir, elaborou um interessante e informativo quadro de competências que pode ser visto em Dias de Figueiredo (2017). Este investigador e professor universitário que tanta atenção tem dedicado à educação em geral e, em particular, ao papel das tecnologias na educação, agrupou as competências em: a) fundacionais; b) competências para apreender e inovar; c) emancipatórias; d) humanísticas e artísticas, e e) sociais e emocionais. As competências fundacionais, segundo o autor, dizem respeito àquelas que todos os cidadãos devem possuir e compreendem as seguintes: ambientais, em saúde, culturais e cívicas, económicas e financeiras, digitais, científicas e tecnológicas, matemáticas e analíticas, de comunicação. O grupo das competências para apreender e inovar, que reforçam as anteriores, incluem a capacidade de apreender e aprender, a criatividade e a inovação, o pensamento crítico e a resolução de problemas, o pensamento sistémico e a curiosidade. As emancipatórias, hoje tão necessárias, envolvem a autonomia, a emancipação e o empoderamento, a iniciativa e o espírito empreendedor, a persistência e a resistência à frustração, a adaptabilidade, a liderança e tolerância à incerteza. As humanísticas e artísticas, não dissecadas no esquema apresentado, são consideradas “indispensáveis para humanizar a tomada de decisões”. Finalmente, as competências sociais e emocionais, que “dão sentido social e coletivo ao que se consegue com as restantes competências incluem: a empatia, a tolerância, a inclusividade, o sentido de responsabilidade, as competências relacionais, a consciência social, a autoregulação, a autoconsciência e as competências sociais e transculturais”. Uma leitura atenta desta sistematização revela um quadro de competências articulado, global, indicador de uma educação holística em que não falta o conhecimento de si próprio, o conhecimento dos outros e o modo como com eles interagir e o conhecimento do mundo no seu passado, no seu presente e na antecipação que, a partir do presente, se faz do futuro. A pergunta que emerge para os educadores é a seguinte: como proceder para ajudar os alunos a desenvolverem estas competências? O referido autor tem em esboço um outro quadro sistematizador, igualmente interessante, sobre uma tipologia de pedagogias apropriadas ao desenvolvimento das várias competências (Cf. a referência 70 acima), tornando bem claro que não existe só uma pedagogia e muito menos uma pedagogia ideal, mas uma grande diversidade, a explorar com os alunos que se tem e as tarefas em que estão envolvidos. Estará a nossa escola, estarão os nossos professores preparados para estes desafios? Deixo a cada escola e a cada professor a incumbência de responderem às minhas perguntas. Na lógica do conceito de professor reflexivo e de escola reflexiva, que me são muito queridos, reconheço que há um longo caminho a percorrer, mas há também, em alguns professores e em algumas escolas, o desejo poderoso de prosseguir o caminho do questionamento, do desenvolvimento e da promoção da qualidade do ensino e da educação. Esse desejo não é exclusivamente português, como é óbvio. E também não é exclusivo dos professores, mas preocupa também investigadores, políticos, pais e empregadores. Para ter uma noção da problemática, vale a pena entrar no site do projeto europeu intitulado “Transforming Education in Europe” e explorar as informações e formações da European schoolnet. Trata-se de uma rede que congrega Ministérios da Educação de 34 países europeus e destina-se a promover a inovação na educação. Para começar, e à laia de aperitivo, sugiro a leitura do documento intitulado “10 trends that are transforming education as we know it”, publicado pelo European Political Strategy Center, em 2017, um think tank da Comissão Europeia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Dias de Figueiredo, A. (2017). 21st Century Universities: What Research? What Education?, conferência proferida no Teaching Day, em 29 de novembro de 2017, na Universidade de Aveiro (https://pt.slideshare.net/adfigueiredo/21st-century-universities-what-research-what-education). European Political Strategy Center (2017). "10 trends that are transforming education as we know it." (https://medium.com/ecthinktank/10-trends-that-are-transforming-education-as-we-know-iteaaf4cab187f) (acessado em 10.02.2018). European Schoolnet (2017). "Transforming Education in Europe - European Schoolnet’s Annual Report 2016." (www.europeanschoolnet.org) (acessado em 10.02.2018). Gardner, H. (2006). Five minds for the future. Boston, MA: Harvard Business School Press. 71 Schwab, K. (2016). "The Fourth Industrial Revolution: what it means and how to respond." World Economic Forum. (https://www.weforum.org/agenda/2016/01/the-fourth-industrial-revolution-what-it-meansand-how-to-respond/) (acessado em 10.02.2018). World Economic Forum (2018). "Eight Futures of Work: Scenarios and their Implications”, White paper (https://www.weforum.org/whitepapers/eight-futures-of-work-scenarios-and-their-implications/) (acessado em 13.02.2018). 72