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Francisco Doratioto O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Ministério das relações exteriores Ministro de Estado Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado Secretário-Geral Embaixador Eduardo dos Santos Fundação alexandre de GusMão Presidente Embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais Diretor Embaixador José Humberto de Brito Cruz Centro de História e Documentação Diplomática Diretor Embaixador Maurício E. Cortes Costa Conselho Editorial da Fundação Alexandre de Gusmão Presidente Embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima Membros Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg Embaixador Jorio Dauster Magalhães e Silva Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão Embaixador Tovar da Silva Nunes Embaixador José Humberto de Brito Cruz Ministro Luís Felipe Silvério Fortuna Professor Francisco Fernando Monteoliva Doratioto Professor José Flávio Sombra Saraiva Professor Antônio Carlos Moraes Lessa A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a inalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. Francisco Doratioto O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Brasília, 2014 Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo 70170-900 Brasília – DF Telefones: (61) 2030-6033/6034 Fax: (61) 2030-9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: funag@funag.gov.br Equipe Técnica: Eliane Miranda Paiva Fernanda Antunes Siqueira Gabriela Del Rio de Rezende Guilherme Lucas Rodrigues Monteiro Jessé Nóbrega Cardoso Vanusa dos Santos Silva Projeto Gráico: Daniela Barbosa Programação Visual e Diagramação: Gráica e Editora Ideal Ltda. Impresso no Brasil 2014 D693 Doratioto, Francisco. O Brasil no Rio Prata (1822-1994) / Francisco Doratioto. – Brasília : FUNAG, 2014. 190 p. – (Em poucas palavras) ISBN 978-85-7631-489-9 1. Política externa - Brasil - 1822-1994. 2. Relações exteriores - Brasil - história. 3. Política externa - Brasil - Argentina. 4. Política externa - Brasil - Paraguai. 5. Política externa - Brasil - Uruguai. 6. Integração econômica - América Latina. 7. Bacia hidrográica - Rio da Prata - história. I. Título. II. Série. CDD 949.7 Bibliotecária responsável: Ledir dos Santos Pereira, CRB-1/776. Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14/12/2004. Francisco Fernando Monteoliva Doratioto Graduado em História e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), é Mestre e Doutor em História das Relações Internacionais do Brasil pela Universidade de Brasília (UnB). É membro correspondente da Academia Nacional de la Historia (Argentina); da Academia Paraguaya de la Historia; do Instituto de Geograia e História Militar do Brasil e do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro. É Professor nos cursos de graduação e pós-graduação em História da Universidade de Brasília e de História da Política Externa Brasileira, no Instituto Rio Branco. Sumário Prefácio .............................................................................................9 I. A busca de rumos e a contenção de Buenos Aires ..................13 II. A Guerra do Paraguai e a distensão..........................................41 III. Do americanismo ingênuo ao pragmatismo conciliador ..........67 IV. Desconfiança e precaução (1930-1955) ................................... 101 V. Aprendizado de cooperação e de superação de divergências 135 VI. O caminho da integração ........................................................ 157 VII. Conclusões.............................................................................. 171 Fontes ........................................................................................... 179 Prefácio Este livro é uma introdução à história da política externa do Brasil no Rio da Prata, da rivalidade à integração. Trata-se de um tema complexo e vasto e, tendo em vista os limites da coleção “Em poucas palavras”, tive de fazer opções reducionistas, eliminando alguns eventos, situações ou temas – por exemplo, o comércio – e sendo sintético em outros a partir dos critérios de relevância e ineditismo. Não se trata de um livro de análise teórica sobre rivalidade ou integração, mas, sim, sobre a história do trajeto de uma à outra. História essa que, para ser narrada, necessita de nomes, datas e acontecimentos, aos quais o historiador aplica o método histórico e a análise teórica, para torná-los inteligíveis. Para tanto, me utilizo de fontes primárias, como documentos oficiais, memórias de personagens que viveram os acontecimentos e outros relatos de época, de modo a reconstruir os fatos. Interpreto-os a partir da crítica interna do documento, do uso do contraditório e recorrendo a fontes secundárias, ou seja, trabalhos de outros historiadores e estudiosos. Na redação de algumas partes do livro, utilizei-me de trechos adaptados 9 Francisco Doratioto de artigos que publiquei em revistas acadêmicas e que se encontram citados na bibliografia final. O estudo acadêmico sistemático da História das Relações Internacionais no Brasil tem poucas décadas, o que implica a existência de temas ou épocas que ainda não foram analisados, inclusive em relação ao Rio da Prata. Os arquivos do Itamaraty, por sua vez, foram abertos à pesquisa histórica na década de 1990 – o acesso anteriormente era muito restrito – e, mais amplamente, com a recente Lei de Acesso à Informação. Como consequência, é possível que estudos anteriores a essa abertura tenham sido penalizados na reconstrução e análise dos fatos históricos. O leitor deve ter em mente essa observação, embora este livro utilize a produção mais recente sobre a história da política externa brasileira. Citada no final, essa bibliografia, por outro lado, poderá auxiliá-lo caso, na leitura de O Brasil no Rio da Prata, desperte-lhe interesse por mais detalhes sobre determinado assunto. Analiso a política brasileira em relação à Argentina, ao Paraguai e ao Uruguai, países que estão física e historicamente inseridos na Bacia do Rio da Prata, banhados pelos rios Paraná, Paraguai ou Uruguai e não por terem feito parte, no período colonial, do Vice-Reino do Rio da Prata. A Bolívia fez parte deste – era conhecida como Alto Peru –, mas, após a independência, geográfica e historicamente está voltada para os Andes, embora o país seja signatário do Tratado da Bacia do Prata, de 1969. Por último, faço duas observações aqui, em lugar de apresentá-las nas conclusões, para que possam, eventualmente, servir como reflexão para o leitor, ao 10 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) avançar nas páginas que se seguem. A primeira delas é quanto à rivalidade Brasil-Argentina; ela de fato existiu e é amplamente citada por estudiosos e diplomatas. No entanto, há menos ênfase em se constatar que, embora a rivalidade e desconfiança mútua tenham predominado nas relações bilaterais, nelas também ocorreram iniciativas de entendimento ou cooperação. Praticamente em todos os momentos da história dos dois países havia homens públicos e/ou formadores de opinião que defendiam as relações amistosas entre Brasil e Argentina; eram minoritários, mas existiam, como o leitor verá nestas páginas. Alguns deles chegaram ao poder ou puderam influenciá-lo, aqui e lá, mas raramente ocorreu de estarem simultaneamente nessas posições caso em que poderiam induzir as políticas externas de seus países para posturas desprovidas de preconceito em relação ao outro. Predominou a rivalidade e, durante décadas, as Forças Armadas do Brasil e da Argentina trabalharam com hipóteses de guerra de que seu país seria atacado pelo outro. Nessas circunstâncias – e aqui fica minha segunda observação – sempre me admiro, ao ler artigos belicistas em jornais de época ou discursos inflamados de parlamentares pedindo que os governos adotassem posturas intransigentes, que, afinal, em momentos críticos, como em 1872-1876 ou 1908-1909, homens públicos brasileiros e argentinos tiveram a sabedoria de recorrer à diplomacia e não às armas para resolver discórdias. Um deles, o barão do Rio Branco, resumiu: “é melhor transigir do que ir à guerra, pois o recurso à guerra é sempre desgraçado”. 11 i A busca de rumos e a contenção de Buenos Aires A independência brasileira contrastou com a do Vice-Reino do Rio da Prata, unidade colonial espanhola que abrangia o que hoje é a Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Ambas as independências ocorreram em parte condicionadas pelo que acontecia com suas metrópoles no contexto europeu e, ainda, pelas respectivas dinâmicas internas. A invasão francesa de Portugal, obrigou o governo português a vir, sob proteção de navios de guerra ingleses, se refugiar no Brasil, e a pôr fim, em 1808, ao monopólio comercial colonial e à proibição da fabricação de manufaturas. Foram medidas que, lembra Rubens Ricupero (2011, pp. 122-124), não foram impostas pelos britânicos que, ao contrário, desejavam o privilégio de um porto exclusivo na costa brasileira, preferencialmente no litoral de Santa Catarina, para servir de base para seus navios, mercantis e de guerra. Dois anos depois, em 1810, o governo de Londres anulou aquela ação autônoma do príncipe D. João, ao impor os Tratados de 13 Francisco Doratioto Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação, os quais, na prática, subordinavam o Brasil aos interesses britânicos. Enquanto isso, em Buenos Aires, sede do Vice-Reino do Rio da Prata, os ingleses foram agressores em 1806 e 1807. Como consequência da situação europeia, em que a Espanha era aliada da França na guerra contra a Grã-Bretanha, em junho de 1806 tropas britânicas atacaram essa capital, levando o vice-rei Rafael de Sobremonte a fugir para Córdoba. Após quase dois meses de ocupação, os invasores foram expulsos por forças espanholas vindas de Montevidéu, sob comando de Santiago Liniers, militar francês a serviço da Coroa espanhola, e por voluntários locais, que compunham a milícia. Em agosto de 1806, o Cabildo Abierto portenho substituiu Sobremonte no comando militar da cidade e, em fevereiro do ano seguinte, ele foi destituído e preso, sendo substituído por Liniers. Este, em julho de 1807, esteve à frente da milícia e da população, que havia se organizado militarmente, para enfrentar nova tentativa, que foi rechaçada, dos ingleses tomarem Buenos Aires. Como consequência desses dois enfrentamentos contra a ameaça estrangeira, os habitantes de Buenos Aires e de Montevidéu, onde esteve o centro à resistência ao invasor inglês, adquiriram consciência de sua capacidade de atuar por iniciativa própria na defesa de seus interesses, sem contar com o apoio da metrópole espanhola. Aumentou, assim, o poder político e a autoconfiança da elite criolla – termo que designava os brancos na América hispânica colonial – que, durante a década de 1810, adotou a causa da independência. Portanto, a situação internacional europeia 14 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) repercutiu, no Rio da Prata, como instrumento catalisador para o processo de independência. Também a transferência do governo português para cá, em 1808, resultou das lutas europeias. A vinda da Família Real normalmente é vista como marco inicial do processo de independência pois, entre outras medidas, pôs fim ao monopólio comercial, pilar econômico da dominação portuguesa de sua colônia americana. No entanto, essa vinda permitiu ao Príncipe Regente D. João manter o Brasil sob sua subordinação, mesmo quando este foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, em 1815. Na realidade, a presença de D. João no Brasil do governo português retardou a independência política brasileira. Ter sido o Brasil, por mais de uma década, o centro do Império luso-brasileiro e o fato de o herdeiro deste, D. Pedro, ter feito sua independência, permitiram que o novo Estado fosse minimamente operacional desde seu surgimento em 1822. Afinal, contava, desde o seu início, com estrutura administrativa; havia burocratas e forças militares fiéis ao Príncipe Regente que se tornava Imperador. Este pôde utilizar-se deles para impor-se como autoridade central do país, com apoio da elite da região sudeste e tendo o Rio de Janeiro como capital. Essa autoridade gozava de legitimidade aos olhos de boa parte da sociedade local, pois há séculos que o princípio do exercício do poder era fundamentado no princípio dinástico. Quando tal legitimidade não foi aceita, o poder instalado no Rio de Janeiro usou da força para impor-se, o que foi facilitado pela localização de quase todas as capitais provinciais ser no litoral, ou próximo dele, 15 Francisco Doratioto ao alcance da ação militar da Marinha Imperial. A presença de Pedro I à frente do Império do Brasil, é ilustrativa da característica de continuidade da independência brasileira, quer quanto às estruturas internas, quer quanto à política externa. Os instrumentos do exercício do poder, ainda que frágeis, deram à política do Estado Monárquico no Rio da Prata uma vantagem comparativa em relação às províncias independentes de língua hispânica da região, que enfrentavam o desafio de se organizarem politicamente. De fato, à independência se opuseram os funcionários da Coroa espanhola na região e, mais, a elite independentista fez uma revolução política, ao optar pela República como forma de governo. A consequência disto foi uma crise de legitimidade na qual e, durante décadas, Buenos Aires encontrou enorme dificuldade em impor o projeto centralizador, também chamado à época de unitário, pelo qual seria o centro. À construção de um Estado centralizado, controlado pela burguesia portenha (referência ao porto daquela cidade), se opunham elites das províncias do interior, pois queriam liberdade para exercer seu domínio político local e manter somente para si os ganhos econômicos; daí defenderem o modelo de Estado descentralizado, chamado de federal, que evitaria terem de compartilhar poder e recursos econômicos com a antiga capital colonial. Não se deve, porém, confundir o projeto federal argentino com o federalismo norte-americano, pois aquele significava, no geral, descentralização política para a defesa de estruturas de dominação e exploração e não de participação política 16 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) ou social. A vantagem de Buenos Aires era geográfica, pois devido à sua localização, no estuário do Rio da Prata, por seu porto deveria obrigatoriamente passar o comércio das províncias do interior. Por outro lado, à exceção de Entre Ríos, Corrientes e Santa Fé, banhadas pelo rio Paraná, as demais províncias estavam relativamente isoladas de Buenos Aires, pois desta era necessário percorrer um longo caminho terrestre para chegar a elas. Proclamada a independência brasileira, José Bonifácio, que fora nomeado ministro dos Negócios do Reino e Estrangeiros em janeiro de 1822, enviou um representante a Buenos Aires, com instruções para propor a criação de uma confederação do Brasil com as Províncias do Rio da Prata. Era uma iniciativa que rompia com a política da Coroa portuguesa para a região, de expandir o território da América portuguesa até a margem oriental desse estuário, motivo permanente de atritos entre Portugal e Espanha na região. Bonifácio via nessa confederação ou, ainda, em um tratado “ofensivo e defensivo” entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, instrumento de defesa mútua para, “com os outros governos da América espanhola”, fazer frente a maquinações europeias e, ainda, de os novos países hispano-americanos desenvolverem relações comerciais com o Brasil. A iniciativa de José Bonifácio não produziu resultados, pois atritado com Pedro I, deixou o cargo em julho; ademais, as lutas políticas entre Buenos Aires e as províncias do interior não propiciavam condições para um acordo externo dessa envergadura, o qual tinha como outro obstáculo a questão da Cisplatina (ANJOS, pp. 89-121). 17 Francisco Doratioto A presença portuguesa no Rio da Prata foi resultado de uma política definida. Em 1680, Portugal fundou a Colônia do Sacramento, na margem oriental desse estuário e em uma península de fácil defesa militar e que dispunha de um bom porto natural. Este era visto como uma base para o acesso português ao interior da América do Sul, por meio da navegação dos rios Uruguai e Paraná. Ademais, Sacramento poderia desviar de Buenos Aires o contrabando da prata vinda da Bolívia e outras mercadorias. Após disputas militares e diplomáticas entre Portugal e Espanha, a Colônia do Sacramento ficou de posse espanhola pelo Tratado de Badajoz (1801). As lutas internas argentinas, no processo de independência, permitiram que, em 1811, as tropas portuguesas ocupassem o território da Banda Oriental, atual Uruguai, retirando-se meses depois. Nesta, José Gervasio Artigas, que combatera a presença espanhola na região, aliado a Buenos Aires, se opôs à tentativa da elite desta de centralizar o poder. Em 1814, ele criou a Liga dos Povos Livres, baseada no federalismo e no reformismo social, o que lhe trouxe o apoio da população pobre do campo. Artigas fortaleceu-se, inclusivo ao norte, em território habitado por brasileiros, e, como consequência, tornou-se um obstáculo tanto ao projeto político de Buenos Aires, quanto dos interesses da Coroa portuguesa. Assim, em julho de 1816, a Banda Oriental foi ocupada por forças portuguesas sem enfrentar oposição do governo de Buenos Aires e, em 1820, Artigas foi derrotado militarmente pelos portugueses e refugiou-se no Paraguai, onde permaneceu até sua morte. 18 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Em 1821, D. João incorporou a Banda Oriental como mais uma província, a da Cisplatina, ao Reino Unido de Portugal, Algarves e Brasil. Em 1822, ela tornou-se província do Império do Brasil, ato aprovado pelo Cabildo de Montevidéu, mas tropas portuguesas permaneceram nesta cidade até que, em 1824, cercadas por forças leais a Pedro I, se retiraram para Lisboa. Em 1823, Pedro I recusou o pedido do governo de Buenos Aires para que as tropas brasileiras se retirassem da Banda Oriental, para ser esta incorporada às Províncias Unidas do Rio da Prata. Em 1825, um grupo de revolucionários, liderados por Juan Antonio Lavalleja, vindos de Buenos Aires, desembarcou na Cisplatina, iniciando a luta pela independência do Brasil e logo solicitou a incorporação do território oriental às Províncias Unidas. O Congresso desta aceitou o pedido, o que provocou a reação de Pedro I de declarar guerra a elas. O governo de Buenos Aires não era o responsável pela expedição de Lavalleja e não tomou iniciativa para apoiá-la, mas a população da cidade e o Congresso das Províncias Unidas eram entusiastas da guerra. O mesmo não ocorria no Rio de Janeiro e o Império do Brasil não estava preparado para essa guerra, não dispondo as forças brasileiras de coordenação entre suas unidades para enfrentar os revolucionários. Estes, a partir da vitória sobre as forças brasileiras na batalha de Sarandí, em outubro de 1825, passaram a controlar o interior do território oriental. Graças à superioridade naval brasileira, Montevidéu e Sacramento mantiveram-se sob controle do Império, mas 19 Francisco Doratioto a ação da Marinha Imperial era limitada pelo grande calado dos seus navios, que não permitia que manobrassem com desenvoltura no rio Uruguai ou em locais próximos à costa, devido à pouca profundidade. Já os navios argentinos eram mercantes adaptados para a ação bélica e, embora fossem menores e inferiores às belonaves brasileiras em capacidade de tiro, eram mais leves e ágeis para atuar nessas áreas. Ademais, as Províncias Unidas deram carta de corso a aventureiros estrangeiros para agirem contra o Brasil e a ação dos corsários no litoral brasileiro prejudicou o comércio exterior do país. A superioridade militar terrestre argentina não conseguiu, porém, se traduzir em vitória sobre o Império, quer pela superioridade naval brasileira, quer por falta de coesão interna nas Províncias Unidas. Uma vitória argentina que poderia ter sido decisiva foi a do Passo do Rosário, conhecida como Ituzaingó na historiografia argentina, em 20 de fevereiro de 1827, quando tropas comandadas pelo general Alvear venceram as brasileiras em batalha travada em território gaúcho. No entanto, Alvear não marchou sobre Porto Alegre, pois lhe faltava recursos materiais e respaldo político, resultado da falta de unidade interna nas Províncias Unidas, onde havia sublevações provinciais e descontentamento em relação à Constituição centralizadora, aprovada pelo Congresso. O presidente argentino Bernardino Rivadávia enviou, então, Manuel Garcia ao Rio de Janeiro para negociar a paz, que ele obteve ao seguir as instruções secretas de que, se necessário para tanto, aceitasse a 20 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) soberania do Império sobre a Banda Oriental. Esse acordo provocou verdadeira sublevação popular em Buenos Aires, o que obrigou Rivadávia a renunciar, agravando a tensão política nas Províncias Unidas. Continuou o impasse militar, pois nem as forças libertadoras conseguiam vencer o Exército Imperial instalado em Montevidéu e Sacramento, que se mantinha graças ao fornecimento de víveres e munições pelas belonaves brasileiras, nem as forças brasileiras conseguiam retomar o interior da Cisplatina. A falta de perspectiva para o final da guerra, que prejudicava seu comércio na região, levou à Inglaterra a intervir diplomaticamente e impor a paz às partes em luta, levando o Império e as Províncias Unidas a aceitarem a independência da Banda Oriental. Em 27 de agosto de 1828, pela Convenção Preliminar de Paz, surgiu a República Oriental do Uruguai, cuja existência foi garantida perpetuamente por Inglaterra, Brasil e Províncias Unidas. A Guerra da Cisplatina teve origem antes nas lógicas geopolíticas coloniais, portuguesa e espanhola, do que em interesses vitais dos novos países. Nestes, é verdade, havia pecuaristas, em Buenos Aires e no Rio Grande do Sul, que obteriam ganhos econômicos com o acesso ao estoque de gado na Banda Oriental, mas inexistiam outros interesses que justificassem a longa e desgastante guerra. A incapacidade de comando militar de Pedro I e sua persistência em prolongar o conflito sem apresentar resultados positivos, contribuíram para seu desgaste político, processo este que o obrigou a abdicar ao Trono brasileiro em 7 de abril de 21 Francisco Doratioto 1831. Na realidade, somente a partir desta data é que os brasileiros efetivamente passaram a governar o Brasil. Durante o Período Regencial (1831-1840), o Brasil foi governado por regentes por ser menor de idade o príncipe herdeiro do Trono, futuro Pedro II. Nesses anos, as rebeliões provinciais contra o poder central, bem como a fragilidade política e financeira do Estado Monárquico, impediram uma política ativa em relação ao Rio da Prata. A situação de reduzida capacidade de ação externa foi confessada no Relatório da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, apresentado em abril de 1833 à Assembleia Geral do Império, documento que era a prestação de contas cuja obrigatoriedade, anual ou em caso de troca de ministros de Estado, foi estabelecida por lei de 1830. Nele, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Bento da Silva Lisboa afirmava que o Brasil ocuparia lugar de destaque entre as nações desde que houvesse “a concórdia e a tranquilidade entre nós” e que os brasileiros, em lugar de se ocuparem com “loucas rivalidades e o espírito de partido”, se preocupassem “em servir bem à Pátria, defendendo as nossas livres instituições”, ou seja, a ordem monárquica. Na ocasião, também ficava claro a posição dos novos governantes brasileiros quanto ao recente conflito travado com as Províncias Unidas, classificado como “desastrosa guerra que tivemos com a República Argentina”. Em 1838, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Antonio Peregrino Maciel Monteiro, reconhecia que as “comoções” que atingiam o Brasil “em diversos pontos” tinham “absorvido uma grande parte dos 22 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) cuidados do governo” e tinham impedido que se começasse “algumas negociações de maior alcance e importância para os futuros destinos do Império”1. À diplomacia imperial se impunha, portanto, manter postura de cautela em relação à guerra civil uruguaia, iniciada em 1839. Não era o caso da Confederação Argentina, liderada pelo governador da província de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas, membro da elite rural e produtor de charque. Em 1831 ele assinou o Pacto Federal com os governadores de Santa Fé e Corrientes, para defenderem-se mutuamente de ataques externos e internos e, no início de seu segundo governo, em 1835, ele organizou a Confederação Argentina. Na realidade, Rosas tornou-se ditador do país movido por um nacionalismo antiliberal e pelo combate aos unitários, embora juridicamente tivesse a mesma posição dos demais governadores, exceto pela delegação dada por eles para que representasse no exterior as províncias argentinas. O Uruguai tinha escassa população na década de 1830 e um Estado frágil, cujos dois primeiros presidentes Fructuoso Rivera (1830-1834) e Manuel Oribe (1835-1838), se tornaram líderes, respectivamente, do Partido Colorado e do Partido Nacional, também conhecido como blanco, fundados em 1836. Os colorados estavam mais próximos do liberalismo e os blancos do nacionalismo antiliberal. As disputas políticas entre eles levou à guerra civil, iniciada em 1839 e que ficou conhecida como Guerra Grande, pois terminou somente em 1851. A luta iniciou-se com a sublevação de Rivera, 1 Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa em 1833, p. 11, p. 20 e em 1838, p. 4. Em citações futuras, diretas no texto, constará apenas Relatório. 23 Francisco Doratioto apoiado por unitários argentinos, contra Oribe, que fugiu para Buenos Aires, onde obteve o apoio de Juan Manuel de Rosas. Como resposta, Rivera, que ocupara o poder em Montevidéu, declarou guerra a Rosas. A situação regional era delicada, pois desde 1835 o Rio Grande do Sul era uma província conflagrada, devido à revolução farroupilha que, em 1838, proclamou a independência e criou a República Rio-grandense. Produziu-se, então, uma situação complexa, devido às vinculações da disputa interna no Uruguai às lutas políticas na Confederação, entre unitários e federalistas; no Brasil, entre farroupilhas e legalistas e, ainda, aos interesses da Grã-Bretanha e França, que apoiaram financeira e militarmente o governo de Rivera. Este era sustentado pelo setor mercantil, defensor do livre-comércio, enquanto Oribe contava com apoio dos proprietários rurais e, no plano militar, de Rosas. Este, por sua vez, proibira a navegação do rio Paraná pelos navios mercantes estrangeiros, que deveriam descarregar e carregar mercadorias no porto de Buenos Aires. A aduana deste não era nacional, portanto os impostos gerados pelo comércio exterior argentino enriqueceriam as finanças da província de Buenos Aires. A maioridade antecipada de Pedro II, que lhe permitiu assumir o Trono em 1840, bem como a situação financeira do Império, permitiram ao país ter uma política externa ativa e construir diretrizes de longo prazo para ela. A maioridade resultou de um pacto político, após as elites regionais se darem conta de que o Estado Monárquico centralizado, forte, seria um instrumento eficiente para manter a ordem 24 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) interna e para tratar de delicados temas externos, como os atritos com o governo britânico por conta do tráfico negreiro ou, ainda, a ameaça para integridade nacional representada pelo apoio obtido pelo separatismo farroupilha no Uruguai. Construiu-se um bloco de poder, tendo como núcleo hegemônico as oligarquias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, que tinham como atividade mais lucrativa a exportação de café, aliadas à burocracia de Rio de Janeiro, situação legitimada pela ascensão de Pedro II ao Trono. Como consequência, durante a década de 1840, os objetivos e diretrizes da política externa resultaram de um processo decisório que adquiriu, nesses anos, racionalidade crescente, viabilizada pela volta do Conselho de Estado, que tinha a Seção dos Negócios Estrangeiros, e pelo estabelecimento, na prática, do Parlamentarismo, com a criação da figura do Presidente do Gabinete de Ministros. No sul persistia a Farroupilha e o impasse militar, com os revolucionários obtendo armas e cavalos nas províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes, bem como utilizando o porto de Montevidéu para seu comércio exterior, contornando o bloqueio da Marinha Imperial à costa gaúcha. O presidente Rivera mantinha boas relações com os farroupilhas, o que fazia com que o governo imperial não confiasse, com razão, na neutralidade dele na disputa que se travava no Rio Grande do Sul, mas tinha que tolerá-lo pois seu opositor, Oribe, era visto como instrumento de Rosas. Este, porém, não tinha interesses em comum com os farroupilhas porque eram, afinal, concorrentes dos 25 Francisco Doratioto produtores argentinos de charque quer quanto ao acesso ao gado das fazendas uruguaias, quer do mercado consumidor representado pelos escravos brasileiros. As ações britânicas contra o tráfico negreiro criaram no Rio de Janeiro uma hostilidade à Grã-Bretanha e, consequentemente, de certa simpatia para com Rosas. Este, afinal, era vítima da hostilidade da França e da Grã-Bretanha, por terem seus interesses comerciais contrariados pela proibição de navegação do rio Paraná. Também se acreditava na capital carioca que Oribe, venceria a guerra civil uruguaia, o que tornaria Rosas figura-chave para os interesses do Império, como a pacificação do Rio Grande do Sul ou a garantia de navegação por navios brasileiros pelos rios internacionais da bacia hidrográfica platina, vital para o contato regular entre o Rio de Janeiro e o Mato Grosso. Nessas circunstâncias, o governo imperial aceitou, em 1843, proposta de aliança feita por Rosas, que corria o risco de uma ação militar anglo-francesa para obrigá-lo a retirar suas tropas do Uruguai e enfrentava uma revolta em Corrientes. O objetivo da aliança seria o de pacificar o Uruguai e o Rio Grande do Sul e, para tanto, propunha-se que a Marinha brasileira bloqueasse Montevidéu e outros pontos do litoral uruguaio controlados por Rivera, enquanto a Confederação forneceria cavalos – um instrumento de guerra vital à época no Rio da Prata – para o Exército Imperial no Rio Grande do Sul. Assinado por D. Pedro II, em 24 de março de 1843, o tratado foi enviado para Buenos Aires, para a assinatura de Rosas o qual, porém, se recusou a fazê-lo pretextando que o documento não contava com o consentimento de 26 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Manuel Oribe. Na realidade, a recusa derivava da mudança das circunstâncias em que fora proposto o projeto, pois a ameaça anglo-francesa fora afastada e tinha terminado a revolta em Corrientes. Os homens de Estado brasileiros viram na recusa de Rosas, em assinar o tratado por ele mesmo proposto, a prova de que era um inimigo do Império e que buscava, com a intervenção no Uruguai e a recusa em reconhecer a independência do Paraguai, incorporar estes dois países à Confederação. Neste caso, seriam exclusivamente argentinos parte dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, o que deixaria a estratégica navegação brasileira para Mato Grosso dependente de autorização de Buenos Aires. O governo imperial reagiu, preparando-se para enfrentar militarmente Rosas, e, para tanto, buscou construir a unidade interna, fazendo concessões aos farroupilhas e pondo fim à luta no sul em 1845. Também reconheceu a independência do Paraguai em 1844 e, como este país não dispunha de serviço diplomático, os diplomatas brasileiros na Europa fizeram gestões junto a governos nacionais para que reconhecessem o Estado paraguaio independente (RAMOS, Quinta Parte). Como consequência, tornou-se tensa a relação entre o Império e Rosas, como se lê no Relatório (1845, p. 8) que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Barão de Cairu, apresentou à Assembleia Geral no início de 1846: A continuação da luta em que se acham empenhadas as Repúblicas do Rio da Prata [enfrentamento entre os governos de Rosas e Rivera] tem dado lugar a incidentes que provocam várias discussões entre 27 Francisco Doratioto o governo imperial e a legação argentina nesta Corte. Esta discussão tem versado sobre refugiados orientais e argentinos no território do Império; sobre o reconhecimento da independência do Paraguai; sobre diversas questões ligadas às intervenções europeias nos negócios do Rio da Rio da Prata e acerca de outros assuntos. A política do Estado Monárquico no Prata era condicionada por fatores geopolíticos já vistos e, também, pela situação política interna brasileira. Até o final da Monarquia, em 1889, seus governos preocuparam-se em defender os interesses dos pecuaristas gaúchos, que buscavam garantir acesso ao gado e a terra no Uruguai, uma forma de evitar que ficassem descontentes, o que havia gerado a Farroupilha. Ademais, o discurso em defesa de o Brasil ser uma monarquia era o de que, por serem republicanos, os países hispano-americanos se caracterizavam pela instabilidade política e pela tendência a se fragmentarem. No entanto, também não interessava ao Império uma Argentina fragmentada, instável, com províncias lutando entre si, pois essa situação comprometeria a segurança da navegação nos rios da região e colocaria em risco a estabilidade regional. Portanto, interessava ao Estado monárquico brasileiro uma Argentina estável politicamente, sem incorporar o Uruguai e o Paraguai e sem capacidade de rivalizar com o Brasil. Na perspectiva da diplomacia imperial, a situação uruguaia era a que mais preocupava, enquanto a independência paraguaia estava garantida de fato pelo isolamento geográfico do país e pela determinação de seus governos ditatoriais em sustentá-la. No caso uruguaio, a preocupação 28 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) decorria do caráter provisório do Tratado de 1828, que deu vida à República Oriental do Uruguai, e de ainda não ter sido assinado – e de nem haver perspectiva para tanto – um tratado definitivo, além de permanecerem indefinidos os limites entre essa República e o Império. Ademais, a população uruguaia era rarefeita, perfazendo em 1840 apenas uns 75.000 habitantes, dos quais uns 14.000 eram exilados argentinos, antirrosistas, concentrados em Montevidéu, e outros 25.000 teriam ascendência brasileiro-portuguesa2. Compreende-se, portanto, a preocupação do Império quanto ao destino do Uruguai. Em 1844 o governo imperial enviou o marquês de Abrantes à Europa, com a finalidade de a cooperação da Inglaterra e da França para uma ação contra Rosas. Não obteve sucesso, pois as duas potências preferiram agir sozinhas, mas não conseguiram vencer militarmente o ditador da Confederação e, afinal, puseram fim às hostilidades contra ele e aceitaram-no, ao se darem conta que Rosas mantinha a ordem e a estabilidade em território argentino, características importantes para se desenvolver o comércio. No final dos anos 1840, Inglaterra e França retiraram o apoio militar e financeiro que concediam a Rivera e sem esse dinheiro o governo de Montevidéu não teria condições de sobreviver. Para o governo imperial, com o fim da pressão anglo-francesa Rosas se tornaria um risco para o Brasil. Caso houvesse a vitória dos blancos na guerra civil uruguaia, 2 ARAÚJO, João Hermes Pereira de. “O Legado Colonial – a Monarquia” in História da Diplomacia Brasileira. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc001.htm>. Acesso em: 15/6/2007. 29 Francisco Doratioto consequência lógica do fim do apoio da França e da Inglaterra a Rivera, o governo imperial acreditava que Rosas, já livre da pressão anglo-francesa, se imporia à oposição interna argentina. Sem oposição interna ou externa, ele teria condições de se voltar para o Paraguai e anexá-lo à Confederação. Esta se tornaria uma república extremamente forte e, afirmou posteriormente o chanceler brasileiro Paulino José Soares de Souza, futuro Visconde do Uruguai, seria o momento de Rosas “vir sobre nós com forças e recursos maiores, que nunca teve, e envolver-nos em uma luta em que havíamos de derramar muito sangue e despender somas enormes” (RELATÓRIO, 1852, pp. XIX-XX). A urgência em fornecer recursos financeiros que sustentassem o governo de Rivera e a inferioridade militar em relação a Rosas, que desaconselhava a o apoio público e explícito ao presidente uruguaio, levou a diplomacia imperial a recorrer ao banqueiro Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá. Este aceitou conceder empréstimos ao governo de Rivera, mediante o aval do Tesouro brasileiro, permitindo ao Império ganhar tempo para se preparar para um enfrentamento direto com o líder argentino (MAUÁ, pp. 122-123). Esse foi o marco inicial da “diplomacia dos patacões”, pela qual o Império concedia empréstimos a aliados platinos, de modo a alcançar seus objetivos na região. No final da década de 1840 o Estado Monárquico dispunha de recursos institucionais e materiais para adotar política externa ativa no Prata e ela se voltava contra Rosas, que se apresentava como inimigo do Estado Monárquico. Em 1848, 30 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) o Partido Conservador foi chamado de volta ao poder por Pedro II e, no ano seguinte, no gabinete do Marquês de Monte Alegre, foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros Paulino José Soares de Souza (Visconde do Uruguai). O nome de Paulino de Souza, que entre 1843 e 1844 já ocupara esse ministério, está associado à consolidação de diretrizes que nortearam a ação da diplomacia brasileira, quer quanto às grandes potências, que foi a de buscar a autonomia possível e de cooperação com elas quando havia interesse comum, quer quanto aos países vizinhos. Em relação a estes, implementou uma política para a definição das fronteiras, adotando o critério do uti possidetis, e quanto ao Rio da Prata de contenção de Buenos Aires, ou seja, de Rosas. Quanto à definição de fronteiras com os países vizinhos, o governo imperial seguiu o raciocínio de que os tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1777), assinados por Portugal e Espanha não tinham conseguido estabelecer, sem dúvidas, as fronteiras coloniais e que, de todo modo, posteriormente eles foram ultrapassados pela dinâmica do processo histórico. A doutrina brasileira sobre limites construiu-se sobre o pilar do uti possidetis, de que um território pertencia ao país que dele tivesse posse efetiva, quer por estar ocupado por cidadãos, quer por nele possuir representações governamentais (soldados, posto de arrecadação fiscal, etc.). Os demais objetivos do Império para o Rio da Prata vinham se delineando desde o início da década de 1840 e foram consolidados pelo futuro Visconde do Uruguai em uma política definida e coerente. Foram estabelecidos 31 Francisco Doratioto como objetivos definir as fronteiras; garantir a liberdade de navegação nos rios internacionais da região e de apoio às independências do Paraguai e do Uruguai e de contenção da influência de Buenos Aires nesses países. O respaldo jurídico para pleitear essa navegação era vital o que explica, em parte, a defesa das independências do Uruguai e Paraguai em relação à Argentina. Também contribuía para esta política os fatores econômicos e ideológicos analisados anteriormente e, ainda, uma preocupação de caráter militar. Se a República Oriental ou o Paraguai fossem anexados à Confederação Argentina, se ampliaria a fronteira desta com o Brasil e, pela lógica dos homens do Partido Conservador, de que era inevitável uma guerra entre os dois países, o território brasileiro estaria mais vulnerável à invasão de forças rosistas, pois se ampliaria os pontos fronteiriços vulneráveis. Mesmo depois que Rosas deixou de ser uma ameaça ao Estado Monárquico, o Estado Monárquico continuou a ver em Buenos Aires uma ameaça em potencial ao Brasil e a considerar com provável a guerra entre ambos, na qual o lado argentino seria o agressor. Este pensamento tornou-se uma “força profunda”3 na ação diplomática e, talvez, mesmo do imaginário brasileiro durante boa parte do século XX, até o início do processo de integração Brasil-Argentina na década de 1980. Em 1851 o governador de Entre Ríos, Justo José Urquiza, rompeu com Rosas, por este ter tomado medidas prejudiciais à economia dessa província e, portanto, à 3 32 “Força profunda” é o conceito criado por Pierre Renouvin, publicado em Histoire des Relations Internationales (1958), para explicar fatores que persistem no tempo e inluenciam nas relações internacionais, limitando e direcionando o processo a ação externa dos Estados. O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) própria riqueza pessoal desse poderoso caudilho. Urquiza retirou a delegação de sua província a Rosas para que a representasse externamente, mas antes obteve a garantia do apoio do governo imperial. Urquiza e o Império assinaram tratado de aliança para derrotar Oribe e seus aliados, de modo a pacificar o Uruguai. Era previsto que se houvesse reação de Rosas a aliança se voltaria contra o governador de Buenos Aires. Oribe rendeu-se a Urquiza e Rosas declarou guerra ao Brasil no dia 18 de agosto e, em 21 de novembro de 1851, foi assinado o tratado de aliança entre o Império, o governo uruguaio e as províncias de Entre Ríos e Corrientes contra o ditador da Confederação. Urquiza contou com apoio da Marinha de Guerra imperial para o transporte de tropas, enquanto um regimento de cavalaria brasileiro se integrou a seu exército que, na batalha de Caseros, travada em 3 de fevereiro de 1852, venceu as forças de Rosas. Este pediu asilo em um navio britânico fundeado no porto de Buenos Aires e se exilou na Inglaterra, onde morreu em 1877. Em 1851 e 1852 a diplomacia imperial atingiu objetivos importantes no Rio da Prata. Em 1851, após a rendição de Oribe, o representante uruguaio no Rio de Janeiro, Andrés Lamas, assinou tratados de aliança, limites, comércio e navegação, troca de criminosos, desertores e escravos foragidos, e de prestação de ajuda financeira ao governo uruguaio. Pelo tratado de aliança, o Império poderia prestar ajuda militar ao Uruguai, quando requisitada, e emprestou 138 mil patacões a seu governo; era a “diplomacia dos patacões”, como ficou conhecida a prática de fazer empréstimos aos aliados brasileiros na região. 33 Francisco Doratioto Em fins de 1851, realizaram-se eleições para o Congresso uruguaio o qual, por sua vez, elegeriam o presidente da República. Os blancos obtiveram maioria, ainda que escassa, das cadeiras do Legislativo e, assim, elegeram um dos seus, Juan Francisco Giró, para chefiar o Executivo. Esse novo presidente tentou alterar o conteúdo dos tratados de 1851 e, sem condições de se recusar a fazê-lo, recorreu ao expediente de submetê-los à aprovação do Legislativo uruguaio, cujos membros blancos eram contrários a esses acordos. Nesse momento, Rosas ainda se encontrava no poder em Buenos Aires e o enviado do governo imperial ao Rio da Prata, Honório Hermeto Carneiro de Leão (futuro Marquês de Paraná), condicionou a assinatura do Tratado de Paz entre o Brasil, a Confederação e o Uruguai, a que o governo de Giró aceitasse aqueles tratados e declarasse que seriam ratificados. Se isto ocorresse, o governo imperial aceitaria incluir alterações no acordo de paz a ser assinado. O governo uruguaio apresentou, então, uma lista de propostas de modificações aos tratados do ano anterior, todas recusadas pelo negociador brasileiro, exceto a que reduzia ao rio Jaguarão o reconhecimento do uti possidetis como esta exigência [do reconhecimento dos Tratados de 1851] dificultasse o arranjo da questão, ofereceu o Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Confederação Argentina a garantia desta para substituí-la, o que foi aceito pelo Plenipotenciário Brasileiro. Foi então celebrado o Tratado de 15 de maio de 1852 que modificou a linha de limites, traçada pelo de 12 de outubro, do Chuí ao Jaguarão, reduzindo-a ao uti possidetis e 34 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) reconheceu em pleno e inteiro vigor os Tratados dessa última data (RELATÓRIO, 1852, pp. 11-12). O governo de Giró tentou compor seu governo com membros dos dois partidos políticos do país e nomeou para o cargo de ministro da Guerra o colorado Venancio Flores. No entanto, isso não impediu que prosseguissem os enfrentamentos partidários e em setembro de 1853 ocorreu uma rebelião colorada contra o governo, contando com o apoio dos credores privados contrários ao ato presidencial que lhes tirara o controle da Alfândega. O governo uruguaio solicitou, então, aos comandantes das Estações Navais britânica e francesa em Montevidéu o desembarque de tropas dessa nacionalidade para restabelecer a ordem. Invocando o Tratado de Aliança, de 1851, Giró solicitou apoio ao Império, mediante o envio forças militares brasileiras ao Uruguai, ao não ser atendido e, sem condições de pôr fim às agitações, asilou-se na Legação francesa. Giró foi substituído por um triunvirato e o Império mostrou-se disposto a apoiá-lo. Compunham o triunvirato Fructuoso Rivera, Venancio Flores e Antonio Lavalleja. Este morreu no mês seguinte, em outubro, o mesmo ocorrendo com Rivera, em janeiro de 1854. Único triúnviro sobrevivente, Flores solicitou a intervenção de forças brasileiras para manter a ordem e foi atendido, afinal os colorados no poder eram simpáticos ao Império. A derrota de Rosas, em 1852, afastou o maior obstáculo à ação do Império no Rio da Prata, garantindo-se a livre navegação na região, bem como era obtido o reconhecimento da independência do Paraguai pelo 35 Francisco Doratioto novo governo da Confederação. Para alcançar todos os seus objetivos faltava ao Estado monárquico obter que a Confederação e o Paraguai aceitassem definir as fronteiras com o Brasil a partir do critério do uti possidetis. Quanto ao Paraguai, durante a década de 1840, por constituir Rosas ameaça comum, os governos brasileiro e paraguaio, de Carlos Antonio López, estreitaram relações, mas com a queda desse ditador, em 1852, elas se tornaram difíceis. Isso decorria, principalmente, da discordância quanto à definição de fronteira, que para o Paraguai, baseando-se em títulos da época colonial, era o rio Branco, enquanto para o Império, recorrendo ao uti possidetis, era o rio Apa. O governo de Carlos Antonio López condicionou a livre navegação do rio Paraguai às embarcações de bandeira brasileira à aceitação pelo Império do rio Branco como fronteira. Como consequência, o governo imperial enviou José Maria da Silva Paranhos em missão ao Prata e este assinou, em 1856, um acordo de aliança militar entre o Brasil e a Confederação, pelo qual esta apoiava o lado brasileiro nas divergências em torno de fronteiras com o Paraguai e, em troca, recebeu um empréstimo de 300.000 patacões do Tesouro imperial. Respaldado por esse apoio, Paranhos partiu para Assunção onde obteve o acordo restabelecendo a livre navegação dos rios Paraguai e Paraná aos navios brasileiros e a moratória de seis anos a definição de limites; na área litigiosa os dois países deviam manter o status quo. Outra preocupação da diplomacia imperial passou a ser de posicionar-se cautelosamente quanto a existência de dois Estados argentinos, pois a província de Buenos Aires tornou-se autônoma, ao não se recusar a obedecer ao novo 36 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) governo da Confederação, que tinha sua sede na cidade de Paraná, província de Entre Ríos. Ao Império não interessava a instabilidade política argentina porque, além de colocar em risco a segurança da navegação na bacia hidrográfica platina e a estabilidade política regional, dificultaria o pagamento da dívida junto ao Tesouro brasileiro. Este financiara Urquiza para constituir o exército que utilizou contra Rosas e o contrato desse empréstimo determinava que a dívida era de responsabilidade da Confederação Argentina. Esta dificilmente teria condições de cumprir esse compromisso se tivesse de gastar seus limitados recursos financeiros para sustentar forças militares em enfrentamentos com oposição armada à Confederação ou, se não contasse com rendas oriundas de Buenos Aires, a mais rica província argentina. Em 1855, Paulino de Souza escreveu a José Maria da Silva Paranhos, outro expoente político conservador: Se rebentar a guerra no Rio da Prata seremos levados a reboque. Se nos ligarmos a Buenos Aires teremos Urquiza contra nós, que logo há de fazer as pazes com [Carlos Antonio] López e [será] fechada a navegação do Paraná. Se nos ligarmos a Urquiza teremos ipso facto contra nós Buenos Aires que há de se ligar ao Paraguai e perdido o comércio importante que fazemos com Buenos Aires. Buenos Aires há de procurar chamar a si o Estado Oriental e pode-se crer que o chame. Ficaremos só com Urquiza, que não pode inspirar confiança nenhuma. (...) Tenho um medo extraordinário de nos ver envolvido em luta cujo o termo não se pode prever. Receio muito ver-nos depois comprometidos, 37 Francisco Doratioto obrigados a sermos les bailleurs de fons do nosso aliado, ou a retirar-nos ingloriamente da luta, pelo muito peso da carga (ARBILLA, pp. 70-71). Daí a neutralidade militar mantida pelo Império na disputa entre Buenos Aires e a Confederação. Esta, porém, continuou a receber empréstimos do Brasil e com ele assinar tratados, o que não ocorreu com Buenos Aires. Em 1856, os governos do Império e da Confederação assinaram acordos de amizade, comércio, navegação, extradição e limites, baseado no uti possidetis, tendo como marcos os rios Pepirí-Guaçu e Santo Antonio. O Tratado foi ratificado pelo Brasil, aprovado pelo Congresso da Confederação mas não foi ratificado pelo seu governo desta. Era uma represália deste à recusa do governo imperial em apoiar militarmente uma ação da Confederação contra a província de Buenos Aires. Em 14 de julho de 1859, o ministro das Relações Exteriores da Confederação, Elías de Bedoya, afirmou, em nota ao representante diplomático brasileiro, que a assinatura, por seu país, do tratado de 1857 “leva em si implícita condição de que o Governo de S.M.I. [Sua Majestade Imperial] prestaria ao da Confederação a sua cooperação moral e material para obter a volta de Buenos Aires ao seio da nação” (TEIXEIRA SOARES, p. 291). O equilíbrio da diplomacia imperial entre os dois Estados argentinos teve fim quando o Império não atendeu às demandas do governo da Confederação para que concedesse mais um empréstimo, no valor de um milhão de pesos fuertes4 e mais, que se posicionasse contra Buenos 4 38 O peso fuerte era um papel moeda que circulou na Argentina, entre 1826 e 1881, e dezessete deles equivaliam a 27,0643 gramas de ouro. O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Aires. Como consequência, Justo José Urquiza, líder de fato da Confederação, afastou-se do Brasil e aproximou-se do Paraguai. A situação mudaria logo em seguida, pois, em setembro de 1861, o exército da Confederação, comandado por Urquiza, enfrentou as forças de Buenos Aires, comandadas por Bartolomé Mitre. Este não obteve uma vitória clara no campo de batalha, mas Urquiza se retirou, abrindo caminho para que, em 1862, surgisse a República Argentina, sob hegemonia portenha e presidida por Mitre, um liberal. A situação regional sofreu grandes mudanças no ano de 1862. Nesse ano, no Paraguai, morreu Carlos Antonio López. Antes dele, durante a ditadura de José Gaspar Rodríguez de Francia, houve a estratégia econômica de “estagnação para dentro”, uma opção de isolar o país do exterior, como forma de garantir a independência nacional e, ainda, o próprio poder pessoal este ditador. Com a ascensão de Carlos Antonio López ao poder, em 1844, optou-se pelo modelo “crescimento para fora”, que implicava na necessidade de o Paraguai ter acesso ao oceano Atlântico, para ampliar seu comércio exterior, o que teve como consequência levar o governo paraguaio a interessar-se pelas lutas políticas platinas. No início da década de 1860, o Paraguai necessitava obter moeda forte para dar continuidade à importação, voltada basicamente para a modernização militar paraguaia. Para tanto, o Estado implementou uma estratégia de “crescimento para fora”, exportando produtos primários para o mercado regional e mundial (HERKEN KRAUER; GIMÉNEZ DE HERKEN, p. 46). 39 ii A Guerra do Paraguai e a distensão A inserção do Paraguai na divisão internacional do trabalho não era, necessariamente, conflitante com os interesses argentinos e brasileiros no Prata, como demonstrou o governo de Carlos Antonio López. No entanto, esse antagonismo ocorreu a partir de 1862 como resultado de uma complexa sequência de acontecimentos, que faziam parte do processo de consolidação dos Estados Nacionais na região. Nesse ano, no Brasil o Partido Liberal retornou ao poder no Brasil e logo enfrentou uma série de problemas internos, como a quebra de casas bancárias que levou o comércio do Rio de Janeiro a uma profunda crise, e externo, com a humilhação perante a Grã-Bretanha na Questão Christie. Os liberais ficaram fragilizados no poder, necessitando mostrarem-se competentes em temas externos aos olhos da opinião pública carioca e mais vulneráveis às pressões de latifundiários gaúchos com interesses no Uruguai. Este se encontrou novamente em guerra civil, pois, em abril de 1863, 41 Francisco Doratioto o caudilho colorado Venancio Flores, vindo de Buenos Aires, iniciou uma rebelião para derrubar o governo blanco do presidente Bernardo Berro. Este se relacionava com Justo José Urquiza, líder da oposição federal argentina, o qual, por sua vez, mantinha contatos com Francisco Solano López, que assumiu a chefia do Paraguai em 1862, após a morte de seu pai. Portanto, no conflito uruguaio havia forças interessadas na organização dos Estados Nacionais na Argentina e no Uruguai e durante a luta aproximaram-se os blancos uruguaios, Francisco Solano López e Urquiza, enquanto os governos argentino e o brasileiro, ambos governados por adeptos do pensamento liberal, se aproximavam, interessados na vitória de Flores. Atendendo a demandas de fazendeiros gaúchos com interesses no Uruguai e buscando equilibrar a influência de Mitre junto aos colorados, o governo imperial interveio a favor dos rebeldes colorados. A intervenção foi possível porque havia a convergência ideológica e de interesses entre Mitre e os novos governantes brasileiros, com estes deixando claro que não tinham interesses em relação ao Estado Oriental que fossem prejudiciais a Buenos Aires. Solano López, por sua vez, via favoravelmente o governo blanco uruguaio, um aliado que controlava Montevidéu, porto alternativo ao da capital argentina para o comércio externo paraguaio. O governo uruguaio argumentou junto ao ditador paraguaio que o Império e a Argentina, em caso de vitória dos rebeldes colorados, se voltariam contra o Paraguai. Era um argumento que não correspondia à realidade, mas, quer por crer nele, quer utilizando-o como pretexto, o fato é que 42 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Solano López acreditou que poderia derrotar militarmente o Brasil e anular o governo argentino. Este seria batido por um levante federalista apoiado pelo Paraguai, enquanto no Uruguai os blancos se uniriam às tropas paraguaias que iriam ao seu socorro e venceriam as forças do Exército imperial, que invadiram o Uruguai em outubro de 1864. Em dezembro de 1864, tropas paraguaias atacaram o Mato Grosso e ocuparam Corumbá e, em abril do ano seguinte, fizeram o mesmo com Corrientes. Como consequência, em 1º de maio de 1865 foi assinado em Buenos Aires o Tratado da Tríplice Aliança, entre a Argentina, o Brasil e o Uruguai, governado pelo colorado Venancio Flores desde fevereiro desse ano. Desde meados de 1864, o chanceler argentino Rufino de Elizalde e o conselheiro José Antonio Saraiva, que fora enviado pelo Império ao Prata para tentar obter que o governo uruguaio se submetesse aos interesses brasileiros, haviam atuado a partir da premissa de que haveria um agravamento das tensões platinas, o que levou a uma aproximação entre a Argentina e o Brasil. O projeto de Mitre e Elizalde que, nisto, não representavam todos os liberais portenhos, era o de uma aliança com o Império pela qual haveria atuação coordenada, na região platina, dos dois países a longo prazo. O objetivo era o de se alcançar “uma aliança perpétua, baseada na justiça e na razão, que há de ser abençoada por nossos descendentes”5. O representante imperial em Buenos Aires, Francisco Octaviano de Almeida 5 Ruino de ELIZALDE para José Maria da Silva PARANHOS, Buenos Aires, 25.2.1866. Archivo del Ministerio de Relaciones Exteriores, Comercio Internacional y Culto de la República Argentina, Guerra de la Triple Alianza, Caja 1, Folio 30. 43 Francisco Doratioto Rosa, chegara à cidade no mês anterior, com o objetivo principal de conseguir que o governo argentino não criasse obstáculos à ação da Marinha brasileira contra o Paraguai, e foi surpreendido pela possibilidade de assinar a aliança com a Argentina6. Esta era tão importante para o Brasil, em termos militares e políticos, que Almeida Rosa não esperou por instruções do Rio de Janeiro, negociando-a pelas orientações gerais que recebera no início de sua missão e aceitando as reivindicações da Argentina7. Ocorria a inversão da política para o Prata implementada, há quase duas décadas, pois o eixo Rio de Janeiro-Assunção, para conter Buenos Aires, era substituído pela aliança Rio de Janeiro-Buenos Aires, para conter Assunção; era uma situação inédita e que não se repetiria após o termino da guerra. Ao negociar o Tratado da Tríplice Aliança, Almeida Rosa enfrentou a resistência do governo argentino em assumir o compromisso de defender a independência paraguaia8. Conseguiu, porém, incluir o artigo 9° no documento, determinando que terminada a guerra, seriam garantidas a independência, a soberania e a integridade territorial paraguaias. A mencionada integridade, porém, se referia ao território posterior à aplicação do artigo 16° do Tratado, pelo qual caberia à Argentina todo o Chaco Boreal – terras ao norte do rio Pilcomaio, até a Baía Negra, na fronteira com o Mato Grosso – e a margem esquerda do Paraná até o rio 6 7 8 44 ALMEIDA ROSA para DIAS VIEIRA, nota conidencial, Buenos Aires, 20.04.1865, Arquivo Histórico do Itamaraty 272-1-21. SARAIVA para ALMEIDA ROSA, nota conidencial n. 35, 29.11.1865. Arquivo Nacional, códice 551. ALMEIDA ROSA para Chanceler DIAS VIEIRA, ofício conidencial, Buenos Aires, 25.4.1865. Arquivo Histórico do Itamaraty, 272-1-21. O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Iguaçu, ou seja, a área das Missões. Ao Império caberia o território pelo qual há anos mantinha disputa com Assunção, rico em campos de erva-mate, ficando estabelecido no documento da Aliança que a fronteira seria delimitada pela linha do rio Igurey, Serra do Maracajú e pelos rios Apa e Paraguai. Os aliados comprometiam-se, conforme o artigo 6, a não deporem as armas senão em comum acordo e depois da derrubada de Solano López, ficando proibida qualquer iniciativa de paz em separado por um dos países aliados com o líder paraguaio. Em notas trocadas entre si, os Aliados ressalvaram o direito da Bolívia de discutir sua reivindicação sobre o Chaco Boreal. Também por sua iniciativa foi assinado um protocolo que determinava a demolição da fortaleza de Humaitá, que controlava a navegação do rio Paraguai. Estabeleceu-se, ainda, a proibição de Assunção construir, no futuro, quaisquer outras fortificações que pudessem ser um obstáculo ao livre trânsito dessa via navegável. Terminado o conflito, o Paraguai deveria, segundo o artigo 14° do Tratado da Tríplice Aliança, indenizar todos os gastos de guerra feitos pelos governos aliados, bem como os danos e prejuízos causados durante o conflito às propriedades públicas e particulares por suas tropas em território dos países vizinhos. Acreditando que a guerra seria breve, o governo de Mitre apresentou ao Império, ainda em 1865, a proposta de um projeto de tratado de paz a ser assinado com o Paraguai. Esse documento e o texto do Tratado da Tríplice Aliança, que era secreto, foram encaminhados para apreciação do Conselho de Estado, órgão assessor da Coroa, composto por 45 Francisco Doratioto políticos dos dois partidos. Os membros do Conselho que pertenciam ao Partido Conservador criticaram duramente o Tratado de 1° de maio, principalmente a concessão do Chaco Boreal à Argentina. Argumentaram que os termos do Tratado eram contrários à política tradicional do Brasil, que fora concebida no sentido de manter não só a independência do Paraguai, como também a parte do território desse país necessária para evitar o contato de Mato Grosso com território argentino. Para o Conselho de Estado a melhor solução para o Brasil, dentro das circunstâncias, seria a de que a fronteira argentino-paraguaia fosse o rio Pilcomaio (NABUCO, pp. 229-231). No Brasil, em julho de 1868, o Partido Conservador reassumiu o governo imperial, cuja diplomacia retornou, então, decididamente, à política de contenção da Argentina. Os governantes conservadores desejavam o fim da aliança com a Argentina, mas de forma natural, com o desaparecimento dos motivos que levaram à sua constituição. A derrota de Solano López; a instalação de um novo governo no Paraguai era uma forma de ratificar a independência do país, e a assinatura pelas novas autoridades paraguaias de tratados de paz com os Aliados significariam a realização dos objetivos e o fim da Tríplice Aliança. Na Argentina, em outubro de 1868, terminou o mandato de Mitre, que foi substituído por Domingo Faustino Sarmiento. O novo presidente resistia à aliança com o Brasil, desconfiando de eventuais planos do Império para tornar-se potência continental no pós-guerra à custa de seus vizinhos. Sarmiento esperava contar com o apoio dos Estados Unidos, 46 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) para evitar a expansão da influência brasileira9. Na realidade, os novos governantes do Brasil e da Argentina, ao contrário de seus antecessores, eram contrários à continuidade da aliança terminado o conflito contra o Paraguai, a qual viam como algo circunstancial enquanto pensavam ser real a possibilidade de guerra entre o Brasil e a Argentina. Em fevereiro de 1869, o chanceler brasileiro José Maria da Silva Paranhos partiu para o Paraguai com a missão de estabelecer nesse país um governo provisório, com o qual se pudesse assinar a paz. Assunção fora ocupada no mês anterior por tropas brasileiras e supunha-se que a guerra estava por terminar. O governo provisório, para ser reconhecido pelo Império, deveria comprometer-se em apoiar os Aliados na luta contra López, bem como aderir ao Tratado da Tríplice Aliança. Este deveria ser cumprido na íntegra, exceto, segundo as instruções recebidas por Paranhos em 1 de fevereiro de 1869, “qualquer modificação que, no próprio interesse do Paraguai, se estipule no Tratado de paz por mútuo assentimento dos aliados e do mesmo governo provisório”10. Era o primeiro passo do governo imperial no sentido de reduzir as concessões de territórios feitos à Argentina no Tratado da Tríplice Aliança, para evitar que esse país tivesse fronteira com o Brasil em Mato Grosso e, ainda, que o território argentino ficasse limítrofe com Assunção. O governo imperial estava convencido de que o Presidente Sarmiento queria anexar o Paraguai à Argentina. 9 SARMIENTO para Emílio MITRE, Buenos Aires, 21/1/1869. In: CAMPOBASSI, 1982, p. 212. 10 COTEGIPE para PARANHOS, Instruções, 1/2/1869. Arquivo Histórico do Itamaraty, 272-3-3. 47 Francisco Doratioto A instalação do governo provisório paraguaio, mesmo com Solano López continuando a combater, era uma forma de reafirmar a continuidade da existência do Paraguai como Estado independente. Estimulados por Paranhos, cidadãos paraguaios de Assunção solicitaram aos Aliados a constituição de tal governo. Foi com dificuldade que o Enviado brasileiro conseguiu a concordância, para tanto, do chanceler argentino Mariano Varela11. Em 2 de junho de 1869, os representantes aliados assinaram dois protocolos definindo a criação de um governo provisório paraguaio. Este se instalou dois meses depois, em 15 de agosto, na forma de um triunvirato, sem controlar o território nacional e aceito apenas pelos governos da Tríplice Aliança, enquanto os demais países continuavam reconhecendo Francisco Solano López, que seguia combatendo no interior do país, como Chefe de Estado. As novas autoridades logo tiveram que enfrentar um problema externo, pois se instalara no Chaco, para explorar madeira, o aventureiro norte-americano Eduardo Hopkins. Este se recusou a pagar impostos às novas autoridades paraguaias, sob a alegação de que o Tratado da Tríplice Aliança determinava ser argentino aquele território. O general Emílio Mitre, comandante das forças argentinas, em dura nota ao Triunvirato, datada de 17 de novembro de 1869, afirmou que o Chaco pertencia exclusivamente a seu país. Pretextando necessidade de uma autoridade que concedesse licenças às diversas madeireiras instaladas nesse território, Emílio Mitre 11 PARANHOS para COTEGIPE, carta particular n. 14, Buenos Aires, 26.4.1869. Arquivo do Instituto Histórico e Geográico Brasileiro, lata 932, pasta 133. 48 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) comunicou a Paranhos que mandara instalar uma guarnição militar argentina em Vila Ocidental, localizada na margem oposta a Assunção, no rio Paraguai (RELATÓRIO, 1872, Anexo I, pp. 120-122). Esse acontecimento levou o governo imperial a explicitar sua postura contrária à posse argentina do Chaco, sendo o marco de uma luta diplomática que se estendeu pelos anos seguintes. O governo argentino esclareceu que não se recusava a tratar a questão do direito sobre o Chaco com o governo paraguaio, nem se negava a discutir a reivindicação boliviana do mesmo. Às autoridades provisórias de Assunção, que protestaram contra a ocupação de Vila Ocidental, Mariano Varela afirmou que a vitória militar não dava direito às nações aliadas de impor limites ao Paraguai. Estes deveriam ser discutidos com o governo permanente que viesse a constituir-se (CAMPOBASSI, 1980, pp. 214-215). O governo argentino aceitava negociar territórios que poderiam ser seus pela vitória militar, porque via na aplicação do Tratado da Tríplice Aliança um instrumento para o Império impor sua tutela ao Paraguai, mas, ao fazê-lo, abandonou as vantagens obtidas com a guerra e deu o argumento que a diplomacia imperial usaria nos anos seguintes para evitar a posse argentina de todo o território do Chaco. Solano López morreu em combate com tropas brasileiras em 1º de maio de 1870 e, no mês seguinte, os representantes Aliados assinaram com o governo provisório protocolo declarando a paz e no qual o Paraguai aceitava, no geral, o Tratado da Tríplice Aliança. Os tratados definitivos 49 Francisco Doratioto de paz seriam assinados pelo futuro governo permanente paraguaio, que poderia, inclusive, propor mudanças ao documento de 1° de maio de 1865. Tanto o Brasil, quanto a Argentina, tinham motivos de satisfação com esse Protocolo, no qual cada Aliado procurava inutilizar a intenção que supunha ser do outro em relação ao Paraguai. Do lado brasileiro, porque se criava a possibilidade de fixar no rio Pilcomaio a fronteira do Paraguai com a Argentina. Esta, por sua vez, conseguiu que o Império aceitasse que apenas o governo permanente paraguaio poderia assinar o tratado de paz, evitando surpresas se a assinatura fosse feita pelas autoridades provisórias, dependentes da diplomacia brasileira. Bartolomé Mitre opôs-se à nova política argentina em relação ao Paraguai. Expôs ao Presidente Sarmiento que o Governo argentino não poderia manter o princípio de que a vitória não dava direitos, quando para reafirmá-los havia travado uma guerra. Sarmiento resolveu alterar essa política, levando Mariano Varela a renunciar ao cargo de Chanceler, em agosto de 1870 (CAMPOBASSI, 1980, p. 215). Seu substituto, Carlos Tejedor, passou a exigir a aplicação do Tratado da Tríplice Aliança para definir os limites argentino-paraguaios. A mudança de política do presidente Sarmiento não foi bem-sucedida. Aprofundaram-se, sim, as divergências aliadas nas negociações que se deram em Assunção com o governo paraguaio. Os representantes aliados eram Manuel Quintana, pela Argentina; o chanceler uruguaio Adolfo Rodríguez e, pelo Brasil, o Barão de Cotegipe. Nas instruções 50 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) dadas a este, o governo imperial não reconhecia ser argentino o território chaquenho até Bahía Negra e afirmava que a solução “conveniente” seria a de que coubesse à Argentina unicamente a área até o rio Pilcomaio12. Nas negociações de Assunção, os representantes brasileiro e uruguaio não apoiaram as reivindicações territoriais argentinas apresentadas ao governo paraguaio. Isolado, Quintana retirou-se do Paraguai, obedecendo as instruções de Tejedor para o caso de os outros representantes aliados se recusarem a ser solidários com a posição argentina nas negociações e defenderem o direito de o país guarani apresentar documentos de sua soberania sobre o Chaco13. A diplomacia argentina favorecia o Império, deixando-lhe campo livre para atingir seus objetivos. O Presidente constitucional paraguaio (em 1870, uma Constituinte elaborou a primeira Carta Magna do país), Salvador Jovellanos, propôs ao barão de Cotegipe o início das negociações de paz em separado. Em fevereiro de 1872 foram assinados os Tratados de Paz; de Limites; de Extradição e de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Paraguai. O Império brasileiro realizou, então, seus objetivos históricos em relação ao Paraguai: as fronteiras foram definidas nos termos perseguidos pelo Rio de Janeiro há duas décadas – restringindo-a, inclusive, ao rio Apa conforme reivindicação tradicional, em lugar de avançar até 12 Instruções ao Barão de Cotegipe, sem data. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missão do Barão de Cotegipe, 272-3-24. Cotegipe substituiu Paranhos no Prata, em virtude deste ter sido nomeado para cheiar o Gabinete brasileiro pelo Imperador Pedro II, que também o distinguiu com o título de Visconde do Rio Branco. 13 TEJEDOR para QUINTANA, Buenos Aires, 29/11/1871. In: CÁRCANO, pp. 494 e 496. 51 Francisco Doratioto o Igurei, como estabelecera o Tratado da Tríplice Aliança – e a livre navegação dos rios internacionais nos termos do Direito Internacional. Esses tratados permitiram, ainda, a continuidade, por tempo indeterminado, da presença de tropas brasileiras em território paraguaio. Essas forças militares respaldavam o controle que a diplomacia imperial exercia sobre a política interna paraguaia, com a finalidade de impedir que o governo do Paraguai fosse exercido por elementos simpáticos à Argentina. Nos anos seguintes, os governantes paraguaios ascenderiam ao poder e nele se manteriam com a aceitação tácita do Império. A paz em separado entre um dos países aliados e o Paraguai era vedada pelo Tratado da Tríplice Aliança, motivando em Buenos Aires críticas generalizadas. Reagindo, o governo argentino designou, em 31 de janeiro de 1872, o General Julio de Vedia como Governador Militar para o Chaco, sediando-o em Vila Ocidental. O chanceler brasileiro, Francisco Correia, levantou a hipótese de que Vila Ocidental, por sua proximidade a Assunção, pudesse tornar-se base de ação argentina para desestabilizar o governo paraguaio. Já o presidente Salvador Jovellanos, protestou contra o ato da Argentina, que classificou de arbitrário, e que não deixava dúvidas sobre “as ideias de anexação que tem a República Argentina quanto ao Paraguai” (BENÍTEZ, pp. 262-263). As relações entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires atingiram, então, seu pior momento desde a guerra contra Rosas. Sem condições militares de enfrentar o Império em um conflito, restou ao governo de Sarmiento buscar a conciliação, enviando Bartolomé Mitre ao Rio de Janeiro. 52 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Figura respeitada nos meios políticos brasileiros, Mitre constatou que o entendimento entre os dois antigos aliados era dificultado pelas desconfianças que o Império possuía das reais intenções da Argentina. Ambos os países armavam-se e a situação era agravada por Bolívia e Chile, que buscavam aproveitar-se dessas divergências para utilizar o Brasil como respaldo para fortalecer suas demandas junto a Buenos Aires. A Bolívia reivindicava posse de parte do Chaco e seu representante na Argentina solicitou ao Barão de Araguaia, representante brasileiro, que o governo imperial não cedesse nas negociações com Mitre, pois a intransigência seria a única forma de levar o governo Sarmiento a desistir de suas pretensões ambiciosas e a relacionar-se “razoavelmente” com os Estados vizinhos14. O governo chileno, por sua vez, propôs ao Império uma aliança militar que “garantisse reciprocamente os direitos que cada um reclama contra as Repúblicas Argentina e da Bolívia”. Esta última, afirmou Ibañez, se aceitas suas reivindicações sobre o Chaco, se aliaria a Brasil e Chile contra a Argentina15. Ciente de que a paz em separado entre Brasil e Paraguai era um fato consumado, Bartolomé Mitre conseguiu sua aceitação por Sarmiento. Em troca, obteve que o governo imperial reafirmasse a vigência do Tratado de 1° de Maio de 1865 e se comprometesse a cooperar “com sua força moral” nas negociações entre os Governos argentino e paraguaio 14 Barão de ARAGUAIA para o chanceler Francisco CORREIA, ofício conidencial, Buenos Aires, 29.7.1872. Arquivo Histórico do Itamaraty, Legação em Buenos Aires, 205-3-15. 15 AGUIAR DE ANDRADA para Francisco CORREIA, ofício reservado, Santiago, 3.6.1872. Arquivo Histórico do Itamaraty, Legação em Santiago, 231-1-2. 53 Francisco Doratioto para a assinatura dos tratados de paz. Na realidade, o acordo não era um grande feito pois continuavam a vigorar os tratados assinados em 1872 entre o Paraguai e o Império, mas Mitre foi recebido triunfalmente na volta a Buenos Aires, talvez por ter afastado a hipótese de guerra entre argentinos e brasileiros. Bartolomé Mitre partiu para Assunção no início de 1873, com instruções de Sarmiento para assinar um tratado de limites em que o Chaco fosse argentino até o Pilcomayo, incluindo Vila Ocidental. A região ao norte desse rio deveria ser submetida à arbitragem internacional e as Missões seriam argentinas. Para a Chancelaria argentina, a posse de Villa Occidental era a base para seu país colonizar o Chaco, enquanto Mitre não via utilidade em mantê-la (SCENNA, p. 247). Nas novas negociações Mitre não obteve apoio do negociador brasileiro, o Barão de Araguaia, pois o governo imperial não alterou sua política quanto ao assunto, exceto em aceitar que a ilha de Atajo, na confluência dos rios Paraguai e Paraná, fosse argentina16. Fracassando em atingir os objetivos determinados por seu governo, Mitre retirou-se de Assunção. Ficava, assim, comprovado que estava morto o projeto do governo Mitre, de uma cooperação entre Brasil e Argentina, no qual a ação conjunta para enfrentar o agressor comum, o ditador paraguaio Francisco Solano López, seria apenas o marco inicial de uma aliança estratégica argentino-brasileira. Na realidade, nos dois países o projeto dessa aliança foi 16 Instruções reservadas do chanceler visconde de CARAVELAS para ARAGUAIA, Rio de Janeiro, 8.3 e 5.6.1873. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missão barão de Araguaia, 272-4-14, maço n° 1. 54 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) encampada por setores políticos minoritários e desgastou-se aceleradamente a partir do desaparecimento de Solano López, em 1870. Os críticos dessa aliança no poder a partir de 1868, Sarmiento e os conservadores brasileiros, passaram a projetar no outro aliado objetivos contrários à soberania do Paraguai. Isso levou as políticas externas argentina e brasileira, em dinâmica realimentadora entre a imagem que criaram e a realidade em boa parte resultante dessa criação, a rivalizarem-se para impor sua influência na reconstrução institucional e na definição territorial do Estado paraguaio no pós-guerra. A Argentina tornou-se o único país da Tríplice Aliança que não havia assinado os tratados de paz com o Paraguai, pois o Uruguai seguiu o exemplo do Império e o fez em separado, em 1873. Em agosto deste ano, o presidente uruguaio Ellaurí enviou José Sienra y Carranza a Assunção, sendo o objetivo de sua missão “eliminar todo vínculo que possa ligar-nos às questões ulteriores do Paraguai”. A diplomacia uruguaia buscava se desvencilhar das divergências entre o Império e a Argentina, já que o país não tinha fronteiras com a República paraguaia e, ao mesmo tempo, buscava assinar um tratado de comércio, com a cláusula de nação favorecida, tendo em vista levar o porto de Montevidéu a substituir o de Buenos Aires no fornecimento de mercadorias à praça comercial de Assunção. Assim, o enviado uruguaio assinou os acordos de paz, ratificados pelo Congresso do seu país na década seguinte, pelos quais o Governo Jovellanos reconheceu a dívida de guerra, tanto pública, quanto privada, para com o Uruguai e, como ressaltou Carranza em 55 Francisco Doratioto carta a seu chanceler, sem constar qualquer referência a um compromisso uruguaio em defender a independência paraguaia17. No Paraguai, findo o mandato do Presidente Jovellanos, foi eleito para o cargo Juan Bautista Gill, que era tido como político de confiança pela diplomacia imperial. Na Argentina, por sua vez, Nicolás Avellaneda assumiu a Presidência da República em outubro de 1874 e retomou as negociações com o Brasil e o Paraguai. Para tanto, enviou Carlos Tejedor ao Rio de Janeiro, que chegou, a um acordo com o Enviado Especial do governo paraguaio, Jaime Sosa Escalada. Pelo acordo, as Missões e a ilha de Atajo seriam territórios argentinos, enquanto o Chaco, ao norte do Pilcomaio, caberia ao Paraguai, exceto Vila Ocidental. Esta localidade e mais um pequeno território adjacente pertenceriam à Argentina, que, em troca, cancelaria a dívida de guerra pública paraguaia para consigo (RELATÓRIO, 1875, suplemento, pp. 22-240). O governo imperial colocou-se contra tal Tratado e, em ação fulminante, conseguiu que o Congresso paraguaio o rejeitasse. A essa altura, o presidente Gill indispusera-se com os comerciantes estrangeiros, principalmente brasileiros, instalados em Assunção, em virtude de medidas fiscais que tomara frente à grave situação econômico-financeira do país. Esses comerciantes contavam com a solidariedade do representante brasileiro, José Felipe Pereira Leal, que desobedeceu instruções do Rio de Janeiro no sentido de manter-se neutro na política interna paraguaia, exceto se 17 SIENRA Y CARRANZA para Gregório Pérez GOMAR, Ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Buenos Aires, 22.8 e 30.9.1873. Archivo General de la Nación – Uruguai, caixa 430, pasta 4a. 56 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) fosse para agir contra ameaça à independência paraguaia18. Pereira Leal estimulou uma sublevação, liderada pelo general Serrano, que fracassou e comprometeu a posição do Império no Paraguai. O presidente Gill buscou, então, sair da órbita de influência do Império e buscou o respaldo da Argentina, graças à postura do governo Avellaneda de reconhecer os desacertos de seu país nas negociações de paz com o Paraguai. O governo argentino deu garantias de apoio a Gill, para que não temesse afastar-se da influência do Império. Avellaneda buscou, ao mesmo tempo, distender as relações com o Brasil19. Preservando-se estas, foram estabelecidos canais secretos para uma negociação direta entre os governos argentino e paraguaio, sem a participação da diplomacia imperial. Em 3 de fevereiro de 1876, o chanceler argentino Bernardo de Irigoyen e o representante paraguaio Facundo Machaín assinaram em Buenos Aires os Tratados de Paz, Limites, Amizade e de Comércio e Navegação. Por eles, o rio Paraguai foi definido como limite entre as duas Repúblicas, sendo que os territórios das Missões e do Chaco Central foram declarados argentinos. O resto do território chaquenho foi dividido em duas porções, com a Argentina renunciando a qualquer pretensão entre Bahía Negra e o rio Verde. Já a área 18 José Felipe PEREIRA LEAL, representante brasileiro no Paraguai, para o chanceler barão de COTEGIPE, Assunção, 23.8.1875. Arquivo Histórico do Itamaraty, Arquivo Barão de Cotegipe, lata 901, pasta 77. 19 Dardo ROCHA, negociador argentino, para o Dr. Pedro A. PARDO, chanceler argentino Assunção, 30.6.1875. Archivo General de la Nación – Argentina, Archivo y Colección Dardo Rocha, legajo 242. PÁDUA FLEURY, representante brasileiro em Buenos Aires, para o chanceler CARAVELAS, Buenos Aires, 30.7.1875. Arquivo Histórico do Itamaraty, Legação em Buenos Aires, 205-4-3. 57 Francisco Doratioto entre este rio e o braço principal do rio Pilcomaio, incluindo Vila Ocidental, seria submetida à arbitragem do presidente dos Estados Unidos. As ilhas de Atajo e Apipé permaneceram com a Argentina e Yaceretá com o Paraguai. Decidiu-se que as forças de ocupação se retirariam do Paraguai até 3 de junho do mesmo ano e foram reconhecidas como dívida de guerra, a serem indenizados pelo Paraguai, os gastos do governo argentino no conflito da década anterior, bem como os prejuízos causados a propriedades públicas e privadas, quando da invasão paraguaia de Corrientes em 1865 (RELATÓRIO, 1877, pp. 35-50). Embora o início das negociações de paz tenha ocorrido à revelia do governo brasileiro, este foi convidado e aceitou enviar um representante que, na realidade, atuou como observador. Ainda assim, esses tratados assinados entre a Argentina e o Paraguai atendiam ao que foi defendido pela diplomacia imperial a partir do retorno do Partido Conservador ao poder, em 1868. Afinal, esses documentos estabeleceram a desocupação simultânea de tropas brasileiras e argentinas, respectivamente de Assunção e de Villa Occidental; reconheceram a dívida de guerra; e, ainda, encontraram solução equilibrada para a questão de limites. O representante brasileiro nas negociações desses tratados, Barão Aguiar de Andrada, analisou-os como a realização dos objetivos do governo imperial, embora a posse pelo Paraguai de Vila Ocidental e território adjacente não se desse de imediato, sendo submetida à arbitragem20. Em 1878, o laudo 20 AGUIAR DE ANDRADA para COTEGIPE, Buenos Aires, 4.2.1876. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missão do Barão Aguiar de Andrada, 271-1-8. 58 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) arbitral do Presidente norte-americano Rutherford Hayes declarou paraguaia essa área litigiosa. Solucionada a questão de limites entre a Argentina e o Paraguai, foi eliminado o principal motivo de tensão nas relações brasileiro-argentinas e a própria disputa pela hegemonia no Rio da Prata se viu reduzida a um acompanhamento defensivo entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires sobre as atuações das respectivas diplomacias no Uruguai e no Paraguai. Afinal, definida a fronteira brasileiro-argentina, o Império atingiria seus principais objetivos na área platina e, ainda, porque a crise do Estado monárquico reduzia sua capacidade em manter uma política ativa nessa região. Ademais, no plano externo, as atenções oficiais brasileiras se voltavam para a exportação de café e para o incremento da imigração europeia de modo a suprir as necessidades de mão de obra da agricultura cafeeira da região sudeste. A Argentina, por seu lado, superada a crise econômica de meados da década de 1870, tinha um contexto econômico internacional bastante favorável, como fornecedora de alimentos, passando a privilegiar suas relações com os países europeus, especialmente com a Grã-Bretanha. No plano interno, foi alcançada a estabilidade política, superando-se os vínculos entre facções internas com outras no Uruguai ou no Paraguai, e os governantes argentinos passaram a dedicar suas atenções para o desenvolvimento da infraestrutura interna e para a ocupação econômica de territórios até então habitados por índios. Estabilizada a situação política regional, o Rio da Prata deixou de ser motivo de preocupações políticas para o 59 Francisco Doratioto Brasil e a Argentina. Por outro lado, a região platina também perdeu importância econômica para ambos, na medida em que os dois países expandiam suas fronteiras agrícolas internas, incorporando novas terras produtivas, e atraíam capitais estrangeiros. Pouco tinham o Uruguai e o Paraguai a oferecer à Argentina e ao Brasil e nada que justificasse uma turbulência nas relações entre estes. De 1876 à frente, o Paraguai deixou de ser considerado prioridade por parte das Chancelarias argentina e brasileira, embora continuasse importante para ambas. Já o Uruguai também se beneficiou com a inserção na divisão internacional do trabalho, como fornecedor de cereais e carnes, e tornou-se mais estável sua situação política interna. Esse país buscou pôr fim à dependência financeira do Império e, a partir de 1871, obteve uma série de empréstimos de bancos de Londres e aumentaram os investimentos britânicos na economia uruguaia. De todo modo, o Império continuou servindo, para a diplomacia uruguaia, como uma espécie de contrapeso à influência da Argentina (CLEMENTE BATALLA, pp. 8-9), função que também era percebida e aceita pelo lado brasileiro. Essa nova realidade se refletiu nas posturas dos governos argentino e imperial. Assim, o presidente Julio Roca, em seu primeiro governo (1880-1886), retomou a orientação de política externa de Mitre, dando mais atenção à presença argentina no Atlântico e buscando aproximar-se do Império brasileiro. Os governantes do Império, por sua vez, já não tinham fortes prevenções contra Buenos Aires. Em 1886, ao findar o mandato de Roca, o barão de Cotegipe, 60 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) chefe do governo brasileiro e que, anteriormente, vira no vizinho argentino uma ameaça, mudou de postura, embora mantivesse certa cautela. Assim, após escrever que não havia motivos para se crer em hostilidade ao Brasil por parte do novo presidente, Juarez Celman, instruiu o representante imperial em Buenos Aires, como medida de prudência, a acompanhar a política externa da nova administração, bem como as medidas militares que tomasse. O resultado desse acompanhamento confirmou a inexistência de intenções hostis por parte de Celman e, em agosto de 1887, o barão de Cotegipe defendeu o governo argentino no Senado imperial, em resposta à inquietude dos senadores quanto à compra de armamentos pela Argentina. Argumentou que esse armamento não tinha finalidade hostil e acrescentou que certamente havia no país vizinho aqueles que não se conteriam frente a uma oportunidade de anexar o Paraguai, mas, contra-argumentou, no Brasil também havia os que ainda lamentavam a independência uruguaia e nem por isso o Império tinha intenção de anexar o Uruguai. Para Cotegipe somente uma “loucura” poderia levar os governos argentino e brasileiro a guerrearem entre si, acrescentando, em referência ao progresso da Argentina, que “não devemos invejar os progressos de outras nações, se por nossa culpa não podemos acompanhá-los ou excedê-los”. Tal opinião tinha eco na imprensa carioca e o jornal O Paiz defendeu, desde 1884, a paz entre os dois Estados e criticou aqueles que se preocupavam apenas em apontar aspectos negativos nos países platinos21. 21 ALENCAR para COTEGIPE, Ofício Reservado, Buenos Aires, 27.11.1886. Arquivo Histórico do Itamaraty, Legação do Brasil em Buenos Aires – Oicios Enviados, 205-4-14. Discurso de COTEGIPE, Sessão do Senado, 12/8/1887. Anais do Senado, 1887, v. IV, p. 191-194. “Guerra?...” e “Falso Patriotismo”. In: 61 Francisco Doratioto Em 1888, em homenagem à data da independência argentina, Machado de Assis escreveu uma crônica no jornal carioca Gazeta de Noticias que retratava os novos tempos nas relações do Império com a Argentina: (…) a nação argentina chegou ao ponto em que se acha, próspera, rica, pacífica, naturalmente ambiciosa de progresso e esplendor. Esqueceu a opressão, desaprendeu a caudilhagem; conhece os benefícios da liberdade e da ordem. Lembro-me daqueles tempos e comparo-os com estes, quando, em vez de soldados que os vão auxiliar a derrocar uma tirania odiosa [Rosas], mandamos-lhe uma simples comissão de jornalistas, uma embaixada da opinião à opinião; tão confiados somos de que não há já entre nós melhor campo de combate. Oxalá caminhem sempre o Império e a República, de mãos dadas, prósperos e amigos22. No Império predominava a opinião de que as relações com a Argentina tinham atingido um novo patamar de entendimento e, ao que tudo indica, essa também era a convicção do lado argentino. O nível de confiança alcançado na relação bilateral permitiu que, em fins de 1888, o chanceler brasileiro Rodrigo Augusto da Silva informasse a Enrique Moreno, representante argentino no Rio de Janeiro, que o Brasil estava disposto a buscar uma solução para a definição da fronteira entre os dois países, de modo a pôr O Paiz, Rio de Janeiro, respectivamente 16.12.1884 e 8.3.1886, p. 1. Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro), microilme PR-SPR-6 (1 e 4). 22 MACHADO DE ASSIS. “O futuro dos argentinos”. In: Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 9.7.1888. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=103730_02&pasta=ano%20 188&pesq=Argentina>. Acesso em: 10/1/2014. 62 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) fim a um fator gerador de desconfianças. Após o fracasso do acordo de limites assinado em 1857, entre o Império e a Confederação, em 1876 ocorreu nova frustração de retomar as negociações sobre o tema, quando o governo imperial recusou proposta argentina, por não respeitar o uti possidetis e porque “tendia a levar a fronteira pelos rios Chapecó e Chopim” (RELATÓRIO, 1885, p. 29). Na realidade, o governo argentino manifestava dúvidas sobre a localização dos rios Pepiriguaçu e Santo Antônio, o que levou ao surgimento da chamada questão de Palmas pelo brasileiro e de Missões, pelo lado argentino. Em 1859 o governo imperial havia criado duas colônias militares para promover a colonização da província do Paraná, mas elas não foram implementadas. Em outubro de 1880 foram nomeadas duas comissões para explorar os Campos de Palmas e propor locais para a instalação dessas colônias. Como resultado dos relatórios dessas comissões, o Ministério da Guerra resolveu instalar uma colônia nas proximidades do rio Chapecó e, outra, na margem direita do rio Chopim, perto de sua confluência com o rio Iguaçu (RELATÓRIO, 1881, p. 44). Em 1882 foram fundadas as colônias militares de Chapecó e de Chopim (idem, 1888, pp. 33-34). A atenção dada pelo Império ao território litigioso – 30.621 quilômetros quadrados – se explica porque nenhum Estado, em condições normais, abre mão de qualquer porção de território, elemento este que é básico para sua existência. Ademais, consolidar como espaço nacional brasileiro o território herdado da expansão colonial portuguesa, era ideia que contribuiu para o entendimento intraelites construído 63 Francisco Doratioto na década de 1840. Por último, os Campos de Palmas de posse argentina criariam uma vulnerabilidade militar para o Império do Brasil, pois representariam uma cunha, quase alcançando litoral atlântico, praticamente separando o sul do sudeste do Brasil. Em caso de guerra, a posse de Palmas pela Argentina permitiria às suas tropas cortar rapidamente a ligação terrestre entre essas duas regiões brasileiras, fragilizando militarmente o Rio Grande do Sul. Para o Império, era vital à sua segurança manter a soberania sobre o território de Palmas, enquanto para a Argentina a área litigiosa não tinha essa importância. Como foi visto, a eleição de Roca à Presidência da Argentina representou a distensão nas relações bilaterais e buscou-se solucionar o litígio fronteiriço. Em 28 de setembro de 1885, foi assinado um tratado entre o Império e a Argentina para esclarecer a real localização de rios em Palmas e explorar o território litigioso. Cada parte nomearia três comissários e três ajudantes, para fazer o “reconhecimento ou exploração dos dois rios brasileiros, dos dois argentinos e do território entre eles compreendido” e a isso “devem limitar-se, sem entrar em questões de direitos ou de preferência”; isto caberia ser feito pelos dois governos, para evitar equívocos ou incompreensões. Em seus trabalhos de campo, os comissários não chegaram a um acordo e o representante argentino no Rio de Janeiro propôs, em fevereiro de 1889, que o território litigioso fosse dividido entre os dois países. A proposta foi recusada por unanimidade pelo Conselho de Estado, que sugeriu que fosse a questão levada a arbitramento. Como 64 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) consequência, representantes do Império e da Argentina assinaram, em Buenos Aires, o Tratado de Arbitramento, de 7 de setembro de 1889, submetendo a contenda de limites à decisão arbitral do presidente dos Estados Unidos. O Tratado foi ratificado pelo Governo Imperial por decreto de 5 de novembro desse ano, mas não chegou a ser implementado devido a deposição da Monarquia poucos dias depois. 65 iii Do americanismo ingênuo ao pragmatismo conciliador Em 15 de novembro de 1889, teve fim o Império do Brasil e instalou-se um governo provisório republicano, liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Os novos donos do poder não tinham plano definido para política externa, exceto o de rejeitar as orientações principais que vinham da diplomacia imperial. Assim, em relação aos Estados Unidos, foi abandonada a postura de cautela anterior quanto à Conferência Pan-Americana de Washington, na qual o governo norte-americano buscava ser reconhecido como líder continental e ter acesso privilegiado ao mercado latino-americano. O governo provisório orientou genericamente o novo representante na Conferência, Salvador de Mendonça, a adotar um “espírito americano”, o que, na prática, significou o alinhamento brasileiro com as posições norte-americanas. Quanto aos países vizinhos, principalmente a Argentina, a postura do governo provisório foi quase de ingenuidade. Em 1870, no Manifesto Republicano de Itu, a oposição republicana 67 Francisco Doratioto lançara a palavra de ordem “somos da América e queremos ser americanos”. Nos anos seguintes, os republicanos acusaram a diplomacia imperial de intervencionista nos países do Prata, o que causaria reações contrárias ao Brasil, e apontavam a própria existência da Monarquia como fator de tensão nas relações com esses países. Por essa lógica, findo o Estado Monárquico se instalaria uma irmandade de nações, pautada pelo republicanismo, e nisso acreditou-se os homens de Estado do início da República brasileira. Essa ingenuidade repercutiu, de imediato, com a Argentina, o primeiro país a reconhecer a República brasileira. Essa rapidez foi proposital, pois o novo chanceler argentino, Estanislao S. Zeballos, era contrário à arbitragem territorial e procurou colocar seu país em posição favorável junto ao governo provisório brasileiro, de modo a este aceitar a divisão do território litigioso. De fato, Quintino Bocaiúva, novo Ministro das Relações Exteriores, respaldado pelos demais ministros e por Deodoro da Fonseca, abandonou o critério do uti possidetis e, em nome da fraternidade sul-americana, aceitou, em tratado assinado em Montevidéu, em 25 de janeiro de 1890, a proposta da Argentina da partilha do território litigioso de Palmas. O acordo causou reação contrária na população e em meios políticos brasileiros e foi rejeitado pela Câmara dos Deputados brasileira, em 10 agosto de 1891. Na Argentina a rejeição não foi vista como manifestação de hostilidade mas, sim, como divergência em uma questão que, afinal, dizia respeito à identificação de rios que definiriam os limites. Os governos argentino e brasileiro concordaram em retomar o acordo de 1889 e a 68 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) decisão do litígio territorial passou a ser responsabilidade do árbitro, o presidente dos Estados Unidos. A delegação argentina encarregada de defender o pleito argentino em Washington foi chefiada por Estanislao Zeballos, enquanto a do Brasil tinha à sua frente o barão Aguiar de Andrada, que faleceu logo no início dos trabalhos. O presidente Floriano Peixoto o substituiu por José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, até então cônsul em Liverpool, na Inglaterra, sem experiência diplomática, e conhecido por ser filho do Visconde do Rio Branco, um dos estadistas do Brasil Império. Era uma decisão surpreendente, não somente pela inexperiência diplomática do Barão do Rio Branco como também porque, durante os governos de Deodoro e Floriano, houve verdadeira caça a monarquistas, que foram destituídos dos cargos públicos que ocupavam, bem como funcionários que não se mostrassem entusiastas adesistas da nova realidade política. O barão do Rio Branco, no entanto, não repudiou suas convicções monárquicas, não praticou o adesismo mas, ao mesmo tempo, não hostilizou a nova realidade política brasileira. Rio Branco reafirmou, inclusive, parte de suas convicções ao criticar, de forma sutil, as posturas idealistas e voluntaristas em política externa e os atentados às liberdades individuais no início da República brasileira. Ele escreveu a Rui Barbosa: A questão hoje, como V. Exa. disse em um telegrama, não é mais entre Monarquia e República, mas entre República e Anarquia. Que o novo regime consiga manter a ordem, assegurar, como o anterior, 69 Francisco Doratioto a integridade, a prosperidade e a glória do nosso grande e caro Brasil, e ao mesmo tempo consolidar as liberdades que nos legaram nossos pais – e que não se encontram em muitas das intituladas repúblicas hispano-americanas – é o que sinceramente desejo (VIANA FILHO, p. 151). Essa habilidade de Rio Branco, que o manteve a salvo das perseguições políticas, seria aplicada na defesa da posição brasileira na questão de Palmas. Ele chegou a Washington em junho de 1893 e dispunha, além de seus conhecimentos históricos e cartográficos, de estudos anteriores, principalmente os “Apontamentos relativos à negociação do Tratado de Limites do Império do Brasil com a Confederação Argentina”, de Duarte da Ponte Ribeiro, de 1876, que contava com base documental. Dispondo de uma equipe de colaboradores, Rio Branco trabalhou em ritmo exaustivo e escreveu a exposição da posição brasileira. A questão era basicamente cartográfica, a de identificar os rios de cabeceiras opostas, denominados Peperi-Guaçu e Santo Antonio, que desaguavam no Iguaçu e no Uruguai. A polêmica resultava do equívoco de demarcadores espanhóis, da segunda missão demarcadora da década de 1750, que induzia a crer que os aqueles dois rios de cabeceiras opostas eram, na realidade, o Chapecó e o Chopim. Pesquisas orientadas por Rio Branco levaram à descoberta, na Espanha, do original Mapa das Cortes, de 1749, que orientou as negociações do Tratado de Madri, e da Instrução aos Demarcadores espanhóis, de 1758. Os originais demonstraram que não eram fiéis cópias desses documentos aquelas usadas pelo lado argentino para 70 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) embasar sua posição. Esta não resultava de má-fé, mas, sim, dos erros do trabalho de cópia realizado anteriormente (CARVALHO, p. 195). Em fevereiro de 1895, o laudo arbitral do presidente Cleveland foi totalmente favorável à posição brasileira; posteriormente, o próprio Zeballos reconheceu que o Brasil tinha razão. Apesar da grave situação política interna, Floriano Peixoto retomou a diretriz da diplomacia imperial de conter a influência argentina no Rio da Prata. No Paraguai, na sucessão do presidente Juan Gualberto González, o Partido Colorado, que estava no poder, dividiu-se em duas tendências, uma ligada ao general Bernardino Caballero, ex-presidente próximo ao Brasil, e do general Egusquiza. No início de 1894, o governo Floriano enviou o senador Amaro Cavalcanti como novo representante brasileiro no Paraguai, com instruções do chanceler Alexandre Cassiano do Nascimento. Nelas afirmava que o general Caballero tinha mais probabilidade de ser eleito e “é (...) muito amigo do Brasil. Sincero ou não, convém-no, porque não goza da simpatia do governo argentino”. O apoio da diplomacia brasileira à candidatura de Caballero, continuava o chanceler, era desejo pessoal do presidente, Floriano Peixoto. Floriano assegurara, pessoalmente, a Cavalcanti que, na sua missão, disporia das canhoneiras brasileiras fundeadas no porto de Assunção e “dos recursos pecuniários que fossem precisos”23. 23 Chanceler Cassiano do NASCIMENTO para CAVALCANTI. Ofício reservado, Rio de Janeiro, 14.02.1894. Arquivo Histórico do Itamaraty, 201-4-11. CAVALCANTI para NASCIMENTO. Ofício reservado, Assunção, 17.03.1894. AHI, 201-205. 71 Francisco Doratioto Na realidade, fortalecera-se a candidatura presidencial de José Segundo Decoud, também do Partido colorado e cunhado do presidente Juan Gualberto González, que o apoiava. Cavalcanti classificou Decoud como “homem hábil e dissimulado, e é aqui crença geral [que] se ele fosse eleito [presidente], seria uma desgraça para as nossas relações com o Prata”24. Reavivava-se, assim, antiga acusação contra Decoud, originada das lutas políticas paraguaias no imediato pós-guerra contra esse político, de ser inimigo do Brasil. Cavalcanti estimulou e apoiou um golpe de Estado no Paraguai, em 1894, contra o presidente Juan Gualberto González para evitar que o seu apoio tornasse vitoriosa a candidatura à de Decoud. Ao que tudo indica, esse golpe já estava sendo articulado e seus autores – os generais Caballero, Escobar e Egusquiza – aproveitaram-se da preocupação do governo Floriano para obter apoio e vantagens extras. A situação interna brasileira, com contestações a Floriano Peixoto por manter-se, apesar de ter sido eleito vice-presidente, no poder após a renúncia de Deodoro da Fonseca à Presidência, influenciou nas relações entre o Brasil e o Uruguai. O governo de Floriano deu o beneplácito ao retorno de Júlio de Castilhos à Presidência do Rio Grande do Sul, em janeiro de 1893. Castilhos combateu a Revolução Federalista, de tendência parlamentarista e chefiada por Silveira Martins, que encontrava refúgio no Uruguai. Castilhos “impôs-se além dos do âmbito das fronteiras estaduais, interferindo [...] nas tratativas políticas com governos estrangeiros”. 24 CAVALCANTI para NASCIMENTO. Ofício reservado, Assunção, 17.03.1894. AHI, 201-205. 72 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Conforme Reckziegel (pp. 209-210, 266), Castilhos e Borges de Medeiros, seu seguidor e sucessor, praticaram uma “diplomacia marginal” que, na realidade, condicionou, até 1904, o relacionamento do Brasil com o Uruguai, a ponto de obter a nomeação de diplomatas para a Legação brasileira em Montevidéu, “que passaram a ser relacionados aos interesses do governo rio-grandense”. Com isso, o governo brasileiro sofreu desgastes e dificuldades para conseguir assinar, em 1896, um acordo comercial e outro referente à dívida do Uruguai para com o Brasil. A chamada República das Espadas brasileira teve fim em novembro de 1894, quando um civil, o cafeicultor paulista Prudente de Moraes, assumiu a Presidência da República. A presença brasileira no Prata era discreta, quase protocolar, pois a ação governamental dedicava-se a enfrentar a Revolução Federalista; o movimento de Canudos e, no plano internacional, de questões financeiras, comerciais e ameaças à soberania territorial ao norte do país. Seu sucessor, Campos Sales, recebeu no Rio de Janeiro, em 1899, a visita do presidente da Argentina, Júlio Roca, que foi a primeira de um chefe de Estado estrangeiro na história do Brasil até então. A Argentina tinha, então, maior presença internacional, pois era mais próspera, contando com renda per capita de 2.700 dólares, enquanto a brasileira era de apenas 700 dólares; a mesma desproporção ocorria no plano militar. Em retribuição, Campos Sales visitou Buenos Aires em 1900 e, apesar dessas visitas não resultarem em acordos práticos, o valor delas se encontrava no simbolismo político. Elas demonstravam o interesse de Brasil e Argentina de 73 Francisco Doratioto manterem relações amistosas, de cooperação, indo contra a “força profunda” da desconfiança mútua que predominava, em amplos círculos, nos dois países. Esse ambiente político não impediu, porém, divergências comerciais. No final de 1900, ocorreu a chamada “guerra das farinhas”, a qual o governo Campos Sales também utilizou como um instrumento de pressão para arrancar da Argentina facilidades para o acesso a seu mercado de produtos brasileiros. Como consequência, o governo argentino atendeu ao pedido do governo Campos Sales de redução do imposto de importação sobre o café brasileiro. O comércio bilateral manteve-se dinâmico e, nos primeiros anos do século XX, o Brasil foi o quinto maior mercado para os produtos argentinos e o sétimo maior vendedor para a Argentina. No início do século XX, foram atualizadas as diretrizes da política externa brasileira para o Prata que tinham sido aplicadas em boa parte do século XIX, à exceção dos anos iniciais da República brasileira. Essa atualização e adaptação para a nova realidade regional e internacional foi feita por José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que em 1902 foi nomeado para o cargo de ministro das Relações Exteriores, no qual se manteria até sua morte, em 1912. Ele vinha de Berlim, onde representara o Brasil junto ao Império Alemão e tomara contato com a questão acreana, pois o Bolivian Syndicate tentou interessar banqueiros alemães na aventura amazônica, mas Rio Branco intercedeu junto ao governo alemão para evitar que isso ocorresse. Essa experiência somava-se a ter assistido, desde 74 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) sua chegada à Europa em 1876, o imperialismo europeu se apossar da África e se impor em quase toda a Ásia. Ele temia que essa ação imperialista europeia também pudesse ocorrer na América do Sul, em busca de terras para colonizar, e se aproveitaria para tanto do enfraquecimento dos países sul-americanos, no caso de neles haver a continuidade das disputas internas. Rio Branco não acreditava que, neste caso, os Estados Unidos aplicassem a Doutrina Monroe, pois também neste país haveria excesso de população e nele já se defendia “o direito de desapropriação pelos mais fortes dos povos mais incompetentes”25. A maior ameaça potencial ao Brasil, no início do século XX, não vinha dos Estados Unidos mas, sim, de potências europeias, como a França e Inglaterra, cujos intentos expansionistas sobre a Amazônia brasileira acabavam de ser demonstrados na questão do Amapá e do Pirara. Pragmático, Rio Branco viu nos EUA um instrumento para a contenção de eventuais tentativas de intervenção europeia na América do Sul e aprofundou o movimento de aproximação existente entre os dois países, utilizando-o na defesa dos interesses brasileiros, quer em relação ao “risco” europeu, quer como contraponto à projeção internacional da Argentina. Conforme Clodoaldo Bueno (2003, p. 483), a postura do barão em relação aos EUA “buscou sempre a prática de uma política de cordialidade e criação de relações de simpatia, mas não à custa de concessões”. Ela se harmonizava com os interesses do eixo econômico e político brasileiro, centrado nos setores agroexportadores de café da região sudeste, daí 25 Despacho para a Legação brasileira em Buenos Aires, 22.11.1904 apud. CONDURU, p. 68. 75 Francisco Doratioto Rio Branco manter-se, por dez anos consecutivos, no posto de chanceler (BUENO, 1986/1987, p. 17). O barão do Rio Branco via o Brasil em posição de destaque na América do Sul, como consequência de sua própria dimensão territorial, do potencial econômico, da situação demográfica e, mesmo, de sua história. Antes, porém, o país devia superar os problemas que limitavam sua ação internacional que eram: a definição de fronteiras; a restituição do valor primitivo de sua ação internacional e a reconquista da credibilidade e do prestígio do país, abalados por dez anos de conflitos internos, de desmoronamento financeiro e de flutuação dos rumos seguidos26. Para tanto, além de consolidar o redirecionamento da política externa brasileira da área de influência europeia para a dos Estados Unidos, aproveitou-se das contradições entre este e a Grã-Bretanha, decorrentes da disputa entre ambos pela preponderância comercial e pela hegemonia política na América do Sul. Nos dez anos à frente do Itamaraty, Rio Branco estabeleceu política coerente, segura e inovadora em relação aos países sul-americanos, particularmente no Rio da Prata. Os dois princípios básicos dessa política eram o de abstenção nos assuntos internos das nações vizinhas e o de favorecer a estabilidade política regional, prestigiando os governos constitucionais, quaisquer que fossem eles. Eram princípios inovadores para a região platina, na qual, durante o Império e no início da República, a diplomacia 26 Pandiá CALÓGERAS. Sessão da Câmara de 24.10.1912. Anais da Câmara dos Deputados, 1912, v. XII, p. 487, 490. 76 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) brasileira tomava partido. Isto, porém, ocorreu em um contexto diferente, de instabilidades políticas e guerras civis, partes do processo de construção dos Estados Nacionais, que direta ou indiretamente transbordavam para o lado brasileiro; no início do século XX isso não mais ocorria. Nos anos de 1903 e 1904 apresentaram-se situações, no Uruguai e no Paraguai, que permitiram a Rio Branco colocar em prática essa nova orientação da política externa brasileira. Nesse primeiro ano, no Uruguai, o Partido Blanco rebelou-se contra o governo dos colorados, há 35 anos no poder. Os blancos eram, historicamente, próximos da Argentina, enquanto os colorados o eram do Brasil. Pacificada a situação, no ano seguinte, em 1904, novamente os blancos se sublevaram contra o governo colorado do presidente José Batlle y Ordoñez. A sequência de agitações políticas uruguaias, com suas repercussões negativas na economia, levou, inclusive, a que em Montevidéu houvesse aqueles que acreditassem que a única forma de se chegar à paz fosse o próprio fim da independência do Uruguai27. Os governos argentino e brasileiro, porém, adotaram postura cautelosa na guerra civil uruguaia, apesar de ela comprometer interesses comerciais de seus países. Rio Branco não interviu em favor do governo uruguaio, apesar de suas boas relações com o Brasil e, ainda, de ser informado pela Legação brasileira em Buenos Aires que as autoridades argentinas eram simpáticas aos rebeldes28. 27 CHAYLARD, M. Du. Ministro Plenipotenciário francês, ao Ministro das Relações Exteriores da França, Montevideo, 29/1/1904. In: NAHUM (b), p. 185. 28 AZEVEDO para RIO BRANCO, ofício “conidencial (reservadíssimo)” n. 4, Buenos Aires, 15.8.1904. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Buenos Aires, 206-1-13. 77 Francisco Doratioto Também solicitou, em dezembro de 1903, ao presidente Borges de Medeiros medidas na fronteira que garantissem a neutralidade do Rio Grande do Sul na disputa uruguaia. Essa neutralidade foi mantida em 1904, pois os federalistas em território uruguaio já não mais representavam ameaça ao governo rio-grandense e, ainda, porque as lutas no Uruguai “também tinham atingido as classes conservadoras”, inclusive os estancieiros brasileiros, que tiveram perdas patrimoniais. A guerra civil de 1904 terminou em setembro, com a vitória do governo constitucional de Batlle. Para o Brasil, era o fim de uma época em que o Rio Grande do Sul “exerceu funções de verdadeiro estado autônomo no que diz respeito à condução da política externa, determinando as conveniências e o perfil da diplomacia brasileira no Uruguai” (RECKZIEGEL, pp. 259-261). A situação platina ficou ainda mais delicada para o Brasil quando, antes de finalizar a luta no Uruguai, iniciou-se no Paraguai movimento armado da oposição liberal para depor o Presidente Juan Escurra, do Partido Colorado. Os líderes dessa agremiação política controlavam o poder há três décadas e aceitavam a influência brasileira no país. Estavam ameaçados, portanto, dois governos de partidos políticos próximos ao Brasil. Se no caso uruguaio eram discretas as simpatias argentinas pelos sublevados blancos, o mesmo não ocorria no caso paraguaio, onde havia envolvimento oficial argentino em favor dos revolucionários liberais. Estes vieram da Argentina no barco Sajonia, comprado nesse país; os oficiais que prepararam a revolução eram paraguaios servindo na Marinha argentina e os canhões utilizados pelos rebeldes saíram do Arsenal de Guerra argentino, em Buenos 78 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Aires, transportados em carretas militares. Desta capital, a Legação brasileira confirmou a conivência argentina com os sublevados paraguaios, acrescentando que o presidente Roca antecipara-se ao início da revolução no Paraguai, anunciando-a a um amigo29. Nesse momento, o Brasil não tinha condições de evitar a alteração do status quo regional e de manter a hegemonia que desfrutara no Prata durante parte do século XIX. De fato, economicamente estava em inferioridade em relação à próspera Argentina, o mesmo ocorrendo no plano militar. Esta enfrentara, no final do século XIX, situação de tensão com o Chile e, como consequência, estava bem armada, apesar de, em novembro de 1902, os Pactos de Mayo, assinados entre os dois países, congelarem as compras navais de ambos. Graças à lei do serviço militar obrigatório, de dezembro de 1902, a Argentina podia também mobilizar grande número de soldados. Enquanto isso, o Brasil estava quase desarmado, com sua Marinha de Guerra reduzida a proporções mínimas, devido aos distúrbios políticos ocorridos durante a “República das Espadas” (BUENO, 1982, p. 23) O serviço militar obrigatório foi criado somente em 1906, pelo presidente Afonso Pena, e implementado já durante a Primeira Guerra Mundial. Como resultado, o Exército, até esta data, era composto por soldados analfabetos, incapazes de entender o conceito de disciplina, exceto por meio de punições violentas30 (SÁ, 1905, p. 28). 29 Ibidem. 30 SÁ, Capitão Augusto. “Exércitos regionaes ou o problema de uma organisação para nosso Exército”. Porto Alegre: [sn] 1905, p. 28 apud. McCANANN, Frank D. “The formative period of twentieth-century brazilian Army thought, 1900-1912”. Hispanic American Historical Review. Duke University Press, v. 64, n. 4, 1984. 79 Francisco Doratioto A rebelião no Paraguai levou o Brasil e reforçar, em setembro de 1904, sua presença militar em Assunção, com a chegada da canhoneira Fernandes Vieira. Rio Branco instruiu o representante brasileiro nessa cidade, Brazílio Itiberê da Cunha, a ficar ao lado do governo paraguaio, procurando uma solução conciliatória que não enfraquecesse a autoridade legal. O Brasil, afirmou Rio Branco, não tinha preferência partidária, desejando, sim, que a ordem e a paz fossem restabelecidas. O “espetáculo [da] revolução triunfante é desmoralizador [e] desacredita nosso continente”. A Legação brasileira foi instruída a atuar, em ação comum com a da Argentina e as de outros países, para impedir o bombardeio da capital paraguaia pelos revolucionários31. Nos meses de outubro a dezembro de 1904, o Barão do Rio Branco, na sua correspondência com a Legação em Assunção, deixou clara não somente a nova orientação da política brasileira em relação ao Paraguai, mas, também, com respeito à América do Sul. Ele escreveu, em fins de outubro, desejar a vitória do governo legal, pois “as acomodações com os revolucionários são um incentivo para novas revoluções”. Repetiu que “esse espetáculo de constantes revoluções e pronunciamentos é desmoralizador para a América do Sul”32. O Brasil desejava, “sinceramente”, que seus vizinhos se enriquecessem e se tornassem fortes pela paz e pelo trabalho. Somente assim evitar-se-ia que, “em futuro mais 31 RIO BRANCO para ITIBERÊ DA CUNHA, telegrama 4, Petrópolis, 15.9.1904. Anexo ao Ofício Reservado n. 8, Assunção, 19.9.1904. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção, 201-2-8. 32 RIO BRANCO para ITIBERÊ DA CUNHA, ofícios reservados n. 1 e 2, Rio de Janeiro, 29.10 e 19.12.1904. Idem, Despachos, 202-1-1. 80 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) ou menos próximo”, as grandes potências quisessem aplicar à América do Sul “o chamado ‘direito de [ex]propriação dos povos incompetentes’, proclamado ultimamente”. Para evitar semelhante perigo, “é preciso que se encerre o período dos pronunciamentos e guerras civis”. Assim sendo, “nas ocasiões de crise interna, devemos prestar sempre o nosso apoio moral aos governos legais dessa República”33. A prosperidade e a estabilidade política dos países sul-americanos não dariam oportunidade a intervenções de potências extrarregionais. Eventuais intervenções seriam prejudiciais ao Brasil, quer por se constituírem em precedente que poderia ser utilizado contra o país – que há pouco sofrera conflitos internos –, quer porque inviabilizaria o projeto de Rio Branco, o de tornar a América do Sul espaço geopolítico de liderança brasileira. Esta não resultaria de imposição, seria desprovida de objetivos expansionistas ou intervencionistas, constituindo-se mediante o reconhecimento pelos vizinhos do Brasil como país líder na busca da estabilidade regional e na defesa de todos frente a ações agressivas pelas grandes potências. Para alcançar essa dimensão regional para o Brasil, Rio Branco aceitava um equilíbrio de poder com a Argentina no Prata, como o demonstra o fato de se recusar a oferecer apoio militar ao governo paraguaio, para evitar a vitória da revolução liberal. O Paraguai era o “gambito do rei” no xadrez geopolítico armado por Rio Branco, sendo sacrificado à influência de Buenos Aires, em favor do entendimento argentino-brasileiro. Ademais, no tabuleiro havia também o Uruguai, 33 Ibidem, ofício reservado n. 3, Rio de Janeiro, 19.12.1904. Ibid. 81 Francisco Doratioto que se inclinava a favor do Brasil no Prata (CLEMENTE BATALLA, p. 15) e ao qual Rio Branco concedeu o condomínio da Lagoa Mirim, em 1909, permitindo contrapor os ganhos de influência argentina no Paraguai e garantindo um equilíbrio de forças no Rio da Prata. Na América do Sul, porém, caso se concretizasse o plano de Rio Branco, o Brasil teria posição de liderança, graças às históricas relações de amizade do Brasil com o Chile, em contraste com as também históricas desconfianças entre chilenos e argentinos. Ademais, as relações privilegiadas entre o Brasil e os Estados Unidos constituíam outro instrumento em favor da liderança brasileira. Pode-se mesmo interpretar a orientação da política externa brasileira implementada por Rio Branco, bem como as características de sua personalidade, como uma projeção do Brasil monárquico sobre o republicano. Assim, o projeto de Rio Branco do Brasil potência regional, próximo do país hegemônico central, os Estados Unidos, mas guardando-lhe relativa autonomia, já fora implantado a partir do final da década de 1840 pelo chanceler conservador Paulino Soares de Sousa, quanto à Grã-Bretanha. O Barão do Rio Branco fazia parte de uma geração intelectual que tinha “temor obsessivo” de que o Brasil sofresse invasão das potências expansionistas, perdendo autonomia ou parte de território. Os intelectuais brasileiros da época ficaram impressionados com o espetáculo imperialista das grandes potências dividindo entre si territórios estrangeiros e, ainda, da presença, no Brasil, de grande quantidade de imigrantes, em um país com amplos 82 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) espaços vazios, passíveis de conquista. Esses intelectuais assumiram, então, uma postura de alarme e defesa, “dando o melhor de si para aliviar a nação dessa aflição que em parte eles mesmos geraram” (SEVCENKO, p. 84). Apenas em parte, pois, de fato, os países latino-americanos poderiam sofrer ações imperialistas, caso não contassem com estruturas estatais que se fizessem respeitar e não soubessem tirar proveito das rivalidades entre as grandes potências. Estas possibilidades estão demonstradas pelas tentativas da França e Inglaterra de se expandirem em direção ao Amazonas; da aventura de especuladores privados europeus e norte-americanos ao criarem o Bolivian Syndicate e quase tornarem o Acre um Estado-empresa ou, ainda, da atuação dos Estados Unidos pelo desmembramento da Colômbia e a criação do Panamá. Daí, portanto, a postura defensiva e pacifista de Rio Branco, para a qual também contribuiu, mas não de forma preponderante, a debilidade militar brasileira. Ao representante argentino no Rio de Janeiro, Manuel Gorostiaga, o Barão do Rio Branco afirmou ser uma exigência e um dever que a Argentina e o Brasil mantivessem em paz os países vizinhos. Não apenas para se precaverem de tentativas de estimular a discórdia entre argentinos e brasileiros, mas também porque a continuidade de revoluções nessas nações poderia produzir “a intervenção de alguma potência europeia pouco escrupulosa”. Rio Branco insistiu junto a Gorostiaga, em diferentes ocasiões, sobre a conveniência e necessidade de um acordo permanente entre Brasil e Argentina para se manter a paz na região. Em todas as conversas com o 83 Francisco Doratioto representante argentino, o chanceler brasileiro afirmava que “a paz e a harmonia destas repúblicas [americanas] são nossa salvação”34. Em 12 de dezembro de 1904, com a intermediação do corpo diplomático coordenado pelos representantes argentino e brasileiro, foi assinado no Paraguai o acordo de paz, posteriormente conhecido como Pacto de Pilcomayo, pelo qual os liberais revoltosos ascenderam ao poder. Ao comentar o fato, Rio Branco escreveu que não houvera uma pacificação, mas, sim, a rendição do Governo legal e foi profético: O resultado há de ser, em futuro mais ou menos próximo, outra revolução. A guerra civil há de ser uma indústria explorada no Paraguai e [em] outros países do nosso continente, enquanto houver revoluções vencedoras e arranjo vantajoso para os revolucionários35. Rio Branco era cético quanto aos políticos paraguaios em geral e aos novos donos do poder em particular; via-os como exploradores e instigadores de rivalidade entre Brasil e Argentina. No entanto, defendia que o papel da diplomacia brasileira era o de “prestigiar” as autoridades legais paraguaias e aconselhar a adoção de um espírito conciliatório. Escreveu Rio Branco que: 34 Manuel GOROSTIAGA para Carlos Rodríguez LARRETA, Ministro de Relações Exteriores da Argentina, Nota 274, Petrópolis, 9.11.1904. Archivo del Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto (Argentina), Legaciones Argentinas - Paraguay [sic], Caixa 852. 35 RIO BRANCO para ITIBERÊ DA CUNHA, ofício reservado 1, Rio de Janeiro, 14.1.1905. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção – Despachos, 202-1-1. 84 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Não temos e não devemos ter preferência por partido algum. O Brasil é e quer ser amigo do Paraguai, quaisquer que sejam os homens que o governem. Não há conflito de interesses entre os dois países. Não temos a pretensão de exercer influência política em nenhum dos Estados limítrofes. O que desejamos mui sincera e convencidamente é que todos eles vivam em paz, prosperem e enriqueçam. Um vizinho turbulento é sempre um vizinho incômodo e perigoso36. Na concepção de Rio Branco, analisa Ricupero, o Brasil deveria estreitar os vínculos com os países vizinhos e, simultaneamente, com os Estados Unidos. A política brasileira deveria ser de aproximar e harmonizar a política norte-americana e a latino-americana. A partir dessa premissa, Rio Branco esforçou-se por ser o intérprete, junto aos países latino-americanos, da política norte-americana e, ao mesmo tempo, apresentar o Brasil como vinculado à América Latina, conforme demonstrou a intermediação do Itamaraty no “caso Alsop” (1907), para evitar o rompimento de relações entre os Estados Unidos e o Chile (RICUPERO, 1995, p. 93). Favorável ao entendimento com a Argentina no Prata, precavido quanto a situações artificiais que buscavam reavivar a rivalidade argentino-brasileira, Rio Branco mantinha-se, porém, cauteloso quanto a seu maior vizinho do sul. Demonstra-o sua postura quanto à dívida de guerra que o Paraguai tinha com o Brasil, em decorrência das invasões do Mato Grosso (1864) e Rio Grande do Sul (1865) 36 RIO BRANCO para CUNHA, ofício reservado 3, Rio de Janeiro, 1.2.1905. Idem. 85 Francisco Doratioto promovidas por Francisco Solano López, que marcaram o início dos cinco anos de conflito entre a Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) e o país guarani. Essa dívida era enorme e nenhuma parcela foi paga pelos governos paraguaios pós-1870, o que levou a Legação brasileira em Assunção a propor a Rio Branco, em 1907, seu cancelamento. Essa iniciativa, argumentava a representação diplomática, era uma forma de melhorar a posição do Brasil no Paraguai onde, desde 1904, a influência argentina era esmagadora37. Rio Branco se colocou contrário a essa ideia, argumentando ser ela uma garantia da independência do Paraguai, pois intimidava a Argentina de tentar anexá-lo. O governo argentino sabia que teria de responsabilizar-se por esse débito de guerra, que seria cobrado imediatamente, caso anexasse o Paraguai38. A cautela de Rio Branco em relação à Argentina explica-se pela falta de entusiasmo desse vizinho quanto a uma ação política em harmonia com o Brasil. As relações bilaterais deterioraram-se e, em 1908, atingiram seu pior momento desde o início do século, como consequência das desconfianças geradas em Buenos Aires sobre o programa de rearmamento naval brasileiro. O fim das disputas internas e o saneamento das finanças federais permitiram ao Presidente Rodrigues Alves reorganizar as forças armadas brasileiras. Foi iniciado um programa no qual ressaltavam a reforma do ensino militar; a instalação de uma fábrica 37 Félix BOCAYÚVA, ofício reservado, Assunção, 8.6.1907. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção, 201-2-10. 38 RIO BRANCO para BOCAYÚVA, ofício reservado 3, Rio de Janeiro, 28.9.1907. Ibidem, Despachos, 202-1-1. 86 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) moderna de pólvora; de moderno arsenal próximo do Rio de Janeiro e a construção de linhas estratégicas militares. Em dezembro de 1904 uma lei autorizou o governo brasileiro a encomendar a construção de três navios encouraçados – os Dreadgnouth – de 12.000 a 15.000 toneladas, os mais poderosos da época; três cruzadores de 9.200 a 9.700 toneladas; seis contratorpedeiros; três submarinos e, ainda, navios auxiliares (BELLO, p. 45). Rio Branco preferia, no lugar dos Dreadgnouth, comprar encouraçados menores. Deste modo, ainda que se perdessem duas dessas belonaves em combate, restariam outras quatro ou cinco. De todo modo, o que o Chanceler brasileiro desejava era um rápido aumento da armada brasileira, para superar a da Argentina, sem fins agressivos, mas como medida cautelar. Clodoaldo Bueno (1982, pp. 14-26, p. 33), por outro lado, levanta a hipótese de que a reorganização da Marinha foi projetada com vistas a criar contrapeso ao domínio do Exército no cenário interno brasileiro, existente desde as Presidências de Deodoro e Floriano. Para o rearmamento naval brasileiro pode, também, ter contribuído a impotência a que o Brasil viu-se reduzido, em 1905, quando da violação de sua soberania com o “caso Panther”. Este era um encouraçado alemão com capacidade de combate superior às belonaves brasileiras que permaneceu por 19 dias em Itajaí, nas costas de Santa Catarina, sem autorização, e tripulantes desceram a terra, procurando imigrantes alemães que não estavam em dia com o serviço militar em seu país. O acontecimento impactou os homens de Estado brasileiros; o almirante 87 Francisco Doratioto Calheiros da Graça escreveu, em janeiro de 1906, na revista Século XX, que a Marinha brasileira representava, então, “restos do que possuíamos há vinte anos passados”. Os avanços tecnológicos na área naval tornaram obsoletas as belonaves brasileiras, “que figuram no primeiro plano para a defesa da honra nacional” (apud. BUENO, 1982, p. 53). Enquanto isso, a Argentina tinha, desde o início do século XX, uma Escola Superior de Guerra que trabalhava com planos precisos, calculando as possibilidades bélicas próprias e de outros países. Os estudos dessa Escola consideravam que o triângulo vital brasileiro – Rio-São Paulo-Minas Gerais –, distante da fronteira, era inacessível para os meios militares da época. Buenos Aires-Santa Fé-Córdoba, o triângulo vital argentino, estava, por sua vez, próximo da linha fronteiriça, portanto vulnerável. Como consequência, os teóricos argentinos adotaram uma postura defensiva e, em lugar de planejarem uma invasão do Rio Grande do Sul, elaboraram uma primeira linha de defesa no rio Uruguai e uma segunda, definitiva, no rio Paraná, cobrindo seu triângulo vital. Esse plano considerava perdida, em caso de guerra com o Brasil, a região entre esses dois rios – a Mesopotâmia argentina – e toda a tática defensiva levava implícito o espírito da derrota. Desde então a Mesopotâmia argentina foi condenada a um prudente distanciamento do resto do país e, para dificultar sua invasão por forças brasileiras, evitou-se construir pontes sobre o rio Paraguai, que unissem a Argentina e o Brasil. As províncias de Misiones, Corrientes e Entre Ríos, vistas como um potencial campo de batalha, tiveram, assim, retardadas a integração ao resto do país (SCENNA, p. 295). 88 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Brasil e Argentina, antes de representarem ameaças mútuas reais, viam-se como tais e a partir desse pressuposto, armavam-se contra a esperada agressão. Assim, a partir de 1905, quer pela conjunção dos fatores citados anteriormente, quer pelo predomínio de um deles, o Brasil passou a rearmarse e a Argentina respondeu fazendo o mesmo, jogando os dois países em uma corrida armamentista nos anos seguintes. Ainda assim, no final de 1908 o Brasil continuava despreparado para um enfrentamento militar com a Argentina. Em dezembro desse ano, Rio Branco escreveu para Domício da Gama, representante brasileiro em Buenos Aires, que o estado da defesa brasileira era “lamentável”: “nossa fraquíssima esquadra está quase sem munições para combate” e, quanto ao Exército, “não estamos em menos deploráveis condições” (VIANA FILHO, p. 398). Frente a tal situação, o governo brasileiro telegrafou a fornecedores britânicos solicitando urgência na entrega de munições para a esquadra. Essa entrega era, segundo Rio Branco, “indispensável para alguma honrosa ainda que inútil resistência”. O barão acreditava que, durante a construção das unidades navais encomendadas pelo Brasil no exterior, poderia “o tresloucado governo Alcorta pensar em alguma agressão – ideia essa discutida em Buenos Aires há dois anos”. Como consequência, o chanceler solicitou ao presidente Rodrigues Alves, embora não fosse atendido, a compra de alguns navios de guerra britânicos, de modo que o Brasil dispusesse, imediatamente, de uma esquadra superior à da Argentina, “pondo-nos ao abrigo de qualquer premeditado insulto”. Ademais, reclamava Rio 89 Francisco Doratioto Branco, por mais que se solicitasse reserva aos Ministérios militares sobre melhoramentos defensivos, estes logo eram noticiados pela imprensa. Isso alarmava os países vizinhos, “produzindo a impressão de que nos armamos até aos dentes, quando a verdade é que muito pouco fazemos e com grande lentidão e enorme despesa”. Pouco antes, o representante brasileiro em Buenos Aires, Domício da Gama escreveu que a opinião pública argentina “não só não está conosco, como está contra nós”39. O chanceler argentino Estanislao Zeballos estava convencido de que o Brasil buscava isolar a Argentina, contando, para tanto, com o apoio dos Estados Unidos. Com esse objetivo, o Brasil atuava junto ao Chile, ao Uruguai (com o qual as relações de Buenos Aires estavam seriamente abaladas pela disputa da soberania das águas do Rio da Prata), à Bolívia e ao Paraguai. O clima predominante em Buenos Aires era de que a modernização naval brasileira tinha fins hostis à Argentina e, para permitir fortalecer sua Marinha de Guerra, Zeballos denunciou o Pacto de Equivalência Naval, assinado com o Chile em 1902. Esse acordo tinha validade de cinco anos e estipulava, para pôr fim à corrida armamentista entre os dois países, a limitação do armamento naval; a desativação de algumas unidades e a renúncia à compra de outras. Em fins de 1908, quando Zeballos já não mais era chanceler, o Congresso argentino promulgou uma nova lei de armamentos, permitindo ao país modernizar-se militarmente (SCENNA, p. 292). 39 RIO BRANCO para DOMÍCIO DA GAMA, s/l, 15.12.1908. In Luiz VIANA FILHO, op. cit., p. 398. O destaque é de Rio Branco. DOMÍCIO DA GAMA para RIO BRANCO, ofício reservado 9, Buenos Aires, 7.9.1908. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Buenos Aires, 206-2-4. 90 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Pouco antes, em setembro, o representante brasileiro em Buenos Aires apontou que, na agitação da opinião pública argentina contra o Brasil, havia o interesse daqueles que lucrariam com o rearmamentismo. Lembrou o diplomata que, anteriormente, para fazer frente ao Chile, a compra de armas enriquecera muita gente na Argentina. Novamente, “agitadores” esperavam ter grandes lucros, com encomendas argentinas de armamento, desta vez “para conjurar o imaginário ‘perigo brasileiro’”. Previu Domício da Gama que os alarmas contra o Brasil somente diminuiriam após a aprovação, pelo Congresso argentino, dos créditos para a compra de armas40. E, de fato, garantido lucro para os mercadores da morte, foi isso o que ocorreu. Estanislao Zeballos tinha experiência internacional, fora chanceler (1889-1891) e representante de seu país na arbitragem da questão de Palmas. Em 1906, o Presidente Alcorta nomeou-o para ocupar o Ministério das Relações Exteriores e, então, a Argentina buscou aproximar-se do Chile, como forma de conter a presença brasileira no Prata e no Atlântico. Ademais, Zeballos preparou um plano para, sob a ameaça de declarar a guerra em caso de recusa, exigir que o Brasil cedesse à Argentina um dos encouraçados que encomendara na Europa. O plano não logrou obter a concordância dos demais membros do Ministério argentino e vazou para a imprensa (ETCHEPAREBORDA, pp. 81-83). Agravando a situação de Zeballos, houve o caso do telegrama cifrado número 9. Datado de 17 de junho de 1908, o telegrama enviado pela chancelaria brasileira à Legação 40 DOMÍCIO DA GAMA para RIO BRANCO, Buenos Aires, 22.9.1908 apud. Luiz VIANA FILHO, p. 393. 91 Francisco Doratioto brasileira em Santiago, transitou pelo telégrafo argentino, onde foi interceptado e, supostamente, decodificado, revelando um texto com intenções hostis do Brasil com relação a Argentina. Rio Branco escreveu a seu representante em Buenos Aires, que desejava pôr fim ao “embuste” e ordenou que se conseguisse uma cópia do texto em poder de Zeballos. Domício da Gama a obteve e, simultaneamente, o chanceler brasileiro ordenou às Legações na Argentina e no Chile que pedissem aos governos desses países as cópias do texto cifrado do telegrama número 9, fornecidas pelas respectivas repartições telegráficas. De posse desses documentos, Rio Branco tornou público o código utilizado pela Chancelaria brasileira e o verdadeiro conteúdo do citado telegrama. Nele Rio Branco afirmava: “sempre vi vantagens numa certa inteligência política entre o Brasil, o Chile e a Argentina, e lembrei por vezes sua conveniência”, completando que Zeballos obstaculizava esse entendimento (VIANNA FILHO, pp. 395-396). Zeballos sofria forte oposição no Congresso argentino, daqueles que se orientavam pelas políticas dos ex-presidentes Mitre e Roca, favoráveis ao entendimento com o Brasil. A revelação do plano bélico em relação ao vizinho brasileiro e o caso do telegrama número 9, inviabilizaram a continuação de Zeballos no governo e o presidente Alcorta retirou-o do cargo em julho de 1908. O sucessor de Alcorta na Presidência argentina foi Roque Sáenz Peña. Para sua posse, em 1910, o Brasil enviou uma delegação especial, em contraste com sua ausência, meses antes, nas comemorações do centenário da independência argentina. O novo presidente tinha ideias muito próximas 92 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) às de Rio Branco e adotou postura receptiva ao Brasil, pois também considerava que a paz sul-americana somente poderia ser mantida com base em firme entendimento entre os governos argentino e brasileiro. Sáenz Peña pensava em uma coordenação política entre o seu país e o Brasil para contrapor-se aos Estados Unidos e para constituir uma “hegemonia dual”, argentino-brasileira, sobre o continente (SCENNA, p. 297). Estados Unidos e Argentina tinham economias concorrentes no mercado internacional, ambas produtoras de alimentos e matérias-primas similares. A resistência dos governos argentinos ao pan-americanismo liderado por Washington e à presença norte-americana na América Latina correspondia à defesa do comércio de seu país com a Europa. O entendimento político entre a Argentina e o Brasil, por sua vez, era facilitado pelo fato de as duas economias serem tributárias uma da outra, sem serem concorrentes no mercado mundial (BANDEIRA, 1987, p. 19). Sob os governos de Sáenz Peña e Hermes da Fonseca, as relações brasileiro-argentinas atingiram um de seus melhores momentos até então. Em 1910, presidente eleito, Sáenz Peña, vindo da Europa a caminho da Argentina para sua posse, em escala no Rio de Janeiro pronunciou a frase célebre de que “tudo nos une, nada nos separa” que era antes uma intenção do que realidade, mas que indicava o novo clima, positivo, para as relações bilaterais. E esse bom entendimento foi importante para os dois países não reavivarem desconfianças em decorrência da instabilidade política no Uruguai e, principalmente, no Paraguai. Em 93 Francisco Doratioto outubro de 1910, no Uruguai, os blancos rebelaram-se contra o governo do presidente colorado Williman, que vivia seus últimos meses e seria substituído por Batlle, que retornava, assim, à Presidência uruguaia. Argentina e Brasil mantiveram-se neutros na disputa interna uruguaia e o governo brasileiro ordenou às suas forças no Rio Grande do Sul que desarmassem e dispersassem rebeldes uruguaios armados refugiados no estado. Do lado argentino, Sáenz Peña fez o possível para impedir o envio clandestino, desde Buenos Aires, de armas aos insurgentes41. As relações argentino-uruguaias desgastavam-se com a divergência quanto à jurisdição sobre o Rio da Prata. A Argentina chegou a reivindicar somente para si a soberania sobre esse estuário, enquanto o Uruguai defendia uma “linha média” em relação às margens, implicando que cada país teria jurisdição sobre uma parte das águas. Essa divergência se agravou desde 1907, criando antipatias no Uruguai à Argentina, até que em 1910 foi assinado um protocolo entre os dois países reafirmando o uso comum das águas platinas, sem entrar no mérito da questão do limite fluvial. Pouco antes, em outubro de 1909, o Brasil assinou com o Uruguai o Tratado de Retificação de Limites em que o governo brasileiro atendeu antiga reivindicação uruguaia de direito de navegação e de jurisdição na Lagoa Mirim e rio Jaguarão, e, mais, compartilhando a soberania das águas, sem que houvesse demanda nesse sentido. Essas concessões desencadearam grandes manifestações e 41 CARTERON, ministro plenipotenciário francês, para o ministro de Relações Exteriores da França, Montevidéu, despacho n. 168, 27.10.1910 in NAHUM (b), pp. 289, 293-294. 94 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) simpatias pró-brasileiras no Uruguai e, ademais, colocaram o governo argentino em posição delicada, devido à sua intransigência quanto ao limite fluvial no Prata (NAHUM (a), p. 23; AROCENA OLIVEIRA, pp. 144-145). A rebelião no Uruguai teve curta duração – terminou em novembro de 1910 – se comparada à do Paraguai, onde a guerra civil eclodiu em 1911 e prolongou-se até o ano seguinte, período dos mais conturbados da história política do país guarani. A luta se deu entre duas correntes do Partido Liberal: radicais, seguidores do deposto Presidente Manuel Gondra, e os cívicos, que apoiavam o novo chefe de Estado, o coronel golpista Albino Jara. Os colorados mantiveram neutralidade simpática a Jara. O Brasil, enquanto isso, reforçou sua presença naval no rio Paraguai, constituindo uma flotilha na baía de Assunção, o mesmo fazendo a Argentina. Na nova guerra civil paraguaia, Rio Branco reafirmou o princípio do reconhecimento ao governo legal e de neutralidade do Brasil, mas inovou ao buscar uma verdadeira ação comum com a Argentina. Seu objetivo era o de evitar apoios externos às partes em luta no Paraguai, agravando-a. A Legação brasileira em Buenos Aires foi instruída a combinar com a chancelaria argentina uma atuação sincronizada entre as respectivas representações diplomáticas em Assunção, bem como dos comandantes navais das flotilhas de ambos os países, que se encontravam no rio Paraguai. Rio Branco ordenou que se comunicasse a essa Chancelaria que o Brasil desejava manter perfeita neutralidade na luta paraguaia e que estava procurando impedir a passagem, por suas 95 Francisco Doratioto fronteiras, de recursos em direção ao país guarani. Também foi exposto a Buenos Aires que o governo brasileiro era contra a requisição de navios civis estrangeiros, quer pelo governo paraguaio, quer pelos rebeldes. Em resposta, o governo Sáenz Peña mostrou-se de “perfeito acordo” com o Brasil42. Afinal, já antes da comunicação brasileira, o Ministério de Guerra argentino ordenara ao comandante da torpedeira Thorne, que se encontrava em águas paraguaias, manter-se neutro no conflito guarani e a atuar “com circunspecção e tato para evitar conflitos de caráter internacional”43. Em março de 1911, Sáenz Peña enviou Ramón J. Cárcano em missão confidencial ao Brasil, para pôr fim à corrida armamentista entre os dois países. Cárcano encontrou-se com Rio Branco e o presidente Hermes da Fonseca, chegando a um “acordo de cavalheiros”, pelo qual Brasil e Argentina renunciaram a concluir a construção de um terceiro grande encouraçado. Rio Branco propôs, também, um plano de ação comum entre os dois países e o Chile para assegurar a paz na América do Sul. Cárcano respondeu ver poucas possibilidades em implementar a proposta, pois despertaria fortes desconfianças nos demais países sul-americanos, particularmente no Peru (SCENNA, pp. 297-299). A guerra civil de 1911-1912 foi um dos momentos políticos mais instáveis da história paraguaia. A conflagração criou a oportunidade para intervenções quer do Brasil, quer 42 RIO BRANCO para DUVAL, retransmitindo telegrama de 4.3.1911 enviado à Legação brasileira em Buenos Aires, telegrama Cifrado “28-ter-Segunda 6(B)” [março 1911]. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção – Telegramas, 202-1-18. 43 Ministro da Guerra J. P. Sáens VALIENTE para comandante da torpedeira Thorne, Nota s/nº, Buenos Aires, 25.2.1911. Archivo del Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto, Guerra de la Triple Alianza [sic], Caixa 7. 96 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) da Argentina, com as partes em luta buscando mesmo a ingerência externa. No entanto, os governos brasileiro e argentino mantiveram-se neutros e atuaram de comum acordo na guerra civil paraguaia, garantindo os interesses de seus cidadãos no país vizinho, bem como garantindo a livre navegação do rio Paraguai. Nem sempre, no entanto, seus representantes, diplomáticos e militares, foram absolutamente neutros, e tomaram atitudes que favoreceram uma das partes em luta, particularmente os argentinos quanto aos rebeldes radicais. Rio Branco não viu o final de guerra civil, vencida pelos liberais radicais, pois faleceu pouco antes, em 10 de fevereiro de 1912. Nos dez anos em que permaneceu à frente do Ministério das Relações Exteriores, ele contribuiu para a recuperação da autoestima nacional; restabeleceu o peso brasileiro no contexto internacional e criou um clima de concórdia com as nações vizinhas. A abstenção nos assuntos internos de outros países; o apoio aos governos constituídos e a busca de relações cordiais ou, no caso de impossibilidade delas, de postura de tolerância com a Argentina, foram pilares básicos da política platina do Itamaraty a partir de 1902, assim permanecendo por décadas. O sucessor de Rio Branco à frente do Itamaraty foi o catarinense Lauro Müller que, entre 1912 e 1917, encaminhou a solução da questão da dívida pública do Uruguai com o Brasil; regulamentou o condomínio da Lagoa Mirim e articulou, com a Argentina e o Chile, a intervenção no conflito entre Estados Unidos e México. Em 1914, quando tropas norte-americanas ocuparam o porto de Vera Cruz, 97 Francisco Doratioto após o rompimento das relações diplomáticas entre o México e os EUA, este pediu ao Brasil que ficasse encarregado dos interesses norte-americanos junto aos mexicanos. Müller buscou, então, obter uma solução negociada para essa situação, em coordenação com a Argentina e o Chile e, como resultado, ocorreu a Conferência de Niagara Falls, em maio de 1914, pondo fim à crise. Essa ação coordenada e seus bons resultados criaram a confiança necessária para que Argentina, Brasil e Chile assinassem, em 1915, o Tratado de Cordial Inteligência Política e Arbitragem, conhecido como Pacto do ABC, em referência às letras iniciais dos nomes dos três países. Estes, pelo acordo, submeteriam a uma comissão permanente, a ser instalada em Montevidéu, controvérsias surgidas entre si, de modo a evitar o recurso das armas. O Pacto foi aprovado pelos Congressos brasileiro e chileno e, na Argentina, após aprovação pelo Senado foi rejeitado pela Câmara dos Deputados, pois o novo presidente da República, Hipólito Yrigoyen, era contrário ao acordo. O acordo entre Argentina, Brasil e Chile de 1915 não era tão substancial quanto aquele pensado por Rio Branco, o qual visava manter a paz na América do Sul e não apenas entre os três países signatários. De todo modo, a não ratificação do acordo de 1915 demonstrava, mais uma vez, as dificuldades de se articular ações comuns entre os dois polos mais dinâmicos no subsistema de relações internacionais platino. A Primeira Guerra Mundial reforçaria essa dificuldade, pois enquanto o Brasil foi o único país latino-americano a participar, ainda que de forma quase simbólica, militarmente na guerra ao Império germânico, a 98 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Argentina manteve-se neutra. O Uruguai rompeu relações com o Império alemão em 1917 e o Paraguai manteve-se neutro, mas declarou-se solidário moralmente com os Estados Unidos. Graças a essa participação, o Brasil teve o direito de participar da Conferência de Paz de Versalhes e foi eleito membro provisório do Conselho Deliberativo da Sociedade das Nações, organismo criado para manter a paz mundial. A diplomacia brasileira viu na Liga das Nações, como ficou conhecida a Sociedade das Nações, como o centro decisório das grandes questões internacionais, dedicou-se a ela e reduziu sua atenção às relações com os países sul-americanos. Essa situação contribuiu para o isolamento brasileiro na V Conferência Pan-Americana, realizada em Santiago, em 1923. Nessa ocasião, a delegação brasileira discordou da proposta de desarmamento e de congelamento das forças navais e defendeu que os recursos militares de um país deveriam ser proporcionais à sua extensão territorial. A posição decorria da condição de inferioridade estratégica do Brasil, que dispunha de armamento obsoleto e necessitava de forças armadas maiores, enquanto Chile e a Argentina, estavam bem armados. No entanto, a diplomacia argentina obteve sucesso, junto aos demais participantes, em apresentar como militarista a posição brasileira, uma ameaça à paz, e em gerar desconfianças quanto às intenções do governo brasileiro ao defender aquela posição. A situação foi contornada pelo delegado paraguaio Manoel Gondra, que obteve apoio dos participantes da Conferência para a alternativa de se reforçar o arbitramento como instrumento para se evitar a guerra. 99 Francisco Doratioto O Brasil também não obteve a solidariedade dos vizinhos platinos quando, em 1926, o presidente Artur Bernardes retirou o país da Liga das Nações, ao não obter uma cadeira permanente em seu Conselho Deliberativo. Seu sucessor, Washington Luís, implementou uma discreta política de privilegiar as relações cordiais com os EUA e com a Argentina, bem como acelerou o movimento de aproximação do Paraguai. Desde o início da década de 1920, os governos brasileiro e paraguaio se aproximavam, com a intenção de reduzir a dependência paraguaia da Argentina, mas de forma discreta e sem confrontá-la. Havia, inclusive, o plano para a construção de uma ferrovia ligando o Paraguai ao Brasil, até o porto de Santos, o que permitiria ao comércio exterior paraguaio deixar de depender do porto de Buenos Aires. Esse plano não havia sido oficializado quando a chamada Revolução de 1930 depôs o presidente Washington Luís. 100 iV Desconfiança e precaução (1930-1955) A Revolução de 1930 rearticulou o bloco de poder e colocou Getúlio Vargas na Presidência brasileira, que nela permaneceu até 1945. Os novos donos do poder “careciam de um projeto em matéria de política exterior” e o chanceler Afrânio de Mello Franco (1930-1934) não promoveu grandes mudanças na ação do Itamaraty (CERVO; BUENO, p. 214). Essa indefinição de rumos repercutiu nas relações com os países vizinhos, frustrando não só a construção de ferrovia ligando o Paraguai ao Brasil, como também aquela ligando o território brasileiro a Santa Cruz de la Sierra, prevista no Tratado de Limites e Comunicações Ferroviárias, de 1928, assinado pelos governos brasileiro e boliviano. Com o Uruguai, a continuidade das boas relações bilaterais permitiu a assinatura do acordo alfandegário de 1931 e a visita do presidente Gabriel Terra ao Rio de Janeiro, em 1934, retribuído por Vargas no ano seguinte. Quanto às grandes potências, o governo Vargas manteve a orientação de boas relações com os EUA, com o qual assinou, em 1934, o 101 Francisco Doratioto Tratado de Comércio e Reciprocidade. No entanto, buscando manter certa diversificação comercial e autonomia financeira externa, o governo brasileiro firmou, simultaneamente, o Acordo de Compensações com a Alemanha. Também na Argentina o ano de 1930 foi de mudança política, que repercutiu nas suas relações exteriores. O presidente Yrigoyen foi deposto e a oligarquia agrária restabeleceu sólida hegemonia no interior do Estado; o país foi governado pelo general José F. Uriburu até fevereiro de 1932, quando transferiu o poder para o general Agustín P. Justo. Este governo procurou melhorar as relações com o Brasil, em contraste com certo esfriamento nas relações bilaterais da década de 1920. Assim, em 1933 o presidente Justo fez visita oficial ao Rio de Janeiro, ocasião em que os dois países assinaram vários acordos que demonstravam que suas relações haviam se tornado mais densas. Foram assinados o Tratado Antibélico e de Não Agressão e de Conciliação, de iniciativa argentina; de comércio e navegação; de repressão ao contrabando; de extradição; de navegação aérea; de turismo, intercâmbio intelectual e artístico; de revisão de textos de História e Geografia e de troca de publicações. Justo também recebeu, como inédita homenagem do Exército brasileiro a um estrangeiro, a patente de general. Na sua mensagem quando da instalação da Assembleia Constituinte, em novembro de 1933, Vargas relatou positivamente a visita de Justo, afirmando que ela comprovava que Brasil e Argentina, “compenetrados do papel histórico que lhes foi reservado”, contribuíam, com os exemplos dos acordos assinados nessa ocasião, “para 102 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) a manutenção da paz, do progresso e do bem-estar da América” (MENSAGEM, p. 71). Justo robusteceu a tendência europeísta da política externa argentina, ao ingressar a Argentina na Sociedade das Nações em 1933, e manteve o país como um contraponto às tentativas dos Estados Unidos de tornar-se hegemônico no continente, pela nova política de “boa vizinhança”, associada ao pan-americanismo, do Presidente Franklin D. Roosevelt. Daí a diplomacia argentina agiu contra a tentativa do governo norte-americano de liderar o processo para pôr fim à Guerra do Chaco, recém-iniciada (SCENNA, pp. 310-311), além de que o chanceler Saavedra Lamas via esse papel para seu país. O Chaco Boreal tem cerca de 200 mil quilômetros quadrados, limitados pelos rios Paraguai, Pilcomaio e Parapetí. No período colonial, a metrópole espanhola não se preocupou em estabelecer limites precisos nessa área árida e, então, carente de interesse econômico. Em 1852 o Governo boliviano reclamou a posse do território, ao protestar contra o tratado de limites assinado entre a Confederação Argentina e o Paraguai, pelo qual se reconhecia a soberania deste sobre o rio de mesmo nome e suas margens, até a confluência com o Paraná. Até o início do século XX, Bolívia e Paraguai assinaram acordos e protocolos para solucionar a questão do Chaco, mas esses documentos sofreram oposição interna ora em um, ora em outro país, o que a oposição do Legislativo de um dos dois países, não resolvendo a controvérsia territorial. Na década de 1920, a instabilidade política paraguaia facilitou a instalação de posições militares bolivianas no Chaco e o agravamento da 103 Francisco Doratioto situação em 1927, levou o governo boliviano, interessado em mantê-las, a solicitar a intervenção da Argentina e do Brasil para manter a paz. A diplomacia do governo Vargas manteve-se discreta, aconselhando soluções pacíficas aos governos boliviano e paraguaio, mas sem comprometer o Brasil em ação mediadora44. Já o governo argentino patrocinou, em outubro de 1927, encontro em Buenos Aires, de negociadores bolivianos e paraguaios para tratar das divergências em torno da posse do Chaco, sem obter sucesso para a solução do problema. A Guerra do Chaco iniciou-se em 15 de junho de 1932, com o ataque boliviano ao pequeno destacamento paraguaio do fortim Carlos Antonio López. Seu início praticamente coincidiu com a guerra civil brasileira de 1932, travada entre julho e setembro desse ano, quando o estado de São Paulo, coadjuvado por Mato Grosso, enfrentou o governo de Vargas. Durante a guerra civil brasileira, o governo brasileiro contou com a boa vontade dos governos vizinhos para evitar que os rebeldes recebessem armamento do exterior. O governo paraguaio, presidido por Eusébio Ayala, por sua vez, obrigado a enfrentar a Bolívia, militarmente superior, e esperançoso de conseguir do Brasil concessões que servissem de contraponto à dependência comercial da Argentina, colaborou com o governo federal brasileiro interceptando, por exemplo, aviões que os paulistas haviam comprado no Chile e que seriam utilizados para 44 Retransmissão do Ministério de Relações Exteriores para a Legação Brasileira em Assunção, telegrama cifrado nº 21, Rio de Janeiro, 11.3.1927. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção – Telegramas, 202-1-15 104 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) compor uma força aérea revolucionária. Vargas, após vencer militarmente o movimento paulista, mostrou-se reconhecido à administração de Eusebio Ayala, que “foi de uma lealdade [para com o governo brasileiro] a toda prova”45. Quanto à Argentina, o governo Justo atendeu às solicitações do Itamaraty para evitar que Buenos Aires se tornasse centro de atividades políticas, comerciais e financeiras dos rebeldes paulistas46. Para o Brasil, a Guerra do Chaco era preocupante porque trazia o risco de envolver interesses de setores políticos e econômicos de países vizinhos, criando uma situação de risco no Prata. Até meados de 1935, porém, o Itamaraty manteve-se cauteloso quanto a tentativas de mediação do conflito e manteve efetiva a neutralidade brasileira. Para tanto, contribuíram as circunstâncias internas brasileiras; a tradição de tolerância com Buenos Aires e a ausência de interesses econômicos brasileiros vitais na Bolívia e no Paraguai. Para a Argentina, por sua vez, a participação ativa no assunto se inseria no esforço de alcançar a posição de liderança da América do Sul e de evitar soluções que contrariassem seus interesses econômicos no país guarani, bem como de impedir aumento das presenças do Chile e dos EUA na questão. O objetivo da diplomacia argentina, 45 BUENO para MELLO FRANCO, ofício 102, Assunção, 19.10.1932. Arquivo da Embaixada do Brasil em Assunção, 1932. 46 Lafayette CARVALHO SILVA, encarregado de negócios brasileiro, para SAAVEDRA LAMAS, ofício 60, Buenos Aires, 27.9.1932. Archivo del Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto, Caixa 3168/69, “Política Interna [Brasil] – Movimento Revolucionário 9 de Julio”, Tomo I. SAAVEDRA LAMAS para CARVALHO SILVA, Buenos Aires, 27.9.1932. Idem. Antonio MORA Y ARAUJO, representante argentino, para SAAVEDRA LAMAS, nota 316, reservada, Rio de Janeiro, 9.9.1932. Id. 105 Francisco Doratioto sob Saavedra Lamas, foi o de exercer a liderança do seu país na busca da paz, de forma a moldá-la para preservar seus interesses que consistiam em manter-se hegemônico no Paraguai. Esta condição existia desde 1904 e a Argentina pretendia estendê-la também ao Oriente boliviano, que se integraria à sua economia, de tal modo que as supostas grandes reservas de petróleo dessa região não concorressem com a nascente indústria petrolífera argentina. Não interessava aos interesses argentinos que a Bolívia vencesse a guerra, obtendo um porto às margens do rio Paraguai, por onde escoaria a eventual produção petrolífera boliviana para o mercado platino e, mesmo, para os de outros países. Daí o apoio político e militar argentino, secreto, ao Paraguai durante toda a guerra e ação de chanceler argentino Saavedra Lamas para frustrar as tentativas norte-americanas e da Liga das Nações de se negociar a paz. A postura de Vargas mudou em 1935, quando já estava estabilizado suficientemente o quadro político brasileiro e o Brasil contava com as simpatias dos Estados Unidos. O Itamaraty agiu, então, para impor-se na condução das negociações para pôr fim à Guerra do Chaco e tornar o Brasil elemento central nas negociações de paz. O governo brasileiro convidou, em 17 de abril, seus congêneres boliviano e paraguaio a enviarem representantes ao Rio de Janeiro para negociarem em conferência presidida por Getúlio Vargas e precedida pelo término dos combates. Tendo em vista a vantagem militar obtida pelas forças paraguaias, qualquer cessação de hostilidades, sem garantia de paz, favoreceria à Bolívia que obteria tempo para realizar nova mobilização de 106 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) seu potencial militar. Como resultado o Paraguai recusou o convite brasileiro, enquanto a Bolívia o aceitou de imediato (SILVEIRA, pp. 136-137). No dia 27 de abril de 1935 os embaixadores argentino, chileno, norte-americano e peruano no Rio de Janeiro entregaram ao Itamaraty nota solicitando a colaboração do Brasil na busca da paz no Chaco. O convite foi aceito, impondo, porém o Brasil a inclusão dos Estados Unidos e do Uruguai nas negociações de paz e, ainda, que elas fossem diretas, entre os chanceleres dos países beligerantes, sob os auspícios dos países do grupo moderador (RELATÓRIO, 1935, pp. 4-5). Oficialmente retribuindo a visita do Presidente Justo ao Brasil, Getúlio Vargas chegou a Buenos Aires, em 27 de maio de 1935, com comitiva que incluía o chanceler Macedo Soares, quando se realizaria a conferência para se negociar a paz no Chaco. Antes, Vargas parou em Montevidéu, em visita oficial ao presidente Terra, sendo recebido com grandes festas, em demonstração do bom entendimento entre os dois governos. Nesse ano foi finalizada a demarcação da fronteira seca entre os dois países e, em janeiro, o governo brasileiro havia impedido a passagem de homens e armas para o território uruguaio, que pudessem reforçar um levante armado contra o presidente Terra. As boas relações bilaterais e a necessidade de Terra do apoio brasileiro, para evitar atividades de opositores uruguaios na fronteira gaúcha, levaram-no, em dezembro de 1935, a romper relações diplomáticas com a União Soviética, atendendo ao pedido do governo Vargas. Este, no mês anterior, enfrentara uma 107 Francisco Doratioto rebelião liderada pelos comunistas (ROGRÍGUEZ AYÇAGUER, pp. 101-102,120). A comitiva brasileira chegou a Buenos Aires em 27 de maio de 1935 e o chanceler Macedo Soares iniciou contatos, para tratar da paz no Chaco, sem se coordenar com Saavedra Lamas. O chanceler brasileiro encontrou-se, separadamente, com o seus colegas boliviano, Tomás Manuel Elío, e paraguaio, Luis A. Riart, e solicitou-lhes que encaminhassem a seus governos a proposta brasileira de se estabelecer “uma trégua, simples trégua, mantidas todas as posições militares anteriores”, enquanto estivessem negociando a paz. Prometeu Macedo Soares a Riart que o Brasil estava disposto a auxiliar o Paraguai após a guerra, concedendo-lhe porto franco no Atlântico, para ser usado por seu comércio exterior, técnicos agrícolas, sementes “e tudo o que estiver ao seu alcance para pôr em prática o vivo empenho de colaborar fraternalmente com esse país”47. Nas negociações de paz, reinava a desconfiança mútua entre os beligerantes que rejeitaram várias propostas. Vargas, porém entendeu-se diretamente com Justo, com quem tinha excelentes relações pessoais a ponto de classificá-lo, posteriormente, de “amigo” (VARGAS, v. I, p. 393; v. II, p. 127), deixando o Paraguai e a Bolívia sem respaldo externo e pressionando as próprias chancelarias argentina e brasileira a se entenderem (SILVEIRA, p. 145). Os negociadores argentino e brasileiro contornaram as exigências dos beligerantes e obtiveram o cessar-fogo, por 47 MACEDO SOARES para CARVALHO SILVA, Buenos Aires, 28.5.1935. Arquivo da Embaixada do Brasil em Assunção, Telegramas, 7-9-34/01-6-36. 108 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) meio do Protocolo de Paz assinado em 12 de junho. Nesse documento também foi determinada a desmobilização dos exércitos no Chaco; a formação de uma comissão militar neutra de supervisão, sob presidência argentina, e a arbitragem da questão territorial, caso os países litigantes não chegasse a um acordo na Conferência de Paz, para a qual foram transferidas todas as questões pendentes. A Bolívia perdeu, portanto, essa batalha diplomática, pois abriu mão do princípio que sustentara desde o início da guerra, de que o armistício deveria ser simultâneo à solução da questão territorial e com garantia de um porto boliviano às margens do rio Paraguai. O chanceler brasileiro Macedo Soares reivindicou para si papel preponderante para se chegar ao Protocolo de Paz. Contudo, a tarefa de mediação resultou de iniciativa argentino-chilena, foi impulsionada por ação coordenada dos presidentes da Argentina e do Brasil e teve Saavedra Lamas como principal articulador. O chanceler argentino, ao ver reconhecida para si essa função e caracterizada a impossibilidade militar de a Bolívia alcançar seus objetivos no Chaco e tendo em vista a exaustão dos beligerantes, não tinha mais motivo para continuar protelando a paz. Em 1º de julho iniciou-se a Conferência de Paz, que se estendeu por três anos, sob a presidência de Saavedra Lamas. Este recebeu o Prêmio Nobel da Paz, referente a 1935, sob a justificativa de ter liderado as negociações que resultaram no Protocolo de Paz, quando sua ação diplomática anterior havia contribuído para prolongar a guerra. A partir de 1935, houve certo distanciamento entre o Paraguai e a Argentina, por Saavedra Lamas, após alcançar 109 Francisco Doratioto os objetivos argentinos, impor a paz desconsiderando pleitos paraguaios. Em Assunção, parte da imprensa fazia duras críticas à Argentina, causando desconforto no governo Justo que se via vítima de injustiça e falta de retribuição ao apoio militar que dera ao Paraguai durante a guerra. No entanto, esse apoio fora secreto enquanto aquela postura era pública, tal qual a ocupação por parte das forças argentinas, a partir de 1933, de posições abandonadas pelas forças bolivianas em retirada. Simultaneamente, melhoraram as relações entre o Brasil e o Paraguai nos últimos meses do governo Ayala. Estabeleceu-se entre os dois países “uma política do mais franco e íntimo estreitamento de relações de toda a espécie”, que foi negociada entre Macedo Soares e Riart, em Buenos Aires. Os dois países se preparavam para assinar acordos que facilitassem a navegação fluvial entre o Mato Grosso e o Paraguai; estabelecessem ligação telegráfica e, ainda, estudava-se a construção de ferrovia unindo os dois países48. No entanto, o governo Ayala terminou abruptamente em fevereiro de 1936, em virtude do golpe de estado do coronel Rafael Franco. Também na Bolívia, em 17 de maio desse ano, houve um golpe de estado, dado pelos coronéis David Toro e Germán Bush. Franco logo foi derrubado e substituído por Félix Paiva que foi influenciado pelas informações de Saavedra, no sentido de que o Chile estava aliado ao Brasil em relação 48 CARVALHO SILVA para BRANDÃO, ofício 9, conidencial, Assunção, 5.3.1937. Arquivo da Embaixada em Assunção, “Correspondência Conidencial Expedida (1935-1938)”. CARVALHO SILVA para MACEDO SOARES, ofício 102, Assunção, 17.8.1935. Ibidem, 1935. 110 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) a quase todas as questões internacionais e que “não seria difícil que estejam de combinados na questão do Chaco”. Para Paiva, a Argentina continuava a ser a melhor alternativa de apoio externo ao seu país, por interessar a Buenos Aires um Paraguai “forte e robusto”, que servisse de Estado-tampão frente “ao colosso vizinho” brasileiro “até a uma possível aliança entre Bolívia e Brasil ou Bolívia-Chile”49. No entanto, em fevereiro de 1938 Saavedra Lamas deixou a chancelaria e a presidência da Conferência de Paz, como resultado da posse do novo presidente argentino, Ricardo M. Ortiz. Este fora escolhido candidato conservador à Presidência em detrimento das aspirações presidenciais do próprio Saavedra Lamas. A mudança de chanceler argentino foi recebida com alívio nos meios governamentais brasileiros, onde se responsabilizava Saavedra e não o governo Justo por ainda não se ter chegado a um acordo de paz. Tanto foi assim que, para substituir Saavedra Lamas na Presidência da Conferência de Paz, a diplomacia brasileira tentou articular o nome do ex-presidente Justo (VARGAS, v. II, p. 108). Essa função foi ocupada por Manuel R. Alvarado, chanceler argentino interino, e a partir de então houve um incremento na cooperação entre os delegados dos países mediadores, com o brasileiro Rodrigues Alves e o norte-americano Spruille Braden, aumentando sua influência, até chegarem a ter papel “preponderante”50. No Brasil, em março de 1938, Oswaldo Aranha foi nomeado Ministro das Relações Exteriores e, no mês 49 Higino ARBO para Félix PAIVA, “particular – conidencial”, Buenos Aires, 2.10.1937 in PAIVA ALCORTA, p. 45. Félix PAIVA para Higino ARBO, “particular – conidencial”, Assunção, 8.10.1937 in ibidem, p. 47. 50 Geronimo ZUBIZARRETA para Félix PAIVA, “particular”, Buenos Aires, 10/3/1938. In: ibid., p. 140. 111 Francisco Doratioto seguinte, recebeu o chanceler argentino José Maria Cantilo, igualmente recém-empossado em uma visita bem-sucedida, que facilitou a cooperação entre os dois países na busca da paz no Chaco51. Félix Paiva nomeara o General Estigarribia Embaixador em Washington e o Departamento de Estado fez gestões junto a ele para que o Paraguai fosse mais flexível na Conferência de Paz, de modo a concluí-la com sucesso. A diplomacia norte-americana tinha um pedido paraguaio de empréstimo junto ao Export-Import Bank como poderoso instrumento para obter essa flexibilidade e, ainda, aumentar sua influência sobre o Paraguai, à custa da Argentina. Não é mera coincidência que a concessão desse empréstimo, no valor de US$ 3,5 milhões, tenha sido quase simultânea à assinatura do Tratado de Paz entre a Bolívia e o Paraguai (ROUT, pp. 214-217). Em 1938, as chancelarias brasileira e argentina pediram ao governo Félix Paiva maior flexibilidade paraguaia nas negociações de paz52. O presidente Ortiz foi mais longe e defendeu junto ao chanceler paraguaio, Cecilio Báez, que era melhor ao Paraguai “sacrificar” parte do Chaco, obtendo uma paz estável, do que manter-se intransigente, o que conduziria à paz armada, “que é tão prejudicial como a guerra”53. Aumentando a pressão, Ortiz comunicou ao governo paraguaio que, em caso de retomada da guerra, 51 Oswaldo Aranha escreveu para Vargas que Cantilo “não é um agitado e menos um agitador como o ex-chanceler [Saavedra Lamas].” In: SILVEIRA, p. 171. 52 CARVALHO E SILVA para chanceler interino PIMENTEL BRANDÃO, ofício 6, conidencial, Assunção, 7.1.1938. Arquivo da Embaixada do Brasil em Assunção, “Correspondência conidencial expedida (1935-1938). 53 Higino ARBO para Félix PAIVA, “particular – reservada”, Buenos Aires, 2/6/1938. In: PAIVA ALCORTA, pp. 183-185. 112 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) não receberia ajuda argentina e, simultaneamente, negou-se a fornecer peças de reposição para aviões militares do Paraguai (ROUT, p. 196). Em 26 de junho de 1938, a Conferência de Paz ofereceu nova proposta para a solução da questão do Chaco, de arbitragem sobre a parte ocidental do Chaco, mas excluindo qualquer área na Bahía Negra. Seriam arbitrados 31.500 quilômetros quadrados, dos 264.150 ocupados pelo Exército paraguaio, sendo reconhecidos de soberania do Paraguai os outros 232.650. Bolívia e Paraguai aceitaram a proposta. O país andino renunciou, assim, à sua antiga reivindicação de um porto no rio Paraguai. Para facilitar seu comércio externo, a Bolívia se beneficiaria de livre trânsito de mercadorias pelo território paraguaio e, ainda, poderia ter alfândega e depósitos na área do porto Casado, região que permanecia sob soberania do Paraguai (CARDOZO, p. 461). A proposta foi aceita quando o general Félix Estigarribia, que era embaixador paraguaio em Washington, chegou a Buenos Aires no início de julho e, após uma ida a Assunção, retornou à capital argentina, onde defendeu ser a proposta da Conferência a melhor solução. O prestígio de Estigarribia, obtido quando comandou as forças paraguaias no Chaco, garantiu a concordância do Exército e da opinião pública de seu país em favor do Tratado de Paz. A arbitragem seria, na verdade, sobre aspectos pontuais, pois no dia 9 de julho os delegados da Conferência assinaram acordo secreto com um “projeto de tratado” de arbitragem e eles mesmos seriam os árbitros. Em 21 de julho de 1938 foi assinado o Tratado de Paz, Amizade e Limites entre a Bolívia e o Paraguai. 113 Francisco Doratioto A linha divisória entre os dois países seria arbitrada, em dois meses, pelos presidentes ou, como ocorreu, seus Ministros Plenipotenciários, da Argentina, do Brasil, do Chile, dos Estados Unidos, do Peru e do Uruguai. Bolívia e Paraguai renunciavam a qualquer ação e reclamação sobre responsabilidade pelo início da guerra, comprometendo-se a recorrer a procedimentos conciliatórios e à arbitragem em eventuais divergências futuras. Havia descontentamento no Paraguai por não ter sido alcançada a reivindicação máxima do país, que era a soberania sobre todo o Chaco, e a Argentina e o Brasil tomaram medidas para evitar eventual golpe de estado contra o Presidente Félix Paiva. Ratificado o Tratado, por plebiscito popular no Paraguai, e pela Assembleia Nacional Constituinte boliviana, foi criada em Buenos Aires a Comissão Arbitral, composta pelos delegados da Conferência de Paz. Em 10 de outubro de 1938, foi emitido o laudo arbitral, acatado pelos Governos boliviano e paraguaio, que seguia a linha estabelecida no projeto secreto de tratado, de 9 de julho. Em 28 de dezembro foi feita, de acordo com o laudo arbitral, a entrega, na região de Villa Montes, de territórios sob controle da Bolívia e Paraguai (ROUT, pp. 202-215). Em 23 de janeiro de 1939 a Conferência de Paz pôs fim às suas atividades. Estava terminada a questão do Chaco. As políticas de Saavedra Lamas, utilizando a questão do Chaco como instrumento de projeção da Argentina e de si próprio, embora vitoriosas no curto prazo, foram contraproducentes nos anos seguintes. No Brasil ampliaram-se as desconfianças, em meios políticos e militares, em relação à Argentina, devido à sua ocupação de parte do Chaco; 114 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) ao negar ao Brasil, até 1935, papel significativo no processo de paz e ao aceitá-lo somente em 1938, quando os objetivos argentinos já tinham sido realizados; à aparente tutela que exercia sobre o Paraguai; às pressões para estabelecer a influência econômica sobre o Oriente boliviano e, ainda, pela bem-sucedida ação obstrucionista de Saavedra Lamas em evitar, em 1937, o arrendamento de navios de guerra norte-americanos à Marinha do Brasil. Por outro lado, ao Paraguai ficou demonstrado que se a Argentina apoiou-o em manter a posse do Chaco, também o impediu, com ameaças veladas, de alcançar seu objetivo territorial máximo. Em parte como consequência disto e, ainda, como resultado do esforço diplomático de duas décadas de aproximação brasileiro-paraguaio, lideranças militares e civis paraguaias se voltaram para o Brasil, a ponto de o presidente Vargas visitar Assunção em 1941. A diplomacia de Vargas para o Rio da Prata atuou conforme as diretrizes que vinham da época de Rio Branco: a defesa da estabilidade política regional; a não intervenção nos assuntos internos dos países vizinhos e a permanente preocupação de manter o entendimento e o diálogo fluido com Buenos Aires. A política varguista dava continuidade à adesão à solução pacífica de controvérsias e a preocupação em aumentar o comércio regional, mas não estava totalmente descartada a hipótese de guerra com o vizinho argentino. A possibilidade de um confronto armado entre Brasil e Argentina nunca fora totalmente afastada para os estrategistas dos dois países e retornou com mais força devido às divergências, expostas anteriormente, quanto à 115 Francisco Doratioto questão do Chaco e pelas posturas dos dois países quanto à II Guerra Mundial. No conflito mundial, Getúlio Vargas, embora fosse um ditador desde o golpe de 1937, colocou o país ao lado dos EUA e da aliança contra o nazifascismo. Foi um longo processo para se chegar a esta postura, iniciado com a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores Americanos, no Panamá, em 30 de setembro de 1939, e que envolveu importantes concessões econômicas e militares norte-americanas ao Brasil. Em 1942, o governo brasileiro reconheceu o estado de beligerância com a Alemanha e Itália e, em 1944, enviou uma Divisão do Exército para a península italiana. No final de 1943, era tensa a situação no Rio da Prata. Em junho desse ano, o presidente argentino Ramón Castillo foi deposto por um golpe de Estado promovido pelo Grupo de Oficiais Unidos (GOU), de caráter nacionalista, favorável a um regime autoritário e simpático ao nazifascismo, e que até então se mantivera secreto; nele tinha proeminência o coronel Juan Domingo Perón. Castillo estava revendo a posição de seu país na guerra, de neutralidade, a qual isolara a Argentina no continente. O GOU justificou o golpe acusando o governo Castillo de corrupto e o tinha como responsável pelo declínio da influência argentina na América do Sul. Conforme Moura (2012, pp. 142-143), “o golpe visava também se contrapor à crescente força militar do Brasil e garantir a preeminência argentina na região”. O GOU colocou no poder o general Pedro Pablo Ramírez, ex-ministro da Guerra. Este foi pressionado pelo governo 116 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) norte-americano para seguir as resoluções da III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores Americanos, realizado em 1942, entre elas a que recomendava aos países americanos romperem relações com o Eixo. Ramírez prometeu fazê-lo, mas isso não ocorreu durante o ano de 1943 e, ainda, seu governo buscou comprar armamento alemão. Suas atitudes inquietaram o governo Vargas, o qual ficou ainda preocupado ao receber, no final desse ano, notícias preocupantes da fronteira sul e constatar sua vulnerabilidade. A situação tornou-se verdadeiramente alarmante para Vargas (e para os EUA) quando, em dezembro desse ano, o general Villaroel tomou o poder na Bolívia com um golpe de Estado, que foi interpretado como tendo sido influenciado pela Argentina e pelo nazismo (MOURA, 2012, p. 144). Getúlio manteve-se na histórica postura dos governos brasileiros, de tolerância com a Argentina e mostrou-se cordial o governo Ramírez. Simultaneamente, o governo Vargas tratou de reforçar a fronteira ao sul e, para tanto, solicitou armamento aos EUA. Este era difícil de obter, pois os Estados Unidos necessitavam de armas para atender às demandas de suas tropas, lutando em várias frentes contra o nazifascismo, e as dos países aliados. No entanto, também o governo Roosevelt concluiu pela necessidade de fortalecer o Brasil perante a Argentina e atendeu à solicitação brasileira; o armamento começou a chegar em janeiro de 1944 e sua entrega foi acelerada a partir do mês seguinte, quando Ramírez foi deposto e o general Edelmiro Julián Farrel assumiu o poder na Argentina (MOURA, 2012, pp. 144-145). Ramírez 117 Francisco Doratioto pagava o preço por ter rompido relações diplomáticas com o Eixo em janeiro de 1944, o que era intolerável para o setor nacionalista do Exército argentino. No entanto, Farrel foi obrigado a declarar guerra ao Eixo em 1945, pouco antes da derrota da Alemanha, para que a Argentina pudesse participar da criação da Organização das Nações Unidas, a ser composta por aqueles que haviam combatido o nazifascismo. A Segunda Guerra Mundial criou condições para a ampliação das relações comerciais entre o Brasil e o Rio da Prata, particularmente com a Argentina. A interrupção de fluxos comerciais, decorrente quer da guerra marítima, quer da reconversão da indústria europeia para o esforço bélico, reduzindo ou interrompendo exportações de manufaturados, levaram os dois países a assinarem, em janeiro de 1940, o Tratado de Comércio e Navegação, o qual determinava que entre eles haveria “inteira liberdade de comércio e navegação” e que: os nacionais de cada uma das Altas Partes Contratantes, gozarão, no território da outra, em suas pessoas e seus bens, da proteção de seus governos e de todos os direitos, vantagens ou liberdades já concedidos ou que vierem a ser concedidos aos nacionais de qualquer outro país, para o exercício dos seus negócios, dentro das leis e respectivos regulamentos. Desse modo, o houve grande aumento das vendas de manufaturas brasileiras à Argentina, particularmente de têxteis, levando a balança comercial bilateral se tornar superavitária para o lado brasileiro (HILTON, p. 143). 118 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) A posição brasileira em favor dos países aliados na II Guerra foi seguida, no Rio da Prata, pelo Uruguai e Paraguai, com ambos rompendo relações com o Eixo em 1942. O governo Morínigo, porém, para tomar essa medida necessitou de uma ação de convencimento por parte das diplomacias do Brasil e dos EUA, bem como de concessões materiais destes países. A ação brasileira também era motivada pela preocupação de haver uma guerra com a Argentina e, neste caso, se o Paraguai estivesse na órbita desta, ficaria ainda mais fragilizada a defesa do “flanco” do Mato Grosso. Como resultado dessas preocupações e de duas décadas de esforços do Itamaraty de aproximação com o Paraguai, Getúlio Vargas visitou Assunção, em agosto de 1941. Dois anos antes, em 1939, tomara posse na Presidência paraguaia o general José Félix Estigarribia. Ele fora eleito presidente enquanto estava nos EUA, onde era embaixador, e retornou a seu país já comprometido a apoiar a posição norte-americana no contexto internacional de exacerbação das tensões bélicas. Ao fazer escala no Rio de Janeiro, o futuro presidente paraguaio reuniu-se com Getúlio Vargas e com Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, com os quais decidiu, entre outras medidas, a construção da rodovia ligando Assunção à fronteira com o Brasil. Para esta construção, Estigarribia contava com a promessa de apoio financeiro do governo norte-americano (MORA; COONEY, pp. 133-139). Estigarribia morreu em um acidente aéreo em 1940 e foi substituído, na Presidência, pelo general Higinio Morínigo. 119 Francisco Doratioto A mudança não alterou a trajetória de estreitamento de relações com o Brasil, o que era facilitado pela afinidade ideológica antiliberal dos regimes totalitários de Morínigo e de Vargas. Este realizou, em agosto de 1941, a primeira visita de um chefe de Estado brasileiro ao Paraguai. Dois meses antes, o chanceler paraguaio Luis A. Argaña assinou com seu colega brasileiro Oswaldo Aranha, no Rio de Janeiro, dez convênios de cooperação. Entre os mais importantes estavam o que tornava Santos porto franco para o comércio exterior paraguaio; aquele que criava mecanismo de crédito para o comércio bilateral e, ainda, o que tratava da construção da ferrovia Concepción a Pedro Juan Caballero (RELATÓRIO, 1941, pp. 31-32). Em maio de 1943 foi a vez de o presidente Morínigo visitar o Rio de Janeiro. Na ocasião Vargas cancelou a dívida de guerra paraguaia para com o Brasil, referente ao conflito entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, iniciativa que a Argentina já tomara no ano anterior. A importância alcançada pelas relações entre o Brasil e o Paraguai levou, em 1942, à elevação para Embaixada do status das representações diplomáticas que cada país mantinha na capital do outro. O término da II Guerra Mundial e o fim da ditadura de Vargas repercutiram nas relações brasileiro-paraguaias e no regime de Morínigo. Este permaneceu no poder, contando com o apoio do setor militar nacionalista autoritário, mas, em uns poucos meses em 1946, que ficaram conhecidos como “primavera democrática”, seu governo permitiu inusitada liberdade de manifestação e organização política. No entanto, com o apoio daquele setor militar e a adesão do Partido Colorado, Morínigo declarou Estado de Sítio e deu 120 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) um golpe em 13 de janeiro de 1947, reinstalando a ditadura. Seguiu-se uma guerra civil em que parte do Exército e os partidos oposicionistas – Liberal, Febrerista (seguidores do coronel Franco) e Comunista – enfrentaram Morínigo. A democratização do Brasil levou, em janeiro de 1946, Eurico Gaspar Dutra à Presidência e sua diplomacia passou a defender, nos países vizinhos, valores democráticos, e a reinstalação da ditadura paraguaia levou a um esfriamento nas relações como o Paraguai, mesmo ao custo de Morínigo aproximar-se da Argentina, onde Perón assumiu o poder em 4 de junho de 1946. Esse esfriamento não impediu, porém, a continuidade no Paraguai dos programas brasileiros de cooperação militar, cultural e de transporte e comunicações, permitindo o contato aéreo e telegráfico entre o Rio de Janeiro e Assunção. Nesta, a presença brasileira era visível e importante para o comércio, por meio de uma agência do Banco do Brasil. Iniciada a guerra civil de 1947, Dutra enviou ao Francisco Negrão de Lima, primeiro embaixador brasileiro no Paraguai (1942-1946), em missão mediadora ao país. Seu objetivo era o de obter o fim do conflito por meio de uma paz em que não houvesse vencidos ou vencedores. A conciliação significaria, na prática, a recomposição do governo paraguaio, incorporando em cargos ministeriais os oposicionistas liberais e febreristas, pondo fim ao monopólio do poder recentemente conquistado pelo Partido Colorado e, ainda, tornando uma questão de tempo a substituição de Morínigo na chefia do Estado. A recusa de Dutra em fornecer armamento solicitado pelo ditador paraguaio e a insistência 121 Francisco Doratioto do Itamaraty de que as partes em luta suspendessem o fogo e negociassem, contrastava com a ambígua posição do governo de Perón. Este supostamente apoiava os esforços pacificadores da Missão Negrão de Lima, mas na realidade respaldava Morínigo, inclusive com o fornecimento de material bélico. Esta postura colocava a Argentina em posição oposta à dos liberais paraguaios, que tinham afinidades históricas com o país, mas era coerente com o ideário peronista, caracterizado pelo antiliberalismo e nacionalismo autoritário, elementos que também fundamentavam o regime de Morínigo. Terminada a guerra civil, a influência da Argentina se fortaleceu junto ao governo paraguaio, em detrimento das do Brasil e dos EUA. As posições dos governos Dutra e Perón, na guerra civil paraguaia, resultavam de políticas exteriores com orientação distintas. Dutra respaldou aos Estados Unidos no início da Guerra Fria e, com isso, aderiu a um sistema interamericano, construído sob hegemonia norte-americana, elaborado para obter a unidade continental frente ao comunismo soviético. O sistema foi construído na Ata de Chapultepec (1945), no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR, 1947) e na Organização dos Estados Americanos (OEA, 1948) e sofreu resistências da Argentina. Perón construiu uma política externa que ficou conhecida como Terceira Via, que consistia em não se alinhar a uma das partes na disputa entre os EUA e a União Soviética, e de atuar em busca da unificação econômica da América do Sul, sob liderança argentina e em torno do eixo resultante da aliança entre a Argentina, o Brasil e o Chile (Pacto do ABC), o qual não foi 122 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) aceito pela diplomacia brasileira. Durante o governo Dutra, tornaram-se frequentes as diferenças de posições do Brasil e da Argentina no sistema internacional (HIRST, p. 221). O presidente Dutra deu continuidade, no Rio da Prata, à política dos governos que o antecederam de manter postura de tolerância e de cautela com a Argentina. Havia, no Brasil, divisão em relação a Perón, onde era admirado por setores políticos nacionalistas e hostilizados por outros, principalmente pela União Democrática Nacional (UDN). Em maio de 1947, Dutra e Perón se encontraram na fronteira, para inaugurar a ponte internacional rodoferroviária denominada Agustín Justo-Getúlio Vargas, unindo as cidades de Uruguaiana e Paso de los Libres. As relações comerciais bilaterais continuavam importantes e o Brasil desejava manter a participação de seus têxteis no mercado argentino, conquistada durante a guerra, e também garantir o fornecimento de trigo pela Argentina, o que era uma necessidade crítica para atender à demanda brasileira, quando esse cereal era escasso no mercado mundial. O governo argentino cobrava por esse trigo preços mais elevados do que os praticados no mercado internacional e “conseguiria superar nos anos 50 o déficit que o país havia sofrido em seu comércio com o Brasil desde 1941”. Por não acreditarem em harmonia duradoura nas relações com a Argentina, os homens de Estado brasileiros, ao mesmo tempo em que tratavam de evitar atritos políticos e comerciais com ela, agiam para melhorar a capacidade bélica do Brasil (HILTON, p. 146). 123 Francisco Doratioto Enquanto isso, continuava a tradicional cordialidade nas relações entre o Brasil e o Uruguai. A posição deste foi de apoio à tentativa brasileira de mediação na guerra civil paraguaia, pois tanto seu governo quanto a opinião pública uruguaia eram contrários à ditadura de Morínigo e simpática aos revolucionários. Durante a guerra civil, propaganda rebelde foi transmitida para o Paraguai, em ondas curtas, por emissoras de rádio uruguaias. Além disso, duas canhoneiras da Marinha paraguaia, que aderiram ao movimento revolucionário, receberam peças de reposição, alimentos e até armas do governo uruguaio.54 Em 1948, o presidente Luís Batlle Berres visitou o Rio de Janeiro, quando foram assinados dois acordos, um de extradição e, outro, de Arbitragem e Solução Judiciária de Controvérsias. Nessa capital, Batlle assistiu ao desfile militar comemorativo à independência brasileira, em 7 de setembro, “revestido de especial brilho”, e visitou a Usina de Volta Redonda (RELATÓRIO, 1949, pp. 81-83). No desfile militar, o Brasil podia apresentar armas e organização obtidas com sua participação na II Guerra, no teatro de operações italiano, e em Volta Redonda mostrar a principal realização do esforço industrializante do país, comprovando que a economia brasileira se modernizava e se fortalecia. Dois anos depois, em 1950, Brasil e Uruguai assinavam o Tratado de Comércio e Navegação, de modo a remover obstáculos no comércio bilateral. 54 “Sumário anual de eventos em Uruguay durante 1947”, elaborado pelo Embaixador britânico em Montevidéu. In: NAHUM, 1999, t. IX, p. 368. 124 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Em contraste com essa cordialidade, eram tensas as relações do Uruguai com a Argentina de Perón. Este castigava o governo uruguaio, criando obstáculos ao turismo de argentinos no Uruguai e dificuldades para o comércio bilateral, “por recusar-se a entrar na órbita de influência política e ideológica do regime peronista, o que estava nos planos do vizinho país desde o triunfo do GOU em 1943 e a ascensão de Perón” (CERVO, 2001, p. 194). No início de 1949, o representante britânico na capital uruguaia relatou que “a penetração argentina no Uruguai” tinha se estendido para além das esferas econômica e financeira e causava “muita preocupação”, com o presidente Battle Berres vendo com apreensão “uma situação que não é tanto uma guerra “fria” mas, sim, uma guerra de nervos”. Montevidéu era um reduto para exilados políticos argentinos, opositores a Perón, cujo governo reagia quer pressionando as autoridades uruguaias para que os impedisse de atividades antiperonistas, quer por meio de cobranças oficiais, quer por críticas a elas na imprensa oficialista em Buenos Aires. Em 1953, informe diplomático britânico relatou que se agravara a situação e que era procedente a acusação de que o Uruguai permitia aos asilados argentinos fazer propaganda antiperonista. Acrescentava que essa postura “de desafio insolente ao irmão maior” [a Argentina] ocorria porque o governo uruguaio estava acostumado a contar com “o apoio ativo” dos Estados Unidos e do Brasil55. 55 Despacho n. 4, Montevidéu, 6.1.1949, “Resumen anual de acontecimentos en Uruguay para 1948” e despacho conidencial n. 23, Montevidéu, 31.1.1954, “Informe anual 1953”. In: NAHUM, 1999, respectivamente t. X, p. 126, e t. XI, p. 239. 125 Francisco Doratioto Em 1951, Getúlio Vargas retornou à Presidência brasileira, eleito em um processo democrático. Antes de sua posse, enviou emissários pessoais, um deles João Goulart, a Perón para discutir o relacionamento brasileiro-argentino (HIRST, p. 122). No poder, Vargas nomeou seu amigo Baptista Luzardo para o cargo de embaixador em Buenos Aires, que servira antes em Montevidéu, e teria sido nomeado para o novo posto a pedido do próprio Perón (GUERREIRO, 2010, p. 90), servindo como elemento de ligação pessoal entre os dois governantes. Havia em comum entre os dois presidentes a percepção de que, em face do contexto internacional tenso, “convinha robustecer a estrutura econômica” dos respectivos países, de tal modo que pudessem “suportar as anomalias do período”. O governo Perón buscou alcançar a autonomia econômica para a Argentina “reduzindo as inversões estrangeiras, produzindo insumos básicos (...), apoiando a produção agrícola (...) estabelecendo uma indústria de transformação (...) e promovendo pesquisas em setores avançados, como a física nuclear”. Mais do que a busca da autonomia, “o peronismo alçava a bandeira da luta contra o predomínio de Wall Street e o imperialismo do dólar” (CERVO, 2001, p. 103). Era a política externa peronista que ficou conhecida como Terceira Via. Os contatos entre Vargas e Perón, bem como certa semelhança entre os dois governos – ambos nacionalistas, populistas e implementando políticas que buscavam o apoio dos trabalhadores urbanos –, pareciam indicar uma cooperação entre eles, com repercussões sobre o Paraguai e o Uruguai. Não foi, porém, o que ocorreu, pois a política 126 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) varguista para o Rio da Prata estava limitada pela própria política interna brasileira, onde a oposição era poderosa e estava atenta para uma tentativa de “peronização” do país. Ademais, a ação externa varguista ocorria durante o agravamento da Guerra Fria, que delimitava, nos planos político-ideológico e financeiro da margem de manobra de países periféricos. O Brasil dependia financeira e comercialmente dos EUA; os valores e crenças da sociedade brasileira estavam mais próximos do bloco político ocidental; e havia a percepção de que a aliança com Washington trouxera, desde a época de Rio Branco, ganhos reais ao país. Por último, frente à polarização, nas relações internacionais, entre os EUA e a URSS, o pleito de autonomia nacional em lugar de alinhamento ao chamado Ocidente era visto por Washington como ato hostil ou, mesmo, protocomunista. Vargas tinha como objetivo o desenvolvimento nacional com ênfase na industrialização. Para ajudar a promovê-lo, buscou recuperar o poder de negociação internacional do país, por meio da reedição da chamada política de barganha com os EUA, que exercitara na década de 1930, de modo a obter a reedição de concessões econômicas norte-americanas ao Brasil. Vargas não contestava a liderança norte-americana, pois “existia um consenso tanto em relação à necessidade cooperação econômica internacional quanto à inexorabilidade do alinhamento aos Estados Unidos”. Havia divergências, sim, mas restritas à intensidade e forma com que ocorreria essa cooperação (HIRST, p. 212). Os tempos, porém, eram outros e, ao contrário da década de 1930, quando a Alemanha se projetava na América do 127 Francisco Doratioto Sul, a URSS não dispunha de condições para apoiar política e economicamente países do continente americano, o que inviabilizava a reedição da política de barganha. É conhecida a capacidade de adaptação política que caracterizou a vida pública de Getúlio Vargas. Assim, apesar de seu discurso nacionalista e de possível simpatia por projetos de Perón, Vargas evitou confrontar seus opositores conservadores na política externa e nomeou João Neves da Fontoura para chefiar o Itamaraty. Fontoura era um político do PSD, que já ocupara esse cargo no governo Dutra, durante sete meses em 1946, e avesso ao peronismo. Sob a batuta de Fontoura, a diplomacia brasileira atuou na América do Sul para conter a influência peronista, a partir da lógica geopolítica de que havia um expansionismo argentino ameaçador ao Brasil nos planos político, econômico e de segurança militar. O Itamaraty via a proposta integracionista de Perón como instrumento de defesa dos interesses do parque industrial argentino, o que levou à recusa brasileira do Pacto do ABC. A diplomacia argentina, por sua vez, não acreditava que o governo brasileiro se tornasse receptivo a um processo de integração sul-americana no qual o Brasil não fosse o líder (VIDIGAL, 2009, p. 20). Certamente não interessava ao nascente setor industrial brasileiro, que se desenvolvia sob o protecionismo de tarifas de importação protecionistas, ser submetido à concorrência da indústria argentina. Os governos brasileiros, entre 1946 e 1955, praticaram a “diplomacia da obstrução”, para evitar o sucesso do projeto integracionista de Perón (SPEKTOR, 2002, p. 126). 128 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) No início de 1952, Perón visitou o Chile e assinou acordo para criar uma união econômica chileno-argentina, a qual era apresentada como embrião da integração regional e, em seguida, continental. As interpretações, no Brasil, ao sentido dessa iniciativa “revigoraram o antiargentinismo” e acelerou a ação do Itamaraty para estreitar laços na América Latina e “se opor a qualquer movimentação regional que visasse à formação de blocos ou novas organizações” regionais. O antiargentinismo se acirrou com o vazamento, para a imprensa, do texto de conferência secreta feita por Perón na Escola Superior de Guerra de seu país, em novembro de 1955. Nela, o presidente argentino afirmou que o Itamaraty era o principal obstáculo a uma aliança argentino-brasileira e que a resistência à sua proposta do Pacto ABC não decorria de posição pessoal de Vargas mas, sim, da situação política interna do Brasil [HIRST, p. 224]. Na conferência, Perón também deixava claro que havia contatos diretos entre ele e Vargas, desconhecidos pela diplomacia profissional brasileira. O projeto de integração econômica continental de Perón, iniciado com o Chile em 1952, teve continuidade no ano seguinte com o Paraguai. Neste, o ditador Morínigo havia sido deposto em 1948 e, após fase de instabilidade política, em 1949 assumiu a Presidência o colorado Federico Cháves. Após uma fase inicial do governo Cháves de tensão nas relações com a Argentina, elas se estreitaram e permaneceram corretas, sem serem comprometidas, mas também sem avanços significativos. Em 1953, Perón e Cháves assinaram um Convênio de União Econômica, 129 Francisco Doratioto que previa a criação de uma união aduaneira entre seus países, que seria vantajosa economicamente ao Paraguai. No entanto se opuseram ao acordo os militares e políticos colorados, nacionalistas, por acreditarem que seu país se tornaria, na prática, uma província argentina. Entre os opositores ao Convênio encontravam-se os generais Francisco Caballero Alvarez, ministro da Defesa, e Alfredo Stroessner, comandante em chefe das Forças Armadas. Stroessner “refeito da surpresa da assinatura do Convênio, começou imediatamente a fazer pressão sobre o governo, a fim de alijar os principais artífices”56. Havia a percepção de que o presidente Cháves fosse adepto ou, no mínimo, um expectador passivo da ação para se construir a união econômica e política entre Paraguai e Argentina. No entanto, a documentação diplomática brasileira demonstra que o presidente paraguaio procurou, a partir de 1953, aproximar-se do Brasil. Para tanto, esse governante propôs ao Brasil a construção da rodovia ligando Foz do Iguaçu à localidade paraguaia de Coronel Oviedo, sendo que esta já tinha ligação rodoviária com Assunção. Em abril de 1954 as diplomacias brasileira e paraguaia preparavam, sigilosamente, um encontro entre os presidentes Vargas e Cháves, em 21 ou 28 de maio, na fronteira, em Pedro Juan Caballero57. Esse evento não se realizou, pois em 4 maio de 1954 Cháves foi deposto por um golpe militar liderado pelo general Alfredo Stroessner. 56 “Mês político” no Paraguai. Relatório referente a abril de 1954, elaborado pelo embaixador Moacir Ribeiro BRIGGS. Arquivo Histórico do Itamaraty, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção, 2/1/13. 57 BRIGGS para Ministério das Relações Exteriores, telegrama conidencial, Assunção 23.4.1954. Arquivo do Itamaraty – Brasília, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção – Telegramas Recebidos, 1950/1959, caixa 237. 130 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Em outubro de 1954, o representante brasileiro em Assunção, Moacir Ribeiro Briggs, em audiência com Stroessner, escutou dele ser “grande amigo” do Brasil e a defesa de maior aproximação entre os dois países. O general propôs, para tanto, a construção de duas rodovias: de Concepción a Pedro Juan Caballero e de Coronel Oviedo a Foz do Iguaçu. Também defendeu o incremento do transporte fluvial entre os dois países, propondo, inclusive, a criação de uma companhia de navegação paraguaio-brasileira. Em análise enviada ao Itamaraty, Briggs comentou ser Stroessner “profundo e sincero admirador do Brasil, sobretudo por sua conhecida estima e camaradagem com nossas Forças Armadas”, mas que estava sob forte pressão do governo argentino, ao qual “não poderá se opor como desejaria” devido a dependência econômica paraguaia do vizinho do sul. O diplomata defendeu que o Brasil fizesse algo para apoiar o governo de Stroessner, principalmente nesse início “enquanto sua disposição de resistir às forças políticas externas e internas ainda se faz sentir”58. A resposta do governo brasileiro foi imediata. Café Filho, que assumiu o poder após o suicídio de Vargas em agosto de 1954, declarou que o Brasil financiaria a estrada Coronel Oviedo a Porto Presidente Franco, localidade paraguaia fronteiriça ao Brasil. Projeto nesse sentido foi enviado ao Congresso brasileiro e aprovado, o que teve grande repercussão favorável no Paraguai. Foi ativada a Comissão Mista Rodoviária, composta por dois paraguaios 58 BRIGGS para Raul FERNANDES, Assunção, ofício conidencial n. 250, 01.10.1954. Ibidem, Missões Diplomáticas Brasileiras – Assunção, Ofícios 1955-1958. 131 Francisco Doratioto e dois brasileiros, todos militares, que, em janeiro de 1955, apresentou seu primeiro relatório sobre a construção dessa estrada. O documento trazia as decisões técnicas sobre o início das obras, bem como sobre o lugar, na margem do rio Paraná, em que seria construída a ponte ligando os dois países59. O início da construção dessa rodovia marca uma nova fase nas relações entre o Brasil e o Paraguai e da inserção internacional deste. Ao novo governo paraguaio interessava se aproximar do Brasil e o movimento nesse sentido foi acelerado pelos acontecimentos na Argentina. Em 1955, Perón foi derrubado por um golpe militar e conseguiu escapar, refugiando-se em um barco de guerra paraguaio fundeado no porto de Buenos Aires. Perón obteve asilo político no Paraguai e os novos donos do poder na Argentina interpretaram, equivocadamente, que Stroessner estava alinhado com o deposto governante. Na realidade, o chefe de Estado paraguaio cumprira, a contragosto, uma tradição latino-americana, de dar asilo a um perseguido político. A hostilidade do governo militar argentino a Stroessner, contribuiu para o movimento paraguaio de afastamento da Argentina e aproximação do Brasil. Apesar da crise interna brasileira após o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, no governo de Café Filho o Itamaraty manteve a política de estreitamento de relações com o Paraguai. Em janeiro de 1956, na presidência provisória de Nereu Ramos, o Brasil concedeu a Paranaguá o caráter de porto franco 59 Relatório da Comissão Rodoviária Mista anexo ao ofício conidencial n. 27 de Celso Raul GARCAI, Encarregado de Negócios, ao Ministério de Relações Exteriores, Assunção, 06.01.1955. Idem. 132 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) paraguaio. Em outubro desse ano, os presidentes Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Alfredo Stroessner lançaram a pedra fundamental da ponte internacional sobre o rio Paraná, cuja travessia era feita precariamente por barcaças. Ainda nesse mês de outubro, o chanceler Macedo Soares assinou em Assunção um tratado de comércio entre os dois países. Em 1957, Stroessner visitou o Brasil e, em 1959, a rodovia Coronel Oviedo-Presidente Franco foi inaugurada. Em março de 1965, inaugurou-se a Ponte da Amizade, ligando Brasil e Paraguai, a qual, porém, somente liberou o comércio paraguaio do Rio da Prata ao completar-se, em 1969, o asfaltamento da rodovia BR-277 que uniu Foz do Iguaçu a Paranaguá. 133 V Aprendizado de cooperação e de superação de divergências Juscelino Kubitschek de Oliveira chegou ao poder com a mesma aliança política PSD-PTB de Getúlio Vargas, mas contando com o apoio do Exército, e aprofundou o projeto de industrialização do país. Em seu governo, a política externa brasileira atuou, basicamente, como instrumento em favor do crescimento econômico do país. O desenvolvimento nacional não era visto isoladamente, mas, sim, como resultado de um esforço de cooperação hemisférica, proposta por Kubitschek na Operação Pan-Americana (OPA), em 1958. Esta tinha como premissa que o combate à pobreza era a melhor forma de se combater ideologias antidemocráticas e assim foi apresentada aos EUA, do qual se esperava o aporte de capital necessário para a modernização das economias do continente. A iniciativa foi recebida sem entusiasmo pelo governo-norte americano e sem seu apoio financeiro, a OPA não foi implementada. De todo modo, a proposta da OPA foi importante para o Brasil, pois “significou uma 135 Francisco Doratioto experiência estratégica para a adoção de uma identidade latino-americana e um investimento na formulação de uma política específica para região” (PINHEIRO, p. 167). A política de Kubitschek coincidia com a orientação do governo argentino presidido por Arturo Frondizi (1958-1963). Este visitou o Brasil em abril de 1958, na condição de presidente eleito, e, ao assumir o poder, privilegiou o esforço pelo desenvolvimento econômico e apoiou, de imediato, a proposta da Operação Pan-Americana. Nos dois casos, brasileiro e argentino, o desenvolvimentismo ia além da dimensão econômica, tornando-se uma ideologia que estava presente nas políticas internas e externas dos dois países. Além desse substrato ideológico, também contribuiu para a harmonia nas relações bilaterais a análise do Itamaraty de que a política externa argentina tinha, desde a queda de Perón, “caminhado progressivamente de uma posição de aberto expansionismo sobre os vizinhos, incluindo o Brasil, para uma atitude favorável ao entendimento” (VIDIGAL, p. 36). Brasil e Argentina vivenciaram, no final dos anos 50 e início dos 60, um dos melhores momentos nas suas relações durante o século XX, apenas rivalizado com aquele dos governos Sarney e Alfonsín, na década de 1980. Permaneceram, porém, sem solução problemas comerciais, como a recusa argentina em abrir seu mercado a produtos manufaturados brasileiros, como o material ferroviário, e o déficit comercial brasileiro no comércio bilateral. Havia, porém, “um diálogo aberto a respeito de tais problemas, apesar de não conseguirem traduzir a vontade política de 136 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) incremento do comércio bilateral em medidas práticas para superá-los” e uma intensa troca de informações diplomáticas (VIDIGAL, p. 49). O nível de excelência das relações brasileiro-argentinas foi mantido com Jânio Quadros, sucessor por poucos meses de Juscelino Kubitscheck na Presidência da República. Quadros se encontrou com Frondizi, entre 20 e 22 de abril de 1961, na cidade fronteiriça brasileira de Uruguaiana. Daí resultaram acordos que estabeleceram um sistema permanente de consultas e trocas de informações entre os dois países; de defesa de uma maior integração entre ambos; de cooperação na defesa da democracia; de repulsa à interferência de poderes extracontinentais na América e a ações contrárias às soberanias nacionais. Era afirmada a necessidade de ação conjunta continental na defesa da estabilidade política e social dos países do continente, além de defender o desenvolvimento econômico. Conforme Pinheiro (p. 169), a convergência de posições entre Argentina e Brasil abriu caminho para a criação da Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC), em 1960, e atingiu seu ápice quando os dois países se colocaram a favor da manutenção de Cuba no sistema interamericano, na Conferência de Punta del Este em 1962. A ideia de uma América do Sul com personalidade própria no contexto internacional sofreu resistências, inclusive dos Estados Unidos (CAMILIÓN, pp. 73-75), e não houve tempo, afinal, para que o encontro de Uruguaiana produzisse resultados. Frondizi foi deposto pelas Forças Armadas em 1962, o que significou dupla ruptura, pois 137 Francisco Doratioto rompeu com o incipiente processo de democratização pelo qual passava o país e, em sua política exterior, substituiu o projeto desenvolvimentista por um conservador. Os militares argentinos, eram contrários à política exterior de Frondizi, “principalmente o entendimento com o Brasil”, pois viam nela uma tendência neutralista, contrária às tradições ocidentalistas da Argentina (VIDIGAL, p. 76). Nessas circunstâncias, o Congresso argentino não ratificou os acordos assinados em Uruguaiana. Já no Brasil, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, resultado de uma manobra política malsucedida para aumentar seus poderes em prejuízo do Poder Legislativo, gerou uma crise política que persistiu durante o governo de seu sucessor, João Goulart. A administração deste sofreu um processo de desestabilização interno, com apoio do governo norte-americano, e acabou deposto pelo golpe militar de 1964, comandado pelo general Castelo Branco. Este, no governo, pôs fim à Política Externa Independente que, como instrumento de desenvolvimento econômico, buscava diversificar a atuação externa do Brasil e buscar novas oportunidades comerciais no mundo. Nas eleições presidenciais argentinas de 1964, estando proscrito o peronismo, a Unión Cívica Radical retornou ao poder elegendo Arturo Illia (1964-1966) à Presidência da República. A falta de compatibilidade entre o governo civil e democrático, de Illia, e o militar e autoritário, de Castelo Branco, levou ao esfriamento nas relações bilaterais (CAMILIÓN, p. 192). Contudo, dois anos depois, em 1966, Illia foi deposto por um golpe militar que colocou o general Juan Carlos Onganía no poder (1966-1969). Uma diferença 138 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) importante entre as consequências econômicas dos dois golpes de estado foi a de que, no Brasil, os governos militares deram continuidade ao esforço industrializante, enquanto na Argentina foi abortado projeto nesse sentido implementado por Frondizi, talvez para não ampliar o operariado, base política do inimigo mais poderoso dos militares, o peronismo. Os governos brasileiro e argentino tinham, porém, forte identidade ideológica, quer na concepção autoritária de organização política, quer na prioridade no combate ao comunismo. Mas “não se recuperou a cordialidade oficial e nem [se] deu maior densidade às relações” bilaterais (SARAIVA, p. 47). Com a ascensão do marechal Costa e Silva à Presidência do Brasil, em 1967, a diplomacia brasileira abandonou as ideias de fronteiras ideológicas e de interdependência de Castelo Branco. O Itamaraty voltou-se para a abertura de novos mercados no exterior, como parte do projeto desenvolvimentista, e, no Prata, se interessava por cumprir o que ficara estabelecido em Uruguaiana, de aprofundar a integração econômica. Isto ficou demonstrado pela criação da Comissão Executiva Brasil-Argentina de Coordenação e pela discussão entre os dois governos de um novo acordo sobre o fornecimento de trigo argentino ao mercado brasileiro. Também adotaram posição comum em questões que estavam sendo negociadas na ALALC e decidiram agir, conjuntamente, para o desenvolvimento regional platino. Em 1969 foi assinado o Tratado da Bacia do Prata, originariamente proposto pelo presidente Illia, em 1965, e o Brasil não fora entusiasta da ideia, mas mudou de posição 139 Francisco Doratioto devido à nova realidade bilateral bem como para não ficar isolado, pois Paraguai, Uruguai e Bolívia não haviam aderido à ideia. Ademais, por motivos econômicos, interessava ao Brasil melhorar o sistema de comunicações e transporte na região platina. O Tratado estabeleceu os termos da cooperação entre os países da região. Buscava-se permitir sua integração física por meio da utilização dos recursos hídricos (navegação, produção de energia elétrica, etc.) e a melhoria da infraestrutura de comunicações e transporte, viabilizando maiores relações entre centros econômicos importantes, gerando intercâmbio comercial e criando condições para posterior integração econômica regional (BANDEIRA, 1987, pp. 46-47; 1993, p. 221). A implementação do Tratado era um desafio, pois dois dos signatários, Argentina e Uruguai, sequer conseguiam definir seus limites. Montevidéu continuava a pleitear que, no estuário platino, a linha divisória deveria dividir ao meio as suas águas, o que tornaria uruguaia a estratégica ilha de Martín García. Em dezembro de 1968, o governo uruguaio publicou edital para empresas se candidatarem à exploração de petróleo no Prata e na plataforma marítima adjacente. A iniciativa causou reação contrária da chancelaria argentina que, porém, em 1968, tinha feito o mesmo anúncio, sobre uma área que respeitava a linha média de limite pleiteada pelo Uruguai. Em janeiro de 1969 se instalou um grupo de trabalho argentino-uruguaio para tratar do assunto, mas seu funcionamento foi interrompido pelo agravamento da crise nas relações bilaterais causada pela disputa sobre uma ilhota no Prata. O funcionamento foi retomado quando o 140 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) presidente Onganía ordenou a retirada dos argentinos dessa ilhota (CISNEROS; ESCUDÉ, t. XIV, cap. 66). O Brasil, por seu lado, se antecipara ao Tratado da Bacia do Prata ao tomar iniciativas bilaterais de cooperação, como os acordos com o Uruguai, para explorar o potencial hidrelétrico na bacia da Lagoa Mirim, e com o Paraguai, para aproveitar, também com fins energéticos, o potencial hidráulico de Sete Quedas. Já em 1962, o governo brasileiro iniciara os estudos para instalar uma represa hidrelétrica acima dessas quedas. Após controvérsia levantada pelo Paraguai, quanto à linha fronteiriça na área das Sete Quedas e, inclusive, como resposta política ao questionamento, os governos brasileiro e paraguaio assinaram, em 22 de junho de 1966, a Ata das Cataratas. Por esta, os dois países concordaram em construir uma represa hidrelétrica binacional na fronteira, que seria a maior do mundo em potência, e, no ano seguinte, criou-se uma comissão mista técnica para tratar do assunto. Em 1970, a Eletrobras e a Ande, empresas estatais de energia elétrica, respectivamente, do Brasil e do Paraguai, assinaram convênio para estudo de viabilidade do desvio do rio Paraná, de modo a permitir a construção da barragem da hidrelétrica. A solução de se construir uma hidrelétrica binacional encontrou resistência no Brasil. Anteriormente, o engenheiro Marcondes Ferraz tinha feito, por encomenda do governo brasileiro, um estudo que previa o aproveitamento do rio Paraguai apenas pelo Brasil. Não era, porém, um projeto completo, mas “apenas um traço de engenharia, uma aspiração”, discutível juridicamente e, naquelas 141 Francisco Doratioto circunstâncias, impraticável politicamente. A hidrelétrica binacional, além de se inserir no programa do Brasil de explorar o potencial energético dos rios da região sul, com a finalidade de viabilizar o processo de industrialização nacional, constituía uma solução política quanto à indefinição na demarcação daquela pequena porção da fronteira. Após concluída, suas águas inundariam o trecho de fronteira que motivara essa situação, pondo fim ao problema (BARBOZA, pp. 93-96). A decisão de se construir a hidrelétrica binacional brasileiro-paraguaia, que seria Itaipu, resolveu uma discórdia com o Paraguai, mas gerou outra com a Argentina, que adquiriu graves dimensões. O governo argentino reivindicou ser consultado sobre a construção a represa da hidrelétrica, de modo a evitar prejuízos em seu território. Defendeu que, nesse tipo de obra, deveria ser obrigatória a consulta prévia aos países ribeirinhos do curso inferior de rios internacionais de curso sucessivo, correndo por mais de um Estado. A altura da barragem da represa brasileiro-paraguaia, ao alterar as características do curso das águas do rio Paraná, determinaria as características da geração de energia por Corpus Christi e Yacyretá, hidrelétrica que a Argentina resolveu construir no rio Paraná. A geração de energia é proporcional à altura da represa, portanto quanto mais alta esta for, em relação ao nível do mar, maior será a quantidade de energia por ela gerada. Nas condições físicas da região, o lago que viria a ser de Corpus, se esta viesse a ser construída, alcançaria a usina de Itaipu e quanto mais alta fosse a represa argentina, menor seria a queda d’água de Itaipu. 142 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) O governo brasileiro, porém, se recusou a aceitar que obras em seu território, que constituíam atos soberanos, devessem obter autorização de outros países. O Brasil defendia o critério da responsabilidade jurídica dos Estados quanto ao aproveitamento hidrelétrico dos rios. Além do aspecto da soberania, outro fator para a recusa brasileira era que o país necessitava, crescentemente, de energia elétrica para sua industrialização e poderia ter atrasada a construção de Itaipu, se na consulta prévia se estendessem as discussões para harmonizá-la com Corpus (BARBOZA, pp. 109-110). Isto na melhor das hipóteses, no caso de o governo argentino estar agindo de boa-fé e não com intenção de inviabilizar Itaipu, mas era este o caso. Em depoimento feito posteriormente, Azeredo da Silveira, então embaixador do Brasil em Buenos Aires, afirmou: A consulta prévia engendrada pela Argentina é tão complicada que as consultas demoram séculos, e os técnicos põem tudo o que é dificuldade em cima. Então, o processo de decisão significa praticamente a paralisia da construção da obra. E no caso de Itaipu, seria muito conveniente para eles, mas muito inconveniente para nós (SPECTOR, 2010, p. 230). Anteriormente, o enchimento do reservatório da hidrelétrica de Jupiá já havia criado tensão nas relações brasileiro-argentinas. Para enchê-lo era necessário fechar o rio Paraná, o que poderia criar dificuldades para as economias de regiões, em território argentino, que dependiam da navegação dessa via fluvial, pois teriam problemas caso 143 Francisco Doratioto baixasse demasiadamente o seu nível de água. A questão foi contornada por um acordo estabelecendo a quantidade mínima de água a ser vertida, de modo a garantir a navegação rio abaixo. Essa solução, porém, atendia somente a represa de Jupiá, parte de complexo gerador de energia de Urubupungá, que tinha uma segunda represa, maior, chamada Ilha Solteira. Quando esta começou a ser construída, novamente as relações entre Brasil e Argentina desgastaram-se, no momento em que Buenos Aires enfrentava outra situação diplomática complicada, com o Chile, pela soberania sobre o canal de Beagle e das ilhas Picton, Lenox e Nueva. Foi dura a disputa diplomática brasileiro-argentina sobre a consulta prévia quanto ao aproveitamento dos rios da Bacia do Prata, levando à deterioração das relações bilaterais. Essa situação, afirma Ricupero (1996, p. 49), era o “desdobramento da secular disputa brasileiro-argentina por influência na região do Prata, reforçada por uma “overdose” da geopolítica de volta à moda nos círculos dirigentes dos dois países”. Havia, porém, uma real necessidade brasileira de recorrer às fontes energéticas dos rios do Prata, para atender à demanda decorrente da expansão econômica do Centro-Sul do Brasil. Em 1971, na Conferência da Bacia do Prata, em Assunção, a Argentina deu um “‘faux pas’ maiúsculo e inexplicável”. Do ponto de vista argentino, ao aprovar a Declaração sobre o Aproveitamento de Rios Internacionais, pela qual o uso de rios contíguos, de “soberania compartilhada”, exigia o acordo prévio dos Estados ribeirinhos. A Declaração estabelecia, 144 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) contudo, que, no caso de rios de curso sucessivo, por não ser a soberania compartilhada, cada país poderia explorar suas águas desde que não causasse “prejuízo sensível” a outro Estado da Bacia do Prata. Por essa distinção entre rios de curso internacional, Brasil e Paraguai não tinham que consultar a Argentina na exploração de seus recursos fluviais. Esse foi o argumento de Direito Internacional que os Governos brasileiro e paraguaio citaram, nos anos seguintes, em favor de suas posições (MILLER, pp. 64-65). Mário Gibson Barboza, que se tornara Ministro das Relações Exteriores do Governo Médici, comentou que ele próprio não escreveria um texto melhor, “que mais atendesse aos nossos interesses”. Antes daquela Declaração, o chanceler argentino Luis Maria de Pablo Pardo manteve conversa particular com Gibson Barboza e afirmou que, mesmo se o Brasil aceitasse a tese de consulta prévia, o governo argentino não concordaria com as propostas brasileiras que viessem a ser apresentadas. Justificando-se, com “desconcertante franqueza”, Pardo disse a Gibson Barboza: “o que não queremos, realmente, é que vocês construam essa hidrelétrica com o Paraguai” (BARBOZA, pp. 109-110). E não se queria porque, em decorrência de sua estagnação econômica e impasse sociopolítico, a Argentina assumiu uma atitude “extremamente defensiva” frente ao Brasil, que crescia a taxas anuais de 9% a 11%, de modo a “frear” a alteração do equilíbrio geopolítico entre os dois países (BANDEIRA, 1993, pp. 223-224). Na perspectiva do governo argentino, aceitar uma entente com o vizinho brasileiro 145 Francisco Doratioto “poderia beneficiar a política de liderança continental que o Brasil cultivava como um destino manifesto” (VIDIGAL, p. 136). A controvérsia em torno da consulta prévia para a construção de Itaipu foi introduzida na Organização das Nações Unidas (ONU) em junho de 1972, quando da realização da Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo. A diplomacia argentina tentou obter da Conferência o estabelecimento de regras sobre o uso de recursos naturais compartilhados por mais de um país, que incluíssem o princípio de consulta prévia. Houve, então, um grande enfrentamento entre as diplomacias brasileira e argentina e, no final, aquele objetivo de Buenos Aires não foi alcançado. Na declaração final da Conferência, porém, constou como recomendação, ao país que explorasse esses recursos, que comunicasse ao outro, com o qual os compartilhava, o início da exploração muito antes de seu início. Entre os Princípios e Recomendações de Estocolmo, o de número 21 declarava, ambiguamente, que os Estados tanto tinham o direito soberano de explorar seus recursos naturais, de acordo com sua própria política ambientalista, quanto tinham o dever de fazê-lo de modo a não causar prejuízo ao meio ambiente de outros países (MILLER, pp. 67-71). Argentina e Brasil chegaram a um entendimento durante a Assembleia da ONU de 1972, após um encontro exclusivamente entre os chanceleres Gibson Barboza e Eduardo McLoughlin, em Nova Iorque. O Brasil comprometeu-se não a consultar, mas, sim, a informar previamente a Argentina sobre o projeto binacional da represa hidrelétrica 146 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) de Itaipu em Sete Quedas. O acordo foi aprovado por unanimidade pela Assembleia da ONU, mas a eleição do peronista Héctor Cámpora para a Presidência argentina levou à sua denúncia, por ser considerado prejudicial aos interesses da Argentina. Argumentava-se que Itaipu, conforme estava planejada, prejudicaria a capacidade de geração de energia de Corpus Christi e Yacyretá. Buenos Aires voltou a insistir na necessidade de consulta prévia e Juan Domingo Perón manteve essa postura, ao retornar à Presidência em fins de 1973. De volta ao poder, Perón buscou melhorar a posição regional da Argentina e, embora tivesse sido eleito e seu país fosse formalmente democrático, não teve problemas em estreitar relações com o presidente uruguaio Juan María Bordaberry. Este fora eleito e assumira a Presidência em 1972, mas deu um golpe de Estado em junho de 1973, como resposta ao crescimento da esquerda, inclusive armada. Para o golpe, Bordaberry contou com o apoio político do governo Médici no que Bandeira classifica como “diplomacia militar paralela”, exercitada no Uruguai, Bolívia e Chile, mais “como uma projeção externa da política interna de repressão e contrarrevolução permanente, exacerbada durante os anos do governo do general Médici” (BANDEIRA, 1987, pp. 56-57). Perón resolveu a antiga e desgastante questão de limites no Rio da Prata com o Uruguai, quanto à soberania e ao uso do estuário pelos dois países. Em novembro de 1973, foi assinado o Tratado del Río de la Plata y su Frente Marítimo, que não estabeleceu limites no rio, “mas, sim, um estatuto para o uso de suas águas de acordo com uma 147 Francisco Doratioto série de parâmetros”. Na mesma ocasião Perón e Bordaberry assinaram a Acta de Confraternidad Rioplatense, na qual se afirmava que a assinatura daquele Tratado era “o ponto de partida para uma colaboração mais estreita em todos os campos”. No início do ano seguinte, Bordaberry foi a Buenos Aires para ratificar com Perón aquele Tratado e tratar do andamento da construção da represa hidrelétrica de Salto Grande, situada no curso médio do rio Uruguai e que começaria a gerar energia elétrica em 1979. Em maio de 1974, a Argentina assinou com o Uruguai, o Paraguai e a Colômbia um acordo sobre medidas conjuntas contra as restrições da Comunidade Europeia sobre a importação de carnes (CISNEROS; ESCUDÉ, t. XIV, cap. 67). A proximidade argentino-uruguaia não preocupava o Itamaraty, que a via com naturalidade, pois não afetava os interesses brasileiros (GUERREIRO, 2010, p. 352). Com anterioridade àquele acordo da construção de Salto Grande, o Brasil já assinara com o Paraguai, em 26 de abril de 1973, o tratado criando a usina hidrelétrica binacional Itaipu, verdadeira engenharia política e jurídica. Itaipu adquiriu a personalidade jurídica internacional de empresa binacional, na qual brasileiros e paraguaios teriam paridade na construção, operação e divisão da energia gerada. O governo brasileiro, por meio da Eletrobras, assumiu a responsabilidade do aval para os empréstimos necessários à construção de Itaipu, inclusive da parte do Paraguai, que não dispunha de recursos financeiros e nem de créditos internacionais. A Argentina buscou contrapor-se à crescente aproximação de Brasil e Paraguai. Em dezembro de 1973 os governos de 148 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Perón e Stroessner assinaram o tratado para a construção da hidrelétrica binacional de Yacyretá, no rio Paraná. Ao criar no Paraguai interesse concreto em realizar outra obra hidrelétrica, com a Argentina, Perón não só assegurou importante aporte energético futuro a seu país, como buscou evitar que o país guarani ficasse totalmente sob influência brasileira. Sua morte, porém, levou à ascensão à chefia de Estado da viúva e vice-presidente, Isabel de Perón, a qual não foi considerada interlocutora válida por parte do governo brasileiro (CAMILIÓN, p. 172, p. 196). A construção da hidrelétrica de Itaipu e da rodovia asfaltada, ligando o porto brasileiro de Paranaguá, no Paraná, ao Paraguai, estimulando o comércio bilateral e facilitando o comércio internacional do país vizinho, tiveram grande impacto na economia paraguaia, dinamizando-a. Instalaram-se no Paraguai instituições bancárias brasileiras; o país passou a abastecer-se de manufaturados e produtos alimentícios industrializados no Brasil e principalmente o nordeste paraguaio tornou-se polo de atração para agricultores brasileiros – os “brasiguaios”. Inverteu-se, assim, a balança geopolítica no Paraguai, com a ascendência econômica argentina sendo substituída pela brasileira. No Rio da Prata, os críticos da política externa brasileira viram em Itaipu a manifestação visível do “imperialismo brasileiro”. Robustecia tal preocupação a existência de uma espécie de “diplomacia militar paralela” brasileira, que apoiou golpes de Estado na Bolívia, em 1971 e, dois anos depois, no Uruguai e no Chile. Esses golpes de Estado, que resultaram em regimes ditatoriais, e, ainda, a evolução das 149 Francisco Doratioto relações com o Paraguai, isolando politicamente a Argentina no Cone Sul, condição que foi agravada ao abrir o Brasil “corredores de exportação” para os portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande que, modernizados, libertaram o Paraguai e a Bolívia da dependência do porto de Buenos Aires para seu comércio exterior. (BANDEIRA, 1987, p. 540) No caso do Uruguai, em 12 de junho de 1975 o Brasil assinou com o país o Tratado de Amizade, Cooperação e Comércio e, na mesma ocasião, o Protocolo de Expansão Comercial. No ano seguinte, em visita oficial ao Uruguai, o presidente Ernesto Geisel, que ao assumir o poder em março de 1974, afirmou que “a cooperação brasileiro-uruguaia tem-se desenvolvido, nestes últimos anos, com invulgar dinamismo”. O aproveitamento pelo Brasil do potencial hidrelétrico da bacia do rio Paraná garantia energia para desenvolver o parque industrial brasileiro e a infraestrutura da região sudeste. Enquanto isso, a economia argentina fragilizou-se em virtude da orientação implantada a partir de 1976, pela ditadura do general Jorge Rafael Videla, que degradou o parque industrial local. O desenvolvimento histórico assimétrico, entre 1960 e 1980, facilitou o aumento da presença brasileira no Rio da Prata. Nesse período, a Argentina teve crescimento médio anual do Produto Interno Bruto – PIB de 2% e assistiu a doze mudanças de governo. Em contraste, no Brasil, nesses mesmos vinte anos, o PIB cresceu a média anual de 5% e teve maior estabilidade política, contando com oito governos (BIRCH, p. 199). Em 24 de março de 1976, um golpe militar depôs Isabel de Perón e a Argentina passou a viver sob um clima de quase 150 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) guerra civil, devido à ativa dos movimentos guerrilheiros dos Montoneros e do Ejército Revolucionário del Pueblo (ERP). O novo governo, presidido pelo general Jorge Rafael Videla, tinha duas difíceis questões externas: a arbitragem do Vaticano sobre as divergências argentino-chilenas em torno soberania sobre ilhas no canal de Beagle e a construção, pelo Brasil, de represas hidrelétricas no rio Paraná. Em 1975, foram iniciadas as obras civis para construção da represa de Itaipu, levando as relações brasileiro-argentinas a uma situação crítica. Os militares argentinos no poder, ao se darem conta da vulnerabilidade externa do seu país, buscaram solucionar, por meio da negociação, os problemas com o Brasil e, para tanto, nomearam Oscar Camilión para ser embaixador em Brasília. Ele conhecia o Brasil, onde já servira no governo Frondizi, e via como única alternativa para o impasse nas relações bilaterais a de Argentina e Brasil deixar de se verem como rivais e se tornarem sócios (CAMILIÓN, pp. 188, 192). Antes de partir de Buenos Aires para assumir o cargo em Brasília, Camilión ouviu do Ministro da Fazenda, Martínez de Hoz, que o projeto de Yacyretá era uma prioridade para o governo argentino, mas não o de Corpus. Segundo Martínez de Hoz, Corpus não era um projeto viável quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista técnico. Em suas memórias, Camilión afirma não ter encontrado receptividade à iniciativa negociadora por parte do presidente Geisel e nem do chanceler Azeredo da Silveira. Como alternativa, o novo embaixador utilizou-se da imprensa para transmitir mensagens à opinião pública e às Forças Armadas brasileiras. 151 Francisco Doratioto O conteúdo delas era no sentido de convencer que o governo da Argentina não podia, devido às suas próprias necessidades econômicas e circunstâncias internas, aceitar a construção de uma obra como Itaipu, sem ser consultada sobre seus efeitos. Facilitou o trabalho desse embaixador, o fato de as Forças Armadas brasileiras verem com simpatias a ditadura argentina e terem passado a encarar como inimigas as forças de esquerda da Argentina e não seus militares (CAMILIÓN, pp. 194-196, pp. 200-201). A negociação sobre as represas no rio Paraná tinham, do ponto de vista argentino, duas questões críticas: uma referente à altura do nível de água da represa da futura usina de Corpus e, outra, a da definição da ciclagem paraguaia. O Brasil desejava converter de 50 para 60 ciclos, que era a sua ciclagem, o sistema elétrico paraguaio, pagando, para tanto, a conversão ou substituição de todos os equipamentos elétricos do Paraguai, inclusive os domésticos. Se houvesse essa conversão, Yacyretá teria que ser construída com duas ciclagens diferentes, tendo em vista utilizar a Argentina o padrão de 50 ciclos, o que tornaria mais complicado os custos e as negociações sobre a construção dessa hidrelétrica. Estimulado pela Argentina e praticando a diplomacia pendular, que exercia quando as condições o permitiam, Stroessner resistiu a fazer a conversão para 60 ciclos e, para não atrasar os prazos contratuais para a construção de Itaipu, o presidente Geisel notificou o governo paraguaio, em 1978, que seriam construídas 9 turbinas de cada ciclagem na hidrelétrica (CAMILIÓN, pp. 204-205). Em 1985, Itaipu já estava operando a primeira de suas 18 turbinas, enquanto 152 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Yacyretá começou a gerar eletricidade apenas em 1994 e o projeto de Corpus não saiu do papel. A política do governo Geisel para a América do Sul tinha como diretriz principal a contenção política da Argentina na região e deu respostas frontais a contestações argentinas. Seu governo “não buscou faixas de coincidência para diluir o clima contencioso”, mesmo com comércio brasileiro-argentino dando um grande salto, pois “sujeitou todas as áreas de relação bilateral à dinâmica da negociação fluvial da Bacia do Prata” (SPEKTOR, 2002, p. 134). A abertura de diálogo entre Brasil e Argentina foi facilitada pela ascensão de Jimmy Carter à Presidência dos EUA. Carter desencadeou uma ação de defesa dos direitos humanos, pressionando os regimes brasileiro e argentino para respeitá-los, e se opôs à política nuclear brasileira, depois da assinatura do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, tendo em vista evitar a proliferação de armas nucleares. Nessa ocasião, o embaixador Camilión declarou, em entrevista à imprensa, o apoio argentino ao programa nuclear brasileiro, por nele ver intenções pacíficas e acrescentou que seria interessante, na medida do possível, coordenar as políticas nucleares de seu país e do Brasil (CAMILIÓN, pp. 202-203). Ao defender a autonomia do programa nuclear brasileiro, Camilión defendia o próprio programa nuclear argentino, mais antigo e avançado do que o do Brasil e que também tinha uma dimensão militar. A ascensão do general João Batista Figueiredo à Presidência do Brasil, em março de 1979, favoreceu para que Brasil e Argentina pusessem fim à polêmica sobre o 153 Francisco Doratioto aproveitamento das águas do rio Paraná. Ajudava a criar um ambiente conciliador a simpatia que Figueiredo tinha pela Argentina, onde vivera parte de sua infância ao acompanhar seu pai, que se exilara no país por motivos políticos. Impunha uma postura brasileira conciliadora, a necessidade de evitar o comprometimento da segurança e estabilidade, no subsistema platino de relações internacionais, necessárias à continuidade do projeto desenvolvimentista brasileiro. No governo Geisel, as divergências com a Argentina em torno da questão de Itaipu/Corpus fez sombra, nas relações bilaterais, sobre os interesses comuns como assuntos comerciais, a defesa na autonomia dos programas nucleares e, ainda, de segurança entre dois regimes autoritários. Havia, por certo, a tentativa do governo argentino de controlar ou vetar o atendimento de uma necessidade vital brasileira, a de obter energia elétrica farta e a baixo custo. Mais do que uma questão técnica, esta era uma manifestação da “força profunda” da disputa geopolítica pela ascendência sobre o Paraguai que teve sua origem, no Brasil, na diplomacia imperial atuando para conter Buenos Aires e, na Argentina, na política expansionista de Rosas, que se recusava a reconhecer a independência paraguaia, que foi recuperada por correntes nacionalistas argentinas nas primeiras décadas do século XX. Em outubro de 1979, chegou-se ao acordo tripartite – Argentina, Brasil e Paraguai – para o aproveitamento hidrelétrico de Itaipu e Corpus. Foi encontrada a solução de desviar as águas do rio Iguaçu, para manter o volume de água para navegação no território argentino com o fechamento rio 154 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Paraná para construir a represa de Itaipu. Sabia-se que a solução causaria danos materiais nas margens argentinas e, quando ocorreram, os prejudicados foram indenizados pelo Brasil. Com o acordo, a usina de Itaipu teria 18 turbinas, em lugar de 20 como se chegou a cogitar no governo Geisel e que teve oposição da Argentina, e Corpus formaria seu lago com altura da barragem em 105 metros acima do nível do mar, quando originalmente a demanda argentina era de 120 metros, o que era impraticável, pois as águas invadiriam o território brasileiro e inviabilizariam aquela hidrelétrica brasileira. A existência de Corpus, com altura de 105 metros, permitiria a Itaipu verter, quando necessário, volumes maiores de águas, pois não haveria o risco de prejudicar, com cheias inesperadas, populações e atividades econômicas rio abaixo. O lago de Itaipu, por sua vez, supriria Corpus de volumes regulares de água, facilitando sua operação e a geração de quantidades constantes de energia elétrica. 155 Vi O caminho da integração O acordo tripartite significou a remoção “da pedra que bloqueava o caminho de uma relação mais satisfatória com os vizinhos” (RICUPERO, 1996, p. 51). Instalado o clima de distensão no Prata, o presidente Figueiredo visitou o Paraguai em maio de 1980, ocasião em que devolveu documentos e objetos pessoais de Francisco Solano López, que se encontravam no Brasil desde o final da guerra desse país contra a Tríplice Aliança, em 1870. De Assunção, Figueiredo viajou para Buenos Aires, para a primeira visita oficial de um presidente brasileiro a essa capital desde 1935, com a participação de empresários e ministros brasileiros. Na ocasião foram assinados vários acordos para estimular a integração econômica e um de cooperação nuclear o qual, pela sensibilidade do tema, mostrava que as relações bilaterais tinham alcançado um novo patamar de entendimento. Pouco depois, em agosto desse mesmo ano, Jorge Rafael Videlafez visita oficial ao Brasil, assinando novos acordos e criando-se grupos de trabalho em diferentes temas de interesse mútuo. 157 Francisco Doratioto Em 1981, o general Galtieri assumiu a presidência da Argentina e implementou uma política de alinhamento aos objetivos dos Estados Unidos, diminuindo a participação no movimento dos países não alinhados. Quanto à América Latina, afirma Vidigal (pp. 244-245) ter a diplomacia argentina retornado ao discurso ambíguo “ora defendendo a ideia da integração, ora recuperando elemento da realpolitik”. Esta aumentou as tensões com o Chile, principalmente em torno da soberania no canal de Beagle, e levou à invasão das ilhas Malvinas, para pôr fim à dominação britânica sobre elas. Desse modo, no seu curto governo, Galtieri “ajudou a reforçar o caráter errático da orientação argentina em política exterior” e colocou em dúvida, para interlocutores estrangeiros, a confiabilidade na implementação de entendimentos que viessem a ser feitos com o governo argentino. Em 1º de abril de 1982, soldados argentinos desembarcaram nas ilhas Malvinas, dando início à guerra com a Grã-Bretanha. O chanceler brasileiro Saraiva Guerreiro declarou que o Brasil sempre apoiou o direito argentino sobre essas ilhas e que esperava que a Argentina e a Grã-Bretanha resolvessem o problema por meios pacíficos. A posição do governo Figueiredo foi formalmente de neutralidade no conflito, mas, na realidade, cooperou com a Argentina, favorecendo-a. O Brasil assumiu a representação dos interesses argentinos em Londres; vendeu à Argentina dois aviões Bandeirante, de patrulha, e cedeu um caça Xavante, mas já no fim do conflito. No plano econômico, o governo Figueiredo não reconheceu a validade jurídica do embargo 158 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) econômico imposto pela Comunidade Europeia à Argentina e permitiu que portos no sul brasileiro fossem usados para a exportação de mercadorias argentinas. O Brasil apoiou diplomática e politicamente a Argentina, enquanto outros países latino-americanos se restringiram à neutralidade (GUERREIRO, 2010, p. 281; BANDEIRA, 1993, pp. 244-245; VIDIGAL, pp. 251-252). O chanceler brasileiro da época, Saraiva Guerreiro, em depoimento posterior ressaltou que o Brasil teve de medir “milimetricamente” seus movimentos na questão das Malvinas, pois havia o risco, a todo momento, de o Itamaraty tomar decisões sobre questões concretas que criaria na Argentina ressentimentos que durariam gerações, “infernizando a vida dos dois países” e “que podia fazer reviver todos os fantasmas do passado” (GUERREIRO, 2010, p. 282). O apoio brasileiro à Argentina ocorreu antes, durante e depois da guerra. O governo brasileiro continuou a respaldar, desde que pacífico, o pleito argentino pelas Malvinas e tomou medidas concretas para evitar que se utilizasse o território nacional como base logística, aérea ou terrestre, para comunicações, mesmo que de caráter civil, entre essas ilhas e a Grã-Bretanha, exceto em casos de humanitários. Essa postura criou simpatias pelo Brasil na opinião pública argentina; contribuiu para gerar um clima favorável ao aprofundamento do entendimento e cooperação entre os dois países e para, afinal, tornar obsoleta a hipótese de guerra entre ambos. Alcançou-se, então, um nível de excelência nas relações bilaterais que teve como precedentes, com características diferentes, as relações entre os governos 159 Francisco Doratioto Hermes da Fonseca e Roque Sáenz Peña e entre Juscelino Kubitschek/Jânio Quadros e Arturo Frondizi. No final de 1983, houve a redemocratização da Argentina com a eleição de Raúl Alfonsín para a Presidência da República. No Brasil, onde se vivenciava o último governo militar e estava em marcha o processo de abertura política, havia ampla simpatia com a nova situação no país vizinho. Simpatia que também ocorreu na Argentina, quanto à redemocratização brasileira e a posse na Presidência, em 1985, de José Sarney, o vice do presidente eleito do presidente Tancredo Neves, que faleceu antes de ser empossado. Deu-se, então, um salto qualitativo nas relações bilaterais, como resultado da convergência democrática; das dificuldades semelhantes – entre outros, a inflação ascendente e a vulnerabilidade financeira externa; da necessidade da retomada do crescimento econômico e do clima de confiança mútuo. Em maio de 1985, Sarney enviou seu chanceler, Olavo Setúbal, a Buenos Aires em uma viagem mais do que protocolar. Setúbal transmitiu a Alfonsín a percepção de Sarney sobre as possibilidades positivas do relacionamento bilateral e de seu empenho “por inverter a noção da rivalidade inevitável em outra: a da integração viável e necessária”. O governo argentino, por dar grande importância à visita, agiu para torná-la agradável e produtiva, em atmosfera de cordialidade e informalidade. Setúbal voltou a Brasília positivamente impressionado e comunicou a Sarney sobre a aceitação argentina de se avançar na proposta brasileira de integração econômica. Frente às preocupações manifestadas 160 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) pelo lado argentino quando ao desequilíbrio, em seu prejuízo, da balança comercial bilateral, o Brasil redirecionou suas compras externas de trigo e petróleo para a Argentina (CORTÊS, pp. 73-75). A ideia de integração tinha, porém, opositores na Argentina e, em menor grau, no Brasil. Neste, as restrições se davam em setores do Itamaraty, “por estar a rivalidade no Prata muito presente na memória da instituição e pelas recentes cicatrizes deixadas com a questão de Itaipu”, e das Forças Armadas, que estavam empenhadas em um programa nuclear com finalidade bélica, existente também na Argentina, pois elas “tinham como objetivo último a supremacia militar sobre o vizinho” (CORTÊS, p. 81). Do lado argentino, um estreitamento inédito de relações com o Brasil serviria para Alfonsín pôr fim a uma das hipóteses de guerra das Forças Armadas, reduzindo seus recursos e sua capacidade de intervir no processo político argentino contra a democracia. Outra hipótese de guerra, com o Chile, pela soberania sobre ilhas no canal de Beagle, foi afastada quando a população argentina, em plebiscito convocado por Alfonsín, aceitou o laudo arbitral do Papa João Paulo II, que reconheceu como chilenas as ilhas em disputa e criou uma zona de gestão marítima comum. Argentina e Chile assinaram, em 1984, o Tratado de Paz e Amizade, pondo fim à questão. Com a Grã-Bretanha, a guerra real fora travada e seu resultado anulava a hipótese de um novo conflito, por sua impossibilidade política e militar. O primeiro encontro entre os presidentes Sarney e Alfonsín, que não tinham tido contato pessoal anteriormente, 161 Francisco Doratioto ocorreu em Foz do Iguaçu, em 29 e 30 de novembro de 1985, para a inauguração da ponte internacional Tancredo Neves. Alfonsín, nos tempos de sua militância política oposicionista, tinha tido contatos com Ulysses Guimarães e outros oposicionistas do antigo Movimento Democrático Brasileiro (partido de oposição à ditadura militar que era legal) e o chanceler argentino, Dante Caputo, tinha sido aluno de Fernando Henrique Cardoso em Paris (GUERREIRO, 2010, p. 294). Naquele encontro, Sarney e Alfonsín assinaram a “Declaração de Iguaçu”, na qual se registrou o avanço no relacionamento bilateral, a convergência dos pontos de vista dos governos dos dois países em vários temas internacionais e criou-se uma Comissão Mista de Alto Nível para Cooperação e Integração Econômica. Na ocasião, também foi assinada a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, na qual se criou um grupo de trabalho conjunto para a promoção do desenvolvimento nuclear para fins pacíficos. O processo de integração entre o Brasil e a Argentina foi acompanhado e apoiado, desde o início, pelo presidente uruguaio Júlio Maria Sanguinetti, que tomou posse em março de 1985, após uma década de ditaduras em seu país. A primeira visita internacional do presidente Sarney foi ao Uruguai, em 1985, quando assinou com Sanguinetti acordos de cooperação e concordaram na análise da realidade regional e da importância da democracia para os seus países. No entanto, enquanto Brasil e Argentina tinham similaridade em suas economias, a uruguaia era, em termos absolutos, modesta e vulnerável diante de uma integração econômica mais profunda. Considerando essa assimetria, 162 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) o Uruguai manteve a distância necessária das medidas integracionistas para preservar sua capacidade econômica (CORTÊS, p. 97). Em julho de 1986, Sarney e Alfonsín assinaram, em Buenos Aires, a Ata de Integração Brasileiro-Argentina que estabeleceu o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), sob o qual se abrigaram 24 protocolos sobre diferentes temas. Buscava-se, a longo prazo, uma integração “a ser construída a partir do enlace de setores produtivos e de iniciativa em campos fundamentais com energia, transporte, telecomunicações e outros”. A curto prazo, buscava-se atuar coordenadamente para enfrentar problemas comuns aos dois países, como a consolidação da democracia; o combate à inflação ascendente e o endividamento externo (VAZ, p. 79). Quatro meses depois, em dezembro, também em Brasília, os presidentes da Argentina e Brasil, na presença do convidado especial, o colega uruguaio, assinaram documentos e protocolos para intensificar a cooperação bilateral e a Ata de Amizade Argentino-Brasileira: Democracia, Paz e Desenvolvimento, estabelecendo um projeto político estratégico comum. Essa Ata era composta de dez artigos, nos quais se reafirmava a importância da democracia; do respeito às normas de convivência internacional e do Estado de Direito para as respectivas políticas externas, para o aprofundamento da amizade brasileiro-argentina e para o desenvolvimento nacional. Reafirmava-se, no artigo III, que “o crescimento econômico é condição necessária para a justiça social, a consolidação da democracia e a paz”. 163 Francisco Doratioto Nos anos seguintes, em 1987 e 1988, Sarney e Alfonsín visitaram, respectivamente, os centros de pesquisas militares da Argentina e do Brasil. Em novembro deste último ano, em Buenos Aires, os dois presidentes assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento para, em dez anos, se alcançar um espaço econômico comum, mediante a remoção de obstáculos aduaneiros e outros à livre circulação de mercadorias e serviços, bem como para se harmonizar políticas econômicas dos dois países. Era um objetivo ousado, mas, ao mesmo tempo, exequível. Enquanto isso, o Paraguai isolava-se devido ao regime ditatorial de Alfredo Stroessner, em contraste com os governos democráticos nos demais países da região. O Paraguai era importante parceiro do Brasil, quer pela presença em seu território de milhares de “brasiguaios” – brasileiros e seus descendentes –, proprietários de terras que modernizaram a exploração da agricultura e ampliaram suas exportações agrícolas, quer pela construção de Itaipu. Sarney e Stroessner encontraram-se em outubro de 1985 para inaugurar a entrada em operação da terceira turbina dessa hidrelétrica, e em 1987 para a entrada em operação de outras duas, de 60 Hz, ciclagem utilizada do lado paraguaio. Nessas ocasiões, frente a observações de Sarney sobre a importância da democracia, Stroessner respondia que seu país “era uma democracia sólida, como provavam os altíssimos níveis de apoio popular observados” (apud CORTÊS, p. 101). De fato, em “eleições” presidenciais controladas por seu regime, sem liberdade de organização partidária e participação política, Stroessner conseguia, 164 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) desde que chegou ao poder na década de 1950, mais de 90% dos votos. A redemocratização do Brasil e, principalmente, da Argentina, bem como o ocaso da rivalidade entre ambos, reduziu a margem de manobra da política externa do regime de Alfredo Stroessner. Este não pôde mais praticar a política pendular, com a qual indicava que afastaria o Paraguai de um dos dois rivais, Brasil e Argentina, em favor do outro, como forma de arrancar concessões. Seu regime chegou ao fim em fevereiro de 1989, como resultado principalmente das lutas intestinas e, secundariamente, da pressão democrática externa. O velho ditador foi derrubado pelo general Andrés Rodríguez o qual recebeu do governo brasileiro, apoiado pelos da Argentina e do Uruguai, o recado quanto a importância de se estabelecer um regime democrático no Paraguai. Em 1º de maio desse ano, concorrendo com o liberal radical Domingo Laíno, Rodríguez se elegeu presidente e à sua posse compareceram os presidentes Alfonsín, Sanguinetti e Sarney, uma forma de prestigiar e estimular a democracia paraguaia. Em 1989, o peronista Carlos Saúl Menem foi eleito presidente da Argentina, em meio a profunda crise econômica. No ano seguinte, foi a vez de mudança presidencial no Brasil, com Fernando Collor de Mello assumindo a Presidência. Ambos se encontraram em Buenos Aires, em julho de 1990, em contextos mundial e regional diferentes de quando ocorreu o primeiro encontro de seus antecessores. Collor e Menem tinham o desafio de modernizar as respectivas economias, para que se tornassem mais produtivas e seus 165 Francisco Doratioto produtos mais competitivos. Para tanto, promoveram, com intensidades diferentes, condicionados pelas especificidades nacionais, a abertura econômica e a desregulamentação de mercados. E a integração econômica regional passou a vincular-se a esse esforço de mudanças econômicas. No plano externo, havia a perspectiva de fracasso da Rodada Uruguai do GATT60, o que enfraqueceria o sistema multilateral de comércio e, ademais, em junho também de 1990, o governo norte-americano havia anunciado o programa Integração para as Américas, de abertura de mercados entre os países latino-americanos, que colocaria em questão o Mercosul. A convergência desta nova realidade com a necessidade de modernizar rapidamente as economias brasileira e argentina resultaram na assinatura da Ata de Buenos Aires por Collor e Menem. Por ela, a integração bilateral adquiriu nova função, pois “além da dimensão essencial das políticas comerciais de ambos os países, passou a representar espaço específico de promoção de abertura econômica e internacionalização de seus respectivos setores produtivos”, expondo os agentes privados a uma exposição competitiva externa para promoverem a modernização da produção (VAZ, p. 106). A Ata de Buenos Aires reduziu pela metade, para o final de 1994, o prazo para a livre circulação de mercadorias e serviços estabelecida no Tratado de Integração, de 1988. A partir desta Ata, Brasil e Argentina “afastaram o conceito de integração gradual, flexível e equilibrada, e aceleraram o ritmo de liberalização comercial”, com o que o Uruguai e 60 Iniciais de General Agreement on Tarifs and Trade, organismo antecessor da Organização Mundial do Comércio. 166 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) o Paraguai perderiam as condições de acesso preferencial a esses dois grandes mercados, “levando-os a somar-se também ao esforço de construção do espaço econômico comum aos países do Prata” (BANDEIRA, 1993, pp. 249-250). Poucos meses depois, em novembro de 1990, Brasil e Argentina assinaram, em Foz do Iguaçu, a Declaração sobre Política Nuclear Comum. Comprovando o esforço de superação, nas relações bilaterais, do paradigma da rivalidade e, com ele, da hipótese de guerra, os dois países chegaram a um acordo sobre o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear e estabeleceram regras para contabilizar e controlar, mutuamente, os materiais usados nas suas atividades nucleares. Esse controle é feito pela Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, criada em 1993. Em 26 de março de 1991, foi assinado o Tratado de Assunção, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, para a constituição do Mercado Comum do Sul, o Mercosul. O tratado incorporou os mecanismos de integração existentes entre Brasil e Argentina e adotou uma estrutura de funcionamento, tendo como órgão supremo o Conselho do Mercado Comum e como executor o Grupo Mercado Comum. Esses mecanismos visavam uma integração econômica, com desdobramentos políticos e culturais, mas que não significava uma partilha de soberania dos Estados-membros, que continuavam a ter suas políticas externas com objetivos de acordo com as especificidades nacionais. No início de sua vigência, a integração no Mercosul foi prejudicada pelas diferenças macroeconômicas entre 167 Francisco Doratioto seus dois maiores integrantes, pois enquanto a economia argentina adotava o Plano de Convertibilidade para conter a inflação, no que foi bem-sucedido por algum tempo, o Brasil não conseguia estabilizar-se economicamente e convivia com inflação importante. A I Cúpula do Mercosul realizou-se em Brasília, em dezembro de 1991, presentes os quatros presidentes dos países-membros. Na ocasião, eles aprovaram o Sistema de Solução de Controvérsias, que estabeleceu três mecanismos extrajudiciários de solução para litígios entre os membros do Mercosul, a saber: negociação, conciliação e arbitragem. No ano seguinte, em outubro, os países-membros aprovaram o Cronograma de Las Leñas, que definiu prazos para o cumprimento dos compromissos estabelecidos no Tratado de Assunção. No entanto, não se harmonizou políticas macroeconômicas e “o resguardo da autonomia nessa área foi relevante e o grande crescimento deu-se em um setor onde foi pragmaticamente mais fácil: o comércio”. De fato, entre 1991 e 1994, as vendas argentinas para o Mercosul cresceram 140% e para o resto do mundo apenas 10% (SARAIVA, pp. 96-98). Testemunha do processo de integração, o embaixador Marcos Azambuja (p. 81) afirma que na constituição do Mercosoul “houve uma hipertrofia do político-diplomático e um déficit empresarial”, mas não por terem sido intencionalmente excluídos empresários e sindicalistas brasileiros. Relata Azambuja, que os homens de negócio brasileiros tinham um certo descrédito no processo integracionista, enquanto os líderes sindicais estavam concentrados em uma agenda imediatista e não 168 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) pensavam no futuro onde, com a integração, haveria um espaço ampliado para a mão de obra. Em dezembro de 1994, os presidentes Itamar Franco – que assumiu a Presidência brasileira após o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello –, Carlos Menem, Juan Carlos Wasmosy e Luís Alberto Lacalle, assinaram o Protocolo de Ouro Preto. Por ele, o Mercosul adquiriu personalidade pelo Direito Internacional e marcou o início da implementação da união aduaneira, ao ser aprovada a Tarifa Externa Comum, aplicável ao comércio dos países-membros com o resto do mundo. 169 Vii Conclusões O início das relações entre o Brasil independente e as Províncias Unidas do Rio da Prata, após uma fugaz ideia de colaboração por parte de José Bonifácio, ocorreu sob o signo da herança da geopolítica da ex-metrópole portuguesa, adotada por Pedro I. Este desejava manter a posse da margem oriental do Rio da Prata, para tê-la como fronteira brasileira natural ao sul, enquanto Buenos Aires lutava para conservar a Banda Oriental sob seu controle, como na época colonial. Em consequência, as duas partes foram à guerra (1825-1828) e, do impasse político-militar, surgiu um Estado, a República Oriental do Uruguai. Esse foi o último enfrentamento entre as lógicas geopolíticas de Portugal e Espanha na região. O Estado Monárquico brasileiro somente se consolidou na década de 1840 e via no Rio da Prata um espaço de ameaças, quer aos interesses econômicos de pecuaristas gaúchos, quer à consolidação e manutenção da integridade territorial brasileira. Afinal, ao sul conviviam dois sistemas políticos, um monárquico e outro republicano, e duas sociedades 171 Francisco Doratioto razoavelmente diferentes, a brasileira, com forte presença do trabalho escravo, e a rioplatense, com predomínio da mão de obra livre. Conviviam em um espaço sem fronteiras definidas e no qual Buenos Aires pretendia implementar um projeto de Estado Nacional centralizado, sob sua liderança, enquanto as demais províncias argentinas pleiteavam a descentralização; Paraguai e Uruguai se fizeram independentes. Fazendeiros rio-grandenses e bonaerenses tinham interesses na República Oriental, o que levou seu território a se tornar um espaço catalisador de tensões entre Buenos Aires e o Rio de Janeiro. Elas se agravaram a partir de 1843 quando Juan Manuel Rosas, governador de Buenos Aires e ditador da Confederação Argentina, apoiando os blancos na guerra civil uruguaia (1838-1851), se recusou a ratificar o tratado de aliança que propusera ao Brasil e que já fora assinado por Pedro II. No início da década de 1840, as elites brasileiras chegaram a um consenso em favor de um Estado Monárquico centralizado e concedeu a maioridade antecipada a Pedro II, de modo a adiantar a organização do II Reinado e se alcançar estabilidade político-social. Em 1848 o Partido Conservador chegou ao poder no Brasil e implementou uma política externa com dois objetivos principais, em relação aos países vizinhos: definir as fronteiras, a partir do critério da posse real do território no momento da independência, o uti possidetis, e conter a influência e tentativas de expansão de Buenos Aires no Rio da Prata. Se esta se realizasse, abrangendo o território do antigo vice-reinado colonial, os rios Uruguai, Paraná e Paraguai perderiam o caráter 172 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) internacional e os navios brasileiros, que os utilizavam para alcançar a isolada província de Mato Grosso, dependeriam do beneplácito do governo argentino para fazê-lo. Ademais, haveria uma ampliação da fronteira brasileiro-argentina, com Mato Grosso que, assim, ficaria mais vulnerável em caso de uma guerra entre o Brasil e a Argentina. Por último, uma poderosa república ao sul era indesejável ao Império porque serviria de referencial a movimentos republicanos brasileiros, particularmente no Rio Grande do Sul, onde já ocorrera uma experiência secessionista republicana. Como consequência, no final da década de 1840 tornou-se objetivo principal do Estado Monárquico no Prata defender as independências do Uruguai e do Paraguai. Para conter a ação de Rosas na guerra civil uruguaia, o Império se aliou, em 1851, à província de Entre Ríos para pôr fim à guerra civil uruguaia, favorecendo os colorados, e derrubar Rosas. A partir de então e até a década de 1870 o Império foi hegemônico no Prata, enquanto a política de contenção da Argentina se tornou uma força profunda, que repercutiria significativamente, sobre a política brasileira para a região, até a década de 1970. A Guerra do Paraguai constituiu um hiato, pois, em a resposta à invasão de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, houve a inversão na lógica diplomática do Império, ao se aliar à Argentina. Na década de 1880, garantidas as independências paraguaia e uruguaia e inexistindo riscos à livre navegação dos rios internacionais platinos, houve uma distensão nas relações entre o Império brasileiro e a Argentina, eliminando a instabilidade nas relações entre os países da região. 173 Francisco Doratioto O início da República, no governo provisório de Deodoro da Fonseca, caracterizou-se por um americanismo romântico, que logo se mostrou irreal. Na República Velha, a política externa atuou em harmonia com o modelo agroexportador, que demandava mão de obra e capitais de fora e exportava para mercados na Europa e, principalmente, para os Estados Unidos. A paz externa era mais do que uma compreensível aspiração, constituindo, também, uma necessidade para evitar perturbações à prosperidade econômica. O Barão do Rio Branco, no decênio em que esteve à frente do Itamaraty, construiu uma política externa harmônica com essas necessidades: aprofundou as relações com os Estados Unidos; definiu fronteiras com os países vizinhos, mediante a assinatura de tratados com base no uti possidetis e, no Rio da Prata, adotou postura de cordialidade e tolerância para com a Argentina, à qual propôs o Pacto do ABC. Essa República deixou de ser vista como necessariamente inimiga, embora para os meios militares brasileiros um conflito com esse país continuasse a ser a mais forte hipótese de guerra. Essas diretrizes, diplomáticas e militares, foram, no geral, sustentadas pelos diferentes governos brasileiros até a década de 1970. Também houve continuidade nas amistosas relações construídas pelo barão do Rio Branco com o Uruguai, o qual via no Brasil uma espécie de contrapeso à Argentina. Já com o Paraguai, o Brasil manteve uma relação discreta nas duas primeiras décadas do século XX, não isenta de tensões pontuais. A partir dos anos 1920, a diplomacia brasileira iniciou um esforço de recuperar posições perdidas para a Argentina, mas sempre sem confrontá-la. Foi apresentada 174 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) aos diferentes governos paraguaios, a partir de então, o uso de um porto brasileiro no Atlântico, como alternativa ao comércio exterior do Paraguai ao monopólio exercido por Buenos Aires. Essa saída para o litoral brasileiro, por Santos, em São Paulo, foi oficializada em um dos tratados assinados por Brasil e Paraguai em 1941, que fortaleceram ou criaram vínculos políticos, econômicos, culturais e logísticos entre os dois países. A política externa brasileira tornou-se mais complexa a partir da década de 1930, pois além de acompanhar a tensão internacional crescente com a ascensão do nazifascismo, passou a tratar não só da agroexportação mas também do esforço industrializante iniciado pelo regime de Getúlio Vargas. No Rio da Prata, a Argentina continuou com seu processo de industrialização e, nesse contexto, Juan Domingo Perón (1946-1955), nos seus dois governos, defendeu a integração econômica da América do Sul, sob liderança do seu país. Os governos Dutra e Vargas bloquearam essa iniciativa, quer por darem continuidade à centenária política de contenção da influência argentina, quer para não exporem a nascente e pouco competitiva indústria brasileira à competição da sua congênere argentina, mais desenvolvida. Coube à proposta da Operação Pan-Americana, do presidente Juscelino Kubitscheck, aumentar a presença diplomática nos países latino-americanos e adensá-la no Prata. Neste, em um raro momento, até então, de convergência de interpretações dos governos do Brasil e da Argentina, o presidente Arturo Frondizi coincidia com Kubitscheck no desenvolvimentismo e na percepção das vantagens da 175 Francisco Doratioto colaboração entre os dois países. O encontro de Uruguaiana, entre os presidentes Frondizi e Jânio Quadros, foi o ápice da colaboração, cuja continuidade acabou comprometida pelas crises políticas que resultaram na instalação de governos autoritários na região. Nestes, houve mais espaço para as desconfianças e rivalidades que, afinal, predominaram nas relações brasileiro-argentinas em boa parte da década de 1970. Houve a retomada de preocupações geopolíticas antigas, levando à polêmica sobre o uso das águas do rio Paraná para gerar energia elétrica, de necessidade urgente para as economias da Argentina e, principalmente, do Brasil, onde a indústria crescia mais rapidamente. Essa necessidade, afinal, impôs-se e obrigou os governos brasileiro e argentino a se entenderem, de modo a viabilizar a construção das hidrelétricas e o retorno da estabilidade nas relações no Prata, ambas fundamentais aos esforços de desenvolvimento econômico. O esforço negociador neste sentido foi retardado pelas constantes mudanças de governo na Argentina, que criava um clima de instabilidade sobre sua política externa, gerando mudanças de orientação. Em 1979, resolveu-se a questão com a assinatura do acordo tripartite entre Argentina, Brasil e Paraguai sobre a construção das usinas de Itaipu e Corpus. A partir desse ano, foi crescente a colaboração entre Brasil e Argentina, o que deu o tom das relações entre os países platinos. A elevação dos juros internacionais, a crise da dívida externa e o desequilíbrio interno das economias regionais, bem o clima de confiança estabelecido com a Argentina, em virtude da postura brasileira na Guerra das 176 O Brasil no Rio da Prata (1822-1994) Malvinas e as redemocratizações, consolidaram a mudança da percepção brasileira quanto ao Rio da Prata e suas relações com Buenos Aires. Houve o convencimento de que elas deveriam ser de entendimento e de integração econômica; a própria região platina, antigo espaço de projetos hegemônicos passava a ter o caráter de uma região de colaboração para a estabilidade política democrática e o desenvolvimento econômico integrado. Ao eixo de integração Brasil-Argentina somaram-se Uruguai e Paraguai, constituindo o Mercosul. 177 Fontes A) Primárias AZAMBUJA, Marcos Castrioto. “O reordenamento Sarney-Alfonsín”. In: PIMENTEL, José Vicente de Sá. A América do Sul e a integração regional. Brasília: FUNAG, 2012. BARBOZA, Mário Gibson. 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Lindgren Alves Os Novos Bálcãs (2013) 190 formato 11,5 x 18 cm mancha gráfica 8,5 x 14,5 cm papel pólen soft 80 g (miolo) , couchê fosco 170g (capa) fontes Cambria 12 (títulos) Delicious 9,5 (textos) Opens Sans 7 (notas de rodapé)