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Violência nas Escolas e Políticas Públicas Eric Debarbieux e Catherine Blaya (Orgs.) Brasília, novembro de 2002 Título original: Violence in School and Public Policies © 2002 Editado originalmente por ELSEVIER SAS, Paris © 2002 UNESCO Brasília Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites. Violência nas Escolas e Políticas Públicas Eric Debarbieux e Catherine Blaya (Orgs.) edições UNESCO BRASIL Conselho Editorial da UNESCO no Brasil Jorge Werthein Cecilia Braslavsky Juan Carlos Tedesco Adama Ouane Célio da Cunha Comitê para a Área de Ciências Sociais e Desenvolvimento Social Julio Jacobo Waiselfisz Carlos Alberto Vieira Marlova Jovchelovicth Noleto Tradução: Patrícia Zimbres Revisão: Reinaldo Lima Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite Diagramação: Fernando Brandão Projeto Gráfico: Edson Fogaça Copyrigth ©2002, UNESCO Bo, João Batista Lanari Violência nas escolas e políticas públicas / organizado por Eric Debarbieux e Catherine Blaya. – Brasília : UNESCO, 2002. 268p. ISBN: 85-87853-69-4 1. Educação-Violência-Juventude 2. Políticas Públicas I. Debarbieux, Eric II. Blaya, Catherine III. UNESCO. CDD 370 Division of Women, Youth and Special Strategies Youth Coordination Unit/UNESCO-Paris Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Representação no Brasil SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar. 70070-914 – Brasília – DF – Brasil Tel.: (55 61) 321-3525 Fax: (55 61) 322-4261 E-mail: UHBRZ@unesco.org.br SUMÁRIO Apresentação ..................................................................................................... 9 Abstract ........................................................................................................... 13 Introdução A Comissão Científica ...................................................................... 21 O Observatório Europeu de Violência Escolar .......................... 22 Fatores de risco para a violência juvenil David P. Farrington .......................................................................................... 25 A história natural da violência .......................................................... 26 Fatores de risco para a violência ..................................................... 30 Uma teoria da violência .................................................................... 39 Programas de prevenção eficazes ................................................... 43 Conclusões .......................................................................................... 50 Referências .......................................................................................... 51 “Violência nas escolas”: divergências sobre palavras e um desafio político Eric Debarbieux................................................................................................ 59 O problema epistemológico ........................................................... 60 As conseqüências das palavras: o problema político ................... 68 Definir para agir ................................................................................. 75 Referências .......................................................................................... 87 Violência na escola: uma abordagem japonesa Yohji Morita ...................................................................................................... 93 A criminalidade juvenil no Japão e no Ocidente – o Japão visto como um “país seguro” ......................................................... 94 Tendências anteriores quanto a delinqüência juvenil e violência escolar .............................................................................. 99 Tendências recentes quanto à criminalidade juvenil e a violência escolar – o fim do mito da segurança .................. 108 As características da intimidação, ou “Ijime”, no Japão ........... 118 5 Reações aos problemas juvenis recentemente ocorridos na sociedade japonesa – uma solução visando encontrar equilíbrio entre a orientação protetora e as punições mais severas ...................................................................................... 128 Referências ........................................................................................ 135 Fatores de risco e expulsão de alunos da escola Carol Hayden .................................................................................................. 137 Expulsões escolares – definição dos termos, escala do problema e legislação ...................................................................... 138 Os grupos que correm maiores riscos de expulsão .................. 141 Expulsões escolares e riscos – “riscos” de quê?......................... 144 Crianças expulsas – o que elas são acusadas de terem feito? ... 148 Fatores de risco e expulsões .......................................................... 150 Conclusões: o quão bem-equipadas estão as escolas para responder às necessidades associadas às expulsões? ......... 158 Referências ........................................................................................ 161 Violência escolar: um olhar comparativo sobre políticas de governança Sophie Body-Gendrot ....................................................................................... 165 Violência escolar: uma diferença de natureza e de escala.......... 168 Abordagens contrastantes .............................................................. 171 Experiências muito diferentes ....................................................... 173 Referências ........................................................................................ 184 Intimidação por colegas e maneiras de evitá-la Peter K. Smith ................................................................................................. 187 O que queremos dizer por “intimidação”? ................................. 187 Como ficamos sabendo sobre a intimidação? ........................... 188 Tipos de intimidação ...................................................................... 189 Os papéis na intimidação ............................................................... 190 Algumas características estruturais da intimidação ..................... 190 As causas da intimidação ................................................................ 191 Os efeitos de sofrer intimidação ................................................... 194 As intervenções de base escolar de combate à intimidação..... 194 Referências ........................................................................................ 202 6 A mercantilização da violência escolar John Devine, Ph.D. .......................................................................................... 207 Referências ........................................................................................ 223 Clima escolar e violência nos sistemas de ensino secundário da França e da Inglaterra Catherine Blaya ............................................................................................... 225 Metodologia ..................................................................................... 227 Sentimento de insegurança e violência: diferenças significativas ..................................................................................... 230 A importância da qualidade do relacionamento aluno/professor ............................................................................... 238 Auto-estima e sentimento de competência ................................. 241 Conclusão.......................................................................................... 245 Referências ........................................................................................ 247 A violência escolar e as políticas da formação de professores Égide Royer ..................................................................................................... 251 O aumento na freqüência e na gravidade dos problemas de comportamento e de violência nas escolas ................................. 253 As falhas na formação de professores ........................................ 253 Os componentes de uma política de formação de professores ........................................................................................ 254 Conclusões ........................................................................................ 264 Referências ........................................................................................ 266 7 APRESENTAÇÃO Como parte de um plano para tornar disponíveis as obras mais significativas sobre violências nas escolas, a UNESCO tomou a iniciativa de traduzir e publicar este livro, dirigido por duas das maiores personalidades da área, Éric Debarbieux e Catherine Blaya. Somado a outros, o trabalho acrescenta elementos preciosos quanto ao conhecimento científico de problemas angustiantes, que não são exclusivos desta ou daquela sociedade. À medida que conhecemos os fatos melhor podemos dimensioná-los e atuar sobre eles. E aqui está uma peculiaridade do presente volume: resultante de congresso internacional com uma seleção muito rigorosa de trabalhos, os seus capítulos estabelecem elos num terreno difícil e delicado, isto é, a pesquisa e as políticas públicas. Essa corrente tende a ser frágil pelas dificuldades de diálogo entre pesquisadores e decisores nos cinco continentes, conforme, aliás, pesquisas anteriores da própria UNESCO comprovaram. Enfrentando os obstáculos típicos do terreno, organizadores e autores abordam sucessivamente os fatores de risco da violência juvenil, questões epistemológicas e metodológicas do maior interesse, fatores de risco da exclusão da escola, além das experiências de vários países no combate e prevenção às violências nos estabelecimentos de ensino, como no Japão, França e Reino Unido. São também focalizadas as políticas para formação de professores, elemento estratégico de uma rua de mão dupla, já que, no panorama das violências, se detectam não só as violências físicas e simbólicas praticadas pelos alunos, como também as violências predominantemente (mas não exclusivamente) simbólicas dos professores. Enlaçando teorias e práticas, “Violência nas Escolas e Políticas Públicas” aborda também a definição da própria violência. Nesse sentido, é notável a sua posição de equilíbrio. Por 9 um lado, recusa uma definição altamente inclusiva, que maximiza os fatos e, em parte, contribui para uma abordagem exagerada, pessimista, quando não sensacionalista. Por outro lado, tendo em vista as percepções e os dados das vítimas, não raro silenciosas, inclui fatos de grandes e pequenas dimensões, ocorridos nas instituições educacionais e que se caracterizam inegavelmente pela violência. A posição de equilíbrio se manifesta também no reconhecimento de que não só alunos e, em particular, um grupo proporcionalmente pequeno grupo de alunos pratica atos violentos, mas também a escola, nas suas vivências, apresenta certos componentes e condicionantes de violências. Nesse sentido, também considera um aspecto da maior importância, que é a provável relação mútua entre escola e sociedade. Se a escola reflete a sociedade, como se sabe desde os fundadores da sociologia da educação, aumentando as violências na última, tendem também a aumentar na primeira. Porém, longe de ser uma instância passiva, a escola pode amplificar a violência ou contribuir para a construção da paz na sociedade. Ao oferecer este livro ao público, a UNESCO pensa em todos os níveis de decisores que precisam interligar teorias e práticas. Nos professores em sala de aula, onde se realiza efetivamente o processo educacional; nos diretores de estabelecimentos de ensino, que contribuem decisivamente para a formação do clima escolar e nos gestores educacionais em cada nível dos sistemas de ensino. Como a pesquisa não pode usar punhos de renda, a UNESCO não se limita também a apenas pesquisar, porém a extrair as conseqüências desta pesquisa. Por isso mesmo, recentemente estabeleceu uma parceria com a Universidade Católica de Brasília, particularmente o seu Mestrado em Educação, para constituir o Observatório das Violências nas Escolas. Integrado a uma rede em que se destaca o Observatório Europeu da Violência Escolar, organizador do congresso internacional a que aludimos antes, este centro pretende associar a experiência 10 internacional ao tripé funcional, em que, até pela Lei Maior, consiste a missão da universidade brasileira: o ensino, a pesquisa e a extensão. Assim, a UNESCO não apenas elabora e promove pesquisas, mas procura sinergizar experiências que contribuam para construir a cultura de paz a que se propõe a sua própria Constituição. Jorge Werthein Diretor da UNESCO no Brasil 11 ABSTRACT This book focuses on the current state of research on violence in schools and public policies. It is composed of a selection of papers read by renowned specialists at the world conference on this theme. The European Observatory of Violence in Schools organized it in Paris, in March 2001, with the support of the French Ministry of Education and the European Commission and under the patronage of UNESCO. The works here presented approach theoretical issues, such as the definitions of violence in schools, extending their focus to a wide array of experiences in public policies in different countries of the world on a comparative basis. Results, advantages and limitations of diverse approaches in the prevention of and struggle against violence, including teacher training policies, are analyzed in several national contexts. Lessons from experience are discussed in most of the cases often in a comparative basis. Risk factors for youth violence, risk factors and exclusion from school, school bullying and ways of preventing it, as well as relations between school climate and violence are other topics discussed in this book. 13 INTRODUÇÃO Dando seguimento a um livro dedicado exclusivamente à violência nas escolas e às várias abordagens dadas ao tema na Europa1, o Observatório Europeu de Violência nas Escolas apresenta agora um novo livro sobre o estado atual das pesquisas no mundo, com contribuições de alguns dos mais renomados pesquisadores dessa área. O presente livro, na verdade, é o primeiro a ser publicado depois da conferência mundial sobre “Violência nas escolas e políticas públicas”, organizada por nós em Paris, em março de 2001, com o apoio do Ministério da Educação da França e da Comissão Européia (educação e cultura, Socrates), aos quais gostaríamos de agradecer por seu apoio, e também à UNESCO, por seu patrocínio. Este livro faz parte de uma coleção que estamos fundando, a “Violência juvenil e exclusão social”, representando também uma oportunidade para a publicação dos principais resultados da conferência mundial. Este livro contém os trabalhos gerais que foram apresentados, principalmente nas sessões plenárias. A conferência mundial “Violência nas escolas e políticas públicas” teve um enorme impacto na mídia e nos meios políticos, contando, em sua abertura, com a presença de Jack Lang, Ministro da Educação da França; de David Coyne, representante do Departamento de Educação e Cultura da Comissão Européia e, na cerimônia de encerramento, de Lionel Jospin, o Primeiro-Ministro francês, acompanhado de diversos ministros de seu governo e também do Diretor-Geral da UNESCO. Os jornalistas presentes nos obrigaram a trabalhar duro em nossas explicações, e poucas vezes um seminário esteve tão intensamente sob os holofotes da mídia. Uma pergunta foi repetidamente colocada: por que vocês organizaram o seminário, de onde vocês tiraram essa 1 Debarbieux E., Blaya C. Violence in Schools, vol. 3: ten approaches in Europe [La violence en millieu scolaire, tome 3: dix approches en Europe]. Paris, ESF; 2001. 15 idéia? Na verdade, nosso trabalho sempre foi comparativo: comparar a situação das escolas segundo as variáveis sociais que as caracterizam sempre foi a base de todos os estudos efetuados por nossa equipe sobre as medidas de proteção contra a violência adotadas nas escolas e sua eficácia. Do mesmo modo, nossos levantamentos sobre a vitimização e o clima das escolas, realizados a intervalos regulares a partir de 1993, nos permitiram, através de questionários aplicados a mais de 30.000 alunos, mensurar a eficácia de determinadas políticas públicas e a evolução da situação na França. Se é verdade o que diz Passeron, sobre a sociologia ser apenas uma questão de diferença, uma avaliação comparativa seria, então, a própria base da sociologia. Seria então bastante natural que, por razões científicas, nós tentássemos ampliar essa comparação a outros países. Entretanto, além dessas razões científicas, nossa mobilização inclui aspectos humanos que gostaríamos de mencionar. Aqui vai uma história que acontece numa grande cidade de um rico país democrático da América do Sul. Nesse país, os professores das escolas públicas – que são, antes de mais nada, professores – têm que trabalhar três vezes mais para conseguir pagar as contas no fim do mês. As mensalidades das escolas particulares, voltadas às elites, são muito superiores ao salário que esses professores recebem. Nessa cidade, a desigualdade social chegou a um ponto tal que as pessoas mais ricas, protegidas por portões de ferro, códigos de acesso, cães de guarda e guardas de segurança, vão de helicóptero da cobertura de suas casas à cobertura dos shopping-centers, para evitar cruzar com os pobres, os perigosos pobres. Nas marquises dos edifícios, dormem famílias inteiras de camponeses sem-terra, lado a lado com crianças de rua, que não têm outra perspectiva senão a luta pela sobrevivência, sem contar com outros meios que não a violência. É bem possível que, um dia, elas venham a ser mortas por uma bala, não necessariamente saída do revólver de um pobre. Numa escola para as crianças de uma enorme favela dessa cidade – uma favela com quase 700.000 habitantes – os professores nos contaram sobre essas tragédias humanas. Eles nos 16 pediram para intervir na reação a um episódio dramático ocorrido no pátio de recreio da escola, onde dois alunos “grandes”, haviam emboscado e atacado um aluno de onze anos com chutes na cabeça. Fomos até à casa desse aluno para conhecê-lo. Seu crânio havia sido irremediavelmente esmagado, e a lesão cerebral era irreversível. O que seria mais normal do que os perpetradores do crime serem punidos? Mas isso em nada mudaria a situação daquela criança. O problema não é punir os agressores, mas sim evitar a existência de vítimas. Não se trata de vingança ou de retaliação, mas de redução do risco. Na época em que o projeto desta conferência mundial estava começando a sair do papel – no exato momento em que a pesquisa se torna difícil, e quando estamos exaustos de tanto encontrar resistência por parte de indivíduos e de instituições, quando nos sentimos tentados a desistir, o olhar daquela criança nos volta à memória como um choque, e aqueles que pensam que estamos sendo hipersensíveis não entendem absolutamente nada sobre o nosso projeto. Lembramo-nos também do que Korzjack tinha a dizer: “Nunca se esqueçam de o quão rápido bate o coração de uma criança quando ela sente medo”. Além disso, nem nessa cidade sul-americana nem na França, jamais encontramos pessoas que se sentissem resignadas, e a capacidade de reação e ação das equipes das escolas e da população como um todo sempre nos impressionou. Um exemplo: o músico notável, que, por anos a fio, vem organizando uma enorme orquestra de percussão, onde centenas de crianças e adolescentes batem seus tambores. Assistimos a um de seus ensaios. Não havia espaço para praticar? Eles ensaiavam nas ruas, bem ao lado daqueles edifícios protegidos por portões de ferro, códigos de acesso, cães de guarda e guardas de segurança – duzentas crianças batucando em uníssono. Podem crer, sentimo-nos mais felizes de estar ali do que estaríamos num daqueles apartamentos blindados. De modo que, sim, é verdade que há um senso de revolta em nosso projeto, e temos plena consciência disso: o problema da violência nas escolas é de todos nós, mesmo que ele não seja o 17 único, mesmo que as razões socioeconômicas não expliquem tudo. Esse é um problema que concentra e torna mais evidentes as injustiças presentes em nossas democracias modernas, que não são democracias igualitárias. Seria esse o nosso ideal, o nosso futuro: zoológicos para os ricos e escolas para os pobres? A ciência não pode se manter indiferente quando confrontada com o problema da violência. Afinal de contas, não foi isso que disseram os primeiros filósofos, na Grécia Antiga, ao oporem violência e logos, força e razão? Este projeto visa à mobilização da comunidade científica mundial, e é nosso dever, como cientistas, relatar a situação tal qual ela é, fornecer análises, propor e avaliar estratégias, assessorar, elucidar e propor medidas concretas. Para que essa mobilização seja possível, outras mobilizações foram previamente necessárias: a de nossa equipe, é claro, a quem gostaríamos de apresentar nosso tributo. Tivemos também que mobilizar as autoridades públicas, e temos que dizer que sua receptividade foi admirável. O Ministro da Educação da França nos prestou apoio do mais alto nível, o que é um sinal de que a França demonstrou ao mundo seu compromisso para com esta questão. Isso não significa que pressões de qualquer tipo tenham sido exercidas sobre a organização deste seminário, que continuou sendo uma conferência científica, e tampouco que a França deseje para si o papel de dar lições a outros, ou que ela sofra mais com esse problema do que os demais países. Mas o engajamento dos órgãos públicos foi importante, estando à altura dos riscos em questão. A Comissão Européia também nos apoiou, como já vem constantemente fazendo há três anos. O Departamento de Cultura e Educação é um parceiro de importância essencial, tanto no nível da Iniciativa Connect, que nos permitiu existir como o Observatório Europeu de Violência Escolar, quanto através dos projetos Comenius-Socrates, que contribuiram para que esta conferência viesse a acontecer. Gostaríamos também de agradecer ao Conselho Regional da Aquitânia, que entendeu nosso projeto 18 de longo prazo e que nos auxilia no funcionamento de nosso Observatório. Por fim, somos gratos ao Prof. Reiffers, Reitor de nossa Universidade: ele é um homem que cumpre suas promessas, sua ajuda é inestimável e ele também é um amigo. Uma vez obtidos esses auxílios e essas mobilizações, tivemos que mobilizar a comunidade científica. Nossos procedimentos foram os seguintes: Em maio de 2000, adquirimos relativa segurança quanto a virmos a obter o financiamento que tornaria possível esta conferência. Isso nos dava dez meses para preparar o evento. Anteriormente, contudo, uma comissão científica internacional havia sido formada. Essa comissão é genuinamente internacional: apenas três de seus 18 membros são franceses (ver lista em anexo). Desse modo, em maio de 2000, enviamos a 3000 universidades de todo o mundo uma solicitação de trabalhos, endereçada a seus departamentos de ciências da educação, pedagogia, psicologia, sociologia, criminologia e serviço social. Os prazos eram muito curtos, uma vez que esses trabalhos teriam que passar por uma seleção a ser realizada pela Comissão Científica em julho daquele ano. Apesar disso, recebemos cerca de 300 trabalhos. A Comissão Científica aprovou cerca de 100 deles. Os critérios eram rígidos: metodologia clara, estudos empíricos, de preferência a reflexões de ordem geral, e avaliação exaustiva dos experimentos, sempre que os trabalhos tratassem de programas. Menos de um em cada dois apresentados foram selecionados. Os membros da comissão não tiveram direito à voto na avaliação dos trabalhos de autores conhecidos seus. Para que a transparência fosse total, demos a uma jornalista a permissão de acompanhar os trabalhos de nossa comissão. Ela, assim, pôde certificar-se de nossos princípios. Passamos então a trabalhar em nossas respectivas redes de contatos, a fim de conseguirmos uma representação a mais completa possível dos diferentes países, e de assegurar maior pluralidade. Trabalhos apresentados em data mais tardia foram avaliados por uma comissão de menor porte e selecionados ou rejeitados com base nos mesmos critérios que os adotados anteriormente. 19 O programa por fim apresentado por nós incluía 139 trabalhos provenientes dos cinco continentes e de 26 países. Como tal, nosso programa dá provas de uma mobilização genuína e genuinamente rápida, com relação a um problema que é claramente global, tendo trazido à luz um grande número de estudos. Esses estudos são variados, por vezes divergentes, e o seminário deu partida àquilo que consiste a base de todo o progresso científico: um fórum de informação e discussão. O presente livro é o primeiro relato deste processo. Eric Debarbieux e Catherine Blaya 20 A COMISSÃO CIENTÍFICA Os membros da Comissão Científica são os seguintes: Presidente: Professor Éric Debarbieux, Ciências da Educação, Universidade Victor Segalen, Bordeaux 2, França Coordenação científica internacional: Catherine Blaya, Universidade Victor Segalen, Bordeaux 2, França; e Universidade de Portsmouth, Reino Unido. Professora Janine Blomart, Universidade Livre de Bruxelas, Bruxelas, Bélgica Professora Sophie Body-Gendrot, IEP, Paris, França Professor Alain Clemence, Universidade de Lausanne, Lusanne, Suíça Professor John Devine, Conselho Consultivo Acadêmico, Campanha Nacional contra a Violência Juvenil, Nova York, Estados Unidos Professora Helen Cowie, Universidade de Surrey, Roehampton, Londres, Reino Unido Professor Alfredo Furlan, Universidade do México, México Professor Luis Alberto Gonçalves, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil Dra. Carol Hayden, Universidade de Portsmouth, Reino Unido Dr. Paul Kingery, Diretor do Instituto Hamilton Fish, Universidade George Washington, Arlington, Estados Unidos Professor Yohji Mojita, Universidade de Osaka, Japão Professor Juan Manuel Moreno, UNED, Madri, Espanha Professora Rosario Ortega Ruiz, Universidade de Sevilha, Sevilha, Espanha Professor Égide Royer, Diretor do Centro de Pesquisas e de Intervenção sobre o Sucesso Escolar, Universidade de Laval, Quebec, Canadá Dr. Harmut Schwere, Diretor das Escolas de Hesse, Alemanha Professor Peter K. Smith, Goldsmith College, Londres, Reino Unido Professor Dolf Van Veen, Universidade de Amsterdã, Holanda 21 O OBSERVATÓRIO EUROPEU DE VIOLÊNCIA ESCOLAR O Observatório foi fundado em Bordeaux, em setembro de 1998 (com financiamento conjunto da Universidade de Bordeaux, da Comissão Européia e do Ministério da Educação da França), como um centro de pesquisas para o estudo da violência nas escolas e da violência urbana na Europa. Ele construiu uma importante base de dados sobre o problema da violência nas escolas da França, da Inglaterra, da Espanha e da Bélgica, com o auxílio da Drª. Hayden, representando a Inglaterra, do Prof. Blomart, representando a Bélgica e da Profª. Ortega y Ruiz e da Senhora do Rei, representando a Espanha. Até o presente momento, mais de 34.000 alunos e 500 professores participaram de nossos levantamentos. Desde aquela data, o Observatório ampliou suas atividades, de modo a abranger: – a violência nos locais de trabalho; – a avaliação do treinamento de adultos; – treinamento de estudantes na sua metodologia de pesquisa; – auditoria do clima e dos serviços de consultoria relativa a escolas e centros de treinamento; – trabalho comparativo e cooperação com países europeus e não-europeus: Suíça, Brasil, Canadá, México e Argentina; – seminários e conferências sobre treinamento em serviço; – polícia e justiça; – atuação como recurso e centro de informações. O Observatório coordena duas diferentes redes: • uma rede de pesquisas, que recolhe dados provenientes de várias áreas de especialização e pesquisa (sociologia, educação, criminologia, psicologia, saúde),levando a um enfoque multidisciplinar à questão da violência; • uma rede de profissionais e trabalhadores de campo, visando ao estabelecimento de parcerias e intercâmbio 22 entre os diversos atores do processo e dos sistemas educacionais, encarregados do bem-estar e da proteção dos jovens (polícia, assistentes sociais, escolas, famílias etc.). Essas duas redes trabalham em estreita colaboração, de forma a promover atividades de pesquisa, projeto e distribuição de material de prevenção e gerenciamento de crises, e a fornecer consultoria (mediação, campanhas de combate à intimidação por colegas, observação, instrumentos de avaliação etc.), destinada a contribuir e prestar apoio às organizações de parceiros e às escolas. Seus parceiros institucionais são: – A Comissão Européia – Representante Geral de Educação e Cultura – Ministério da Educação da França – Ministério da Pesquisa da França – O IHESI (Segurança Interna – Escola Secundária) – Ministério do Interior – Conselho do Condado da Aquitânia Contato: obsviolence @aol.com 23 FATORES DE RISCO PARA A VIOLÊNCIA JUVENIL David P. Farrington Meu artigo enfoca principalmente os fatores de risco para a violência juvenil. Fatores de risco são, simplesmente, as variáveis que levam a prever um alto índice de violência juvenil, como por exemplo, impulsividade, baixo desempenho escolar, pais criminosos, baixa renda familiar e supervisão parental deficiente. A violência juvenil é definida como atos que visam a causar, e de fato causam, danos físicos ou psicológicos, cometidos por pessoas de idades entre 10 e 21 anos, aproximadamente. Essa faixa etária foi determinada de modo a excluir a agressividade infantil (abaixo de 10 anos) e a violência adulta (acima de 21 anos). A ênfase principal incide sobre os tipos de violência que são definidos como crime nas democracias ocidentais, principalmente ataques, roubos, homicídios e estupros. A maior parte das pesquisas sobre os fatores de risco baseia-se em agressores de sexo masculino, e o delito mais comum são os ataques físicos. Um dos melhores métodos para a identificação dos fatores de risco são os levantamentos longitudinais prospectivos, nos quais pessoas são acompanhadas desde a infância até a idade adulta, visando a determinar quais fatores precoces fazem antever violência juvenil em fase posterior. Farei especial referência aos resultados obtidos pelo Estudo de Cambridge sobre o Desenvolvimento Delinqüente, que consiste num levantamento longitudinal prospectivo aplicado a cerca de 400 jovens de sexo masculino da região de Londres (Farrington, 1995). Esses jovens começaram a ser estudados na idade de oito anos, tendo sido entrevistados oito vezes, até a idade de trinta e dois anos. Informações adicionais foram obtidas de seus 25 pais e professores, na época em que esses meninos freqüentavam a escola. Além disso, foram pesquisados seus antecedentes criminais, a fim de localizar delitos cometidos por esses homens até a idade de quarenta anos. Até essa idade, 40% deles foram condenados por algum delito, excluídos os delitos de pequena monta, como infrações de trânsito e bebedeiras (Farrington et al, 1998). Esses homens, atualmente com 46 anos, bem como suas parceiras de sexo feminino, estão atualmente submetidos a novas entrevistas. Hoje, falarei principalmente sobre fatores mensurados entre as idades de 8 e 10 anos, que prenunciavam condenações por violência na faixa de 10-21 anos; 10% deles foram processados e condenados por violência juvenil. Esses resultados foram comparados aos autodepoimentos de violência, para que nos certificássemos de que os fatores de risco previam comportamento violento de fato, e não apenas reações policiais à violência. Meu artigo subdivide-se em quatro partes. Primeiramente, examinarei de forma breve a história natural da violência: como ela varia com a idade, sua continuidade da infância à idade adulta, e até que ponto existe versatilidade ou especialização na violência. Em segundo lugar, analisarei os fatores de risco da violência juvenil. Em terceiro lugar, apresentarei brevemente uma teoria da violência juvenil e, em quarto, examinarei alguns programas de prevenção que têm como alvo os fatores de risco e que provaram ser eficazes. A HISTÓRIA NATURAL DA VIOLÊNCIA Idade e violência Em muitos e diferentes países, os delitos tendem a atingir o auge nos anos da adolescência. Em 1997, na Inglaterra e no País de Gales, a idade em que mais ocorriam condenações e advertências relativas a delitos passíveis de processo, era 18 anos, tanto para homens quanto para mulheres (Ministério do Interior, 1998). Roger Tarling (1993) verificou também que a idade de 26 máxima ocorrência de ataques graves, roubos e estupro era 1718 anos. Em 1997, havia 7,8 agressores fichados por cada 1000 homens entre 14 e 17 anos, e 8,3 em cada 1000 homens entre 18 e 20 anos; e havia 2,2 agressoras fichadas por 1000 mulheres de idades entre 14 e 17 anos, e 1,1 de idades entre 18 e 20 anos. Resultados semelhantes foram obtidos em levantamentos de autodepoimentos. Na Inglaterra, por exemplo, no levantamento nacional de auto-depoimentos realizado por John Graham e Ben Bowling (1995), a idade de incidência máxima de violência foi 16 anos, tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. No caso dos homens, o percentual dos que admitiram ter cometido violência decresceu de 12% na faixa de 14-17 anos para 9% na faixa de 18-21, e para 4% na faixa de 22-25. Para as mulheres, os números foram 7%, 4% e menos de 1%, respectivamente. Muitas teorias já foram propostas para explicar por que os comportamentos delituosos atingem auge nos anos da adolescência. Por exemplo, esses comportamentos (violentos, principalmente) já foram associados aos níveis de testosterona nos jovens do sexo masculino, que aumentam durante a adolescência e os primeiros anos da idade adulta, diminuindo a partir daí (Archer, 1991). Outras explicações centram-se nas mudanças acarretadas pela idade, em termos de capacidades físicas e oportunidades de cometer crimes, vinculadas a mudanças nas “atividades de rotina” (Cohen e Felson, 1979), tais como freqüentar bares à noite, em companhia de outros rapazes. A explicação de maior aceitação dá ênfase à importância das influências sociais (Farrington, 1986). Desde o nascimento, as crianças vêem-se sob a influência de seus pais, que geralmente não aprovam as transgressões. Durante a adolescência, contudo, os jovens gradualmente se libertam do controle dos pais, passando a ser influenciados por seus pares, que, em muitos casos, podem incentivar comportamentos delituosos. Após os 20 anos, as transgressões entram novamente em declínio, à medida que a influência dos pares cede lugar a um novo conjunto de influências familiares, provenientes de esposas e parceiras, que são hostis a comportamentos infratores. 27 Continuidade Em geral, verifica-se continuidade entre a violência juvenil e a adulta, e entre a agressividade infantil e a violência juvenil. Em Columbus, no estado de Ohio, 59% dos jovens violentos foram presos como adultos nos cinco a nove anos subseqüentes, e 42% desses adultos infratores foram acusados de pelo menos um delito grave (Hamparian et al., 1985). O número dos que, quando jovens, foram presos por violência grave e foram novamente presos como adultos foi maior que o número dos que foram presos por violência de menor gravidade (brigas comuns ou perturbações da ordem), quando jovens. No Estudo de Cambridge, um terço dos rapazes condenados por violência entre as idades de 10 e 20 anos receberam novas condenações entre as idades de 21 e 40 anos, em comparação com apenas 8% daqueles que nunca haviam sido condenados por violência juvenil (Farrington, 2001). Geralmente, nos homens violentos, a prática de delitos de todos os tipos começa cedo (Farrington, 1991). Com base tanto nos registros oficiais quanto em autodepoimentos, comportamentos delituosos em idade precoce levam a prever um número relativamente alto de delitos violentos no futuro (Elliot, 1994; Hamparian et al., 1978). Terrie Moffit (1993) sugere que os transgressores “contumazmente reincidentes”, cujo comportamento delituoso teve início em idade precoce (cerca de 10 anos) e que tinham longa carreira de criminalidade eram fundamentalmente diferentes dos transgressores “especificamente adolescentes”, que começaram em idade mais tardia (por volta dos 14 anos) e cuja carreira de criminalidade limitava-se a cinco ou seis anos. A agressividade infantil prenuncia violência juvenil. No acompanhamento de Örebro (Suécia) de cerca de 1000 jovens (Stattin e Magnusson, 1989), dois terços dos rapazes que haviam sido oficialmente autuados por comportamento violento em idade inferior a vinte e seis anos haviam apresentado altos níveis de agressividade entre as idades de 10 e 13 anos (tal como avaliados por professores), em comparação a 30% do total dos rapazes. 28 Da mesma forma, no acompanhamento de Jyvaskyla (Finlândia) relativo a 400 jovens (Pulkkinen, 1987), o nível de agressividade, tal como avaliado pelos pares, nas idades entre 8 e 14, era um indicador significativo de comportamentos violentos oficialmente registrados em idade inferior a 20 anos. Uma explicação possível para essa continuidade ao longo do tempo é que as diferenças individuais quanto ao potencial latente de vir a cometer atos agressivos ou violentos são muito arraigadas. Em qualquer grupo, as pessoas que são relativamente mais agressivas numa determinada idade tendem a ser relativamente mais agressivas em idades mais avançadas, embora os níveis absolutos dos comportamentos agressivos e das manifestações comportamentais de violência sejam diferentes para as diferentes idades. Especialização ou versatilidade Em termos gerais, os transgressores violentos tendem mais a serem versáteis que especializados. Eles tendem a cometer muitos diferentes tipos de crime, demonstrando também problemas de outra natureza, como não-comparecimento às aulas, consumo de substâncias, mentiras contumazes e promiscuidade sexual. Contudo, superposto a essa versatilidade, os comportamentos violentos apresentam um pequeno grau de especialização (Brennan et al., 1989). Há também versatilidade quanto a diferentes tipos de delitos violentos. Por exemplo, os homens que atacam suas parceiras de sexo feminino têm probabilidades significativamente maiores de virem a receber condenações por outros tipos de delitos violentos (Farrington, 1994). Como um indicador de sua versatilidade, é comum que os indivíduos violentos cometam mais infrações não-violentas do que delitos violentos. No Estudo de Cambridge, no caso dos delinqüentes juvenis sentenciados anteriormente à idade de 21 anos, as condenações por delitos não-violentos foram três vezes mais freqüentes que as condenações por delitos violentos (Farrington, 1978). No Estudo sobre a Juventude de Oregon, um 29 levantamento longitudinal de mais de 200 meninos de idades a partir de 10 anos, os que haviam sido presos por violência tinham uma média de 6,6 prisões por delitos de todos os tipos (Capaldi e Patterson, 1996). FATORES DE RISCO PARA A VIOLÊNCIA Os delitos violentos, como os demais crimes, têm origem nas interações entre os agressores e as vítimas, em determinadas situações. Alguns atos violentos provavelmente são cometidos por pessoas portadoras de tendências violentas relativamente estáveis e duradouras, ao passo que outros são cometidos por pessoas mais “normais”, que se vêem em situações que tendem a levar à violência. O presente artigo resume os conhecimentos existentes sobre o desenvolvimento dos indivíduos violentos (isto é, pessoas com uma probabilidade relativamente alta de virem a cometer atos violentos em situações de qualquer tipo) e a ocorrência de atos violentos. Visando elucidar tanto as possíveis causas da violência quanto os métodos de prevenção, a ênfase nos fatores de risco pode variar ao longo do tempo, contrariamente aos fatores fixos, como o gênero. Fatores psicológicos Dentre os principais fatores psicológicos que levam a prever violência juvenil estão hiperatividade, impulsividade, controle comportamental deficiente e problemas de atenção. Por outro lado, o nervosismo e a ansiedade estão negativamente correlacionados à violência. No acompanhamento de mais de 1000 crianças, realizado em Dunedin (Nova Zelândia), os níveis de deficiência do controle comportamental (por exemplo, impulsividade e falta de persistência), nas idades entre 3 e 5 anos, em meninos, eram um indicador significativo de futuras condenações judiciais por atos violentos, nas idades até 18 anos, em comparação com os meninos que nunca haviam sido sentenciados, ou que haviam 30 sido sentenciados por atos não-violentos (Henry et al., 1996). Nesse mesmo estudo, as dimensões da personalidade relativas a inibições (por exemplo, cautela, aversão à excitação) e ‘a emocionalidade negativa (por exemplo, nervosismo, isolamento), na idade de 18 anos, apareciam como sendo significativamente correlacionadas a condenações por atos violentos (Caspi et al., 1994). Diversos outros estudos demonstram a existência de vínculos entre essas dimensões da personalidade e a violência. No projeto perinatal de Copenhague, a hiperatividade (agitação e dificuldade de concentração) nas idades entre 11 e 13 anos é um dos indicadores significativos de prisões por atos violentos nas idades até 22 anos, principalmente entre os meninos cujas mães passaram por partos difíceis (Brennan et al., 1993). Mais da metade dos meninos que haviam nascido em partos com complicações e apresentavam hiperatividade foram presos por atos violentos, em comparação a apenas 10% dos demais. Da mesma forma, no estudo longitudinal de ¨Orebro, realizado na Suécia, a existência de hiperatividade na idade de 13 anos levava a prever registros policiais de violência até a idade de 26 anos. O índice mais alto de violência foi encontrado entre homens portadores tanto de agitação motora quanto de dificuldade de concentração (15%), em comparação a 3% dos demais (Klinteberg et al., 1993). Resultados semelhantes foram obtidos nos estudos de Cambridge e de Pittsburgh (Farrington, 1998). Segundo o Estudo de Cambridge, um alto grau de audácia e de exposição a riscos nas idades de 8-10 anos aponta tanto para condenações por atos violentos quanto para violência auto-admitida, no futuro. A Tabela I mostra que 20% dos meninos audaciosos foram condenados por atos violentos entre 10 e 21 anos, em comparação com 6% dos demais (quociente de probabilidade = 4,0; como regra geral, os quocientes de probabilidade superiores a 2 indicam um efeito bastante forte). Também no Estudo de Cambridge, a hiperatividade (agitação e falta de concentração) apontava para futuras condenações por violência. 31 O outro grupo principal de fatores psicológicos que aponta para violência futura inclui baixa inteligência e desempenho escolar deficiente. No Projeto Biossocial da Filadélfia (Denno, 1990), baixos níveis lingüísticos e de desempenho nas idades entre 4 e 7 anos, associados a notas baixas nos Testes de Desempenho Escolar da Califórnia, nas idades de 13 e 14 (vocabulário, compreensão, matemática, linguagem e ortografia), eram indicadores de prisões por atos violentos, em idades até 22 anos. No Projeto Metropolitano de Copenhague, que consiste num estudo de acompanhamento de mais de 12.000 meninos nascidos em 1953, a baixa inteligência na idade de 12 anos aparece como um indicador significativo de registros policiais por atos violentos entre as idades de 15 e 22 anos. O vínculo entre baixa inteligência e violência apareceu com mais força entre os meninos de classe baixa (Hogh e Wolf, 1983). Tabela 1 Indicadores precoces de violência juvenil 32 Resultados semelhantes foram obtidos nos estudos de Cambridge e de Pittsburgh (Farrington, 1998). No Estudo de Cambridge, a baixa inteligência verbal aos 8-10 anos apontava tanto para registros oficiais quanto para auto-depoimentos de violência, no futuro e, em ambos os estudos, um baixo desempenho escolar na idade de 10 anos apontava para registros oficiais de violência . Por exemplo, a Tabela I mostra que 18% dos meninos de menor inteligência aos 8-10 anos vieram a ser condenados por atos violentos, em comparação a 7% dos demais (quociente de probabilidade = 2,6). A ampla meta-análise de Mark Lipsey e Jim Derzon (1998) também mostrou que a baixa inteligência, o desempenho escolar deficiente e fatores psicológicos tais como hiperatividade, déficit de atenção, impulsividade e tendência a se expor a riscos eram indicadores previsíveis de futuros delitos graves e violentos. A impulsividade, os problemas de atenção e o baixo desempenho podem ser associados a deficiências nas funções executivas do cérebro, localizadas nos lobos frontais. Essas funções executivas incluem a manutenção da atenção e a concentração, o raciocínio abstrato e a formação de conceitos, a formulação de objetivos, a previsão e o planejamento, a programação e a iniciação de seqüências propositais de comportamento motor, automonitoramento, comportamentos autoconscientes eficazes e inibição de comportamentos inadequados ou impulsivos (Moffit e Henry, 1991). É interessante que no estudo longitudinal-experimental de Montreal, que consiste num acompanhamento de mais de 1.100 crianças de idade superior a 6 anos, a mensuração das funções executivas, com base em testes cognitivo-neuropsicológicos, aplicados aos 14 anos, foram o principal fator de discriminação entre meninos violentos e não-violentos (Seguin et al., 1995). Essa relação sustentou-se independentemente da mensuração do grau de adversidade das circunstâncias familiares (baseada na idade dos pais à época do nascimento do primeiro filho, no nível de escolaridade dos pais, no rompimento da família e no baixo nível socioeconômico da família). 33 Fatores familiares São muitos os fatores familiares que prenunciam violência futura. Joan McCord (1979), em seu acompanhamento de 250 meninos de Boston, no estudo Cambridge-Somerville, verificou que os principais indicadores de futuras condenações por atos violentos (até a idade de 45 anos) eram supervisão parental deficiente, pais agressivos (incluindo disciplina severa e punitiva) e conflitos entre os pais. A ausência do pai era um fator quase tão decisivo quanto os anteriormente citados, embora a falta de afeto da mãe não fosse significativa. Ela demonstrou também que pais que haviam sido condenados por violência tendiam a ter filhos também condenados por violência (McCord, 1977). Em suas análises subseqüentes, Joan McCord (1996) mostrou que os acusados de crimes violentos tinham menores probabilidades que os acusados de crimes nãoviolentos de terem recebido afeição de seus pais e de terem contado com boa disciplina e supervisão, embora a probabilidade de seus pais viverem em conflito fosse igual para ambos os grupos. Resultados semelhantes foram obtidos também em outros estudos. No Estudo do Desenvolvimento Juvenil de Chicago, um acompanhamento longitudinal de quase 400 meninos das áreas centrais da cidade, que começaram a ser estudados aos 11-13 anos, a deficiência do monitoramento por parte dos pais e a baixa coesão familiar prenunciavam autodepoimentos de delitos violentos (Gorman-Smith et al., 1996). Também no Estudo do Desenvolvimento Juvenil de Rochester, um estudo longitudinal de quase 1.000 crianças que começaram a ser observadas aos 13-14 anos (Thornberry et al., 1995), a falta de monitoramento pelos pais e a ausência de vínculos fortes com eles apontavam para futuros autodepoimentos de violência. Segundo o Levantamento Nacional Britânico (Wadsworth, 1978), famílias desfeitas entre o nascimento e os 10 anos de idade prenunciavam condenações por atos violentos cometidos até os 21 anos, e, segundo o estudo de Dunedin (Henry et 34 al., 1996), pais solteiros de 13 anos de idade tendiam a ser sentenciados por violência antes dos 18 anos. Castigos corporais severos e maus-tratos físicos infligidos pelos pais costumam ser prenúncio de delitos violentos cometidos pelos filhos homens (Malinosky-Rummel e Hansen, 1993). Num estudo de acompanhamento de quase 900 crianças do estado de Nova York, Len Eron e seus colegas (1991) verificaram que castigos aplicados pelos pais à idade de 8 anos faziam prever não apenas prisões por atos violentos antes dos 30 anos, mas também o grau de severidade dos castigos aplicados por esse homem, aos 30 anos, a seus filhos e seu histórico de agressões físicas ao cônjuge. Num estudo longitudinal de mais de mais de 900 crianças vítimas de maus-tratos físicos e quase 700 controles, Cathy Widom (1989) verificou que o histórico de maus-tratos físicos e de negligência sofridos por uma criança eram prenúncio de prisões por atos violentos, no futuro, independentemente de outros fatores, como gênero, etnia e idade. No Estudo do Desenvolvimento Juvenil de Rochester, Carolyn Smith e Terry Thornberry (1995) demonstraram que os maus-tratos infligidos a uma criança de menos de 12 anos prenunciavam autodepoimentos de comportamentos violentos entre 14 e 18 anos, independentemente de gênero, etnia, condição socioeconômica e estrutura familiar. Resultados semelhantes foram obtidos no Estudo de Cambridge. A Tabela I mostra que os filhos de pais criminosos tendem a ser condenados por atos violentos. Além disso, disciplina severa aplicada pelo pai ou pela mãe, bem como o autoritarismo dos pais, prenunciam violência juvenil. A supervisão deficiente por parte dos pais apareceu como o mais forte dentre os fatores de risco: 22% dos meninos não adequadamente supervisionados vieram a se tornar violentos, contra 7% dos demais (quociente de probabilidade = 3,8). Além disso, conflito entre os pais e o fato de provir de uma família desfeita (viver separado de um dos pais biológicos) eram prenúncio de violência juvenil. 35 Fatores relativos a colegas, condição socioeconômica e vizinhança O fato de ter amigos delinqüentes é um irrefutável prenúncio de violência juvenil e, no Estudo do Desenvolvimento Juvenil de Rochester, a delinqüência dos pares aparecia como prenúncio de futuros autodepoimentos de violência (Thornberry et al., 1995). O que não está tão claro, contudo, é até que ponto o vínculo entre amigos delinqüentes e delinqüência seria uma conseqüência das co-transgressões, que são particularmente comuns entre os menores de 21 anos (Reiss e Farrington, 1991). Del Elliot e Scott Menard (1996) concluíram, ambos, que a delinqüência causava vínculos delinqüentes e que esses vínculos delinqüentes entre pares causavam delinqüência. No entanto, parece não haver quaisquer informações específicas sobre o vínculo entre violência entre pares e violência juvenil. No Estudo de Cambridge, as amizades delinqüentes não foram mensuradas antes da idade de 10 anos. De modo geral, provir de uma família de baixa condição socioeconômica é prenúncio de violência juvenil. Por exemplo, no Levantamento Nacional sobre a Juventude dos Estados Unidos, a ocorrência de autodepoimentos de crimes e assaltos graves entre os jovens de classe baixa corresponderam ao dobro da verificada entre os jovens de classe média (Elliot et al., 1989). Resultados semelhantes foram obtidos quanto à violência oficialmente registrada, no Projeto Metropolitano de Estocolmo (Wikström, 1985), no Projeto Metropolitano de Copenhague (Hogh e Wolf, 1983) e no Estudo Dunedin, da Nova Zelândia (Henry et al., 1996). É interessante que esses três estudos tenham comparado a classe social da família à época do nascimento do menino com base na ocupação do pai com os crimes violentos cometidos mais tarde pelo menino. No Estudo de Cambridge, pertencer à classe baixa não era prenúncio de violência juvenil futura, embora outros indicadores socioeconômicos (baixa renda familiar e moradia precária) o fossem (tabela I). 36 Famílias numerosas e pais jovens são fatores que podem ser classificados ou como socioeconômicos ou como familiares. Tanto no Estudo de Cambridge quanto no de Pittsburgh (Farrington, 1998), o tamanho da família (número de filhos) era indicador de violência juvenil. No Estudo sobre a Juventude de Oregon, uma família numerosa aos dez anos de idade prenunciava autodepoimentos de violência aos 13-17 anos (Capaldi e Patterson, 1996). Mães muito jovens (mães que tiveram seu primeiro em idade precoce, em geral ainda na adolescência) também tendem a ter filhos violentos, como demonstrado por Morash e Rucker (1989) no Estudo de Cambridge, para a previsão de autodepoimentos de violência aos 16 anos. É interessante que, nesse estudo, a relação existente entre uma mãe jovem e um filho condenado por crime tenha desaparecido, após serem examinadas outras variáveis, principalmente tamanho da família, pai condenado por crime e família desfeita (Nagin et al., 1997). No Estudo sobre a Juventude de Pittsburgh (Farrington, 1998), uma mãe muito jovem era um indicador tanto de violência oficialmente registrada quanto de autodepoimentos de violência. Em geral, os rapazes que moram em áreas urbanas são mais violentos que os das zonas rurais. No Levantamento Nacional sobre a Juventude dos Estados Unidos, a ocorrência de autodepoimentos de assaltos e roubos graves foi considerada maior entre os jovens urbanos. (Elliot et al., 1989). Nas áreas urbanas, os jovens que moram em bairros com alto índice de criminalidade são mais violentos que os que vivem em bairros de baixa criminalidade. No Estudo do Desenvolvimento Juvenil de Rochester, o fato de viver num bairro com alto índice de criminalidade era um indicador significativo de autodepoimentos de violência (Thornberry et al., 1995). Da mesma forma, no Estudo sobre a Juventude de Pittsburgh, morar num bairro ruim (avaliado ou pela mãe ou com base em dados censitários sobre pobreza, desemprego e famílias chefiadas por mulheres) era um prenúncio comprovado de violência, tanto oficial quanto auto-relatada (Farrington, 1998). 37 Fatores circunstanciais Pode-se argumentar que todos os fatores de risco até agora analisados – psicológicos, familiares, socioeconômicos e de vizinhança – influenciem essencialmente o desenvolvimento a longo prazo do potencial para a violência apresentado por um indivíduo. Em outras palavras, eles contribuem para as diferenças existentes entre os indivíduos: porque, dada a mesma oportunidade circunstancial, algumas pessoas apresentam uma maior tendência a cometer violência que outras. Um outro conjunto de influências – os fatores circunstanciais– explicam por que razão o potencial de violência se atualiza em determinadas situações. Essencialmente, eles explicam as diferenças de curto prazo internas a cada indivíduo: por que, em certas situações, algumas pessoas têm maiores probabilidades de cometer violência que outras. Os fatores circunstanciais podem ser específicos a determinados tipos de crime: roubos, em oposição a estupros, ou mesmo furtos de rua, em oposição a assaltos a bancos. Uma das mais aceitas teorias circunstanciais da criminalidade é a teoria das atividades de rotina (Cohen e Felson, 1979), que sugere que, para que um crime predatório venha a ocorrer, o requisito mínimo é a convergência, no tempo e no espaço, de um agressor motivado e de um alvo conveniente, na ausência de um guardião capaz. Na Grã-Bretanha, muitos trabalhos já foram realizados sobre as situações que tendem a levar à violência, sob a classificação de análise criminológica (Ekblom, 1988). Parte-se aqui de uma análise detalhada dos padrões e das circunstâncias dos crimes cometidos, passando-se então à formulação, implementação e avaliação das estratégias de redução da criminalidade. Por exemplo, Mary Barker e seus colegas (1993) analisaram a natureza dos assaltos de rua de Londres. A maioria desses crimes ocorreu em áreas onde predominam minorias étnicas, e a maior parte dos agressores eram jovens afro-caribenhos, com idades entre 16 e 19 anos. As vítimas foram, em sua maioria, mulheres brancas, sozinhas, a pé. A maior parte dos delitos 38 ocorreu à noite, nas proximidades da residência da vítima. O principal motivo do assalto era o roubo de dinheiro, e o principal fator na escolha das vítimas era sua aparência rica. Segundo o Estudo de Cambridge, muitos dos rapazes brigaram após ter consumido bebidas alcoólicas, e é óbvio que a intoxicação por álcool é um fator circunstancial imediato, na precipitação da violência. Na Suécia, Per-Olof Wikström (1985) verificou que cerca de três quartos dos agressores violentos e cerca de metade das vítimas de violência encontravam-se bêbados, à hora do crime. A sabedoria convencional sugere que o consumo de álcool tem um efeito desinibidor sobre o comportamento. Os atos que levam à violência já foram objeto de estudo. Na Suécia, os crimes violentos, em sua maioria, foram precedidos de discussões, surgidos da situação específica, ou baseados em relações sociais preexistentes (Wikström, 1985). De modo geral, a violência precedida por discussões circunstanciais ocorre nas ruas ou em restaurantes, ao passo que a violência precedida por discussões entre pessoas relacionadas entre si costuma ocorrer em residências. Na Inglaterra, ataques partindo de estranhos costumam ocorrer nas ruas, em bares ou discotecas, e os ataques partindo de conhecidos geralmente ocorrem em casa ou no trabalho, e os roubos geralmente ocorrem nas ruas ou em transportes públicos (Hough e Sheehy, 1986). É necessário que seja incorporado, nos estudos longitudinais prospectivos, um maior número de pesquisas sobre as influências circunstanciais, de maneira a vincular as perspectivas desenvolvimentistas e circunstanciais. UMA TEORIA DA VIOLÊNCIA Para desenvolver teorias sobre a violência, é importante estabelecer de que forma os fatores de risco têm efeitos independentes, aditivos, interativos ou seqüenciais. De modo geral, 39 a probabilidade de ocorrência de violência aumenta com o número de fatores de risco. Por exemplo, no Estudo de Cambridge, foi desenvolvida uma pontuação de vulnerabilidade, com base nos cinco fatores de risco medidos na idade de 8-10 anos: baixa renda familiar, família numerosa, um pai condenado judicialmente, baixo QI e comportamento parental deficiente na criação dos filhos. O percentual dos meninos condenados por violência juvenil aumentou de 3%, entre os que não apresentavam nenhum desses fatores de risco, a 31%, entre os que apresentavam quatro ou cinco deles (Farrington, 1997). Esse tipo de pesquisa fornece alguma indicação sobre o grau de precisão que pode ser atingido na previsão de violência. As teorias podem ajudar a explicar como e por que fatores psicológicos, tais como impulsividade ou baixa inteligência, fatores familiares como supervisão parental deficiente, e fatores socioeconômicos, de vizinhança e os relativos aos grupos de pares podem influenciar no desenvolvimento do potencial de violência de um indivíduo. Por exemplo, morar num bairro ruim e sofrer privações socioeconômicas, podem, de algum modo, ser a causa da deficiência dos cuidados parentais, que, de alguma forma pode causar impulsividade e fracasso na escola que, de alguma maneira, podem levar a um alto potencial de violência. As teorias podem ser úteis também para a especificação dos conceitos mais gerais subjacentes ao potencial de violência, tais como baixo autocontrole ou vínculos frágeis com a sociedade. Elas também podem ajudar na determinação das maneiras pelas quais uma pessoa potencialmente violenta interage com os fatores circunstanciais, gerando atos violentos. Pretende-se que a teoria da violência, mostrada diagramaticamente na figura 1, seja coerente com as teorias existentes e com os fatos conhecidos sobre os fatores de risco (Farrington, 1998). Essa teoria sugere que as influências de longo prazo (psicológicas, familiares, escolares, comunitárias, de grupos de pares etc.) levem ao desenvolvimento de diferenças indivi40 duais duradouras, razoavelmente estáveis e de mudança lenta, relativas ao potencial de violência. Superpostas a essas diferenças individuais de longo prazo, há também variações de curto prazo, internas ao indivíduo. Essas variações de curto prazo dependem das influências motivadoras imediatas, tais como sentir-se entediado, zangado, bêbado ou frustrado, e também das oportunidades circunstanciais, incluindo a disponibilidade de vítimas potenciais. Diante de uma ocasião para a violência, o fato de uma pessoa vir ou não a praticá-la dependerá dos processos cognitivos (de pensamento), que incluem o exame dos custos e benefícios da violência e das probabilidades e riscos a ela associados, tais como percebidos pela pessoa, e também os repertórios comportamentais acumulados. Supõe-se também que as conseqüências da violência (vantagens, castigo, rótulos etc.) possam ter efeitos retroalimentadores num processo de conhecimento sobre o potencial de violência a longo prazo e sobre os processos decisórios (por exemplo, influenciando as percepções subjetivas de custos, benefícios e probabilidades). Essa abordagem consiste numa tentativa explícita de integrar as teorias desenvolvimentistas e circunstanciais. A interação entre o indivíduo e o ambiente é observável nas decisões tomadas nas ocasiões em que surgem oportunidades de cometimento de crimes, decisões essas que dependem tanto do potencial de violência subjacente quanto dos fatores circunstanciais (custos, benefícios, probabilidades). Além disso, a dupla seta mostra a possibilidade de que o deparar-se casualmente com uma oportunidade tentadora possa causar um aumento de curto prazo no potencial de violência, da mesma forma que um aumento de curto prazo nesse potencial pode motivar uma pessoa a buscar uma oportunidade de praticar violência. Essa teoria inclui elementos cognitivos (percepção, memória, processos decisórios), bem como o aprendizado social e as abordagens causais de fatores de risco. 41 Figura 1 Teoria diagramática da violência juvenil 42 PROGRAMAS DE PREVENÇÃO EFICAZES Apresentarei agora, de forma resumida, alguns dos melhores programas de prevenção da criminalidade, cuja eficácia foi demonstrada numa pesquisa de avaliação de alta qualidade. Os programas de redução da criminalidade em geral passam por avaliação porque a maioria dos programas de intervenção não enfocam especificamente a violência. Na medida do possível os elementos do programa são vinculados aos fatores de risco. Infelizmente, acontece muitas vezes de haver apenas um elo muito tênue entre os fatores de risco e os programas de prevenção. Um outro problema é que muitos programas possuem elementos múltiplos, fazendo com que seja difícil isolar seus “ingredientes ativos”. Prevenção centrada nos riscos A idéia básica da prevenção centrada nos riscos é muito simples: identificar os principais fatores de risco da criminalidade e implementar métodos preventivos visando combatê-los. Muitas vezes, há também a tentativa correlata de identificar os principais fatores de proteção contra o crime e implementar métodos preventivos destinados a fortalecê-los. De modo geral, os levantamentos longitudinais fornecem informações tanto sobre os riscos como sobre os fatores de proteção, e são usados experimentos cujo objetivo é avaliar o efeito dos programas de prevenção e intervenção. Desse modo, a prevenção que enfoca os riscos alia as explicações à prevenção, vincula pesquisa de base e pesquisa aplicada e une pesquisadores, formuladores de políticas e profissionais da área. O livro Infrações Juvenis Graves e Violentas: Fatores de Risco e Intervenções de Sucesso (Loeber e Farrington, 1998) traz uma exposição detalhada desse enfoque, aplicado a casos graves e violentos de criminalidade juvenil. A prevenção que enfoca os fatores de risco foi importada da criminologia para a medicina e para a saúde pública por pioneiros como David Hawkins e Richard Catalano (1992). Essa abordagem vem sendo usada há anos, e com sucesso, no 43 tratamento de doenças como o câncer e os problemas cardíacos. Por exemplo, os fatores de risco identificados para as doenças cardíacas são fumo, uma dieta rica em gorduras e falta de exercício. Pode-se intervir nesses fatores incentivando as pessoas a pararem de fumar, a adotarem uma dieta mais saudável e com menos gorduras e a fazerem mais exercícios. De modo geral, na área médica, a eficácia da prevenção que usa os fatores de risco é avaliada através do uso do “padrão ouro” de tentativas aleatórias controladas, que também vem sendo utilizado na criminologia, nas avaliações de alta qualidade. Os fatores de risco tendem a ser os mesmos para muitos resultados diferentes, incluindo delitos violentos e não-violentos, problemas de saúde mental, problemas de consumo de álcool e drogas, fracasso escolar e desemprego. Desse modo, um programa de prevenção que consiga reduzir os fatores de risco para os crimes violentos terá grandes probabilidades de exercer efeitos altamente positivos sobre uma vasta gama de outros problemas sociais. Programas individuais e familiares Quatro tipos de programa vêm obtendo particular êxito: a educação dos pais (no contexto de visitas domiciliares), treinamento dos pais em técnicas de gerenciamento, treinamento para o desenvolvimento de capacidades nas crianças e programas préescolares de enriquecimento intelectual (Farrington e Welsh, 1999). Esses programas, geralmente, têm como alvo os seguintes fatores de risco: deficiência na criação dos filhos, na supervisão ou na disciplina (educação de pais ou treinamento dos pais em técnicas de gerenciamento), alta impulsividade, baixa empatia e egocentrismo (treinamento para o desenvolvimento de capacidades nas crianças) e baixa inteligência e desempenho (programas pré-escolares). No mais famoso dos programas de visitas domiciliares intensivas, David Olds e seus colegas (1986), em Elmira, (Nova York) selecionaram aleatoriamente 400 mães, ou para receberem 44 visitas domiciliares de enfermeiras durante a gravidez ou durante a gravidez e os dois primeiros anos de vida da criança, ou para um grupo de controle que não recebia visita alguma. Cada visita durava de uma hora a uma hora e quinze minutos, com a periodicidade aproximada de uma visita a cada duas semanas. As enfermeiras visitantes davam conselhos sobre cuidados pré é pós-natais, sobre desenvolvimento infantil e sobre a importância de uma boa nutrição e de evitar fumar e beber durante a gravidez. Os resultados desse experimento demonstraram que as visitas domiciliares no período pós-natal acarretaram diminuição dos casos registrados de maus-tratos físicos e cuidados negligentes a crianças durante os dois primeiros anos de vida, principalmente entre mães solteiras adolescentes de baixa renda. Entre as mães visitadas, apenas 4% foram indiciadas por maus-tratos ou negligência do filho, ao passo que entre o grupo não visitado, esse percentual foi de 19%. No acompanhamento de 15 anos de duração, o alvo principal foram as mães solteiras de baixas condições econômicas. Dentre essas mães, as que haviam recebido visitas domiciliares pré e pós-natais houve menos casos de prisão que entre as mães que não haviam sido visitadas, ou que haviam recebido apenas visitas pré-natais (Olds et al., 1997). Além disso, entre os filhos dessas mulheres que haviam recebido visitas domiciliares pré e/ou pós-natais, o número de casos de prisão correspondeu a menos da metade do total verificado entre os filhos das mães que não haviam recebido visitas de qualquer tipo (Olds et al., 1998). O mais famoso entre os programas de enriquecimento intelectual é o projeto Perry, colocado em prática em Ypsilanti (Michigan), por Larry Schweinhart e David Weikart (1980). Esse programa foi, essencialmente, do tipo “Head Start” (vantagem inicial), e teve como alvo crianças afro-americanas em situação de desvantagem social. As crianças selecionadas foram alocadas (de maneira aproximadamente aleatória) em grupos experimentais e de controle. As crianças de grupo experimental passaram a freqüentar um programa pré-escolar diário, reforçado por visitas 45 domiciliares semanais, geralmente durante dois anos (entre as idades de 3 e 4 anos). O objetivo desse programa “plano-execução-análise” foi o de fornecer estímulo intelectual, aumentar as capacidades de pensamento e raciocínio e elevar o desempenho escolar subsequënte. Esse programa mostrou trazer benefícios de longo prazo. Na idade de 19 anos, os jovens do grupo experimental apresentavam maiores probabilidades de estarem empregados, de teremse formado no ensino médio, de terem passado por treinamento profissional ou educação superior e menores possibilidades de terem sido presos (Berrueta-Clement et al., 1984). À idade de 27 anos, os integrantes do grupo experimental haviam acumulado um número correspondente à metade das prisões verificadas, em média, nos grupos de controle (Schweinhart et al., 1993). Além disso, eles tinham melhores salários e uma maior probabilidade de morarem em imóvel próprio. O estudo longitudinal-experimental de Montreal tomou como base o treinamento de desenvolvimento de capacidades nas crianças e o treinamento dos pais em técnicas de gerenciamento. Richard Tremblay e seus colegas (1995) identificaram meninos turbulentos (agressivos/hiperativos) na idade de 6 anos e, de forma aleatória, alocaram mais de 300 deles em condições ou experimentais ou de controle. Entre as idades de 7 e 9 anos, os do grupo experimental haviam recebido treinamento visando a reforçar suas capacidades sociais e de autocontrole. Orientação, modelo de pares, desempenho de papéis e contingências de reforço foram usados em pequenas sessões em grupo, voltadas para temas a exemplo de “como ajudar”, “o que fazer quando você está zangado” e “como reagir a provocações”. Houve também treinamento oferecido aos pais, usando as técnicas de treinamento de gerenciamento para pais desenvolvidas por Gerry Patterson (1982), que têm como objetivo promover o uso consistente e contingente de recompensas e punições. Esse programa de prevenção obteve bom êxito. À idade de 12 anos, os meninos do grupo experimental haviam cometido um 46 menor número de assaltos e de furtos, apresentavam menores probabilidades de se embebedar e de se envolver em brigas que os meninos do grupo de controle (segundo autodepoimentos). Além disso, os meninos do grupo experimental alcançaram melhor desempenho acadêmico. Dos 10 aos 15 anos, esses meninos obtiveram pontuações menores nos autodepoimentos de delinqüência que os dos grupo de controle. É interessante que as diferenças, em termos de comportamentos anti-sociais, entre os meninos do grupo experimental e os do grupo de controle tenham aumentado, à medida em que o acompanhamento tinha prosseguimento. Programas escolares, comunitários e de grupos de colegas Os fatores de risco relativos aos colegas, à escola e à comunidade encontram-se estabelecidos com menos firmeza que os fatores de risco individuais e familiares. Por exemplo, embora seja claro que ter colegas delinqüentes, freqüentar uma escola com alto índice de delinqüência e morar numa área de alta criminalidade sejam prenúncios de cometimento futuro de delitos, os processos causais exatos ainda não foram bem compreendidos. O principal programa de intervenção, cujo sucesso parece ter como base principalmente a redução dos fatores de risco relativos ao grupo de pares, é o programa Crianças de Risco (Harrell et al., 1997), que tomou como alvo jovens de alto risco (idade média de 12,4 anos), moradores dos bairros pobres de cinco grandes cidades norte-americanas. Os rapazes que se qualificaram para o programa foram identificados nas escolas e aleatoriamente colocados em grupos experimentais ou de controle. Esse programa consistiu numa estratégia preventiva ampla, de base comunitária, tomando como alvo os fatores de risco na delinqüência, incluindo gerenciamento de casos e aconselhamento familiar, treinamento de capacitação familiar, acompanhamento, orientação, atividades para o horário pós-escolar e policiamento comunitário. Esse programa foi aplicado de forma diferente em cada uma das comunidades. 47 Os resultados iniciais desse programa foram desapontadores, mas o acompanhamento de um ano de duração mostrou que (com base nos autodepoimentos) os jovens dos grupos experimentais apresentavam menores probabilidades de haverem cometido crimes violentos ou usado ou vendido drogas (Harrell et al., 1999). A avaliação do processo mostrou que a principal mudança ocorreu nos fatores de risco relativos aos grupos de colegas. Os jovens dos grupos experimentais tendiam a se associar com menos freqüência com pares delinqüentes, sentiam-se menos expostos à pressão dos colegas no sentido de cometer delinqüência e contavam com o apoio de pares mais positivos. Por outro lado, houve poucas mudanças nos fatores de risco individuais, familiares e comunitários, o que talvez se deva à pouca participação dos pais nos treinamentos para pais, e dos jovens nas atividades de acompanhamento e orientação (Harrell et al., 1997). Um dos mais importantes experimentos de prevenção sediados em escolas foi efetuado em Seattle por David Hawkins e seus colegas (1991), combinando treinamento em gerenciamento para os pais, treinamento de professores e treinamento de desenvolvimento de capacidades nas crianças. Cerca de 500 crianças de 21 turmas de primeira série (6 anos de idade) de 8 escolas foram aleatoriamente distribuídas em turmas experimentais e de controle. As crianças pertencentes às turmas experimentais receberam tratamento especial, em casa e na escola, destinado a fortalecer seus vínculos com os pais e com a escola. Além disso, eles receberam treinamento em resolução cognitiva de problemas interpessoais. Seus pais foram treinados para notar e reforçar os comportamentos socialmente desejáveis, num programa denominado “Pilhe-os sendo bons”. Seus professores receberam treinamento em gerenciamento de sala de aula, aprendendo, por exemplo, a estabelecer e explicitar expectativas e fornecer instruções claras às crianças, a premiar as crianças por comportamentos desejáveis e a ensinar a elas métodos pró-sociais (socialmente desejáveis) de resolução de problemas. 48 Esse programa trouxe benefícios de longo prazo. Quanto às crianças de famílias de baixa renda, os meninos pertencentes aos grupos experimentais, ao atingirem a sexta série (12 anos) apresentavam menores probabilidades de terem se engajado em delinqüência, enquanto as meninas desse mesmo grupo apresentaram menor probabilidade de terem usado drogas (O’Donnel et al., 1995). Num acompanhamento mais recente, David Hawkins e seus colegas (1999) verificaram que, na idade de 18 anos, o grupo de intervenção plena (que havia recebido intervenção da primeira à sexta série) cometia menos violência, registrava menos casos de abuso de álcool e tinha menos parceiros sexuais que os grupos de intervenção tardia (apenas quinta e sexta série) ou que o grupo de controle. Os programas que tomam como alvo os fatores comunitários de risco não se mostraram particularmente eficazes (Hope, 1995). No entanto, os programas de base comunitária foram eficazes. Por exemplo, Marshall Jones e Dan Offord (1989) implementaram um programa de desenvolvimento de habilidades num conjunto habitacional público de Ottawa e o compararam com um conjunto habitacional de controle. O programa centrava-se em habilidades não-escolares, tanto atléticas (natação e hockey) quanto não-atléticas (violão e balé). O objetivo desse desenvolvimento de habilidades era aumentar a auto-estima, incentivar as crianças a fazerem uso construtivo de seu tempo e fornecer modelos desejáveis. Os índices de participação foram altos: cerca de três quartos das crianças do conjunto habitacional experimental, cujas idades as qualificavam para a participação no programa, freqüentaram pelo menos um curso durante o primeiro ano. O programa foi um sucesso: o índice de criminalidade decresceu significativamente no complexo experimental, em comparação com o complexo de controle. Um dos principais programas de tratamento de base comunitária é a terapia multissistêmica (TMS), que consiste num programa de componentes múltiplos, concebido por Scott Henggeler (Henggeler et al., 1998). O tipo particular de tratamento a 49 ser adotado é determinado conforme as necessidades específicas de cada jovem, e o tratamento, portanto, é diferente para cada pessoa. Esse tratamento pode incluir intervenções individuais, familiares, de grupo de colegas, escolares e comunitárias, incluindo também treinamento de pais e treinamento de desenvolvimento de habilidades, para os jovens. A TMS geralmente é usada no caso de menores infratores. Por exemplo, em Missouri, Charles Borduin e seus colegas (1995) distribuíram aleatoriamente 176 menores infratores (idade média de 14,8) entre a TMS e uma terapia individual, centrada em questões pessoais, familiares e acadêmicas. Quatro anos mais tarde, apenas 29% desses menores haviam sido novamente presos, comparados com 74% dos indivíduos do grupo tratado com terapia individual. CONCLUSÕES Os principais fatores de risco de longo prazo na violência juvenil são psicológicos (forte impulsividade e baixa inteligência, possivelmente associadas às funções executivas do cérebro), familiares (pouca supervisão, disciplina severa, maus-tratos físicos, um pai violento, família numerosa, família desfeita), colegas delinqüentes, baixa condição socioeconômica, residir em centros urbanos e em bairros de alta criminalidade. Entre os principais fatores de risco circunstanciais de curto prazo constam o consumo de bebidas alcóolicas e atos que conduzem a episódios violentos (por exemplo, a escalada de uma discussão trivial). Serão necessárias pesquisas suplementares em busca de fatores que ofereçam proteção contra a violência juvenil, como, por exemplo, investigar por que razão algumas crianças agressivas não se transformam em adultos violentos. Esses fatores de proteção podem vir a ter implicações importantes nas políticas a serem adotadas. 50 Pesquisas de avaliação da mais alta qualidade demonstram que muitos programas mostram-se eficazes na redução da prática de delitos. Os melhores programas costumam incluir educação geral e treinamento em gerenciamento para os pais, programas pré-escolares de enriquecimento intelectual, treinamento no desenvolvimento de habilidades para as crianças e treinamento de professores. Os programas de combate à intimidação por colegas, desenvolvidos nas escolas, também surtem efeito, e não foram analisados no presente artigo porque serão objeto de debate no restante desta conferência. Os programas de base comunitária também mostraram ser eficazes. Uma vez que a maioria desses projetos de avaliação foram realizados nos Estados Unidos, é óbvio que será necessário, na Europa, um maior número de pesquisas de avaliação de alta qualidade. Necessitamos também de melhores métodos para a sistematização do conhecimento atualmente disponível, com base na colaboração de Campbell (Farrington e Petrosino, 2000). Chegou a hora de investir em prevenção centrada nos riscos, não apenas para combater a violência e a criminalidade, mas também para melhorar a saúde física e mental e o sucesso na vida, em áreas como educação, emprego, relações, moradia e criação de filhos. REFERÊNCIAS ARCHER, J. The influence of testosterone on human aggression. Br. J. Psycho., n. 82, p. 1-28, 1991. BARKER, M. et al. The prevention of street robbery. London: Home Office Police Department, 1999. BERRUETA-CLEMENT, J. R. et al. Changed lives: the effects of the Perry preschool program on youths through age 19. Ypsilanti, MI: High/Scope Press, 1984. BORDUIN, C. M. et al. Multisystemic treatment of serious juvenile offenders: long-term prevention of criminality and violence. J. Consult Clin Psychol, n. 63, p. 569-87, 1995. 51 BRENNAN, P. A.; MEDNICK, B. 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É possível que o momento1 eleitoral tenha algo a ver com isso, mas a razão principal foi o tema de nossos estudos, uma questão que vem causando tanta preocupação nos países democráticos. Até certo ponto, pode-se pôr em questão esse entusiasmo da mídia e essa presença política. No entanto, é a própria legitimidade dessa conferência que deve ser questionada, sua relevância e seus objetivos. Porque o que pode o político esperar de útil do pesquisador, e o que pode o pesquisador fazer ou dizer ao político sem perder sua alma e sua objetividade? Pode-se suspeitar que tudo o que foi feito nesse seminário teve um caráter mais político que científico. É claro que a única reação possível a esse tipo de atitude seja publicar os trabalhos apresentados na conferência e abri-los à discussão, que consiste a própria base do processo científico. Afinal, como demonstrou Bourdieu (1997), alinhando-se aos 1 A conferência internacional sobre “Violência nas Escolas e Políticas Públicas” teve lugar entre os dois turnos das eleições municipais na França. 59 comentários de Max Weber (1919) e de seus seguidores, é exatamente ao abrir espaço para a controvérsia e para a oportunidade de discussão, independentemente das motivações, e ao construir de forma metodológica o objeto de pesquisa, que a comunidade científica exerce sua função (ver também Latour, 1995). Mas será que a “violência nas escolas” pode ser considerada um objeto científico e, em caso afirmativo, como? Que tipo de violência? Devemos incluir “incivilidade” ou “intimidação por colegas”? Se expandirmos a definição de violência, correremos dois riscos: primeiramente, o risco epistemológico de hiperampliar o problema até torná-lo impensável, e em segundo lugar, o risco político de vir a criminalizar padrões comportamentais comuns, ao incluí-los na definição de violência. Por outro lado, uma definição excessivamente limitada pode excluir a experiência de algumas das vítimas, ignorando o fato de que a pior violência deriva da “microviolência”. Por trás dessa “batalha de palavras” reside um problema fundamental, no qual as preocupações do “cientista” se unem às do “político”. Por mais abstrata2 que possa parecer esse debate acerca da definição, ele dá origem a desentendimentos que são de natureza teórica e que dizem respeito às escolhas relativas às medidas a serem tomadas. O PROBLEMA EPISTEMOLÓGICO A maior parte dos autores que investigam o problema da violência escolar aceita uma definição ampla que inclui atos de delinqüência não necessariamente passíveis de punição, ou que, de qualquer forma, passam despercebidos pelo sistema jurídico (ver Gottfredson, 2001; Roché, 1996). Essa é também a minha opinião, já há vários anos (Debarbieux, 1989, 1996, 2000): a voz 2 Os leitores apressados ou desencorajados pela obscuridade da discussão epistemológica podem pular a primeira parte de nosso texto, que é reconhecidamente densa. Este debate, entretanto, não deve ser tratada com leveza, nem mesmo no sentido estilístico. 60 das vítimas deve ser levada em consideração na definição de violência, que diz respeito tanto a incidentes múltiplos e causadores de estresse que escapam à punição quanto à agressão brutal e caótica. Contra essa definição ampla, no entanto, podem-se levantar várias objeções fortes, tanto políticas quanto epistemológicas; e é deste último aspecto que trataremos de ini´icio, mesmo que não seja nossa intenção separar o aspecto científico do problema prático3. Delimitar para pensar? A primeira objeção contra uma definição ampla da violência pode ser resumida pelos comentários de um autor francês, Bonafé-Schmitt (1997) que denunciou “a visão inflacionista da violência”, conceito que reúne “agressão física, extorsão, vandalismo e aquilo que é conhecido como ‘incivilidade: xingamentos, linguagem rude, empurra-empurra, humilhação”. Esta primeira objeção afirma que a hiperampliação faz com que o conceito seja impensável, devido à confusão léxica e semântica. Desse modo, a primeira objeção é a seguinte: atribuir o termo “violência” a uma ampla gama de fenômenos é um mau uso do termo. Esse argumento pode ser encontrado num relatório recente (Prairat, 2001), que propõe a leitura crítica de meus próprios estudos, e questiona “o desejo louvável de levar em consideração a experiência dos protagonistas”, que contribuem, eles próprios, para a definição de violência. Para Prairat, “aqui encontramos o famoso ‘esse est percipi’ expresso pelo velho4 Berkeley: ser é ser percebido”. Não é mais “usando o sujeito político, mas também – e principalmente – usando o sujeito psicológico, que Debarbieux pretende definir a violência. A partir daí, não há limites: violência objetiva, violência sentida, violência temida... o 3 4 Os desenvolvimentos a seguir reexaminam e complementam alguns comentários feitos por mim em outros lugares. (Debarbieux, 2001). Minha reação é a de um filósofo: não vejo por que ser “velho” garanta o obsoletismo de um filósofo. O argumento aqui é mais ad hominem que epistemológico. 61 mundo do virtual já adentrou o exame da dura realidade”. Prairat, então, sugere que devemos nos ater a uma definição limitada de violência, e cita um outro autor, Jacques Pain (1994), que certa vez propôs5 a seguinte definição: “Entendemos violência como um processo que é construído, criminoso, bem demarcado pelas categorias do código penal”. Prairat usa também uma definição introduzida por Ballion (Ballion, 1999): há violência “quando há abuso, ameaça, intimidação, danos físicos a outros, danos ou destruição intencional de pertences”. Essa definição limitada deve-se, em parte, ao ressurgimento do interesse por um dos primeiros textos do pensamento francês sobre a insegurança, publicado em 1981 por Jean-Claude Chesnais (1981) e intitulado “História da Violência”. Chesnais é de opinião que devemos nos ater ao “círculo interno da violência”, ao “núcleo bruto”, à “ violência física mais grave”, subdividida em quatro tipos: homicídio (ou tentativa de homicídio), estupro (ou tentativa de estupro), danos físicos graves e roubo ou assalto armado. A violência “moral” ou simbólica é um “mau uso da linguagem, específico de certos intelectuais ocidentais que estão bem de vida demais para saber algo sobre o mundo da pobreza e do crime”. Essa refutação, portanto, dá origem a alguns argumentos interessantes: • Medo de um solipsismo psicologizante – ou mesmo de um nominalismo – que poderia cobrir uma ampla definição dentro do campo do relativismo radical. • O desejo de limitar a violência aos atos de violência – e principalmente às categorias factuais demarcadas pelo código penal. 5 Escrevemos “certa vez propôs” porque Pain, sob a forte influência dos trabalhos sobre intimidação na escola, parece ter mudado de idéia. Em particular, ele traduziu e escreveu o prefácio do livro de Dan Olweus, livro esse que demonstra a importância da intimidação repetida (Olweus, 1999). 62 Por fim, a construção do objeto é questionada: restringir a definição a “fatos” objetivos ou objetificados é, aqui, a única garantia de uma distância suficiente, que nos permita pensar sobre a “violência”. Os argumentos parecem sólidos e não podem ser deixados de lado sem a consideração devida: eles devem ser respondidos dentro do mesmo campo, o da epistemologia fundamental das ciências sociais. Relativismo: aporia ou necessidade? De fato, essa definição restrita – limitada à definição penal e às formas mais brutais de violência – levanta problemas epistemológicos igualmente complexos. O primeiro é que ela é a extensão de um texto legal, isto é, o código penal, que é marcado pela temporalidade e que é, ele próprio, relativo. O segundo é que ela provém de um mal-entendido a respeito da maneira como é construído o vocabulário das ciências humanas, esse “léxico impraticável”, para citar Passeron (Passeron, 1991). O terceiro problema é que ela torna impensáveis as experiências na área que são operacionais na nomeação da violência, ou as confina à categoria da fantasia ou do virtual. A primeira dificuldade é óbvia: limitar a violência ao âmbito do código penal é tão relativo quanto o próprio código penal, não consistindo, portanto, numa base segura para que sejam evitadas as armadilhas do relativismo. De fato, o código foi escrito de acordo com os desejos e as opiniões do público (um bom exemplo é a violência no trabalho e a idéia de assédio moral). “O legislador só age de acordo com reações baseadas nas representações mentais de desvio, delinqüência, criminalidade, justiça, punição e repressão, ou administração de delitos” (Dufour-Gompers, 1992). No século XIX, a violência resultante de uma briga de bar raramente era punida, ao passo que o roubo dos pertences do patrão por parte de um criado estava sujeito a uma pesada sentença, e de fato era considerado quase tão mau quanto o parricídio, na representação paternalista da lei napoleônica. 63 A segunda dificuldade vincula-se tanto à ignorância do pragmatismo da linguagem, que recusa qualquer idealismo conceitual e devolve as palavras a seu contexto e sua história, quanto a uma incompreensão dos mecanismos de formação do vocabulário nas ciências humanas. O pragmatismo da linguagem desafia a própria idéia de “conceito” e, portanto, da definição eterna dentro de um vocabulário adequado à coisa. “A verdade não pode existir independentemente da mente humana – uma vez que as sentenças não existiriam, não estariam aí, à nossa frente. O mundo está lá, do lado de fora, mas não as descrições que dele fazemos. Apenas elas podem ser verdadeiras ou falsas. O mundo, em si, não poderia ser sem a intervenção das descrições feitas por seres humanos” (Rorty, 1993). O vocabulário científico, então, não “descobre” o que é verdade; o que é verdade é construído e, por sua vez constrói novos paradigmas. Em outras palavras, é um erro fundamental, idealista e histórico crer que definir a violência, ou qualquer outro termo, por sinal, seja uma questão de se aproximar o máximo possível de um conceito absoluto de violência, de uma “idéia” de violência que faz com que a palavra e a coisa estejam para sempre adequadas6. Não se trata sequer de dizer que as palavras evoluem juntamente com um “contexto” externo, que faria com que uma definição original evoluísse – que apenas a ilusão de uma permanência etimológica pode ser encontrada. O “contexto” não é exterior ao texto, como demonstrou a psicologia histórica (Vernant, 1972), o contexto é “homólogo ao próprio texto a que ele se refere”, é um universo mental no qual as palavras são uma ferramenta verbal, uma categoria de pensamento, um sistema de representação, uma forma de sensibilidade: as palavras criam o contexto tanto quanto são criadas por ele. Podemos aplicar à “violência”, como conceito científico (usado por cientistas), a esplêndida demonstração de Passeron 6 Poderíamos também nos utilizar da obra dos principais fenomenologistas, principalmente Husserl ou Heidegger, e sua crítica radical ao platonismo e ao idealismo dele resultante. 64 (loc. cit.), que demonstra que as definições teóricas das palavras meramente as tornam legíveis, ao passo que é na escolha dos argumentos, dos métodos e das formulações que o pesquisador adquire “controle teórico” sobre as virtualidades semânticas dos conceitos. Como diz Passeron, numa situação de pesquisa, qualquer tentativa de confinar os conceitos aos limites estritos de uma definição “imediatamente os reduz a pálidos resíduos acadêmicos, concentrados ineficazes de associações verbais, desprovidos de indexação ou de vigor”. Em termos metodológicos, não deveríamos estar pesquisando a violência como um todo indivisível; deveríamos, pelo contrário, estarmos multiplicando os pontos de vista (os indicadores), o que nos traz de volta a um conceito que é inoperante devido a sua generalidade – e nós admitimos que a definição ampla gere esse problema. Os pesquisadores deveriam, simplesmente, explicar seus pontos de vista e suas escolhas, e demonstrar como seus resultados tornam mais legível essa realidade. Essa é a vantagem de acumular pontos de vista fragmentados, que giram em torno do assunto7, construindo um conhecimento que é sempre temporário e que será substituído assim que surgirem novos indicadores e novas operações de pesquisa. Não pode haver um conhecimento total acerca da violência nas escolas – porque ela só pode ser representada de formas parciais, e devemos ou aceitá-las como tal ou nos permitir cair na fantasia da onisciência, que é tudo menos ciência. Vemos aqui uma primeira oportunidade de superar certas cisões e divergências, demonstrando que as diferenças de pontos de vista levam a uma pluralidade de representações. Nesse sentido, a abordagem internacional é boa, por colocar em perspectiva as certezas etnocêntricas. Esse tipo de relativismo é, portanto, uma necessidade. Uma definição excessivamente restrita não seria uma forma de colonialismo cultural? 7 É exatamente isso que faz a análise de dos fatores, quando ela localiza objetos num espaço multidimensional, “girando” em torno de eixos. 65 Campo semântico, campo de poder Em termos ainda mais concretos e muito simples, o fato de diferentes atos sociais poderem ser agrupados sob o termo genérico de “violência”, por parte de pessoas de dentro das escolas é, por si só, um ato social que merece ser pensado, e um dos pontos de vista possíveis. Isso porque a terceira dificuldade gerada pela definição restrita é que ela nega aos próprios participantes o poder de dar um nome a sua experiência. Por exemplo, uma observação simples nessa área, mencionada diversas vezes em nossos trabalhos, também foi notada há poucos anos por Dubet, que, em seu estudo sobre estudantes da sexta série, considerou que a violência é um “clima de indisciplina que é paradoxalmente mais tangível que os atos que o geram” (Dubet, 1990). Isso quer dizer que as pessoas, nas escolas, devem ser relegadas à detestável categoria de “fantasistas da insegurança”? Esse “clima” deve ser retirado do campo da violência? O campo semântico é um campo de poder, no qual a questão da legitimidade da nomeação é um problema central. A própria idéia de uma definição “universal” é, por si mesma, uma forma de controlar esse campo – ainda mais se o código penal for a única forma de nomear a violência, uma vez que o risco óbvio seria o de só ser capaz de lidar com a violência escolar em termos penais. É uma contradição dizer que uma definição ampla da violência deva ser rejeitada por medo de estigmatização, ou, em outras palavras, numa perspectiva aberta pela psicologia da rotulação 8, na qual se acaba por escolher o mais severo de todos os rótulos, o código penal. Mas, para nós, trata-se, acima de tudo, de uma recusa a ouvir o que as vítimas têm a dizer. A história da violência na escola (Debarbieux, 1998) – assim como muitas outras formas de violência – é a história da descoberta gradual das vítimas, daquelas pessoas “esquecidas pela história”, como o diz tão bem Benoît Garnot (Garnot, 2000). É isso que vem ocorrendo na França, e o que vem ocorrendo também em termos internacionais, principalmente quando lemos os trabalhos que tratam da intimidação por colegas ou dos ataques de 66 gangues (Sharp e Smith, 1994; Smith et al., 1999). Essa descoberta acontece quando, gradualmente, passamos a reconhecer o que as vítimas têm a dizer, e a reconhecer, portanto, seu poder de colocar seu sofrimento em palavras. Da mesma forma, as leis sobre o assédio no trabalho surgiram a partir do momento em que passamos a nomear aquilo que gradualmente veio a se converter num delito, na maior parte dos países da Europa e da América do Norte, e o poder do assediador diminuiu progressivamente, à medida que as palavras da vítima ganharam legitimidade. O mesmo vale para a violência sexual cometida por adultos em relação a crianças, nas escolas e em outros lugares, e para o arsenal de punições regularmente aplicadas nas escolas, que pouco a pouco se tornaram ilegais, nos termos do direito internacional. Não há portanto necessidade de estabelecer uma definição “objetiva”, contraposta a uma “subjetiva”. A sociologia de Max Weber tem grande valor aqui, no sentido de que ela nunca erigiu oposição entre as regularidades estatísticas “objetivas”, que são a “verdade” das coisas, e a interpretação dos fatos pelos próprios sujeitos (ou antes, a elaboração dos fenômenos como fatos). A verdade de um fenômeno social também resulta do significado que os sujeitos – na posição de sujeitos sociais – dão aos eventos e aos atos (Pourtois et al., 1992). A pior situação e a mais violenta, que um cientista – ou qualquer pessoa – pode provocar para uma vítima é negar que ela seja uma vítima, é relegá-la ao reino do “subjetivismo”. Isso não refuta o modelo da violência “simbólica”, que é ainda mais violenta pelo fato de ser oculta, mas abre o caminho para que as vítimas possam dizer o que sentem, e para o aumento do nível de conscientização, que é uma tarefa sociológica. O papel do “savant”, nesse caso, não seria o de propiciar a expressão dessas palavras, ajudar as pessoas a compreender o sofrimento sem primeiro aprisioná-lo em definições fixas, 8 De acordo com essa escola de pensamento, a nomeação e a qualificação de um sujeito faz com que ele se fixe nessa nomeação, por exemplo, a reprovação na escola, por meio do famoso “efeito Pigmaleão” ou, para Michel Foucault, a loucura. 67 ilusórias, pré-fabricadas, mas também fazer com que essas palavras sejam construídas com toda a sua singularidade e em sua significância social? AS CONSEQÜÊNCIAS DAS PALAVRAS: O PROBLEMA POLÍTICO Mas, por trás dessa conscientização sobre as vítimas, não existiria também a suspeita de um tipo pouco saudável de populismo, cuja conseqüência seria descrever qualquer mal feito a uma pessoa como um perigo grave, e qualquer “incivilidade” como uma abertura ao crime? Não existiria o risco de excessos do tipo “tolerância zero” que com tanta freqüência são denunciados como o fim da liberdade? Não seriam essas supostas “vítimas” apenas desculpas úteis para a adoção de políticas repressivas, que representariam a contrapartida das sociedades democráticas dominantes, que tentariam encarcerar os pobres e os indesejáveis, por meio de uma “criminalização da pobreza”? A teoria da “conspiração mundial” O sucesso político alcançado pelo tema da insegurança tem como corolário o sucesso comparável de um vocabulário, que consiste na descrição de um mundo social e, ao mesmo tempo, numa interpretação dele: incivilidade, intimidação, violência, introversão de identidade, grupo étnico, comunitarismo, comportamentos não-cívicos etc. (cf. Bourdieu e Wacquant, 1998). O lugar central ocupado pela definição “ampla” de violência pode parecer suspeito, quando ela é usada para justificar políticas de supervisão excessivas. O desejo de conhecer, nesse caso, transforma-se numa máscara para o desejo de supervisionar, que é o alter-ego das sociedades liberais, na área da segurança. É esse o fundamento da crítica de Loïc Wacquant (1999) ao “novo sensocomum punitivo”, proveniente da América e que vem disseminando-se pela velha Europa, na forma de um neoconservadoris68 mo que criminaliza a pobreza e que, no âmbito de nosso tema, o interpreta, desde a mais tenra idade, como uma forma de aliviar o Estado “de suas responsabilidades quanto à origem social e econômica da insegurança, apelando à responsabilidade individual dos habitantes de áreas ‘incivilizadas’ de exercer sua própria forma de controle social” (id. p. 23), ao recomendar a tolerância zero desde cedo. Para Wacquant, a razão primordial desse controle social encontra-se na racionalidade econômica americana, que vem disseminando-se por todo o mundo: “A América, obviamente, optou por criminalizar a pobreza, para complementar a generalização da insegurança financeira e social” (op. cit. p. 151), e é essa a alternativa que está sendo proposta às demais democracias da Europa e de outras partes do mundo. Criminalizar os comportamentos de recusa é uma forma de fazer com que as pessoas aceitem trabalhar por pouco, e aceitem também o enfraquecimento do papel redistribuidor do Estado – em outras palavras, o fim da proteção social. Sob essa luz, a construção do objeto está ligada a uma opinião que é manipulada pela mídia e pelas autoridades públicas. “Violência na escola” é uma onda criada pela mídia, na qual os pesquisadores vêm surfando, ou, ainda pior, um álibi para as tentações repressoras que o mundo dos “especialistas” ajuda a justificar. Nesse caso, nosso seminário representa um risco para as liberdades públicas, principalmente devido ao fato de ele incluir um grande número desses mesmos circuladores de idéias entre a Europa e os Estados Unidos, que Wacquant denuncia. Será que essa aliança entre o mundo dos especialistas e o mundo político faz parte da conspiração mundial a favor de um imperialismo conservador? Por mais irritante que ela possa ser, essa pergunta merece uma resposta. O modelo de Foucault Mesmo sem admitir a existência de uma conspiração mundial consciente, proveniente da América, esse tipo de suspeita pode também ter sido influenciada pelas idéias de Michel Foucault, que, de 69 fato, são motivo de debates nos Estados Unidos (Debarbieux, 1994; Rorty, 1993), em especial no que se refere ao modelo proposto em “Surveiller et punir” (Foucault, 1975), coerente com os comentários de muitos historiadores (Levi e Schmitt, 1994). A violência era muito mais presente nos tempos antigos (Muchembled, 1989), e, na educação, de fato desempenhava um papel socializador. A família malthusiana, na qual se baseia a maior parte das normas e modelos culturais da família ocidental, se opunha à tradição popular, ao recusar a brutalidade que transformava o antagonismo na chave da normalização. Ao invés da brutalidade corretiva dos pais e do grupo de colegas (cf. Thin, 1998), a família burguesa preferia que o aprisionamento se desse na esfera da chantagem emocional, fazendo com que a educação não-violenta se tornasse a norma. O medo da violência por parte das crianças (Crubellier, 1979) estava relacionado ao confinamento da infância percebido por Foucault. Boa parte de sua obra (Rorty, 1993; p. 99) consistiu em “mostrar como os modelos característicos da aculturação das sociedades liberais impunham restrições de tipos inimagináveis às sociedades mais antigas, prémodernas”, mas, para Foucault, a regressão do sofrimento causado pela violência espetacular (a que ele chama de “a eclosão do tormento”) não compensa o totalitarismo moderado presente nessas novas restrições, cujas melhores expressões são a escola e a pedagogia “ortopédica”. A profunda transformação de nosso relacionamento com a brutalidade na educação consegue explicar de forma mais ampla sua definição excessiva como violência intolerável. No final das contas, estaríamos simplesmente aplicando normas pequeno-burguesas, que são repressivas no sentido de que apelam para uma rede de proibições, para um “clima” emocional que pressiona e sufoca9. De certa forma, se seguirmos à risca esse raciocínio, não deveríamos então restaurar a violência? 9 Não é por acidente – e essa é a base da crítica clássica de Malinovski ao freudismo – que a psicanálise tenha se desenvolvido sobre a base do enclausuramento na família burguesa do fin-de-siècle, que gera uma sufocação psicótica, ao mesmo tempo em que dá amor à criança. 70 A violência e o “politicamente correto”, sob o risco da reação comportamental Essas críticas não devem ser ignoradas, e algumas delas são subscritas por nós. De fato, não há dúvida de que o tema da violência escolar deva grande parte de sua proeminência às campanhas exageradas da mídia, na maior parte dos países europeus, e também nas Américas. Foi dado destaque a fatos espetaculares – e raros – para descrever explosões de barbarismo infantil, associadas a um discurso trôpego sobre o declínio dos padrões educacionais (tendo como alvo as famílias de pais solteiros), e com explicações simplistas sobre os efeitos da influência direta da violência na televisão ou nos videogames, e também sobre as mazelas da imigração. Foi o que aconteceu na Alemanha, onde a reunificação intensificou as tensões xenófobas (Krämer, 1995). Na Inglaterra, os assassinatos de Dunblane atuaram como catalisadores (Blaya, 2000), e sabemos também que, na Suécia (Lindström e Campart, 1998) e na Espanha (Moreno, 1998), a tensão provocada pela mídia não foi menor. Também eu analisei esse fenômeno no caso francês (Debarbieux, 1998), onde o assunto parece ter-se transformado numa inexaurível mina de ouro para a imprensa escrita e televisiva. Uma das principais tarefas dos cientistas vem sendo a de desconstruir esses discursos alarmistas, e mais adiante veremos como a pesquisa quantitativa pode ajudar. Por outro lado, existe uma forma de conceber ou de utilizar a abordagem de “fatores de risco” que pode ser muito perigosa e estigmatizante para uma boa parte da população descrita como “de risco”. A alternativa de rejeitar por completo as abordagens desse tipo seria tentadora, uma vez que elas permitem que toda uma população seja visada, usando padrões que são mais deterministas que probabilísticos, mais mecânicos que sistemáticos. Essas críticas devem servir de incentivo à vigilância. Em tempos recentes, essa questão foi debatida de forma brilhante por David Farrington. No entanto, acredito que alguns comentários sejam necessários; eles não contradizem o que foi dito por David, mas podem dar ênfase a certos aspectos do problema 71 e servem para identificar níveis possíveis de intervenção. Em primeiro lugar, como afirmaram Fortin e Bigras (Fortin e Bigras, 1996), “a documentação sugere que devamos ir além do nível de estudo no qual nos concentramos num episódio ou num fator gerador de stress, como o divórcio, passando a estudar os múltiplos fatores e combinações estressantes presentes no desenvolvimento de riscos comportamentais” e “a presença de um único fator de risco não parece aumentar a probabilidade ocorrência de problemas posteriores”. Desse modo, embora algumas pesquisas mostrem que famílias de pais solteiros correm um risco significativamente maior de que seus filhos venham a desenvolver disfunções comportamentais (Webster-Stratton, 1989), essa situação não prenuncia de forma absoluta a ocorrência dessas disfunções, salvo se aliada a outros fatores, o econômico, principalmente, e é apenas o acúmulo de fatores como esses que leva a um risco real. Mesmo nesse caso, não é necessário procurar indícios de fatalidade social, uma vez que outros estudos (Abidin, 1983) demonstram que muitos pais mantêm uma relação harmoniosa com seus filhos, apesar dos “fatores estressantes do ambiente familiar”, como o desemprego. Da mesma forma, a “qualidade da relação conjugal” é obviamente importante, uma vez que, de acordo com uma análise da pesquisa realizada por Emery em 1988 (Emery, 1988), ela explica uma variação de 10% a 20% na capacidade de adaptação das crianças, ou na falta dessa capacidade... mas isso também significa que 80% a 90% dos fatores são encontrados fora dessa relação. É óbvio que não se pode negar a influência que os fatores familiares têm sobre o comportamento das crianças na escola, mas um estudo sueco (Lindström, 1995) mostra que a explicação não deve ser buscada em nível individual, mas em dificuldades cumulativas vividas de forma coletiva nas escolas que não foram capazes de criar um clima escolar suficientemente harmonioso. Apenas uma análise contextual pode descrever de forma completa as dificuldades vividas , os problemas familiares apenas uma das variáveis possíveis. Indo mais além, a tentativa de criação de um modelo sistemático, por meio da 72 inclusão de variáveis explicativas nos modelos estatísticos, gera, com freqüência, um artefato totalmente distanciado da realidade, no qual o refinamento das categorias é correspondente a seu vácuo teórico (Passeron, 1991). De fato, a abordagem dos fatores de risco, por mais valiosa que possa ser, apresenta limitações metodológicas e epistemológicas, quando situada em nível individual. Seria ilusório tentar encontrar um modelo que nos permitisse prever com perfeição os comportamentos, uma vez que tal modelo poderia apenas nos levar a excessos e ilusões relativas ao behaviorismo. Embora a abordagem dos “fatores de risco” seja de real interesse para análise da violência escolar, ela não deve levar a uma visão determinista, mas sim a uma visão que reconheça o papel das variáveis familiares e pessoais, e das variáveis estruturais e contextuais. A abordagem dos fatores de risco só tem valor quando centrada nas condições sociais e institucionais que produzem esses “riscos”. Em nossa opinião, portanto, a polêmica maneira de abordar a questão da intimidação por colegas nem sempre escapou de um enfoque excessivo nos aspectos psicológicos e no indivíduo, nos padrões e nos traços de caráter, sem colocar em questão os sistemas educacional e político (Blaya, 2001; Hayden e Blaya, 2001). Ao contrário de investigar as características individuais dos alunos e explicar seus perfis de risco, nós preferimos, como outros que nos antecederam (por exemplo, Gottfredson, 1986), enfocar as características que fazem com que uma escola corra ou não o risco de ver-se envolvida em violência (Debarbieux, 1999, 2001). Os fatores internos, ligados à organização das escolas, são variáveis importantes no que se refere à amplitude da delinqüência, nessas escolas. Os conflitos internos das equipes de adultos nos pareceram uma explicação possível para os efeitos escolares negativos e, por outro lado, a mobilização de outras equipes parece explicar os efeitos escolares preponderantemente positivos. O estudo causal, na tradição da Literatura sobre a Escola Eficaz, mostra que os protagonistas não são impotentes, e que a mobilização coletiva, internamente às escolas e no nível das parcerias externas, são uma maneira realista de tentar lidar com um fenômeno que não é uma 73 questão de determinismo por meio de deficiência “socioviolenta”. Nossa avaliação recente do plano interministerial de combate à violência escolar (Debarbieux-Montoya, 1999) mostra que as escolas de classes trabalhadoras por vezes tendem a expressar violência de uma forma mais forte, principalmente em situações que envolvem a chamada delinqüência de exclusão, e que o “conflito de civilidade” e a violência antiescolar tendem mais a se espalhar nessas escolas. Mas essa avaliação também mostra a importância dos efeitos escolares e dos efeitos zonais. A estabilidade dos professores e os cortes de funcionários têm um papel importante. Esse levantamento revela uma redução do fenômeno no Sul da França, onde a equipe de professores é mais estável, e uma piora nos subúrbios de Paris, onde a rotatividade nas equipes chega a atingir 80%, o que torna impossível construir uma “cultura escolar”, sem a qual nada é possível. De fato, essa pesquisa mostra que as causas da violência são múltiplas, complexas, densas, mas não fatais. Ela mostra a importância da mobilização nessa área, e também a necessidade de um Estado que seja capaz de implementar o desejo político de neutralizar a desigualdade. Não é politicamente correto, nem teria fundamento, considerar o problema em termos de um populismo maniqueísta, que afirma que as deficiências do Estado são responsáveis pela violência na escola (e que, na verdade, condena toda essa área à impotência), ou de um transcendentalismo repressivo, que tem como objetivo a simples remoção dos elementos indesejáveis10. As pesquisas na área demonstram que a violência nas escolas deve ser analisada macro e microssociologicamente, enfatizando que suas causas são tanto exógenas – relacionadas ao bairro, ao sistema econômico, a falhas familiares ou das políticas públicas – quanto endógenas – associadas a graus de organização ou de desorganização local, nos quais os atores não são apenas agentes impotentes, manipulados por forças políticas externas, nem tampouco populações que, em si mesmas, representam um perigo. 10 Ver nosso artigo sobre a fabricação dos “linha-duras”, nos Cahiers de la sécurité intérieure, 2001. 74 DEFINIR PARA AGIR As críticas epistemológicas e políticas mais fortes dizem respeito tanto à hiperampliação da definição do fenômeno da “violência nas escolas” quanto a seu exagero quantitativo. Nesta seção, gostaríamos de demonstrar que apenas uma definição ampla pode avaliar de fato a violência nas escolas, colocando-a em perspectiva, e como essa definição ampla pode ir além de uma abordagem meramente repressiva. Apenas uma definição desse tipo pode estabelecer tecnicamente a necessidade de prevenção. Não se trata de ser contra a repressão em si, nem de defender unicamente as medidas preventivas, o que provavelmente seria uma utopia! Mas se a violência é construída, então ela pode ser desconstruída. A repressão é sempre um estado trágico de temporalidade para a vítima. Quando a violência espetacular ou criminosa acontece, já é tarde demais, e a repressão não passa de um efeito retardado. Porém o mais significativo, e o que nos permite avaliar as políticas públicas que tratam da violência, é, acima de tudo, a redução do número de vítimas e do grau de vitimização, e não quantas pessoas foram presas. Na França, já é hora de levar em conta o efeito a longo prazo, na formulação das políticas públicas de combate à violência. De fato, já é hora de examinarmos a microviolência e a forma como ela tem influência na vida das vítimas e dos criminosos. Estatísticas paradoxais: a contagem do crime Uma das acusações mais comuns levantadas contra os pesquisadores que trabalham com a violência nas escolas e com a delinqüência juvenil em geral, é que eles “fazem com que o fenômeno exista, ao falarem sobre ele”, contribuindo para o exagero público, ao identificá-lo como uma questão científica. Nós vimos até que ponto chegaram os comentários de Wacquant sobre a questão, chegando a postular a existência de uma conspiração mundial, que envolveria a “mão negra” da manipulação. Deve-se dizer que os argumentos desse autor são especialmente simplistas, 75 e que eles esquecem – ou ignoram – a maioria dos trabalhos mais importantes sobre o tema. De partida, após uma análise secundária das estatísticas oficiais sobre a violência nas escolas (estatísticas que são raras, aliás11), a maior parte desses estudos, sem necessariamente subestimar tais atos, concordam que a quantidade dos crimes e delitos ocorridos nas escolas é baixa (Debarbieux, 1996, 1999; Facy, em Charlot e Emin, 1997; Gill e Hearnshaw, 1997; Lindström, 1998). A tarefa desses pesquisadores é, também, mostrar – muitas vezes de forma cansativamente repetitiva – que devemos resistir a uma preocupação excessiva com a segurança, veiculada pelos noticiários que alarmam a opinião pública e os políticos (Downing et al., 2000). Aliás, isso não vale apenas para a Europa: as pesquisas americanas de criminologia não são executadas por um bando de conservadores neofascistas, como denunciado por Wacquant (1999) – que só erra ao esquecer que as sociedades, até mesmo as científicas, são estratificadas, reificando portanto as chamadas posturas americanas. Ao contrário, o debate sobre os contraventores muito jovens ou a presença de armas letais nas escolas tenta demonstrar a natureza infundada e ineficaz da cruzada conservadora, que tenta aplicar aos menores as leis adultas, a pena de morte inclusive (Farrington; Sociedade Americana de Criminologia, 2000). Neste estudo, nós veremos, com a apresentação de nosso amigo John Devine, que a repressão e a obsessão com a segurança não são os principais temas da maioria dos pesquisadores americanos – fato que será confirmado nas próximas publicações desta conferência. 11 Quanto à questão da violência nas escolas, a França é, provavelmente, o único país do mundo que forneceu estatísticas – ainda que imperfeitas – de vários anos (1993), com um resumo nacional dos atos registrados pelas escolas e pela polícia, pelo menos anualmente, e agora trimestralmente. No entanto, existem vastas pesquisas oficiais nos Estados Unidos, e outros países produziram estatísticas, mas apenas de forma episódica. Obviamente, isso não leva em conta as pesquisas científicas, que contam ou não com o apoio de instituições. 76 Tomemos dois exemplos: o americano e o francês. Em ambos os países, a sensibilidade da opinião pública à violência dos jovens é muitas vezes exacerbada por notícias trágicas que “relatam” episódios espetaculares e sangrentos. Isso acontece principalmente nos Estados Unidos, onde os assassinatos em massa cometidos em escolas chegaram às manchetes de todo o mundo – transformando a escola americana num lugar de violência aterrorizante – o que bem pode ser verdade em alguns lugares, mas que tende a mostrar o problema apenas como uma espécie de naturalização da violência urbana, na qual hordas de adolescentes tomaram o lugar das hordas de “peles-vermelhas”. Assim, o jovem passa a ser visto como um “selvagem”, e o salto entre a “criança selvagem” e a criança dos selvagens não é tão grande assim: por razões de natureza ou de cultura, essa criança não é passível de ser integrada às normas sociais. Representações desse tipo acabam por levar a uma forma de justiça de classe que pode também ser uma forma de justiça étnica: não é preciso que ninguém nos lembre (Body-Gendrot, 1997) que a população carcerária norte-americana tem 50% de negros e 25% de hispânicos. No entanto, quando se trata dos adolescentes das zonas centrais das grandes cidades, o que está em questão não é nem a cultura de filmes de cowboy nem a selvageria “natural”, mas sim a fabricação social da violência, que alia a pobreza extrema – que Kozol (1991) chama de desigualdade selvagem – ao cinismo dos traficantes de armas, que, no início da década de 80, redirecionaram 12 seu “mercado” aos adolescentes negros dos guetos (Canadá, 1999). Apesar disso, deve-se lembrar que, nos Estados Unidos, o risco de uma criança de idade escolar se ver em meio a um tiroteio é de um para um milhão, ou, em outras palavras, uma 12 Tive a oportunidade de desenvolver esse tema numa entrevista à imprensa, durante o seminário, já que, recentemente, havia ocorrido um tiroteio nos Estados Unidos. Isso provocou um e-mail furioso de um poderoso lobby pró-armas americano, o que não me abalou muito. 77 possibilidade remota que de forma alguma justifica uma política repressiva e excessivamente preocupada com segurança (aplicação de leis adultas a menores, aumentado exponencialmente etc.). O exemplo francês é igualmente eloqüente. Se examinarmos os últimos13 dados fornecidos pelo Ministério da Educação, perceberemos que o número de incidentes listados é, na verdade, bastante baixo. No primeiro semestre do ano escolar de 19981999, o número de incidentes registrados nas escolas foi de 240.000. Se compararmos ao número total de alunos, chegaremos à conclusão de que 4% da população escolar total são vítimas em potencial14. E o que é mais revelador, o número total de incidentes “graves” foi de 6.240, correspondendo a um índice de 0,12%. E, de fato, os incidentes que ultrapassam a mera violência verbal foram apenas 1.000, ou seja, envolveram apenas 0,02% das crianças em idade escolar. Desse modo, mesmo tomando como base as estatísticas oficiais, é difícil falar de um “barbarismo infantil” generalizado, ou de “crianças selvagens” ameaçando as escolas (Debarbieux, 1998). Da mesma forma, quando os estudos estatísticos revelam que a participação de elementos externos ainda representa menos de 10% dos casos (na Inglaterra, no Canadá e na França, 4% dos casos15 etc.), não se pode deixar de pensar que as representações atuais, que mostram a escola como um forte sitiado, estão longe de ser verdade. Nas estatísticas francesas já mencionadas, menos de 1% dos casos de agres- 13 14 15 Até o dia do seminário, os dados disponíveis diziam respeito ao ano de 19981999. Houve uma interrupção na produção de estatísticas, causada pela produção de uma nova ferramenta computadorizada para a listagem de incidentes; ferramenta essa que deve entrar em operação em setembro de 2001. Ela foi produzida pelo Comitê Nacional de Combate à Violência, organizado pelo Ministério da Educação e conduzido por Sonia Heinrich. Esse cálculo não leva em conta a possibilidade de uma mesma pessoa ser vítima várias vezes, o que reduziria o percentual. As últimas estatísticas policiais (julho de 2001) também mostram uma grande redução (63%) nos casos de intrusão em escolas. 78 são envolveu pais de alunos, e o dobro desse número – o que continua sendo um índice baixo, felizmente – referem-se a atos cometidos pelos funcionários. Portanto, é difícil jogar a responsabilidade total sobre os fatores externos – família, outras pessoas etc. O número dos delinqüentes juvenis que cometem atos de violência grave é relativamente baixo, por mais que as pessoas pensem o contrário (Farrington, 1986; Departamento de Estatísticas do Ministério do Interior, 1985). Ao colocarmos em perspectiva a freqüência dos crimes, não estamos tentando subestimar sua gravidade; estamos, isso sim, nos recusando a cair num tipo de fascinação negativa. Isso seria uma medida regressiva, e um risco às sociedades democráticas. Tampouco estamos negligenciando as vítimas; pelo contrário, estamos tentando ouvi-las melhor. Essa fascinação pelos crimes sangrentos e violência extrema é, muitas vezes, uma atitude que mascara uma violência rotineira – do tipo que estamos prestes a relatar e que forma a base da destruição de muitas vidas. Porque, ao colocarmos o grau de violência muito em perspectiva, corremos o risco de aprisionar as vítimas em sua própria culpa e em seu silêncio. Apesar de as vítimas serem raras, nem por isso é menor o dever social de conhecê-las melhor e de assegurar que elas sejam bem-cuidadas após o trauma sofrido por elas. Além disso, a “cifra negra” da vitimização (ou seja, o número das vítimas desconhecidas, em razão de elas não terem dado parte da ocorrência) está ligado à própria produção de dados estatísticos oficiais diretos ou indiretos. O paradoxo das estatísticas criminais é bem-conhecido: elas medem, acima de tudo, o estado de mobilização dos serviços públicos, sejam estes a polícia ou, como no presente caso, as instituições educacionais e jurídicas. As tentativas de usar essas estatísticas para corroborar alegações de aumento (ou redução) da delinqüência juvenil ou da violência nas escolas são, portanto, enganosas – o que não significa que essas estatísticas sejam desprovidas de valor, mas que elas devem ser submetidas a críticas e comparadas com levantamentos de outros tipos, realizados por instituições científicas independen79 tes, de forma a verificar os resultados e confirmar ou refutar a existência dessas tendências16. Certamente que não há razão para desprezar as estatísticas oficiais, pelo menos as que tratam dos crimes e delitos mais contundentes e dos casos mais graves de vitimização, que atraem a atenção pública: é importante notar, por exemplo, que as estatísticas do Departamento de Justiça americano provaram, no Levantamento Nacional de Vitimização por Crimes, que os ataques armados não aumentaram nos últimos 20 anos. O mesmo vale para a França, onde as estatísticas do Ministério da Justiça e do Ministério do Interior ou do Ministério da Educação, a partir de 1993, vêm mostrando consistentemente que, apesar do medo do público, esse tipo de ataque continua sendo extremamente raro, e que os assassinatos envolvendo menores não aumentaram nos últimos 25 anos (Aubusson de Carvalay, 1998). Prevenção e microviolência Mas há ainda um outro paradoxo oculto por esse foco num possível exagero: essas estatísticas sempre subestimam o número das vítimas. Apenas os levantamentos de vitimização podem pode determinar o que de fato ocorreu. Mais do que o conhecimento da “delinqüência”, que mede as representações e as atividades das instituições policiais e jurídicas, a abordagem dos estudos de vitimização, em vez de concentrar seu foco nos perpetradores, permite que as transgressões e os delitos sejam entendidos do ponto de vista da vítima, que assim se vê transformada num informante privilegiado. Essa abordagem trata do problema do sofrimento sem vinculá-lo a algum modelo que possa fazer com que as vítimas se sintam culpadas. Mesmo quando usa categorias penais mais restritas, o levantamento mostra o abismo 16 Nossos próprios levantamentos (Debarbieux e Montoya, 1999), conduzidos em paralelo com as estatísticas da Educação Nacional, encontraram a mesma grande tendência entre 1996 e 1998: um aumento do número de professores atacados em algumas escolas secundárias situadas em áreas sensíveis. 80 que existe entre o conhecimento institucional do fenômeno e a realidade da experiência. Nossos levantamentos de vitimização mostraram que o número de alunos expostos `a extorsão (roubo com extorsão) se manteve estável a partir de 1995 (cerca de 7% de alunos envolvidos, uma porcentagem baixa – 93% dos alunos não estão expostos a essa forma de vitimização –, mas muito mais do que as estatísticas já mencionadas levam a crer). Esses levantamentos também mostraram que, apesar de o número de vítimas ter-se estabilizado, houve aumento na gravidade dos casos de vitimização. Isso nos levou a concluir que o número de atos de violência em grupo foi maior, e os perpetradores vêm cometendo atos de violência mais brutal (Debarbieux, 2000). Metodologias desse tipo estão se tornando mais comuns na Europa, mobilizando pesquisadores em levantamentos de ampla escala e construindo bancos de dados que irão permitir mensuração mais precisa da extensão e da evolução do fenômeno. Na França, o levantamento elaborado por Horenstein e Voyron-Lemaire (em Charlot & Emin, 1997) sobre professores vitimados abrangeu 269 professores que haviam sofrido ataques, enquanto o estudo de vitimização de autoria de Carra e Sicot (1996) teve como objeto 2.855 alunos. A pesquisa realizada por nosso observatório cobre agora quase 30.000 alunos franceses, com estudos feitos em 1995-1996 e 1998-1999; mais de 1.500 alunos na Inglaterra; mais de 1.000 na Bélgica, e ela será estendida à Espanha e à América Latina (cf Lagrange, 1995). Os estudos sobre intimidação por colegas ocorrida nas escolas são amplamente generalizados, questionários tendo sido aplicados a várias centenas de milhares de alunos na maioria dos países europeus, bem como no Japão e na América do Norte (Smith & Sharp 1994). Além dos levantamentos de larga escala, muitos outros métodos vêm sendo usados: questionários enviados pelo correio ou aplicados diretamente, grupos de trabalho, entrevistas individuais, levantamentos de vitimização, análise secundária de dados estatísticos ou de documentos administrativos, observações etnográficas e estudos de caso, intervenção de pesquisa 81 por meio de mediação etc. Longe de nos encontrarmos numa situação de seguir opiniões estabelecidas, vemo-nos na presença de uma real revolução metodológica, uma maneira de estabelecer a distância necessária para a construção do objeto, enquanto os dados empíricos se acumulam e se ampliam as discussões sobre modelos. De fato, mais que meramente uma forma alternativa de quantificar o noticiário, colocando-o em perspectiva de curto e de longo prazo, esses levantamentos mostram que a violência tem uma história, que ela não foi simplesmente uma explosão inesperada: ela é previsível, pois foi construída socialmente. Portanto, são as estratégias de prevenção, e não as estratégias de repressão, que encontram justificativa na pesquisa científica, não apenas por razões ideológicas, mas por puro pragmatismo. Os levantamentos de vitimização mostram (ver nossa síntese em Blaya e Debarbieux, 2000) como o stress acumulado da microviolência pode ter um efeito tão desestabilizador quanto um único ataque grave, e que a violência é tanto uma questão de opressão diária quanto de atos brutais e espetaculares. Os levantamentos sobre a intimidação por colegas ganham significado com as pesquisas sobre as causas do suicídio entre adolescentes, e a correlação entre as taxas de suicídio e a ocorrência de intimidação há muito já ficou demonstrada (Besag, 1989). A violência não se limita a um único elemento traumático e inesperado – embora, por vezes, isso de fato aconteça. A violência, tanto para quem a comete quanto para quem é submetido a ela, é, no mais das vezes, uma questão de violência repetida, às vezes tênue e dificilmente perceptível, mas que, quando acumulada, pode levar a graves danos e a traumas profundos nas vítimas, e a um sentimento de impunidade no perpetrador17 (embora devamos ter sempre 17 O que vem mostrar a prevenção implica uma certa dose de repressão (como reparação, entre outras coisas): microviolência, micropenalidades, bem-formuladas, adaptadas, de forma que não representem uma tentativa de vingança e contem com uma base reguladora (sobre esse ponto, ver nossa pesquisa em Meuret, 2000). 82 em mente que certos perpetradores costumam ser, eles próprios, vítimas). Essa microviolência tem também efeitos sociais danosos: o baixíssimo nível de auto-estima das vítimas costuma ser acompanhado de uma introversão que anula qualquer possibilidade de ação conjunta, qualquer maneira coletiva de lidar com as incivilidades18. Comportamentos delinqüentes contumazes são construídos sobre atos repetitivos e sobre a ignorância a reseita das atividades rotineiras (Blumstein et al., 1986), e o mesmo acontece com a carreira das vítimas. Campos de ação Se a violência nas escolas é construída, ela o é lentamente. Porém também é construída de forma irregular, e essa é certamente uma das chaves para a ação pública. E penso ser essa também a melhor forma de apresentarmos os aspectos políticos de nosso seminário. A pior violência, a mais espetacular, pode ocorrer nas escolas onde menos se espera19. Os ataques armados ocorridos nos Estados Unidos e, em determinados casos, na França e na Inglaterra, mostraram que a violência paroxística não está, de forma alguma, restrita a determinada classe social. No entanto, seria inadequado pensar a violência somente do ponto de vista desses casos, principalmente se levarmos em conta que as tendências estatísticas mais recentes, no tocante à delinqüência, mostram que pode ocorrer um aumento dos ataques pessoais ao mesmo tempo em que diminuem os crimes de sangue. O debate continua candente: para alguns pesquisadores, determinadas formas de violência (es18 19 Provavelmente, estamos cometendo um erro ao falar de incivilidades no plural: isso dá uma idéia de factualidade a uma noção que só pode ser muito relativa, e se aproxima do conceito de “tolerância zero”, o que é uma ilusão e não faz sentido. Ao invés disso, deveríamos falar em incivilidade, no singular, como conseqüência da microviolência e de delinqüências de pequena monta. Isso também ocorreu em termos históricos, por exemplo, nas famosas revoltas ocorridas durante o século XIX, nas escolas de elite, como a Louis Le Grand, que não era exatamente uma escola de classe trabalhadora. 83 pecialmente a intimidação por colegas, segundo Olweus; (1993) não dependem especialmente das variáveis sociais tradicionais20. No entanto, muitos trabalhos mostram que a violência não tem uma origem única, e que vale a pena examinar as abordagens sociológicas e psicológicas. Nas escolas de elite ou de classe média, os comportamentos de risco (uso abusivo de drogas, etc.) e as fases depressivas parecem ser mais comuns (Ballion, 1998; Pommereau, 2000), enquanto o comportamento agressivo e a violência física são mais freqüentes nas escolas das classes trabalhadoras, e o mesmo acontece com os ataques contra adultos21. A maior parte dos sociólogos franceses (por exemplo, Dubet, 1994; Payet, 1995) considera a exclusão social como uma das grandes causas da violência nas escolas. De forma semelhante, o impacto da exclusão social no clima escolar, na intimidação por colegas e no comportamento foi descrito em muitos estudos anglo-saxônicos (Blaya, 2001; Cohen et al., 1994; Gottfredson, 2001; Lacerda e Niel, 1997; Mortimore e Whitty, 1999; Room, 1995). Em particular, as pesquisas destacam que as crianças de grupos étnicos minoritários apresentam maior tendência a virem a se tornar vítimas e a desenvolver comportamentos reativos, ou comportamentos percebidos como tal pelos professores (Debarbieux, 1996, 1999; Gillborn, 1992; Mirza, 1998; Moran et al., 1993; Osler, 1997; Wright, 1992). Com isso, não pretendemos estigmatizar certas categorias sociais, nem fazer com que pessoas “pobres” ou estrangeiros se sintam culpados, senão mostrar que, para lidar com a violência, precisamos, antes de mais nada, lidar com a exclusão. Para Bourdieu, a forma suprema de violência simbólica se dá quando os “produtos dominados de uma ordem dominada 20 21 Quanto aos trabalhos de Olweus, poderíamos questionar a relevância de seus primeiros exemplos, que, como ele mesmo admite, não incluem escolas de classes menos privilegiadas. O último levantamento de Roché (Roché, 2001) sobre a delinqüência “autorelatada” mostra que, embora a delinqüência seja um fenômeno muito difundido, a delinqüência com violência é mais alta nas áreas menos privilegiadas. 84 pelas forças da razão (como aqueles que atuam por meio das decisões da instituição escolar, ou dos ditames dos especialistas em economia) não podem senão aquiescer à arbitrariedade da força racionalizada” (Bourdieu, 1997). A violência adolescente, que poderia ser vista como ruptura da ordem social, principalmente com a escola, na verdade não passa de reprodução conformista da violência sofrida por eles próprios. Bourdieu propõe uma “lei da conservação da violência”, que consiste no “produto da ‘violência interna’ das estruturas econômicas e dos mecanismos sociais retransmitidos pela violência ativa das pessoas”. Isso não legitima a violência expressa pelos jovens ou pelos fracos, que não é nada além de uma reprodução social, que pára nas fronteiras de seu ambiente imediato, sem atacar as estruturas de dominação. Sob essa luz, os agressores não são “revolucionários”, e as vítimas são, antes de mais nada, pessoas próximas a eles. Nossos próprios trabalhos (Debarbieux, 1996) mostram que os que praticam extorsão, longe de serem “Robin Hoods pós-modernos, que redistribuem bens de consumo distribuídos de forma desigual”, atacam principalmente as crianças mais próximas a eles, das mesmas classes e, na maioria das vezes, do mesmo ambiente social, obedecendo a uma “lei da proximidade”. Bachmann (1994) descreve “o ódio da proximidade e os aprendizes de ladrões”, mostrando como algumas escolas se vêm atoladas numa violência que apenas faz aumentar as disparidades sociais. A violência da exclusão sempre aumenta a exclusão. Portanto, para nós, se há legitimidade política no combate à violência e à delinqüência, é porque elas contribuem para a manutenção e a produção da desigualdade social: ao invés de romper com as injustiças do mundo, elas as reforçam. A opressão diária da violência é também uma forma de dominação, a menos que se acredite no romantismo neomarxista (Engels, Ed., 1971), que postula que a violência conduza a velha sociedade rumo a algum tipo de modelo social futuro ou alternativo. A violência representa um desafio às democracias: o desafio da guerra contra a exclusão e a 85 desigualdade social. Essa desigualdade não se refere apenas aos “bairros sensíveis”, ela existe em escala planetária: existe uma comunidade global de problemas, porque, se existe de fato essa coisa chamada de globalização, ela é a globalização da desigualdade, que afeta os bairros de classes trabalhadoras tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em dificuldades. A mobilização deve se dar, portanto, em nível internacional; essa é a principal razão deste seminário e de nosso Observatório. No entanto, os campos de ação não se limitam aos centros de prestígio, como este, a Maison de l’UNESCO. Isso não tardaria a criar o risco do lamento bem-intencionado, de denúncias gerais, distanciadas das esperanças e das possibilidades, e também dos professores e dos demais protagonistas da área. O fato de que a construção da violência é lenta significa também que a prevenção tenha que começar cedo, devendo acontecer em meio às tarefas cotidianas da educação, e não apenas nas grandes campanhas de “conscientização”, por mais úteis que elas possam ser. O papel fundamental nessa prevenção deve ser desempenhado por aqueles que administram a educação em base cotidiana, contando, se necessário, com a ajuda de outros profissionais, especializados ou não: os professores, é claro, mas também as famílias e as comunidades, tantas vezes vistas como inimigas ou como culpadas. As pesquisas selecionadas pelo comitê científico desta conferência muitas vezes mostram que só é possível lidar com a violência na escola por meio de uma parceria estreita, e todas as experiências educacionais urbanas apresentadas, seja em pequenas comunidades ou em escolas de serviços integrados22 (Van Veen et al., 1998), demonstram o mesmo. As experiências que contam de fato com a participação de parceiros institucionais, dos serviços públicos e da 22 Ou seja, nas escolas como as de Amsterdã, por exemplo, que incluem vários serviços públicos no mesmo local (saúde, serviço social, creche infantil, biblioteca pública, etc.) o que, paradoxalmente, confere uma melhor identificação às diferentes profissões, inclusive a de professor, ao mesmo tempo em que evita uma separação entre a escola e o bairro e seus habitantes. 86 comunidade – os alunos, inclusive – são as únicas que realmente funcionam (Blaya, 2001; Body-Gendrot, 1999). Foi a democracia próxima – os esforços da população para resolver seus próprios problemas de forma conjunta, com o auxílio de profissionais e dos serviços do Estado, quando estes existem23 – que gerou o contexto desta conferência, porque tal é o contexto da pesquisa internacional sobre a violência nas escolas. REFERÊNCIAS ABIDIN, R. R. Parenting stress index. 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La violence à l’école américaine: une in23 No entanto, algumas experiências, apesar de um Estado fraco, no sentido social (o que não significa fraco no que se refere à polícia) foram bem sucedidas e devem ser levadas em consideração, por mostrarem que a luta da própria população não é em vão, apesar das injustiças. É esse o caso de certas experiências brasileiras – o que não implica uma crença romântica nas possibilidades da auto-organização das massas oprimidas. 87 vitation à la réflexion. In: CHARLOT, B.; EMIN, J. C. (Ed.). La violence à l’école: état des saviors. Paris: Armand Colin, 1997. ________. Les villes: la fin de la violence? Paris: Presses de Sciences Po, 2001. BONAFE-SCHMITT, J. P. La mediation scolaire: une technique de gestion de la violence ou un processus éducatif ? In: CHARLOT, B.; EMIN, J. C. (Ed.). La violence à l’école: état des saviors. Paris: Armand Colin, 1997. BOURDIEU, P. Méditations pascaliennes. Paris: Seuil, 1997. ________; WACQUANT, L. 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No presente artigo, eu gostaria, primeiramente, de proceder a um exame geral dos antecedentes do baixo índice de criminalidade no Japão, passando então à análise das medidas tomadas por nossa sociedade, à época em que a criminalidade juvenil e a violência escolar atingiram seus níveis máximos. Embora, naquele tempo, essas medidas tenham sido de grande eficácia, elas apresentavam também uma série de problemas e, hoje, já não seriam eficazes no combate à violência escolar e à criminalidade juvenil, que novamente se encontram em ascensão. Eu gostaria de descrever as razões pelas quais elas perderam eficácia, informando também sobre diversos outros problemas, entre eles a violência escolar e a intimidação por colegas nas escolas hoje verificadas, e também sobre a postura que vem sendo adotada 93 pelo governo japonês no trato das novas questões relativas a esses problemas. Isso porque essa postura talvez se constitua numa das soluções possíveis para o dilema proteção ou punição, enfrentado hoje pela totalidade dos países. A CRIMINALIDADE JUVENIL NO JAPÃO E NO OCIDENTE – O JAPÃO VISTO COMO UM “PAÍS SEGURO” Todos sabem que o Japão tem o menor índice de criminalidade adulta de todos os países industrializados de maior desenvolvimento. Seu índice de criminalidade/delinqüência juvenil também é baixo. Por essa razão, o Japão é considerado um país seguro, no que se refere à criminalidade. Primeiramente, eu gostaria de examinar tal aspecto, comparando as estatísticas oficiais de diversos países. A tabela I traz uma comparação internacional dos índices de criminalidade de seis países, a saber, Estados Unidos, Inglaterra e País de Gales (doravante mencionados como “Inglaterra”), Alemanha, França, Coréia e Japão. Com relação às categorias jovens, adultos jovens e adultos, respectivamente, ela mostra os índices de criminalidade, excluídas as infrações de trânsito, para cada país (índices de criminalidade, nos Estados Unidos, e crimes indiciáveis”, na Inglaterra). Esses dados foram compilados pelo Instituto de Pesquisa e Treinamento do Ministério da Justiça, e publicados no White Paper on Crime 1998. A tabela I foi modificada com base na tabela de Matsumoto (1999). É difícil estabelecer comparações precisas, uma vez que o leque e as características essenciais dos comportamentos considerados como criminosos diferem de país para país, e o mesmo acontece com os métodos estatísticos empregados. No entanto, é possível proceder a um exame geral das características da delinqüência juvenil no Japão, organizando as estatísticas, na medida do possível, em termos de faixas etárias. Essa tabela divide os jovens em duas categorias distintas: “jovens” – de idades entre 10 e 18 anos (na 94 Alemanha, a partir de 14 anos) – e “adultos jovens” – de idades entre 18 e menos de 20 (no Japão e na Coréia), ou inferiores a 21 (nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha). Tabela 1 Índices de criminalidade por faixa etária: jovens, adultos jovens e adultos (1996) Na categoria “jovens”, o país com os maiores índices de criminalidade é a Alemanha, seguida da Inglaterra, França, Estados Unidos, Japão e Coréia. Na categoria “adultos jovens”, a França vê-se excluída, uma vez que, naquele país, 18 anos é a idade na qual os jovens se tornam oficialmente adultos. Dentre os demais países, o índice de criminalidade mais alto é o da Alemanha, seguida da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Coréia e do Japão. Como se pode ver, até mesmo nas categorias “jovens” e “adultos 95 jovens”, os índices de criminalidade japoneses são significativamente mais baixos que os dos países industrializados do Ocidente, e a diferença na faixa dos adultos jovens é significativa. Uma outra característica, que podemos inferir dessa tabela, é que, enquanto todos os demais países apresentam índices de criminalidade para os adultos jovens acima dos índices dos jovens, no Japão, os índices de criminalidade para os jovens é mais alto que para os adultos jovens (11:6,8). Pode ser relevante obser var, neste ponto, que, se comparamos os índices de criminalidade adultos, o índice no Japão é de 1,7 em 1000, o que é significativamente menor que os dos outros países. Um desses outros países, a Coréia, tem o índice de criminalidade mais alto para adultos, embora, da mesma forma que o Japão, ela tenha índices mais baixos para as categorias “adultos jovens” e “jovens”, seguida da Alemanha, da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos, nessa ordem. Essas estatísticas demonstram, portanto, a especificidade da criminalidade no Japão, onde, quanto maior for a idade, menores se tornam os índices de criminalidade, resultando numa diferença significativa nos índices de criminalidade em comparação com os outros países. Essa particularidade japonesa pode também ser obser vada na “percentagem de jovens” no total dos criminosos presos num mesmo ano. Comparado aos outros países, o Japão tem uma “percentagem de jovens” significativamente mais alta. Em outras palavras, numa sociedade onde os índices de criminalidade são baixos, o índice mais elevado de criminalidade juvenil ganha realce devido ao baixo índice de criminalidade entre os adultos. Em estudos criminológicos realizados anteriormente no Ocidente, costumava-se afirmar que a maior liberdade resultante do desenvolvimento econômico tinha conexão com o aumento da criminalidade. O Japão, no entanto, aparece como um dos países onde essa teoria não se sustenta, uma vez que, ali, o índice de criminalidade indicado pelo número de criminosos adultos manteve-se em declínio, apesar do desenvolvimento de sua economia e de sua democracia, a partir da Segunda Guerra Mundial. 96 Então, por que razão os índices de criminalidade de Japão são tão mais baixos que os dos demais países desenvolvidos? Estudos japoneses anteriores sugeriram as seguintes explicações possíveis (Fukushima, 1980; Segawa, 1998; Susuki, 1986): no Japão, existe ainda um forte controle social informal. Os japoneses tendem a manter estreitos vínculos familiares e fortes elos sociais, na forma de ligações mútuas entre os membros da família. O autocontrole tende a desempenhar o papel de fator regulador, uma vez que o cometimento de um crime freqüentemente causa problemas para a família. Por exemplo, os membros da família podem vir a ser apontados como culpados, ou as perspectivas potenciais de emprego ou de matrimônio de irmãos ou parentes podem ser negativamente afetadas. Além disso, os integrantes de um grupo intermediário, como os representados pela escola ou pelo local de trabalho, tendem a formar fortes identificações com o grupo ao qual pertencem. Eles, muitas vezes, controlam seu ímpeto de cometer um crime por temerem que esse ato virá a prejudicar sua organização ou os demais membros dela. Além disso, as pessoas tendem a formar fortes vínculos com sua comunidade local, e a supervisão mútua, internamente a essa comunidade, é um outro fator de controle da criminalidade. No Japão, há menos conflitos sociais. O idioma, as tradições e os costumes são semelhantes por todo o país. O número de imigrantes é mínimo. As religiões são semelhantes entre si e, como regra geral, muitas delas aceitam a existência das demais. Verifica-se, portanto, um grau muito menor de conflito social e de fricção cultural, como as que tendem a ocorrer entre grupos étnicos. Além disso, quando surge um problema em sua vida cotidiana, as pessoas tendem a trabalhar rumo a uma solução via comunicação, sem recorrer a soluções ilícitas ou à violência. No Japão, o controle do porte de armas é rígido, tanto em relação a armas de fogo quanto a armas de outros tipos. Em termos históricos, desde o século XVI, não existe a tradição de cidadãos comuns possuírem e portarem armas. Por essa razão, o 97 potencial de criminalidade envolvendo uso de armas capazes de matar ou ferir tende a ser comparativamente reduzido. Uma grande proporção da população percebe a si própria como classe média. A disparidade de situação econômica entre a população em geral é pequena, e a estrutura social do Japão tem a forma de um diamante. Como afirmado acima, a identificação de classe, entre os japoneses, é caracterizada por uma grande proporção de indivíduos que se consideram de classe média. Uma das principais razões para tal é a baixa taxa de desemprego, que tem como base o sistema de empregos vitalícios, que assegura uma renda estável. Nessas circunstâncias, há um menor potencial de descontentamento causado por grandes disparidades de classe social ou por comportamentos anti-sociais na forma de criminalidade. Há também, no Japão, altos padrões de escolaridade e de alfabetização. Como a freqüência à escola é excelente, o resultado é uma taxa de alfabetização que, sabidamente, é uma das mais altas de todo o mundo. Além disso, em decorrência da escassez de recursos naturais, o desenvolvimento econômico depende da qualidade dos recursos humanos japoneses, e a política educacional é vista como uma das áreas mais importantes e fundamentais, nesse particular. Como a educação é também uma das principais maneiras de ascensão social, os japoneses tendem a encará-la com seriedade, mostrando um forte desejo de aprender. A atitude dos japoneses com relação à educação, portanto, evidencia um alto nível de confiança e de expectativa. Como resultado, a educação exerce um efeito positivo sobre a moralidade e a ética dos japoneses, o que, por sua vez, desenvolve a tendência a tentar resolver os problemas interpessoais de forma razoável e lícita. A ordem pública, nas comunidades locais, é mantida de fato por meio do sistema Koban e Chuzaisho. Esse sistema, administrado pela polícia japonesa, é famoso por sua absoluta originalidade. Os koban são postos policiais de pequenas dimensões, espalhados por todas as áreas preponderantemente urbanas, e os oficiais de polícia que operam a partir dos koban trabalham em turnos para manter a ordem pública na comunidade adjacente. 98 Por outro lado, os chuzaisho são tanto delegacias de polícia quanto residências, onde os oficiais de polícia trabalham, moram e mantêm a ordem pública no âmbito da comunidade local. A principal característica desses dois tipos de delegacia policial é o fato de eles funcionarem em estreita colaboração com a comunidade local, visando a prevenção da criminalidade. O sistema Hogoshi trabalha na reintegração dos infratores na sociedade e obtém sucesso no combate às reincidências (o cometimento repetido de crimes). Um hogoshi é uma pessoa particular, trabalhando em base voluntária, que, conjuntamente com um agente da polícia, supervisiona os períodos de liberdade condicional. Esses voluntários são designados pelo Ministério da Justiça e, atualmente, há quarenta e oito mil deles trabalhando na prestação desse serviço. A função de um hogoshi é permanecer em contato direto com o infrator, oferecendo-lhe assistência. Os voluntários hogoshi desempenham um papel importante no Japão, ajudando os criminosos a se reintegrarem na sociedade e impedindo a reincidência. TENDÊNCIAS ANTERIORES QUANTO A DELINQÜÊNCIA JUVENIL E VIOLÊNCIA ESCOLAR Se examinarmos as tendências quantitativas da delinqüência juvenil no Japão a partir da Segunda Guerra Mundial, encontraremos três ondas principais, ocorridas em 1951, 1964 e 1983, e, embora os índices tenham declinado a partir de 1984, eles encontram-se novamente em ascensão, e já se diz que, atualmente, estamos em meio a uma quarta onda. A figura 1 mostra as tendências quanto ao número de menores infratores presos por delitos graves, e seu percentual em relação à população total. A primeira onda de delinqüência juvenil ocorreu em meio a um contexto de quebra da ordem social, subida da inflação, desemprego e dificuldades econômicas e outros tipos de 99 perturbações sociais, ocorridas no período imediatamente posterior à guerra. Quando aconteceu a segunda onda, em 1964, o Japão atravessava um período de rápidas transformações sociais, propiciadas pela industrialização e pela urbanização resultantes do acelerado desenvolvimento econômico do país. Àquela época, a sociedade japonesa evidenciou uma tendência à violência e a comportamentos anti-sociais, e os atos de delinqüência juvenil, tais como furtos, ocorriam não por razões de necessidade econômica, mas sim de busca de prazer. O número de furtos cujo motivo aparente foi a obtenção de dinheiro para diversão aumentou durante esse período. Os contatos entre as escolas e a polícia foram intensificados nessa época, e a “Comissão de Ligação entre Escolas e Polícia” (Gakko Keisatsu Renraku Kyogikai) foi formada em 1963. O propósito dessa comissão não era tratar do problema da violência dentro das escolas, senão de delitos, tais como furtos em lojas, ocorridos na comunidade local. A criminalidade juvenil declinou, após ter atingido um ponto máximo em 1964, mas voltou a crescer em meados da década de 70, e a terceira onda atingiu seu auge em 1983. A violência escolar transformou-se também numa questão social importante, nesse período. A proporção das crianças freqüentando escolas de secund´arias atingiu mais de 90% em 1974 e, de fato, a partir daquela época, a educação secundária tornou-se obrigatória. Em outras palavras, a maior parte da população de menos de 18 anos, idade em que os adolescentes japoneses concluem a escola secundária, viram-se na condição de estudantes ou alunos, o que significa que eles foram colocados sob o controle do sistema educacional, ou seja, das escolas. O aumento das matrículas escolares significava que as pessoas eram movidas por um forte desejo de ascender na escala social. Além disso, o princípio da meritocracia exerce forte influência, e um sistema de valores baseado nesse princípio transformou-se num fator marcante, incentivando as pessoas a se educarem, com o propósito de virem a se encaixar numa economia de alto crescimento. Por volta de 100 Figura 1 Tendências quanto ao número de menores infratores presos por delitos graves e sua proporção em relação à população em geral (fonte: Agência Nacional de Polícia). (A proporção em relação à população total representa o número de infratores por 1000 habitantes; os delitos graves correspondem aos crimes hediondos (assassinato, assalto a mão armada, incêndio culposo e estupro) e aos crimes violentos (ataques físicos, danos corporais, intimidação e extorsão), roubo, crimes intelectuais (fraude e estelionato), atentados contra a moralidade pública (jogo e obscenidade) e apropriação indébita de objetos perdidos, excluindo danos corporais provocados por negligência em determinadas atividades (infrações de trânsito etc.), falsificação de documentos, suborno e corrupção, abuso de confiança e construção de armas perigosas). 1977, trouxe como resultado uma ferrenha competição pelo ingresso nas melhores escolas secundárias e universidades, e termos como “Juken Senso”, significando “a guerra dos vestibulares” e “Ochikobore”, ou “desistentes” entraram em moda. O stress e a frustração grassavam nas escolas, o que veio a se tornar causa de comportamentos problemáticos e violentos. À medida que a sociedade avançava em termos econômicos, aumentavam as ocasiões para o cometimento de delitos, e a função das famílias e das comunidades na socialização e na 101 proteção das crianças viu-se enfraquecida. Nesse contexto, os roubos de pequena monta ocorridos fora da escola, como o furto de mercadorias em lojas, sofreram um nítido aumento, e a terceira onda de delinqüência juvenil começou a ganhar ímpeto. Na mesmas proporção que a função controladora das famílias e das comunidades locais se fragilizava, verificou-se, concomitantemente, um espetacular aumento das expectativas da sociedade com relação às escolas, que passaram a ser vistas como a última instituição indispensável capaz de desempenhar a função de socialização, ou seja de socializar as crianças pela educação. Como essas expectativas eram muito altas, e as escolas fervilhavam de criminalidade e violência juvenil, críticas cada vez mais severas passaram a ser dirigidas contra elas: as escolas eram acusadas de não desempenharem seu papel, e exigia-se delas que assumissem suas responsabilidades. Essas críticas forçaram-nas a reforçar ainda mais sua supervisão e seu controle sobre os alunos. A cada vez que os estudantes liberavam sua energia cada vez mais agressiva, sob a forma de violência, delitos ou comportamentos problemáticos na escola, esta via-se na obrigação de exercer controle sobre essa energia, mas a repressão só fazia aumentar ainda mais a energia liberada em comportamentos problemáticos. Esse círculo vicioso tornou-se patente nas escolas de muitas regiões, em fins da década de 70 até inícios da de 80. Quando liberada, essa fervilhante energia negativa, dirigida contra as escolas em oposição a suas políticas de confinar os alunos, tomava a forma de violência contra os símbolos da escola, os professores. O círculo vicioso ocorrido durante esse período consiste num exemplo real de um tipo de dilema punitivo, onde as sanções que têm como objetivo controlar um problema transformam-se em fonte deste mesmo problema (Tokuoka, 1977). A figura 2 mostra essas tendências, tomando como exemplo um determinado número de estudantes que receberam orientação da polícia após terem cometido atos violentos. A violência escolar inclui violência praticada contra professores, violência entre os próprios alunos e vandalismo contra o patrimônio 102 escolar. As tendências relativas ao número de casos ocorridos para cada um desses tipos de violência seguem curvas praticamente idênticas de aumento e diminuição, e o mesmo acontece com as tendências relativas à violência escolar em geral, que inclui os três tipos de atos violentos. Um pequeno número de incidentes já era evidente em inícios de 1972, disseminando-se por todo o país em 1976, aumento significativo a partir de 1978, aproximadamente. Várias providências foram tomadas para controlar essa rápida escalada da violência, de maneira que, após 1984, entrou em declínio. Tokuoka observa que quatro medidas principais foram tomadas durante o período (Tokuoka, 1997): Figura 2 Tendências quanto ao número de estudantes que receberam orientação policial devido ‘a violência. • A primeira medida foi a publicação, pelo Ministério da Educação e sob a liderança do governo, de uma série de instruções dirigidas a todos os conselhos de educação e 103 a todas as escolas, no sentido de fornecer a todos os professores orientações básicas quanto a abordagens e medidas preventivas. • A segunda medida foi o recrutamento de professores dotados de força física e permitir castigos corporais. Por volta de 1975, quando a violência entre os alunos do ciclo inferior das escolas secundárias vinha se tornando um problema, um número cada vez maior de escolas e de conselhos de educação passou a adotar uma política de recrutamento que dava prioridade a candidatos universitários possuidores de capacidades atléticas, inclusive nas artes marciais como karatê, judô e kendô, contratando-os em grande número, para controlar a violência com o uso de força. Como resultado, os castigos corporais passaram a ganhar aceitação, passando a ser vistos como medida necess´aria na manutenção da ordem nas escolas. Anteriormente, a Suprema Corte do Japão havia determinado que os castigos corporais consistiam em crime violento, mesmo quando vistos como necessários para fins educativos. Em 1981, no entanto, quando a violência escolar se intensificou, a Corte Superior de Tóquio decretou que o uso dos castigos corporais deveria ser permitido dentro de certos limites, para que as escolas pudessem manter a ordem e educar os estudantes, reconhecendo a opinião de que os castigos corporais eram aceitáveis em casos específicos. • A terceira medida foi a adoção de controles com supervisão e regulamentos escolares mais rígidos. Esses controles abrangiam não apenas a vida escolar dos alunos, mas também suas atividades externas à escola e, como o propósito era evitar a delinqüência juvenil, os pais tendiam a aprovar a interferência das escolas no comportamento de seus filhos, mesmo quando se en104 contravam fora das dependências escolares. Além disso, àquela época, um grande número de casos de violência e outros incidentes ocorridos nas escolas foram levados aos tribunais, e as pessoas estavam passaram a questionar as responsabilidades administrativas e as obrigações das escolas, na área da segurança. Foi nessa atmosfera geral que as escolas passaram a controlar de maneira mais rígida o comportamento dos alunos. Diversas normas foram incorporadas aos regulamentos, cada vez mais detalhados, chegando a um ponto tal que, por vezes, detalhes os mais insignificantes constavam dos regulamentos escolares e eram controlados pelas escolas. Foi dada a cada escola a responsabilidade de formular, administrar e aplicar seus próprios regulamentos, de modo que o conteúdo dos diferentes regulamentos varia de escola a escola. Mesmo assim, iremos examinar alguns exemplos do nível de detalhe a que chegavam os regulamentos, e da maneira como eles eram aplicados. No que tange às normas relativas a penteados e vestuário, a quase totalidade das escolas, tanto públicas quanto privadas, exigia o uso do uniforme escolar, não permitindo alterações de seu padrão. Na maioria das escolas, os garotos eram obrigados a usar o cabelo curto, e as normas estipulavam que o cabelo não deveria tocar as orelhas. Às meninas, não era permitido fazer permanente no cabelo, e as franjas não deveriam tocar as sobrancelhas. O comprimento da saia era de quatro centímetros abaixo do joelho, e as professoras carregavam uma régua para medir o comprimento da saia ou do cabelo das alunas. Quando o comprimento do cabelo não estava de acordo com o regulamento, era comum os professores cortarem o cabelo dos alunos ali mesmo. Como parte da “Campanha de Recepção” já mencionada, os professores postavam-se no portão de entrada 105 da escola, inspecionando cada aluno que entrava, verificando cada item das normas de vestuário, para ver se o aluno estava usando meias da cor especificada, portando uma pasta do modelo e da cor especificados, usando sapatos do modelo e cor especificados e assim por diante. Os estudantes que não estivessem de acordo com o regulamento eram mandados de volta para casa para se trocar, e chegava-se a dizer a alguns deles que não retornassem naquele dia. Até mesmo o conteúdo das pastas era minuciosamente regulamentado, e algumas escolas proibiam os alunos de trazer qualquer coisa – até mesmo um romance literário – que não fosse livros escolares, cadernos e instrumentos de escrita (lápis e caneta). Havia escolas em que até mesmo o número dos lápis e borrachas era estipulado no regulamento. Os professores vistoriavam as pastas dos alunos, forçando-os a abri-las, e inspecionado todo seu conteúdo, até a última camada. Objetos que não constassem das normas eram confiscados ali mesmo. Até mesmo as latas de lixo das salas de aula e dos corredores eram cuidadosamente inspecionadas, e se fosse encontrado um papel de bala, todos os alunos eram chamados ao pátio e severamente repreendidos numa assembléia escolar. Aqueles que não obedecessem às regras às vezes eram publicamente denunciados durante a assembléia. Atualmente já não se vê mais esse tipo de controle sobre a vida particular dos alunos, nem procedimentos disciplinares que desrespeitem seus direitos humanos. À época, começaram a ser impetradas ações judiciais contra as normas relativas a penteados e vestuário e, além disso, à medida que a violência escolar e a delinqüência diminuíam, muitas escolas reviram seus regulamentos, revogando ou atenuando suas regras quanto a uniformes escolares e penteados. Entre os alunos, àquela época, a energia expressa na forma de comportamentos transgressores era tamanha, que os procedimentos disciplinares comuns já não surtiam efeito. Embora essa medidas tenham sido alvo de muitas críticas, no sentido de que elas reforçavam o círculo vicioso do dilema das sanções já mencionado anteriormente, o uso delas contra a escalada da vio106 lência escolar foi visto como uma medida disciplinar necessária, da mesma forma que os tribunais aceitaram os castigos corporais. A alternativa escolhida pelo Japão foi intensificar o combate à violência escolar por meio da aplicação de uma disciplina que fosse ainda mais forte que a energia transgressora presente nos alunos. • A quarta medida foi a intervenção policial. Embora a comissão de ligação entre as escolas e a polícia, anteriormente mencionada, tenha sido criada em 1963 por instruções emitidas pelo Ministério da Educação e pela Agência Nacional de Polícia, as escolas eram vistas como santuários, e muitas delas opunham-se fortemente à intervenção policial. No entanto, à medida que a terceira onda de delinqüência ganhava força, e a violência escolar aumentava de forma significativa, comissões de ligação entre a polícia e as escolas foram organizadas por todo o país, e a polícia e as escolas passaram a trabalhar em estreita colaboração. Nas ocasiões quando manifestações de violência estudantil eram esperadas, como, por exemplo, durante as cerimônias de formatura ou outras atividades escolares, oficiais de polícia montavam guarda dentro da escola ou patrulhavam seus arredores. Essa providência, entretanto, só era tomada a pedido da escola. No Japão, as escolas ainda são vistas como ambientes protegidos, e embora não lhes seja concedida extraterritorialidade, existe nelas uma atmosfera que, na medida do possível, incentiva a recuperação dos estudantes problemáticos internamente ao sistema educacional. Como resultado, existe ainda uma tendência a não apresentar queixa de incidentes ocorridos dentro da escola, mesmo que envolvam criminalidade. Desse modo, mesmo durante esse período de violência escolar intensa, em nenhum momento as forças policiais chegaram a se instalar no interior das escolas, e tampouco ali realizavam patrulhas de rotina. E, atualmente, também, isso não acontece. 107 TENDÊNCIAS RECENTES QUANTO À CRIMINALIDADE JUVENIL E A VIOLÊNCIA ESCOLAR – O FIM DO MITO DA SEGURANÇA Como já vimos, as medidas tomadas contra a delinqüência e a violência escolar durante a terceira onda de delinqüência consistiram na mobilização de forças, dentro e fora da escola, usando-as para fortalecer a supervisão e o controle sobre os estudantes. Como demonstrado na figura 1 e na tabela II, o resultado foi uma rápida diminuição da violência escolar e da delinqüência, após o auge de 1983. A tabela II indica as tendências verificadas quanto ao número de incidentes de violência escolar, incluindo violência contra professores, violência entre alunos e vandalismo das propriedades escolares. Em 1982, o Ministério da Educação passou a realizar levantamentos anuais sobre a violência escolar, logo antes de a terceira onda ter atingido seu ponto máximo. Por essa razão, não há estatísticas nacionais disponíveis sobre os incidentes de violência escolar anteriores àquela data, e a tabela II começa com as estatísticas para 1982 (Ministério da Educação, 2000). Quando a violência escolar por fim entrou em declínio, começou a surgir a questão da intimidação por colegas nas escolas. Após o auge de 1983, no decorrer da terceira onda, a intimidação por colegas substituiu a violência escolar, convertendo-se numa questão social preocupante e atraindo a atenção de muitos. De uma perspectiva ocidental, pode parecer estranho que, após a violência escolar ter diminuído no Japão, a intimidação, que é vista como sendo de natureza diferente, tenha surgido como um outro problema social. Discutiremos esse ponto mais adiante, ao examinarmos a intimidação na próxima sessão, mas eu gostaria de afirmar aqui que, no Japão, lidamos separadamente com a violência escolar e a intimidação por colegas. Em 1985, o Ministério da Educação instituiu um levantamento nacional à parte, para tratar da intimidação por colegas nas escolas, no momento em que a violência escolar entrava em declínio e a intimidação passava a surgir como uma questão social de relevância. 108 109 Obs.: Os métodos estatísticos mudaram em 1977, para estabelecer distinção entre o número de incidentes violentos ocorridos dentro e fora das escolas. Esta tabela mostra apenas o número de incidentes ocorridos dentro das escolas. A tabela II, portanto, não inclui os episódios de intimidação no número de ocorrências de violência escolar. Tabela II Incidentes de violência escolar A tabela II mostra que, da mesma forma que as tendências relativas à delinqüência juvenil em geral, os níveis de violência escolar entraram em declínio gradual após 1983, voltando a crescer, entretanto, após 1988. A partir daquela data, os incidentes de violência escolar ocorridos nas escolas, tanto em relação ao número de incidentes quanto à taxa de ocorrência, continuaram aumentando a cada ano, até que finalmente, em 1999, o número de incidentes ocorridos nas escolas atingiu seu pior resultado desde que essas estatísticas começaram a ser elaboradas. Embora essas cifras incluam um grande número de incidentes de pequena monta, ocorreram também alguns casos de violência grave, envolvendo extorsão praticada por estudantes que tinham um histórico de problemas de comportamento, e também de violência grupal, envolvendo grupos de alunos delinqüentes. Embora muitos desses casos sejam de natureza semelhante aos verificados no passado, vem-se registrando um aumento gradual de um novo tipo de comportamento violento, denominado “Ikirinari gata”, significando “de tipo inesperado”. Esses incidentes são causados por estudantes sem história prévia de comportamentos problemáticos. O aumento do número de casos como esses sugere que haja um limite para os métodos adotados anteriormente, nos quais as medidas preventivas foram tomadas com base em indícios encontrados na vida cotidiana dos alunos. O desenvolvimento de uma abordagem diferente, que contenha uma nova perspectiva, vem agora sendo buscado, e o Ministério da Educação vem também examinando novos métodos nessa área. E, no presente momento, o que dizer da delinqüência juvenil? Embora o recente aumento nos índices de criminalidade entre jovens venha sendo chamado de a quarta onda, ele não é significativo, se comparado à terceira onda, mostrada na figura 1. Contudo, se enfocarmos os crimes brutais, dentro da categoria de delitos graves, incluindo assassinatos, assaltos a mão armada, incêndios culposos e estupros, veremos que, em 1991, pode ser detectado o início de uma tendência ascendente, tanto no número de infratores presos quanto no seu percentual em relação à população to110 tal. Mais de 2000 jovens foram presos nos três anos consecutivos a 1997, alcançando um total de 2.237, em 1999. Verificou-se também a tendência ao cometimento de crimes grupais. O aumento recentemente verificado na violência escolar e nos crimes brutais cometidos por jovens demonstra que os diversos mecanismos que, no passado, mantinham a segurança, estão começando a se deteriorar, não mais existem ou vêm perdendo eficácia. Uma das razões para tal é que, na esteira das mudanças sociais, tornou-se difícil, em fins da década de 80, empregar os mesmos métodos usados nas décadas de 70 e 80 para controlar a crescente violência escolar. Das quatro medidas mencionadas na seção anterior, apenas a primeira delas, as determinações e instruções publicadas pelo Ministério da Educação, está ainda em vigor. No entanto, a partir da década de 80, a intimidação por colegas, o não-comparecimento às aulas, a indisciplina em sala de aula, bem como outros problemas, vêm passando a existir e atraindo a atenção do público japonês. Esses problemas são de natureza diferente da criminalidade juvenil, no sentido de que eles ocorrem dentro da escola. Desse modo, embora determinações ministeriais continuem a ser emitidas às escolas, as escolas e os professores que as recebem vêm tendo muitas outras questões para tratar. Embora o número de professores tenha sofrido um ligeiro aumento, há limites para sua capacidade de tratar de forma minuciosa da violência escolar, e esses limites estão sendo agora atingidos. Foi nesse contexto que, após a realização de um estudo elaborado por uma comissão de especialistas, o Ministério da Educação distribuiu um relatório intitulado “Passando do ‘confinar dentro das escolas’ à ‘cooperação aberta’: uma nova maneira de abordar os problemas de comportamento”. Esse documento restabelece a possibilidade de educar as crianças em casa e na comunidade, abandonando o conceito da escola como ambiente protegido e utilizando os recursos existentes dentro da comunidade local, que poderiam ser de eficácia no combate aos problemas de comportamento. 111 Quanto à segunda medida, a de recrutar professores com bom preparo físico e aceitar os castigos corporais, e também quanto à terceira, a de exercer controle por meio de supervisão e de regulamentos escolares mais rígidos, diversos fatores contribuíram para a redução tanto do uso de castigos corporais nas escolas quanto do poder concedido aos professores dotados de força física. As escolas, progressivamente, foram se dando conta dos efeitos indesejáveis do exercício de um controle rígido sobre os alunos, passando a desregulamentar o uso dos uniformes escolares e de determinados estilos de penteado. Dentre esses fatores, constava uma maior consciência quanto aos direitos humanos, que, a partir da década de 80, ocorreu nos diversos setores da sociedade; críticas cada vez mais freqüentes ao uso de castigos corporais excessivos e à adoção de disciplina e métodos de controle severos em relação aos regulamentos das escolas; o crescente número de ações impetradas na justiça, pedindo reparação por perdas e danos e, também, o declínio verificado na violência escolar a partir de 1983. O Ministério da Educação, além disso, publicou um documento pedindo o aperfeiçoamento dos regulamentos escolares, no sentido de evitar detalhes insignificantes, e foi a partir de então que assistimos a uma mudança de rumo em termos das medidas adotadas na década de 70. Com respeito à quarta medida, intervenção da polícia, embora a ligação entre as escolas e a polícia tenha sido mantida, à medida que a violência escolar diminuía, poucas escolas solicitavam essa intervenção, e mesmo quando a violência escolar voltou a crescer, a tendência a tomar medidas internas à escola não sofreu alterações. Essa relação entre as escolas e a polícia pode ser uma das explicações possíveis, como mostrado na figura 2, para redução das orientações policiais com relação à violência escolar, apesar do crescimento do número de incidentes registrados a partir de fins da década de 80, crescimento esse documentado pelo Ministério da Educação. Outras razões importantes para o fato de essas medidas adotadas no passado estarem perdendo eficácia no controle da 112 violência escolar foram as mudanças ocorridas no ambiente da criação dos filhos, que tendem a acompanhar os altos índices de crescimento econômico, e nas atitudes dos adultos no que concerne à socialização das crianças. Outros fatores atuantes foram também o enfraquecimento do controle informal, numa sociedade em que a influência das relações humanas nas famílias e nas comunidades servia para controlar a criminalidade, como já foi discutido no início deste artigo, e o enfraquecimento da identificação com grupos e organizações. Como já vimos, o mito da segurança, tal como percebido pelos japoneses, vem gradualmente se desfazendo. Tanto a imprensa como o público vêm testemunhando provas desse fato, numa série de incidentes brutais ocorridos em tempos recentes. Sua reação, entretanto, evidenciou uma espécie de pânico moral, e alguns especialistas se preocupam com esse foco excessivo na escalada de brutalidade, uma vez que essa reação poderia rapidamente resultar numa guinada da opinião pública em direção a punições mais severas para os crimes cometidos por jovens, que poderia vir a afetar de forma negativa as medidas adequadas, que atualmente estão sendo tomadas no Japão. Mesmo assim, é mister observar que essa série de incidentes aponta não apenas para sua brutalidade e aumento quantitativo, mas também para a maior freqüência dos crimes e da violência de “tipo inesperado”, os chamdos “Ikinari gata”, além da já existente “delinqüência de tipo escalada”, ou “Hiko escalate gata”, que já mencionamos anteriormente. A Agência Nacional de Polícia realizou um estudo, no qual foram selecionados e analisados 22 incidentes particularmente brutais (envolvendo menores de 25 anos), entre os crimes cometidos por jovens entre janeiro de 1998, quando uma professora foi morta por esfaqueamento, e maio de 2000 (Agência Nacional de Polícia, 2000). Desses 22 crimes, 16 foram cometidos por alunos de escolas secundárias, sendo que oito deles, por alunos do ciclo inferior da escola secundária. Além disso, desses 22 crimes, 16 foram “Ikinari gata”, ou de tipo inesperado, ou seja, cometidos por alunos sem antecedentes de delinqüência, e essa análise concluiu 113 que todos esses episódios evidenciavam uma conexão frágil entre a lógica que havia levado ao crime e a realidade externa, tendo sido causado por desejos ou conflitos de natureza interna. Nessa análise, é particularmente importante observar que, como pode ser visto na tabela III, cerca de 60% dos 25 menores a que o estudo se refere haviam previamente sido vítimas de violência de algum tipo, e aqueles que demonstravam problemas de desajustamento pessoal, como não-comparecimento e sabotagem à escola, também representavam cerca de 60% do total. O mais significativo foi que 13 deles haviam sido vítimas de intimidação por colegas, e que providências foram tomadas em apenas quatro dentre esses casos. Esses dados demonstram que a experiência de ter sido vítima de intimidação e o desajustamento são fatores determinantes, que não devem ser ignorados, quando se trata de crimes brutais cometidos por menores. Tabela III Antecedentes de 25 menores infratores envolvidos em crimes graves, e as providências anteriormente tomadas Fonte: Levantamentos da Academia Nacional de Polícia 114 Desse modo, é importante observar que, no caso de muitos desses menores infratores acusados de crimes graves, houve participação de múltiplos fatores, como o de haver sido vítima de intimidação e a existência de comportamentos desajustados, como nãocomparecimento à escola derivado de problemas psicológicos, mais que da intenção de sabotar a escola. Em outras palavras, muitos dos casos recentes de problemas de comportamento tendem a ter relação com problemas psicológicos acumulados, distorcidos ou reprimidos internamente. Como esses crimes são causados por problemas internos, são difíceis de prever, muitas vezes acontecem sem aviso prévio e seus motivos e objetivos são de difícil compreensão. Esses crimes brutais cometidos por menores sem sinais anteriores de delinqüência não apenas causaram imenso impacto no público japonês como também apontam para uma tendência característica dos menores infratores presos por crimes brutais, nos últimos tempos. Cerca de metade dos menores presos por crimes brutais, em 1999, não tinham antecedentes de delinqüência, embora apresentassem problemas de comportamento sem maior gravidade, como beber, fumar e ficar na rua até tarde da noite, sinais esses que poderiam ser interpretados como prenúncios de delinqüência. Vem aumentando o número de casos de menores que inesperadamente cometem crimes brutais. Conforme vimos nas tendências recentes da violência escolar já discutidas por nós, deve-se observar que, no trato do problema da delinqüência, embora ainda seja importante tomar providências em relação a alunos que, em sua vida cotidiana, demonstrem sinais prenunciadores de problemas, como, por exemplo, tipos específicos de corte de cabelo ou de vestuário, linguagem chula, roubos em lojas e outros atos de delinqüência e de problemas de comportamento típicos das fases iniciais da delinqüência e do desenvolvimento da criminalidade, torna-se também cada vez mais importante tomar providências quanto aos alunos que aparentam ser quietos e que não chamam atenção para si, mas que disfarçam frustração e stress internos, que podem vir a explodir, sob a influência de um único fator. 115 O Ministério da Educação analisou também estudos e dados recentes sobre menores delinqüentes, relatando suas conclusões e as possíveis medidas a serem tomadas. Esse relatório acusa um aumento no número de delinqüentes juvenis com as seguintes características: Características psicológicas dos menores delinqüentes As características psicológicas constatadas no relatório do Ministério da Educação são as seguintes. Os menores delinqüentes apresentam: • tendência a uma auto-imagem negativa, forte complexo de inferioridade e nenhum respeito próprio. • sistema de valores autocentrado; baixo sentimento de culpa e pouca consciência a respeito das normas vigentes. • tendência a cometer atos de delinqüência por razões impulsivas, têm dificuldade em controlar as próprias emoções e não compreendem o sofrimento alheio. Características de suas relações humanas As características das relações humanas constatadas no relatório do Ministério da Educação são as seguintes. Os menores delinqüentes: • apresentam baixa capacidade de comunicação e de autoexpressão e têm dificuldade em formar relações pessoais. • muitas vezes ignoram os antecedentes pessoais dos coagressores. • verifica-se um aumento do número de casos onde a vítima não tem qualquer relação com o agressor. Características de suas relações grupais • grupos com fraco controle interno; as relações entre o perpetrador e a vítima estabelecem-se com facilidade e, muitas vezes, ocorre uma súbita inversão de papéis. • os grupos existentes no ciclo final da escola secundária costumam ser formados durante os anos do ciclo inicial 116 da escola secundária. Incapazes de se adaptar a seu novo ambiente, os estudantes mantêm suas relações com os antigos amigos do ciclo inicial da escola secundária . Nessa análise, o Ministério da Educação observou que um “Ikinari gata”, ou seja, o “infrator inesperado”, a saber, um menor infrator sem antecedentes de delinqüência, constitui-se num tipo novo de delinqüente, não se encaixando nas categorias já existentes, e ressaltou a necessidade de lidar com esses jovens, cujos conflitos internos e frustrações reprimidas acabam por conduzir a um estado de mente distorcido que repentinamente ganha expressão na forma de violência e crime, com motivações e propósitos que são de difícil compreensão para os demais. Tendo descrito as transformações ocorridas na natureza dos problemas juvenis, eu gostaria agora de resumir o curso tomado por essas transformações. Primeiramente, nas mudanças ocorridas entre a década de 60 e a de 70, assistimos a um fenômeno inédito: os delitos juvenis mudaram-se da comunidade para o território protegido: a escola. A questão central passou a ser a violência escolar. Na década de 80, as questões da violência escolar e da delinqüência finalmente entraram em declínio, devido ao enrijecimento das medidas de controle adotadas pela comunidade local e à supervisão e ao controle mais severos dos alunos por parte das escolas. No entanto, embora a violência escolar tenha-se atenuado, uma série de novos problemas surgiram dentro das escolas, incluindo a intimidação por colegas, o não-comparecimento às aulas e a indisciplina em sala de aula, que ocorre até mesmo em meio aos alunos das primeiras séries da escola primária, que perturbam as aulas sendo ruidosos e não permanecendo em seus lugares durante as aulas, problemas de comportamento que têm profundas ligações com questões psicológicas, não sendo incomum encontrar alunos afetados por problemas múltiplos. Em fins da década de 80, o índice de violência escolar e de criminalidade juvenil, que havia declinado, voltou a crescer. 117 Além da “Hiko escalate gata”, ou “delinqüência de tipo escalada” já existente, os incidentes ocorridos em conseqüência da escalada dos comportamentos delinqüentes, verificou-se também um aumento dos “Ikinari gata”, ou incidentes “de tipo inesperado”. Esses incidentes são provocados por indivíduos portadores de conflitos psicológicos, frustração ou ansiedade arraigados, que permanecem ocultos e vão-se acumulando, ou por outros indivíduos que são incapazes de controlar suas emoções e, subitamente, se comportam de forma inesperada, por motivos e visando objetivos que as outras pessoas têm dificuldade de compreender. Essa série de mudanças indica uma transição na localização do problema, que passou da delinqüência praticada nas comunidades locais à violência praticada dentro das escolas; da violência praticada dentro das escolas para a intimidação em meio ao grupo de alunos e de problemas de comportamento a problemas internos. Se me permitem falar de forma metafórica, o foco do problema vem tendendo a se recolher a âmbitos cada vez mais íntimos, tornando-se “privatizado”, à medida que se desloca da esfera pública para a esfera privada. Esse fato, portanto, coloca limites à abordagem intervencionista, que lida com os sintomas por meio do uso de supervisão rígida e controles de comportamento severos. Mesmo que venhamos a nos decidir pela adoção desse tipo de intervenção dirigida contra os sintomas, uma outra abordagem se faz necessária, para que tenhamos acesso aos problemas psicológicos e possamos lidar com eles. AS CARACTERÍSTICAS DA INTIMIDAÇÃO, OU “IJIME”, NO JAPÃO Como já mencionado anteriormente, após uma década de declínio da violência escolar, a intimidação por colegas, conhecida no Japão por “Ijime” transformou-se numa questão social da maior importância, atraindo a atenção de muitos. Esse fato in118 dicou a percepção de que um novo problema, diferente da violência escolar, havia surgido dentro da comunidade escolar. Além disso, a imagem que os japoneses tendem a formar, ao ouvirem a palavra “Ijime”, não é a da “violência”, associada aos atos de “intimidação”, mas sim a de uma imagem de crueldade, de baixeza e de malevolência, já que essa palavra é intercambiável com a sentença que significa “intimidar os mais fracos”, “Yowaimono Ijime”. Assim, mesmo quando a intimidação implica violência, as pessoas tendem a pensar primeiramente na fragilidade da vítima e nos danos psicológicos ocasionados por esse ato. É claro que, quando pensamos apenas na forma configurada pelo ato, os comportamentos de intimidação podem ser classificados como uma espécie de violência escolar ocorrida em meio aos alunos, atos esses que podem incluir delitos passíveis de punição, nos termos da lei. Desse modo, há superposições entre violência escolar, criminalidade juvenil e intimidação. A intimidação, entretanto, tem características próprias. Uma delas, e a mais grave, são os danos psicológicos, que freqüentemente são observados nos tipos psicológicos (não-físicos) de intimidação. Estão incluídos então “dizer coisa cruéis e desagradáveis e caçoar dos outros” (embora cada um dos itens subseqüentes varie conforme o gênero, a proporção das vítimas deste tipo de intimidação entre o número total de vítimas é de 84,5%; Morita, 1999); “ignorar e excluir do grupo determinadas pessoas” (54,4%), e “espalhar boatos e escrever coisas cruéis nos objetos pessoais da vítima” (30,9%). Embora haja muitos tipos de intimidação que impliquem danos físicos ou materiais, tais como violência que inclui “bater, chutar, ameaçar ou extorquir” (34,0%), tomar dinheiro ou objetos, ou danificar os pertences” (16,0%), uma das características da intimidação é que, após terem sido expostas a esse tipo de maus-tratos, as vítimas vêm a sofrer ainda danos psicológicos subseqüentes, resultantes dessa intimidação. Por essa razão, uma das principais medidas tomadas contra a intimidação por colegas é fornecer assistência às vítimas, por 119 meio da criação de postos de atendimento nas diversas organizações afetas à questão, de linhas telefônicas de disque-ajuda e de serviços de aconselhamento nas escolas. Uma outra característica da intimidação no Japão é que a relação vítima/agressor ocorre num campo onde um forte controle informal, baseado no senso de responsabilidade de cada integrante do grupo para com os demais, geralmente funciona no sentido da estabilização e da manutenção da ordem. No Japão, não é incomum se ouvir o comentário: “Isso é só coisa de criança. Por que os adultos têm que se envolver?”, relativo à questão da intimidação. Além disso, a polícia, uma instituição nacional, pode intervir apenas nos casos em que o ato de intimidação se enquadre no direito penal. Assim, a questão da intimidação por colegas é geralmente vista como um problema de relações humanas enfrentado pelas crianças em sua vida cotidiana, e que deve ser deixado a cargo dos próprios estudantes, que devem, eles mesmos, tomar iniciativas para restabelecer a ordem e evitar a intimidação. No entanto, confiar no controle informal para resolver o problema só funciona quando os próprios estudantes têm a capacidade de exercer controle suficiente contra a intimidação, de resolver os problemas surgidos e de manter a ordem. Se lhes falta essa capacidade, e se o dano social resultante é visto como sendo socialmente significativo, então, a aplicação dos princípios do paternalismo, da intervenção e da proteção, partindo de instituições nacionais ou de outros tipos, ou dos próprios adultos, é vista como inevitável (Morita, 1999). O fato é que testemunhamos uma série de casos de suicídio, de assassinatos e de agressões físicas graves ligadas à vingança, e de abandono da escola, traumas mentais e doenças psiquiátricas provocados pela intimidação, o que demonstra que esta é capaz de causar um nível tão elevado de danos psicológicos que a questão não pode ser deixada nas mãos das próprias crianças. No estudo elaborado pela Academia Nacional de Polícia já mencionado anteriormente, também vimos casos de crimes brutais praticados por menores em conexão com a intimidação por colegas. 120 Embora os danos causados pela intimidação por colegas sejam semelhantes no Ocidente, no Japão essa questão atrai mais atenção que a violência escolar, e a intimidação e o não-comparecimento às aulas são vistos como os principais problemas educa-cionais da década de 80. Como já mencionei no início, os índices de criminalidade juvenil japoneses são muito menores que os do Ocidente, de maneira que talvez seja correto afirmar que os problemas do dia-a-dia, como a intimidação por colegas, raramente vêm a se converter numa questão social de importância, no Ocidente, onde a violência escolar representa um problema mais grave. No entanto, num estudo de comparações internacionais sobre a questão da intimidação por nós realizado, verificamos a gravidade dos danos causados pela intimidação, no Japão. A obsessão da sociedade japonesa pela questão da intimidação não se deve apenas ao fato de os outros problemas serem menos graves. Eu gostaria agora de tratar desse ponto, descrevendo as características da intimidação no Japão. O estudo acima mencionado foi realizado em 1997, usando uma amostragem de estudantes de idades entre 10 e 14 anos, do Japão, da Inglaterra, da Holanda e da Noruega. Y. Morita foi o responsável pelo Japão; P. K. Smith, pela Inglaterra; YungerTas, pela Holanda; e D. Olweus, pela Noruega. O levantamento foi conduzido através do uso de um mesmo questionário, baseado numa Versão Revisada do Questionário de Olweus, desenvolvida pelos participantes deste projeto internacional (Morita, 1999). A figura 3 mostra a percentagem dos estudantes que afirmaram ter sofrido intimidação, em cada um dos países. No Japão, esse percentual representa a proporção dos estudantes que sofreram intimidação no segundo semestre letivo, ou seja, entre o Natal e o fim do semestre letivo dos demais países. Segundo essas cifras, o Japão é, dos quatro países, aquele onde o menor número de estudantes foi submetido a intimidação. Esses dados, portanto, demonstram que os níveis de intimidação são baixos, no Japão, embora tenha-se convertido numa questão social importante, e danos graves relativos a esse problema venham sendo verificados. 121 Produzimos, então, um outro indicador para demonstrar a gravidade do problema no Japão, ou seja, a proporção das vítimas que sofreram intimidação por um período longo de tempo (mais que um semestre letivo) e com freqüência (pelo menos uma vez por semana). Essa categoria poderia incluir um número considerável de vítimas de longo prazo, que não haviam recebido assistência e que vinham sofrendo dessa escalada de intimidação. A figura 4 mostra esses resultados e, ao contrário da figura 3, pode-se verificar que os índices mais altos são os relativos ao Japão. Figura 3 Percentagem dos estudantes que deram queixa de intimidação. Essas duas figuras demonstram que, embora a Japão apresente o menor índice de estudantes vitimados por intimidação entre os quatro países, há maior probabilidade de que, uma vez iniciada, essa intimidação venha a aprisionar as vítimas, que passam então a sofrer de intimidação freqüente e repetida. Além disso, essa probabilidade aumenta com a idade das vítimas, e quanto mais velhas elas forem, mais alta será a proporção de 122 vitimização freqüente e de longa duração. Em outras palavras, quanto mais velhos os estudantes, mais alta será a possibilidade da escalada da intimidação, e maior o número das vítimas que sofrem de intimidação freqüente e de longa duração. A partir dos resultados de seus estudos, Morita derivou um modelo para a intimidação dentro dos grupos escolares, denominada de “modelo da estrutura de quatro níveis” (Morita, 1985; Morita e Kiyonaga, 1986). A intimidação se desenvolve numa relação vítima/intimidador, mas este é um modelo para uma teoria de reação interna ao grupo, que propõe que a duração, a freqüência e a intensificação da intimidação irão depender não apenas da relação entre vítima e intimidador, mas também da reação dos demais estudantes que integram o grupo. Morita demonstrou que uma escalada da intimidação só ocorre onde não há mediadores capazes de intervir e quando, ao redor das vítimas e dos intimidadores, existem tanto público que aplaude e aprecia assistir ao espetáculo, quanto circunstantes que tentam não se envolver. Observa-se uma estrutura de quatro níveis, e a intimidação se desenvolve e intensifica por dinâmica própria a essa estrutura específica. Morita analisou também a correlação entre o índice relativo a ter sofrido intimidação e a percentagem de intimidadores, de espectadores e de circunstantes, verificando que a correlação mais significativa ocorria entre o número das vítimas e o número dos circunstantes, mas que não havia correlação com o número de intimidadores (Morita, 1990). Em outras palavras, a reação dos circunstantes não é neutra, e o fato de uma reação negativa ao problema não ficar evidenciada só faz piorar a situação, criando uma atmosfera que possibilita que o problema ou comportamento delituoso sejam expressos em sala de aula, dando apoio passivo a esses atos delituosos. A razão de a expressão “circunstantes também são intimidadores” ainda ser usada no Japão, na discussão das questões de intimidação ou nos estudos realizados pelo Ministério da Educação, é que o modelo de quatro níveis ainda é visto como válido nas situações de intimidação encontradas pelos professores. 123 Figura 4 Percentagem das vítimas de intimidação freqüente e de longa duração entre o total das vítimas de intimidação. (“longa duração” significa sofrer intimidação durante pelo menos um semestre letivo, e “freqüente”, significa pelo menos uma vez por semana). As informações obtidas a partir do modelo da estrutura de quatro níveis, de que a intimidação está relacionada à consciência sobre as normas vigentes e à solidariedade interna às turmas, foram confirmadas pelos resultados de um levantamento japonês, que fez parte do estudo comparativo internacional de 1997. Esse estudo analisou de que forma o número de estudantes que intimidavam outros estava relacionado aos itens do questionário que tratavam da solidariedade interna às turmas e também aos itens relativos à consciência sobre as normas vigentes. Dos itens relativos à solidariedade constava o seguinte: “Muitos estudantes acreditam que não irão gostar deles, se eles não apoiarem os colegas”, e “Se eu fizer alguma coisa que os professores elogiem, os outros vão dizer que eu estou fingindo ser 124 bonzinho”, e dos itens relativos à consciência sobre as normas, constavam: “Mesmo que seja errado, muitos estudantes fazem coisas ruins por que gostam”, e “Muitos alunos pensam que é fácil fazer coisas erradas pelas costas dos professores”. Os resultados mostraram que o número de estudantes que praticaram intimidação contra outros em sala de aula apresentava uma correlação positiva tanto com o número de alunos que concordaram com cada uma dessas afirmações relativas à solidariedade quanto com o número dos que concordaram com todas as afirmações relativas à consciência sobre as normas, demonstrando que quanto menos forem a solidariedade interna à turma e a consciência a respeito das normas, maior será o número de estudantes que praticam intimidação contra outros (Morita, 2000). Eu gostaria agora de examinar, no tocante a cada um dos países, a questão dos circunstantes e dos mediadores que exercem influência sobre a intimidação e efetuar uma análise, para verificar se podem ser encontradas características semelhantes às observadas no Japão. A figura 5 mostra os resultados da análise sobre a maneira pela qual a percentagem de circunstantes e mediadores se altera, conforme a série escolar (idade). Observem que essa análise compara apenas três países, uma vez que esses itens não foram incluídos no questionário norueguês (Morita, 2000). Como se pode ver claramente nesta figura, o percentual dos circunstantes que decidem não se envolver se altera com a idade, em forte contraste com os mediadores que intervêm. Em todos os países, pode-se verificar uma tendência semelhante nas primeiras séries escolares, ou seja, o percentual dos circunstantes é relativamente baixo, aumentando com a idade. Por outro lado, o percentual dos mediadores decresce com a idade. No entanto, a partir do segundo ano do ciclo inicial da escola secundária, o Japão e os dois países europeus passam a mostrar tendências divergentes. O percentual dos mediadores não decresce no ciclo inicial da escola secundária nos dois países europeus, passando a aumentar na Inglaterra. Ao contrário, o percentual japonês continua a diminuir, atingindo 21,8% no terceiro ano do ciclo 125 inicial da escola secundária, o que corresponde a apenas metade do percentual inglês relativo àquela mesma série. Além disso, enquanto o percentual de circunstantes nos dois países europeus não aumenta, passando a diminuir, esse número continua crescendo no Japão, atingindo cerca de 60% na 3ª série do ciclo inicial da escola secundária. Figura 5 Percentagem de mediadores e circunstantes em cada série escolar Como já vimos, nas escolas japonesas, quanto mais velhos forem os alunos, maior será o número de circunstantes, e menor o de mediadores em cada turma, havendo portanto menor possibilidade de que a intimidação tenha fim, em comparação com os 126 outros países. Pode-se dizer que essa falta de reação negativa contra a intimidação, da parte dos demais alunos da turma está relacionada às características de freqüência e longa duração da intimidação por colegas, no Japão, como mostrado na figura 4. Essa tendência a um maior número de circunstantes e um menor número de mediadores, à medida que os alunos avançam nas séries escolares, está relacionada a uma outra característica japonesa, a saber, que, em comparação a outros países, os papéis das vítimas e dos intimidadores tornam-se fixos à época em que os estudantes ingressam no ciclo inicial da escola secundária. Em geral, em todos os países, a troca de papéis entre intimidadores e vítimas e vítimas e intimidadores ocorre durante um período relativamente curto de tempo (a taxa de reversão de papéis é de 25,1% no Japão; 29,6% na Inglaterra; 31,6% na Holanda e 31,1% na Noruega). No entanto, comparada à dos demais países, a taxa de reversão é mais baixa no Japão, e os papéis de intimidador/vítima tendem a se tornar fixos. Essa tendência gradualmente se torna mais forte com o aumento da idade, e já é muito forte por ocasião do ingresso no ciclo inicial da escola secundária. (A taxa de reversão, no Japão, é de 34,5% na 5ª série e 30,7% na 6ª série da escola primária; 19,7% na 1ª série, 19,7% na 2ª série e 17,5% na 3ª série do ciclo inicial da escola secundária.) Em outras palavras, à medida que as crianças se tornam mais velhas, as vítimas de intimidação vêem-se concentradas entre um grupo específico de crianças, podendo-se concluir daí que o alto número de circunstantes e o baixo número de mediadores contribuam para essa situação. Esses estudos demonstram que, nas situações onde ocorre intimidação, as reações negativas da parte dos estudantes presentes em torno das partes envolvidas (intimidadores e vítimas), bem como outras atitudes ou posturas do grupo escolar, podem servir tanto para conter quanto para incentivar a intimidação. Desse modo, ao considerarmos medidas a serem adotadas visando conter ou evitar a intimidação, é importante examinar não apenas as maneiras de lidar com os intimidadores e as vítimas, mas também medidas que façam uso dessa dinâmica de grupo. 127 REAÇÕES AOS PROBLEMAS JUVENIS RECENTEMENTE OCORRIDOS NA SOCIEDADE JAPONESA – UMA SOLUÇÃO VISANDO ENCONTRAR EQUILÍBRIO ENTRE A ORIENTAÇÃO PROTETORA E AS PUNIÇÕES MAIS SEVERAS Após o aumento da ocorrência de intimidação por colegas nas escolas, a administração das questões da juventude, no Japão, passou a enfrentar diversos problemas, entre eles o aumento do nãocomparecimento às aulas, indisciplina em sala de aula, uma série de crimes brutais cometidos por menores e a intensificação da violência escolar, sendo então forçada a adotar novos métodos que implicassem uma guinada de rumo. Em especial, a ocorrência sucessiva de uma série de crimes brutais praticados por jovens abalou o público em geral, uma vez que, no que concerne à criminalidade, o Japão, por longo tempo, foi considerado um país seguro. Nesta seção, eu gostaria de concluir meu artigo apresentando um esboço das abordagens adotadas e do rumo tomado pelo Japão, em reação aos problemas recentemente ocorridos entre jovens, no momento em que ingressamos no século XXI. Primeiramente, uma das abordagens adotadas foi a reforma da Lei dos Menores de Idade, consiste numa legislação promulgada em 1948, formulada com base no princípio de “respeito pelos direitos humanos dos menores e de sua criação saudável”. Essa lei abrange não apenas os menores infratores, mas também os jovens com potencial de comportamentos delituosos, determinando que, com base no princípio do “protecionismo”, as varas de família deverão tomar medidas de proteção, de natureza educativa e assistencial, de preferência a aplicar punições. Nos termos dessa lei, contudo, uma investigação pode ser efetuada, quando se trata de crimes particularmente graves e brutais, caso o menor infrator tenha idade igual ou superior a 16 anos e, dependendo da natureza e das circunstâncias do delito, a causa poderá ser encaminhada à promotoria pública, para ser submetida aos procedimentos de um 128 processo judicial, havendo inclusive a possibilidade de o culpado ter que cumprir pena. Desde a época de sua promulgação, na esteira da segunda e da terceira ondas de delinqüência, essa lei passou por reformas de pequena monta, foi examinada a possibilidade de mudanças no sentido de penalidades mais severas e tentouse uma reforma mais ampla, mas, até recentemente, não se havia chegado a qualquer conclusão. Contudo, após uma série de crimes e incidentes chocantes, e sob forte pressão da opinião pública, segundo a qual a Lei dos Menores de Idade era excessivamente leniente, e os menores infratores reincidiam nos delitos por saberem que não iriam receber penalidades severas, emendas foram apresentadas no Parlamento, sendo aprovadas em setembro de 2000. As principais delas tratavam da redução da idade mínima para punições nos termos da lei, de 16 para 14 anos e alterações nos procedimentos que, em princípio, determinam que os casos de delitos graves cometidos por menores devam ser encaminhados à promotoria para processo penal, e não mais às varas de família. Embora essas emendas evidenciem mudanças no sentido de punições mais severas para os delitos cometidos por menores, pode-se dizer que elas tenham como objetivo controlar os crimes juvenis graves, mais que submeter a totalidade dos delitos juvenis a penalidades mais pesadas. Esse método de controle adotado pelo Japão é claramente diferente das medidas de supervisão e controle mais rígidos e de regulamentos escolares mais severos contra a violência escolar, adotados durante a terceira onda de delinqüência, nas décadas de 70 e 80. É óbvio que o direito penal e os regulamentos escolares situam-se em níveis diferentes do sistema, mas os métodos de controle da violência escolar, àquela época, tinham como alvo a totalidade dos estudantes, tendo como objetivo o controle do corpo estudantil como um todo, e consistindo numa tentativa de evitar que os problemas viessem a gerar situações graves, solucionando-os num estágio precoce. As emendas recentes à Lei dos Menores de Idade, contudo, diferem significativamente da aplicação ampla de punições mais 129 pesadas adotada anteriormente, no sentido de que elas mantêm o nível atual de protecionismo para os pequenos delitos e para os infratores mais jovens, que ainda não atingiram a idade de responsabilidade legal, aplicando, de forma seletiva, os controles mais severos apenas aos casos graves. Uma outra providência notável das reformas de nível nacional foi a criação da Comissão Nacional de Reforma Educacional, que fez recomendações quanto às políticas a serem adotadas nessa reforma. Essa comissão foi criada em março de 2000, na qualidade de órgão consultivo de apoio ao Primeiro-Ministro, tendo apresentado seu relatório final em dezembro de 2000. No contexto dos graves problemas que vêm sendo enfrentados pelo Japão, e da deterioração da educação como um todo, nos lares, nas escolas e na comunidade local, a comissão fez também recomendações quanto às abordagens a serem futuramente adotadas na educação. Essas recomendações têm como objetivo transformar o Japão numa sociedade mais madura, preservando assim sua segurança e promovendo a socialização e a independência dos estudantes que se haviam fragilizado sob a influência de uma sociedade cada vez mais rica, para que eles assim desenvolvam maior senso humanitário. Por outro lado, essas recomendações exigem também que sejam adotadas medidas estritas de combate à violência escolar e a outros problemas que vêm causando danos graves. São 17 as recomendações, subdivididas em cinco grandes seções. Dentre elas, as cinco a seguir, sob o título “Incentivar o desenvolvimento de um rico senso humanitário nos japoneses”, estão estreitamente relacionadas ao enfrentamento dos problemas recentes surgidos, como a intimidação por colegas, a violência escolar, a criminalidade juvenil e o não-comparecimento às aulas: - ter consciência de que a base da educação é a casa da família; - as escolas não devem hesitar em dar ensinamentos morais; - todos os alunos devem prestar serviços comunitários; - tomar as medidas devidas com relação às crianças que causam perturbação na escola; - proteger as crianças de informações nocivas. 130 A terceira recomendação dessa seção propõe a prestação de serviços comunitários, como morar na casa de outras pessoas pelo período de duas semanas, para os alunos de escolas primárias e ciclo inicial da escola secundária, e de um mês, para os alunos do ciclo final da escola secundária. Essas políticas são de grande importância, tendo como objetivo redirecionar uma tendência que vem ganhando força na sociedade japonesa, que é a do egocentrismo, no sentido de fornecer uma base para o reforço da solidariedade social, da consciência a respeito das normas vigentes e da cidadania. Além disso, as notas explicativas à quarta recomendação têm início com a frase: “Não se deve permitir que o comportamento de uma única criança venha a colocar outras crianças em risco, ou gerar, em outras crianças, sentimentos de antipatia para com a vida escolar”, deixando claro que as recomendações pedem providências de combate à intimidação, à violência escolar e `a perturbação das aulas, propondo a adoção das seguintes políticas fundamentais: - A educação das crianças não deve ser perturbada por outras crianças que criem problemas. - O conselho de educação e as escolas devem tomar as devidas providências, inclusive a suspensão dos alunos causadores de problemas, ao mesmo tempo em que adotam as medidas adequadas, visando à educação dessas crianças. Para superar esses difíceis problemas, é natural que os professores envidem esforços contínuos no sentido de conquistar a confiança dos pais e das próprias crianças. Esses problemas, entretanto, não podem ser facilmente solucionados apenas pelas escolas. Eles devem ser abordados de maneira mais abrangente, pela sociedade e pela nação, respectivamente. Por longos anos, os professores e as escolas vêm enfrentando o desafio de encontrar um equilíbrio entre o direito das crianças problemáticas de receberem educação obrigatória e a proteção dos direitos humanos das crianças vitimadas pelas primeiras. A suspensão de alunos, nos termos da lei, costumava ser 131 vista por muitos como uma penalidade demasiadamente severa, e muitos hesitavam em usá-la. Até a segunda metade da década de 80, quando a violência escolar se tornou generalizada, muitas escolas passaram a se utilizar desse método, como medida de emergência para proteger os direitos dos demais alunos. No entanto, quando a violência escolar entrou em declínio, a partir de meados da década de 80, época em que o Japão passou a dar maior atenção aos direitos humanos, o número de suspensões escolares entrou em rápido declínio, tendo havido diversos casos, alguns deles envolvendo danos graves, onde nenhuma medida clara foi tomada, ou foi adotada a medida juridicamente inespecífica, conhecida por “aprendizagem em casa”. Em resposta ao aumento recentemente verificado na violência escolar, o Ministério da Educação instruiu os conselhos de educação a tomarem medidas enérgicas, e ocorreu um aumento no número de conselhos e de escolas que vêm fazendo uso da suspensão. A segunda política tem como objetivo reforçar essa medida, incentivando seu uso, embora, mesmo assim, a abordagem recomendada é usar de medidas severas apenas nos casos de danos graves, aplicando medidas educativas no tocante a casos mais leves e a muitas outras crianças, para oferecer a elas uma educação saudável. O Ministério da Educação vem planejando pedir a revisão da Lei da Educação Escolar ainda na atual sessão legislativa, atendendo às recomendações da Comissão de Reforma, e pretende ainda fornecer diretrizes e procedimentos claros com relação à suspensão de alunos, permitindo às escolas aplicar essa penalidade a crianças que provoquem danos físicos ou psicológicos a professores ou a outras crianças, ou que perturbem as aulas ou vandalizem os prédios e os equipamentos escolares. A terceira recomendação baseia-se no fato de que há limites para o que as escolas, por si sós, podem fazer para tratar dos diversos problemas e resolvê-los, como já mencionado na seção 3. Essa recomendação, além disso, segue e dá ênfase às políticas contidas no relatório “Passando do ‘confinar dentro das escolas’ à ‘cooperação aberta’: uma nova maneira de abordar os problemas de comporta132 mento”. Para lidar com a violência escolar e os diversos outros problemas de comportamento dos estudantes, já foi dado início à procura de novas maneiras de alcançar maior cooperação entre as escolas e os centos de aconselhamento infantil, bem como outros órgãos de base comunitária e voluntária que tratam da educação saudável das crianças, médicos e centros de saúde mental, polícia, oficiais das varas de família e assistentes sociais do juizado de menores. Além disso, o Ministério da Educação vê essa cooperação como um dos principais desafios de seu processo de formulação de políticas. Há ainda um outro aspecto importante de nossa abordagem que eu gostaria de mencionar aqui, que são as medidas voltadas para os casos de criminalidade e delinqüência que ocorrem de forma inesperada, os “Ikinari gata”. As diretrizes anteriores relativas à violência escolar tratavam basicamente dos problemas visíveis, como os problemas graves de comportamento ou os comportamentos violentos ou agressivos dos alunos nas escolas. No entanto, vem-se tornando cada vez mais necessário não apenas oferecer aconselhamento a esses alunos e a suas vítimas, como também lidar com as várias questões psicológicas envolvendo alunos que, em circunstâncias normais, não apresentam problemas de espécie alguma. É nesse contexto que o Ministério da Educação vem distribuindo a todo o pessoal escolar material que lhes permita melhor compreensão da questão, incentivando-os, além disso, a realizar estudos de casos e a passar por treinamento. Simultaneamente, o Ministério adotou a política de fornecer melhor assistência, contratando uma equipe, e não apenas uma única enfermeira para cada escola. Tradicionalmente, uma professora-enfermeira é colocada em cada escola, para oferecer aos alunos aconselhamento sobre questões cotidianas de saúde e para ouvi-los sobre seus problemas psicológicos. Além dessas medidas que tratam do pessoal das escolas e das professoras-enfermeiras, o Ministério está em vias de adotar uma política de aumento do número de conselheiros escolares 133 qualificados, que possuam conhecimentos especializados de psicologia clínica, de análise psiquiátrica, e de técnicas de aconselhamento em nível de pós-graduação, para estabelecer sem demora um sistema no qual todos os estudantes possam ter acesso a um conselheiro escolar. O aperfeiçoamento e a criação desses sistemas têm como objetivo lidar com as diversas questões psicológicas que afetam os alunos, não apenas aqueles que provocam violência escolar, mas também os colegas vitimados por eles. Vêm sendo estudadas também medidas preventivas eficazes contra os diversos problemas de comportamento recentemente constatados. Na educação escolar, vêm surgindo diversas tentativas de incentivo à socialização, dentre elas, um movimento para desenvolver uma grande variedade de programas de contato com o meio ambiente e de experiências sociais, como parte das atividades educativas escolares. O Ministério da Educação vem também implementando outras políticas, entre elas a introdução de aulas de estudos gerais, que têm como objetivo desenvolver maior senso humanitário, permitindo aos professores a criação de programas que não tenham como base matérias específicas. O apoio entre pares, usado no Ocidente como programa de prevenção contra a intimidação por colegas, também é utilizado no Japão, não como uma medida de combate à intimidação, mas como um método para melhorar a atmosfera das salas de aula, promover o senso de solidariedade e aperfeiçoar as capacidades sociais e de comunicação dos alunos. No Ocidente, assim como no Japão, verifica-se a mesma tendência de a opinião pública, ao se ver em estado de pânico moral, reivindicar punições mais severas. O Japão adotou a alternativa de fazer distinção entre os delitos e os comportamentos violentos de menor gravidade e os crimes graves, que resultam em danos significativos, não apenas para controlar os problemas encontrados nas práticas delinqüentes, mas também para tratar das questões internas dos alunos problemáticos, e evitar a criminalidade e a violência por meio do incentivo de capacidades e 134 atitudes que os impeçam de expressar-se por intermédio de comportamentos inadequados. Essa abordagem requer um delicado equilíbrio entre punição e proteção, bem como um equilíbrio entre justiça, educação e bem-estar. Em tempos recentes, a criminalidade juvenil e a violência escolar sofreram um forte aumento também na Europa. Tratei aqui de algumas das abordagens e medidas que o Japão irá tomar, mas que, obviamente, não são passíveis de serem adotadas no Ocidente, devido à diferença de sistemas sociais e de culturas existente entre o Japão e as sociedades ocidentais, e também às diferentes estruturas nas quais esses problemas ocorrem. O mesmo pode ser dito sobre a adoção pelo Japão de abordagens ocidentais. No entanto, de uma perspectiva transnacional, ao analisar os problemas de cada um dos países, identificar os mecanismos que provocam sua ocorrência e descrever as medidas e as abordagens adotadas para combatê-los, espero ter feito uma pequena contribuição à resolução das questões da violência escolar, da criminalidade juvenil e dos vários outros problemas enfrentados pelos jovens de hoje. REFERÊNCIAS FOLJANTY-JOST, G. ‘Heartful guidance’: fighting juvenile deviancy in a Japanese community. Halle-Wittenber: Martin Luther University, 2001. (Materialien zu Jugend und Devianz in Japan; 13). FUKUSHIMA, A. Why does the crime rate in Japan not increase? Gendai no Espri, n. 154, 1980. JAPAN. Ministry of Education. Current status of issues in student guidance and approaches and measures taken by the Ministry of Education. Japan: Ministry of Education, 2000. ________. National Police Agency. Urgent report in the study of recent juvenile crimes and their prior signs. 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Este trabalho pretende ilustrar o fato de que as crianças que correm o risco de serem expulsas encontram-se em circunstâncias que as situam também em riscos de outros tipos. Considera-se que as expulsões tenham grandes probabilidades de vir a agravar e a se somar aos fatores de risco já presentes na vida dessas crianças. O artigo parte da conceituação de toda a gama de necessidades que se encontram na base dos comportamentos associados a expulsões escolares, ou a eles relacionados. A conclusão consistirá numa reflexão quanto a se as escolas e os professores estão em condições de responder de forma adequada e eficaz aos comportamentos manifestos e às necessidades subjacentes a eles, que costumam ser encontrados nos casos de alunos expulsos. * Texto apresentado na Conferência Internacional sobre Violência nas Escolas e Políticas Públicas, Paris, França, março de 2001. 137 EXPULSÕES ESCOLARES – DEFINIÇÃO DOS TERMOS, ESCALA DO PROBLEMA E LEGISLAÇÃO Na Inglaterra, encontramos uma série de tipos diferentes de expulsões escolares, que podem ser classificados como legais e ilegais, embora muitas vezes sejam descritos como formais e informais. As expulsões legais são de dois tipos: definitivas, de uma escola específica (passíveis de recurso) e por um período determinado, que em geral é de apenas alguns dias, podendo entretanto chegar a quarenta e cinco dias ou um ano letivo. Há também um número desconhecido de casos nos quais as crianças são mandadas para casa ou transferidas de escola – e alguns desses casos às vezes são ilegais. Entre essas práticas estão as de mandar as crianças para casa para um período de “esfriamento”, após um incidente específico; crianças que são regularmente mandadas para casa, sempre que um assistente de necessidades especiais não esteja disponível; sugerir enfaticamente aos pais que a criança poderia se “beneficiar” de uma mudança de escola e/ou corre risco de vir a ser definitivamente expulsa de sua atual escola, e assim por diante. As razões por detrás dessas práticas, provavelmente, variam desde as boas intenções de parte de alguns diretores (o desejo de evitar que uma criança seja estigmatizada por uma expulsão), passando por falta de familiaridade com os procedimentos corretos, até as tentativas mais cínicas de reduzir as estatísticas de expulsão, adequando-as às metas, e de evitar a burocracia, passando adiante “o problema”. Na Inglaterra, as pesquisas que vêm sendo realizadas desde a década de 90 foram importantes para atrair a atenção do público para algo que parecia ser um aumento da prática de expulsão de alunos – e é certo que as estatísticas oficiais mostravam uma quadruplicação das expulsões definitivas aplicadas de inícios a meados daquela década. As cifras oficiais mais recentes mostraram um aumento do número de expulsões definitivas. O governo estabeleceu uma meta, visando a reduzir em um terço as expulsões definitivas até 2002. Essa meta quase foi alcançada em 2001, tendo então sido abandonada. No entanto, como ocorre com to138 das as estatísticas oficiais, os números relativos às expulsões são uma construção social específica, sendo afetados pelas pressões no sentido de fazer ou não o registro oficial e de enquadrar-se em determinadas metas. Há poucas dúvidas de que uma parcela desse aparente aumento dos registros de expulsão foi em parte causada pelas imprecisões (contagem com erros para menos) dos primeiros dados disponíveis (DfE, 1992), e também ao maior interesse por parte do público e dos pesquisadores, que tanto antecedeu quanto se seguiu à publicação desses dados. Além disso, é provável que o aumento do número de nomeações de oficiais de expulsões pelas Autoridades Educacionais Locais (LEAs), ocorrido por volta dessa época, tenha levado a um maior número de registros – principalmente de expulsões definitivas. As cifras oficiais mostram que apenas uma parcela mínima da população escolar chega a receber expulsões definitivas no decorrer de um ano letivo. Os números mais recentes (ano letivo de 2000-2001) à época em que este artigo foi escrito mostram que 0,12% da população escolar foi expulsa durante o período de um ano; representando um aumento de 11% em relação ao ano anterior (DfES, 2002). O número total relativo ao ano foi de 9210 expulsões definitivas, embora Parsons afirme que cifras como essas são enganosas, na medida em que elas deixam de fora as crianças expulsas em outros anos que não retornaram à escola. Ele estima que um total de cerca de 20.000 crianças esteja fora da escola devido a expulsões definitivas. O acompanhamento das expulsões por períodos determinados teve início em setembro de 1999, mas, à época em que este artigo estava sendo escrito, ainda não havia dados disponíveis. Minhas próprias pesquisas mostraram que essas expulsões são muito mais numerosas que as expulsões definitivas – até dez vezes o total destas últimas (Hayden, 1997a). Além do mais, é evidente que alguns indivíduos recebem diversas expulsões por períodos determinados num único ano letivo. A Comissão de Auditoria (1999) estima que um total de 150.000 expulsões por períodos determinados ocorram a cada ano. 139 Os pais têm o direito de representar em favor de seu filho à comissão disciplinar da diretoria da escola, tanto para as expulsões por períodos determinados quanto para as expulsões definitivas. A partir de setembro de 1997, os pais passaram a ter também o direito de apelar a uma junta independente, no caso de expulsões definitivas (Harris e Eden, com Blair, 2000). A partir de 1994, o processo de expulsão, além de ser controlado por lei, passou a ser submetido a orientações explícitas do governo. À época em que este artigo estava sendo escrito, a orientação mais recente era a Circular 10/99 (DfEE, 1999a). Essa Circular oferece orientação detalhada (Inclusão Social: Apoio aos Alunos, “SIPS”) quanto à periodicidade das reuniões e aos prazos para os recursos, bem como sobre os procedimentos a serem seguidos. A Circular, contudo, começa com os princípios da boa prática, contendo numerosos exemplos de maneiras de tratar os tipos de comportamento que colocam as crianças em risco de serem expulsas. Programas de Apoio Pastoral (PAPs) para as crianças que necessitam de ajuda para controlar seu comportamento são uma das expectativas da Circular 10/99. Em razão da gravidade de uma expulsão definitiva, as comissões de recursos devem ser tanto independentes quanto imparciais. Elas desempenham uma função judiciária, o que significa que elas devem funcionar segundo os princípios da justiça natural e segundo as interpretações estabelecidas do que esses princípios significam na prática. Não existem dados de acompanhamento de nível nacional sobre o número total dos pais de alunos que apelam aos órgãos diretivos, embora haja coleta de dados sobre esses recursos. Os pais apelam em cerca de um em cada dez casos de expulsões definitivas oficiais, mas só obtêm ganho de causa em cerca de um em cada cinco casos ouvidos pela comissão. Harris e Eden (1999, 2000) realizaram um levantamento sobre os procedimentos legais a serem seguidos pelos pais que apelam contra a expulsão definitiva de seu filho. Harris e Eden questionam o foco desses recursos, em face do que já sabemos sobre as necessidades das crianças expulsas (ver a subseção seguinte): “Os problemas encontrados pelos membros da junta (...) são conseqüência do fato de o sistema de apelações adotar um enfoque mais discipli140 nar que assistencial, levando em conta os atos de mau comportamento, mais do que suas causas. Isso precisa mudar, um melhor equilíbrio tendo que ser alcançado entre esses aspectos. As crianças expulsas da escola muitas vezes sofrem de diversos tipos de problemas educacionais e sociais. Uma audiência num processo de apelação independente representa uma oportunidade para um exame mais completo da situação e das necessidades da criança. Ficamos muito bem impressionados com o sistema de debater os casos apresentados com a participação de diversas agências, sistema esse que está em funcionamento em algumas áreas. Acreditamos que alguns dos elementos desse sistema devam ser incorporados ao sistema de recursos.” Harris e Eden observam que uma das principais vantagens desse sistema de debate de casos é que o reingresso é negociado, e não imposto. No entanto, esse método é visto como não estando em conformidade com as leis vigentes. Eles concluem que as leis que tratam da administração das expulsões precisam ser revisadas ou revogadas, em favor de um sistema de base assistencial. Eles são de opinião que um sistema de base assistencial tem maiores chances de manter as crianças na escola, nos casos em que isso seja praticável, e também de respeitar os direitos da criança. OS GRUPOS QUE CORREM MAIORES RISCOS DE EXPULSÃO Os dados sobre a relativa vulnerabilidade de muitas das crianças expulsas demonstram a validade dos comentários de Harris e Eden. Sexo e idade Há maiores probabilidades de tratar-se de meninos que de meninas. A razão é de cerca de quatro para um na idade de escola secundária, e de cerca de dez para um, na idade de escola primária (Parsons et al., 1996; Hayden, 1997a). Cerca de uma em cada oito expulsões definitivas ocorrem no nível primário (DfEE, 2000). 141 Raça As crianças negras, principalmente os meninos afro-caribenhos, aparecem como desproporcionalmente representadas, sempre que são realizados acompanhamentos. As estimativas variam, por exemplo, de quase seis vezes o número de crianças brancas expulsas (Gillborn e Gipps, 1996) a quatro ou cinco vezes sua representação na população em geral (DfEE, 1999b, 2000) e entre seis a oito vezes a proporção de meninos afro-caribenhos de idade escolar habitando um bairro londrino (Hayden, 1997a). Crianças com necessidade de educação especial (NEE) É sabido que as crianças com NEE são mais vulneráveis à expulsão, principalmente as crianças portadoras de Dificuldades Emocionais e Comportamentais (DEC). Os dados do DfEE mostram de modo consistente que as crianças com NEE são desproporcionalmente representadas nos casos de expulsão, atingindo cerca de seis vezes sua proporção na população escolar como um todo, representando cerca de 17% de todas as expulsões (DfEE, 1999b, 2000). Esse último número ignora a proporção de crianças com níveis mais baixos de NEE que são expulsas, ou seja, as que não têm sua NEE oficialmente reconhecida. Outras pesquisas já mostraram que uma proporção muito maior das crianças expulsas têm algum nível de NEE, por exemplo, 87% dos 38 casos estudados de expulsões na escola primária (Hayden, 1997a) e mais de dois terços, num estudo sobre todas as expulsões registradas (um total de 247 casos) numa única Autoridade Educacional Local (Hayden, 2000). Circunstâncias familiares Sabe-se que alterações na família e alguns tipos de dificuldades nas relações familiares estão relacionados à probabilidade de expulsão. As crianças expulsas tendem mais a pertencer a famílias reconstituídas (isto é, as que têm um padrasto ou madrasta) e a famílias de pais solteiros, com mais freqüência que a famílias onde ambos os pais biológicos ainda vivem juntos (Ashford, 1994; Hayden, 1997a). Famílias reconstituídas e de pais solteiros 142 não são incomuns, de modo que outros fatores também são, além deste. Os pesquisadores têm caracterizado algumas das famílias de crianças expulsas como “caóticas” (Parsons et al., 1994), ou vivendo sob forte tensão (Hayden, 1997a), com grande incidência de desemprego sendoo trabalho inseguro e de baixa remuneração uma característica que aparece em muitos desses estudos (Cohen et al., 1994; Hayden, 1997a; Hayden et al., 2000). Crianças que recebem cuidados assistenciais/crianças conhecidas nos departamentos de serviços sociais Não tem havido muito acompanhamento (embora, à época em que este artigo estava sendo escrito, melhoras haviam começado a surgir), mas acredita-se em geral que as crianças que recebem assistência social têm maiores possibilidades de vir a ser expulsas da escola, ou de não freqüentá-la, que as crianças que se encontram fora dos sistemas assistenciais (Finch e Horrocks, 1996; DfEE/DoH, 2000). Um estudo (não-publicado) do DfEE estimou que cerca de 33% das expulsões, nas escolas secundárias, ocorrem a jovens que recebem assistência, e o mesmo ocorre com 66% das expulsões nas escolas primárias (Smith, 1998). Outros trabalhos corroboram essas altas proporções e, num projeto nacional sobre expulsões na escola primária, foi verificado que em quase metade dos casos estudados (45%), essas crianças haviam recebido assistência por algum período de tempo, no decorrer do ano de sua expulsão. Em dois terços (66%) desses casos, a família havia recebido assistência de serviços sociais à época da expulsão ou pouco antes, principalmente devido a preocupações quanto à capacidade dos pais de cuidar dos filhos (Hayden, 1997a). Outros grupos muito vulneráveis Viajantes, jovens responsáveis pelo sustento de sua família, adolescentes grávidas e mães adolescentes, alunos em transição de um estágio educacional para outro também, sabidamente, são vulneráveis a expulsões. Em suma, pode-se concluir, daquilo que se sabe sobre as circunstâncias da maioria das crianças expulsas, que elas são, 143 principalmente, crianças portadoras de necessidades educacionais especiais, ou crianças “necessitadas” (segundo os termos da Lei das Crianças de 1989) (ver Hayden, 1997b). Muitos dos “fatores de risco”, no tocante aos indivíduos associados a expulsões, são conhecidos, e quando diversos desses “fatores de risco” coincidem com uma escola e/ou uma Autoridade Educacional Local funcionando sob pressão e, mais especificamente, onde determinados professores estejam tendo dificuldades em fazer seu trabalho, o risco de expulsões tende a aumentar (Hayden, 1997a). EXPULSÕES ESCOLARES E RISCOS – “RISCOS” DE QUÊ? Está claramente estabelecido que as crianças mais vulneráveis a virem a sofrer expulsão já vivem em circunstâncias ou freqüentam escolas onde se verifica uma maior concentração de desvantagens. No entanto, as expulsões definitivas podem ser vistas como um fator que agrava e aumenta os riscos já existentes. Parte das pesquisas e dos debates públicos sobre expulsões escolares vem-se concentrando nas questões de nível societário – tais como exclusão social ou segurança comunitária. Por vezes, os debates enfocam os fatores institucionais, e mais especificamente as responsabilidades das escolas, por outras, as responsabilidades das famílias e, em outras ocasiões, todo o espectro de agências assistenciais afetas à questão. Embora, como afirmamos acima, as circunstâncias e as características gerais dos alunos que correm maiores riscos de expulsão sejam bem conhecidas, há um número relativamente pequeno de pesquisas tratando das possíveis diferenças entre eles, como indivíduos (Rendell, 2001). O trabalho de Rendell comparou algumas das principais características das crianças expulsas com um grupo semelhante de crianças das mesmas escolas que não haviam sofrido expulsão. Uma das principais conclusões foi uma diferença quanto a seu “centro de controle”. As crianças expulsas tendiam a ter um centro de controle externo, 144 e a sentir não serem totalmente capazes de determinar sua própria situação. No entanto, outros fatores relacionados ao apoio recebido dos pais e aos valores éticos da escola também se mostraram decisivos, com relação à reação provocada pela perspectiva e pelo comportamento dessas crianças. Não há dúvida de que o temperamento individual e os fatores de personalidade envolvidos no comportamento de uma criança fazem parte da situação de expulsão. Os grupos descritos na seção anterior abrangem muitos dos fatores de risco identificados por Fortin e Bigras (1997), como geradores de problemas de comportamento em crianças pequenas. Garmezy (1983) identificou as crianças “de risco” com relação à presença de fatores que aumentam a probabilidade de elas virem a desenvolver dificuldades sociais e psicológicas. Essas dificuldades podem então se manifestar sob formas que vêm interessando aos pesquisadores que investigam os processos sociais mais amplos. Do ponto de vista do público em geral e do governo, as preocupações com a expulsão escolar (e, conseqüentemente, com os riscos a elas correlacionados) muitas vezes vêm-se concentrando na associação existente entre as expulsões escolares e crianças que “se envolvem em problemas” fora da escola, o que, em alguns casos, pode implicar comportamentos delinqüentes e criminosos (Unidade de Exclusão Social, 1998). Essas associações são bem conhecidas, embora, às vezes, sejam confundidas com mecanismos causais. Os dados existentes mostram que as crianças expulsas têm maiores probabilidades de vir a adotar comportamentos criminosos ou de perturbação da ordem do que seus colegas com as mesmas características que continuam a freqüentar a escola (Hayden e Martin, 1998). É certo que algum grau de criminalidade detectada ocorra durante o horário escolar, sendo cometida por alunos das escolas. No entanto, análises mais aprofundadas da questão revelaram associações mais fortes com outros fatores, tais como não-comparecimento às aulas (Parsons et al., 2001) e questões de proteção à criança (Martin et al., 1999). Embora o fato de estar fora da escola ofereça maiores oportunidades de passar o tempo na companhia de grupos de colegas delinqüentes, há indícios de que 145 essas associações já existiam antes da expulsão, não sendo portanto resultantes dela (Martin et al., 1999). Há razões para crer que o fato de ter sido expulso da escola indique toda uma série de problemas interrelacionados, que, tomados em conjunto, seriam resultado ou viriam a ser causa de exclusão social para alguns indivíduos. Ao mesmo tempo, devese lembrar que as expulsões definitivas são apenas um entre os 46 indicadores formulados pelo New Policy Institute, visando a monitorar as tendências de exclusão social (Howarth et al., 1998). Em termos mais gerais, as pesquisas longitudinais indicam que notas baixas nos testes de desenvolvimento acadêmico são um indicador poderoso das seguintes condições futuras: ter filhos em idade precoce, morar em conjuntos habitacionais públicos e ter baixos rendimentos (Hobcraft, 1998). Essas últimas situações estão fortemente relacionadas à exclusão social. A importância de haver sofrido expulsão definitiva, no tocante à geração ou manutenção da exclusão social, talvez resida na possibilidade de uma expulsão vir a ser tanto catalisador quanto conseqüência das dificuldades presentes na vida de um indivíduo. Atkinson (1999) afirma que: ...embora a exclusão social possa resultar de quebras ou disfunções de quaisquer dos sistemas de instituições sociais, o que parece é que só podemos falar genuinamente de exclusão social quando, para indivíduos ou grupos, diversos desses sistemas se romepm ou entram em disfunção, ou como parte de uma reação em cadeia ou simultaneamente (pág. 68). Quando esse argumento é aplicado àquilo que sabemos sobre a situação da maioria das crianças expulsas da escola, podemos começar a entender seu significado. Pais e/ou responsáveis geralmente se referem à expulsão como “a última gota”, ou como uma punição aplicada a eles (Hayden, 1997a). Sabe-se que os problemas escolares, em muitos casos, costumam ou preceder ou seguirse à colocação de uma criança sob cuidados assistenciais, e muitas vezes afirma-se que eles podem levar a uma ruptura dessa colocação (Hayden et al., 1999). Na verdade, num estudo realizado pela 146 Sociedade das Autoridades Educacionais e pela Associação de Diretores dos Serviços Sociais, foi constatado um forte elo entre ruptura da família e fracasso escolar (Webster, 1999). De forma semelhante, a associação entre práticas criminosas ou delinqüentes e expulsão escolar é bem conhecida, embora a seqüência exata dos acontecimentos seja de difícil identificação (Hayden e Martin, 1998). Qualquer que seja essa seqüência, é óbvio que a expulsão aumenta as oportunidades de que as crianças e jovens venham a se envolver em problemas, inclusive porque os colegas que estarão disponíveis a eles durante o horário de aulas terão grandes possibilidades de serem também alunos expulsos, ou que faltam às aulas por problemas de incompatibilidade com a escola. Em suma, as expulsões escolares, principalmente as expulsões definitivas, são um indicador relativamente confiável de crianças e famílias que necessitam de apoio social e que muitas vezes são ou socialmente excluídas ou encontram-se à beira dessa condição. Dadas as dificuldades que costumam estar presentes na vida das crianças expulsas da escola, podese supor, com razoável grau de certeza, que a expulsão só tende a exacerbar essa situação. Os dados disponíveis sugerem que, uma vez definitivamente expulsa, principalmente se essa expulsão se deu nos dois últimos anos da escolaridade obrigatória, há poucas probabilidades de essa criança um dia voltar, com êxito, a freqüentar em tempo integral uma escola regular (Parsons, 1999). De fato, muitos dos programas alternativos, entre eles o Include (antes chamado de Cities in School – Cidade na Escola), reconhecem esse fato. Tabela I Razões dadas pelas escolas para a expulsão, tal como relatadas pelos pais dos alunos (n = 80) (Fonte: Hayden, C. e Dunne, S., 2001) 147 CRIANÇAS EXPULSAS – O QUE ELAS SÃO ACUSADAS DE TEREM FEITO? As principais razões alegadas para as expulsões são agressão física (geralmente contra outras crianças, ocasionalmente contra professores ou auxiliares de ensino) e comportamentos que perturbam o aprendizado das demais crianças. Já ficou demonstrado que os comportamentos fisicamente agressivos respondem por percentuais que vão desde um quarto dos casos (27%) (DfE, 1992) até mais da metade deles (Hunter, 1993; Hayden e Dunne, 2001). Esse comportamento geralmente ocorre na forma de brigas, e apenas em casos raros envolve o uso de armas. Além disso, comportamentos de intimidação e ameaças aparecem em alguns casos e, numa minoria deles, uso de drogas e roubo foram apresentados como motivos. No entanto, as razões oficialmente apresentadas para as expulsões, por definição, não passam disso mesmo – razões oficiais. O uso de termos como “ataques” ou “roubo”, devido à sua conotação de comportamentos criminosos, soam mais preocupantes que “brigou no pátio de recreio” ou “roubou comida da lancheira de colegas”. Já há algum tempo, alguns pesquisadores vê notando que, na realidade, as expulsões geralmente ocorrem após um período relativamente longo de relações difíceis e incidentes ocorridos dentro da escola (Galloway et al., 1982; Cohen et al., 1994; Blyth e Milner, 1993, 1996; Hayden, 1997a). Essa culminação de acontecimentos talvez explique a trivialidade das razões alegadas para a expulsão, em casos específicos que muitas vezes chamam a atenção da mídia e de outros grupos; tais como “desobediência repetida às normas da escola relativas ao comprimento do cabelo”, ou “comportamento desordeiro” (Blyth e Milner, 1993). Numa pesquisa recentemente concluída, estabeleci distinção entre as razões explícitas e as razões subjacentes da expulsão. Essa pesquisa centrou-se na maneira pela qual os pais percebiam os fatores subjacentes e a razão principal citada por eles para a expulsão de seu filho. As tabelas I e II apresentam esses dados com base em 80 famílias acompanhadas ao longo de todo o ano subseqüente à expulsão de seu filho (Hayden e Dunne, 2001). 148 Tabela II Como os pais percebem as questões subjacentes que levaram à expulsão de seu filho (n = 80) (Fonte: Hayden, C. e Dunne, S., 2001) Essas percepções dos pais apresentam alguns fatores dignos de nota. Uma das características dos relatos dos pais é a freqüência com que comparecem agressividade e intimidação, juntamente com preocupações a respeito das necessidades educacionais especiais do filho. Em alguns casos, o comportamento citado como sendo a principal razão para a expulsão poderia ser visto como fortemente relacionado às necessidades educacionais 149 especiais da criança. É de se esperar que os pais das crianças expulsas culpem as escolas – o que eles de fato fazem, em alguns casos – mas também é verdade que eles estão mais do que dispostos a reconhecer que seu filhos, seus colegas e as questões familiares sejam parte das razões subjacentes à expulsão. A tabela II, em particular, ressalta a complexidade dos fatores subjacentes possíveis. FATORES DE RISCO E EXPULSÕES Estar fora da escola é um “fator de risco” bem conhecido, em termos de todos os tipos de conseqüências indesejáveis e, por outro lado, freqüentar a escola pode seu um fator de proteção (Farrington, 1996). Sabe-se que os primeiros sinais de dificuldades nas relações com os pais, bem como o comportamento na pré-escola e na escola são fortes prenúncios de desadaptação social, principalmente quando esses comportamentos são externalizados (Fortin e Bigras, 1997). Os problemas de comportamento tendem a se tornar particularmente estáveis, quando se instalam precocemente na vida de uma criança, e algumas de minhas pesquisas de menor escala forneceram fortes indícios de que, nas famílias entrevistadas, as dificuldades escolares eram transmitidas entre gerações (Hayden et al., 2000). Os fatores associados a expulsões da escola primária (reproduzidos na Figura 1) foram inequivocamente corroborados por meu trabalho subseqüente. De fato, os trabalhos de acompanhamento desse grupo de famílias, realizados por um outro pesquisador (ver Parsons et al., 2001), mostraram que o fato de uma família ter estado envolvida com os serviços sociais, concomitantemente a uma expulsão por um período determinado, mesmo que esta tenha sido apenas de alguns dias, é sempre um importante prenúncio da continuação, e até mesmo da escalada, das dificuldades apresentadas nas escola e em outros ambientes. Em outras palavras, as crianças que se encontram em circunstâncias adversas ou estressantes em sua vida familiar e vêm tendo problemas na escola, saem-se pior que seus colegas cujas dificuldades sejam de 150 natureza unicamente escolar. Isso pode parecer óbvio, mas, mesmo assim, é uma questão agravante, que tem que ser compreendida para que as intervenções venham a se adequar ao problema. Figura I Circunstâncias das crianças expulsas da escola primária Criança • Sexo masculino • Necessidades educacionais especiais (geralmente emocionais e de comportamento) • Grandes para a idade (às vezes pequenas) • Novatas na escola • Poucos ou nenhum amigo • Dificuldades nas relações com os colegas • Baixa auto-estima • Negras (principalmente afro-caribenhas) ou mestiças • Testes (Escala de Avaliação de Comportamento) revelaram altos níveis de hiperatividade, distúrbios de conduta, agitação e comportamentos desorganizados Escola Família • Cortes orçamentários recentes ou iminentes • Problemas com pessoal (alta rotatividade, recrutamento, saúde física, qualidade, motivação)• Espaço físico insuficiente • Natureza das políticas de administração de comportamento e de disciplina e de sua implementação • A escola foi instruída pela Autoridade Local a matricular a criança • A escola está mal-informada ou desinformada sobre a natureza das necessidades e das circunstâncias da criança • Ruptura da família ou dificuldades nas relações • Intervenção dos Serviços Sociais ou a criança passou algum tempo sob os cuidados desses serviços • Envolvimento de outras agências não-oficiais • Sinais de violência ou de abuso na família • Incidente/acidente traumático na família imediata • A família reside em acomodação de aluguel (Fonte: Hayden, C., 1997) 151 No entanto, como aconselha Rutter (1996), temos que evitar confundir fatores de risco com mecanismos causais – ou seja, observar de que maneira os fatores de risco operam para provocar problemas de comportamento. Sabemos menos sobre os mecanismos de proteção, embora Rutter (1996) sugira que essa pesquisa deva incluir trabalhos que enfoquem as seguintes cinco áreas: • Redução do impacto do risco – por meio de supervisão e acompanhamento por parte dos pais, de um grupo de colegas positivo, de evitar envolver a criança nos conflitos entre os pais, e da capacidade da criança de se distanciar do genitor perturbado ou “doente”. • Redução das reações em cadeia negativas – por meio do manejo adequado dos conflitos familiares, do desenvolvimento de estratégias eficazes de resolução de problemas, da promoção de reações adaptativas às grandes mudanças ou dificuldades ocorridas na vida e de evitar táticas nocivas de lidar com os problemas (tais como o uso de drogas ilícitas e de álcool). • Promoção de auto-estima e auto-eficácia – por meio do desenvolvimento de relações pessoais seguras e incentivadoras, da promoção do desempenho bem sucedido de tarefas e responsabilidades e da capacidade de lidar com o stress manejável. • Abertura de oportunidades positivas – possibilitando oportunidades educacionais e, mais tarde, de carreira, ampliação das opções matrimoniais e adiamento do casamento, por meio de uma mudança de ambiente. • Processamento cognitivo positivo das experiências negativas – por meio da aceitação de uma experiência, ao invés de negá-la ou distorcê-la, enfocando qualquer aspecto positivo até mesmo dessa experiência e incorporação desse processo no esquema da própria persona (ou modo de pensar sobre questões específicas). 152 As necessidades subjacentes aos comportamentos associados à expulsão escolar As expulsões escolares já foram conceituadas das mais diversas maneiras. Elas já foram vistas como relacionadas à incapacidade dos professores de exercer disciplina eficaz, principalmente num contexto de falta de apoio familiar. Já foram vistas também como devidas às preocupações da escola com avaliações classificatórias, à sua má-vontade em trabalhar com alunos indisciplinados e que consomem tempo, e como uma forma de racismo institucional em relação aos alunos negros. Embora essas macroteorias possam ser úteis para a compreensão do “quadro mais amplo”, os comportamentos apresentados por algumas crianças e jovens são ignorados, ou recebem atenção insuficiente. Na Inglaterra, os comportamentos escolares agressivos e até mesmo violentos vêm sendo cada vez mais reconhecidos. Esse fato é às vezes associado (principalmente pelos sindicatos de professores) à tendência em direção a maior inclusão social. Existe uma espécie de hiato de realidade entre a retórica do governo e da maioria dos analistas acadêmicos da questão e os relatos de alguns profissionais de sala de aula. Embora o que os sindicatos de professores relatam sobre o comportamento das crianças tenha que ser reconhecido como uma fonte de informação específica, de tipo diferente das informações fornecidas por boa parte das pesquisas, o hiato entre essas duas fontes diferentes tem que, de alguma maneira, ser explicado. É também necessário examinar mais além dos dados relativos à vulnerabilidade de determinados grupos à exclusão e perguntar-nos o que os torna vulneráveis, e o que podemos fazer a respeito disso. Como já vimos no presente artigo, os dados indicam que grupos claramente identificáveis de crianças são especialmente vulneráveis às expulsões escolares. Esses grupos apresentam um desafio real – e não imaginário – ao sistema educacional, tal como ele é hoje organizado e financiado na Inglaterra. Trata-se de crianças que, por uma série de razões, necessitam, mais do que seus colegas, de maior apoio individual e em pequenos 153 grupos. Elas, geralmente, têm dificuldades com o currículo e possivelmente apresentam baixo desempenho, muitas vezes sofrem de problemas emocionais e comportamentais, seu comportamento freqüentemente é agressivo e costuma perturbar as atividades de aprendizagem dos demais. É possível que essas crianças pratiquem intimidação, e alguns dados de minhas próprias pesquisas sugerem que é mais comum que elas sejam o “intimidador” ou o “intimidador-vítima” que simplesmente a “vítima”. Essas crianças não se distribuem uniformemente entre as escolas e algumas dessas escolas – geralmente as de pouco prestígio e pouca procura – acabam sendo escolas receptoras, no caso de essas crianças virem a ser expulsas ou transferidas da escola de origem, visando a um “recomeço”. Sabemos muito sobre as características que tornam uma escola eficaz, e pesquisas recentes nos garantem que essas boas escolas também são boas no atendimento a alunos portadores de dificuldades emocionais e comportamentais (Daniels et al., 1999). Há também inúmeros “projetos especiais”, que afirmam ser capazes de dar apoio eficaz a alunos vulneráveis, embora os aplausos mais ruidosos muitas vezes venham dos líderes do projeto, e não das próprias escolas. As crianças e as famílias geralmente sentem-se gratas pelo auxílio recebido, mas não há provas sólidas de que esse auxílio acarrete mudanças duradouras. Por essa razão, eu afirmaria que, embora seja importante continuar a desenvolver melhores técnicas de administração de comportamentos e serviços de apoio para crianças e famílias em risco de expulsão, também é importante dar o reconhecimento devido às necessidades que podem estar sendo expressas no comportamento das crianças. Num certo sentido, essa é uma afirmação óbvia, porém ela muitas vezes é esquecida nos debates que podem se seguir, devido aos dados que mostram o quão vulneráveis muitas das crianças expulsas tendem a ser. Há toda uma série de necessidades que são expressas nos comportamentos que acabam por levar à expulsão. Irei examiná-los rapidamente a seguir. 154 Incompatibilidade O que algumas das crianças expulsas sentem, basicamente, é incompatibilidade em relação ao currículo e ao ensino, – ou talvez a uma escola específica. Elas não apresentam necessidades educacionais especiais identificáveis, embora algumas vezes sejam erroneamente vistas como portadoras dessas necessidades especiais. As que sofrem de incompatibilidade grave tendem a receber expulsões definitivas. Suas necessidades relacionam-se, antes de mais nada, aos valores éticos de escolas específicas, em certos casos à totalidade do processo de escolarização e, em outros, principalmente às restrições estabelecidas pelo currículo nacional. Necessidades educacionais especiais Muitas das crianças expulsas têm necessidades educacionais especiais, muitas vezes caracterizadas, basicamente, por dificuldades emocionais e comportamentais. Essas crianças nem sempre têm suas necessidades educacionais adequadamente atendidas numa sala de aula tradicional – ou por falta de compreensão ou de treinamento por parte dos professores e da equipe de apoio, às vezes por falta de boa-vontade, ou porque há insuficiência de recursos práticos para lidar com necessidades individuais (pessoal e espaço, principalmente). Trata-se, basicamente, de falta de treinamento adequado e de meios para lidar com as necessidades educacionais especiais, particularmente no que se refere às dificuldades emocionais e de comportamento, e principalmente, nas escolas tradicionais. Muitas vezes, o problema se resume a uma questão de recursos – ou seja, de haver ou não recursos suficientes, disponíveis durante a totalidade do horário escolar – principalmente nos intervalos e na hora do almoço, nas excursões escolares etc. Circunstâncias socioeconômicas A maioria das crianças expulsas da escola vêm de grupos de nível socioeconômico mais baixo, o que geralmente tem 155 implicações quanto às atitudes com relação à educação e ao aprendizado, a diferenças subculturais em termos de convenções de comportamento e também a certas desvantagens muito reais, de ordem material e cultural. Quando essa situação se alia a uma concentração de pessoas em condições similares, ela pode representar um desafio importante, tanto para o indivíduo, que não quer parecer um “puxa-saco” ou um “caxias”, quanto para os professores, que têm dificuldades de gerar e manter expectativas. Essa, provavelmente, é a área mais difícil da questão das populações “carentes”, tanto em termos do consenso a ser atingido quanto, conseqüentemente, em termos dos modos de intervenção. A autora é de opinião que é necessário contrabalançar de forma radical os efeitos da concentração espacial das situações de desvantagem, que muitas vezes ocorrem em torno das escolas. Um sistema verdadeiramente abrangente, que pusesse fim à comercialização do sistema educacional, seria de grande utilidade para a redução de problemas dessa natureza. Crianças sob os cuidados dos serviços sociais (ou crianças assistidas) As crianças sob os cuidados dos serviços sociais (ou assistidas) são desproporcionalmente representadas nas expulsões escolares, e a maioria delas provém de grupos de mais baixo nível socioeconômico. Além dessas dificuldades, é possível que essas crianças tenham sofrido maus-tratos, e é bem provável que tenham recebido cuidados insuficientes. É (quase) certo que elas tenham sofrido perturbações e mudanças de ambiente em sua vida escolar. Seu comportamento tende a estar relacionado a stress, incerteza e abuso. Necessitam do equivalente a pais interessados e compreensivos – talvez “pais institucionais” possam servir, caso estes sejam capazes de oferecer o compromisso de longo prazo que se pode esperar dos pais biológicos. Nem todas virão a passar por dificuldades escolares, mas muitas passarão. Elas terão necessidade de apoio suplementar, visando compensar aquilo que não tiveram, ou que foi difícil para elas, durante os distúrbios e 156 transtornos que tendem a caracterizar os períodos passados em instituições assistenciais. Estas últimas formas de desvantagem são um agravante das bem-documentadas desvantagens que, em muitos casos, tendem a acompanhar a pobreza relativa. Saúde mental Questões de saúde mental podem estar presentes em todos os problemas acima citados. Embora esse conceito cause desconforto a alguns educadores, reconhece-se que o problema da saúde mental pode ser uma das extremidades do continuum das dificuldades emocionais e comportamentais que fazem parte das necessidades educacionais especiais. Além do mais, muitas organizações tais como a Young Minds (Jovens Mentes) (1996) ressaltam que as questões de saúde mental são comuns a uma parcela significativa da população escolar (e também da população adulta), embora apenas 2% das crianças apresentem problemas graves. Doenças mentais graves são raras em crianças e bastante incomuns em adolescentes jovens. Sabe-se que os problemas de saúde mental afetam de forma desproporcional alguns grupos específicos (como crianças entregues aos cuidados dos serviços públicos de assistência). Comportamentos criminosos e delinqüentes Comportamentos criminosos e delinqüentes, da mesma forma que as questões de saúde mental, são conceitos que muitos educadores não gostam de aplicar com muita largueza ao comportamento das crianças expulsas das escolas. No entanto, aqui também aparecem questões que se sobrepõem aos fatores de risco conhecidos e com eles interagem. Sabemos que as crianças expulsas têm maiores probabilidades de virem a se envolver em práticas criminosas e delinqüentes que seus colegas que não sofreram expulsão. Sabemos também que os criminosos condenados e os infratores contumazes tendem a terem tido más experiências escolares, entre elas expulsões, não-comparecimento às aulas e baixo desempenho acadêmico. Alguns dos 157 comportamentos que levam às expulsões vão contra a lei e, na melhor das hipóteses, têm que ser vistos como anti-sociais. Crianças malcriadas e malcomportadas Algumas crianças expulsas são simplesmente “malcriadas” ou malcomportadas. Elas tendem mais a receber expulsões por períodos determinados, que geralmente se limitam a alguns dias. No caso dessas crianças, um sistema coerente de administração de comportamentos e um bom contato com os pais, caso uma expulsão venha a ocorrer, geralmente bastam para mantê-las na escola. CONCLUSÕES: O QUÃO BEM-EQUIPADAS ESTÃO AS ESCOLAS PARA RESPONDER ÀS NECESSIDADES ASSOCIADAS ÀS EXPULSÕES? É certo que tanto o público em geral quanto os políticos gostariam que as escolas fossem capazes de responder de forma construtiva às necessidades associadas às expulsões. Também há poucas dúvidas quanto a que as expulsões escolares sejam um indicador de que essas crianças muitas vezes se encontram em situações de risco, e também que a solução de expulsá-las da escola só faz exacerbar esses riscos. Partindo desses pontos estabelecidos, a formulação de maneiras adequadas de lidar com as crianças expulsas da escola – e das que correm o risco de vir a sê-lo – é uma maneira capital de reduzir os riscos de resultados adversos para essas crianças. Como já afirmou Parsons (1999), é óbvio que as crianças expulsas necessitam de mais, e não de menos educação. Há sinais de que algumas melhorias vêm ocorrendo, em termos de ofertas que reconhecem que o currículo e, aliás, todo o ambiente escolar (com os jovens nos anos finais da escolaridade obrigatória) são parte do problema. Muitas crianças e jovens podem ser “liberados” do currículo nacional, e existe todo um espectro de programas baseados em ensino técnico e profissional, em experiência de trabalho etc. Aliás, essas ofertas não são 158 muito diferentes das que existiam antes de o currículo nacional ser imposto, na Inglaterra. Há um código de prática que ajuda na detecção e no planejamento das Necessidades Educacionais Especiais, mas o treinamento e os recursos para atender a essas necessidades, no nível das escolas, geralmente é visto como inadequado, principalmente em relação às crianças que precisam de auxílio com relação a seu comportamento. Quanto às outras necessidades identificadas acima, a oferta é fragmentária, no nível das escolas. Na Inglaterra, não existe um sistema nacional que forneça às escolas conselheiros escolares, psicólogos, assistentes sociais ou pessoas que trabalhem com jovens. Ao contrário, o que existe são inúmeros projetos especiais de curto prazo, e escolas específicas que vêm enfocando um ou dois aspectos do espectro das necessidades identificadas. São raras as épocas em que a questão do comportamento das crianças e dos jovens na escola, em casa e na comunidade não despertem alguma preocupação nos adultos. As preocupações com a criminalidade de menores e as opiniões sobre a aparente falta de respeito pela autoridade demonstrada por crianças e jovens são parte desse fenômeno. Nossas atitudes, como sociedade, muitas vezes são ambivalentes, oscilando canhestramente entre o desejo de cuidar e o desejo de controlar – quando precisamos fazer ambas as coisas. Do mesmo modo, no que tange às expulsões escolares, tema esse que abrange boa parte desses debates, hesitamos quanto ao reconhecimento de que as crianças expulsas geralmente precisam tanto de compaixão quanto de disciplina firme. Muitas vezes, elas precisam de mais cuidados especializados e individualizados do que a maioria das escolas têm a oferecer. As escolas secundárias, na Inglaterra, já possuem sistemas pastorais. A maioria dos professores está disposta a atuar como tutores, e não apenas como professores de sala de aula, e alguns professores aceitam a função de orientadores de séries inteiras (ou coisa que equivalha). Os professores secundários que assumem maiores responsabilidades pastorais são ligeiramente aliviados de sua carga de aulas, para que possam desempenhar sua 159 nova função. Os professores de escola primária, por outro lado, têm que incorporar essas novas funções a seu contato de tempo integral com uma turma de alunos. As autoridades educacionais locais fornecem serviços de apoio às escolas, entre eles, psicólogos da educação, assistentes sociais educacionais, pessoas especializadas no trabalho com jovens etc. No entanto, todos esses serviços são severamente racionados, não sendo prontamente acessíveis na própria escola. Além disso, no decorrer da década de 90, ocorreram diversas iniciativas de apoio comportamental financiadas pelo governo – mas estas geralmente se reduziam a solicitações de verbas para questões de administração de comportamentos e, no mais das vezes, se restringiam a um período específico e a determinadas localidades. Algumas escolas se tornaram famosas pela abertura de seus valores éticos e por seu enfoque centrado na criança. Em outras palavras, já existe, dentro dos sistemas escolares atuais, uma estrutura voltada para tratar de algumas (embora não de todas) necessidades manifestas presentes nos casos de alunos expulsos. No entanto, o apoio amplo à vasta gama de comportamentos que são difíceis para as escolas ocorre de forma pontual e é visto como colateral à tarefa central do ensino. Nas escolas inglesas, a ênfase geral (determinada com clareza pelo governo) recai no “ensino do currículo nacional”, nos padrões acadêmicos, nas tabelas classificatórias, na determinação de metas e na competição relativa a esse desempenho mensurável. O desenvolvimento social e emocional das crianças não é um tema importante na agenda estabelecida pelos políticos para as escolas. Não possuímos um sistema nacional de apoio aos comportamentos escolares que de fato reconheça que, no caso de algumas crianças, a escola talvez seja o único lugar onde elas podem se expressar de forma segura. É de grande urgência que esse fato seja reconhecido na Inglaterra, que as escolas sejam providas de recursos suficientes, e que os professores sejam treinados, apoiados e remunerados de forma condigna. 160 REFERÊNCIAS ASHFORD, P. 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Espero que a grande presença de pesquisadores de vários países hoje, na UNESCO, demonstre a falsidade dessa afirmação. O comentário de Lùndstrôm ressalta a dificuldade que os pesquisadores têm de localizar seus progressos numa área que é alvo de ampla cobertura da mídia. Quando tratamos de assuntos desse tipo, ocorre uma falsa continuidade entre as categorias do pensamento popular e as categorias das ciências sociais. Frente à confusão semântica do discurso não-iniciado sobre a violência escolar, será que as ciências sociais oferecem um enfoque realmente pertinente quanto a essas categorias e fenômenos? As categorias de ambos os lados tendem a se confundir, em vez de se manter distintas, e é comum que a terminologia da primeira seja trazida para o campo desta última, devido à saturação da mídia (Milburn, 2000). A mídia globaliza e reúne fenômenos fragmentados, transformando em notícias fatos relativamente raros, causando assim, em meio ao público, uma ansiedade que não pode deixar de afetar as políticas públicas, conforme veremos. Como freqüentemente nos lembra Debarbieux, a França está longe de bater recordes no campo da violência escolar e, embora a situação venha apresentando tendência a piorar, em termos dos indicadores relativos a delitos, à atmosfera escolar e 165 à sensação de insegurança, não é preciso dizer que situações de violência não são exatamente comuns na maioria das escolas. Não significa que as escolas problemáticas não devam ser levadas a sério, especialmente num país tão apaixonado pela igualdade. Mas, em algum ponto entre a atitude minimalista e a fantasia de insegurança, há espaço para a razão; e não podemos deixar de nos perguntar por que o fenômeno da violência escolar é causa de tanto debate, se, objetivamente falando, os índices de violência nas escolas são baixos. Qual o sentido desse debate? O que está por trás dele? Angelina Peralva, a socióloga, escreveu recentemente, num trabalho conjunto chamado “Faut-il s’accommoder de la violence?”, que “hoje, na França, a violência realmente problemática é sobretudo a violência dos filhos de imigrantes, que, nos últimos vinte anos, vem envenenando a vida dos subúrbios de classe trabalhadora. É essa a forma de violência que perturba a opinião pública e que tem proeminência nos debates públicos”. Por outro lado, depois do incidente de Columbine em Littleton, um subúrbio de Boulder, Colorado, onde dois adolescentes mataram mais de uma dúzia de colegas com uma arma automática, antes de cometer suicídio, muitos observadores comentaram que, se esses adolescentes viessem de um grupo racial minoritário, não se teria falado no assunto por mais de dois dias. O enfoque comparativo é interessante por contextualizar as situações de acordo com os valores, as normas, as histórias e as instituições específicas de cada um dos países em questão. Se tomei a decisão de me debruçar sobre o contexto americano da violência escolar, é porque certas escolas americanas estão longe de serem lugares pacíficos (apesar de que, na maioria delas – 82.000 escolas, no total – os alunos, ao longo dos anos escolares da infância e da adolescência, desfrutam de um período de tranqüilidade, aproveitam bem suas atividades e têm sucesso em seus estudos). Mas minha decisão deve-se também a que, apesar de um contexto muito diversificado de cisões raciais e de uma cultura que glorifica a violência, os Estados Unidos, 166 nos últimos oito anos, conseguiram reduzir de forma espetacular os níveis de violência e delinqüência nas cidades, apresentando uma redução de 51% na taxa de menores envolvidos em delitos violentos (Urban Institute, 2000). Mesmo nos guetos, voltou-se a ter um certo grau de paz e tranqüilidade. Não é tanto a redução em si que nos interessa, e sim o fato de que os Estados Unidos, que os franceses, de acordo com A. Kaspi, “não conhecem, não entendem, nem gostam”, têm a vantagem do pragmatismo, da experimentação e da avaliação seguida de efeitos. Em todos os cinqüenta estados, encontramos escolas que introduziram inovações espetaculares, que podem até ser arriscadas, mas que são voltadas à prevenção da violência, mesmo que tenham sido rejeitadas em outros lugares – a cultura e as escolhas das populações a que servem essas instituições ainda são um fator de grande influência. Esse país nos interessa também não porque ele represente uma prefiguração de nosso futuro, mas em razão de seus excessos e de sua ousadia em testar idéias que, seja por falta de espírito aventureiro, seja porque os procedimentos são trabalhosos e difíceis, as administrações francesas não se dão ao trabalho de implementar. Enquanto, na França, temos um serviço público que obedece a seus próprios regulamentos, os americanos têm “programas”; e essas são situações muito diferentes. Devemos nos perguntar o que acontece em outros países – e é esse o objetivo deste encontro – não para buscar receitas ou para reproduzir práticas, mas para buscar alimento para o pensamento e para enriquecer nossas próprias questões. A comparação não deve ser abstrata; ela deve se alimentar empiricamente daquilo que acontece na área, para que possamos determinar qual a experiência que se tem dos problemas, quais são os fatos sobre a violência, os efeitos dos lugares e dos estabelecimentos e os elos mais fracos de cada sistema, e para que possamos também tentar entender qual a melhor forma de enfrentarmos esses desafios. Antes de examinarmos essas respostas, agrupadas sob o termo “governo local”, devemos especificar do que estamos falando. 167 VIOLÊNCIA ESCOLAR: UMA DIFERENÇA DE NATUREZA E DE ESCALA Do que estamos falando? Conforme já ressaltamos, a primeira dificuldade está ligada à grande diversidade de sentidos do termo “violência escolar”. Cada disciplina que trata do tema tende a limitar seu uso. A própria construção do objeto já é uma grande parte do trabalho científico e contribui para a definição da questão. Para alguns existe uma continuidade, que vai desde os pequenos delitos, que destroem a atmosfera na sala de aula, aos assassinatos em massa perpetrados por adolescentes em áreas rurais isoladas. A resposta, portanto, deve ser tolerância zero desde o primeiro pequeno delito, para que o assassinato em massa não venha jamais a ocorrer. Para outros, cada caso deve ser interpretado separadamente, e o relativismo é a regra. Entra em cena uma grande diversidade de reações, tanto civis quanto penais. Alguns exigem uma enumeração física dos atos de violência, para que possamos executar levantamentos longitudinais e estudar a evolução do fenômeno, enquanto outros se apegam à própria fenomenologia e àquilo que faz sentido para as vítimas. Os pesquisadores precisam examinar cada ângulo, considerar os aspectos subjetivos e objetivos das situações em questão, considerar a interação entre aqueles que se comportam de forma anti-social e aqueles que sofrem as conseqüências; precisam levar em conta as exigências normativas da sociedade e passar da substância do ato violento ao relativismo imposto por uma leitura diacrônica do fenômeno. Será que a violência escolar contemporânea provém do limiar muito baixo de tolerância que temos agora, em comparação com épocas passadas ou com outros países específicos? Tomemos como ponto de partida uma definição funcional minimalista: a violência não é tanto um conceito quanto um conjunto de situações interligadas, mas assumindo formas que não podem ser comparadas entre si. Essas situações estão relacionadas a comportamentos que têm como finalidade causar mal a 168 outros – a seu corpo, a seu território, a seu ego afetivo. O que faz dela um fenômeno tão intolerável é que ela nega a aspiração individual e coletiva à inviolabilidade, à integridade, à proteção, ao respeito e à justiça. Quando unido à palavra escola, o termo violência indica uma grave falha por parte da instituição e de seus planos futuros. O medo da violência física direta provém da atenção dada pela mídia a toda uma série de situações tidas como insuportáveis, bem como a qualquer tipo de comportamento anômalo, muitas vezes aglutinados sob o termo genérico “incivilidade”. Esses dois termos parecem ser intercambiáveis na semiótica da mídia (Milburn, 2000). Mas a violência tem uma dimensão qualitativa, no dano causado por ela à integridade social, enquanto a incivilidade enfatiza o aspecto quantitativo, por meio da difusão invisível das várias transgressões que permeiam os poros do corpo social. A incivilidade recebe como resposta uma política de controlar os espaços e a exigência de maior responsabilidade civil e de punições mais severas. Quanto ao termo “escola”, aqui há também mais de um sentido. Na França, os primeiros anos da escola secundária parecem ser o elo mais fraco, ao passo que, nos Estados Unidos, a ênfase é colocada sobre o fato de que as perturbações começam na escola primária. Em ambos os países, os crimes e delitos ocorridos na própria escola são relativamente limitados. De acordo com William Modzeleski, Diretor do Programa de Escolas Seguras e Sem Drogas, do Departamento Federal de Educação, a escola é um dos lugares onde as crianças se encontram em maior segurança. Das 5.000 mortes de menores causadas por armas a cada ano, menos de 1% ocorrem nas escolas (Congressional Quarterly, 1998). O Instituto de Políticas Judiciárias acrescenta que os alunos têm chances quarenta vezes maiores de serem mortos fora da escola que dentro dela e, na maioria das vezes, por adultos. Na França, a simples menção de crimes de sangue já seria motivo para preocupação. De fato, mesmo com as melhoras que vêm acontecendo há vários anos, a situação americana ainda é infinitamente mais séria que a da Europa. 169 Todos os dias, de acordo com o Fundo de Defesa das Crianças, instituição de grande legitimidade que coleta seus dados no Centro Nacional de Estatísticas de Saúde, três crianças morrem devido a maus-tratos e nove são assassinadas; 13 morrem de ferimentos provocados por armas e 30 são feridas; 202 são presas por tráfico ou porte de drogas; 1.200 jovens fogem de casa; 2.250 abandonam a escola; 2.300 são enviados para prisões de adultos; 5.300 são presos por delinqüência; 5.700 adolescentes são vítimas de delitos violentos; 100.000 não têm onde morar; 22% dos jovens de menos de 18 anos, ou, em outras palavras, 14 milhões de pessoas, vivem em estado de pobreza. Um fato alarmante: em 1997, 1,2 milhão de jovens viviam em casas onde existiam armas (em geral carregadas), enquanto quase um milhão deles carregava armas de fogo em suas mochilas escolares, de acordo com o grupo de estudos PRIDE (Congressional Quarterly, 1998). Um terço dos alunos americanos que responderam ao questionário disseram que seriam capazes de conseguir armas sem grande dificuldade. Isso se encaixa num contexto que propicia a cultura de culto às armas e as guerras entre gangues são estruturadas em termos de raça e etnia. Dados como esses nos fazem parar para refletir. Um outro sintoma é o abandono precoce do sistema escolar, que impõe graves limitações ao futuro dos jovens. Dos 40 milhões de estudantes americanos matriculados em 82.000 escolas primárias e secundárias, mais de dez milhões correm o risco de reprovação acadêmica, o que pode fazer com que eles abandonem a escola antes do tempo e pode levá-los à delinqüência (Dryfoos, 1998). Em algumas zonas centrais das grandes cidades, praticamente todas as crianças são consideradas como estando em situação de risco. É claro que nas escolas francesas o problema não tem a mesma escala. Mas os indicadores relacionados a oportunidades de delinqüência e de comportamentos delinqüentes em distritos menos privilegiados, bem como a “socialização rebelde”, que multiplica os efeitos da frustração, do desemprego e da discriminação, ajudam, sim, a compreender o comportamento dos ado170 lescentes (Lagrange, 2000). Mas quais seriam as soluções mais adequadas? Deveríamos tratar de cada problema separadamente – delinqüência juvenil, depressão, vício em drogas, gravidez na adolescência, comportamento violento? Ou seria melhor lidar com todo esse conjunto de problemas de forma preventiva, integrada e coordenada? E quem deve intervir? ABORDAGENS CONTRASTANTES A dificuldade vem da politização extrema gerada pelo tema da violência nas escolas e da violência da escola; politização essa que obstrui as soluções de longo prazo que, idealmente, deveriam ser desenvolvidas com calma e confiança. Independentemente do país, a questão da segurança nas escolas se converteu num assunto político. Ela faz com que protagonistas que ocupam as mais diversas posições no tabuleiro do xadrez político se comprometam com novas formas de governança e com reformas de tipos múltiplos. Nos Estados Unidos, as instituições federais, subnacionais e locais, os protagonistas privados e o setor civil são forçados pela competição a inovar e assumir riscos. É difícil construir um modelo à francesa, que retrate de forma precisa a experiência americana de controle da violência escolar. Há uma grande disparidade entre os estados e distritos escolares, que são financiados de forma muito desigual (apenas 7% desses fundos vêm do governo federal). Portanto, a generalização é impossível. É melhor interpretar as mudanças como se elas houvessem sido tiradas de uma caixa de ferramentas gigante, e considerar que, no que se refere ao pensamento europeu, elas provocam tanto incentivo quanto rejeição. São as modalidades de governança escolar, que, sem dúvida, representam a maior divergência entre os diferentes enfoques. O termo governança escolar, em sua acepção americana, implica uma necessidade de cooperação entre os setores público, privado e associativo, sendo que os dois últimos tipos detêm os recursos essenciais para a efetivação das decisões. 171 A governança escolar, portanto, deve ser entendida como a capacidade decisória produzida por um conjunto de protagonistas públicos e privados, na tentativa de atingir objetivos coletivos ou desejos e expectativas individuais, num universo fragmentado, complexo e incerto. Essa dinâmica tem origem no bairro. Na melhor das hipóteses, os pais e os habitantes se utilizam de seus recursos, de suas estratégias e do poder adquirido por eles para, por um lado, forçar seus representantes políticos e seus governos a lhes fornecer a escola de qualidade de que seus filhos precisam, e, por outro lado, para levar suas queixas às instâncias regionais ou nacionais. As leis que tratam das famílias, da educação, da saúde pública, da luta contra a delinqüência e da segurança, têm, todas elas, repercussões na qualidade da vida cotidiana do bairro. Os beneficiários dessas leis não se mantêm passivos. Ao contrário dos franceses, os cidadãos americanos se sentem no dever de garantir que as instituições locais funcionem bem. As escolas, as empresas, as associações, as estruturas religiosas, as clínicas, as universidades e todas as outras instituições territoriais são obrigadas a cooperar e a se confrontar com os problemas identificados pelos alunos em áreas sensíveis. O enfoque das zonas de capacitação formalizou essa atitude. O governo Clinton tomou a decisão de salvar de uma morte lenta seis grandes áreas urbanas. Para cada dólar oferecido pelo governo federal, o bairro em questão teria de conseguir seis ou sete. Os habitantes tinham que apresentar propostas concretas e, a partir delas, desenvolver um plano de grande escala, inter-relacionando os problemas de forma pragmática, transversal e global, e propondo parcerias elaboradas a partir de iniciativas na área, incluindo a escola. Associações, bancos, voluntários e profissionais se mobilizaram, e as zonas foram transformadas, embora de forma menos espetacular do que se havia imaginado. Deve-se enfatizar que nem todos os professores americanos se convenceram da validade da mobilização dos pais. Alguns eram de opinião que os 172 pais não tinham o direito de exercer influência alguma nas escolas, e nesses casos foram adotados procedimentos para afastá-los deliberadamente, e para mantê-los desinformados sobre a vida escolar (Maeroff, 1982). Era fácil, por exemplo, marcar reuniões de pais e professores no meio do dia, publicar boletins informativos incompreensíveis etc. No entanto, apenas a minoria dos professores tomava atitudes desse tipo, já que, cada vez mais, a escola percebia que não podia lidar sozinha com tarefas tão complexas. EXPERIÊNCIAS MUITO DIFERENTES Gerenciamento intenso do espaço e do corpo dos estudantes Muitos franceses costumam ver a reação americana à violência nas escolas como um caso de tolerância zero e prevenção situacional (câmeras, detectores de metal). Um certo número de notícias isoladas, bem como a percepção de que o tráfico de armas e drogas é lugar-comum, fizeram surgir, em meio às famílias, uma tal sensação de pânico moral e tantas reivindicações de aumento da segurança nas escolas informadas às autoridades escolares e aos líderes políticos – sem falar nas exigências das companhias de seguros – que um gerenciamento paramilitar intensivo do espaço e do corpo dos alunos foi imposto às escolas localizadas nos bairros de alto risco (Body-Gendrot, 1998). Mas não pretendo gastar muito tempo examinando essa integração coercitiva, tão amplamente coberta pela mídia. De fato, “sempre tardia, muitas vezes desproporcional, sempre inadequada, a resposta do mundo adulto, encarnada na justiça, tem pouca credibilidade. Pode-se até ter a sensação de que essa resposta ajuda a incentivar as“carreiras delinqüentes” de vários jovens... Os efeitos subseqüentes da prisão e dos antecedentes criminais representam rupturas definitivas, que levam a uma violência cada vez mais preocupante” 173 (Marcus, 1998). Esse gosto pela repressão é ainda mais paradoxal pelo fato de os Estados Unidos, já há algum tempo, virem acumulando um estoque de experiências que foram testadas em ambientes sociais menos privilegiados. Mas cada experiência deve ser tomada em seu devido contexto. Programas de solução de conflitos e de arbitragem foram introduzidos em milhares de escolas primárias e secundárias. No entanto, a avaliação dessas técnicas dá margem a dúvidas. Não temos certeza de que as atitudes e opiniões possam ser fundamentalmente mudadas, o que talvez se deva a um grau insuficiente de compromisso por parte dos responsáveis, ou ao fato de os programas serem implementados tarde demais. Creio que o problema resida, acima de tudo, na aplicação estrita de uma técnica, em vez do uso de recursos combinados, como valorização do sucesso acadêmico, tutoria, atividades extracurriculares e intervenção precoce (Webster, 1993). E, no entanto, essas técnicas de arbitragem continuam sendo muito populares (De Long, 1994). O treinamento dura um ano e consiste em explicar que existem formas de evitar a violência e que é possível intervir rapidamente antes que um conflito entre em escalada. Essa técnica implica uma escuta atenta, expressão da experiência da vítima e do agressor, troca de pontos de vista e desenvolvimento de técnicas de cooperação e negociação. A cada semana, os professores dedicam “uma hora do tempo em sala de aula” às questões que fazem parte do programa e incentivam a discussão de situações específicas, para que os alunos sejam capazes de manter a calma mais tarde, quando surgirem as tensões e os conflitos. Os educadores dispõem de um ponto de atendimento para receber e ouvir alunos perturbados, enviados por amigos ou professores. Outras técnicas consistem em conferir responsabilidade a alunos voluntários e fazer com que eles deliberem conjuntamente em estruturas formais, um pouco semelhantes a tribunais, sobre conflitos ou delitos específicos, uma vez que a maioria dos alunos prefere ser julgada por seus colegas a sê-lo por uma instituição, quando o problema não é de natureza penal. 174 Um enfoque menos conhecido: a escola multisserviços Para combater a violência nas escolas, a idéia bastante revolucionária da escola multiserviços consiste em agir de forma preventiva e multidimensional em relação aos problemas que tendem a levar à violência futura, fazendo com que a escola se torne o elemento coordenador de todas as parcerias. A idéia se baseia na seguinte observação: em bairros menos privilegiados, a escola é uma instituição familiar dotada de visibilidade para as famílias desorientadas. Ela deve agir como um substituto para os pais que fracassam no desempenho de seu papel e deve ajudar as crianças que sofrem de deficiências, quando estas chegam a suas portas. Essas crianças precisam de educação, mas também de serem alimentadas, tratadas, trazidas para fora de si mesmas; elas precisam de ajuda para construir seu futuro. Os professores não têm como obter bons resultados de alunos com fome ou com distúrbios psicológicos. A escola não pode ignorar esses problemas vivos e tem o dever de se preparar tecnicamente para lidar com eles, embora não possa resolvê-los sozinha. Apesar da dificuldade de atingir um consenso quanto às soluções aceitáveis para problemas sociais complexos, por que não reunir serviços e profissionais dispersos e fragmentados, e integrá-los à escola? Nós sabemos que o fenômeno da violência é multi-dimensional. Então, se forem oferecidos, dentro da escola, os serviços de auxílio social, jurídico e econômico de que as famílias precisam, bem como serviços médicos, tanto de clínica geral quanto de tratamento especializado de disfunções patológicas, tudo isso combinado com formas de acesso aos departamentos de polícia e de justiça, essa sinergia só irá contribuir para a melhora de vários problemas que têm repercussões na escola. Reprovações acadêmicas, maustratos, delinqüência, abuso de drogas e depressão, todos esses problemas repercutem no comportamento dentro da escola. Muitas vezes, esses problemas têm a mesma raiz. Os esforços para ajudar os alunos em situação de risco devem ser individuais, coletivos e multidimensionais, tudo isso ao mesmo tempo. Esses esforços devem começar desde cedo, assim que os sintomas 175 aparecerem, o que exige que os funcionários cooperem com a família, que tenham um treinamento sólido, que saibam identificar claramente a natureza dos problemas a serem resolvidos, que estejam convencidos da validade do enfoque de parcerias e que estejam dispostos a coordenar suas ações com as de outros funcionários, utilizando-se de bons métodos de comunicação e de avaliação daquilo que tem sucesso. O ideal seria que pessoas motivadas fossem estimuladas a assumir riscos, usando soluções novas para lidar com velhos problemas. O trabalho em redes pode trazer resultados inspiradores. Quando os educadores trabalham dentro da escola, juntamente com os professores e, se necessário, vão até a casa dos pais para informá-los sobre os serviços de seu interesse, os alunos que passam por dificuldades tendem a buscar a ajuda de seus professores, colegas, conselheiros e médicos especializados. Sob essa luz, a escola se torna um agente de inovação social, implementando ações destinadas a transformar a qualidade de vida. O tema da integração de enfoques tem repercussões nos diálogos mantidos nos diversos níveis, locais, nacionais e internacionais. É claro que essa integração se contrapõe aos interesses estabelecidos (Crawford, 2000), à desconfiança e aos rituais de verificação, além de se deparar com várias dificuldades de ordem prática. Nos Estados Unidos, em termos históricos, dois períodos foram propícios à idéia da integração de serviços: a era do New Deal e os anos 60. Durante a depressão, foi aberto muito espaço à idéia progressista de uma escola aberta ao bairro, que incluísse tanto o acesso à transmissão do conhecimento quanto aos serviços destinados a atender às necessidades das famílias. O uso físico da escola, durante o ano inteiro, para o estímulo intelectual e para atividades tais como atendimento, consultoria, assistência jurídica e vários outros tipos de apoio permitiram que os voluntários do bairro cooperassem com os profissionais. Em 1935, nada menos que 50 escolas “iluminadas”, numa única cidade (Flint, Michigan) faziam parte desse movimento local. 176 Os anos 60 foram marcados pelo intervencionismo federal, que pretendia ajudar os habitantes a resolverem seus próprios problemas, com o argumento de que eles eram as pessoas melhor posicionadas para saber como lidar com essas situações. O governo federal destinou verbas para o incentivo às iniciativas integradas e à participação. Leis federais tratando das escolas primárias e secundárias, pela primeira vez, ofereceram subsídios para as escolas de bairros carentes; na maior parte das vezes, esses subsídios eram utilizados para a contratação de médicos e enfermeiras escolares. Esses programas perderam parte de sua eficácia no fim daquela década, quando muitos alunos problemáticos, seduzidos pela contracultura, abandonaram a escola para adotar a cultura das ruas, hostil aos valores tradicionais, o que tornou mais difícil atingi-los. No momento atual, tenta-se corrigir essa situação intervindo antes que os alunos abandonem a escola e evitando situações de crise. Dois exemplos que estudei, em Manhattan, ilustram esse enfoque. O IS 218, em Manhattan, e a participação das famílias Localizada no bairro dominicano de Washington Heights, no norte de Manhattan, a escola secundária IS 218 é o resultado de uma parceria entre a agência municipal responsável pelas escolas estaduais e uma organização sem fins lucrativos chamada Sociedade de Auxílio às Crianças (CAS). Cientes da escala dos problemas sociais e de saúde existentes nesse distrito, essas duas estruturas tomaram a decisão de unir seus esforços: não apenas foi criado um centro social com uma clínica, mas esse centro foi localizado no andar térreo da escola, indicando simbolicamente que a escola estava aberta aos problemas do bairro, e que os habitantes deveriam se sentir em casa dentro da escola. Como Washington Heights é um distrito onde a pobreza e a delinqüência são problemas sérios, surgiu a idéia de abrir os prédios da escola à vizinhança, de forma que a escola se tornasse um lugar tanto para estudo quanto para a vida cotidiana, aberto a todos os habitantes da região, jovens ou velhos, cidadãos ou 177 não, sete dias por semana, inclusive feriados, das 7 da manhã às 10 da noite. Uma doação feita por uma fundação permitiu que os prédios fossem modernizados e que as medidas de segurança fossem fortalecidas: podia-se controlar melhor o acesso ao ginásio e ao auditório, instalou-se uma iluminação especial para atividades noturnas, e os policiais comunitários locais passaram a ser figuras familiares, a quem a escola poderia recorrer em caso de dificuldade. Em seguida, múltiplas portas foram abertas à comunidade dominicana, população que é maioria naquele distrito. A escola tomou a iniciativa de convidar as crianças do bairro para passar o verão em centros de atividades; uma ambulância era usada para o transporte daqueles que desejavam ser tratados na clínica da escola. Foi criado um programa de reabilitação concebido especialmente para crianças deficientes e, graças a subsídios federais destinados a determinadas escolas de bairros carentes, os habitantes dominicanos do bairro começaram a receber treinamento paraprofissional, o que lhes deu a oportunidade de participar ativamente de atividades extracurriculares: supervisão dos deveres de casa, apoio psicológico para alunos, cursos de esportes ou artes, outras formas de supervisão etc. Eles se convenceram de que são parte da solução. Oficinas coordenadas por mães experientes contribuíram para que as jovens se conscientizassem dos problemas de gravidez durante a adolescência. Inaugurada em 1992, a escola tem um forte apelo estético, com um grande mural de arte dominicana e canteiros de plantas espalhados por todo o prédio. O interior é ensolarado e imaculadamente limpo. Os móveis parecem novos, os livros estão em boas condições. Os alunos não passam o tempo nos corredores, que são vigiados pelos pais. Não há detectores de metais nas entradas, mas sim vigias, e há uma pequena loja e cafeteria, operada conjuntamente pelos alunos e pelos pais. As mães que atuam como auxiliares da escola podem ser vistas nos corredores e na secretaria, onde elas recebem os visitantes e os usuários do centro social. 178 A escola, que atende a 1.200 alunos, é dividida em quatro unidades, uma por andar, com a intenção de simplificar e humanizar a administração e de conhecer os alunos individualmente. Cada sala de aula é “administrada” por um professor, que tem também a função de orientador escolar. Os professores se reúnem com seus alunos várias vezes por semana para discutir seu futuro e seus problemas pessoais. O diretor é muito ativo, muito visível, e coopera de forma muito próxima com as equipes, que são bastante estáveis. Em especial, ele incentiva os pais a dar continuidade, em casa, às atividades iniciadas com seus filhos em sala de aula. Não é raro ver alunos que ficam na escola após as aulas, por puro prazer. A IS 218 é um lugar cheio de vida. Em minha penúltima visita, fui convidada a assistir a um ballet do tipo Alvin Ailey. O espetáculo fez tamanho sucesso que os jovens bailarinos da escola estão agora recebendo convites para se apresentar em outras escolas. Dessa forma, os alunos e as experiências inovadoras são valorizados. Buscando apoiar iniciativas que de fato funcionem, empresas se ofereceram para equipar duas salas de informática em cada andar, para que os alunos possam aprender tecnologia da informação em seu tempo livre. Inovação é o que não falta na escola. Em uma oficina de consertos, que funciona no subsolo, coordenada por um jovem mecânico, ele mesmo ex-aluno, estudantes voluntários aprendem a consertar bicicletas, e a maior parte delas é enviada para a África do Sul – país que eles próprios escolheram. O envio é subsidiado por um programa de auxílio ao Terceiro Mundo. Um outro exemplo: aos sábados, pais e alunos dominicanos ensinam espanhol aos funcionários públicos designados para o bairro, em especial aos policiais comunitários, que estão entre os alunos mais dedicados, ajudando assim a criar laços entre grupos que, a princípio, nutriam desconfiança mútua. Uma avaliação da escola, realizada pelo Departamento de Serviço Social da Universidade de Fordham, mostra que o 179 absenteísmo é praticamente desconhecido nessa escola, e que todos os serviços propostos são intensamente usados. Os alunos que responderam ao questionário disseram que se sentiam “respeitados”. Existe a questão do custo desse tipo de abordagem. O centro social, a clínica, os centros de auto-ajuda e as atividades extracurriculares custam 650.000 dólares por ano, pagos pela CAS, pelas Fundações e pelo Estado de Nova IorqueIorque. Metade dos alunos tem acesso a serviços de saúde gratuitos. O município paga pela manutenção, pelas medidas de segurança (os salários dos guardas) e pela apólice de seguros (que é cara, pelo fato de a escola ficar aberta até tarde). Os Centros Rheedlen e as Escolas Beacon Nos Estados Unidos, muitos pais que vivem em bairros carentes têm medo de mandar seus filhos à escola. A presença de gangues inimigas pode levar a conflitos sangrentos. A caminhada até a escola é cheia de perigos. Os bairros são povoados por famílias de pais solteiros, que vivem com medo e sem esperança. Os Centros Rheedlen foram fundados em 1970, em Nova IorqueIorque, como resposta ao problema dos jovens que abandonam a escola antes do tempo, e que muitas vezes acabam nas ruas. Convencidos de que as escolas públicas eram o lugar mais lógico a partir de onde atendam os problemas dos jovens e de suas famílias, os centros passaram a oferecer atividades acadêmicas, sociais e de lazer antes e depois das aulas. Graças a uma rede de educadores e de assistentes sociais, que trabalhavam em cooperação com as famílias para evitar a colocação de menores em instituições, foi possível ampliar sua área de atuação. Hoje, mais de 4.000 alunos e suas famílias, e mais 195 idosos, tomam parte em suas atividades, que têm a finalidade de evitar maus-tratos, absenteísmo, violência, uso de drogas e gravidez na adolescência. Cada uma dessas atividades recebe do município verbas de até 450.000 dólares anuais e emprega 75 pessoas em tempo integral e 167 em tempo parcial (Instituto Nacional de Justiça, 1996). 180 As 37 Escolas Beacon de Nova Iorque (inclusive cinco localizadas no Harlem) foram fundadas em 1991, por iniciativa do Prefeito D. Dinkins, quando a epidemia de crack atingiu seu ponto máximo, e representam uma das iniciativas mais inovadoras dos Centros Rheedlen, e a escola do Harlem é o melhor exemplo. Ela fica aberta 365 dias por ano, 14 horas por dia, a jovens entre cinco e 19 anos, contando inclusive com uma estrutura especial para oferecer auxílio a famílias em crise. O objetivo geral da Escola Beacon do Harlem é garantir a segurança dos jovens do distrito (para entrar na escola é necessário apresentar uma carteirinha), fortalecer os laços entre eles e seus pais, melhorar seus resultados escolares, iniciá-los nas novas tecnologias, dar-lhes um futuro e mantê-los afastados do mundo das drogas e do comportamento violento. A técnica consiste em trabalhar tanto com os jovens quanto com suas famílias. No Harlem, no número 242 da rua 144 Oeste, no Cullen Center da Escola Estadual 194, grupos de apoio aos pais, realizados todas as noites, tentam fornecer recursos para que os pais possam ajudar a si mesmos e a seus filhos, para que suas vida tenha sentido. Os pais encontram informação, trocam pontos de vista com outros pais e obtêm ajuda de profissionais. A idéia consiste em reconstruir famílias por meio da escola, num distrito devastado pelas drogas e pela violência.Lá, 64% dos habitantes vivem com menos de 8.000 dólares por ano, 33% dependem de auxílio público e apenas 45% trabalham. Em reuniões, que, em algumas noites, contam com a presença de 100 pessoas, fala-se sobre terapia, nutrição, a luta contra a depressão, métodos de contracepção, maus-tratos e capacitação para os pais. Isso faz com que os pais se tornem mais conscientes, ajudando-os assim a se tornarem pais melhores. Várias das mães são ex-viciadas em drogas, que admitem ter submetido seus filhos a maus-tratos, quando eram viciadas. Outros reclamam de racismo, e de que seus filhos são injustamente rotulados. O grupo tenta fazer com que eles recuperem a auto-estima e o orgulho por sua cultura, e ensiná181 los a se comunicar melhor com seus filhos. Oficinas paralelos buscam a prevenção da violência doméstica. Nos Estados Unidos, 1.200 crianças fogem de casa. O programa dos Narcóticos Anônimos ajuda adultos e jovens a se livrar de seu vício; não é raro ver centenas de pessoas nessas reuniões. Quem vai a essa escola depois das aulas da tarde, vê pais digitando seu currículo em computadores, ou tendo aulas de alfabetização, ou aprendendo técnicas para ajudá-los a encontrar emprego. Em outra parte do prédio, seus filhos fazem o dever de casa ou conversam com supervisores. Ao mesmo tempo, o centro oferece aos alunos vários tipos de atividades para depois das aulas, como teatro, esportes, atividades concretas em grupo, visando trazer melhorias ao bairro, mas também apoio psicológico, arbitragem, aconselhamento ou qualificação para obtenção de emprego, graças aos profissionais que lá permanecem à noite e durante o verão. Uma das atividades mais populares é a produção de vídeos produzidos pelos próprios alunos e professores, e integrada ao currículo. Em seu primeiro ano, a atividade ganhou quatro medalhas de bronze, uma de prata e uma de ouro na Conferência Nacional de Filmes e Vídeos Educacionais. Como o Harlem é um distrito particularmente violento, voluntários da escola são treinados para ajudar o bairro a se tornar um lugar mais seguro para as crianças e para as famílias. Eles são conhecidos como os Pacificadores, e são financiados pelo governo federal. Nos conjuntos habitacionais públicos, foi criado um canal de contato com os inquilinos. A maior parte dos 720 alunos da PS 196 vêm do Projeto Drew Hamilton. Cerca de uma centena deles está acomodada em quatro estruturas temporárias para desabrigados, próximas da escola. Os inquilinos de cada andar foram contatacdos, para saber quais deles gostariam de trabalhar em parceria com o centro para criar um ambiente com melhores condições de vida, e para servir de contato. Outras categorias sociais, como os idosos ou os desabrigados, também são estimulados a utilizar os serviços da escola e a se integrar na vida escolar. 182 Antes das eleições, o governo Clinton pretendia transformar o Centro Cullen do Harlem em modelo nacional. Geoffrey Canada, autor do livro Of Children and Weapons, é quem dirige o centro do Harlem. “Nós esquecíamos o papel dos pais na preparação de seus filhos para serem bons cidadãos”, comenta ele. “Se fortalecermos os pais, as funções assumidas pela escola melhoram”. As Escolas Beacon são avaliadas todo mês pelo Instituto de Desenvolvimento da Juventude. Cada escola fornece resultados semanais sobre os índices de presença em seus programas. O rendimento escolar, a evasão, o uso de drogas, o relacionamento entre adultos e jovens e a aparência geral do bairro também estão sujeitos a avaliação. Pode-se prosseguir indefinidamente nessa listagem de experiências locais, como a experiência de Flint, em Michigan, que conta com o apoio da Fundação Mott, ou a experiência das escolas mantidas por universidades, ou o Programa de Oportunidades Quantum, apoiado pela Fundação Ford e pelo Ministério do Emprego, ou a experiência das escolas CIS, que operam em 26 estados e atendem 120.000 alunos por ano. Vamos concluir com seu modo de divulgação. Se tivermos que nos ater apenas a uma única idéia, ela seria a seguinte: os americanos sabem comunicar aquilo que funciona. Eles o fazem de forma horizontal, de uma escola a outra, de um distrito a outro, de uma cidade a outra, graças a estruturas intermediárias que facilitam o conhecimento de boas práticas. A cada ano, fundações concedem prêmios às experiências bem sucedidas, ou decidem apoiá-las de forma contínua. As escolas e as associações recebem uma grande quantidade de manuais e vídeos, e as administrações voltadas para a juventude cooperam com as autoridades locais na divulgação das boas práticas. Depois de avaliar os programas, as organizações de pesquisa também divulgam suas publicações. Eu citei o Urban Institute, que analisou o Programa Criança em Risco, mas poderia também mencionar a Universidade de Brandheis ou o Programa Quantum. A informação vem também de baixo para cima, graças a profissionais que freqüentam reuniões sobre a prevenção 183 da violência e falam à mídia e aos meios políticos. Uma experiência bem sucedida pode ser divulgada por meio dos escalões federais, que se propõem a dar apoio financeiro a outras estruturas que se interessem pela experiência. Mas as experiências escolhidas não são necessariamente as melhores. O programa DARE, que tem como objetivo lidar com o problema das drogas e que recebeu quase um bilhão de dólares em subsídios federais, não parece ter provocado uma mudança fundamental, na prática. No entanto, ele continua a ser reproduzido em escala local, porque conta com a participação da polícia e, por essa razão, dá uma sensação de segurança aos políticos (Glass, 1997). Os enfoques verticais e setoriais vêm sendo questionados, como se por efeito de um esgotamento da capacidade de imaginação, enquanto novos parceiros se dedicam a reintepretar os padrões adotados. Começam a aparecer metamorfoses nas formas de pensamento, na legitimidade e na eficácia desses padrões. REFERÊNCIAS BODY-GENDROT, S. Les Villes face à l’insécurité: des banlieues françaises aux ghettos américains. 2.ed. Paris: Bayard, 1998. ________. Villes: la fin de la violence? Paris: Presses de Sciences Po, 2001. BUTTS, J. Youth crime drop. Washington, D.C.: Urban Institute, Justice Policy Center, Dec. 2000. CANADA, G. 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Começando com pesquisas realizadas na Escandinávia e, em seguida, no Japão, no Reino Unido e na Irlanda, esse estudo vem hoje tendo lugar na maioria dos países europeus, na Austrália e na Nova Zelândia, no Canadá e nos Estados Unidos (Smith et al., 1999). Na análise deste tema, começarei por definir o que queremos dizer por “intimidação”, passando então a resumir as constatações recentes sobre a natureza dessa intimidação, a discutir os resultados das intervenções de larga escala que tiveram como base as escolas e a levantar algumas questões que ainda se apresentam como problemáticas nos trabalhos de intervenção e que talvez venham a ser úteis para nossa prática futura. O QUE QUEREMOS DIZER POR “INTIMIDAÇÃO”? A intimidação geralmente é vista como um subconjunto dos comportamentos agressivos, sendo caracterizada por sua natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder (ver, por exemplo, Olweus, 1999, Figura 1.1). Esses comportamentos geralmente são vistos como repetitivos, ou seja, a mesma vítima é tomada como alvo inúmeras vezes. Além disso, por uma ou mais razões, a vítima não consegue se defender com facilidade. Ele ou ela pode estar em minoria, pode 187 ser de menor tamanho ou força física, ou apresentar menos flexibilidade psicológica que o autor ou os autores da intimidação. A definição “abuso de poder sistemático” (Smith e Sharp, 1994) também consegue captar bem essas duas características. Embora esses dois critérios (natureza repetitiva e desequilíbrio de poder) não sejam de aceitação universal, eles são hoje largamente empregados. De fato, a intimidação, por sua própria natureza, tende a ter características (como, por exemplo, o medo que a vítima tem de apresentar queixa) e resultados (tais como o desenvolvimento de baixa auto-estima e depressão na vítima) específicos. A condição relativamente indefesa da vítima, além disso, gera a obrigatoriedade da intervenção externa, caso se levem a sério os direitos democráticos da vítima. Em face das definições acima, a intimidação pode acontecer em muitos contextos – o local de trabalho, a casa da família, as forças armadas, as prisões etc. Aliás, temas como a intimidação no local de trabalho vêm despertando crescente interesse por parte dos pesquisadores. Também nas escolas, é possível pensar em termos de intimidação de professor-a-professor, de professor-a-aluno, de aluno-a-professor, tanto quanto de alunoa-aluno. No entanto, as pesquisas, até os dias de hoje, vêm-se concentrando principalmente na intimidação de aluno-a-aluno, e é desse tipo de intimidação que tratarei em meu capítulo. COMO FICAMOS SABENDO SOBRE A INTIMIDAÇÃO? A obtenção de dados sobre a intimidação nas escolas apresenta dificuldades óbvias. Mesmo assim, existem alguns métodos que podem ser usados. Os principais, dentre eles, são: - Queixas apresentadas por professores e pais; que são de valor limitado, uma vez que os professores e os pais geralmente desconhecem boa parte da intimidação que de fato ocorre. 188 - Depoimentos dos próprios alunos, de terem ou não praticado intimidação, ou participado de intimidação (em geral ao longo de um período determinado de tempo). Esses depoimentos são amplamente empregados em questionários anônimos, dentre eles o questionário Olweus (Olweus, 1993) e o questionário A Vida nas Escolas (Arora, 1994). - Nomeação pelos colegas, em resposta a perguntas sobre quem intimida e quem é vítima de intimidação. Este talvez seja o método mais confiável para o trabalho com base em sala de aula. Dois dos instrumentos usados são o de Rigby e Slee (1991) e a Escala dos Papéis dos Participantes, de Salmivalli (1996). - Observação direta dos comportamentos, no pátio de recreio, por exemplo. Pepler e Craig (1995), por exemplo, usam microfones de rádio e uma câmera de telefoto. Essas observações são de alta validade, embora sejam dispendiosas e exijam um grande investimento de tempo na sua realização e análise. - Entrevistas com indivíduos e com grupos de quatro a oito alunos (Owens, Shute e Slee, 2000) e registros de incidentes mantidos pelas escolas são outras maneiras de obter informações. TIPOS DE INTIMIDAÇÃO Embora exista uma série de tipologias de agressão e de intimidação, as principais delas são: - Físicas: bater, chutar, socar, tomar os objetos pessoais; - Verbais: implicar, insultar (incluindo as novas formas, como intimidação por e-mail e por telefone); - Exclusão social: “você não pode brincar conosco”; - Indiretas: espalhar boatos maldosos, dizer a alguém para não brincar com um colega. 189 OS PAPÉIS NA INTIMIDAÇÃO Os papéis tradicionais extraídos dos dados obtidos em questionários de nomeação pelos colegas são: intimidador, vítima, nãoparticipantes (nem intimidador nem vítima), além dos alunos intimidadores-vítimas (alunos que são tanto intimidadores quanto vítimas). Além disso, as vítimas muitas vezes são subdivididas em vítimas passivas e vítimas agressivas, dependendo de sua reação típica, esta última categoria podendo se sobrepor às vítimas provocadoras, ou intimidadores-vítimas. Salmivalli et al. (1996) refinaram ainda mais esse processo, descrevendo os seis papéis dos participantes na intimidação. Salmivalli descreve os intimidadores-líderes (os que tomam a iniciativa da intimidação), os intimidadores-seguidores (que se juntam ao líder), os reforçadores (que incentivam os intimidadores e riem das vítimas), os defensores (que defendem as vítimas), os circunstantes (que se mantêm à margem) e as próprias vítimas. Usados com relação a adolescentes finlandeses, esses papéis mostraram-se úteis também para caracterizar o que se passa entre crianças inglesas de sete a dez anos (Sutton e Smith, 1999). ALGUMAS CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DA INTIMIDAÇÃO Muito já foi descoberto sobre a natureza da intimidação, principalmente a partir dos levantamentos de larga escala que usam questionários de autodepoimentos anônimos. Muitas dessas conclusões se repetem em diferentes estudos e em diferentes culturas (Smith et al., 1999). Aqui, mencionarei apenas algumas dentre as principais. Diferenças quanto a idades características surgem a partir dos levantamentos de autodepoimentos: os autodepoimentos de ter sido vítima declinam dos oito aos 16 anos, o que já não acontece com os autodepoimentos de intimidar outros (Smith, Mad190 sen e Moody, 1999). Com a idade, ocorre também uma outra mudança: a intimidação deixa de ser física, passando a formas mais indiretas e relacionais (Björkvist, Lagerspetz e Kaukiainen, 1992). Diferenças típicas também são encontradas entre os sexos. Os meninos são mais numerosos na categoria dos intimidadores, ambos os sexos aparecendo em números eqüivalentes na categoria de vítima. Os meninos tanto praticam quanto sofrem mais intimidação física e, no caso das meninas, a intimidação ocorre de forma mais indireta e relacional. Uma das conclusões mais constantes, e que é de grande significado para o trabalho de intervenção, é que uma parcela substancial das crianças que se disseram vitimadas afirmaram nunca ter informado ninguém, nem professores nem familiares, a respeito da intimidação. Essa proporção dos que jamais falaram sobre o assunto cresce com a idade. Também, é menos comum que as vítimas de sexo masculino dêem queixa do que as de sexo feminino. Outras conclusões tratam das atitudes com relação à intimidação encontradas no grupo de colegas. Embora a maioria dos alunos afirme não gostar de intimidação, uma minoria significativa diz que seria capaz de se juntar a ela. O que talvez seja surpreendente é que essas atitudes “pró-intimidação” ou “antivítima” aumentam até as idades de 14-15 anos (após as quais elas passam a diminuir). Essas atitudes antivítima são mais marcantes nos meninos que nas meninas – e, principalmente nos meninos com relação a vítimas também de sexo masculino (Olweus e Endressen, 1988). AS CAUSAS DA INTIMIDAÇÃO Os comportamentos agressivos e as desigualdades de poder são comuns nos grupos humanos, inclusive nos grupos de colegas nas escolas, de modo que a intimidação pode ser tentadora. A extensão e a natureza da ocorrência de intimidação, contudo, 191 sofre a influência de diversos fatores. No nível mais amplo estão as variáveis sociais e comunitárias, tais como o nível de violência e de tolerância para com os comportamentos intimidadores na sociedade em geral e na comunidade local, e a maneira pela qual a intimidação é mostrada nos meios de comunicação de massa. As escolas, por sua vez, podem dar maiores ou menores oportunidades para a ocorrência de intimidação, em termos da natureza do ambiente escolar e do tipo de valores éticos que ali prevalecem, de haver ou não uma política escolar que de fato funcione e sanções contra a prática da intimidação, e de quais são as atitudes dos grandes grupos de colegas, na escola. Além disso, algumas crianças correm maiores riscos de virem a desempenhar o papel de vítima, ao passo que outras obtêm um prazer especial dos comportamentos intimidadores. Os fatores de risco individuais de vir a ser vitimado Verificou-se que o contexto do grupo de colegas é um prenúncio importante do risco de vir ou não a ser vítima. Hodges, Malone e Perry (1997) sugerem que os fatores de risco abrangem ter poucos amigos, principalmente amigos em quem se possa confiar e que não sejam de condição social inferior; e a rejeição sociométrica (não contar com a simpatia dos colegas). Um outro grupo de fatores de risco relaciona-se ao ambiente familiar. Por exemplo, há indícios de que algumas vítimas vêm de famílias superprotetoras ou excessivamente apegadas (Smith e Myron-Wilson, 1998). Talvez essas crianças não tenham desenvolvido, dentro da família, as capacidades de autoconfiança e de independência que lhes seriam úteis no grupo de colegas. Crianças portadoras de deficiências Ser portador de uma deficiência ou apresentar necessidades educacionais especiais é um outro fator de risco de vir a se tornar vítima. As crianças com necessidades especiais correm riscos de duas a três vezes superiores de virem a ser intimidadas, e também têm maiores probabilidades de vir a intimidar outras 192 crianças (Nabuzoka e Smith, 1993). Entre as possíveis razões para tal constam: - características particulares, que fazem delas um “alvo” óbvio; - em ambientes de crianças normais, essas crianças geralmente têm maiores dificuldades de integração social, e falta-lhes a proteção fornecida pelas amizade; As crianças que apresentam problemas de comportamento podem agir de forma agressiva, tornando-se assim “vítimas provocadoras”. Intimidação racista e homófoba As crianças podem sofrer caçoadas e xingamentos racistas, e já foi demonstrado que aquelas que não são de etnia branca sofrem mais xingamentos racistas (embora não necessariamente de outras formas de intimidação) que as crianças brancas da mesma idade e do mesmo gênero. Nas escolas secundárias, os jovens podem sofrer caçoadas devido a sua orientação sexual, podendo até mesmo ser agredidos ou ridicularizados por colegas ou professores, por essa razão (Rivers, 1995). Os fatores de risco individuais de vir a praticar intimidação Além dos fatores de temperamento (como ser facilmente irritável), os fatores familiares costumam ser citados como fatores de risco para as crianças que persistentemente praticam intimidação. O mais comum é que essas crianças venham de famílias às quais falta atmosfera de afeto, nas quais há muita violência e a disciplina é inconsistente. Pais que foram intimidadores em seus tempos de escola tendem a ter filhos que praticam intimidação (Farrington, 1993; Olweus, 1993). As crianças que são tanto intimidadoras quanto vítimas (vítimas agressivas) talvez venham de famílias particularmente perturbadas ou violentas (Schwartz, Dodge, Pettit e Bates, 1997). 193 OS EFEITOS DE SOFRER INTIMIDAÇÃO As vítimas de intimidação muitas vezes sofrem de ansiedade e depressão, baixa auto-estima e queixas físicas e psicossomáticas (Williams et al., 1996). Em casos extremos, elas podem vir a cometer suicídio (Kaltiala-Heino et al., 1999). Hawker e Boulton (2000), realizando uma meta-análise de uma série de estudos, concluíram que a vitimização estava fortemente associada à depressão, moderadamente associada à auto-estima social e global e menos associada à ansiedade. Na interpretação dessas conclusões, há questões de causa e efeito. Talvez a vitimização cause os efeitos negativos, ou pode ser também que o fato de ser deprimido e de ter pouca auto-estima ajude a tornar um aluno mais suscetível à intimidação. No entanto, estudos retrospectivos com adultos sugerem um possível impacto da vitimização na infância e indicam que alguns desses efeitos podem ser de longo prazo (Hugh-Jones e Smith, 1999). Além disso, estudos longitudinais sugerem que ambos os processos possam ser atuantes (Kochenderfer e Ladd, 1996). AS INTERVENÇÕES DE BASE ESCOLAR DE COMBATE À INTIMIDAÇÃO Embora parte das causas da intimidação residam na própria natureza humana, nas pressões socioeconômicas colocadas sobre as famílias e sobre a criação dos filhos e em aspectos culturais, que incluem atitudes com relação à violência e representações mostradas na mídia, as escolas – mesmo quando os alunos vêm de ambientes semelhantes – variam muito quanto à ocorrência da intimidação. Os fatores de natureza escolar parecem ser importantes. Por essa razão, e também por ser relativamente mais fácil trabalhar nas escolas do que tratar das questões mais amplas de ordem social e familiar, as intervenções de combate à intimidação por parte das escolas vêm-se constituindo numa maneira normativa de lidar com a intimidação. 194 Uma série de métodos de intervenção por parte das escolas já foram usados, alguns deles mostrados na tabela I. A discriminação dos tipos de esquemas de apoio por colegas, que, ultimamente vêm recebendo grande atenção (Cowie 2000) é mostrada na tabela II. Primeiramente, examinaremos três intervenções de larga escala utilizadas em diferentes países. Tabela I Tipos de intervenção de base escolar Tabela II Tipos de esquemas de apoio de colegas Intervenções de larga escala na Noruega A primeira campanha de base escolar de larga escala foi realizada, em nível nacional, na Noruega. Essa campanha foi lançada em 1983 e constou da realização de levantamento nas escolas, material e vídeos distribuídos entre professores, aconselhamento aos pais e publicidade na mídia. Temos informações sobre duas avaliações dos trabalhos de combate à intimidação na 195 Noruega, uma delas relativa a essa campanha nacional (Roland) e uma outra relativa à campanha nacional, suplementada por um programa de intervenção mais desenvolvido e de maior amplitude (Olweus). O relatório mais conhecido, e que não apenas influenciou, mas também transformou-se num marco para as intervenções futuras, foi o de Olweus (1993), que monitorou 43 escolas, em Bergen. Usando seu questionário de autodepoimento, e comparando grupos de faixas etárias equivalentes, ele verificou que, de 1983 a 1985, as práticas de intimidação auto-relatadas diminuíram em 59%, tanto para os meninos quanto para as meninas. Foram verificadas também reduções nos comportamentos antisociais. Não houve aumento dos depoimentos de intimidação fora da escola. Essa encorajadora conclusão teve ampla divulgação, e veio a inspirar boa parte dos trabalhos subseqüentes. Roland (1989) monitorou 37 escolas em Stavanger. Ele concluiu que, de 1983 a 1986, não houve declínio claro da vitimização, embora tenha havido uma discreta correlação dos resultados positivos com o uso dos materiais, pelas escolas. Qual seria a razão de tamanha diferença entre esses dois relatórios? Duas das possibilidades são a diferença dos períodos de tempo – o relatório de Stavanger foi realizado três anos após a campanha, e não dois – e a assistência prestada às escolas – no estudo de Bergen, a intervenção foi seguida de um maior grau de apoio, ao passo que, em Stavanger, os pesquisadores apenas retornaram após um intervalo de três anos para aplicar os questionários de avaliação. Trabalhos noruegueses mais recentes, dirigidos por Roland (2000), vêm sendo direcionados mais para a atmosfera em sala de aula, usando mais os próprios alunos, mas esses estudos não passaram ainda por avaliação. Intervenções de grande escala no Reino Unido O maior programa de intervenção, no Reino Unido, foi o projeto do DFE de Sheffield, realizado em 1991-1994 (Smith e 196 Sharp, 1994). A equipe trabalhou com 23 escolas, 16 primárias e sete secundárias, por quatro períodos de intervenção, entre 1991 e 1993. Cada equipe desenvolveu uma política total para a escola, escolhendo a partir de um leque de alternativas (ver tabela I). Foi verificada uma redução de cerca de 17% nos casos de vitimação nas escolas primárias e pequenas reduções (entre 3 a 5%) em cinco das sete escolas secundárias. Nas escolas secundárias, contudo, ocorreu um aumento substancial na disposição de informar a ocorrência de vitimização aos professores. Além disso, verificou-se também uma correlação positiva entre o total do esforço (na avaliação tanto da equipe de pesquisa quanto dos alunos) e os resultados obtidos. O Projeto de Flandres Os resultados de um outro programa de intervenção foram relatados por Stevens et al. (2000) na região belga de Flandres. A equipe trabalhou com 18 escolas, primárias e secundárias. Em grupos correspondentes de seis, essas escolas foram submetidas ou a Tratamento (política total para a escola, trabalho curricular, trabalho com os intimidadores) com Apoio (por parte da equipe de pesquisa); ou a Tratamento sem Apoio; ou a Controle (nenhum Tratamento, nenhum Apoio). A comparação entre Tratamento e Controle sugeriu um “padrão misto de mudanças nas escolas primárias e mudança zero nas escolas secundárias. Verificou-se também que o Apoio dado pela equipe de pesquisa, surpreendentemente, fez pouca diferença. Outras intervenções de larga escala tiveram lugar em Toronto, no Canadá (Pepler et al., 1993), e na Andaluzia, na Espanha (Ortega e Lera, 2000). Houve também duas réplicas bastante semelhantes do programa de Olweus, em Schleswig-Holstein, na Alemanha (Hanewinkel e Knaack, 1997) e na Carolina do Sul, nos Estados Unidos (Olweus e Limber, 1999). Uma intervenção em turmas de jardim de infância, em Berna, na Suíça, foi relatada por Alsaker e Valkanover (2001). Os resultados completos das avaliações de todas essas intervenções ainda não se encontram 197 totalmente disponíveis, mas, de modo geral, os resultados parecem ser muito variados (Smith e Ananiadou, no prelo). Em particular, as réplicas ocorridas em Schleswig-Holstein e na Carolina do Norte certamente não replicam o grau de sucesso dos resultados de Bergen. No exame do impacto dessas intervenções com base na escola, há uma série de questões a serem levadas em conta. Uma das questões mais importantes é determinar se essas intervenções são suficientes. Lidar com a pobreza e com a privação no nível das comunidades e incentivar um melhor funcionamento das famílias (por exemplo, por meio de apoio aos pais, aconselhamento e cursos de treinamento, ou através de meios legais, como proibir por lei os castigos corporais severos) talvez sejam medidas de importância vital, que terão que ser tomadas. Mesmo assim, há razões para crer que até mesmo as intervenções com base na escola, adotadas isoladamente, podem surtir algum efeito. Algumas das questões relativas à maximização do impacto e da eficácia das intervenções com base na escola são mencionadas abaixo. Sabemos lidar com a intimidação entre meninas? Meninos e meninas tendem tanto a empregar quanto a sofrer tipos diferentes de intimidação – a dos meninos é mais física, e a das meninas, mais indireta e relacional. Boulton (1997) verificou que os professores das escolas inglesas sabiam reconhecer as formas físicas e verbais de intimidação, mas menos da metade deles considerava a exclusão social como sendo intimidação. Eslea e Smith (1998), num acompanhamento de escolas primárias, no projeto de Sheffield, Reino Unido, verificaram uma maior redução na intimidação praticada por meninos do que na usada por meninas. É bem possível que a intimidação física, mais característica dos meninos, e a intimidação verbal, encontrada igualmente em ambos os sexos, seja bem reconhecida e tratada nos materiais dos programas de intervenção e das políticas de combate à intimidação, mas, talvez, as formas indiretas de intimidação, como a exclusão social, não sejam tão bem reconheci198 das e visadas. Se isso for verdade, é possível que o impacto de nossas intervenções não seja tão eficaz sobre a intimidação praticada por meninas (Owens et al., 2000). Sabemos lidar com os diferentes papéis nas relações intimidador-vítima? Os papéis descritos por Salmivalli nos levam a perguntar se, nos trabalhos de intervenção, não deveríamos fazer mais do que simplesmente pensar em termos de “intimidadores” e “vítimas”. Por exemplo, Sutton, Smith e Swettenham (1999) verificaram que alguns intimidadores, principalmente os líderes, são muito hábeis na manipulação social e nas “teorias da mente”, embora lhes falte empatia. Além disso, Kaukiainen et al. (1999) descobriram que a inteligência social está relacionada à agressão, em especial à agressão indireta. Quais as implicações desses estudos para os trabalhos de intervenção? No mínimo, que algumas formas de “treinamento de capacidades sociais” seriam inadequadas para os intimidadores (embora o treinamento em empatia talvez não o fosse). O que dizer dos Circunstantes? Da forma semelhante, o papel do Circunstante, e também o do Defensor, merecem mais atenção nos programas de intervenção. Como podemos mobilizar de modo mais positivo as atitudes e os comportamentos das crianças não-envolvidas, ou transformar Circunstantes em Defensores? Em muitas escolas, foram desenvolvidos programas de apoio entre colegas que, pelo menos em parte, têm objetivos dessa ordem (ver tabela II). Esses programas, entretanto, necessitam de muito mais avaliação do que eles receberam até o presente (Cowie, 2000; website do apoio de colegas). Um dos problemas é que é mais fácil recrutar meninas do que meninos para o trabalho de apoio a colegas. Além disso, o status social dos que trabalham no apoio a colegas talvez seja uma variável importante para que bons resultados sejam alcançados. No entanto, há indícios de que os esquemas de apoio 199 entre colegas sirvam como incentivo para que as vítimas de intimidação busquem apoio com maior freqüência, seja de um colega ou de um adulto (Naylor e Cowie, 1999). Será que começamos as intervenções cedo o suficiente? Os papéis tanto de Intimidador quanto de vítima parecem já ter-se tornado bastante estáveis, nos meados da infância. Nos anos de do ciclo inferior da escola secundária, esses papéis já são relativamente estáveis. Nos Estados Unidos, Egan, Monson e Perry (1998) examinaram os sinais prenunciadores de agressividade e vitimização numa amostra de crianças entre oito e 13 anos: os comportamentos agressivos verificados no outono prenunciavam comportamentos agressivos na primavera seguinte. Do mesmo modo, a vitimização ocorrida no outono anterior prenunciava vitimização na primavera seguinte. Hodges e Perry (1999) examinaram a continuidade da vitimização no decorrer dos anos intermediários da infância ao longo de um período de um ano, e informaram que a vitimização inicial respondia por 71% da variação verificada na vitimização, um ano mais tarde. Na Inglaterra, Boulton e Smith (1994) informaram que tanto os papéis de intimidador quanto os de vítima demonstravam grande estabilidade num grupo de crianças de oito a nove anos. Mas, e antes disso? Monks, Smith e Sweetenham (trabalho apresentado) verificaram que entre quatro e seis anos, a condição de intimidador já tem alguma estabilidade (nessa idade, o termo “agressivo” talvez seja mais adequado que “intimidador”), embora a condição de vítima não tenha ainda adquirido estabilidade. Kochender e Ladd (1996) também encontraram baixa estabilidade no papel de vítima nos jardins de infância americanos. Se isso vier a ser corroborado em estudos futuros, a sugestão é que, entre cinco e seis anos, e entre oito e nove anos, algumas crianças estão se estabilizando no papel de vítima, sendo talvez rotuladas como tal pelos colegas e dando início a um círculo vicioso de comportamento e reputação, do qual talvez seja cada 200 vez mais difícil escapar. Nesse caso, será que não deveríamos intervir mais cedo, com o objetivo de ajudar a evitar que alunos se transformem em “vítimas”? Quanto duram os efeitos? Será que alguns dos efeitos se mantêm após o término da intervenção? Pode haver a tentação de uma escola “lidar” com a intimidação, sentindo então que seu trabalho está feito. Mas todas as indicações e todo o conhecimento que temos sobre a questão sugerem que o trabalho de combate à intimidação, nas escolas, tem que ser um processo contínuo. As normas gerais da escola tem que ser revisada e renovada, talvez a cada ano. Eslea e Smith (1998), num acompanhamento de quatro escolas primárias, no projeto de Sheffield, Reino Unido, realizado um ano após o término da intervenção, verificaram que as reduções da intimidação permaneciam apenas nas escolas que mantiveram viva sua política. Que incentivos existem no sentido de mantê-las vivas? Será que a exigência legal de que as escolas combatam a intimidação, tal como hoje acontece na Suécia, na Inglaterra, na Finlândia e em Malta (Ananiadou e Smith, 2002) produz efeitos positivos nesse sentido? Em suma, a intimidação nas escolas é um problema que atinge a todos, e é hoje amplamente reconhecido como tal em muitos países. Ela afeta uma minoria significativa dos alunos, podendo ter efeitos negativos tanto imediatos quanto de longo prazo, principalmente nas vítimas, mas também sobre a atmosfera da escola como um todo. Há causas de diversos tipos para a intimidação e a vitimização, indo desde fatores sociais e comunitários, passando por fatores relativos à própria escola, até variáveis de natureza psicológica, relacionadas às diferenças individuais e ao funcionamento da família. As intervenções com base nas escolas podem ser úteis para lidar com os fatores individuais e escolares, mas não se pode esperar que elas venham a ter grande impacto sobre as variáveis sociais e comunitárias, por um lado, ou sobre as variáveis familiares, por outro. 201 As intervenções de base escolar de larga escala já foram avaliadas em diversos países, com êxito moderado – mas, ao que tudo indica, com maior êxito nas escolas primárias que nas secundárias. Ainda há muito a ser aprendido sobre como formular e implementar programas eficazes de intervenção. Em especial, talvez tenhamos que examinar maneiras de preservar a eficácia das intervenções, após o ímpeto imediato, ou o programa de pesquisa ter chegado ao fim; maneiras de lidar com a intimidação indireta, e não apenas com a direta; maneiras de lidar com os diferentes papéis presentes na intimidação e de mobilizar maiores grupos de colegas, para dar apoio às vítimas; e maneiras de intervir precocemente na vida escolar, para evitar que algumas crianças sejam rotuladas de vítimas. O combate eficaz à intimidação não vai ser fácil, mas ele é um objetivo que vale a pena perseguir, para a felicidade de nossas crianças e o bem-estar das comunidades escolares. REFERÊNCIAS ALSAKER, F. D.; VALKANOVER, S. Early diagnosis and prevention of victimization in kindergarten. In: JUVENEN, J; GRAHAM, S. (Ed.). Peer harassment in school: the plight of the vulnerable and the vitimised. New York: Guildford Press, 2001. p. 175-95. ANANIADOU, K.; SMITH, P. K. 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Os futuros assassinos haviam dado a esses colegas uma idéia do que pretendiam fazer, e chegaram até a dizer-lhes onde eles deveriam se postar para ter uma visão melhor do massacre. A mim, pessoalmente, essa informação me constrange, pois ela vem confirmar uma de minhas lembranças mais angustiantes, de quando meus alunos de pós-graduação, que trabalhavam como mentores em escolas secundárias de Nova Iorque, me relatavam que algum dos jovens com quem eles vinham trabalhando havia contado a eles que estava prestes a cometer – ou tentado a cometer – um crime grave. Um desses alunos de escola secundária, por exemplo, confidenciou que ele e seus amigos estavam planejando para o próximo fim-de-semana jogar do telhado um bloco em brasa na cabeça de um guarda de um conjunto habitacional público de quem eles não gostavam. Felizmente, os estudantes universitários conseguiram fazer com que o jovem pensasse melhor nas possíveis conseqüências, evitando assim o ato. Inicio minha apresentação com essa observação, porque ela ilustra tanto as vantagens quanto as desvantagens das atuais 207 metodologias de pesquisa sobre a violência escolar que hoje predominam nos Estados Unidos, e dos pressupostos políticos e socioculturais que as embasam. Proponho-me a criticar esses pressupostos hoje, aqui, com vocês, mas, ao fazê-lo, de modo algum pretendo condenar em bloco essa vertente de pesquisa – principalmente nos casos em que ela oferece percepções e conclusões que poderiam ser férteis para a formulação das políticas públicas, o que seria o caso do exemplo que acabo de citar. Eu, de início, gostaria também de me desculpar com esta platéia internacional, pelo fato de a maioria de meus comentários tratarem de pesquisas, práticas e políticas referentes exclusivamente aos Estados Unidos. Mas minhas intenções não são tão etnocêntricas quanto a princípio podem parecer. Embora, nos últimos anos, venham ocorrendo nos Estados Unidos avanços muito animadores em nossa compreensão da natureza e da gênese da violência entre os jovens – e, mais especificamente, da violência escolar – o objetivo de meus comentários será o de sugerir que os demais países devem ter muita cautela ao adotar algumas das abordagens de prevenção da violência hoje empregadas nos Estados Unidos. Já deve ter ficado claro, neste ponto, que vejo como profundamente falhas as pesquisas americanas mais ortodoxas no campo da violência escolar. Começarei passando em revista a sabedoria convencional. Não me refiro aqui à sabedoria convencional do “homem da rua”, mas aos pressupostos que embasam as pesquisas mais influentes, os relatórios financiados pelo governo e os centros de “prevenção da violência” de maior poder. O problema mais básico, creio eu, é que, tradicionalmente, os estudiosos da violência escolar começam sua pesquisa perguntando: “Por que razão os indivíduos se tornam violentos?” Espero poder demonstrar que essa pergunta é um equívoco. Esses estudos, quase que fatalmente, terminam sempre por nos assegurar que, apesar desses ataques recentes terem provocado grande ansiedade no público quanto à segurança das escolas, estas, em termos nacionais, continuam sendo “lugares relati208 vamente seguros”. Somos informados de que, se comparadas às casas de família e aos bairros, – principalmente os bairros altamente conturbados – as escolas registram um número inferior de homicídios e de ferimentos fatais. Poder-se-ia pensar – pelo menos até tempos muito recentes – que essa conclusão é bastante óbvia. Uma das principais características das pesquisas tradicionais é sua obviedade. Os estudos aos quais me refiro insistem na necessidade de aplicar “os mais altos padrões científicos” e “métodos de investigação rigorosos”. Eles, portanto, privilegiam estudos experimentais e, num nível ligeiramente mais alto de abstração, metaanálises que fornecem métodos estatísticos para a avaliação das conclusões de um grande número de estudos. Coleta de dados em larga escala, estudos sobre a população em geral usando amostragens probabilísticas e estudos longitudinais com base em questionários são abordagens exigidas, para que as pesquisas venham a ser aceitas pela “comunidade científica” em geral. As verificações anteriores, dizem eles, têm que ser replicadas, de modo a comprovar sua objetividade. A comunidade das ciências sociais parece querer imitar a das “ciências pesadas”, ou até mesmo superá-la em termos de seu enfoque positivista. Dessa perspectiva exclusiva, os estudos qualitativos isolados e os estudos de caso de uma única escola, a etnografia e todo o campo da antropologia educacional se tornam altamente suspeitos. Tudo isso, é claro, é totalmente compreensível. A platéia a que, em última análise, esses estudos são dirigidos é a comunidade das políticas públicas – as repartições públicas, os parlamentares, os legisladores e os advogados de todos os níveis, que estão sempre prontos a abater argumentos com argumentos contrários. Daí a necessidade de “rigor” nos estudos científicos, de refutação de pontos de vista contrários e de certeza científica. Em minha própria área, que é a antropologia, esse discurso teórico positivista, há mais de duas décadas, vem sendo contestado por perspectivas mais hermenêuticas, mais interpretativas, mais fenomenológicas, com raízes na filosofia da Europa continental. 209 Mas nenhuma notícia sobre esses avanços parece ter chegado aos ouvidos dos cientistas sociais que têm influência sobre as políticas públicas, quanto mais dos próprios formuladores de políticas. Os enfoques mais etnográficos são rotulados de meramente “ilustrativos” ou subjetivos, e são totalmente marginalizados (Clifford e Marcus, 1986). Esse tipo de ciências sociais positivistas e alimentadas por estatísticas gerou – nos Estados Unidos, pelo menos – um “grande consenso” na área da prevenção da violência. Minha sugestão é que examinemos os principais pontos desse consenso teórico, submetendo-os à crítica dos estudos de natureza mais interpretativa, da etnografia que emana das práticas cotidianas e da experiência de baixo para cima” dos pais, dos professores e dos próprios alunos. É óbvio que a questão específica da violência escolar deva ser examinada dentro do contexto mais amplo da violência adolescente que hoje vem ocorrendo nos Estados Unidos. Nesse contexto, qual a principal tese do “grande consenso”? Um estudo sobre homicídios nas escolas, realizado pelas principais agências do governo federal (Centro de Controle de Doenças, Departamento de Educação e Departamento de Justiça) nos fornece uma pista. Esse estudo identificou 68 assassinatos de estudantes, ocorridos nas escolas ou em suas proximidades, no decorrer de um período de dois anos (1992-1994). A conclusão a que se chegou foi que esses assassinatos representavam menos de 1% dos homicídios cometidos por jovens em geral, em todo o país, durante aquele mesmo período. Um estudo de acompanhamento veio a atualizar esses dados até junho de 1999, tendo identificado 177 assassinatos num período de cinco anos (a grande maioria deles com uso de armas de fogo), e continuando a insistir que os homicídios associados a escolas representavam ainda 1% do total dos homicídios cometidos por jovens. Desse modo, apesar dos muitos homicídios de vítimas múltiplas ocorridos nas escolas americanas em fins da década de 90, vimos sendo constantemente assegurados de que os homicídios e as agressões não210 fatais ocorridos nas escolas vêm apresentando declínio, e que os índices de criminalidade grave e violenta são mais baixos nas escolas que fora delas. Qual o motivo desses asseguramentos periódicos de que “as coisas não são tão más assim”? Creio que os motivos sejam dois, ambos perfeitamente compreensíveis: o primeiro pode ser chamado de o motivo do “status quo”, e o segundo, de o motivo “liberal”. Os educadores, superintendentes de escolas, prefeitos e administradores estaduais e federais, como integrantes do sistema, não querem criar, entre os pais de alunos, um pânico que venha a afastá-los das escolas públicas. O segundo – o motivo “liberal”, é igualmente compreensível, embora exija explicações mais detalhadas. Ele se relaciona, creio eu, à pouca disposição, por parte do público americano, em aceitar e acreditar nas “boas notícias” trazidas pelas supostamente irrefutáveis estatísticas do FBI, de que os crimes graves e violentos diminuíram durante os anos 90. Então, não são apenas “os políticos do sistema” que têm interesse em acalmar o público. Os acadêmicos liberais temem – de forma nada implausível – que, se o público persistir em sua inabalável opinião de que as estatísticas do FBI estão simplesmente erradas, e entrar em pânico com a vasta cobertura dada pela mídia aos massacres ocorridos nas escolas, ele irá pressionar os políticos de direita no sentido de dar continuidade a suas políticas punitivas de mais prisões, penas mais severas, ampliação da pena de morte e enquadramento dos adolescentes e crianças dentro do sistema de justiça penal destinado aos adultos. Desse modo, ambos os motivos são bastante compreensíveis, mas esse fato não nos deveria tornar cegos quanto a suas limitações. Outros estudos seguem um padrão semelhante. A Vigilância dos Comportamentos de Risco entre Jovens de 1999 verificou que apenas 7% dos estudantes secundaristas admitiram ter levado uma arma à escola nas quatro semanas anteriores, ao passo que, em 1993, esse número foi de 12%. Resultados como esses são rotulados de “encorajadores”. Uma outra leitura poderia ver esse decréscimo como um parco consolo. 211 No entanto, contrastando com esses levantamentos estatísticos de larga escala que, basicamente, indicam que o risco geral de alguém vir a sofrer violência e ferimentos nas escolas não aumentou significativamente nos últimos vinte anos, tanto os alunos quanto seus pais afirmam estar cada vez mais apreensivos no que se refere às escolas. Os alunos, hoje, têm mais medo de serem atacados ou feridos na escola e evitam determinados locais em suas dependências. Os pais – e não apenas os das zonas centrais urbanas – dizem temer por seus filhos nas escolas. Uma pesquisa Gallup recente mostrou que quase metade dos pais entrevistados temia pela segurança de seus filhos, ao mandá-los para a escola. Em 1977, apenas 24% deles expressaram essa preocupação. Em maio de 1999, pouco depois do terrível ataque à Columbine High School, 74% dos pais afirmaram que havia muita probabilidade ou relativa probabilidade de um ataque armado à escola vir a ocorrer em sua comunidade. Desse modo, antes de prosseguir, peço-lhes que observem a tremenda discrepância existente entre as conclusões das pesquisas das ciências sociais-padrão, que são consistentemente tranqüilizadoras, e os sentimentos viscerais dos pais de todo o país, que admitem ter medo. Seria possível que todos esses pais estejam iludidos? Será que todos eles são vítimas crédulas da mídia? Ou será que existe uma outra explicação? Uma das principais conclusões do relatório do Ministério da Saúde é que “as prisões de jovens acusados de homicídio e de outros crimes graves cresceram vertiginosamente de 1983 a 1993. Um ano depois, o número dessas prisões começou a declinar, retornando, em 1998, a um índice apenas ligeiramente superior ao de 1983”. Durante esse anos de pico (entre 1983 e 1993), o que mudou foi a intensificação do uso das armas de fogo por jovens. A violência juvenil não se tornou mais freqüente, porém mais mortífera. O resultado foi um aumento drástico dos índices de homicídios e de danos corporais graves. Esse mesmo relatório acrescenta que “Felizmente, um número menor de jovens, nos dias de hoje, porta armas, armas de fogo inclusive, e um número menor deles as leva para a escola. Como resultado, a 212 violência juvenil dos dias de hoje é menos mortal do que o era há uma década. Mas o número de jovens que admitem ter cometido atos de violência grave não-detectados pela polícia deveria nos servir de alerta para o fato de que a violência juvenil é um problema persistente, que exige um enfoque preventivo.” A característica singular da cultura americana quanto a essas questões, é claro, é a onipresença das armas de fogo. Como escreveu Karen Colvard, “A verdade é que, embora os índices norte-americanos de crimes interpessoais, como ataques corporais, sejam mais ou menos equivalentes aos verificados nos países europeus e asiáticos que mantêm estatísticas comparáveis, nossos (dos Estados Unidos) índices de homicídios – mesmo após as reduções recentemente verificadas – ainda são dez vezes maiores. E isso se deve a que, na América, os crimes interpessoais têm probabilidades muito maiores de virem acompanhados de uma arma de fogo, que têm probabilidades muito maiores que qualquer outro tipo de arma de causar morte” (Colvard, 1997). Apesar dessa ubiqüidade das armas de fogo verificada na sociedade americana, os cientistas sociais concluem, a partir de todos esses dados, que as escolas, hoje, são praticamente tão seguras quanto o eram há vinte anos, e que a percepção da segurança escolar por parte do público claramente contradiz as evidências em sentido contrário. O que insinuam diversos cientistas sociais muito conceituados é que o público está redondamente enganado. Um exame mais atento de análises como essas revela que, quando as “causas” da violência entre os jovens são identificadas, elas, inevitavelmente, aparecem como traços de personalidade específicos, ou como um acúmulo de traços num dado indivíduo. Desse modo, vem-se desenvolvendo uma vasta literatura especializada sobre “fatores de risco”, que delineia a progressão do indivíduo da primeira infância à adolescência, da inocência à violência grave. A lista é hoje bem conhecida: exposição precoce a violência extrema, distúrbios de stress pós-traumático, uso indevido de drogas, pais anti-sociais, fragilidade dos vínculos sociais, mau comportamento na escola, baixo QI, ruptura da família, 213 separação dos pais, associação com colegas anti-sociais etc. Tudo isso vem-se transformando numa longa litania – todos os itens que colocam um adolescente em risco de agir de forma violenta. Esse foco no indivíduo como sendo a motor e a causa principais da violência leva, inevitavelmente, ao foco em programas e projetos que têm como objetivo solucionar o problema da violência. A função da prevenção da violência se vê reduzida a identificar, avaliar e selecionar “programas promissores”, que são então citados por diferentes órgãos governamentais como modelos para agências públicas, escolas, programas voltados a jovens, programas voltados aos menores infratores e a entidades de outros tipos, modelos esses a serem imitados em escala nacional. Muitos desses programas de fato valem a pena, e vêm recebendo avaliações positivas. Quem poderia discutir o valor dos programas de prevenção da intimidação na escola, de desenvolvimento das relações entre pais e filhos voltados para as famílias de baixa renda, de visitas pré-natais de enfermeiras e de assistentes sociais bem-treinados, de treinamento de capacidades sociais, de treinamento de pais, de visitas domiciliares, de reforço acadêmico, dos cursos de “raciocínio moral”, dos programas extraclasse e dos programas de resolução de problemas sociais? Não se pode descartar de pronto programas que foram cuidadosamente avaliados e se mostraram eficazes no trato com menores violentos ou gravemente delinqüentes. Alguns deles, por exemplo, demonstraram que as intervenções multimodais, comportamentais e profissionalizantes provaram ser mais eficazes que os enfoques menos organizados. Tudo isso tem como corolário o fato de que centenas de programas de prevenção da violência estão hoje sendo implementados em todos os Estados Unidos, e que toda uma subdisciplina voltada para sua avaliação surgiu e vem-se firmando como um setor à parte. Assim, o desenvolvimento, a implementação e a avaliação de projetos, que são então instalados em organizações receptivas, converteram-se na sabedoria convencional, e esse enfoque dominou de tal modo o cenário da pesquisa e do desen214 volvimento voltados para a prevenção da violência juvenil e escolar que nenhum outro discurso parece ser admissível. Daí que a “sabedoria convencional” dita que as pesquisas devem tentar determinar quais intervenções de combate à violência funcionam melhor e em que contextos. No entanto, o que venho descrevendo até este ponto poderia ser chamado de a práxis americana de prevenção da violência em sua melhor forma. Quando descemos ao nível dos profissionais praticantes, onde nos deparamos com a administração rotineira das escolas, a dura necessidade de chegar ao fim do dia e do ano letivo sem incidentes violentos vem forçando administradores e diretores a lançar mão de um modus operandi totalmente pragmático. Dois anos após o incidente de Columbine, as escolas de todo o país se cercaram de tecnologia de segurança. Dentre o grande número de produtos de segurança escolar que foram lançados no mercado a partir da tragédia de Littleton, em abril de 1999, estão mochilas escolares de vinil transparente (que permitem que os funcionários da escola vejam se o aluno carrega um arma); software de “planejamento de crises”, para ajudar os distritos escolares a lidar com futuras tragédias escolares; software para monitorar sites violentos na Internet; manuais de prevenção da violência; e programas de treinamento de professores que dão emprego a consultores de “segurança escolar”. Na escola secundária de Buffalo Grove, em Illinois, para tomar um único exemplo, o distrito anunciou o plano de instalar 96 câmeras de segurança espalhadas por toda a escola. Hoje, a segurança escolar se transformou num importante produto comercial, nos Estados Unidos. Se as firmas de detecção de metais e de circuitos fechados de televisão e câmeras de vigilância ainda estão no topo da cultura de segurança escolar, muitos outros setores empresariais vêm rapidamente transpondo o hiato dos lucros. Aparelhos de raio-X para inspecionar mochilas, walkie-talkies para os guardas de segurança, sistemas sofisticados de alarme de incêndio para escolas, dotados de trancas magnéticas nas portas, cujo objetivo é manter os intrusos do 215 lado de fora e os alunos do lado dentro, são apenas alguns dos equipamentos mais comuns que os administradores preocupados têm hoje a seu dispor. O “Programa Escolas Livres de Violência e de Drogas”, do Departamento de Educação dos Estados Unidos, liberou uma verba de 566 milhões de dólares para programas de segurança escolar, apenas para o ano de 1999. Essas verbas são destinadas a programas de prevenção da violência e do uso de drogas, a programas de resolução de conflitos e também a uma grande variedade de produtos de software e hardware. Os sistemas escolares das grandes cidades americanas, como o Conselho de Educação da Cidade de Nova Iorque, com escolas de 2.500 a 5.000 alunos, já há alguns anos vêm recorrendo a medidas de tecno-segurança, à polícia e a pelotões de guardas de segurança para supervisionar os jovens. O novo estudante de uma de nossas grandes e superlotadas escolas das zonas centrais urbanas é recebido por uma barreira de máquinas de cartões de identificação, de detectores de metais, de câmeras de televisão de circuito fechado, de aparelhos de raio-X (para a inspeção das mochilas), pelos estalidos dos walkie-talkies dos guardas, por trancas magnéticas nas portas e por um batalhão de outras formas da chamada tecnologia de segurança (Devine, 1996). Aponto esse fato não para culpar os superintendentes e diretores das escolas, que chegam a essa decisão extrema porque a dura necessidade de sobrevivência os força a fazer escolhas que a nós parecem punitivas e retrógradas. Dentre esses esforços tecnológicos, o mais ambicioso é um programa computadorizado chamado “Mosaico 2000”, que atualmente está sendo vendido por Gavin de Becker, um especialista em segurança que garante que o novo software passará em revista centenas de indicadores, antes de caracterizar um aluno como “violento”. Muito antes de a violência escolar se tornar uma grande questão nacional, De Becker ficou famoso por aconselhar a personalidades públicas proeminentes a reconhecer os sinais de violência potencial, ensinando como usá-los como instrumentos de sobrevivência. De Becker, agora, passou de ajudar indivíduos 216 a reconhecer os sinais premonitórios de um agressor ou assassino em potencial a ajudar as escolas a reconhecer alunos que podem se transformar em predadores potenciais (De Becker, 1999, 2000). Os usuários desse sistema estão sempre nos garantindo que eles não têm a menor intenção de “traçar perfis” dos alunos – expressão que se tornou famosa entre as forças policiais americanas quando os afro-americanos começaram a se queixar de que as patrulhas estaduais de Nova Jersey os paravam na estrada pelo simples fato de eles serem pretos. A versão atualizada do “Mosaico 2000” é um sistema de computadores cujo objetivo é ajudar as escolas a identificar os alunos que correm o risco de vir a cometer atos violentos. Os defensores das liberdades civis temem que isso possa levar aos “perfis” e à rotulação de determinados alunos, pela simples razão de eles se vestirem de forma diferente ou gostarem de ouvir determinado tipo de música. Desse modo, as autoridades escolares fazem uma “avaliação de ameaças” usando informações estatísticas recolhidas num vasto banco de dados (Thomas, 1999). O perigo consiste em que, na identificação dos alunos possivelmente violentos, muitos alunos não-violentos sejam também rotulados. A razão de discutir programas como o Mosaico 2000 é dar ênfase ao fato de que, ao empregar soluções tecnológicas para a resolução de problemas sociais, como a violência escolar, temos que ter o cuidado de não situar o locus original da violência num único indivíduo, tentando identificar os níveis mais profundos de violência que residem nos ambientes institucionais. Já foi clara e repetidamente demonstrado que esses ambientes são estruturados pela sociedade adulta de modo a excluir alguns jovens e incluir outros. A sociologia da violência escolar é a sociologia da exclusão e da etnicidade. A escola contribui para a desigualdade social e para a construção de uma cultura de “eles” e “nós” entre os novos pobres urbanos e multirraciais, que se opõe à ideologia universal e secular que, historicamente, vem embasando as escolas públicas (Debarbieux, 1996). 217 O enfoque individualizado que venho discutindo – e criticando – neste artigo muitas vezes é citado como “a abordagem de saúde pública” à prevenção da violência. Ela é prima distante das campanhas de combate ao fumo da década de 70 e de inícios da década de 80. Se os estudantes (e outros) aprenderem que a violência é ruim para sua saúde, eles deixarão de praticá-la. A quase totalidade dos teóricos que escrevem sobre a prevenção da violência escolar, inclusive as altas autoridades do Departamento de Educação, concordam que a tecnologia, por si só, não irá resolver o problema, nem bastará para promover essa abordagem da “saúde pública”, aparentemente mais progressista, que venho até aqui descrevendo. Certamente que não tenho a intenção de sugerir que conceituar o problema da violência juvenil como um problema de saúde pública seja totalmente errado. O Instituto Nacional de Saúde está intensificando seu apoio a estudos comportamentais sobre crianças e adolescentes em risco de se tornar violentos. Esses estudos vêm desenvolvendo maneiras melhores de evitar que crianças recebam cuidados insuficientes, de tratar os distúrbios de déficit de atenção, de combater a depressão e as idéias suicidas e de avaliar modelos de um programa de educação social chamado “cuidados adotivos terapêuticos” como alternativa à cadeia, para alguns jovens delinqüentes. É certo que o modelo da saúde pública representa um avanço sobre o modelo adotado pelos legisladores que recorrem simplesmente à cadeia e punição, leis mais duras para as drogas, penas mais longas e campos de recuperação para adolescentes. Assim, deixar de pensar em termos de punição – e deixar de pesquisar apenas os fatores puramente biológicos –, passando a tratar dos fatores sociais, já representa um avanço realmente encorajador. Mas, muitas vezes, o pressuposto básico por trás da abordagem de saúde pública é que a violência é uma doença contagiosa, que encontra terreno fértil em indivíduos vulneráveis e em bairros dotados de poucos recursos – o que, aliás, parece ser verdade. Mas o átomo sob investigação continua sendo o indivíduo, e não a violência inerente ao sistema social ou às instituições sociais que estão na raiz do problema. 218 Tudo isso nos leva de volta ao problema da definição, ao problema de o quê, precisamente, queremos dizer por “violência”. É importante que nos demos conta de que as pesquisas e os programas de intervenção direcionados à redução imediata dos níveis de violência juvenil quase sempre enfocam a violência interpessoal direta que, tradicionalmente, é definida como “os atos deliberados, por parte de crianças, adolescentes ou jovens adultos, que representam ameaça ou que vêm a resultar em danos corporais graves ou morte”. A limitação dessa definição é que ela situa o locus da violência precisamente no nível individual. A violência estrutural, pelo contrário, um conceito popularizado pelo sociólogo norueguês Johan Galtung (1995) implica uma interpretação mais ampla da violência, visando a mostrar que a ameaça está presente nas instituições, mesmo quando não há violência literal, ou violência tal como estrita ou tradicionalmente definida. A literatura especializada sobre a violência e a prevenção da violência atravessa muitas fronteiras disciplinares e baseia-se na suposição de que a pobreza, o racismo, o desemprego, a deficiência da assistência à saúde, as ideologias que discriminam os papéis sexuais e a má distribuição de renda são fatores “estruturais” e causas arraigadas. Um exemplo de fator estrutural que tem raízes profundas – e é diretamente relacionado aos altos níveis de violência nos Estados Unidos de hoje –é a força política da Associação Nacional dos Rifles e do “lobby das armas de fogo”, que, literalmente, ditam as políticas relativas a essas armas no Congresso americano. Mas nem todos os fatores estruturais situam-se no nível da materialidade, da economia e da tecnologia. Até este ponto, venho focando minha atenção nos trabalhos dos demógrafos e dos sociólogos americanos de tendência mais quantitativa. Deve-se observar que vem despontando um outro grupo de acadêmicos, aos quais se poderia denominar “interacionistas sociais” – antropólogos e psicólogos que adotam uma abordagem mais fenomenológica e interpretativa e enfocam o contexto social da violência como um dos fatores “estruturais”. 219 William Pollack, em seu best-seller Real Boys: Rescuing our Sons from the Myths of Boyhood (Meninos de Verdade: Salvando nossos Filhos do Mito do que é ser um Menino), identifica a existência de um código não-verbal, o “código dos meninos” que, em sua opinião, permeia o processo de socialização dos adolescentes de sexo masculino. Esse ethos é parte do rito de passagem adolescente tradicional, sendo portanto transmitido pelos pais (especialmente pelo pai) de maneiras basicamente inconscientes e não-intencionais. Os meninos entrevistados por Pollack são solitários e deprimidos. Eles lutam com questões de auto-estima e correm grave risco. Eles têm uma enorme necessidade de ser ouvidos e um desejo de compartilhar seus sentimentos, mas, numa sociedade onde existe um “código dos meninos” implícito, eles têm que esconder suas emoções e jamais mostrar seus verdadeiros sentimentos. Eles têm que estar prontos para defender seus direitos, reais ou supostos, mesmo que até o ponto do conflito. As penalidades para as violações desse código muitas vezes disfarçado são severas: os meninos são ridicularizados, intimidados e até mesmo submetidos a violência. Minhas próprias pesquisas (Devine, 1996) e as de antropólogos como Bourgois (1996) confirmam o trabalho de Pollack. A “cultura da violência” à qual estão sujeitos os jovens das áreas centrais das grandes cidades – e, de maneira mais ampla, os jovens americanos em geral – tem como resultado a construção de uma persona “durona”, que tem como objetivo a sobrevivência e a conquista do respeito alheio. Nas escolas em que todas as funções disciplinares foram entregues à polícia e aos seguranças, a distância emocional entre o professor e os alunos se vê ampliada. Quando os professores se furtam ao contato íntimo com a cultura da juventude, eles deixam de estar em condições de ouvir os alunos, quando estes expressam seus problemas e medos pessoais, ou, então, traçam as fronteiras comportamentais que não devem ser ultrapassadas pelos alunos. Os professores passam a estar “por fora”, em relação à cultura dos jovens. E os educado220 res, mesmo com o aumento da presença das forças policiais nas escolas, têm cada vez mais dificuldade de impor a lei e os regulamentos (Body-Gendrot, 2000). O pior de tudo é que os alunos captam a mensagem de que ninguém, no ambiente escolar, realmente se importa com a administração da escola, e que ele ou ela é responsável por sua própria segurança. É nesse ponto que se instala o medo, e que os estudantes passam a se dar conta de que eles têm que proteger a si mesmos. Creio que foi esse senso de medo que passou a permear as escolas americanas. Tal senso difuso de atemorização é quase impossível de detectar com o uso dos paradigmas das pesquisa tradicionais, como questionários e protocolos de entrevistas, e até mesmo pelas mais sofisticadas pesquisas Gallup. Muitos jovens sentem medo, mas não querem admiti-lo. Não é bacana sair espalhando que você tem medo. Isso é visto como vergonhoso. E é esse mal-estar que vem sendo detectado pelos pais. Quanto a isso, nos Estados Unidos, o Movimento por Escolas Pequenas (sediado principalmente em Chicago) representa uma tendência em direção a escolas menores e mais igualitárias. Essa rede de educadores e de formuladores de políticas vem tentando desconstruir (literal e metaforicamente) as velhas escolas, enormes e superlotadas, reduzindo seu tamanho ou criando novas escolas com ambientes menores, mais íntimos e mais afetivos, que funcionem como comunidades inclusivas e igualitárias (Ayers, Klonsky e Lyon, 2000). Em minha opinião, essa tentativa de reestruturar e, desse modo, melhorar essas grandes escolas é um exemplo de conceituação correta do problema. Parte-se do enfoque de corrigir a violência inerente às instituições que fomentam a violência, e não do foco na criança ou em sua família. Mas as escolas grandes, superlotadas e turbulentas são apenas um exemplo da restruturação institucional que se faz necessária. Há crianças, nas faixas inferiores da sociedade americana, que são transferidas dezenas de vezes, de 221 lá para cá, passando por abrigos para crianças sem-teto, lares grupais, hospitais psiquiátricos e prisões juvenis, porque uma agência se apressa em despejá-las em outra agência (Butterfiled, 2000). É cada vez maior o número de crianças que sofrem de doenças mentais ou de retardamento, ou ambos, e que, devido aos cortes nas verbas destinadas aos sistemas de saúde mental e à redução da cobertura dos problemas de saúde mental pelos planos de saúde e organizações de defesa da saúde, vêm sendo jogadas no sistema dos juizados de menores. Por todo o país, números cada vez maiores de jovens portadores de doenças mentais vêm sendo mandados para cadeias juvenis, nos últimos anos. Nosso tema, nesta conferência, são as escolas e a violência escolar. Mas, quando pensamos na prevenção, nossa atenção deve se voltar não só para a questão da reforma das estruturas institucionais e dos sistemas de assistência pública – o sistema educacional, mas também o sistema de guardiões alternativos, de saúde mental e dos juizados de menores – que são a origem de tantos desses problemas. Numa época em que os Estados Unidos receberam publicidade mundial, devido aos trágicos massacres ocorridos em Columbine e em outros locais, acredito que muito possa ser aprendido, tanto com os pontos fortes quanto com os pontos fracos dos paradigmas quantitativos. Retornando à questão dos dados mencionada por mim no início deste trabalho (há no mínimo 47 adolescentes que sabiam de antemão que os massacres iriam ocorrer), essas informações de pesquisa talvez nos façam perceber o vasto abismo que separa a cultura da juventude do mundo dos adultos maduros. Essas informações, se interpretadas da maneira correta, talvez venham a apontar as deficiências de nosso processo de socialização. Os jovens querem tratar os outros de forma sensível, e não feri-los. Mas eles precisam sentir que há alguma reciprocidade por parte de um mundo adulto que esteja disposto a ouvi-los, e saiba fazê-lo. E isso, por sua vez, exige a criação de instituições que propiciem essa escuta e esses tipos de interação e de supervisão entre adultos e jovens. 222 REFERÊNCIAS BOURGEOIS, P. In search of respect: selling crack in el barrio. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. BODY-GENDROT, S. The social control of cities? A comparative perspective. Oxford: Blackwell Publishers, 2000. COLVARD, K. Crime is down! Don’t confuse us with the facts! The HFG Review, Harry Frank Guggenheim Foundation, v. 2, n. 1, fall, 1997. DE BECKER, G. The gift of fear: survival signals that protect us from violence. New York: Dell Publications, 1999. _________. Protecting the gift: keeping children and teenagers safe (and parents sane). New York: Dell Publications, 2000. DEVINE, J. Maximum security: the culture of violence in innercity schools. Chicago: The University of Chicago Press, 1996. GALTUNG, J. Human rights in another key. Oxford: Blackwell Publishers, 1995. POLLACK, W. Real boys: rescuing our sons from the myths of boyhood. New York: Owl Books, 1999. THOMAS VIRGINIA, L. Mosaic 2000: an educational dragnet. The Heritage Foundation Newsletter: news and views. Available at: <http://www.heritage.org/views/99/ed111099.html> . WILLIAM, A.; KLONSKY, M.; LYON, G. A simple justice: the challenge of small schools. New York: TC Press. 223 CLIMA ESCOLAR E VIOLÊNCIA NOS SISTEMAS DE ENSINO SECUNDÁRIO DA FRANÇA E DA INGLATERRA Catherine Blaya As pesquisas européias trazem diferentes percepções e diferentes abordagens para o fenômeno da violência nas escolas e para as dificuldades encontradas nos vários países, principalmente no que se refere ao registro dos atos violentos em nível nacional, dependendo da estrutura política do país em questão ou do recente reconhecimento do problema. Na Inglaterra, a violência escolar é tratada principalmente no campo psicológico, principalmente por meio do conceito de bullying (intimidação por colegas), ou seja, intimidação e problemas comportamentais, como a hiperatividade (Cooper e Ildeus, 1997). Os estudos enfocam principalmente esses fenômenos que ocorrem no nível dos alunos (Galloway, 1982; Tattum, 1993), incentivados pelos sindicatos de professores, que se queixam do aumento da indisciplina (Hayden e Blaya, 2001). Ao longo da década de 90, os estudos tomaram como base os trabalhos escandinavos que ajudaram a atrair atenção para a importância do problema da intimidação entre os alunos e para suas conseqüências psicológicas 1 (Cowie, 1998; Olweus, 1993; Smith e Sharp, 1994). No entanto, o efeito exercido pela escola é parte dessas preocupações, e já há mais de vinte anos se reconhece que 1 Dan Olweus realizou o primeiro levantamento a respeito do problema da intimidação nas escolas na Suécia e, posteriormente, na Noruega, tendo mais tarde exercido grande influência sobre as pesquisas realizadas na Inglaterra, na década de 90, após a tradução de seu livro: Aggression in schools: bullies and whipping boys (1978). 225 mesmo que ela, isoladamente, seja incapaz de resolver a totalidade dos problemas, a escola tem um certo impacto sobre o comportamento dos alunos e sobre o clima social 2 das salas de aula (Rutter et al., 1979). Nos últimos anos, a violência escolar vem sendo tratada de forma mais nitidamente psicológica, com o reconhecimento institucional do problema e a criação, em 1998, da Unidade de Exclusão Social, por iniciativa do Partido Trabalhista, e após uma série de relatórios científicos (De Lacerda e Niel, 1997; Mortimore e Whitty, 1999; Room, 1995) que apontaram que as crianças afetadas pela exclusão social tinham maiores probabilidades de sofrer marginalização na escola ou de serem expulsas, podendo, mais tarde, verem-se relegadas à periferia da sociedade. Na França, a violência nas escolas há muito é vista como resultado de influências externas, tais como violência urbana ou desigualdades sociais. A violência escolar é ou o resultado da delinqüência juvenil, devendo, portanto, ser tratada por meios judiciais, ou conseqüência dos problemas sociais, e não da escola (Debarbieux e Montoya, 1998). No entanto, apesar de a avaliação do último plano interdepartamental ter evidenciado uma crescente mobilização contra o vandalismo, e também que as escolas localizadas nas chamadas áreas “difíceis” correm maiores riscos de serem afetadas por certas formas de violência, o efeito exercido pela escola de modo algum é insignificante (Debarbieux, 1996; Debarbieux et al., 1999; Grisay, 1993). Oscila-se, portanto, entre um enfoque psicológico ou individual (problemas comportamentais, fobia da escola) e um enfoque mais sociológico e criminológico (delinqüência urbana, desemprego, pobreza e exclusão social) (Gottfredson, 2001). O objetivo da presente investigação comparativa, embasada nos procedimentos de pesquisa que verificam similaridades e diferenças, é fazer um relato preliminar sobre a realidade do problema na França e na Inglaterra, onde as pesquisas ainda enfocam principalmente a intimidação por colegas. Tentamos reali2 O Clima Social significa a qualidade geral das relações e interações entre os diferentes atores da escola. 226 zar uma avaliação comparativa entre esses dois países, em termos do clima social e da violência nas escolas secundárias urbanas carentes em termos socioeconômicos. Isso foi feito levandose em conta os respectivos contextos educacionais e nacionais, a fim de identificar as variáveis nacionais e estudar a possibilidade de transferência de “boas práticas” de um país para o outro. METODOLOGIA O presente estudo, que toma como base a metodologia de Debarbieux (1996), concentra-se na experiência e na percepção da violência e da agressão, por parte dos jovens alunos e dos adultos que trabalham nas escolas. Ele faz parte de uma iniciativa européia de pesquisa que visa a avaliar a atmosfera das escolas, o sentimento de insegurança e a vitimização nas escolas secundárias européias. No presente momento, esse estudo está sendo realizado na Bélgica, na França, na Espanha, em Portugal e na Inglaterra, e planejamos estender essa metodologia a outros países no âmbito das atividades do Observatório Europeu de Violência Escolar, localizado em Bordeaux. Apresentaremos agora os resultados de nossas investigações, que tiveram como base questionários distribuídos e entrevistas realizadas em escolas secundárias francesas e inglesas, localizadas em áreas carentes (tabela I). Esses questionários foram preenchidos por 1.679 estudantes ingleses e 3.136 estudantes franceses, de idades entre 11 e 18 anos, e por 191 adultos ingleses e 252 adultos franceses, de 12 e 15 escolas, respectivamente. No tocante à França, essas informações foram obtidas pelo Ministério (listas nacionais) e, quanto à Inglaterra, pelo relatório PANDA e pelo relatório de inspeção OFSTED 3 . As informações 3 OFSTED: Office for Standards in Education (Departamento de Padrões Educacionais). Organização independente incumbida da inspeção das escolas públicas da Inglaterra, criada em 1992. Em geral, as escolas passam por inspeção a cada quatro anos. PANDA: Relatório de desempenho e avaliação. Relatórios anuais são encaminhados às 227 fornecidas pelas equipes das escolas ajudaram a complementar os dados acima mencionados. Uma das dificuldades surgidas durante os estudos comparativos foi a identificação dos dados comuns que poderiam ser usados para determinar o nível de pobreza das populações em questão. Não é necessário dizer que visitas a esses bairros também contribuíram para tornar nossa observações mais completas. As escolas que participaram da investigação situam-se em diferentes regiões de seus respectivos países (tabela II). Tabela I Indicadores socioeconômicos usados na França e na Inglaterra Um dos maiores problemas enfrentados por nós foi a relutância em participar demonstrada pelas escolas, principalmente na Inglaterra, onde há acirrada competição entre as escolas, o que faz com que os diretores tendam a ser cautelosos em relação à imagem projetada para fora e às informações que poderiam vir a ser divulgadas sobre seu estabelecimento. Muitas vezes, nossas negociações fracassaram, representando custos em termos de tempo, energia, viagens e dinheiro. Gostaríamos aqui de agradecer às escolas e aos membros de suas equipes que, apesar de tudo, nos deram seu tempo e sua confiança. escolas para auxiliá-las no planejamento e na organização de seus objetivos e de seu desempenho. Eles fornecem dados relativos às escolas em questão, e também sobre seu ambiente social, comparados às médias nacionais. 228 Tabela II Distribuição geográfica das amostragens na França e na Inglaterra O segundo problema dizia respeito à terminologia a ser empregada. Como já apontamos na introdução, as pesquisas britânicas, nos últimos anos, vêm tratando principalmente da intimidação por colegas e, quando demos início à nossa pesquisa na Inglaterra, o termo ali usado para descrever a violência escolar era, de fato, “school bullying”, ou intimidação na escola. O termo “violência” era usado nos meios educacionais principalmente em referência ao fenômeno da violência física (Blaya, 2001; Hayden e Blaya, 2001). No entanto, a “intimidação”, tal como geralmente entendida nas pesquisas britânicas, refere-se unicamente aos problemas da intimidação que ocorrem entre estudantes, e como nossa investigação enfocava o estudo da vitimização e da violência num nível muito mais amplo, mantivemos o uso do termo “violência”, o que foi explicado aos alunos por ocasião da entrega do questionário 4 . Os problemas de compreensão e tradução foram simplificados por meio de um questionário exploratório e contando com a ajuda de dois pesquisadores da Universidade de Portsmouth, de forma a evitar, tanto quanto possível, alguma 4 O questionário foi entregue diretamente aos alunos pelo pesquisador. O questionário “adulto” foi deixado na sala de professores, e enviado por correio ao pesquisador, ou entregue pessoalmente a ele por ocasião da sua visita seguinte. 229 distorção metodológica devida a erros de tradução ou ao uso inadequado de certos termos. Até mesmo as perguntas feitas pelos alunos influenciaram nossa tradução. Entrevistas individuais ajudaram a complementar os resultados obtidos a partir do questionário, o mesmo valendo para o trabalho de observação realizado por ocasião de nossas vistas às escolas. Cada escola recebeu uma cópia dos resultados da investigação. SENTIMENTO DE INSEGURANÇA E VIOLÊNCIA: DIFERENÇAS SIGNIFICATIVAS Sentimento de insegurança O sentimento de insegurança, mensurado com o auxílio de indicadores como a percepção geral da existência de violência e extorsão na escola, é nitidamente mais significativo na França que na Inglaterra. Portanto, como mostrado na tabela III, um número duas vezes maior de estudantes franceses foi de opinião que existia uma enorme quantidade de violência em sua escola, enquanto o número de estudantes ingleses que afirmou haver pouca violência foi muito superior. Tabela III Respostas dos estudantes à pergunta: há violência em sua escola? (%) A dependência é muito significativa: 2 = 168,84; df = 4; 1-P= > 99,99%. Número de participantes: Inglaterra – 1.656; França – 3.084 230 As ofensas verbais foram a forma de violência mais freqüentemente observada em ambos os países, o que veio a confirmar os resultados da investigação anterior, indicando que o maior problema não era a violência “bruta”, mas sim as perturbações e as microvitimizações repetidas (Debarbieux et al., 1999; Elton, 1989; Gill e Hearnshaw, 1997): “Insultos demais” (F); “eles riem de mim e dizem que sou gordo” (F); “insultos verbais” (I); “as pessoas se insultam muito umas às outras, com ofensas verbais” (F); “eles gritam e insultam os professores” (F); “barulho demais durante as aulas, alguns alunos são mal-educados” (I); “ele caçoam de mim porque eu tenho cabelo ruivo” (I); “insultos e brigas demais” (I). Os insultos verbais foram seguidos, em ordem de importância, segundo os comentários dos alunos, pelas brigas, os roubos e a extorsão. A opinião dos professores seguiu a mesma tendência que a dos alunos, ou seja, a impressão de violência, aqui também, foi ainda mais significativa na França, e os tipos de violência observados foram idênticos: insultos verbais, brigas, roubo e extorsão (tabela IV). Essa tendência foi confirmada pelas respostas relativas à extorsão. Mais de 40% dos alunos franceses afirmaram que existia extorsão em suas escolas, em comparação com 26,3%, na Inglaterra. No que tanje aos adultos, as percentagens foram de respectivamente 19,3% e 54,7%. Neste ponto, gostaríamos de ressaltar a importância da vitimização e do sentimento de insegurança provocados pela extorsão, porque ela de fato representa um ato de vitimização múltipla, uma vez que esses roubos acontecem sob ameaças, e às vezes vêm acompanhados de insultos e de socos. Foi necessário, portanto, determinar se o sentimento de insegurança dos estudantes e dos adultos baseava-se em vitimização real e tentar analisar os elementos que levavam a tal disparidade nas representações dos atores franceses e ingleses. Para isso, comparamos as respostas dos alunos às perguntas relativas à violência real: “Você, no presente ano, foi insultado, ou foi vítima de extorsão, de socos, de roubos, você foi instigador de extorsão?”, com as respostas dadas por eles às perguntas sobre sua percepção da violência. 231 Tabela IV Respostas dos adultos à pergunta: há violência em sua escola? (%) A dependência é muito significativa: 2 = 40,52; df = 4; 1-P= > 99,99%. Número de participantes: Inglaterra – 190; França – 242. Violência e vitimização: um sentimento de insegurança justificado, mas às vezes exacerbado Como confirmado pelos resultados relativos ao sentimento de insegurança, os insultos verbais foram o tipo de vitimização mais freqüentemente mencionado pelos alunos (tabela V). A percentagem dos alunos franceses (76,1%) que se queixaram de sofrer insultos foi maior, em comparação com a dos ingleses (64,4%). Os roubos também foram mencionados com maior freqüência na França, com uma percentagem de 50,7% contra 42,2%. Deve-se observar que equipamento escolar, dinheiro e lanches (no casos dos estudantes ingleses, que traziam seus sanduíches para a escola) eram os itens que desapareciam com maior freqüência. Tabela V Respostas à pergunta: você foi insultado na escola neste ano? (%) A dependência é muito significativa: 2 = 73,99; df = 1; 1-P= > 99,99%. Número de participantes: Inglaterra – 1.655; França – 3.082. 232 No que se refere a socos, os resultados obtidos foram estritamente idênticos nos dois países, ou seja, 25,6% dos alunos declararam que haviam recebido socos. Os resultados relativos à extorsão foram ainda mais surpreendentes: 7,6% dos alunos franceses que responderam ao questionário afirmaram ter sido vítimas de extorsão, em comparação com 13,3% dos alunos ingleses, ou seja, um número duas vezes maior. No entanto, quando foi perguntado aos alunos se eles alguma vez haviam cometido extorsão, a tendência se inverteu: 9,8% (França) e 6,6% (Inglaterra). Há diversas explicações para esse fato: como mostrado no trabalho avaliativo realizado por Debarbieux e Montoya (1998), a violência grupal vem aumentando na França, e, onde há extorsão, geralmente se trata de mais de um aluno contra uma única vítima. Isso não apenas contribui para reforçar o sentimento de insegurança na vítima e nos espectadores, mas também para o aumento da vitimização. Conseqüentemente, quando a agressão é provocada por um grupo, a responsabilidade é dividida, e os integrantes do grupo se tornam mais ousados. Além disso, três das escolas inglesas de nosso levantamento encontravam-se particularmente envolvidas com o problema de drogas, dentro e fora de suas instalações. Quando comparamos o nível de vitimização e as respostas à pergunta “há problemas de drogas em sua escola?”, verificamos que os alunos mais vitimados, ou mesmo multivitimados eram exatamente os que freqüentavam essas escolas. Pareceu nos portanto essencial, em termos da estratégia de prevenção e redução do sentimento de insegurança, levar em conta essas multivitimizações, inclusive as relativas à extorsão. A tabela VI mostra que, de modo geral, o número de vítimas não era tão alto na Inglaterra quanto na França, uma vez que 45% dos estudantes ingleses não haviam sido vitimados, em comparação com 19,9%, na França. Esses resultados confirmaram que as meninas têm menores probabilidades de serem vitimadas que os meninos (Gottfredson, 2001). As principais formas de agressão sofridas pelas meninas eram insultos e roubos. Deve-se observar, contudo, que a percentagem dos alunos que 233 haviam sido vitimados mais de quatro vezes era maior entre os meninos ingleses. Aqui também, esse percentual se refere às três escolas anteriormente mencionadas, o que vem a confirmar a importante relação entre drogas, extorsão e multivitimização, bem como as políticas adotadas pelos diretores e por toda a equipe educacional, cujas atitudes viam-se divididas: alguns professores tinham a sensação de que o diretor os havia “decepcionado” e, nessas escolas, a disciplina não era aplicada com coerência. Quaisquer que sejam as diferenças entre os dois países, podese ver que a percentagem dos alunos vitimados era maior na França, uma vez que um em cada dois alunos declarou ter sofrido algum tipo de violência. Em seguida, tentamos descobrir qual teria sido o impacto dessa violência sobre o sentimento geral que os alunos tinham sobre sua escola e sobre seu sentimento de insegurança. Para tal, comparamos os dados coletados sobre socos e violência com os dados coletados sobre multivitimizações nas respostas à pergunta: “o que você acha de sua escola?” (tabela VII). Tabela VI Casos de multivitimização na França e na Inglaterra A dependência é muito significativa: 2 = 402,43; df = 39 1-P= > 99,99%. Nº de observações: Inglaterra – meninas – 610; meninos – 843; França – meninas – 1.519; meninos – 1.322. 234 Tabela VII Socos e sentimento de insegurança (%) A dependência é muito significativa: 2 = 408,47; df = 12; 1-P= > 99,99%. Número de participantes: Inglaterra – não-socados: 1.217; socados: 419; França – não-socados: 2.247. Tabela VIII Multivitimização e atmosfera geral (%) A dependência é muito significativa: 2 = 977,17; df = 36; 1-P= > 99,99%. Nº de participantes: Inglaterra – não-vítimas: 317; vítimas 1: 523; vítimas 2: 384; vítimas 3: 153; vítimas 4: 88. França – não-vítimas: 439; vítimas 1: 9191; vítimas 2: 981; vítimas 3: 454; vítimas 4: 98. 235 Figura 1 Análise fatorial / multivitimização x atmosfera geral Esses resultados mostram que a vitimização pode afetar não apenas o sentimento de insegurança da vítima, mas também o das não-vítimas. Deve-se observar que tanto as vítimas quanto as não-vítimas inglesas tinham um sentimento de insegurança menor que as francesas, o que foi confirmado pelos resultados previamente descritos. A tabela VIII fornece uma comparação geral no tocante às escolas, incluindo os percentuais de vitimização e multivitimização. Comparamos as variáveis de vitimização com as opiniões dos alunos a respeito de suas escolas. Uma análise fatorial (figura 1) foi acrescentada aos resultados da tabela VIII, para facilitar sua leitura (Cibois, 1983). Ela representa a distribuição das variáveis estudadas e explica sua variação. Podese observar que o eixo 1 representou 94,7% da variação, ao passo que o eixo 2 representou apenas 3,7%. Quanto mais próximo o quadrado da atmosfera estava do quadrado da vitimização, mais forte era a correlação entre os dois. Esse gráfico mostrou um grande hiato entre as representações dos estudantes franceses e ingleses, independentemente de sua posição como vítimas ou nãovítimas. Portanto, mesmo os estudantes não-vítimas tinham uma opinião melhor de suas escolas na Inglaterra que na França. Como resultado, chegamos à conclusão de que fatores outros que não os atos de violência em si eram da maior importância e influenciavam as opiniões que os alunos tinham de suas escolas, ou que, pelo menos, determinados fatores conseguiam compensar os efeitos negativos da vitimização. Uma outra explicação talvez fosse que os estudantes ingleses não viam suas escolas como respon236 sáveis pelo que lhes acontecia, porque os problemas que tinham que enfrentar ocorriam a caminho da escola, e não na própria escola, sendo portanto relacionados ao bairro. Essa explicação, entretanto, foi invalidada pelas respostas à pergunta sobre o local onde os problemas de violência ocorriam. Como resultado, tanto na França quanto na Inglaterra, os locais mais freqüentemente citados eram o pátio de recreio, os corredores, as escadas e as salas de aula. Na França, não apenas esses resultados confirmam o aumento do vandalismo escolar (Debarbieux et al., 1999), mas também os comentários feitos por alguns alunos mostraram sua opinião relativa à falta de respeito e de disponibilidade por parte dos professores e dos adultos da comunidade escolar, e expressaram o sentimento de que ninguém os escutava: – “eles não acreditam em nós”; – “eles não nos ouvem muito”; – “os professores não entendem você”; – “eles não nos conhecem, realmente”; – “eles não nos respeitam muito”; – “eles não ligam para ninguém”. Como regra geral, os estudantes ingleses têm melhor opinião de suas escolas que os estudantes franceses (tabela IX). Cerca de metade dos participantes franceses entrevistados (49,3%) tinha uma opinião negativa de sua escola, contra 11%, na Inglaterra. A maioria dos comentários feitos pelos indivíduos descontentes diziam respeito ao manejo da disciplina (punições injustas), à condição das escolas e, principalmente, à qualidade das relações existentes dentro da comunidade escolar. Se estudarmos as respostas dos adultos sobre a qualidade de suas relações com os estudantes e sobre a vida na escola, também neste ponto os ingleses mostraram-se mais positivos que seus colegas franceses. Desse modo, três em cada dez professores ingleses (30,6%) e quase cinco em cada dez professores franceses (48,7%) não estavam satisfeitos com a qualidade da vida em suas escolas. Em ambos os países, a maior parte das recriminações tinha relação com a disciplina, com os resultados acadêmicos, com a classe 237 social dos alunos e, às vezes com as relações problemáticas ou até mesmo inexistentes com os pais. Na França, os professores queixaram-se, com maior freqüência, da falta de comunicação com os colegas e das dificuldades de relacionamento dentro da equipe docente e com a direção. Apenas 11,9% dos professores foram de opinião que as relações eram boas na escola, contra 37,2%, na Inglaterra. Tabela IX Opinião geral A dependência é muito significativa: 2 = 877,00; df = 4; 1-P= > 99,99%. Nº de participantes: Inglaterra: 1.674. França: 3.120. A IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DO RELACIONAMENTO ALUNO/PROFESSOR Os resultados desses estudos mostram que os estudantes ingleses se sentem mais felizes e mais seguros em seu ambiente escolar, o que é corroborado pelos resultados obtidos a partir dos adultos. Há, na Inglaterra, não apenas melhor atmosfera relacional entre professores e alunos, mas entre todos na escola. Como Grisay ressaltou em 1993 (Grisay, 1993), as condições que levam a um melhor aprendizado não estão presentes quando a indisciplina corre solta e quando os professores não colocam esforço suficiente nas atividades escolares, ou faltam demais. Uma das grandes diferenças entre os sistemas educacionais inglês e francês se refere ao status ou ao papel dos professores. Os pro238 fessores ingleses passam cerca de 30 horas por semana na escola, o que lhes permite conhecer melhor seus alunos, e também seus colegas. Além disso, as tarefas de tutoria e a coordenação das atividades extracurriculares, na forma de clubes, são parte de suas obrigações profissionais. Isso poderia ser visto como perda de tempo, mas ajuda a construir uma relação diferente com os alunos. Na Inglaterra, os professores não são meros especialistas de uma matéria que tem que ser ensinada e, portanto, rejeitados pelos alunos que não são bons naquela matéria. Quando eles coordenam atividades alheias à sua própria matéria, eles têm a oportunidade de serem vistos como pessoas, e não como especialistas de uma disciplina. Esse ponto é preponderante, uma vez que as pesquisas identificaram um largo hiato cultural entre professores e alunos nas áreas mais carentes (Dubert e Duru-Bella, 2000). Nossa própria pesquisa reflete essa diferença entre os respectivos códigos culturais: 44% dos professores franceses vêem seus alunos como violentos, ao passo que, na Inglaterra, apenas 23% são dessa opinião. O tema das atividades extracurriculares ainda é objeto de debates acalorados na comunidade educacional francesa, onde algumas pessoas se opõem à idéia de que o ensino competente de suas matérias deveria bastar. No entanto, os resultados relativos à questão da insegurança, da atmosfera da escola e da violência mostram que algumas escolas não conseguem oferecer um ambiente seguro. Isso quereria dizer que os professores dessas escolas não são competentes? Temos sérias dúvidas. Empurrar a responsabilidade de um mal-estar coletivo sobre indivíduos, quando se trata, na verdade, de um clima que se refere à escola como um todo, inclusive a locais como o pátio de recreio, os corredores e outras áreas comuns, parece ser uma negação do coletivo e de seus papéis e implicações na vida da escola. Melhor comunicação e presença mais constante, contribuindo para a construção de uma cultura comum, uma cultura escolar compartilhada por todos os membros da escola só podem ter influências positivas sobre o clima geral, como demonstrou Newman, em fins da década de 80: 239 “Relações de confiança têm maiores probabilidades de serem estabelecidas entre alunos e professores se estes passam algum tempo juntos, em base individual ou em pequenos grupos, e se eles participam juntos de atividades recreativas e de tutoria... ou mesmo de matérias acadêmicas que não as curriculares. A ampliação da relação professor/aluno além do ensino de uma única matéria permite que tanto os alunos quanto os professores se conheçam e se compreendam melhor. Contatos mais estreitos ajudam a desenvolver um senso de fazer parte e de responsabilidade recíproca maiores do que os que são possibilitados pelos papéis fragmentários e passageiros” (Newmann, 1989). Os alunos franceses muitas vezes reivindicam uma presença mais constante por parte dos adultos, e às vezes manifestam o sentimento de não serem apoiados por esses adultos, quando expressam essa necessidade. O conceito de respeito é também um dos elementos nodais dos comentários feitos tanto por alunos quanto por professores. Na França, a falta de coerência no gerenciamento da disciplina e o sentimento de injustiça vivenciado por alguns (Debarbieux et al., 1999) estão entre os elos mais fortes da análise de por que razão algumas escolas funcionam mal. Os mesmos motivos são encontrados na amostragem inglesa, embora em menor escala: 33,6% dos alunos franceses acreditam que as punições sejam injustas, contra 19,2%, na Inglaterra. É fatal que esse fato venha a afetar as relações entre alunos e adultos nas escolas, freqüentemente levando a uma rejeição da autoridade na forma de rupturas entre “eles e nós” (Johnson, 1999; Pourtignat e Streiff-Fenart, 1995). Os adultos queixam-se da falta de coerência na aplicação das regras e, às vezes, de falta de vontade, da parte de seus colegas, de lidar com tarefas dessa ordem (Debarbieux et al., 1999; Montoya, 2000). Esse aspecto ilustra uma das grandes diferenças entre a França e a Inglaterra, nas comparações relativas ao gerenciamento da disciplina. Na Inglaterra, a disciplina é mais de responsabilidade coletiva de todos os adultos que de um ou dois representantes da autoridade. As regras relativas à vida 240 cotidiana da escola ficam à mostra em todos os locais da escola, regras simples, impostas na forma “o que devo e o que eu não devo fazer”, incluindo as questões de intimidação de colegas. Na amostragem inglesa, as escolas que registram os níveis mais baixos de vitimização e insegurança são as que adotaram uma política de administração compartilhada dos incidentes e da vida comunitária, o que vem a confirmar as pesquisas anteriores sobre o impacto dessas políticas no clima da escola (Sharp e Cowie, 1998). Essa abordagem só tem a ganhar se os professores conhecem bem não apenas os alunos mas também os outros professores, graças à ampliação da rede de relações interna à escola e a melhor comunicação entre os adultos. Como afirma Lawrence (1998) em sua análise da violência escolar nos Estados Unidos: “Quando os professores e os gestores podem estabelecer relações pessoais com os alunos, os riscos de violência diminuem. Desse modo, a maneira como a escola é administrada está correlacionada à violência. Uma administração escolar firme, justa e harmônica parece ser um dos principais fatores na redução da violência. Quando as regras são conhecidas e aplicadas de maneira firme e justa, há menos violência” (p. 22). AUTO-ESTIMA E SENTIMENTO DE COMPETÊNCIA Quando os alunos não têm maneiras positivas de se fazer notar e apreciar por seus colegas e pela comunidade escolar, um modo de adquirir status ou de reagir a rótulos negativos é se comportar mal (Nijboer e Dijksterhuis, 1983): Uma das conclusões mais notáveis deste levantamento se refere ao efeito devastador exercido pelos rótulos negativos na psique dos jovens. Atribuído de forma aparentemente inocente a um aluno que falhou, um rótulo negativo pode destruir toda e qualquer motivação e provocar um sentimento de rejeição e de perda de rumo, no que se refere a seu senso de fazer parte de 241 algo. Os valores pessoais são distorcidos, as esperanças são destruídas e (parcialmente) uma marginalização auto-imposta pode ser o resultado. Essa situação pode fazer com que o aluno busque a companhia de outros indivíduos ou grupos igualmente marginalizados, tornando maior o risco de uma atitude pré-delinqüente” (p. 4). Os resultados de nossa pesquisa mostram que as atitudes dos adultos em relação aos alunos, tanto no nível acadêmico quanto de comportamento, são muito mais positivas entre os professores ingleses (tabelas X, XI). A diferença entre os países é grande: o número dos professores franceses que consideram que o nível de seus alunos é muito fraco é cinco vezes maior que na Inglaterra, e o dos que julgam as relações como ruins é três vezes maior. Isso influencia o clima de incivilidade e de problemas de comportamento. Os “casos perdidos” muitas vezes se sentem “desconhecidos”, o que os leva a evitar qualquer tipo de participação na vida escolar e a desenvolver um comportamento de confronto. Quando observamos as diferenças entre a França e a Inglaterra, uma delas parece primordial: as sanções quase que sistematicamente são baseadas num sistema binário de congratulações/repreensões. As atividades extracurriculares são também uma maneira de dar a certos alunos um senso de valor-próprio e de incentivar sua auto-estima. Como observa Pain (Pain et al., 1997) em seu estudo internacional sobre violência escolar, o que chama a atenção, quando visitamos as escolas inglesas, é a visibilidade e o valor conferidos ao desempenho dos alunos em todas as áreas comuns da escola: salões, corredores, salas de reunião, gabinete do diretor. Isso contribui para que os alunos tenham um sentimento de fazer parte da escola e para reforçar a cultura escolar. Expectativas positivas por parte dos professores, confiança na capacidade de seus alunos e uma forte participação de toda a comunidade são ingredientes que criam uma melhor atmosfera na escola (Forsyth e Tallerico, 1993; Grisay, 1993; Johnson, 1999). 242 Tabela X Respostas às perguntas feitas aos professores sobre o nível acadêmico de seus alunos A dependência é muito significativa: 2 = 90,51; df = 4; 1-P= > 99,99%. Nº de participantes: Inglaterra: 188. França: 236. Tabela XI Respostas às perguntas feitas aos educadores adultos sobre a qualidade de seu relacionamento com os alunos A dependência é muito significativa: 2 = 84,02; df = 3; 1-P= > 99,99%. Nº de participantes: Inglaterra: 190. França: 235. Os alunos não são os únicos a necessitar de reconhecimento positivo. O trabalho de ser professor é difícil, devido ao stress e a tensão que o acompanham. Tanto na França quanto na Inglaterra, os professores são submetidos a muitas críticas relativas a seu profissionalismo. Eles, às vezes, são apontados como os únicos responsáveis pelo fracasso dos alunos ou pelos problemas de violência. Na Inglaterra, por exemplo, um inspetor afirmou em seu relatório de fevereiro de 1999, que 15.000 professores eram incompetentes (TES, 1999). Demailly (1991) mostrou como os professores que se sentiam pouco à vontade ou preocupados com seu trabalho, e que tinham má opinião sobre si próprios e sobre sua capacidade, tinham maiores probabilidades de vir a desenvolver uma atitude agressiva – ou, no mínimo, menos positiva – em relação a 243 seus alunos, preferindo uma relação mais autoritária e chegando mesmo a humilhar os alunos em sala de aula. Muitos professores sentem-se amargurados pelas críticas públicas feitas por alguns ministros, tanto na França quanto na Inglaterra, onde o moral dos professores não é alto devido à falta de recursos humanos e financeiros, e devido também às críticas já mencionadas (TES, 2000). O sentimento de que os governos, tanto da França quanto da Inglaterra, subestimam e não mostram interesse suficiente pelas dificuldades encontradas por aqueles que fazem o trabalho “de campo” só faz agravar o mal-estar generalizado e em nada contribui para a auto-estima necessária para incentivar a interação e um clima social positivo em algumas escolas, embora nossas pesquisas mostrem que os professores ingleses tendam a ser mais positivos. A análise qualitativa de suas respostas em nossas entrevistas e às perguntas abertas de nossos questionários nos permitiram isolar alguns pontos interessantes que explicam em parte as diferenças dos respectivos índices de satisfação: • Os professores ingleses são menos isolados que seus colegas franceses, e sua socialização profissional incentiva o trabalho de equipe. A presença de assistentes de turma ajuda a reduzir o isolamento do professor frente à turma, e limita o stress inerente ao relacionamento com os alunos. Como já foi mencionado em outros trabalhos (Blaya e Debarbieux, 2000), auxiliares de ensino poderiam desempenhar esse papel após treinamento adequado. Aqui, também, não se trata de substituir a autoridade do professor ou de interferir em suas tarefas profissionais, mas de fornecer apoio visando a facilitar a administração da equipe. • Embora o sistema britânico de inspeções seja relativamente difícil de administrar e algumas vezes estressante, ele tem certo valor. Na verdade, a carreira do professor não depende da inspeção, cujo propósito é o de avaliar a vida escolar e sua eficiência geral. As atividades que tendem a incentivar o desenvolvimento pessoal dos alunos, 244 as atividades extracurriculares organizadas pela escola, as relações com a comunidade externa, particularmente com os pais, são também parte do programa de inspeções, que dura em média uma semana e é efetuado por três ou quatro inspetores. Desse modo, a avaliação não é feita em termos individuais, mas em termos da política geral e da atmosfera da escola, o que leva a maior colaboração entre os colegas e à valorização de seu trabalho. No entanto, a introdução de um currículo nacional e a ênfase colocada nos resultados dos diversos testes e exames, resultante da competição existente entre as escolas, vêm tendendo a direcioná-las a uma política mais voltada para os resultados acadêmicos (Gewirtz, 1998), e elas vêm perdendo a flexibilidade que antes permitia a oferta de maior apoio individual, quando necessário. CONCLUSÃO Alguns pontos interessantes surgem deste estudo comparativo sobre a extensão do fenômeno da violência, o sentimento de insegurança, a qualidade da atmosfera escolar e os fatores que exercem influência sobre a situação em ambos os países: Tanto na França como na Inglaterra, todas as escolas estudadas se deparam com violência e com problemas de comportamento. No entanto, sua intensidade varia de uma escola a outra e de um país a outro: os professores e alunos franceses têm mais queixas quanto a suas condições, manifestam um maior sentimento de insegurança e índices mais altos de vitimização. O tipo de violência a que os alunos mais freqüentemente se vêm submetidos, em ambos os países, é verbal. Os meninos têm maiores probabilidades de serem vitimados que as meninas. A violência grupal, mais comum na França, causa maiores traumas e tem forte influência sobre a percepção da comunidade escolar como um todo, no que se refere ao seu clima. 245 Embora a escola não seja capaz de resolver todos os problemas, nem de compensar as desvantagens sociais, ela pode influenciar seu próprio clima e a violência que ocorre dentro de seus muros. A solução para os problemas de insegurança e de violência não reside na instalação de sistemas de segurança de alto desempenho, mas sim na introdução de fatores organizacionais na própria escola e no sistema educacional, tais como: • Relações professor/aluno de melhor qualidade, baseadas em comunicação mais intensa e num melhor relacionamento, graças a atividades extracurriculares. • Disciplina justa e coerente. • Oportunidades de os alunos virem a desenvolver autoestima, não apenas por meio de seus resultados escolares, mas também por meio de atividades extracurriculares que permitam que eles desenvolvam um senso de fazer parte da escola e construam uma cultura compartilhada. • Maiores incentivos no que concerne à participação da equipe. Um sistema de inspeções mais global, que não leve em conta apenas a relação pedagógica em sala de aula. Trabalho de equipe e cooperação entre os adultos, propiciados por uma liderança positiva, que não ignore os fatores internos como possíveis fontes de desordem. • Avaliações mais regulares de clima interno de cada escola e do nível de violência, de modo a permitir medidas mais apropriadas tanto de prevenção quanto de repressão. Não há dúvida de que os fatores ressaltados acima contribuam para incentivar um clima escolar mais positivo, um ambiente seguro e um ensino de melhor qualidade (Grisay, 1993). Outros fatores também merecem ser aprofundados, tais como a influência da comunidade externa, como já ficou demonstrado por outros estudos (Blaya, 2001; Blaya e Debarbieux, 2000; Gottfredson e Gottfredson, 1985). Além do mais, seria errado concluir, a partir desta pesquisa, que, na Grã-Bretanha, “tudo é para o melhor, neste melhor 246 dos mundos”. Embora o clima social seja melhor nas escolas secundárias carentes por nós observadas, a presente amostragem representa apenas parte da estrutura de ensino. Seria interessante ampliar este levantamento de modo a incluir escolas de todos os tipos. Muitas escolas são confrontadas por grandes dificuldades financeiras, em decorrência de um sistema que determina o montante do financiamento a ser recebido com base no número de alunos matriculados. As escolas que não obtêm bons resultados nos exames podem ver o número de seus alunos despencar de forma drástica, o que se deve à (relativa) liberdade que os pais têm de escolher a escola de seus filhos. Quando essas escolas conseguem sobreviver, muitas vezes se dá ao preço de um enorme compromisso profissional e pessoal por parte de toda a equipe escolar, resultando na exaustão dos professores e diretores e numa crescente dificuldade em contratar novos professores (Johnson, 1999; Lupton, 2001). Aqui, também, essa situação penaliza os alunos das áreas carentes, uma vez que as escolas que enfrentam dificuldades situam-se em bairros de baixa renda. Sem uma mobilização global e sem injeção de novos recursos pelo governo trabalhista, é bem possível que a situação venha a piorar ainda mais, levando a cortes de pessoal e à redução das atividades, colocando assim em perigo não apenas a segurança escolar, conquistada a tão duras penas, mas também a qualidade do ensino oferecido àquela parcela da população, que já vem sofrendo de exclusão social. REFERÊNCIAS BLAYA, C. Violence in socially deprived secondary schools: a comparative study in France and England. Thesis (Doctors Degree) – University of Portsmouth, 2001. CIBOIS, P. L’analyse fatorielle. Paris: PUF, 1983. COOPER, P.; IDEUS, K. Attention deficit hyperactivity disorder: educational, medical and cultural issues. East Sutton: AWCEBD, 1997. 247 COWIE, H. 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Cardiff: Drake Educational Associates, 1993. 250 A VIOLÊNCIA ESCOLAR E AS POLÍTICAS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Égide Royer Eu gostaria aqui de refletir sobre a importante questão do formação de professores e de outros profissionais de educação. Irei fazê-lo na qualidade de diretor do Centro de Pesquisas e Intervenção no Sucesso Escolar (CRIRES) e, mais particularmente, na de pesquisador, praticante e especialista na formação de professores na questão da violência e dos comportamentos agressivos nas escolas. Em primeiro lugar, gostaria de reafirmar que as escolas maternais não são unidades terapêuticas, mas sim ambientes de desenvolvimento. Que a escola primária não é um centro de readaptação, mas uma instituição educacional, e que a escola secundária não é um instituto de pedopsiquiatria, mas um ambiente de aprendizagem privilegiado. Tratarei, portanto, da questão da formação de professores de um ponto de vista educacional, tomando como base um modelo de aprendizagem, usando a linguagem do educador e propondo o desenvolvimento de capacidades coerentes com uma instituição educacional. Devo advertir, de início, que apoio a tese de que a educação e a escola têm um importante papel a cumprir na prevenção e no manejo da violência e dos comportamentos agressivos demonstrados por alguns jovens. Os professores, no decorrer da sua formação inicial ou mais adiante, têm que desenvolver a capacidade de intervir e de evitar comportamentos agressivos 251 nas escolas. Sejamos claros: a capacidade de ensinar a ler, escrever e fazer operações matemáticas não é mais suficiente para educar os jovens que hoje freqüentam nossas salas de aula. Tendo chegado ao fim dessas breves considerações, gostaria que nós estabelecêssemos um certo número de componentes essenciais que precisam ser integrados em qualquer estratégia para o desenvolvimento de conhecimentos e capacidades nos professores, visando a evitar e a lidar com a violência nas escolas. Quer seja você ministro, diretor, pesquisador, profissional trabalhando ao nível da escola ou da comunidade, professor ou responsável pela formação de professores, creio que esses elementos lhe serão úteis na avaliação de suas políticas ou de suas práticas formadoras. Eles podem ser usados como uma grade analítica, para determinar até que ponto o item “formação de professores” de sua política de prevenção da violência escolar vem atingindo seus objetivos, e eles podem ajudá-lo a fazer os acréscimos e as alterações necessárias. Não tenho aqui a pretensão de tratar da questão de forma exaustiva. Na verdade, uma política para formação de professores deve ser formulada sob medida, de modo a adequar-se ao contexto. No entanto, creio que alguns componentes básicos sejam comuns a todos os projetos formativos de professores, no que se refere à prevenção e ao manejo da violência escolar. Trabalho em educação há mais de 25 anos e, no entanto, a cada dia , continuo me vendo surpreso ou até mesmo atônito, com o nosso reflexo condicionado, como educadores, de lançar mão da solução mágica, da intervenção simples e universal que, de forma rápida e infalível, resolveria problemas recerrentes que já vêm de longa data. Trata-se da síndrome do “para cada problema complexo há uma solução simples”. Geralmente, a solução errada. O que proponho aqui não é simples, mas, na medida do possível, corresponde ao conhecimento que atualmente temos nesse campo da prática profissional. 252 O AUMENTO NA FREQÜÊNCIA E NA GRAVIDADE DOS PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO E DE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS Como pano de fundo, permitam-me afirmar o óbvio. Dados norte-americanos e europeus indicam com toda a clareza que a violência nas escolas aumentou ao longo dos últimos vinte anos. Sabemos bastante bem como os comportamentos agressivos e violentos se desenvolvem entre os jovens. Comportamentos dos pais caracterizados por punições, inconsistência e falta de supervisão; vizinhanças que oferecem a oportunidade de associação com grupos transgressores sem oferecer a contrapartida de modelos pró-sociais; e escolas que privilegiam abordagens disciplinares de natureza punitiva, cujas regras são vagas, cujas expectativas são baixas e que apresentam altos níveis de repetência são fatores que contribuem para o aumento da freqüência dos comportamentos agressivos nas escolas. Desse modo, nosso conhecimento sobre as raízes da violência entre os jovens é relativamente bom. O que é urgente é intervir: formar melhor nossos educadores para evitar a violência na escola e lidar melhor com ela. AS FALHAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Vemo-nos confrontados com um problema que vem apresentando aumento constante, embora não tenha havido um aumento paralelo da capacidade dos professores de ajudar esses jovens. Nos muitos seminários de formação que ministrei, na América e na Europa, observei que os professores, diretores e outros profissionais que trabalham nas escolas receberam pouquíssima formação sobre como propiciar uma boa educação aos jovens que demonstram comportamento agressivo e, menos ainda, sobre como evitar a violência nas escolas. 253 As seguintes perguntas têm que ser formuladas: como devemos formar esses educadores? Qual deve ser nossa política de formação nessa área? Como podemos oferecer aos atuais e aos futuros professores a oportunidade de desenvolver capacidades que correspondam aos progressos recentes das pesquisas sobre o assunto? Até que ponto nós, como formuladores de políticas, profissionais praticantes e pesquisadores, podemos considerar que um programa de formação voltado para a violência nas escolas atingiu seus objetivos? Aqui estão oito indicadores, apresentados tendo em mente o professor, que examinaremos em detalhe nos minutos seguintes: OS COMPONENTES DE UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES A política de formação de professores e de evitar a violência e lidar com ela nas escolas vem sendo correta e eficaz se os professores que trabalham em sua escola: 1. sabem e entendem como os comportamentos agressivos se desenvolvem nos jovens; 2. compartilham da crença de que a educação e, mais especificamente, a escola são capazes de contribuir para evitar que a violência se desenvolva e tenha continuidade; 3. intervenham de forma ativa, e não apenas reativa com relação à violência e aos comportamentos agressivos que ocorrem na escola; 4. estão convencidos de que, devido à diversidade dos problemas relacionados à violência, as intervenções devem ser individualizadas e formuladas sob medida para cada caso; 5. valorizam o formação continuada ao longo de toda a sua vida profissional, sabendo que a simples experiência não é o bastante; 6. são capazes de integrar em sua prática os novos conhecimentos surgidos das pesquisas; 254 7. desenvolveram capacidades sólidas de formar parcerias com os pais, sabendo que a participação dos pais exerce influência considerável sobre a eficácia de sua intervenção; 8. reconhecem a importância essencial do trabalho de equipe, sabendo que suas intervenções em sala de aula não serão suficientes. Examinaremos agora cada um desses elementos separadamente: Primeiro elemento: a política para formação em violência escolar tem que oferecer aos professores uma compreensão de como a violência se desenvolve As conclusões dos muitos programas de pesquisa realizados nas últimas três décadas traçam um mapa bastante preciso do desenvolvimento dos comportamentos agressivos nos jovens. Entre outros, os trabalhos de Patterson e seus colegas sobre essa questão foram notáveis. Sabemos que a presença de fatores de stress familiar (pobreza, uso de álcool e drogas), um grito histórico de negligência parental e de abusos físicos, sexuais ou psicológicos, a presença de depressão e frustração, o sentimento de impotência e a exposição a modelos violentos são, todos eles, partes integrantes do desenvolvimento da violência e do comportamento agressivonos jovens. Sabemos também que a capacidade dos pais de educar seus filhos pequenos, independentemente desses fatores de risco, é uma variável importante. É muito comum eu encontrar pais desesperados, batalhando com uma criança de quatro, cinco ou seis anos, que virtualmente assumiu o controle do ambiente familiar com seus ataques de raiva e outras técnicas de coerção. Um programa de formação corretamente construído permitirá rapidamente que os educadores se dêem conta de que a violência não está na criança, senão nos meios que a criança adotou para lidar com seu ambiente, algo que ela aprendeu. Para que meus alunos entendam esse aspecto, costumo usar uma metáfora. Imaginem a seguinte cena: 255 “Uma formiga abre caminho ao longo de uma praia que foi formada pelas ondas e pelo vento. Você a observa. Ela vai em frente, dobra à direita para tomar o caminho mais fácil para escalar uma pequena duna, depois vira à esquerda para evitar uma fenda. Ela, assim, vai abrindo caminho até o formigueiro. A rota da formiga, o caminho que ela usa para voltar para casa é irregular, complexo, difícil de prever. Mas essa complexidade, na verdade, é a complexidade da praia, não a complexidade da formiga” (Simon, 1981). À luz de sua compreensão do desenvolvimento da violência e dos comportamentos agressivos, os professores bem-formados concordarão que eles terão que levar em conta a praia, e não apenas a formiga, e que é necessária uma análise funcional do contexto onde esses comportamentos ocorrem. Segundo elemento: sua política de formação de professores deve fazer com que os professores se convençam de que a educação e, mais especificamente, as escolas podem contribuir para evitar o desenvolvimento da violência Num artigo publicado há alguns anos sobre a adaptação escolar na Europa e sobre as perspectivas de desenvolvimento dos serviços educacionais nos países-membros da Comunidade Européia, Seamus Hegarthy afirmou que os estudos sobre as escolas eficientes confirmavam a crença intuitiva de que as escolas podiam fazer diferença, e que as crianças recebiam uma educação melhor em algumas escolas que em outras, tendo menos dificuldades de aprendizagem (Hegarthy, 1996). O mesmo pode ser dito sobre a prevenção da violência nas escolas e sobre a intervenção junto a jovens que demonstram comportamento agressivo. Há escolas que punem e tentam controlar a violência (Royer, 1998, 1999), e há outras que educam visando a evitá-la e substituí-la. Vocês hão de concordar comigo que a escolha entre essas duas filosofias não cabe ao aluno. 256 Sua política de formação deve, portanto, capacitar os educadores a integrar às suas práticas tudo aquilo que sabemos sobre as escolas de alta qualidade. Torna-se claro que essas escolas exemplares vislumbram a todos os seus alunos expectativas coerentes e precisas, estabeleceram modos de intervir em situações de crise e preocupam-se tanto com o aprendizado acadêmico quanto com os comportamentos agressivos. Este último ponto é da maior relevância. Atenção particular deve ser dada à aprendizagem, oferecendo apoio ao mesmo tempo em que as expectativas são mantidas altas (Coie e Krehbiel, 1984). O modelo de referência que orienta as intervenções nesse tipo de escola é um modelo que privilegia de forma resoluta o aprendizado, como parte de uma relação de alta qualidade entre o professor e o aluno. Uma escola, como já ressaltei antes, não é nem uma clínica nem um centro de readaptação. Uma escola é um lugar onde os jovens podem desenvolver e manter relações significativas, inclusive com adultos que se preocupam com seu bemestar. Uma escola é, também, um lugar de educação, um lugar onde os alunos se preparam para a vida social. Para alguns dos jovens que talvez tenham deficiências em termos de socialização, a escola pode representar uma segunda oportunidade, ou mesmo uma última oportunidade de desenvolver as capacidades necessárias para se integrar à comunidade, para que eles venham a ser capazes de viver uma vida rica, tanto ao nível profissional quanto ao nível pessoal. O “Projet européen des écoles de la deuxième chance” (Royer, 1996), em minha opinião, é um exemplo promissor desse tipo de papel social que as escolas deveriam estar desempenhando. Terceiro elemento: a política de formação de professores deve levar os educadores a intervir de forma ativa, mais do que reativa, com respeito à violência e aos comportamentos agressivos em sua escola Essa abordagem ativa deve, antes de mais nada, ser examinada no contexto da prevenção, da intervenção precoce. Essa, sem dúvida, é uma missão que deve mobilizar o centro 257 nevrálgico da escola, assumir uma posição estratégica e reconhecer, desde muito cedo, as crianças que apresentam tendências de vir a desenvolver comportamentos agressivos, ou que são vítimas de ambientes marcados por violência. Nos primeiros anos de vida dessas crianças, as escolas podem oferecer serviços para atender a suas necessidades. Intervenções desse tipo devem se basear no reconhecimento precoce das crianças de risco e na intervenção junto a esses alunos, a seus pais e a seus pares (Royer, 1995; Royer, Bitadeau e Poliquin-Verville, 1996). Na vida cotidiana da escola, essa postura preventiva significa também intervir a montante (nos primórdios), e não à jusante. Ela significa reconhecer que há pelo menos dois níveis de intervenção, quando se trata de educar sobre a questão da violência: o universal e o específico. As ações universais, de linha-de-frente, afetam a totalidade da escola: as regras ou códigos de conduta da escola, a comunicação das expectativas e das normas, o ensino das capacidades sociais a todos os alunos de uma turma são exemplos desse tipo de intervenção. As medidas específicas, de segunda linha, destinam-se a determinados alunos que necessitam de ajuda especial. Consultas individuais e formação sobre como controlar ou substituir os comportamentos agressivos são exemplos dessas medidas. Essas ações específicas tornam necessária a intervenção precoce em três áreas: na sala de aula, na casa da família e no pátio de recreio, por meio de três agentes sociais decisivos: os pais, os professores e os pares (Desbiens et al., no prelo; Dodge, 1993; Reid, 1993; Royer et al., 1999). Para esses jovens, o ensino não é suficiente. Quarto elemento: sua política para formação de professores deve fazer justiça à diversidade dos problemas e reconhecer as necessidades de intervenção individualizada Como na alta moda, ou na alta costura – e não há lugar melhor que Paris para afirmá-lo – sua política tem que ser formulada sob medida. 258 Como vocês sabem, já há muitos anos vimos falando de individualização na educação. No entanto, ainda sofremos da síndrome do “”prêt-à-porter”, que nossos colegas ingleses chamam de a síndrome do “tamanho único” (Royer, 2001). Os professores e os diretores possuem um longo histórico de usar soluções simples e gerais para os graves problemas experimentados por alguns alunos em suas escolas. Tudo isso já deu origem a muita insatisfação e desapontamento, em razão dos fracassos resultantes de intervenções desse tipo. É muito freqüente que a gravidade do problema encontre um correspondente menos que perfeito no poder de intervenção e no nível dos recursos disponíveis, que muitas vezes estão aquém do patamar exigido para que efeitos duradouros sejam alcançados (Walker, 1996). Um desses problemas está associado às avaliações: elas devem ajudar as intervenções. Hoje, já está claro que os diagnósticos, pelo menos no que concerne à violência escolar ou aos comportamentos agressivos, não representam intervenção suficiente. Os avanços no campo da avaliação funcional, como demonstram as exigências da nova lei americana sobre educação especial, confirmam a necessidade de avaliar a situação de um jovem ou de uma escola usando a perspectiva que empregamos para explicar o comportamento da formiga na praia. Esses dados têm que ser empregados na formulação de intervenções sob medida, tanto no tocante às escolas, em sua luta contra os problemas da violência, quanto em relação aos jovens que são os causadores ou as vítimas dessa violência. Como um bom alfaiate, você terá que adaptar a intervenção à situação particular da escola e do aluno. Isso pode parecer difícil, mas os processos de intervenção desse tipo realmente levam em consideração a complexidade dos problemas da violência e da agressividade hoje encontrados nas escolas. Para esclarecer as coisas: um professor que tenha sido devidamente preparado para evitar e lidar com a violência, não pensará jamais que quando a única ferramenta de que você dispõe é um martelo, todos os problemas têm que ser vistos como pregos. 259 Quinto elemento: sua política entende a importância da formação continuada Como promotor desse tipo de políticas de formação, você sabe que a simples experiência não é suficiente para lidar com alunos que mostram comportamentos agressivos. Como já ressaltamos antes, a maioria dos professores não recebeu e ainda não está recebendo formação adequada sobre como educar os jovens que mostram conduta violenta ou agressiva, ou sobre como intervir de forma preventiva em relação a esses alunos. Nos casos em que os professores tiveram a sorte de participar de sessões de formação, essa formação sempre acontecia numa perspectiva de “forme-se e tenha esperança”. Mas essa é uma das situações da vida nas quais ter esperança não basta. Já ficou provado que as sessões formadoras tradicionais , baseadas na transmissão formal de informações aos professores, são incapazes de provocar mudanças na prática de sala de aula. Mas se você observar professores corretamente formados em ação, você logo verá que eles são capazes de estabelecer, frente a seus alunos, regras e expectativas claras com relação a comportamento e a aprendizado, de gerar efeitos corretivos e retrospectivos de natureza positiva, quando necessário, de usar repreensões quando preciso e de incentivar o desenvolvimento das capacidades sociais e do autocontrole entre seus alunos. Mas como desenvolver essas capacidades nos professores? A primeira estratégia é demonstrar que mudar algumas das maneiras de agir dos professores não apenas irá beneficiar os alunos, mas também melhorar a qualidade de vida dos professores. Da mesma forma que o aluno, que precisa sentir que ele alcança sucesso quando muda seu comportamento, o professor também precisa ver os resultados positivos dessa mudança de método. Essa relação esforço-benefício é importante para os professores, uma vez que sempre se pede a eles – como no caso de Quebec – que mudem sua maneira de agir. Se o esforço que eles destinam a uma criança ou a um projeto escolar voltado para 260 evitar a violência na escola de fato melhora o comportamento do aluno, dando aos professores um senso de orgulho e de êxito, além de melhorar a atmosfera da escola e da sala de aula, há grandes probabilidades de que essa prática venha a ser mantida. Também é bastante provável que os professores venham a compartilhar essa prática com seus colegas, e tornem-se mais abertos a sugestões e a intervenções que sejam semelhantes às que eles acabaram de aplicar. Para sermos claros, tanto os professores quanto os alunos têm que se sentir incentivados, quando se pede que eles mudem determinados métodos ou adotem métodos novos. Aquilo que é sugerido por nós tem que contribuir para a melhora de sua qualidade de vida e para a atmosfera da sala de aula e da escola. Esse aspecto muitas vezes é negligenciado. Sexto elemento: sua política valoriza os professores que integram a suas práticas de ensino algumas das práticas exemplares e dos conhecimentos originados nas pesquisas recentes sobre a violência escolar. Nunca deixa de me surpreender – falo aqui da situação em Quebec – que na formação universitária obrigatória de quatro anos de duração, exigida para que alguém se torne professor, não há cursos sobre pesquisa educacional ou sobre a violência no ambiente escolar. Como afirmou Gallagher (1987), os resultados de pesquisa podem ser comparados ao petróleo bruto. Todos dizem que é precioso, mas ninguém o colocaria diretamente no tanque de gasolina de seu carro. O centro de pesquisa dirigido por mim trata especificamente do processo de refinamento – o processo de divulgar junto às escolas os resultados práticos das pesquisas educacionais. As intervenções relativas à violência escolar devem ter como base as atividades das pesquisas fundamentais e aplicadas, que façam sentido para os professores e diretores de equipe. Graças ao corpo de conhecimentos construído por nós ao longo dos 261 últimos 25 anos sobre a questão dos comportamentos agressivos e da violência, sabemos que algumas intervenções são mais eficazes que outras. Qualquer educador que deseje enfrentar o problema da violência no ambiente de sua escola, tem que estar de posse da maior parte desses conhecimentos, como acontece também com médicos, engenheiros ou químicos, em seus respectivos campos. É óbvio que um professor devidamente formado não recomendará como intervenção única o desenvolvimento de autocontrole numa criança agressiva de cinco anos de idade que morde seus colegas, ou o ensino de valores morais a um jovem delinqüente de 15 anos. Por meio de nossos dados de pesquisa, sabemos que intervenções desse tipo não produzem o efeito desejado. Elas talvez sejam necessárias, mas, geralmente, nem de longe serão suficientes. Sua política para formação de professores deverá, portanto, incluir conhecimentos baseados nos resultados de pesquisas, de modo a fornecer real apoio aos educadores que trabalham na prevenção e no trato com a violência escolar. Isso vale para a medicina e para a aeronáutica, e deve valer também para a educação. Sétimo elemento: qualquer política para formação de professores na prevenção da violência nas escolas deve ajudar esses professores a desenvolverem capacidades sólidas de estabelecer parcerias com os pais, sabendo que a participação dos pais tem influência considerável sobre a eficácia das intervenções dos professores Não se trata apenas de uma afirmação politicamente correta, mas sim de um fato inequívoco: a parceria com os pais é um ingrediente de extrema importância em qualquer intervenção que tente evitar ou lidar com a violência escolar. Formei a convicção de que uma intervenção, para ter eficácia, tem que levar em conta o ambiente onde vivem os alunos e, em primeiríssimo lugar, seu ambiente familiar. Dentre outras coisas, temos que trabalhar nas capacidades dos pais, e não ape262 nas nas dos alunos e dos professores. O ambiente familiar é uma variável imprescindível na promoção do desenvolvimento e manutenção das capacidades que embasam uma boa integração social. Os dados das pesquisas são claros quanto a isso: o trabalho com as capacidades dos pais desempenha um importante papel no sucesso das intervenções propostas pela escola para tratar dos comportamentos agressivos. No que concerne às questões de competência e de habilidades sociais, nossos trabalhos nos levaram a concluir que as mudanças duradouras advêm de uma comunicação de qualidade com os pais (Royer et al., 2000). No curto ou no médio prazo, os especialistas vêm e vão na vida dos jovens, mas seus pais geralmente ficam. Um professor formado para desempenhar suas funções frente à violência escolar deixou de lado o controle piramidal e está resolutamente comprometido com uma parceria com os pais, visando a construir uma relação sólida de confiança e colaboração. A formação anteriormente oferecida aos professores, que em geral não tratava do desenvolvimento de capacidades de maneira funcional, tendo como objetivo o trabalho com os pais, é, em minha opinião, totalmente desatualizado, ou até mesmo jurássico. Oitavo elemento: desenvolvimento de capacidade de trabalho em equipe Como protagonistas do desenvolvimento das políticas para formação de professores, vocês sabem que as intervenções em sala de aula, por si sós, não são suficientes para educar os jovens que exibem comportamentos agressivos. A escola não é uma ilha, senão parte da comunidade. É claro que algumas situações têm que ser resolvidas pelo professor em sala de aula; outras serão tratadas pelo diretor ou pela polícia e, por fim, um pequeno número delas será entregue aos serviços sociais. As escolas funcionais e os professores devidamente habilitados desenvolveram a capacidade de trabalhar em parceria com as organizações comunitárias, definindo o campo 263 de ação de cada uma delas. A formação que você oferece a seus professores deve prepará-los para esse tipo de colaboração. Em sua política para formação, os professores devem ser capazes de identificar com clareza suas próprias responsabilidades e seu campo de ação, no que tange à prevenção e as medidas para lidar com a violência escolar, na perspectiva da colaboração com os serviços oferecidos pela comunidade. CONCLUSÃO Para resumir, as seguintes políticas para formação de professores são recomendadas: 1. sua política para capacitar os professores a lidar com a violência escolar inclui medidas que garantam que eles tenham conhecimento de como a violência se desenvolve nos jovens; 2. sua política assegura de maneira inequívoca que a escola é capaz de contribuir para a prevenção do desenvolvimento dos comportamentos agressivos; 3. sua política defende uma abordagem ativa, e não reativa, no trato da violência escolar; 4. sua política promove o desenvolvimento da capacidade de formular intervenções sob medida, sempre que necessário. Você não se contenta com soluções prontas, prêt-à-porter; 5. sua política incentiva a formação continuada, sabendo que a experiência, por si só, não basta para evitar ou lidar com a violência; 6. sua política assegura que os conhecimentos embasados nas conclusões das pesquisas recentes sejam transmitidos aos professores e integrados em suas atividades, juntamente com as práticas exemplares corroboradas por esses estudos; 264 7. sua política dá prioridade ao desenvolvimento de uma abordagem construtiva na formação de parcerias com os pais, ciente de que a participação dos pais tem efeito considerável sobre as intervenções subseqüentes; 8. sua política reconhece que a prevenção e o trato da violência é uma empreitada comunitária, que exige capacidade de trabalho em equipe. Você sabe que as intervenções com base na escola e na sala de aula não são suficientes para evitar que a violência venha a ocorrer. Permitam-me concluir apresentando um nono e último elemento de sua política para formação de professores: Cito J. K. Galbraith: “A existência social é um processo. Quando um de seus problemas é resolvido, outros surgem, muitas vezes gerados pelas soluções anteriormente encontradas e aplicadas. Temos como hábito, é claro, reivindicar soluções. O mais das vezes, a melhor delas será apenas um sucesso temporário, embora ninguém deva minimizar a importância de um sucesso. No entanto, o importante é voltar nossa atenção e pensar sobre o mecanismo que usamos para tratar do fluxo de problemas que, como ondas na praia, continuam vindo...” (J. K. Galbraith, 1976). Em educação, ainda tendemos a julgar a saúde e o dinamismo de um sistema escolar pelo número de realizações novas alcançadas por ele, e não pela qualidade da implantação dessas realizações novas e de seu impacto sobre a vida escolar. Seguindo-se a esse pensamento de Galbraith, o nono elemento de sua política é um mecanismo de avaliação que lhe permita tratar dos novos problemas com os quais você talvez venha a se confrontar, e que, em graus variados, se relacionam à violência. Todos nós nos preocupamos com o aumento dos comportamentos agressivos e da violência ocorridos na maioria de nossos sistemas educacionais. Conseqüentemente, uma medida importante seria o desenvolvimento de uma parceria internacional sobre as políticas e as práticas de formação de professores relacionadas à prevenção da violência nas escolas. 265 REFERÊNCIAS COIE, J. D.; KRICHBEL, T. Effects of academic tutoring on the social status of low-achieving, socially rejected children. Child Dev, n. 55, p. 1465-78, 1984. DESBIENS, N. et al. Competénce sociale, statut sociométrique et réseaux affiliatifs dês eleves em trouble du comportement au primaire. Science et Comportement, (in press). DODGE, K. The future of research on conduct disorder. 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