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SUPRESSÃO DO DEBATE PARLAMENTAR COMO INSTRUMENTO…
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Supressão do debate parlamentar como instrumento de ‘checks and
balances’
O art. 49.3 da Constituição francesa e a garantia da aprovação das leis essenciais ao governo
ROBERTA SIMÕES
NASCIMENTO
16/03/2022 05:10
Plenário da Câmara dos Deputados. Crédito: Antonio Cruz/Agência Brasil
Existe algum dever dos Parlamentos em colaborar com a governabilidade? A
pergunta pode soar estranha no país do presidencialismo de coalizão, em que o
presidente precisa negociar o apoio dos parlamentares ao governo a cada votação e
cujo fracasso implica nas chamadas “pautas-bomba”, com a aprovação de projetos
que aumentam o gasto público.
Tradicionalmente, o toma-lá-dá-cá passa pela indicação de cargos e liberação de
emendas orçamentárias; no passado já chegou a envolver a compra dos votos dos
parlamentares de forma ilícita, na prática conhecida por “mensalão”; e até hoje tal
dinâmica continua recebendo críticas, inclusive pela forma que tomou quanto às
emendas identi6cadas como RP-9.
Do ponto de vista institucional, o tradicional diagnóstico da realidade brasileira a
partir da Constituição de 1988 aponta para a existência de amplos poderes por parte
do presidente da República para implementar sua agenda de governo. Nesse
sentido, Fernando Limongi e Argelina Figueiredo, por exemplo, chegam a sustentar
uma preponderância do Executivo sobre o Congresso.
Entre os instrumentos de que dispõe o presidente brasileiro, no entanto, em termos
de força (e e^cácia), nada se compara ao expediente do art. 49.3 da Constituição
francesa, que força um compromisso de responsabilidade de lado a lado, muito
peculiar do sistema francês, que, recorde-se, adota o semipresidencialismo. Lá, o
Executivo é dual, composto por um presidente e um primeiro-ministro, que funciona
como chefe de governo (ladeado por um conselho de ministros).
Com a invocação do art. 49.3 da Constituição francesa, o primeiro-ministro pode
suprimir o debate parlamentar de determinados projetos de lei, procedendo à sua
aprovação automática, independentemente de votação, no prazo de 24 horas, exceto
se for aprovada, pela maioria dos membros da Assembleia Nacional, uma moção de
censura que tenha sido subscrita por pelo menos um décimo dos parlamentares (o
equivalente a 58 assinaturas).
Então, se nenhuma moção de censura for apresentada, o texto é adotado. Em sendo
apresentada a moção de censura nos moldes indicados, abre-se o prazo de 48 horas
para o debate da moção. A votação não pode ocorrer antes do decurso desse prazo.
Se for aprovada a moção, o primeiro-ministro deve apresentar sua renúncia ao
presidente da República. Se rejeitada, o projeto ou proposta do governo é tido como
aprovado.
Para submeter a responsabilidade do governo perante a Assembleia Nacional, o
primeiro-ministro precisa do aval do conselho de ministros, porque a
responsabilidade é solidária. Além disso, de fato, a medida é drástica e impopular: na
prática, é quase a imposição de uma lei ao próprio Parlamento, pois impede a
apresentação de emendas parlamentares e põe ^m às discussões legislativas. Por
isso, para os críticos, o art. 49.3 é antidemocrático.
Ainda assim, desde 1958 (quando entrou em vigor a atual Constituição francesa), o
expediente constitucional já foi usado em 87 ocasiões. Quase todos os governos
recorreram ao dispositivo. Na última vez, em 2020, o art. 49.3 foi aplicado após a
oposição apresentar mais de 40 mil emendas (exatamente 41.888) para obstruir a
deliberação da reforma previdenciária. É para esse tipo de bloqueio institucional que
o dispositivo tem servido, sua introdução contorna a falta de uma maioria
parlamentar sólida.
Na redação originária de 1958, a aplicação do art. 49.3 era possível em relação a
qualquer matéria e por quantas vezes o governo quisesse. Na reforma constitucional
de 23 de julho de 2008, restringiu-se o alcance do art. 49.3 aos projetos de lei de
^nanças ou de previdência social e limitou-se sua invocação a uma vez por sessão
legislativa.
Como se vê, com o art. 49.3 da Constituição francesa, conferiu-se ao governo uma
medida extrema e poderosa para veicular seu programa político.
Um dos autores da Constituição francesa, Michel Debré, justi6cou a disposição
excepcional em razão da experiência naquela época (em referência ao processo
decisório do ordenamento anterior, a chamada Quarta República, inaugurada com a
Constituição de 1946). Em sua opinião, viu-se a necessidade de garantir no
Legislativo, apesar das manobras parlamentares obstrutivas, a adoção das medidas
indispensáveis ao governo.
O espírito é o que foi bem captado pelo editorial do Le Monde: “A Assembleia
Nacional não pode bloquear o funcionamento das instituições sem arriscar ser
dissolvida”.
É claro que essa ferramenta não deveria ser banalizada, ao menos isso não seria
algo desejável. A previsão de um mecanismo de “checks and balances” como o art.
49.3 da Constituição francesa deveria funcionar mais ou menos como a “morte
cruzada” do Equador já comentada em coluna passada, e servir mais para dissuadir
do que propriamente para se utilizar.
Trata-se de um chamado para que o Poder Legislativo exerça seu papel de orientar
politicamente as ações do Estado no sentido da realização de ^ns, metas e valores
importantes para a sociedade. O processo legislativo (e o Parlamento, de modo
geral) não pode ser um palco para o puro “^libusterismo” ou a permanente utilização
de táticas parlamentares obstrucionistas.
Por mais que já seja lugar comum a ideia de Jeremy Waldron de que os desacordos
são vitais em uma democracia e que as legislaturas tenham mais capacidade
institucional para lidar com esse tipo de conlito, a prática de uma obstrução
ilimitada ou rotineira pode se tornar inconstitucional. A ideia de que existem limites à
obstrução parlamentar já tinha sido colocada aqui.
Neste sentido, seria possível atribuir aos Parlamentos uma “função de
governabilidade”, isto é, de contribuir para que sejam tomadas decisões que
concretizem e desenvolvam a Constituição, de colaborar, de forma minimamente
proativa, para o aperfeiçoamento das propostas, sem simplesmente travar as
negociações.
Não se a^gura legítimo aos Parlamentos o comportamento institucional de paralisia
decisória. A fragmentação não é justi^cativa para que o Legislativo deixe de
proceder à orientação política do governo, a partir da determinação dos objetivos
prioritários para o país e da discussão dos instrumentos mais adequados para
convertê-los em realidade, harmonizando os interesses das maiorias e das minorias.
Assim entendida, a função de governabilidade dos Parlamentos não é contraditória
com a tradicional função de controle político exercida sobre os governos. Na
verdade, ambas as funções (de governabilidade e de controle parlamentar) estão
conectadas e se complementam.
Longe de relegar ao Parlamento a função de mero “carimbador” das propostas
encaminhadas pelo Poder Executivo, a tarefa reclamada consiste na típica atividade
política de proporcionar a participação dos partidos políticos na construção das
decisões, ou seja, uma atuação propositiva, voltada para superar os impasses.
Para que o ideal normativo da democracia deliberativa possa funcionar, é preciso
instituições que deem um “empurrãozinho” para destravar a pauta de debates.
Bastaria a ameaça de um “tratoraço”. No caso do Brasil, no entanto, não existem tais
mecanismos institucionais, nem nada sequer parecido ao art. 49.3 da Constituição
francesa.
Olhando para a realidade brasileira, ^ca a impressão de que a Constituição de 1988,
na raiz da preocupação com o fechamento do Congresso Nacional no regime
anterior, quis mais “fortalecê-lo” do que “enquadrá-lo”. Basta uma leitura das
atribuições do Congresso Nacional, notadamente os arts. 48 e 49 da Constituição
Federal, para ver que não há “compromissos” voltados para a criação de boas
relações entre o Executivo e o Legislativo.
A Constituição não trouxe quaisquer instrumentos voltados para chamar o
Parlamento à responsabilidade nas situações em que as medidas consideradas
importantes para o governo ^cam dormitando “nas gavetas” do Congresso Nacional.
Nessa situação, o presidente ^ca refém, não existe nada que o jurídico possa fazer e
resolver essa equação de engenharia política e institucional não é simples. Existe o
poder de agenda do Legislativo, mas até mesmo esse poder encontra limites.
Independentemente do governo, convém que o Congresso Nacional comece, quanto
antes, a discutir os objetivos permanentes do país (como a manutenção da
integridade territorial, soberania, inclusive energética e alimentar, independência, etc.)
e circunstanciais (voltados para atender às demandas mais urgentes à maioria da
população, que assim sinalizou ao eleger determinado partido ou candidato com seu
programa de governo). Assim se previne o pior e se superam crises políticoinstitucionais.
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ROBERTA SIMÕES NASCIMENTO – Professora adjunta na Universidade de Brasília (UnB). Advogada
do Senado Federal desde 2009. Doutora em Direito pela Universidade de Alicante, Espanha. Doutora
e mestre em Direito pela UnB.
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#Congresso Nacional #Constituição de 1988 #defensor legis #Executivo #JOTA PRO PODER #Legislativo
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