Rogerio Akiti Dezem (2020)
UNIVERSIDADE DE OSAKA
Português III e IV
Curso: Breve História da Imigração Japonesa no
Brasil I (1908-1941)
Obs. Material de apoio do curso para leitura e discussão em sala de aula.
Proibida a reprodução comercial sem a autorização do autor.
Prof. Rogério Akiti Dezem
Universidade de Osaka (Minoo Semba campus)
Outono/2021
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
(Doc. A) Introdução : Por quê migrar?
“Why should any man take upon himself
all risks of sailing abroad to seek a livelihood?”
(Pequeno proprietário de terras em Shantou, China, 1934)
Migrar, ato que aos nossos olhos “pós-modernos” se mostra até certo ponto corriqueiro, o
deslocamento humano, seja ele individual ou em grupo, dentro de um país ou para fora dele, faz parte
da História desde os tempos mais remotos. No entanto, esse ato só tomou proporções de caráter
globalizado a partir de meados do século XIX, quando o “mundo conhecido” se tornava
geograficamente cada vez mais próximo do “mundo real”. Isso foi possível, entre outras coisas, graças
ao desenvolvimento no Ocidente de novas tecnologias (como o motor à vapor), possibilitando viagens
cada vez mais rápidas e seguras dentro de um país (trem) ou ao redor do planeta (navios à vapor), fato
que permitiu uma maior precisão na confecção de instrumentos cartográficos (mapas e globos
terrestres) fator decisivo para o desenvolvimento da geografia política (Geopolítica). Aliado ao
desejo/necessidade da busca de novos mercados consumidores de produtos industrializados e
consumidores de capital (investimentos e empréstimos) uma nova ordem mundial se conformava. O
alvorecer da Era dos Impérios (1875-1914) se conformava.
Essa nova dinâmica global, possibilitou uma maior aproximação entre várias e distintas
realidades e culturas ao redor do planeta. Esse encontro nem sempre foi amistoso... O preconceito
perante ao ‘outro’, seja africano (“raça negra”) ou asiático (“raça amarela”), mostrou ser um dos
norteadores da maneira como as potências do “Velho Mundo” (“raça branca”) irão ver e tratar
milenares culturas como a Índia e a China. Imagens, ideias, crônicas, artigos, livros (preconceituosos
ou não) sobre este(s) encontro(s) serão publicados, consumidos por uma burguesia europeia nascente,
ávida por novas “informações” sobre o distante ‘outro’.
Esse contexto dinâmico de rápidas transformações produziu um deslocamento humano
regional e extraterritorial inédito. Foi o denominado período clássico das migrações internacionais
(1870-1930)1 que se conformava, ligando Europa, América e Ásia e produzindo encontros e
desencontros nunca antes vistos.
Mas por quê migrar? Vários são os fatores que levam a optar por deixar a terra natal e
deslocar-se para outras paragens. Historicamente, de uma forma geral, podemos elencar quatro fatores
como os mais tradicionais: fome, perseguição política e/ou religiosa, guerras e desastres naturais. No
século XX, o desemprego passou a fazer parte deste rol.
O movimento migratório também poder ter um caráter voluntário ou involuntário, temporário
ou permanente, tratando-se portanto de uma ação complexa, dependente de vários fatores e possuidora
de características especificas em cada nação diaspórica.
Autor: Rogério Akiti Dezem (2013)
1 LAI, Walton Look . “Introduction” The Chinese in Latin America and Caribbean. Leiden, Brill, 2010. p. 1.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
(Doc. B) “Os embaixadores do Grande Japão”
Certa vez, um pai no interior do Japão, precisando enviar notícias urgentes ao filho que
fora tentar a sorte na cidade, resolveu experimentar uma das recentes inovações trazidas pelos
“bárbaros” ocidentais, o telégrafo. Achando simples manusear a “novidade”, o homem de
meia-idade simplesmente “amarrou” ao fio telegráfico um pacote com as mensagens
endereçadas ao filho e as deixou lá, à espera que fossem “rapidamente enviadas”.
Anedotas como essa eram muito comuns no Japão da Era Meiji (1868-1912) e
refletiam as rápidas transformações pelas quais o país passava. A restauração do poder
imperial em 1868 desencadeou uma série de mudanças drásticas que atingiram todos os
âmbitos da vida da jovem nação japonesa, então em acelerado processo de modernização. A
anedota do telégrafo mostra o impacto da tecnologia importada sobre o modo de vida
tradicional da maioria dos japoneses e o descompasso entre o interior quase intocado e os
crescentes centros urbanos, como Yokohama, Tóquio, Osaka e Nagoia. No fim do século
XIX, caberia ao governo japonês diminuir essas diferenças.
A política emigratória japonesa foi produto dessas transformações. As primeiras
iniciativas surgiram em 1868, quando grupos privados começaram a organizar viagens para o
Havaí. A partir de 1880, o governo tomou as rédeas do processo e passou a incentivar a
emigração para os Estados Unidos como uma estratégia para tentar sanar as debilidades de um
Estado em vias de modernização. Um dos principais objetivos era diminuir o excedente
populacional nas regiões rurais para atenuar as tensões sociais que explodiam em protestos e
revoltas - as “contrações do parto” da modernidade japonesa.
Outra questão urgente e de caráter externo era a necessidade que o Japão tinha de se
afirmar como potência em franca ascensão perante a Europa e os Estados Unidos, uma
verdadeira obsessão da classe dirigente do país na época. Dessa forma, a política emigratória e
de colonização posta em prática, efetivamente, a partir da década de 1890, tornou-se um dos
pilares da construção do “Grande Japão” entre o final do século XIX e as três primeiras
décadas do século XX. Os núcleos coloniais japoneses surgidos na região sudeste do Brasil
entre as décadas de 1910 e 1930 foram produtos dessa política e de algumas iniciativas
particulares.
Ao enviar seus cidadãos primeiro para a América do Norte e depois para a América do
Sul, o governo japonês esperava que eles contribuíssem para criar uma imagem positiva do
povo japonês no Ocidente. Aos olhos das autoridades nipônicas, os emigrantes tornavam-se
automaticamente “pequenos embaixadores”, legítimos representantes do Japão e de uma
(suposta) raça japonesa no exterior.
Essa preocupação com a imagem marcou o início da emigração japonesa para o Brasil.
Os primeiros candidatos a dekasseguinin (literalmente: “povo que sai para ganhar a vida”)
eram provenientes do sul, nordeste e noroeste do Japão, regiões interioranas, tradicionalmente
agrícolas e que, na visão dos dirigentes Meiji, ainda não eram suficientemente modernas.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Como não podia evitar a partida de cidadãos dessas regiões, a partir da década de 1890
o governo passou a enviar diretrizes aos governadores das áreas com o maior número de
emigrantes potenciais a fim de orientar o comportamento desses japoneses no exterior.
Trabalhar duro, juntar uma quantia razoável de capital para ajudar suas famílias no país natal e
assim fortalecer a economia japonesa eram as diretrizes primordiais. As instruções eram claras
e incluíam recomendações como as seguintes:
1. Lembre-se de que você é um cidadão do Império Japonês, portanto não deixe
uma impressão vergonhosa nos países estrangeiros
2. Controle-se e evite a tentação de negligenciar seu trabalho com jogo, bebida
etc.
5. Trabalhar duro e poupar o seu dinheiro devem ser suas principais
preocupações; não desperdice dinheiro mesmo que inicialmente acumule pouco
É curioso notar que se o emigrante tivesse algum problema com o contratante ou no
país receptor, para os dirigentes japoneses o responsável seria, em princípio, o próprio
emigrante. Para alguns políticos da década de 1890, o preconceito contra seus conterrâneos
não seria apenas fruto de um racismo de brancos contra amarelos, mas sim uma reação à falta
de “civilização” de certos nipônicos.
(...)
Autor: Rogério Akiti Dezem. Publicado em Dossiê Imigrantes – História Viva 97
(Novembro/2011)
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
http://neinordin.com.br/imagens-dojapao-no-seculo-xix/ By Adolfo
Farsari
https://visualizingcult
ures.mit.edu/throwing
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https://visualizingcultures.
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tml
(Doc. C) Olhares sobre o
Japão 1880-1900
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
UNIVERSIDADE DE OSAKA
Português III e IV – História da Imigração Japonesa no Brasil I
(outubro/2021)
Prof. Rogério Akiti DEZEM
Em busca da MODERNIDADE - Brasil e Japão entre 1854-1908
(Resumo das aulas 1, 2 e 3)
Japão (modelo INGLATERRA):
1854 –Reabertura ao Ocidente/Fim do Sakoku.
Crise do Bakufu han (1854-1867)
Sonno Jôi: ‘reverência ao Imperador e expulsão dos bárbaros’.
Questões centrais: A) Como evitar que as potências imperialistas ocidentais (EUA,
Inglaterra, França, Rússia, Alemanha) dominem o país? B) Como se modernizar
sem perder a essência cultural?
1868 – Restauração Meiji (Meiji Ishin);
1868- Primeiros imigrantes avulsos (Gannen mono) vão para o Havaí
Bunmei kaika (1870-1880): ‘civilização e iluminismo/conhecimento’
Crise demográfica: superpopulação.
Fome
Aumento das taxas sobre a posse/cultivo da terra (êxodo rural).
1885- Imigração para a Califórnia (EUA).
Fukoku Kyoohei: “país rico/exército forte”
1894-5: Guerra Sino-Japonesa.
Política emigratória oficial (1896)
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
1895: Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre o Brasil e o Japão.
1899: Imigração para o Peru.
1904-5: Guerra Russo-Japonesa.
1906-7: Movimentos contra imigração ‘amarela’ na Califórnia.
1907/08: Gentleman’s Agreement: EUA e Japão.
1908-1924: Picture Brides
Yobiyose: “emigrantes por chamada”
Brasil (modelo FRANÇA):
1840-1889: II Reinado – Dom Pedro II
1847 – Primeira experiência imigratórias: Senador Vergueiro (sistema de Parceria)
1853-1858: Estabilidade econômica e política (Era da Conciliação)
1850- Primeiras tentativas de modernização do Brasil (Imigração, Ferrovias, Lei de
Terras e Lei Eusébio de Queirós)
“(O ano de) 1850 não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano de
várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país, encaminhando-o para o que
então se considerava modernidade” – Boris Fausto
Questões centrais: A) Como se modernizar mantendo o regime monárquico e a
escravidão? B) Busca de uma identidade nacional: Quem somos nós? Quem são os
“brasileiros”?
Café
Vale do Paraíba (SP, RJ e sul de MG)
1810 -1850 (auge)
1860 – 1890 (declínio)
“Antigo Oeste” paulista (SP)
1860 – 1910 (auge)
1920 -1930 (crise)
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1864-1870- Guerra do Paraguai
1870-1889 - Crise do II Reinado: Abolicionismo e Republicanismo
LEIS ABOLICIONISTAS:
1850- Lei Eusébio de Queiroz (fim do tráfico)
1871- Lei Rio Branco ( ou Ventre livre)
1885- Lei Saraiva-Cotegipe (ou Sexagenários)
13 de maio de 1888- Lei Áurea (abolição da escravidão)
Vazios demográficos: política de povoamento
Falta de mão-de-obra para a lavoura do café
Branqueamento
1889- Proclamação da República
A partir do final da década de 1880 – Políticas imigratórias: Italianos,
Espanhóis, Portugueses, Alemães, Poloneses e Russos.
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(Doc. D) Mapas (Walter Kudo Maejima©2005)
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(Doc. E) Revisão I
Quais os motivos que levaram à imigração dos primeiros japoneses?
Qual era o cenário político-econômico, e também social, que viviam os dois países
naquele momento?
No final do século XIX o governo do Japão estava estruturando sua política emigratória, a
partir de Companhias de Emigração. Contingência histórica, o fato foi que esta política
deveria ser a solução para os problemas demográficos que aumentavam cada vez mais desde a
década de 1870 no país do Sol-Nascente. Neste universo de transformações a situação
brasileira era diametralmente oposta à japonesa. O fim do tráfico de escravos (1850),
associado posteriormente ao movimento abolicionista e imigrantista e ao boom da cafeicultura
no estado de São Paulo, deram origem a debates em assembleias, congressos e até no Senado
sobre quem deveria substituir a “quase finada” escravidão negra.
A lavoura de café se expandia rapidamente pelo antigo Oeste Paulista (Jundiaí,
Campinas, Ribeirão Preto entre outras cidades da região), a necessidade de mão-de-obra se
tornou o principal tema de debates entre os cafeicultores nos anos de 1870 e 1880. O
imigrante branco, europeu e católico era o mais desejado, pois deveria vir trabalhar e
colonizar, além disso, ele deveria contribuir para “branquear” a população “mestiça”
brasileira. Inicialmente existiam dificuldades em conseguir trazer este “imigrante ideal”, pois
havia o desejo de italianos, espanhóis, suíços, alemães em emigrar para os Estados Unidos e
Argentina.
No Japão, ponto de partida deste rápido processo de modernização foi a Restauração
Meiji (1867-68), importante momento da história nipônica para que se possa compreender o
nascimento do “Japão Moderno”. Modernizar-se sem perder a essência era o desafio japonês,
após o término de mais de duzentos anos de isolacionismo que marcaram a Era Tokugawa.
Missão que associada a uma mistura de admiração e temor frente ao Ocidente (Estados
Unidos, Inglaterra, França e Alemanha), mas de extrema confiança nos “deuses e no
Imperador”, se transformou no motor das diretrizes tomadas pelo novo governo japonês.
Várias dificuldades foram enfrentadas: revoltas de ex-samurais e da população, conspirações
nacionalistas, crises agrárias, explosão da taxa de natalidade, mas em um curto espaço de
tempo o país conseguiu solucionar ou contornar seus principais problemas.
No Brasil
com os projetos de imigração chinesa descartada, começou-se a se pensar, no início da década
de 1890, na vinda de imigrantes japoneses. O fim da escravidão (maio de 1888) e a queda da
Monarquia brasileira dando lugar a República (novembro de 1889), passou a dar um tom mais
eficiente a política imigratória brasileira.
Após algums tentativas frustradas em se celebrar um tratado de amizade, comércio e
navegação, em 1893 uma missão diplomática brasileira foi enviada ao extremo Oriente (China
e Japão), representada pelo barão de Ladário, seu objetivo era consolidar oficialmente relações
diplomáticas e examinar a possibilidade de se trazer novos imigrantes. A missão não chegou
ao seu final, mas o parecer do Barão de Ladário ao então presidente da República Floriano
Peixoto é bem interessante, pois Ladário define a imigração chinesa como “um mal moral para
o Brasil”, enquanto que no Japão haveria “melhores e mais econômicos trabalhadores”
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Produto desta iniciativa foi o Tratado de amizade, comércio e navegação assinado por
ambos países em Paris na data de 05 de novembro de 1895. O tratado foi celebrado em três
línguas (português, japonês e francês), pois caso houvesse alguma divergência na
interpretaçõa dos textos em português ou japonês, o texto em francês seria consultado. Além
disso, um outro elemento interessante presente no tratado está relacionado com sua duração,
que seria de doze anos e não apenas cinco anos como era de costume.
Um marco na história da imigração japonesa no brasil, pois oficialmente dava início às
relações entre Brasil e Japão. Estava aberto o caminho para a imigração japonesa no Brasil
que, no entanto, teve de esperar mais um pouco para ter início...
É sabido que o primeiro local de desejo para emigrar eram os EUA. A alternativa
brasileira surgiu em que momento?
Após a assinatura do Tratado de Amizade (1895), Brasil e Japão esperaram ainda treze
anos até a vinda de imigrantes para território brasileiro.
Entre outros fatores, isso se deveu a preferência do governo japonês em enviar seus
emigrantes para os Estados Unidos, Canadá idealizados como “promise land”.
Com o aumento das campanhas antinipônicas na América do Norte, a partir do final do
século XIX, o governo japonês, com seu projeto expansionista e sabendo da necessidade de
trabalhadores em alguns países latino-americanos, voltava seus olhos para a América Latina,.
Desde meados do século XIX, a cafeicultura veio se tornando o elemento diretamente
associado às tentativas em se trazer mão-de-obra imigrante, seja italiana, espanhola, alemã,
portuguesa entre outras. Com os japoneses não foi diferente. O interesse em novos mercados
para o café e o açúcar brasileiro e a necessidade cada vez maior de “braços para a lavoura”,
aproximaram os laços entre os governos brasileiro e japonês. Mas isto ainda não era o
bastante...
À distância entre os dois países, o fato dos salários serem mais baixos no Brasil, a
desconfiança por parte de representantes do governo brasileiro com relação à imigração
“amarela”, vista por alguns como “racialmente inferior”, suscitavam acalorados debates.
No entanto foram basicamente dois acontecimentos que acabaram por determinar a
efetivação da vinda dos primeiros imigrantes japoneses para o Brasil: o corte de subsídios por
parte do governo italiano para emigrar, conhecido como Decreto Prinetti (1902) e o
recrudescimento da campanha antinipônica, principalmente nos Estados Unidos, culminando
com Gentlemen´s Agreement (1907-1908), que suspendia a entrada de japoneses nos Estados
Unidos.
Neste momento o Japão se consolidava como potência emergente no Extremo-Oriente
ao vencer a Rússia na Guerra Russo-japonesa (1904-1905). Esses fatores, ocorridos em um
breve espaço de tempo, levaram a uma efetiva aproximação entre Japão e Brasil. O
representante diplomático japonês, Fukashi Sugimura (que veio falecer no Brasil em maio de
1906), averiguando a situação vivida por ambos países, afirmava que seria possível a vinda de
emigrantes japoneses para São Paulo, onde os futuros colonos trabalhadores encontrariam
uma “rara felicidade e um verdadeiro paraíso”.
Enquanto isso na terra do café, de acordo com um decreto-estadual de dezembro de
1906, o estado de São Paulo subsidiaria as companhias de navegação que oferecessem preços
reduzidos aos imigrantes destinados ao estado de São Paulo, que desembarcassem no porto de
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Santos e fossem enviados a Hospedaria dos Imigrantes. Estes imigrantes deveriam estar
constituídos em famílias de no mínimo três pessoas, não deveriam no porto de embarque
portar doenças contagiosas, defeitos físicos, qualquer tipo de doença mental, nem deveriam
ser vagabundos, criminosos ou mendigos. Caso a companhia de emigração infringisse estes
requisitos ficaria sujeita a multa.
No mesmo ano, se instalava em São Paulo a primeira casa comercial japonesa,
chamada O Japão em São Paulo, dirigida pela firma Fujisaki. Ainda em 1906, incentivados
pelo Relatório Sugimura, um grupo de seis famílias de imigrantes livres (espontâneos), fazia
história ao se instalar na Fazenda Santo Antônio, em Macaé no estado do Rio de Janeiro.
Foi a partir de novembro de 1907 que ocorreu a efetivação de um acordo, entre a
pequena Companhia Imperial de Emigração, dirigida por Ryo Mizuno e o estado de São Paulo,
representado por Carlos J. Botelho, Secretário dos Negócios da Agricultura. O acordo tinha
como objetivo a vinda, em caráter experimental, dos primeiros 3.000 emigrantes japoneses
para o Brasil em um período de três anos. Subsidiados pelo governo paulista, estes deveriam
vir em famílias de 3 a 10 elementos com idade entre 12 a 45 anos (independente do sexo)
aptos para o trabalho e deveriam ser em sua maior parte, agricultores.
No dia 28 de abril de 1908, às 17:55h. o vapor Kasato-Maru, partia rumo ao Brasil,
com cerca de onze dias de atraso.
Rogério Akiti Dezem (2011)
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(Doc. F) “Uma história sem farpas”. Apontamentos sobre a História dos
imigrantes japoneses no Brasil (1870-1917)
Rogério Akiti Dezem
Introdução
Podemos dizer que a estruturação de uma política emigratória por parte do governo
japonês, principalmente a partir de 1885, foi um reflexo direto de algumas reformas como a
Reforma dos Impostos sobre a terra (jap. 地租改正 1873), instituídas pelo governo a partir da
Restauração Meiji (jap. 明治維新1867-1868). A estratégia de dar suporte a uma política
efetiva de emigração foi na realidade uma tentativa de sanar as debilidades de um Estado em
vias de modernização. Um dos principais objetivos era o de diminuir o excedente
populacional nas regiões rurais, visando atenuar as tensões sociais latentes.
Afirmar-se como potência asiática em franca ascensão perante o Ocidente era a grande
obsessão da classe dirigente nipônica. Dessa forma, a política emigratória e de colonização
posta em prática no período, tornou-se um elemento importante para a construção e
manutenção do “Grande Japão” (jap. 大日本帝國) nas primeiras quatro décadas do século
XX.i
Um dos efeitos práticos dessa política foi o surgimento na região Sudeste do Brasil,
principalmente nas décadas de 1910 e 1920, de núcleos coloniais japoneses. Denominados
simplesmente de “Colônia” pelos próprios imigrantes japoneses ao longo dos anos, esse
universo simbólico, era muito mais imaginado do que propriamente ligado por fronteiras
geográficas. Sua organicidade se dava por meio da preservação da língua japonesa, da criação
de associações locais e regionais, da circulação de jornais desde a década de 1910 e também
de atividades esportivas como campeonatos de sumô e beisebol.
Percebemos a partir das narrativas sobre o cotidiano dos imigrantes pioneiros (por
exemplo, na obra do memorialista Tomoo Handa) que os liames que alinhavaram as relações
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
entre os imigrantes japoneses nas décadas de 1910 e 1920, possuíam um forte caráter
solidário. Foi a partir dos anos de 1930, graças a acontecimentos externos e internos ao
universo imaginado (“Colônia”) dos japoneses e seus descendentes, que irão ocorrer as
primeiras fissuras nesse universo (ainda) em construção.
Nas áreas de Antropologia, Sociologia e Demografia ótimas pesquisas sobre os
imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil vem sendo publicadas desde o final da
década de 1940. Já no campo da História, os estudos relativos à imigração japonesa em terras
brasileiras está “um passo atrás”. Principalmente se compararmos o volume e a qualidade dos
estudos de cunho socioantropológicos produzidos nos últimos 20 anos. Nosso objetivo neste
artigo é apresentar alguns fatos “esquecidos” pela historiografia do tema, analisando alguns
aspectos relativos ao período histórico compreendido entre as décadas de 1870 e 1910.
Gostaríamos de questionar também, além da narrativa do processo histórico que acabou por
construir uma memória oficial sobre a imigração japonesa, seus “silêncios”, ou seja, o “não
dito”.ii
A memória histórica sobre a imigração japonesa no Brasil, foi construída a partir de
discursos que ao se cruzarem, acabaram por constituir uma narrativa sob a égide de uma
“história sem farpas”, ou seja, acabaram por sedimentar uma memória histórica de uma
imigração “sem conflitos”. Uma hipótese para essa afirmação se deve à influência do
neoconfucionismo que passou a alinhavar a tessitura social nipônica desde o final do século
XIX. No qual a harmonia (jap. 和, lê-se wa) e o sentimento de cooperação se tornaram os
pilares sociais pós-Meiji. Esse modus operandi comportamental atravessou o globo com os
imigrantes japoneses e foi o leitmotiv da manutenção do sentimento de pertencimento do que
veio a ser chamada “Colônia Japonesa”.
Em seu background os primeiros japoneses que desembarcaram em São Paulo, traziam
dentro de si a simbiose entre um Japão “tradicional” e “moderno”. Em sua maior parte estes
pioneiros eram sujeitos/objetos do turbilhão de mudanças desencadeados pelas transformações
que ocorriam no país desde a chegada do Comodoro Perry e seus “navios negros” (jap. 黒船)
em 1854.
Esses imigrantes, ao mesmo tempo em que eram considerados “bravos e leais súditos
do Imperador além-mar” no discurso do governo Meiji, eram também considerados por
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
muitos de seus conterrâneos como “mortos vivos que partem em busca das árvores dos frutos
de ouro” (HANDA, 1980:99). Em uma definição menos lírica e mais realista, aos olhos da
elite Meiji que se consolidava na desigual sociedade japonesa da época, tratava-se de “párias
sociais que partiam em busca de uma ilusão”.
1. Antecedentes...
No último quartel do século XIX, o mundo passava por rápidas transformações, a
lógica da divisão internacional do trabalho não poupava aquelas nações que estivessem aquém
de suas prerrogativas básicas: Indústria, Urbanização e Imperialismo. Foi nesse contexto que
o pequeno arquipélago japonês deveria se adaptar a essa nova realidade. Ser japonês aos olhos
do mundo ocidental naquele momento era representar uma nação do Extremo-Oriente em
ascensão, na qual elementos exóticos, como gueixas e samurais ainda alimentavam o curioso
pensamento ocidental. Mas a imagem dos imigrantes japoneses era constituída não só por
elementos positivos, mas também negativos. Enigmáticos, daí a expressão “sorriso amarelo”,
fisicamente inferiores e de cor âmbar, traiçoeiros, enfim podemos notar que haviam
estereótipos relacionados a este imigrante que desde 1868 se aventurava além-mar na lavoura
de cana-de-açúcar no Havaí. Eram os primeiros dekasseguinin (literalmente: “povo que sai
para ganhar a vida”) em terras americanas.iii
Naquele momento o governo do Japão estava estruturando sua política emigratória, a
partir de Companhias de Emigração com os seus (depois) famosos marus. Contingência
histórica, o fato foi que esta política deveria ser um das soluções para a crise demográfica que
crescente desde a década de 1870 no país do Sol-Nascente.
Neste universo de transformações a situação brasileira pode ser considerada
diametralmente oposta à japonesa. O fim do tráfico de escravos (1850), associado
posteriormente ao movimento abolicionista e imigrantista e ao boom da cafeicultura no estado
de São Paulo, deram origem a debates em assembléias, congressos e até no Senado sobre
quem deveria substituir a “quase finada” escravidão negra. A partir de argumentos históricos,
preconceituosos e racistas, as oligarquias agrárias do Império optaram por descartar a mão-deobra negra (sinônimo de atraso) e o trabalhador nacional (sinônimo de preguiça), resolvendose por trazer, como elemento transitório (DEZEM, 2005: 61-73) o imigrante chinês ou
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
simplesmente chim, considerado pelos fazendeiros um elemento mais barato e dócil, se
comparado ao imigrante europeu. Pela primeira vez na história nacional se debatia
oficialmente sobre a vinda ou não de orientais ao país. Era a Questão Chinesa (1879) que
tomava corpo entre as elites agrárias e representantes do governo. Entre os defensores da
vinda destes imigrantes se encontrava Moreira de Barros, Ministro dos Negócios Estrangeiros
que afirmou: “Pode-se chamar os chins de raça inferior, mas onde eles se estabeleceram hão
de multiplicar-se, crescer, espalhar-se por toda parte, e ainda que a raça superior os domine,
os escravize, os governe, qualquer que seja o futuro da raça branca no mundo, onde eles
obtiverem uma pátria, hão de fatalmente ocupar o país. Para isso basta-lhes viver, o que eles
conseguem nas piores condições” (Idem: 97).
A lavoura de café se expandia rapidamente pelo antigo Oeste Paulista (Jundiaí,
Campinas, Ribeirão Preto entre outras cidades da região) e com isso, a necessidade de mãode-obra se tornou o principal tema de debates entre os cafeicultores nos anos de 1870 e 1880.
A construção da identidade nacional passava pela questão imigratória. O imigrante branco,
europeu e católico era o mais desejado, pois deveria vir trabalhar e colonizar, além disso, ele
deveria contribuir para “branquear” a população “mestiça” brasileira. Inicialmente existiam
dificuldades em conseguir trazer este “imigrante ideal”, pois os desejados imigrantes italianos,
espanhóis, suíços, alemães preferiam emigrar para os Estados Unidos e a Argentina. Portanto,
“fazer a América” para estes emigrantes tinha outras cores nacionais que não o verde e
amarelo brasileiro.
A existência da escravidão no Brasil dificultava ainda mais a atração de imigrantes
europeus. Pensou-se então, em trazer mão-de-obra em caráter de urgência ou de “transição”,
até que o país estivesse preparado para receber os superiores europeus. Tentou-se a imigração
chinesa, que na realidade estava associada a uma rede de tráfico amarelo, na qual boa parte
dos trabalhadores, conhecidos como coolies, eram aliciados de forma violenta nos portos de
Hong Kong, Amoy, Cantão e Macau. Nestes locais grupos de chineses (coolies) eram
amontoados em barracões, seminús, com uma placa pendurada ao pescoço na qual estava
pintada a letra do ponto a que se destinavam, poderia ser C (Califórnia), P (Peru), H (Havana)
ou S (Ilhas Sandwich, atual Havaí). Em sua maioria eram recrutados individualmente, fazendo
com que sua procedência na maioria dos casos fosse de condenados, prisioneiros de guerra
vendidos, jogadores endividados, aldeões e pescadores tomados à força. Este novo modelo de
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
tráfico teve como primeiro grande destino a colônia espanhola de Cuba na década de 1840. O
governo chinês proibia e tentava (ineficazmente) fiscalizar este tipo de tráfico humano,
condenado também pela Grã-Bretanha.
Projeto imigratório mais combatido do que defendido nas assembléias, a tentativa de
se inserir chins para trabalhar na lavoura do café acabou por não vingar. O estigma chinês de
país derrotado e conquistado pelas potências européias, além de o chim ser visto como
“indolente, fraco, sujo, racialmente inferior”, fizeram com que este projeto fracassasse. Sujeito
anaforizado nos discursos das elites agrárias, o chim compôs a primeira “matiz do amarelo”
(Ver DEZEM, 2005) em terras brasileiras. Pouco mais de 3.000 chineses aportaram no Brasil
ao longo do século XIX, a maioria acabou dispersando-se pelo território brasileiro.
Por outro lado, enquanto a China vivia um dos momentos mais críticos de sua milenar
história, o seu vizinho, Japão rumava para uma posição de destaque na Ásia. Naquele
momento, alguns elementos do ethos nipônico (na filosofia o Bushido e o neoconfucionismo,
no campo religioso o xintoísmo, no literário o Kojiki) passam a ser apropriados pelo crescente
nacionalismo e que associados a modelos ocidentais (legislação, organização militar,
educação) se mesclaram, culminando com o culto ao Imperador (Tenno) e criando as bases
para uma política de caráter militarista-expansionista, a partir da doutrina Okuma iv, uma
espécie de doutrina Monroe à japonesa. Como uma balança que representasse o jogo de
poderes no Extremo-Oriente, um gigante descia, a China, enquanto que uma diminuta nação
ascendia, o Japãov. O ponto de partida desse rápido processo foi a Restauração Meiji,
importante momento da história nipônica para que se possa compreender o nascimento do
Japão Moderno.vi Segundo o historiador japonês Irokawa Daikichi, em termos culturais: “A
Era Meiji foi a mais turbulenta de toda a história do Japão (...). Comparada com a confusão
desatada durante o período (...) toda influência anterior foi de alcance restrito e de pouco
impacto (...)”. Ocorreu um verdadeiro tsunami ocidental de obras e idéias que iam desde o
antropocentrismo renascentista à austeridade vitoriana (COLCUTT et al.2008: 178) .
O historiador holandês Ian Buruma observa que o pensamento ocidental que após 1880
passou a ser combatido pelos nativistas japoneses, serviu inicialmente para emancipar o Japão
da órbita cultural chinesa (BURUMA, 2004:22). Modernizar-se sem perder a essência era o
desafio japonês, aproximando o saber ocidental à moral japonesa. Na mentalidade da maioria
da elite governante nipônica do período o objetivo era “usar os bárbaros para controlar os
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
bárbaros” (ORTIZ, 2000:54). Pode-se perceber desta forma que a intelligentsia japonesa
nunca esteve interessada realmente em absorver a cultura ocidental, mas sim, sua tecnologia.
Um dos maiores temores do governo japonês era sucumbir ao poderio ocidental como
havia ocorrido com a China. No entanto, os deuses estavam ao lado dos nipônicos, como
podemos notar nas palavras do filósofo japonês N. Kitaro: “Os céus preconizavam (...) uma
moralidade bem distinta dos tempos Tokugawa; já não bastava o Japão se confinar a seu
isolamento geográfico, caberia a ele a missão de edificar uma Ásia Oriental...” (Idem: 28).
Missão que associada a uma mistura de admiração e temor frente as potências
ocidentais (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha), mas de extrema confiança
nos “deuses e no Imperador”, se transformou no motor das diretrizes tomadas pelo novo
governo japonês. Várias dificuldades foram enfrentadas: revoltas de ex-samurais e da
população (que de instantes de euforia, passaram rapidamente para protestos e revoltas),
conspirações ultranacionalistas, crises agrárias, explosão da taxa de natalidade, mas em um
curto espaço de tempo o país conseguiu solucionar ou contornar seus principais problemas.
Uma das soluções encontradas foi o desenvolvimento de uma eficiente política educacional,
baseada no Édito para Educação (jap. 教育ニ関スル勅語 1890), na criação de escolas,
universidades e também no fortalecimento da crença no Espírito de Imbatividade (jap.
大和魂) e no Niponismo (jap.日本主義) como elementos de coesão nacional. A crença
exacerbada nesses princípios, foram em grande parte, responsáveis por um projeto de
expansão militarvii que levou ao desastre japonês na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
No Brasil, com os projetos de imigração chinesa descartados, começou-se a se aventar
no início da década de 1890 a vinda de imigrantes japoneses. O fim da escravidão (1888) e a
queda da monarquia brasileira cedem lugar, nas palavras o historiador Renato Lessa, à
“invenção republicana” (Ver SALES, 1991). República que, mesmo vivenciando seus anos
entrópicos (1889-1898), passou a dar um tom mais eficiente a política imigratória brasileira.
No caso da imigração oriunda da Ásia, após algumas tentativas frustradas em se
celebrar um tratado de amizade, comércio e navegação, em 1893 uma missão diplomática
brasileira foi enviada ao extremo Oriente (China e Japão). Representada pelo barão de
Ladário, seu objetivo era consolidar oficialmente relações diplomáticas e sondar a
possibilidade em se trazer novos imigrantes. A missão não chegou ao seu final, mas o parecer
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
do barão ao então presidente da República Floriano Peixoto é bem interessante, pois Ladário
define a imigração chinesa como “um mal moral para o Brasil”, enquanto que no Japão
haveria trabalhadores “melhores e mais econômicos”(DEZEM, 2005:111).
A “Questão japonesa” tomava corpo e após alguns debates na Câmara dos deputados e
no Senado, Carlos de Carvalho, Ministro de Relações Exteriores, entrava em contato com o
governo Meiji para assinar acordos comerciais. Segundo Carvalho, os japoneses iriam
“aviventar as forças agrícolas e industriais do país”.
Produto desta iniciativa, o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação foi assinado
por ambos em Paris na data de 05 de novembro de 1895. O tratado foi celebrado em três
línguas (português, japonês e francês), pois caso houvesse alguma divergência na
interpretação dos textos em português ou japonês, o texto em francês seria consultado. Além
disso, outro elemento interessante presente no tratado está relacionado com sua duração, que
seria de doze anos e não apenas cinco anos como era de costume. Começava a efetivamente
ser pavimentada a trilha que traria os primeiros japoneses ao Brasil, que de sujeitos presentes
apenas nos discursos parlamentares, in absentia, passariam a ser “realidade” na lavoura
paulista de café no início do século XX.
2. As políticas migratórias...
Entre as décadas de 1870 e 1890 a estratégia dos oligarcas Meiji foi a de não interferir
diretamente na maior parte dos setores da economia nipônica deixadas nas mãos do setor
privado, concentrando-se apenas no setor de defesa (militar) . Esse modelo econômico
colocado em prática foi representado no lema “País rico, exército forte” (jap. 富国強兵),
criando as bases para o militarismo nipônico nas décadas seguintes. No entanto, a competição
feroz desencadeada entre os investidores nativos mais abastados, como alguns membros da
classe de ex-samurais, comerciantes e políticos liberais, colocou em risco os interesses
nacionais (NINOMYA, 1996:250) em favor da lógica do mercado. No alvorecer do Japão que
se queria “moderno”, escolher entre a ética samurai e o espírito do capitalismo, não era apenas
uma questão de nomenclatura para as camadas mais altas da população, mas sim uma
possibilidade real de se especular com capital financiado pelo próprio governo. No entanto,
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
para evitar a crescente liberalização da economia, o governo japonês passou a intervir de
maneira mais objetiva, por meio de investimentos dirigidos e regulamentações (legislação) em
setores chave, entre eles a emigração. Em meio aos efeitos da primeira crise econômica nos
moldes capitalistas vivenciada pelo país em 1890, o governo japonês criou o Departamento de
Colonização (1891) e alguns anos depois promulgou a Lei de Proteção aos Emigrantes (jap.
移民保護法が制 1896), dando os primeiros passos efetivos para estruturação da emigração
como uma política de Estado. Pode se afirmar que a opção por uma estatização da política
emigratória foi resultado, em grande parte, da estratégia expansionista japonesa na Ásia.
No Japão as companhias de emigração particulares e o governo Meiji já vinham
experimentando modelos de emigração e colonização, inicialmente em algumas ilhas na Ásia,
no Havaí e posteriormente na América do Norte (Estados Unidos, Canadá) e do Sul (México,
Peru e Brasil entre outros). A pioneira foi a Companhia de Emigração Kichisa criada em 1891.
No entanto, o total de companhias de emigração nunca ultrapassou quatro dezenas. Em 1903
o número de companhias era de 36, decrescendo para 23 em 1908 e um ano depois, restavam
apenas cinco companhias de emigração (MITA, 1999:25). Fatores como a propaganda
enganosa por parte das companhias, fato que levou a queixas e a instauração de processos
efetuados pelo próprio governo japonês contra as mesmas, falência por falta de capital, a
restrição da entrada de imigrantes japoneses nos Estados Unidos e outros países da América e,
consequentemente, a diminuição do fluxo de emigrantes, foram um duro golpe para essas
empresas.
Diferentemente das nações emigrantistas europeias, notamos que após as primeiras
experiências negativas na América, o Japão, antes de enviar emigrantes para o exterior, passou
a tomar certas medidas, como supervisionar diretamente as companhias emigratórias. Além
disso, o governo japonês almejava que a emigração de seus naturais tivesse caráter
permanente. O emigrante dessa forma se tornava um legítimo representante do Império do Sol
em solo estrangeiro, pois se procurava consolidar, positivamente, a imagem do povo japonês
junto aos países ocidentais. Aqueles japoneses que por uma série de razões, se aventurassem
como emigrantes, se tornavam automaticamente aos olhos do governo japonês, “pequenos
embaixadores”, legítimos representantes do Japão e da raça japonesa no exterior. Por outro
lado, na mentalidade dos milhares de japoneses que embarcavam no porto de Kobe para
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
trabalhar como colonos no exterior, a emigração tinha caráter temporário. Mesmo com
objetivos diferentes, foi graças às intervenções e o suporte do governo japonês, objetivando a
permanência dos seus súditos em território estrangeiro como importantes elementos
fomentadores da economia nipônica ultramar, que a política emigratória se tornou, juntamente
com o projeto de colonização no Extremo Oriente (Manchúria, Coréia e Taiwan), um dos
principais pilares da política externa japonesa ao longo da primeira metade do século XX.
Após a assinatura do Tratado de Amizade (1895), Brasil e Japão esperaram ainda treze
anos para efetivar a vinda de imigrantes para o território brasileiro. Outras nações que
receberam imigrantes japoneses anteriormente, também tiveram de “esperar”, como por
exemplo, México e Peru. No caso mexicano o tratado com o Japão, foi assinado em 1888 e os
primeiros imigrantes lá chegaram em 1897 (colônia Enomoto), enquanto que Peru e Japão,
ratificaram seu Tratado de Amizade em 1875, efetivando a imigração só em 1899.
Com o recrudescimento das campanhas anti-nipônicas na América do Norte, a partir
do final do século XIX, o governo japonês, com o seu projeto expansionista e sabedor da
necessidade de trabalhadores em alguns países latino-americanos, voltava seus olhos para a
América Latina, vista como um “laboratório” para o projeto emigrantista nipônico. Naquele
momento, na realidade o que mais preocupava o governo japonês era a manutenção de uma
imagem “positiva” de seu emigrante junto ao país que o acolhia, muito mais do que sua
própria situação (YANAGUIDA et al. 1992:182).
Enquanto isso, em 1897, se instalou oficialmente em terras brasileiras a representação
diplomática japonesa, representada pelo diplomata Sutemi Chinda. Enquanto que em Tóquio,
Henrique Carlos Ribeiro Lisboa, foi enviado como Ministro Plenipotenciário do Brasil em
solo japonês. Nesse mesmo ano a primeira tentativa oficial para se trazer os primeiros
imigrantes japoneses veio a fracassar, segundo a companhia japonesa de emigração “por
motivos financeiros”.viii
Desde meados do século XIX, a cafeicultura veio se tornando o elemento diretamente
associado às tentativas em se trazer mão-de-obra imigrante, seja italiana, espanhola, alemã,
portuguesa entre outras. Com os japoneses não foi diferente. O interesse em novos mercados
para o café e o açúcar brasileiro e a necessidade cada vez maior de “braços para a lavoura”,
aproximaram os laços entre o governo brasileiro e o japonês. Mas isto ainda não era o
suficiente para se criarem laços efetivos entre os dois países.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Além da grande distância, o fato dos salários serem mais baixos no Brasil, a
desconfiança por parte de representantes do governo brasileiro com relação à imigração
“amarela”, vista por alguns como “racialmente inferior”, suscitavam acalorados debates. Em
1902, Oliveira Lima, Encarregado de Negócios no Japão (1901-1903), escrevia que o governo
paulista só teria (...) a lucrar com a ausência da colonização japonesa e dessa maneira, o
Ministério de Relações Exteriores seria poupado das reclamações vexatórias que este tipo de
imigração produzir (NOGUEIRA, 1973:65).
No entanto, foram basicamente dois acontecimentos que acabaram por determinar a
efetivação da vinda dos primeiros imigrantes japoneses para o Brasil: o corte de subsídios por
parte do governo italiano para emigrar, conhecido como Decreto Prinetti (1902) e o
recrudescimento da campanha anti nipônica, principalmente nos Estados Unidos, culminando
com Gentlemen´s Agreement (1907-1908), que suspendia a entrada de japoneses nos Estados
Unidos.
Neste momento o Japão se consolidava como potência emergente no Extremo Oriente ao
vencer a Rússia na Guerra Russo-japonesa (1904-1905).ix Esses fatores, ocorridos em um
breve espaço de tempo, levaram a uma efetiva aproximação entre Japão e Brasil.
Podemos considerar que o primeiro grande propagandista da ida de imigrantes japoneses
para o Brasil foi o representante diplomático japonês, Fukashi Sugimura (1848-1906), que em
abril de 1905, desembarcou no país em substituição a Noritoko Ôkoshi. Anteriormente, Okôshi
em relatório ao governo japonês, havia veemente desaconselhado o envio de emigrantes para
o Brasil.
Sugimura (que veio falecer no Brasil em maio de 1906), averiguando a situação vivida
por ambos países, afirmava que seria possível a vinda de emigrantes japoneses para São
Paulo, onde os futuros colonos trabalhadores encontrariam uma “rara felicidade e um
verdadeiro paraíso”. Ele foi um dos grandes entusiastas da emigração japonesa para o Brasil,
em grande parte, foi graças a seu relatório publicado em fins de 1905, que possibilitou um
olhar mais próximo do governo japonês junto à realidade imigratória em São Paulo.
Ao visitar os estados de Minas Gerais e São Paulo, as mais ricas federações da época,
Sugimura pode, in loco, comparar a situação vivida no Brasil e no Japão, sua terra natal. O
diplomata chegou a afirmar que seria possível a vinda de emigrantes japoneses para o estado
de São Paulo, cuja capital, segundo ele “se assemelha a Paris”. No interior, os futuros colonos
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
trabalhadores encontrariam “pequenos vales” onde corriam “límpidas águas de rios e
córregos. Enfim, uma terra extremamente propícia à lavoura. Notam-se extensas lavouras de
café e árvores frutíferas”, isso propiciaria aos futuros emigrantes a possibilidade de uma “rara
felicidade e um verdadeiro paraíso”.x
A propaganda para atrair emigrantes era feita pelas companhias em vilas e aldeias do
interior por meio de cartazes, panfletos e palestras que informavam sobre o local para onde se
almejava imigrar.xi Qualidades positivas da região de destino, como clima mais ameno, terras
férteis, pouco tempo de trabalho e enriquecimento rápido (em média quatro anos) eram os
principais argumentos destacados, tornando-se elementos-chave para atrair a grande maioria
dos futuros emigrantes que estavam passando por algum tipo de necessidade, pois muitos
haviam perdido qualquer perspectiva de progresso na realidade em que viviam. Outra parcela,
bem menor, foi atraída pelo idealismo, espírito de aventura e pela curiosidade de conhecer
outras regiões além do pequeno arquipélago nipônico.
Essas referências positivas são, em grande parte, produto das circunstâncias e necessidades
dos maiores interessados no projeto, ou seja, o governo japonês e o paulista, que souberam
vender a “visão do paraíso” para maioria dos japoneses que embarcavam no porto de Kobe.
Cabe aqui um parêntese sobre o que acabou por se tornar algo recorrente na construção da
memória histórica sobre os pioneiros da imigração japonesa no Brasil: a consolidação de
alguns personagens do período como os “pais fundadores” do processo imigratório. A questão
não está na importância do seu pioneirismo, inegável, mas sim na construção de uma memória
histórica pautada em uma imagem maculada de “empreendedores” que nos moldes do
discurso nacionalista nipônico do período Meiji - “sacrificaram suas vidas em prol de um
ideal: a imigração para o Brasil”. O mote nacionalista presente no Édito para Educação,
tornou-se o leitmotiv na construção da memória oficial dos imigrantes aqui radicados.
“Sacrificar-se no campo, sacrificar-se na indústria, sacrificar-se na escola, sacrificar-se na
caserna, sacrificar-se além-mar...”. Foi o mantra que a quase totalidade desses japoneses
carregavam dentro de si quando desembarcaram em terras brasileiras. Outros, uma minoria,
buscava na imigração uma fuga deste universo onde o nacionalismo começava a dar o tom.
A própria figura do diplomata Fukashi Sugimura, que juntamente com Ryo Mizuno,
Shuhei Uetsuka, Teijiro Suzuki e outros, considerados “pais fundadores” da imigração
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
japonesa no Brasil, são exemplos do que o historiador britânico Peter Burke chama de mito
dos “pais fundadores”:
“De uma maneira geral, o que acontece no caso destes mitos é que as diferenças entre o
passado e o presente são elididas, e há consequências imprevistas que se transformam em
objetivos conscientes, como se a finalidade principal destes heróis do passado fosse veicular
o presente – o nosso presente” (BURKE, 1992:250)
“Consequência imprevista” ou “amnésia social”, citando novamente Burke, podem ser
presenciadas em um fato na biografia do diplomata Sugimura não mencionado na literatura
histórica sobre imigração em língua portuguesa. Sua influência direta na trama que levou ao
assassinato da última Imperatriz da Coreia, Myeong Seong, em Seoul no dia 8 de outubro de
1895.xii Fato presente em uma série de importantes obras históricas em língua inglesa e
coreana sobre o imperialismo japonês na Coreia, foi “silenciado” dos anais da história dos
imigrantes japoneses em terras brasileiras. É a “história sem farpas” da imigração deitando
suas primeiras sombras...
Enquanto isso na terra do café, de acordo com um decreto-estadual de dezembro de
1906, o estado de São Paulo subsidiaria as companhias de navegação que oferecessem preços
reduzidos aos imigrantes destinados ao estado de São Paulo, que desembarcassem no porto de
Santos e fossem enviados a Hospedaria dos Imigrantes. Estes imigrantes deveriam estar
constituídos em famílias de no mínimo três pessoas, não deveriam no porto de embarque
portar doenças contagiosas, defeitos físicos, qualquer tipo de doença mental, nem deveriam
ser vagabundos, criminosos ou mendigos. Caso a companhia de emigração infringisse estes
requisitos ficaria sujeita a multa (NOGUEIRA, 1973: 72-73).
No mesmo ano, se instalava em São Paulo a primeira casa comercial japonesa,
chamada O Japão em São Paulo, dirigida pela firma Fujisaki. Ainda em 1906, incentivados
pelo Relatório Sugimura, um grupo de seis famílias de imigrantes livres (espontâneos), fazia
história ao se instalar na Fazenda Santo Antônio, em Macaé, no estado do Rio de Janeiro. As
famílias pioneiras eram os Honda, Kumabe, Yassuda, Marutama, Nagase e Torii. Destaque
para a figura de Rioichi Yassuda, enviado pelo Ministério da Agricultura do Japão para
estudar as condições do Brasil com relação à imigração e que acabou ficando por terras
brasileiras por 55 anos, falecendo em 1961, sem jamais ter regressado a sua terra natal. xiii
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Do outro lado do mundo, contrário a vinda de imigrantes japoneses para o Brasil, o
representante diplomático brasileiro no Japão, Luiz Guimarães Filho, em carta ao Barão do
Rio Branco, datada de 1907, definia o japonês como “espião de nascença e nosso inimigo pelo
sangue”.
Divergências à parte, o fato foi que estes acontecimentos levaram a efetivação de um
acordo em novembro de 1907, entre a pequena Companhia Imperial de Emigração, dirigida
por Ryo Mizuno e o estado de São Paulo, representado por Carlos J. Botelho, Secretário dos
Negócios da Agricultura. O acordo tinha como objetivo a vinda, em caráter experimental, dos
primeiros 3.000 emigrantes japoneses para o Brasil em um período de três anos. Subsidiados
pelo governo paulista, estes deveriam vir em famílias de 3 a 10 elementos com idade entre 12
a 45 anos (independente do sexo) aptos para o trabalho e deveriam ser em sua maior parte,
agricultores, permitindo-se a entrada de pedreiros, carpinteiros e ferreiros. Seu destino:
fazendas de café do interior do estado de São Paulo. Os maiores de 60 anos só poderiam vir
junto à família ou para ela se juntar. Da teoria presente na legislação à realidade vivenciada
pelos primeiros imigrantes japoneses haviam muitas diferenças.
Delineava-se dessa maneira os elementos que norteariam a imigração japonesa para o
Brasil em seus primeiros anos.
As primeiras levas de imigrantes japoneses foram dirigidas por companhias particulares de
emigração que negociavam diretamente com o governo paulista. Exemplo disso foi a Kôkoku
Imin Kaisha (Companhia Imperial de Emigração) dirigida por Ryu Mizuno e ligada ao Tokyo
Sindicate, responsável pela introdução dos pioneiros do Kasato Maru em 1908 e que depois
foi extinta.
Neste contexto é importante destacar a figura de mais um “pai fundador” da imigração,
Ryo Mizuno. Suas peripécias para concretizar a vinda da primeira levam de imigrantes em
1908 se tornaram famosas. Entre elas, as dificuldades em arregimentar emigrantes no Japão,
levaram a um número final que embarcou no Kasato Maruxiv, inferior ao estipulado
inicialmente (mil emigrantes). Cerca de 780 emigrantes provenientes, em sua maior parte das
províncias de Okinawa e Kagoshima, se arriscaram na pioneira empreitada, sonhando com a
terra dos “frutos de ouro”. O objetivo era trabalhar por um certo período, ou seja “fazer o
Brasil”, amealhar uma quantia considerável de capital e depois, o mais rápido possível,
retornar para “fazer o Japão”. Sonhos de dekassegui...
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Às vésperas do embarque, Mizuno recebeu de um funcionário da Seção de Emigração
japonesa um documento exigindo o depósito de 100.000 ienes para pagamento de taxas para
liberação do navio. Pego de surpresa, pois não tinha essa quantia, ele foi atrás do dinheiro.
Esse acontecimento levou ao atraso da saída do Kasato Maru, prevista para o dia 16 de abril
de 1908. Os futuros emigrantes começam a demonstrar desconfiança e descontentamento com
o atraso, muitos já começavam a ter de gastar suas economias. Com muito esforço Mizuno
consegue arregimentar a quantia total de 80.000 ienes, sendo que 30.000 ienes foram
solicitados diretamente aos emigrantes, com a alegação de que a quantia deveria ser “guardada
diretamente no cofre do navio, por motivos de segurança”. O fato foi que os emigrantes foram
ludibriados com esta história, já que o dinheiro não havia sido depositado em cofre algum. O
não pagamento da dívida foi um dos principais fatores que causaram uma série de problemas
entre Ryo Mizuno e os pioneiros imigrantes japoneses após o desembarque xv em terras
paulistas. A realidade começava a desconstruir o sonho...
O embarque se deu um dia antes da partida. Parte da tripulação e os emigrantes (em
um total de 840 pessoasxvi) tiveram de ser transportados em pequenas embarcações do porto
de Kobe para o Kasato Maru. Motivo: o cais do porto não tinha capacidade para receber um
navio de grande porte como aquele.xvii
Enfim, no emblemático porto de Kobe aos gritos de Banzai! Banzai!Banzai!
(“Viva!Viva!Viva!”), os emigrantes se despediam de seus parentes e de sua pátria. Ao som
marcial de uma banda formada por estudantes que entoavam uma espécie de hino de
despedida, sempre repetido nas partidas para o Brasil, idealizada como a “terra dos frutos de
ouro” (ISHIKAWA, 2008: ):
“Vamos companheiros, além-mar
Para o Brasil, um país meridional...
Para a futura fortuna elaborar
Corajosos colonizadores pioneiros...”
No dia 28 de abril de 1908, às 17:55h., o vapor Kasato-Maru, partia rumo ao Brasil,
com cerca de onze dias de atraso. Minutos antes o deputado Takeo Doi, em discurso àqueles
que emigravam exortava para que “se lembrassem sempre que estando em um país
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
estrangeiro se comportassem como lídimos representantes do Japão” (REZENDE, 1991:55).
Palavras que denotam a preocupação na manutenção de uma imagem positiva do país da
cerejeiras era uma das grandes preocupações do governo japonês. Dessa forma teve início
oficialmente a imigração japonesa para o estado de São Paulo.
3. Colônias...
Sob a ótica do governo paulista e dos cafeicultores, os imigrantes japoneses eram
vistos como potenciais colonos para o trabalho nas fazendas de café, situadas ao longo das
estradas de ferro Mogiana e Paulista que cortavam o interior do estado de São Paulo. Sob esta
lógica, a totalidade do contingente japonês deveria ser formada por agricultores, principal
requisito para se poder imigrar. No entanto, esta diretriz não foi levada à risca pelas
companhias de emigração japonesas, mais interessadas no lucro fácil, do que propriamente em
colaborar com o projeto de emigração do governo japonês.
Desde o desembarque no porto de Santos dos primeiros imigrantes japoneses em junho
de 1908, a adaptação à realidade brasileira, ou seja, das fazendas de café, não foi fácil. A
alimentação diferente, a língua portuguesa usada no cotidiano era de difícil compreensão,
dessa maneira os primeiros contatos com a “nova terra” causaram um certo estranhamento,
tanto por parte dos brasileiros que os recebiam, como também dos japoneses imigravam.
No entanto, o desejo inicial de “fazer o Brasil” ainda era o esteio para enfrentar a dura
realidade vivenciada por estes pioneiros. As relações, às vezes conflituosas, sentida pelos
japoneses são um fiel retrato da mentalidade da maior parte dos fazendeiros e de seus
empregados que, pela primeira vez, contratavam mão-de-obra japonesa. Em muitas situações,
os recém-chegados japoneses acabaram por não se adaptar a realidade vivenciada nas
fazendas de café. Dessa forma, desde o início um sentimento de que haviam sido “enganados”
tomou conta tanto dos imigrantes como também de seus contratantes (fazendeiros). Estes
alegavam que boa parte dos japoneses não tinham nenhuma experiência com o trabalho
agrícola e que muitas famílias abandonavam a lavoura, fugindo das fazendas em busca de
melhores condições e salários em outras fazendas ou na capital paulista. Por outro lado, os
desiludidos japoneses estavam descontentes, primeiro com as pouco idôneas companhias de
emigração, depois com a situação presenciada em terras paulistas. O árduo trabalho na lavoura
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
de café, associado a baixa produtividade dos cafezais, pois no período em que começaram a
trabalhar (mês de julho) a colheita de café se encontrava caminhando para seu final, faziam
com que as dívidas se acumulassem, distanciando cada vez mais o momento da volta. Em
média uma família de três pessoas conseguia colher entre 1 saca e 1,5 saca por dia, algo bem
distante do propagandeado e vislumbrado. Após os primeiros sinais de impossibilidade de
concretização de seus objetivos, muitas famílias se arriscavam fugindo na escuridão da noite,
deixando suas dívidas para trás e um gosto amargo de fracasso. Outros foram transferidos para
outras fazendas ou vieram para a capital paulista tentar a sorte. Outro elemento que se tornou
patente naqueles primeiros anos foi a precária assistência daqueles (governo japonês) que
inicialmente deveriam ampará-los. Questão que foi sendo resolvida paulatinamente durante a
década de 1910.
Em 1912 o Ministro Provisório do Japão no Brasil, Ryoji Noda, relatava que o número
de famílias japonesas desejosas a emigrar era da ordem de uma a cada mil. Como locais de
preferência se encontravam o Havaí, os Estados Unidos (costa oeste), o Canadá e a
Manchúria. O Brasil devido a distância e os baixos salários era considerado como segunda ou
terceira opção emigratória.
Para muitos dos que imigraram nos primeiros anos essa triste realidade era uma
constante. Endividados, impossibilitados de voltar a terra natal como planejado, muitos
encontraram no alcoolismo, uma saída para suas tristezas e decepções. Outros, como Shuhei
Uetsuka (1876-1935)xviii, considerado outro “pai fundador” no Brasil, além da bebida,
encontrou na confecção de poemas em forma de haikus, uma maneira de aliviar a dura vida
de pioneiro. Seu próprio pseudônimo ao assinar os haikus, Hyoukotsu, que significa “carcaça
de cabaça” é uma metáfora dessa realidade. Ele é considerado o primeiro a escrever um haiku
em japonês no Brasil (1908). Grande parte dos poemas que produziu, retratam de forma
singela e direta a vida dos imigrantes que aqui começaram a fazer história (TORU, 2007: 44 ):
“Quando a tarde chega
um choro se ouve nas sombras
Colheita de café.
Imigrantes fugidos
fustigam minha lembrança
Ah! Noite de estrelas”
32
Rogerio Akiti Dezem (2020)
Considerações finais.
Além de preservadores da memória, narradores do tempo passado no presente, os
historiadores são os “guardiões dos fatos incômodos, os esqueletos no armário da memória
social” (BURKE, 1992: 249) na definição do historiador britânico Peter Burke. A história dos
imigrantes japoneses no Brasil, principalmente sob o viés “desarmônico” dos seus conflitos,
dificuldades, fracassos e contradições ainda esta por ser escrita. As interdições do modus
vivendi dos imigrantes japoneses e de seus descendentes foram sendo cobertas a partir de
narrativas (orais e textuais) que legitimaram o esforço, o sofrimento e o sucesso em detrimento
às dificuldades enfrentadas, o fracasso e as divergências entre os imigrantes por um manto no
qual o leitmotiv foi a noção do “ não conflito” e da cosntrução de uma atsmofera harmônica
(oni)presente na comunidade imaginada dos japoneses que aportram em terras brasileiras.
Cabe as novas gerações de historiadores da imigração reavaliar esse(s) discursos(s),
lançando luzes sobre as várias sombras e expondo as farpas históricas (e não apará-las como
tem sido feito). No ármario da memória social da imigração japonesa
existem muitos
“esqueletos” à espera daqueles que possam reavaliá-los à luz da análise histórica, contribuindo
assim para levantar novos questionamentos sobre essa saga (não tão heróica...) dos japoneses
e de seus descendentes no Brasil.
Revista de Estudos Brasileiros. Vol. 12. Universidade de Osaka (2016)
Bibliografia:
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Yanaguida, Toshio e Alisal, Maria. D. R. Japoneses en America. Madrid; Editorial Mapfre,
1992.
i
Apesar de pouco citada nas principais obras históricas sobre o período (Ver autores Sansom, Gluck, Reischauer,
Beasley) pode-se afirmar que a política emigatória japonesa foi um dos pilares do expansionismo nipônico entre
1890-1940.
“(...) há uma relação do silêncio que remete ao caráter de incompletude da linguagem:
todo dizer é uma relação fundamental com o não dizer.” In: ORLANDI, Eni Puccinelli. As
formas do silêncio: no movimento de sentidos. Campinas, ed. da Unicamp, 1992. p. 12.
ii
iii
O antropólogo nipo-americano Harumi Befu propõe uma periodização histórica interessante sobre a diáspora
japonesa, hipótese, aliás, que enfraquece a tese sobre o “isolamento nipônico” entre meados do séculos XVII e
XIX: “In 2000, I presented the thesis that Japan’s diaspora began in the fourteenth century, about the same time
as, or even before, the European worldwide expansion. I suggested that this diaspora be divided into three major
time periods: Period I, the fourteenth century to 1854; Period II, 1854-1945; and Period III 1945 to the present”.
In: BEFU, Harumi. “Japanese Transnational Migration in Time and Space. An Historical Overview”. Apud.
Nobuko Adachi (Org.) Japanese and Nikkei at home and abroad: negotiating identities in a global world. New
York, Cambria Press, 2010. p.31-32.
iv
Shigenobu Okuma (1838-1922) foi Primeiro Ministro, Ministro de Assuntos Estrangeiros e fundador da
Universidade de Waseda. Sua doutrina se baseava na ideia de que o Japão após se modernizar, “(...) had a
moral obligation to protect China against Western agression and help it reforms it institutions. (...) formulated in
1898, invoked Japan’s cultural debt to China and maintained that the time had come for Japan to show is
gratitude by holding the West at distance (…)” In: BÉRGERE, Marie-Claire., Sun Yat-sen. Califórnia, Stanford
University Press, 1998, p. 73
“Japan’s victory in the Sino-Japanese War showed how far the nation had “progressed”. It was indeed a sign
of a higher civilization. The popular woodblock prints of the war invariably show the Japanese soldiers as tall,
pale-skinned, heroic figures, while the Chinese enemies are grotesque, cowering Asiatics with pigtails. It is as
though the Japanese suddenly belonged to a different race, one akin to Europeans”. In: BURUMA, Ian.
Inventing Japan (1853-1964). New York, Modern Library Chronicles, 2004, p. 50.
v
“A nação pressupõe um movimento de integração, uma “consciência coletiva” que envolve os habitantes de
um determinado território. Ou, como nos propões Marcel Mauss, ela é uma unidade moral, mental, cultural dos
habitantes que aderem conscientemente ao Estado e às suas leis. Diferentemente do Estado, no qual a coesão se
estabelece por meio da força e da coerção administrativa, a nação se funda em vínculos sociais de outra
vi
35
Rogerio Akiti Dezem (2020)
natureza. Neste sentido, não há “nação” japonesa antes da Revolução Meiji; para falarmos como Hobsbawm,
ela é uma “novidade histórica”.”In: ORTIZ, Renato. O Próximo e o Distante: Japão Modernidade - Mundo. São
Paulo; Brasiliense, 2000. p. 46-47.
vii
Sobre as raízes desse projeto expansionista como uma das plataformas da decantada Restauração Meiji, ver:
“The Meiji (1868) was for Japan a momentous event. The forces for political, social, economic, and cultural
change which it unleashed transformed na archaic feudal society into a modern state at a pace which still leaves
historian breathless. There is a glory of achievement about it which is apt, however, to blind those who study it to
the fact that, along with, the political power and prestige which it brought to its leaders, it also brought shame.”
in: CONROY, Hilary. The Japanese Seizure of Korea: 1868-1910. Philadelphia; University of Pennsylvannia
Press, 1960. p. 17.
Sobre
o
chamado
“incidente
com
o
vapor
Tosa-Maru”
http://www.ndl.go.jp/brasil/pt/s1/s1_1.html (acessado em 3 de fevereiro de 2016)
viii
(土佐丸事件)
acessar:
ix
Sobre o impacto da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) no nascente imaginário brasileiro relativo ao japonês
ver as obras de referência: DEZEM, Rogério. Op. Cit.. TAKEUCHI, Márcia Y. Entre Gueixas e Samurais: A
Imigração japonesa nas revistas ilustradas (1897-1945). Tese de Doutorado em História Social apresentada na
FFLCH/USP em 2009 e OKAMOTO, Monica S..”O Brasil ‘Civilizado” e o Japão “Bizarro”na Revista Kosmos:
Imagens contrastantes” in: Revista Patrimônio e Cultura. UNESP – FCLAs – CEDAP, v. 6, n. 1, p. 158-173, jun.
2010.
x
Para ver o relatório integral e original em japonês do Ministro residente Fukashi Sugimura acessar:
http://www.ndl.go.jp/brasil/text/t014.html#SECTION_2. (Acessado em 3 de fevereiro de 2016)
xi
Sobre as estratégias de propaganda emigratória usadas pelas companhias japonesas para atrair candidatos a
emigração para os Estados Unidos ver: YOKOTA, Mutsuko. Tobei Imin no Kyôiko: Shioride yomu nihonjin
imin shakai (Education of emigrants to America: Japanese immigrant society as revealed in Pamphlets.) Osaka,
Osaka University Press, 2001
xii
Sob a efetiva participação de Fukashi Sugimura no planejamento do atentado ver as obras: CONROY, Hilary.
The Japanese Seizure of Korea: 1868-1910. Philadelphia; University of Pennsylvannia Press, 1960. pp. 310-324.
McKENZIE, Frederick A.. “Chapter III – The murder of the Queen”. In: Korea’s Fight for Freedom. Fleming
H. Revell Company, 1920. P. 51-54. Korea and the politics of Imperialism, 1876-1910. KIM, Eugene e KIM,
Han-kyo, Berkeley and Los Angeles; University of California Press, 1967. p. 85-88.
xiii
Sobre o tem a ver a obra de GOMES, Marcelo Abreu. Antes do Kasato Maru . Rio de Janeiro; Gráfica
Macuco, 2008.
xiv
Símbolo maior da saga dos imigrantes japoneses no Brasil, a história do vapor Kasato-Maru é quase tão
interessante quanto a dos próprios passageiros que ele levava em sua terceira classe.
xv
Sobre o tema ver Teresa Hatue de Rezende. Ryu Mizuno. Saga japonesa em terras
brasileiras. Curitiba, SEEC/Brasília, 1991.
xvi
Fonte: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/kasatomaru.php . Site do Arquivo do Estado de São Paulo com a
lista completa dos passageiros do Kasato Maru. (Acessado em 27 de janeiro de 2016)
xvii
Sobre o fato ver a obra de Kusumoto, Toshio. Ijusaka – Kobe Kaigai Ijushi Annai (Kobe, 2004).
xviii
Sobre a biografia de Uetsuka ver: Nomio, Toru. O homem da mata selvagem:a saga de
Shuhei Uetsuka. São Paulo; Editora Jornalística União Nikkei, 2007.
36
Rogerio Akiti Dezem (2020)
(Doc. G) Revisão 2
A intenção era apenas ficar de dois a três anos e retornar ao Japão? Muitos conseguiram
executar essa intenção?
Desde o desembarque no porto de Santos dos primeiros imigrantes japoneses em
junho de 1908, a adaptação à realidade brasileira, ou seja das fazendas de café, não foi fácil. A
alimentação diferente, a língua portuguesa usada no cotidiano era de difícil compreensão,
dessa maneira os primeiros contatos com a “nova terra” causaram um certo estranhamento,
tanto por parte dos brasileiros que os recebiam como também dos japoneses imigravam.
No entanto, o desejo inicial de “fazer o Brasil” ainda era o esteio para enfrentar a dura
realidade vivenciada por estes pioneiros. Trabalhar arduamente por três ou quatro anos,
amealhar uma certa quantia de capital e retornar ao Japão, o mais breve possível era o grande
objetivo desses imigrantes. No entanto, as relações, às vezes conflituosas, sentida pelos
japoneses são um fiel retrato da mentalidade da maior parte dos fazendeiros e de seus
empregados que, pela primeira vez, contratavam mão-de-obra japonesa. Em muitas situações,
os recém-chegados japoneses acabaram por não se adaptar a realidade vivenciada nas
fazendas de café. Dessa forma, desde o início um sentimento de que haviam sido “enganados”
tomou conta tanto dos imigrantes como também de seus contratantes (fazendeiros). Estes
alegavam que boa parte dos japoneses não tinham nenhuma experiência com o trabalho
agrícola e que muitas famílias abandonavam a lavoura, fugindo das fazendas em busca de
melhores condições e salários em outras fazendas ou na capital paulista. Por outro lado, os
desiludidos japoneses estavam descontentes, primeiro com as pouco idôneas companhias de
emigração, depois com a situação presenciada em terras paulistas.
Esse fato levou ao abandono das fazendas, muitas famílias fugiam no meio da noite se
arriscando, até a estação mais próxima. Questão que foi sendo resolvida paulatinamente a
partir do final da década de 1910. A partir da década de 1920 a política imigratória japonesa
passa a ser efetivamente “tutelada” pelo governo japonês tomando novos rumos, ma mesmo
assim muitas dificuldades existiam.
Para muitos dos que imigraram nos primeiros anos (1910) essa triste realidade era uma
constante. Endividados, impossibilitados de voltar a terra natal como planejado, muitos
encontraram no alcoolismo, uma saída para suas tristezas e decepções. O sentimento de
fracasso e a saudade da terra natal era difícil de lidar.
Em média o imigrante levava quase dez anos para conseguir um certo capital e tornar-se
independente, ou seja comprando ou arrendando um lote de terra ou criando algum tipo de
comércio baseado (geralmente) na mão-de-obra familiar, a grande maioria acabou
permanecendo no Brasil. No entanto, boa parte ainda acalentava o desejo de voltar ao Japão,
tarefa que sempre era adiada por questões econômicas e uma outra parte destes imigrantes
japoneses resolveram fazer sua vida aqui, por questões socioeconômicas (terras, dinheiro,
comércio).
37
Rogerio Akiti Dezem (2020)
Na década de 1940, a Segunda Guerra Mundial e as consequências da derrota do Japão vão
sepultar definitivamente o desejo de muitos imigrantes japoneses de retornar ao Japão, a partir
deste momento efetivamente o Brasil passou a ser a “terra” dos japoneses que para cá
imigraram, como também de seus descendentes.
Essa imigração foi vantajosa?
Em que contexto? Na época inicial (1910)? Ao longo do processo ? Ou na totalidade do
processo, ou seja até os dias de hoje?
Nestes 100 anos de história os japoneses desde o início e por muito tempo (até o final da
década de 1940) eram vistos com certa desconfiança, elementos positivos e negativos eram
associados a este imigrante. No entanto, um adjetivo que sempre fez parte do vocabulário
associado a esta etnia foi: trabalhador. Principalmente associado a agricultura, setor no qual a
contribuição dos imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil é de grande relevância
até os dias de hoje. Mas as contribuições (vantagens) não estão apenas na área da economia,
mas também na cultura e na sociedade, essa contribuição (até certo ponto recente) pode ser
vista na miscigenação com a população brasileira, são os nipo-brasileiros, principalmente na
região Sudeste (SP e PR). O Brasil possui a maior comunidade de origem japonesa fora do
Japão, devemos nos orgulhar disso.
Hoje a comunidade nikkei no Brasil está plenamente adaptada (cultura, culinária, agricultura,
horticultura, floricultura) e perfaz um total de 1.500.000 nikkeis (japoneses e descendentes),
existem outros quase 300.000 nikkeis que estão no Japão trabalhando como dekassegui.
38
Rogerio Akiti Dezem (2020)
UNIVERSIDADE DE OSAKA
Português III e IV – História da Imigração Japonesa no Brasil I (outubro/2021)
Prof. Rogério Akiti DEZEM
Resumo das aulas 5 e 6
Questão inicial: podemos afirmar que o processo emigratório/imigratório seria um
movimento “natural” de alguns países em fins do século XIX para se ajustar ao modelo
capitalista?
População Japonesa: 1850’s = 27.500.000 hab. / 1920’s = 56.000.000 hab.
Densidade demográfica do Japão (1929):
Tóquio > 2000 hab./km²
Osaka 1026 hab./ km²
Fukuoka 474 hab./km²
Aichi 433 hab./km²
Kagawa 380 hab./km²
Saga 376 hab./km²
Hyogo 368 hab./km²
Saitama 324 hab./km²
Nagasaki 314 hab./km²
Quioto 280 hab./km²
Chiba 266 hab./km²
Kagoshima 102 hab./km²
Kochi 96 hab./km²
“Uma peculiaridade da emigração japonesa foi ter sido muito pequeno o número dos
eu deixaram o país entre 1890-1940. Segundo o diplomata e intelectual francês Louis
Dollot, a este respeito, por um lado o oriental se sente preso aos seus antepassados e
não tem vontade de abandonar o solo pátrio, a não ser em caráter temporário, e por
outro lado, que os países de imigração temiam um afluxo da raça amarela por ser
considerada inassimilável. ” (p. 23)
Brasil (1820-1940) = recebeu > 4.600.000 imigrantes
1820-1890 = 880.000 emigrantes
1890-1940 = 3.800.000 emigrantes
39
Rogerio Akiti Dezem (2020)
“Os japoneses vivem com qualquer miséria, porque se alimentam de peixe com arroz,
não podendo os brancos competir com eles nesta extraordinária frugalidade”
(Diplomata brasileiro Luís Guimarães Ferri – 1907)
Imigrante japonês era mais oneroso ao estado de São Paulo do que os imigrantes
europeus.
Principais problemas (1908-1917)
Falsa propaganda
Amadorismo e até má-fé das empresas japonesas emigrantistas
Más condições de acomodação nas fazendas do interior de São Paulo
CHOQUE CULTURAL: língua, alimentação e costumes
Perfil do imigrante japonês (≠)
Constituição de famílias “compostas” ou “agregadas”
Endividamento
Estranhamento: brasileiros x japoneses
RESULTADO: Fugas e não fixação dos imigrantes nas fazendas
Conflito de interesses:
Governo Paulista/Fazendeiros
Governo Japonês/Empresas emigratórias
X
Mão de obra barata e dócil
para a lavoura de café
Projetos de colonização/fixação
Imigrante Japonês
Trabalho temporário (3-5 anos)
Retorno ao Japão
(1911) “Esse sistema de colonização além de possuir muitos inconvenientes, (...) irá
retardar em muitos anos a nacionalização do imigrante, pois facilita-lhe e aos seus
filhos a conservação da língua materna, bem como os costumes, hábitos e religião de
sua pátria de origem, além de dificultar o cruzamento com o elemento nacional (p.
214)
Fonte: Material adaptado a partir de Arlinda Rocha Nogueira, A imigração japonesa para a lavoura cafeeira
paulista (1908-1922). IEB/USP, 1973.
40
Rogerio Akiti Dezem (2020)
(Doc. H) “Tempos sombrios para os imigrantes japoneses no Brasil (1941-1948)”
Rogério Akiti Dezem
Introdução
“Quando a guerra terminar...
Queremos viver sob o “hi-no-maru”xviii
A política nacionalista e assimilacionista com relação aos estrangeiros na Era Vargas
(1930-1945) atingiu seu auge no início da década de 1940. Associada aos acontecimentos da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na qual o Japão tornou-se, a partir de 1942, “país
inimigo” do Brasil, estes acontecimentos foram responsáveis pelo momento em que a colônia
japonesa radicada em terras brasileiras viveu seus momentos mais difíceis.
Pressionada por dois nacionalismos, pois de um lado havia o governo militarista japonês e
do outro a ditadura de Vargas, o imigrante que desde o final da década de 1920 consolidava
suas bases (associações, núcleos colônias, escolas, etc.) em território brasileiro, sofreu uma
espécie de “crise existencial”. Quais valores sociais e culturais deveriam nortear o modo de
vida de grande parte dos imigrantes e, principalmente, de seus descendentes? O japonês ou o
brasileiro?
Em meados de 1939 circulava pela colônia a obra Os japoneses de Bauru (Bauru Kannai
no Houjin), de autoria do japonês Shungoro Wako, tratava-se de um relatório sobre a situação
dos imigrantes ao longo das linhas Noroeste e Paulista, região na qual se encontrava a maior
parte dos japoneses e descendentes no período. Foi a partir desta pesquisa que se pode
constatar que naquela região cerca de 85% dos imigrantes desejava voltar para o Japão. E a
guerra nem havia começado ainda...
A suspensão da imigração japonesa para o Brasil em 1941, quando oficialmente chegou a
última leva no navio Buenos-Aires maru (DEZEM:2000, p.40) encerrou um período,
41
Rogerio Akiti Dezem (2020)
marcando para muitos imigrantes, que em sua maioria vivia no interior do estado de São Paulo
e norte do Paraná, um momento de apreensão e dúvidas.
Preconceitos contra o “amarelo” tomam a forma de discriminação e repressão. O “Perigo
Amarelo” estava na ordem do dia, alimentando a imaginação das autoridades brasileiras.
Proibiu-se falar a língua japonesa em público, alfabetizar ou ensinar línguas estrangeiras,
publicar jornais, revistas, panfletos em língua japonesa, reunir-se em grupos, criar associações
ou sociedades, deslocar-se de uma cidade a outra sem salvo-conduto e sem a prévia
comunicação e autorização da polícia política (DOPS – Delegacia de Ordem Política e
Social), os estrangeiros deveriam portar uma carteira de identificação, conhecida como
“modelo 19” ou a certidão de registro “modelo 20”. Caso algumas destas interdições fosse
descumprida, o imigrante poderia ser preso para apenas simples averiguação ou, o que era
pior, poderia ser acusado de favorecer os “súditos do Eixo” ou mesmo ser espião do Mikado.
E muitos foram presos arbitrariamente entre os anos de 1942-1945..
Foram tempos sombrios. As dificuldades de comunicação, deslocamento e as prisões
acabaram por isolar cada vez mais os imigrantes no interior. A cidade de Bastos (SP) era vista
pela polícia como o “maior quisto nipônico” do país, portanto deveria se vigiada. Em 1942, a
cidade contava aproximadamente com uma população de 15 mil habitantes, dos quais 12 mil
eram japoneses (imigrantes e descendentes). O grupo escolar de Bastos, segundo fontes da
polícia política, tinha matriculados 487 alunos, sendo 387 de origem japonesa e 90 brasileiros
(DEZEM: 2000, p.44) uma verdadeira “ nipolândia” encravada na região noroeste do estado
de São Paulo.
Essa paranoia, alimentada pela guerra atingiu mais diretamente alemães e japoneses, no
caso dos nipônicos, além da língua ser um fator diferencial, dizia-se que a “cara não ajudava”,
ou seja os traços orientais facilitavam a suspeição e a acusação. Alguns imigrantes
expressaram aqueles difíceis momentos de forma poética, foi o caso do Kikuji Iwanami
(agricultor e poeta), que teve muitos dos seus poemas em língua japonesa confiscados e
queimados no período e que soube na forma de tanka expressar as dificuldade e a angústia
vivenciados quando preso:
“É tão injusto...
Eixo e aliados
foram palavras
42
Rogerio Akiti Dezem (2020)
que eu aprendi quando
já estava na prisão”xviii
Os anos iniciais da guerra do Pacífico (1941-1942) são de grande euforia para os
japoneses. Para aqueles que viviam no Japão, ou melhor, no Dai-Nippon, as primeiras vitórias
nada mais eram do que um processo “natural” de uma nação que autodenominava como sendo
“os brancos da Ásia”. Muitos dos imigrantes radicados aqui, mesmo sob pressão e vigilância
do governo, além da euforia alimentavam a ainda esperança de “viver sob o hi-no-maru”
(bandeira japonesa) que se tudo desse certo seria um grande império na Ásia.
Até meados de 1942 os acontecimentos da Guerra no Pacífico pareciam conspirar para
isso. No entanto a destruição de 4 porta-aviões japoneses na Batalha de Midway pela marinha
norte-americana, deu início ao declínio do poderio nipônico no controle do Pacífico e
consequentemente abriu o caminho para sua derrota na guerra.
Em 28 de janeiro de 1942, o Consulado-geral do Japão encerrou suas atividades
diplomáticas no Brasil, deixando sem representação governamental oficial os japoneses que
aqui residiam. No mesmo ano foi ordenada a evacuação das Ruas Conde de Sarzedas e
Estudantes no bairro da Liberdade. Um ano depois, em 8 de julho de 1943 todos os japoneses
residentes na zona litorânea de São Paulo e, principalmente na cidade de Santos tiveram pouco
mais de 24 horas para evacuar a região. Ações desse tipo representam na prática, o temor ao
suposto “Perigo Amarelo” associado diretamente a uma “provável invasão japonesa”.
Mesmo assim, a maioria dos imigrantes japoneses sob constante vigilância dava
continuidade as suas vidas, criando formas de “adaptação” ao novo contexto de privações que
estavam vivenciando.
Entre centenas de casos dessa nova realidade, podemos citar a história do japonês
Magosaburo Osaki (DEZEM: 2000, p. 43) morador da cidade de Lins no interior da cidade de
São Paulo, que teve em setembro de 1942 seu rádio apreendido pela polícia. Era proibido
ouvir transmissões de ondas curtas após a meia-noite, como também era proibido o transporte
de aparelhos da zona urbana para zona rural, pois a fiscalização se tornava quase impossível.
Em outubro de 1943 o rádio foi devolvido a Osaki, mas com o botão que sintonizava as ondas
curtas estava lacrado. No entanto, para ouvir as notícias do “vitorioso Japão” na Rádio Tóquio
(Agência Domei), mesmo com uma transmissão precária e quase inaudível, valia qualquer
43
Rogerio Akiti Dezem (2020)
sacrifício, até correr o risco de passar uns dias na Delegacia. Como subterfúgio, muitos davam
um “jeitinho” para conseguir acessar novamente as notícias da pátria, quebrando o lacre e
colocando grampos, ou algum tipo de objeto que pudesse novamente sintonizar o rádio na
frequência de ondas curtas.
Aos olhos da polícia política, os japoneses eram vistos como um “perigo em potencial,
inassimiláveis, imperialistas, traiçoeiros”, portanto deveriam ser “nacionalizados”, o mais
rápido possível, falava-se até em expatriamento dos japoneses não naturalizados.
Por outro lado algumas pessoas, tanto do lado dos próprios japoneses como dos
brasileiros, tentaram (e souberam) se aproveitar da situação em que se encontrava a colônia
japonesa na época. O imigrante japonês, artista plástico e memorialista Tomoo Handa narra
uma história ocorrida na região de Tietê, interior de São Paulo, na qual um brasileiro, que
exercia a função de “fiscal do interior”, tentou por meio de um truque prender japoneses.
Proibidos de se reunir em grupos, alguns japoneses, entre eles um amigo de Handa,
pescavam separadamente em uma mesma área, quando foram surpreendidos e depois cercados
por um policial e seus capangas. De repente o policial tirou uma bandeira do Japão do bolso,
amarrou na cintura e queria obrigar a um dos japoneses que a segurasse. Atônitos, todos do
grupo reusaram. Então, foram obrigados a formar uma fila, onde ao final um dos capangas
segurava a bandeira japonesa para que fossem fotografados junto à “prova do delito”. No
entanto a companhia de colonização responsável pelo núcleo foi avisada a tempo, antes
mesmo do policial fazer a acusação de “niponismo” e ninguém foi preso (HANDA:1987, p.
634).
Nos relatórios da polícia política (DOPS) encarregada de vigiar e prender os suspeitos
de “quinta-colunismo”, podemos ter uma noção da forma como as autoridades enxergavam os
japoneses. Em um destes relatórios, o delegado ao descrever os rituais budistas praticados nos
cemitérios em homenagem aos familiares mortos na cidade de Bastos - SP, considerava os
japoneses, além de “altamente suspeitos”, também “ ingênuos”.
O delegado Louseira Rocha afirmava isso ao observar que ao serem depositadas
oferendas (comida, moedas, lembranças) nos túmulos dos mortos de origem japonesas as
mesmas geralmente eram “recolhidas” posteriormente, sendo a prova mais cabal disso o seu
“desaparecimento” do jazigo. Na realidade, conclui Louseira, as oferendas eram “roubadas”
44
Rogerio Akiti Dezem (2020)
pelas crianças brasileiras que já sabiam desse hábito e que, por uma justa razão, necessitavam
dos “apetitosos manjares e de tão reluzentes moedas”, muito mais que os defuntos... Ao final
o delgado concluiu que a garotada, ao raciocinar e agir dessa forma, “à moda brasileira”, era
mais esperta que os japoneses (DEZEM: 2000, p.45 ).
Aqueles que eram presos após ter cometido delitos como ^falar japonês em público”,
“promover reuniões sem autorização da polícia”, “viajar sem portar salvo-conduto” ou
simplesmente, “suspeitos de quinta-colunismo”, ou seja, espionagem, eram levados para a
delegacia para averiguação, acabando, na maior parte das vezes, por pernoitar na cadeia sendo
liberado no dia seguinte.
Ocorreram muitas prisões na cidade de São Paulo e, principalmente, no interior do
estado. Em algumas regiões devido a grande quantidade japoneses de presos, as delegacias
enviavam para a Hospedaria dos Imigrantes os “excedentes” que ficavam em sua maioria, uns
3 ou 4 dias e depois eram liberados. Aqueles acusados de “quinta-colunismo” e considerados
“criminosos políticos” eram enviados nos tempos de guerra para a Casa de Detenção de São
Paulo onde aguardavam julgamento.
Todo esse clima de apreensão, discriminação e, principalmente, desinformação
contribuiu para que se reforçasse entre os imigrantes japoneses e muitos de seus descendentes
radicados nas distantes cidade do interior de São Paulo e norte do Paraná, o sentimento de
Yamato Damashii, ou Espírito Japonês. União, nacionalismo, patriotismo se tornavam o fio
condutor da esperança da vitória militar japonesa na guerra e volta ao Dai Nippon.
Infelizmente, as prisões e os atos arbitrários por parte das autoridades brasileiras contra
os japoneses se tornaram corriqueiros. O preconceito, a falta de preparo e a má-fé de muitos
delegados e investigadores, principalmente nas cidades do interior do estado de São Paulo,
favoreciam delações, prisões arbitrárias, furtos as residências de imigrantes e até mesmo,
agressões físicas. Ao percorrer as cidades do interior do estado de São Paulo várias são as
lembranças dos imigrantes japoneses de maus tratos por parte da polícia e de “brasileiros”.
Existem histórias até de mortes de japoneses ocorridas dentro das cadeias causadas por tortura
e maus tratos. Como podemos notar, o final da década de 1930 e os primeiros anos de 1940,
foram um período muito difícil para a grande maioria dos imigrantes e descendentes aqui
radicados. Mas o pior ainda estava por vir, no seio da própria colônia japonesa em frangalhos,
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
teria início uma luta fratricida que calou fundo na alma de cada imigrante que vivenciou
aqueles anos: a Shindô Renmei.
1. “Morte aos quintas-colunas!” : Discriminação e repressão aos japoneses durante
os anos de guerra
Várias são as histórias relativas às privações, discriminação e violência vivenciada
pela comunidade japonesa durante os anos de guerra no Brasil. A maior parte associadas ao
contexto político, mas também a xenofobia e a ignorância por parte da população e das
autoridades brasileiras com relação a aspectos associados à cultura e aos costumes dos
imigrantes japoneses aqui radicados.
Após o rompimento do Brasil com os países que compunham o Eixo em janeiro de
1942, uma série de atos de vandalismo e depredação ocorreram contra os japoneses em várias
regiões do Brasil, principalmente nos estados de São Paulo e do Paraná.
Aos olhos de muitos brasileiros todos “amarelos” eram iguais. No centro de São Paulo,
na Av. São João, havia pastelarias de propriedade de chineses e que com frequência passavam
a sofrer depredações por parte de brasileiros mais exaltados. Cansados do vandalismo, os
proprietários colocaram uma faixa com os dizeres: “ Somos amigos, não somos JAPONESES,
somos CHINESES”. Uma versão contrária, diz que muitos japoneses associados ao trabalho
nas tinturarias (muito visadas por vândalos anti-Eixo), mudaram de ramo e foram trabalhar em
pastelarias para que pudessem se passar por “chineses” e desse modo não serem molestados,
histórias da guerra.
Nem as crianças escapavam da discriminação, muitas no trajeto para escola sofriam
provocações ao serem chamadas de “quinta-coluna”, “ filhos de Hiroito” ou simplesmente
“amarelo” por parte das crianças brasileiras. Eurica, filha de Kaito Ussui, um dos pioneiros do
Kasato Maru, lembra que no colégio onde estudava com seus irmãos em Curitiba, as crianças
filhas de japoneses eram chamadas de “quinta-coluna” e “tinham de estudar muito mais do
que os outros, pois por qualquer coisinha, os professores diminuíam nossas notas” (SETO &
UYEDA:2002, p. 233).
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
O médico nissei Matinas Suzuki em seu livro de memórias relata que no interior de
São Paulo foi parado na rua “até por pinguço, mal se equilibrando sobre as pernas” que lhe
disse: “Sai prá lá, quinta-coluna f.d.p.!”(SUZUKI:1997, p.112).
Um dos episódios mais sombrios e humilhantes do período ocorreu no estado do
Paraná, quando em meados de 1942 parte dos japoneses e descendentes que moravam no
litoral paranaense foi obrigada a deixar suas terras e propriedades em 24 horas. Aqueles que
resistiram ou perderam o “trem dos evacuados” foram expulsos de seus domicílios pelo
exército, muitos sendo enviados a Granja do Canguiri na cidade de Curitiba. Lá foram
alojados em galpões-currais destinados a animais e foram tratados como tal, por estudantes
secundaristas que iam “visitá-los”. Os estudantes olhavam para os japoneses como bichos,
chegando até a oferecer capim, ao mesmo tempo que imitavam relinchos e mugidos de bode.
(SETO & UYEDA:2002, p.42). Deste cenário preconceituoso nasceu o apelido “bode” para
designar os japoneses em geral na época.
O sentimento antijaponês podia ser visto nos xingamentos e agressões físicas como
também em ações de maior vulto, como ordens de evacuação em massa do litoral para regiões
mais ao interior do país.
Os imigrantes japoneses que viviam na cidade litorânea de Santos tiveram pouco mais
de 24 horas para evacuar a região. Mais de quatro mil passaram pela
Hospedaria dos
Imigrantes na cidade de São Paulo e depois foram distribuídos pelo interior do estado. O
jornal A Tribuna de 10 de julho de 1943, publicava a seguinte manchete: "Quase todos
proprietários de chácaras (japoneses), eles puseram à venda quase tudo quanto possuíam.
Vendiam a qualquer preço, pois não havia tempo para regatear. Um deles, para desfazer-se
de sua chácara, em Santa Maria, vendeu três porcos, uma carroça e um muar pela quantia de
mil cruzeiros. As galinhas eram vendidas a dois ou três cruzeiros".
Na região de Acará, no estado do Pará, muitos japoneses e descendentes junto a outros
estrangeiros foram confinados no espaço que pertencia a Companhia Nipônica de Plantação e
que foi transformado por ordem do governo paraense em um campo de concentração
destinados aos “súditos do Eixo”.
Um personagem interessante, testemunha ocular dos horrores da II Guerra Mundial no
front italiano pela FEB, foi o médico nissei Massaki Udihara (1913-1981). Católico devoto,
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
formado em medicina pela Universidade de São Paulo, escrevia poesias em inglês, tinha
domínio da língua francesa, italiana, além da japonesa. Aos 31 anos ele foi convocado como
reservista para FEB em 1944, servindo como tenente do 6 RI (Regimento de Infantaria) e não
como médico. Em seu diário sobre os momentos vivenciados na guerra, Udihara descreve de
modo claro e direto suas impressões do conflito entre 1944 e meados de 1945. Os momentos
vividos no norte da Itália são retratados por Udihara sob a ótica de uma pessoa ilustrada,
pacifista, contrária a guerra. Para ele “...houve momento em que senti o desejo de ficar louco...
Isso só para ficar longe de tudo isso” (UDIHARA: 2002, p. 302)
Outro episódio que retrata o preconceito e a desconfiança para com os japoneses no
período é a história do nissei Chuniti Hara no Paraná. O jovem Hara se apresentou por duas
vezes a Junta Militar da cidade de Antonina em 1942, sendo dispensado por ser “japonês”.
Quando da formação da FEB dois anos depois Hara foi convocado, só que desta vez em um
ato de protesto não foi. Passados alguns meses, um jipe do Exército aparece na chácara da
Tozan onde o jovem trabalhava como lavrador, detido ele foi levado para o quartel onde
deveria dar explicações da sua “deserção”. Hara contou que havia tentando se alistar
anteriormente mas não havia sido aceito. Ninguém acreditou... Inquirido se queria
“novamente” prestar serviço militar, conta-se que Chuniti Hara respondeu:
“ – Não quero por que todos vocês me chamam de japonês.”
Foi então que um sargento replicou:
“ – A gente nunca vai chamar você de japonês, seo japonês”. Ordenando: “Prendam esse
japonês.” (SETO & UYEDA: 2002, p. 259).
Na busca do filho detido Missaku Hara eum amigo foram ao quartel
buscar
informações sobre o paradeiro do filho, informados de que o Exército não ouvia depoimentos
de civis, foram encaminhados para o DOPS, lá os dois foram detidos acusados de “quintacolunismo”. Sabendo da notícia da prisão do pai e do amigo, presos por sua causa, Chuniti
Hara pediu alistamento e logo depois, embarcou no fim de 1944 para o Rio de Janeiro para se
efetivar a FEB. O pai e o amigo foram colocados em liberdade, pois “ manter o pai de um
soldado brasileiro na cadeia poderia ser ofensivo a Nação” (Idem).
A resistência à convocação levou a prisão não só descendentes de japoneses, mas de
outras etnias imigrantes como também de brasileiros.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Consta que dos 40 nisseis que participaram da FEB, de um contingente de pouco mais
de 25 mil pracinhas, apenas um veio a falecer durante a guerra, José Higashino que servia no
1 Batalhão de Saúde. O jovem padioleiro tombou em 3 dezembro de 1944 durante a tomada
de Monte Castelo.
2. 1945 -A derrota japonesa e os seus nefastos efeitos...
“Não sei o que fazer, pensando nisto e
naquilo, como estivesse de pé na escuridão”
(Yoshio Abe, 15 de agosto de 1945)
Na última semana do mês de abril de 1944, os proprietários do sítio Bandeirantes no
distrito de Primavera em Marília, interior do estado de São Paulo, estavam assustados. Na
madrugada do dia 24 de abril, um dos galpões de criação de bicho-da-seda foi consumido
pelas chamas. Na mesma semana outros cinco galpões foram totalmente destruídos pelo fogo.
Esses atentados causaram surpresa para polícia política que passou a investigar o caso, mas
entre as assustadas vítimas, todas de origem japonesa, desconfiava-se de quem haviam sido os
responsáveis pelos criminosos incêndios.
Após investigação na cidade de Marília e arredores, a polícia prendeu os 4
sabotadores. Todos japoneses e moradores da cidade. Entre os detidos, se encontrava uma
figura que pouco tempo depois se tornou uma das figuras centrais da crise que assolou a
colônia japonesa no pós-1945: Junji Kikawa.
Interrogados, confessaram seus crimes, alegando que as atividades praticadas pelos
sericultores em sua maioria japoneses, “eram contrários aos interesses do Japão na guerra”.
Após uma investigação mais apurada realizada pelo DEOPS, descobriu-se que
provavelmente no início de 1944, formou-se uma organização de japoneses que tinha como
objetivos, além de sabotar a produção de mentol e seda, “matar os espiões contra o Japão”, ou
seja, aqueles que eram acusados de prejudicar o esforço de guerra nipônico (DEZEM: 2000, p.
49).
Os “mentores” da organização propagavam que a seda produzida pelos “traidores” e
exportada para os Estados Unidos era utilizada na produção de paraquedas, enquanto que o
mentol serviria para refrigeração dos motores dos aviões aliados.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
Descobriu-se que em suas ações o grupo de sabotadores se dividia em dois, enquanto
um ateava fogo nos galpões, o outro deixava uma carta assinada debaixo da porta da sede do
sítio ou fazenda, assumindo o ato de sabotagem e ameaçando os sericultores de extermínio da
família caso continuassem com aquele “ato de traição”, ou seja criando bicho-da-seda e
plantando hortelã.
Outros atos de sabotagem (incêndios e ameaças) contra sericultores ocorreram no
interior de São Paulo em cidades como Lins, Pompéia, Andradina, Araçatuba e Mirandópolis.
Com relação aos rumos da guerra, uma série boatos começaram a ser divulgados.
Além das notícias das “vitórias retumbantes” das forças armadas japonesas no Pacífico,
surgiam boatos absurdos como a história que correu a região da Alta Paulista, interior do
estado de São Paulo, sobre o nascimento de uma criança deformada, com cabeça humana e
corpo de bicho, apelidada “Eis a verdade”. Dizia-se que logo após seu nascimento ela havia
profetizado: “A guerra terminará este ano com uma grande vitória do Eixo”. Logo depois
teria morrido após declarar: “Eis a verdade...”xviii
A situação dos imigrantes japoneses que já era tensa e apreensiva durante a guerra,
parecia tomar rumos inimagináveis naquele momento. Terminada a guerra na Europa em maio
de 1945, tudo parecia se acalmar, mas em 06 de junho do mesmo ano, o governo brasileiro
declarou guerra ao Japão, mais uma triste notícia naqueles anos difíceis...Mas o pior ainda
estava por vir. O que parecia impossível na mentalidade de quase todos os japoneses aqui
radicados, ocorreu. No dia 14 de agosto de 1945, o imperador Hiroito – idolatrado pelos
súditos japoneses como uma figura Divina – veio ao rádio, pela primeira vez e comunicou a
nação japonesa a rendição incondicional do Império do Sol Nascente. Foi choque para o povo
japonês e que teve repercussões terríveis do outro lado do mundo, atingindo como um raio a
colônia japonesa.
Incredulidade. Foi a primeira reação que muitos dos leais “súditos” do Grande Japão
sentiram quando a notícia da derrota foi divulgada em jornais, revistas e principalmente
“boca-a-boca”. Divulgava-se que na realidade a notícia era falsa, se tratando de propaganda
norte-americana. Mais boatos passaram a ser divulgados entre os japoneses. Em vários locais
da capital e do interior do estado de São Paulo, ocorreram comemorações da “vitória” do
Japão.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
O japonês Yoshio Abe residente na época em Penápolis, interior do estado de São
Paulo, registrou em seu diário aquele momento:
“15 de agosto (quarta-feira). Tempo bom. Confusão total. Pasmo!
Na transmissão (de rádio) das 7 horas, inesperadamente o Japão comunicou a aceitação da
recomendação de cessar fogo, coisa que se julgava não passar de boato. Rendição?! Na
realidade, deve ser a derrota mesmo. Mas , e a chamada decisão de ataque suicida dos cem
milhões de japoneses? Teve que se render diante do violento poder destrutivo da bomba
atômica?(...) Não sei o que fazer, pensando nisto e naquilo, como estivesse de pé na
escuridão. Passo o dia aturdido. À noite tomo uma s e outras com pessoas reunidas com as
mesmas preocupações. Todos emocionados com a situação”xviii
Várias notícias sobre os
“rumos da guerra” tidas como “verdadeiras” foram
divulgadas entre setembro e novembro de 1945. Um suposto comunicado oficial, apreendido
pelo DOPS e “supostamente” divulgado pela Embaixada da Suíça no Rio de Janeiro, continha
as “verdadeiras notícias”. Esse comunicado oficial estava anotado em língua japonesa em um
caderno de caligrafia cujo portador era o japonês Shogiro Inoue, preso pela polícia. Traduzido
para o português, verificou-se o cunho fantasioso e surpreendente do documento divulgado
nos quatro cantos da colônia japonesa:
“As forças japonesas em Okinawa, usando a bomba Raishi, liquidaram em 15 minutos cerca
de 150.000 sodados norte-americanos que atacaram a ilha. Os norte-americanos e os
ingleses aceitaram as condições impostas pelo Japão. (...) O General Mac Arthur,
representando os americanos e ingleses assinou em Tóquio a rendição incondicional de suas
tropas.
Dia 16/11/1945 – Irradiação de Tóquio:
O povo japonês declarou que não aceitaria a paz enquanto não fosse bombardeado o
território metropolitano dos Estados Unidos” (DEZEM: 2000, p. 57).
Além da divulgação de notícias absurdas como essas, também eram distribuídas e
vendidas fotografias grosseiramente adulteradas, ilustrando a “vitória do Japão”. Um caso
bastante conhecido foi o das fotos publicadas na edição de 16 de setembro de 1945 do jornal A
Tribuna de Santos, ilustrando a assinatura da rendição japonesa a bordo do encouraçado norteamericano Missouri. Vendidas como “prova da verdade” da vitória do Japão na guerra, as foto
foram manipuladas. Em uma delas, no lugar da bandeira norte-americana, encontrava-se a
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
bandeira japonesa. A legenda, escrita em japonês, informava que os Aliados se rendiam
incondicionalmente ao vencedor exército nipônico na Baía de Tóquio...
Nesse universo de informações ambíguas que geraram confusão entre os japoneses,
ocorreram episódios tristes. Japoneses radicados no interior do estado de São Paulo,
acreditando na “vitória” do Japão, eram facilmente convencidos por aliciadores (japoneses) a
comprar “terrenos fertilíssimos” na Grande Ásia sob o domínio do vitorioso Japão. Muitos
venderam suas propriedades, compraram yen (desvalorizado e/ou falso), arrumaram suas
malas com o objetivo de aguardar no porto de Santos um suposto navio que viria do Japão. Na
opinião da maioria destes incautos, nada mais adequado: como o Japão havia vencido e
conquistado terras nas Filipinas e Manchúria, nada mais justo que rumar para lá e viver sob o
hi-no-maru. Segundo o raciocínio dos mais crentes, não restava mais nada a fazer no Brasil. A
maioria perdeu tudo que havia conseguido com muito sacrifício, ludibriada pela história do
navio que nunca veio...
Neste contexto o desejo de voltar para a tão querida e “vitoriosa” pátria, reacendeu o
sentimento de Nihongairi entre muitos imigrantes japoneses radicados em São Paulo e no
norte do Paraná.
O memorialista Tomoo Handa testemunha do período analisou a situação da seguinte
forma:
“Esse estado psicológico formou uma couraça para rejeição de qualquer opinião alheia que
abalasse os pensamentos dos japoneses ante a instabilidade de uma situação que se
modificasse a cada segundo. Tal fenômeno era favorecido por não haver notícias através de
jornais e língua japonesa, e pelo fato de a guerra não estar sendo travada diante de seus
olhos.
O único ponto de apoio que os japoneses tinham consistia na transmissão dos resultados pela
Emissora Militar Central. Por isso, as notícias eram espalhadas por todos os cantos. Quando
a notícia transmitida diferia muito da dos países inimigos e era alguém que falasse português
que a transmitia, achavam que era ‘intriga da oposição’”(HANDA: 1987, p. 637 ).
Alarmados com os vários boatos veiculados e objetivando esclarecer a colônia sobre
os verdadeiros rumos tomados pela guerra, um grupo de japoneses residentes na capital
paulista, considerados “esclarecidos”, pois além de dominar a língua japonesa, conseguiam ler
e escrever em português e tendo acesso direto às notícias e informações sobre a guerra,
veicularam um memorial em língua japonesa aos seus conterrâneos em 05 de outubro de 1945
52
Rogerio Akiti Dezem (2020)
. Com este memorial , tentaram apaziguar e esclarecer sobre a situação do pós-guerra de forma
idônea. Dar fim aos boatos era o principal objetivo do memorial.
Junto a carta havia a tradução da Ordem Imperial de rendição, assinavam o documento
Jinsaku Wakiyama (ex-militar), Shigetsuma Furuya (ex-diplomata), Kunito Miyasaka (exdiretor da Bratac), Kyoshi Yamamato, Senichi Hachiya, Chibata Miyakoshi e Kameiti
Yamashita. O último parágrafo do memorial faz um apelo para que todos se mantivessem
unidos naquele momento difícil e compreendessem a verdade:
“Nossa mãe-pátria, o Japão, encontra-se neste momento, em dificuldades jamais
experimentadas desde sua fundação. Para que possa vencê-las é preciso que seus filhos
unam-se como um só homem e num só coração, para reconstrução do novo Japão, tolerando
o intolerável, suportando o insuportável, acautelando-se contra explosões emotivas conforme
o venerando desejo de sua majestade, o Imperador. Esperamos e fazemos votos que cuidareis
da vossa própria dignidade e saúde” (DEZEM: 2000, p. 62).
O documento divulgado na capital e no interior do estado de São Paulo, causou a ira
daqueles que propagavam a “vitória” do Japão. Calcula-se que pouco mais de 10% dos mais
de 200 mil japoneses e descendentes radicados no Brasil acreditavam plenamente no
memorial. Havia muita dúvida no ar, mas a maioria não aceitava o documento divulgado. Os
signatários do memorial e aqueles que o divulgaram pelo interior do estado foram
considerados “traidores” e deveriam receber uma lição caso não se retratassem publicamente
pelo “erro” cometido. Mas quem eram aqueles que propagavam ardorosamente a “vitória”
japonesa e acusavam de traição aqueles que compactuavam e divulgavam a verdade?
3. Um caos sem precedentes na história dos japoneses no Brasil: a Shindo Renmei
“Trata-se sob, todos os pontos de vista, de um acontecimento sem precedentes na história
humana, particularmente na história da imigração, encarando-se esta do ponto de vista
político-social e cultural, gerando uma tal confusão que nada podemos dar como explicação
no momento presente, até que com o tempo possa o problema ir ser estudado em suas raízes
psíquicas”
(Hiroshi Yamanaka, representante dos japoneses “esclarecidos” de Bastos (SP), 1946)
A notícia da derrota do “imbatível” Japão em agosto de 1945, causou espanto e tristeza
para muitos japoneses aqui radicados, no entanto, para a maioria ela causou confusão e
apreensão. Seria propaganda norte-americana? Provocação das autoridades brasileiras? Como
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
o Japão havia sido derrotado? Impossível, pois o Imperador Hiroito ainda vivia. Caso a notícia
da derrota fosse verdadeira o Imperador seria o primeiro a cometer suicídio (seppuku). Era
desta forma que no Brasil, muitos fiéis “súditos” japoneses raciocinavam naquele momento.
Boatos e notícias truncadas eram divulgadas arbitrariamente entre os núcleos coloniais
no interior de São Paulo e no norte do Paraná, em sua maioria inverossímeis, mas que devido
ao contexto pareciam ser fidedignas.
Confusão e descrença, falta de informações seguras e boatos, levaram a uma divisão
entre os japoneses aqui radicados. De um lado os katigumi (“vitoristas”), que devido a falta
de fontes de informação em língua japonesa e pela maioria viver quase que isolada no interior
do Estado de São Paulo, acreditavam na vitória do Japão na guerra, este grupo perfazia quase
80% da colônia. Acredita-se também que boa parte daqueles que formavam o grupo katigumi
eram imigrantes que não conseguiram se adaptar a realidade brasileira, muitos não obtiveram
o sucesso almejado e desse modo alimentavam a esperança na crença “ quase cega” da vitória
do Japão e do retorno à pátria.
De posição contrária se encontravam os makegumi (“derrotistas” ou “esclarecidos”),
grupo formado por aqueles que tinham acesso aos meios de comunicação em língua
portuguesa, possibilitando assim a formação de uma consciência da verdade e que, por esses
motivos, divulgavam a notícia real de que o Japão havia perdido a Guerra e consequentemente
o Imperador Hiroito deixava de ser uma figura “divina”. Havia um terceiro grupo, bem menor,
chamado pelo memorialista Tomoo Handa de “lero-lero”, aqueles que não se definiam nem
por um lado nem por outro.
A Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos) foi em grande parte produto deste
universo confuso pelo qual passava a colônia japonesa no pós-guerra. Entre várias sociedades
clandestinas (e efêmeras) surgidas ainda na guerra, a sociedade se destacou por sua
organização, liderança e capacidade de aglutinar cerca de 120 mil japoneses e descendentes
em torno, a princípio de um ideal: a manutenção do Yamato Damashii e convicção de que o
Japão não perderia a guerra.
A Shindo tinha sua sede na Rua Paracatu, 96, no bairro do Jabaquara, na capital
paulista e outras 64 filiais espalhadas pelo interior do Estado de São Paulo. Entre os
documentos apreendidos na sede da sociedade pela a Polícia Política (DOPS) que investigava
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
o caso, havia um mapa e uma lista das principais cidades e de seus sócios-contribuintes. A
cidade de Marília encabeçava a lista com cerca de 12.000 associados, logo depois vinham
Pompéia (10.000), Tupã (8.500), Mirandópolis (5.700) entre outras. A maior parte dos
associados se encontrava nas regiões da Noroeste e da Alta Paulista no Estado de São Paulo.
Seus líderes e fundadores foram o ex-Coronel da Cavalaria Junji Kikawa, conhecido
como “o velho Kikawa”, e outros japoneses, todos isseis, Ryotaro Negoro, Seiti Tomari, Kyo
Yamauchi (ex-militar ).
Em 1945 Kikawa já era conhecido pela polícia, ex-militar que imigrou para o Brasil
em 1933, já havia sido preso algumas vezes. A primeira prisão ocorreu em abril de 1942, logo
após o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Japão, sob acusação de ter feito
“ameaças de represálias contra o Brasil”, foi fichado e logo depois posto em liberdade. Preso
novamente em setembro de 1944, foi processado pelos incêndios em galpões de criação de
bicho-da-seda e plantações de hortelã nas cidades de Paraguaçu Paulista e Marília, no interior
de São Paulo e Assaí no norte do Paraná. Permaneceu preso na Casa de Detenção de São
Paulo até novembro de 1945, quando foi posto em liberdade, devido ao sue estado de saúde
precário. Mais tarde, a polícia descobriu que o nacionalista Kikawa era o presidente e um dos
fundadores da Shindo Renmei. No momento em que saiu da prisão Kikawa avaliou dessa
maneira a situação:
“Desde então vivi contando os dias, esperando a ofensiva das forças japonesas, a partir do
dia 10 de setembro que, segundo ouvi, seria a data comemorativa (Dia da Vitória). Uma
viagem direta de navios de guerra do Japão levaria mais ou menos vinte dias, mesmo via
Cabo da Boa Esperança ou Canal do Panamá. Mas mesmo passados 20 dias, 30 dias nada
aconteceu. Considerei estranho o fato. Contudo, uma vez fora da prisão, sintetizando as mais
diferentes versões que ouvi, cheguei à inesperada conclusão de que se tratava da mais
ilimitada magnanimidade de Sua Majestade: a fim de evitar transformar este Brasil em
grande campo de comoção, já foi concluído, secretamente, entre as mais altas autoridades
dos dois países um tratado de paz. No momento, parece-me que a situação se esclarecerá em
seu devido tempo. Fico cada vez mais grato diante da profunda generosidade da Sua
Majestade. Mesmo brasileiros de classe inferior ao verem o grande espírito imperial,
reverenciarão(sic) o Japão, com lágrimas nos olhos” xviii
No início de 1946, uma comissão formada por seis japoneses tentou junto ao DOPS,
legalizar a sociedade que até aquele momento, se encontrava na clandestinidade e registrá-la
oficialmente nos moldes da legislação brasileira. Mário Botelho de Miranda, tradutor
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
juramentado de língua japonesa do DOPS, atendeu a comissão e descreveu o episódio da
seguinte forma:
“Vinham protestar, disseram-me, contra a prisão de inocentes japoneses, seus companheiros.
Vinham pedira para que as autoridades fizessem cessar a propaganda de alguns de seus
patrícios, verdadeiros culpados por todos os acontecimentos havidos, e por haver na colônia,
faziam inutilmente dentro da comunidade nipônica, pregando o derrotismo. Que, assim os
lavradores não podiam trabalhar, tendo em mente esta propaganda judáica (sic),
inescrupulosa, de pregar a derrota do Japão” (MIRANDA: 1948, p. 56).
Miranda informou a essa comissão de japoneses que a Shindo era considerada uma
sociedade ilegal porque atuava secretamente e sua direção era formada por estrangeiros, não
podendo desse modo, ser registrada. Pedia ainda que voltassem ao trabalho e aguardassem a
oportunidade de serem esclarecidos da realidade da situação. Essa resposta revoltou os
japoneses ali presentes que insistiam em entregar o documento a polícia. Exaltados,
começaram a pedira para serem presos (!). A cena inusitada pode ser sintetizada no diálogo
que se seguiu entre o tradutor e o grupo:
“Como não havia ordem nem para atendê-los, fomos botando os lunáticos para fora, não sem
dizer-lhes no mesmo tom:
- Não nos interessa prender só esta comissão. Que venham todos, os cento e tantos das
comissões. O requerimento não foi recebido oficialmente; é só para saber que vocês dizem
nele
- Então entregaremos o memorial à autoridade suprema.
- A quem, ao Presidente da República...?
- Sim! Se for preciso, ao Presidente da República, General Dutra.
- !?” (Idem).
Foi dessa forma que as autoridades tomaram “oficialmente” conhecimento da Shindo e
de suas pretensões em relação aos membros da colônia denominados de “derrotistas”. Nessa
época vários japoneses “esclarecidos” ou “derrotistas” em várias cidades do interior e na
capital paulista foram jurados de morte. O memorial entregue a polícia ajuda a esclarecer em
parte dos ideais e objetivos da sociedade, um dos principais seria a manutenção do Yamato
Damashii (Espiríto Japonês):
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
“Todos os japonezes deve munir este espírito quando nascem e enquanto vivem e
enquanto existir um japonez. O “SHINDÔ REMMEI” do Brasil nasceu no dia 15 de agosto
de 1945. Por que razão? Surgiu “SHINDÔ RENMEI” para repelir os Japonezez derrotistas
que espalham falsas notícias de rendição incondicional do NIPPON e fazem os atos
deshumanos e uzam palavras vergonhosas. Isto, enfim constitui uma situação indesejável
para produção da lavoura pelo motivo já explicado anteriormente. Por esse motivo nasceu
“SHINDÔ RENMEI” para corrigirmos estas derrotistas e encaminhar aqueles que não
reconhecem a verdadeira situação” (MIRANDA:, 1948, p. 60).
Assinavam o documento Junji Kikawa (Presidente-São Paulo), Ryotaro Negoro
(Diretor-Gerente – São Paulo), Teiji Kimura (Superintendente – São Paulo), Shosuke Tanaka
(Fiscal – Lins), Kiichiro Yoshii (Diretor – Lins),Tokujiro Ohata (Sub-Diretor – Lins) e
Noriyasu Seto (Superintendente – Lins)
A polícia perdeu uma boa oportunidade para prender alguns dos principais integrantes
da Shindo Renmei da cidade de São Paulo e do interior. Esse descaso e arrogância por parte
dos agentes do DOPS contribuiu para que os dirigentes da sociedade, poucos meses depois,
dessem continuidade aos seus planos iniciando uma segunda fase de intimidação: os atentados
e os assassinatos.
A primeira vítima da Shindô Renmei a tombar foi Ikuta Mizobe, Diretor
Superintendente da Cooperativa Agrícola de Bastos, tradutor e divulgador do termo de
rendição japonesa na cidade de Bastos. Sua filha Aiko Higuchi, que na época tinha 25 anos,
relembra aquele trágico 7 de março de 1946 com pesar. Apesar de não ter testemunhado o
acontecimento, ela o havia “pressentido”. A Sra. Higuchi teve um estranho sonho naquela
noite, no qual uma cobra picava as costas de sua prima. Acordou assustada, pressentindo que
algo havia acontecido ao seu pai. Não dormiu mais... Na manhã seguinte recebeu a
“repentina” visita do marido de uma prima, achou estranho e guiada pelas lembranças do
sonho ruim que teve perguntou: “Meu pai está bem?”. “Ele levou um tiro na perna”,
respondeu o marido da prima. Um pouco mais aliviada, mas ainda apreensiva pensei: “Tiro na
perna não morre, né?” (ARAI: 2003, p. 98)
A sra. Higuchi no mesmo momento viajou para Bastos cidade vizinha a Pompéia onde
ela morava. Chegando a casa de seus pais, lá presenciou uma cena que a deixou chocada. Um
caixão em cima da mesa da sala com o corpo de seu pai sendo velado. Ao se aproximar do
corpo: “Eu cheguei perto, levantei o pano que cobria seu rosto. Parecia que ele estava
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dormindo, mas seu nariz começou a sangrar. No Japão, dizia-se que quando as filhas chegam
perto de um pai morto, o nariz dele sangra” (Idem). O mais estranho foi que o tiro que matou
Mizobe entrou pelo mesmo local onde, no sonho de sua filha, a cobra havia picado as costas
de sua prima e o assassinato ocorreu no mesmo momento em que a sra. Higuchi acordava
assustada: por volta das 23 horas do dia 07 de março.
Descobriu-se depois que o assassino de Mizobe, o jovem Satoru Yamamoto, fazia parte
do braço armado da Shindo. O grupo de assassinos vestidos de capa amarela fazia parte da
Tokkotai (abreviação de Taiatari Tokubetsu Kogekitai) ou “pelotão dos moços suicídas”. O
fato dos tokkotai representarem o braço armado da Shindo Renmei, só foi descoberto tempos
depois pelo DOPS quando da prisão de alguns de seus integrantes, geralmente jovens
“fanáticos” de vinte e poucos anos, “liderados” por alguém mais velho e “mais fanático”.
Haveria a orientação para que caso fossem presos, os tokkotais não deveriam mencionar em
hipótese alguma sua filiação a Shindo.
Esse ato deu início ao momento mais sombrio e violento da história dos imigrantes
japoneses no Brasil. Acontecimento único na história das imigrações que para cá vieram, as
ações da Shindô ocorreram apenas no Brasil, nenhum outro país que recebeu imigrantes
japoneses em seu território (ex. Estados Unidos, Peru, México, Argentina etc.) presenciou fato
parecido. Acabando por se tornar um dos grandes tabus da comunidade japonesa aqui
radicada.
Foram registrados pela polícia mais duas mortes de japoneses “esclarecidos” em abril,
uma em maio e outra em junho. O mês de julho de 1946 ficou marcado como o mais
sangrento, foram registradas onze mortes de “esclarecidos”, concentradas na região da linha
Noroeste no interior do estado de São Paulo. Além dos assassinatos uma série de ameaças e
atentados com bombas caseiras ocorreram em várias regiões dos estados de São Paulo e
Paraná.
Na capital paulista o DOPS agiu rápido. No dia 2 de abril agentes da polícia fizeram
uma batida na sede central da Shindo, no bairro do Jabaquara. Ali prenderam, sem nenhuma
resistência, alguns dos principais dirigentes da sociedade entre eles Ryotaro Negoro (vicepresidente), Masanobu Sato e Teiji Kimura (diretor-geral). Foi apreendido também 26 pacotes
de material “comprometedor” , dentre os quais estavam estes objetos: uma fotografia do altar
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da pátria armado na sede da Shindo Renmei com a reprodução adulterada da foto do
encouraçado Missouri; dinheiro japonês usado durante a ocupação das ilhas do pacífico,
mapas esquemáticos do estado de São Paulo com as cidades do interior, onde estavam
instaladas as filiais da Shindo; manuscritos e cartas em japonês; bandeiras do Japão, entre
outros objetos. (DEZEM: 2000, p. 72).
No mesmo dia foi expedida uma ordem de prisão em massa. Os japoneses que se
encontravam hospedados em pensões e hotéis foram considerados suspeitos e presos para
averiguação. Houve uma verdadeira “caça às bruxas” contra os japoneses a partir do mês de
abril. Faltava prender a principal figura da sociedade, o “bom velhinho” Junji Kikawa. Em 8
de maio de 1946, o líder da Shindo foi novamente preso. Desta vez Kikawa, que já tinha a
saúde fragilizada, parecia estar mais enfraquecido, com dificuldades para andar e falar.
Quando interrogado pelos investigadores, entre eles o intérprete Mário Botelho de
Miranda, sobre qual seria a solução para a luta fratricida entre os japoneses, Kikawa
respondeu que a “mais justa” seria prender todo mundo, katigumis e makegumis, pois desta
forma “a polícia não teria tanto trabalho e os makegumi salvariam sua pele...”(MORAIS,
2000, pp. 182-183)
A partir destas prisões a polícia começava a desmantelar o núcleo central da sociedade,
mas mesmo assim por quase um ano as ameaças e os atentados continuaram a ocorrer.
Milhares de japoneses se encontravam presos em várias delegacias do estado de São Paulo,
em abril de 1946, 81 japoneses considerados os principais envolvidos (destes 14 eram
tokkotais) no caso Shindo Renmei foram enviados para Casa de Detenção enquanto
aguardavam julgamento. Dois meses depois foram enviados ao Instituto Correcional da Ilha
Anchieta, um presídio político localizado no litoral norte do estado de São Paulo. Em 10 de
agosto o presidente da república, General Eurico Gaspar Dutra, decretou a expulsão dos 81
japoneses que se encontravam na Ilha Anchieta, todos acusados de atos de terrorismo. No
entanto a expulsão nunca ocorreu efetivamente e boa parte dos presos japoneses foi colocada
em liberdade no ano de 1948.
Em novembro de 1946, o japonês Shinekiti Horikawa em depoimento ao DOPS,
informou que foi Shojiro Imai, que se encontrava preso na Ilha Anchieta, o autor intelectual
das ações dos tokkotais e das cartas de ameaça aos “esclarecidos”. Antes de ser preso, Imai
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propagandeava por meio de panfletos e folhetins que, no dia 7 de novembro de 1946, chegaria
ao Rio de Janeiro uma comissão militar japonesa para soltar os chefes presos e condecorar
aqueles que mais haviam se destacado na campanha da Shindo Renmei, além de “condenarem
ao fuzilamento todos os makegumis”. No dia 3 de novembro, deveria começar a matança dos
japoneses “esclarecidos” constantes em um lista feita por Seiti Tomari ( mentor do grupo
tokkotai), pois a “ordem era matar a o maior número de makegumis no menor prazo, a fim de
confundir as investigações da polícia” (DEZEM: 2000, p. 80)
Em meados de 1946, mesmo com toda a liderança da Shindo presa, havia um
revezamento nas funções da direção da sociedade. Mas, naquele momento, a sede central da
Shindo Renmei em São Paulo já havia perdido o controle sobre a situação das outras filiais.
Das 64 filiais registradas pela Shindo, a maioria se enfraqueceu e em janeiro de 1947, quando
ocorreu oficialmente o último assassinato no bairro da Aclimação, na capital paulista. A
Shindo Renmei como entidade não existia mais, passando a fazer parte da memória da colônia
japonesa, cuja ordem era administrar o esquecimento dos tristes fatos ocorridos entre 1946 e
1947.
Considerações finais
O saldo trágico, entre março de 1946 e janeiro de 1947, foi de 23 mortes e 147 feridos,
a maior parte das vítimas foi de makegumis. O “Caso Shindo Renmei” como ficou conhecido
entre as autoridades policiais e jurídicas é considerado um dos processos com o maior número
de indiciados na história do Brasil com mais de 600 japoneses.
Ecos dos acontecimentos daquele fatídico período ainda podiam ser sentidos não só na
colônia japonesa aqui radicada, mas também pela sociedade brasileira. No dia 21 de maio de
1950, o periódico Folha da Noite publicou em sua edição de capa notícias de que supostos
integrantes da extinta Shindo Renmei, agora sob a denominação de Zenpaku Seinen-Renmei
(Liga dos Moços do Brasil), haviam procurado Masanori Yusa, chefe da delegação japonesa
campeã olímpica de natação (1948), conhecidos como os “Peixes-Voadores” e que estavam
em visita ao Brasil, interrogando-o sobre a situação do Japão naquele momento. Não
satisfeitos com a verdade, o grupo de “fanáticos” começou a propagandear a absurda notícia
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de que aqueles nadadores eram, na realidade, coreanos a serviço da propaganda norteamericana...
Revista de Estudos Brasileiros. Vol. 16. Universidade de Osaka (2020)
Bibliografia
Arai, Johny. Viajantes do Sol Nascente. São Paulo; Editora Garçons, 2003.
Dezem, Rogerio. Shindo-Renmei: Terrorismo e Repressão. Inventario DEOPS – Modulo III.
São Paulo; Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2000.
Handa, Tomoo. O Imigrante Japonês: História de sua vida no Brasil. São Paulo; T.A.
Queiroz editora, 1987
Kiyotani, Masuji. Kikuji Iwanami – A vida de um imigrante através da sua poesia. São Paulo;
CENB, 1993.
Matinas Suzuki. Memórias de um vivente obscuro. São Pulo; Editora Giordano, 1997.
Miranda, Mario B. de. Shindo Renmei. Terrorismo e Extorsão. São Paulo; Saraiva. 1948.
Morais, Fernando. Corações Sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Seto, Claudio & Uyeda, Maria Helena. Ayumi. (caminhos percorridos):Memorial da
Imigração Japonesa. Curitiba, Imprensa Oficial do Paraná, 2002.
Udihara, Massaki. Um Médico Brasileiro no Front – Diário de Massaki Udihara na Segunda
Guerra Mundial. São Paulo, Imprensa Oficial de São Paulo, 2002.
Vários autores. Uma Epopeia Moderna: 80 anos da imigração japonesa no Brasil. São Paulo:
Hucitec/SBCJ, 1992.
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Rogerio Akiti Dezem (2020)
IMPORTANTE SITE PARA consulta de obras em japonês e português sobre imigração
japonesa no Brasil.
http://brasiliminbunko.com.br/iminbunco_capa1.htm
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