O JORNALISMO
EM FACE DA
ACELERAÇÃO
SOCIAL DO TEMPO
[ ARTIGO ]
Caio Teruel
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Helder Prior
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Caio Teruel
Helder Prior
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
[ R E S U MO AB STR AC T RESU ME N ]
Este artigo tem como objetivo compreender o jornalismo contemporâneo em meio ao
fenômeno da aceleração social do tempo, este explorado pelo teórico alemão Hartmut
Rosa, por meio de uma inflexão teórico-conceitual. Para isso, delimita-se, em um primeiro momento, algumas das bases da aceleração social do tempo, isto é, as dimensões fenomenológicas da aceleração temporal. Em seguida, investiga-se a função do
jornalismo no fenômeno aceleratório, bem como a ascensão do presentismo por meio
de aparatos jornalísticos. Por último, busca-se apreender os fenômenos tratados em
enunciados políticos de modo empírico por meio de análises e contextualizações.
Palavras-chave: Aceleração Social do Tempo. Comunicação. Política. Jornalismo. Hartmut Rosa.
This article aims to understand contemporary journalism in the midst of the
phenomenon of social acceleration of time, which the German theorist Hartmut
Rosa explored by using a theoretical-conceptual inflection. For this, at first, some
bases of social acceleration of time are delimited, that is, the phenomenological
dimensions of temporal acceleration. Then, the role of journalism in the acceleration
phenomenon and the rise of presentism are investigated by using the journalistic
apparatus. Finally, this article seeks to apprehend the phenomena dealt with in
political statements in an empirical way through analysis and contextualization.
Keywords: Social Acceleration of Time. Communication. Politics. Journalism. Hartmut Rosa.
Este artículo tiene como objetivo comprender el periodismo contemporáneo en medio del fenómeno de aceleración social del tiempo, explorado por el teórico alemán
Hartmut Rosa desde una inflexión teórico-conceptual. Para ello, primero se delimitan
algunas bases de la aceleración social del tiempo, es decir, sus dimensiones fenomenológicas. Luego, se investiga el papel del periodismo en el fenómeno de la aceleración
y el surgimiento del presentismo por medio del aparato periodístico. Finalmente, se
buscan aprehender los fenómenos tratados en los enunciados políticos de manera
empírica utilizando análisis y contextualización.
Palabras clave: Aceleración Social del Tiempo. Comunicación. Política. Periodismo. Hartmut Rosa.
DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2021.186716
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
[ EXTRAPRENSA ]
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Caio Teruel
Helder Prior
O debate
Ao olhar para a história da modernidade pelo viés temporal, o sociólogo alemão
Hartmut Rosa encontra uma característica que a impulsiona e a difere de todos
os períodos históricos anteriores: o fenômeno da aceleração. Assim, por meio de
um diagnóstico da história moderna, Rosa
desenvolve sua teoria da aceleração social
do tempo. De acordo com o teórico, é impossível falar da modernidade sem levar em
consideração os fenômenos aceleratórios
que impactaram as sociedades ocidentais
e orientais. Assim,
Tanto defensores quanto detratores
da modernidade, desde quando há
uma discussão reconstituível, após a
Renascença, sobre o ‘novo tempo’, estão
de acordo em um ponto: sua experiência fundamental constitutiva é de uma
enorme aceleração do mundo e da vida
e, assim, do fluxo de experiência de cada
indivíduo (ROSA, 2019, p. 69).
Das vanguardas artísticas europeias,
como o futurismo de Marinetti, ou do surgimento de ritmos musicais como o jazz,
passando pela revolução dos meios comunicacionais com o surgimento da internet
e a comunicação via satélite, ou o encolhimento do mundo pelo avanço dos meios de
locomoção e até do grau de gerações dentro
de uma mesma família, Rosa, ao analisar o
fenômeno da aceleração na modernidade,
não se debruça apenas sobre a questão técnica, como é comumente feito nas ciências
sociais. O autor explora as características
da vida cotidiana, compondo um amplo
quadro analítico tanto da exterioridade dos
indivíduos quanto de suas subjetividades.
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
O resultado disso é um diagnóstico detalhado e profundo sobre os passos largos
pelos quais a sociedade avança e a alteração
de suas estruturas temporais.
Deste modo, este artigo busca, a partir
da teoria da aceleração social do tempo,
compreender os impactos dos fenômenos
aceleratórios e sua função na comunicação
jornalística. Para isso, a primeira parte do
texto se debruça brevemente sobre os componentes basilares da teoria aceleratória
para que seja possível absorver entendimentos chave das ideias de Hartmut Rosa,
isto é, a compreensão acerca das dimensões
fenomenológicas da aceleração diante dos
paradoxos da própria experiência temporal,
sem perder de vista o desenvolvimento do
jornalismo industrial e sua atuação no sistema capitalista como um motor propulsor
da aceleração. Insere-se, ainda na primeira
parte, uma reflexão sobre o presentismo e
as alterações subjetivas da percepção do
tempo no âmbito do discurso jornalístico.
A segunda parte do texto traz no bojo uma
breve análise qualitativa para que se possa
captar empiricamente parte das proposições
de Rosa. Por fim, a terceira parte busca
refletir acerca da produção exponencial
de notícias e suas possíveis consequências
para o campo social.
Três dimensões do fenômeno
da aceleração social
Antes propriamente de haver uma
aceleração da sociedade, existiu uma aceleração que se desenvolveu no espírito social
e que acabou por penetrar diversos âmbitos
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culturais, instalando, portanto, ideias que
convergem no ponto da aceleração. Assim,
eventos culturais marcantes expressam o sentido desse novo momento do mundo. O fluxo
de consciência imposto por Ulisses, de James
Joyce, ou O som e a fúria, de William Faulkner,
sintetizam o estado cultural das sociedades
ocidentais capitalistas do século XX. “Dou-lhe
este relógio não para que você se lembre do
tempo, mas para que você possa esquecê-lo
por um momento de vez em quando e não
gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo”,
lembra Faulkner (2004, p. 73) em sua maior
obra. O trecho ressalta a questão temporal,
mas o modo de escrita e o fluxo de consciência
libertam as amarras do texto e expandem as
possibilidades de uso do conteúdo pela própria
consciência do narrador.
Todavia, embora a aceleração possa
ser percebida e compreendida nos produtos de bens simbólicos como a literatura, o cinema e as artes visuais, Rosa
(2019) delimita três dimensões centrais
para apreender a fenomenologia da aceleração: aceleração técnica, aceleração dos
movimentos sociais e aceleração do ritmo
da vida. Por motivos de objetividade, não
cabe neste momento nos alongarmos em
questões que não coadunam com a tese
central deste texto. Portanto, alguns tópicos referentes às dimensões da aceleração
serão abreviados.
A aceleração técnica proposta por
Hartmut Rosa (2019) ocorre de maneira
intencional e age, como o próprio nome
pressupõe, no âmbito da técnica e da tecnologia, de maneira a acelerar os processos
de produção, transporte, escala etc., que
exigem um aumento da eficácia ou outro
objetivo semelhante, como o da comunicação. Assim, “essa forma de aceleração é
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
a mais simples de ser medida e verificada”
(ROSA, 2019, p. 141).
Apesar disso, a questão da aceleração técnica já fora muito desenhada por
teóricos como David Harvey, que trouxe
ao debate a compressão do tempo-espaço,
e Paul Virilio, em sua interpretação da
Revolução Industrial como “dromológica”,
a qual é comumente associada com a revolução da velocidade.
Assim, ao passar para a próxima
dimensão da aceleração, a da mudança
so cial, percebe-se um deslocamento
da exterioridade para a subjetividade.
De acordo com Rosa (2019), tal aceleração
pode ser definida como “a velocidade na
qual, de um lado, práticas e orientações
de ação, e, de outro, estruturas associativas e modelos de relação se modificam” (ROSA, 2019, p. 147). Como um
não exemplo, o autor cita a substituição
da organização de trabalho do capitalismo nascente pelo regime taylorista
de trabalho como uma manifestação da
aceleração técnica somada à mudança
social. Embora se busque a alteração
de determinada forma social, o regime
taylorista não acelera a mudança social.
Deste modo, pode-se pensar os programas
de governo com validade de quatro anos
como uma aceleração da mudança social,
pois estão em constante transformação.
O autor ilustra a situação com um exemplo
do campo da comunicação:
Da descoberta do aparelho de radiodifusão, no fim do século XIX, até sua propagação alcançar 50 milhões de receptores,
passaram-se 38 anos; introduzida um
quarto de século mais tarde, a televisão
precisou, para o mesmo feito, de apenas
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treze anos, enquanto a internet alcançou
em apenas quatro anos 50 milhões de
conexões (ROSA, 2019, p. 148).
Surge então, neste cenário que se
esboça, o empecilho de precisar as taxas
de mudanças sociais. Logo, a dificuldade
em classificar determinada mudança social
se torna um obstáculo e, portanto, varia
de autor para autor. Para superar tal problema, Rosa (2019) faz uso do conceito de
contração do presente de Hermann Lübbe
e, concomitantemente, desenha a teoria dos
sistemas de Niklas Luhmann. O presente,
conforme Lübbe, define-se como o período
de duração cujo espaço de experiência e
horizonte de expectativa ainda não foram
modificados. Assim, trata-se de um processo em que ocorre a redução dos espaços
temporais em que se pode calcular com
constância as condições da vida material.
Nas palavras de Rosa:
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
para refeições, a redução de determinados
eventos, o multitasking – a realização de
várias atividades ao mesmo tempo – etc.
De forma subjetiva, tal aceleração se expressa
por meio da pressão temporal e da “estressante obrigação da aceleração”, conforme
aponta Rosa , “além do medo de não conseguir acompanhar o ritmo” (2019, p. 157).
O jornalismo como
motor autopropulsor da
aceleração temporal
A aceleração da mudança social pode ser
definida como um aumento das taxas de
expiração de experiências e expectativas
orientadoras da ação, e como encurtamento dos intervalos de tempo que, para
cada esfera funcional, de valor e de ação,
podem ser determinados como presente
(ROSA, 2019, p. 152).
O jornalismo contemporâneo, surgido
na ascensão do período industrial, liga-se à
temporalidade não apenas pela periodização
da produção noticiosa, mas pela apreensão
do jornalismo ao fato cotidiano. Conforme
aponta Ramonet (1999, p. 35), a etimologia
da palavra jornalista significa “analista de
um dia”. Assim, a lógica contemporânea de
produção noticiosa, potencializada pelas
tecnologias da informação, gira em torno
da aceleração e do fetiche pela velocidade
(MORETZSOHN, 2002) para que o objetivo
seja, mesmo que de maneira idealizada, realizar uma cobertura de todos os fatos do dia.
Por último, a aceleração do ritmo da
vida apresentada por Rosa pode ser compreendida como o número de episódios
de ação em um período determinado e,
embora esteja conectada com a aceleração
das mudanças sociais, não é derivada apenas dela, mas também, de forma paradoxal, da aceleração técnica. Deste modo, de
forma objetiva, o aumento do ritmo da vida
condiz com um encurtamento dos episódios de ação, isto é, a diminuição do tempo
Deste modo, sob a perspectiva da
aceleração social do tempo, o jornalismo
se estabelece como uma instituição e uma
produção social basilar para a compreensão
dos fenômenos comunicacionais. De modo
arraigado, a prática jornalística se apropria
da lógica da aceleração e se insere no círculo aceleratório, tornando-se, assim, um
elemento essencial no processo autopropulsor. Tal círculo, conforme aponta Rosa
(2019, p. 302), é definido como um processo
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
“autopropulsor, que dispõe as três áreas
[técnica, movimentos sociais e ritmo da
vida] da aceleração numa interação circular,
na qual se relaciona no sentido do aumento”.
Assim, a função social da aceleração
técnica, peça chave do círculo aceleratório,
é a de “reduzir a demanda temporal de um
processo, criando, com isso, recursos temporais livres” (ROSA, 2019, p. 302). Todavia,
o tempo livre gerado pela aceleração técnica é preenchido com outras atividades,
gerando, dessa forma, o adensamento de
episódios de ação.
[ Figura 1 ]
O círculo aceleratório
Fonte: Rosa (2019)
No âmbito do jornalismo, a aceleração
técnica propicia uma produção exponencial de notícias, o que, por sua vez, gera
um número maior de aparentes mudanças
sociais para serem compreendidas pelos
consumidores. O termo “aparente” se justifica uma vez que muitas dessas notícias não
são de fato um acontecimento que rompe
com a ordem do cotidiano ou que merece a
atenção massiva da mídia, mas sim, como
pontua Boorstin (1964), pseudoeventos.
No cenário da comunicação política
é possível marcar esses pseudoeventos de
maneira ímpar, pois os critérios noticiosos
se deformam conforme o grau político do
sujeito envolvido na ação. A reflexão se
faz necessária, por exemplo, quando nos
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deparamos com notícias com manchetes como “Presidente Bolsonaro passeia
de moto e cumprimenta apoiadores em
Guarujá (SP)” (MELO, 2020), publicada no
Portal UOL, no dia 31 de outubro de 2020,
ou “Bolsonaro é bicado por emas no Palácio
da Alvorada” (WARTH, 2020), publicada
no jornal O Estado de S. Paulo, em 13 de
julho de 2020. Ambos os acontecimentos
tomaram conta dos noticiários e das redes
sociais em suas respectivas datas de publicações; entretanto, eles não possuem valor
político ou jornalístico algum, pois não alteram a ordem do cotidiano e muito menos
a política nacional. Todavia, no cenário
de aceleração social, a noticiabilidade se
altera e alarga as possibilidades, tornando
o jornalismo político – mas não apenas ele
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– em uma espécie de reality-show dos e das
governantes. Logo, a validade de determinados conhecimentos acerca do mundo
material muda com muito mais velocidade.
A construção social da realidade realizada
pelas instituições jornalísticas possui, na atualidade, uma efemeridade muito maior não
apenas pela aceleração dos processos em si,
como também pela carga informacional produzida, distribuída e consumida que, como
as notícias acima, não servem a nenhum
entendimento amplo sobre a realidade.
Esse aumento das possibilidades dos
pseudoeventos surge, como exposto, não
apenas da aceleração dos acontecimentos,
mas também da dessincronização entre
comunicação e política. O tempo midiático
exige conteúdos a todo o momento, tendo em
vista as infinitas possibilidades oferecidas
pela internet. Em contrapartida, a política,
com seus ritos longos, atua em uma dinâmica própria, impondo aos outros campos
sociais uma temporalidade intrínseca a si.
O choque entre ambas as temporalidades
produz efeitos adversos que ainda estão a
ser explorados e analisados. Como aponta
Rosa (2019, p. 530), “a dessincronização, que
tem sido cada vez mais observada, gera o
risco de que a política tome decisões anacrônicas que, no momento de sua aplicação,
já se encontrem ultrapassadas”.
Nesse sentido, Hartmut Rosa (2019)
descreve um processo cada vez mais
comum no que diz respeito à comunicação
e à aceleração. Primeiro, o autor evidencia
o paradoxo da falta de tempo na contemporaneidade, ao passo que a revolução técnica
possibilita o tempo ócio, tendo em vista a
celeridade dos processos. Em seguida, Rosa
se confronta com duas evidências essenciais
para a compreensão do problema: o medo
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
de perder oportunidades e a compulsão
à adaptação. A primeira evidência age no
cerne da ideia de “gozar aceleradamente
as opções do mundo” (ROSA, 2019, p. 365),
ou seja, o aumento do número de experiências. Já a segunda converge com a
aceleração da mudança social e direciona
o indivíduo ao sentimento de estar sobre
declives escorregadios, onde “quase todo
o conhecimento e conquista estabelecida está sob a ameaça da obsolescência”
(ROSA, 2019, p. 268). Pode-se inserir aqui o
âmbito noticioso, pois abriga a dissociação
entre o espaço de experiência e o horizonte
de expectativas, logo, “condições de ação
e determinações situacionais perdem sua
validade em intervalos cada vez mais curtos” (ROSA, 2019, p. 309).
Presentismo: uma consequência
da cultura midiática
Embora já bastante citada, a máxima
de Marx sobre a liquidez dos fatos e das religiões e suas consequentes transformações
não se deixa envelhecer. Pelo contrário,
ao avançar da história, percebe-se claramente a força com que tal ideia ainda ecoa e
se manifesta nas sociedades. Da economia à
cultura, a transformação constante e veloz
de ações, fenômenos, ideologias e outras
camadas sociais demonstram a validade
da frase impressa no Manifesto comunista.
Berman (2007), crítico de arte, em seu
clássico Tudo que é sólido desmancha no
ar, busca em obras da literatura mundial
respostas e características do espírito da
modernidade que urgia no século XIX e
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XX. O autor esmiúça desde O sofrimento
do jovem Werther, de Goethe, passando
pelo Manifesto comunista de Marx e
Engels e poemas de Baudelaire, até o subdesenvolvimento presente em Dostoiévski.
Deste modo, Berman encontra em cada
obra fragmentos do espírito da modernidade, que reconstrói pouco a pouco. Para ele:
O turbilhão da vida moderna tem sido
alimentado por muitas fontes: grandes
descobertas nas ciências físicas, com a
mudança da nossa imagem do universo
e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma
conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e
destrói os antigos, e acelera o próprio
ritmo de vida, gera novas formas de
poder corporativo e de luta de classes;
descomunal explosão demográfica, que
penaliza milhões de pessoas arrancadas
de seu habitat ancestral, empurrando-as
pelos caminhos do mundo em direção
a novas vidas; rápido e muitas vezes
catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa dinâmicos
em seu desenvolvimento, que embrulham amarram, no mesmo pacote, os
mais variados indivíduos e sociedades
(BERMAN, 2007, p. 25).
Deste modo, os sistemas dinâmicos de
comunicação são obrigados a se desenvolverem conforme o ritmo social. Em face da
constante fragmentação, estar presente e
ativo 24 horas por dia, sete dias por semana,
para usar das ideias de Crary (2016), se faz
necessário. Trata-se de dar o furo jornalístico e chegar na frente, mas não apenas
isso. A narrativa que produzida por meio do
discurso jornalístico articula diversas ferramentas que, dada a enunciação, constroem
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
o presente e, na repetição exaustiva ao
longo de um dia, transformam as notícias
em um presente ad infinitum.
Antunes (2007, p. 27), ao analisar a
produção do acontecimento jornalístico,
afirma que “o ‘presentismo’ teria raízes em
um fenômeno de percepção difusa da diminuição do sentido histórico em favor de um
horizonte restrito somente ao presente”.
Tal afirmação caminha ao lado do que
Castells (1996) chama de tempo intemporal,
no sentido perceptivo do tempo e do que
Rosa (2019, p. 577) afirma ser a destemporalização da vida, isto é, a “desinstitucionalização do percurso de vida” e o abandono da
identidade estável por um projeto de vida
instável. Ao fim, o desenvolvimento de uma
subjetividade que se baseia constantemente
no momento, ao passo que encurta o presente, provoca no consumo jornalístico o
sentido de imediaticidade do “tempo real”.
Antunes continua:
Muitas vezes associado à dinâmica dos
meios de comunicação e seu fluxo ininterrupto e dantesco de informações que
vincularia os indivíduos a uma imediaticidade […] o elemento chave é a
formação de um hábito cultural marcado pelo choque e pela repetitividade
(ANTUNES, 2007, p. 27).
O autor parte da hipótese de que o
presentismo é um fenômeno derivado da
ausência de critérios para a associação,
no que tange ao relato jornalístico. Para
ele, “a temporalidade é tomada como um
mero dispositivo de ativação da atualidade
da notícia pela sua equivalência com o presente histórico” (ANTUNES, 2007, p. 27).
Deste modo, a ideia de passado, presente e futuro adentra um vórtice de
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reconfiguração, pois tais parâmetros se
chocam e desenvolvem em si uma crise
de percepção temporal destes marcos.
As certezas que se assentavam em tais marcos históricos – passado, presente e futuro
– se chocam no ambiente midiático-jornalístico e trazem novas dinâmicas e configurações. Hartmut Rosa (2019), ao analisar o
processo de destemporalização da vida, sintetiza, principalmente no âmbito das auto relações subjetivas, o estado de impermanência.
A notícia, ao contrário, fia-se em uma
“visão superficial do mundo proposta
pelas mídias, na qual não há nenhuma
duração, nenhuma (ou quase nenhuma)
perspectiva quanto ao passado, nenhuma
(ou insignificante) projeção para o futuro”.
A notícia não tem nenhuma espessura
temporal, mas simula tal condição por
meio do “blefe” da narrativa, que insere o
processo de conversão do acontecimento
em notícia “numa interrogação sobre a
origem e o devir” (ANTUNES (2007) apud
CHARAUDEAU, 2006, p. 135).
A notícia, em sua forma tanto clássica
quanto contemporânea, é a síntese do que
Rosa (2019) chama de destemporalização da
vida, o que se aplica, portanto, no entendimento subjetivo. Para o sentido histórico,
Rosa contempla no conceito de destemporalização da história a perda do sentido da
ideia de progresso e a desorientação política “em função do ritmo de transformação
acelerado” (ROSA, 2019, p. 577).
Desse modo, é possível refletir sobre
as bases de construção do sentido de atualidade trazidas pelo discurso jornalístico,
conforme aponta Franciscato (2003),
em contraponto ao cenário de aceleração social do tempo esmiuçado por Rosa
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
(2019). Para Franciscato, a instantaneidade, a periodicidade, a simultaneidade, a
novidade e a revelação pública são bases
sócio-históricas essenciais para o sentido
de atualidade. Todavia, tais bases se agarram não ao entendimento subjetivo, mas
à compreensão de fenômenos sociais que,
em correlação, definiram historicamente o
que seria a atualidade para a deontologia
jornalística. Em seu trabalho “Atualidade
no jornalismo: bases para sua delimitação
teórica”, o autor relata o processo de aceleração social como uma característica da
concepção contemporânea de atualidade
para o jornalismo.
Franciscato (2003), ao descrever os
modos de materialização do fenômeno da
aceleração social no processo jornalístico,
acaba por fazer uso apenas da questão
tecnológica e material, deixando de lado
reflexões sobre os possíveis efeitos dessa
aceleração na constituição da subjetividade
dos leitores. Todavia, as empresas jornalísticas nos séculos XIX e XX se beneficiavam
justamente dessa questão, que as faria, no
século XXI, se reinventarem. “As organizações jornalísticas, já transformadas em
empresas com seus ritmos industriais e de
administração do tempo, experimentavam
de forma específica esta ênfase à velocidade
e à aceleração dos processos produtivos”
(FRANCISCATO, 2003, p. 153).
Desse modo, no campo da subjetividade, Dalmonte (2010) parte de Santo
Agostinho e Ricoeur para compreender
o triplo presente pelo qual é formada a
narrativa jornalística. De acordo com o
autor mineiro, o entendimento de Santo
Agostinho sobre a tríade do presente – composta pelo presente das coisas passadas, o
presente das coisas presentes e o presente
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das coisas futuras – forma a base da narrativa jornalística.
O presente das coisas passadas refere-se
à concepção histórica, que, em sentido
amplo, deve ser revisitada, pois é a historicidade dos fatos que agrega sentido,
atualizando o ocorrido, que pode ser apresentado e reinvestido de significados.
O presente das coisas presentes é o fato
enquanto tal; é o anúncio ou apresentação de um acontecimento. O presente das
coisas futuras refere-se à influência no
porvir que o acontecimento narrado pode
fazer ressoar (DALMONTE, 2010, p. 339).
Seja qual for o caminho tomado para
compreender a relação intrínseca entre a produção jornalística e o tempo presente, discussões de cunho filosófico surgem justamente
para dar dimensão não apenas prática e material, mas também subjetiva e abstrata àquilo
que costumeiramente se chama de tempo.
O presentismo, por sua vez, em uma
relação mútua, desenvolve-se e ampara-se
na sociedade da aceleração social do tempo.
O próprio entendimento de declives escorregadios apresentado por Hartmut Rosa
(2019) elucida o fenômeno, por meio do qual
se materializa a necessidade de se estar em
constante atualização. Embora ambos os
entendimentos se direcionem para objetos
específicos, é possível compreender que,
em uma sociedade em que a atualização
dos desejos, dos fatos e dos saberes é cada
vez mais urgente, o presentismo se torna
uma característica, uma consequência iminente. Nada mais natural, portanto, que a
extensão dessa consequência para o campo
noticioso, no qual ocorre a mediação dos
acontecimentos e a produção do simbólico.
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
Curto-curto: para
exemplificar a situação
Assim, tendo em vista os cenários esboçados acima, convém neste
momento tratar dos parâmetros subjetivos do indivíduo inserido na sociedade
da aceleração e, consequentemente, da
dinâmica atrelada ao processo de consumo de notícias.
Ao analisar as experiências e seus
impactos na subjetividade, Rosa (2019) elabora padrões para compreender o reflexo
de diversas ações na memória humana sob
a alcunha de paradoxo temporal subjetivo,
isto é, os rastros que algumas experiências deixam na memória e nos sentidos dos
sujeitos. Quais ações prolongam a memória
e quais encurtam? O autor, ao fazer uso
de outros referenciais, enquadra práticas
esportivas, artísticas e do ramo do entretenimento, assim como faz ao se guiar pelas
ideias de Ariane Barth para desenvolver o
paradoxo da televisão.
Minha suposição é que os rastros de
memória, no caso da televisão (e dos
jogos de computador), se apagam tão
rapidamente porque a experiência, em
primeiro lugar é dessensualizada e, em
segundo, é geralmente descontextualizada. Dessensualizada significa, aqui,
que somente os sentidos visual e auditivo são solicitados, enquanto sensações
táteis e olfativas (que possuem, reconhecidamente, uma maior importância
para a memória de longo prazo) […] Além
disso, todos os estímulos provêm de uma
estreita ‘janela’, espacialmente limitada
(ROSA, 2019, p. 288).
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Caio Teruel
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
Os postulados do fenômeno descrito são apropriados para estas páginas,
que, em um movimento teórico-conceitual, enquadram o consumo jornalístico
de notícias. Portanto, não se propõe
alternativas ou reflexões sobre o uso
do olfato ou do tato em um primeiro
momento, mas se debruça sobre a contextualização do jornalismo e de seu
espaço reduzido em dispositivos móveis.
Para compreender, então, tal fenômeno
no plano empírico, pode-se analisar
a capa da versão impressa do jornal
Folha de S.Paulo (Figura 2).
[ Figura 2 ]
Primeira página da Folha de S.Paulo de 24 de novembro de 2020
É possível localizar, na Figura 2,
ao lado e abaixo da manchete “Boulos sobe
a 45% e reduz vantagem de Covas, com
55%”, outras 14 chamadas menores que
se espalham por toda a primeira página.
As maiores têm um pequeno texto de
introdução ao tema da matéria, mas as
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
outras, não. A descontextualização dos
temas é visível, pois várias editorias são
lançadas de modo aparentemente aleatório, não propondo nem diálogo com os
temas importantes nem com a chamada
principal. Como afirma Genro Filho (1987,
p. 187), “ao separar as notícias e tratá-las
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Caio Teruel
Helder Prior
de forma descontínua, desintegra e atomiza o real, favorecendo a superficialidade
da reflexão e a alienação”. O jornalismo
impresso realiza esse feito desde seus primórdios e o digital segue a mesma linha,
mas agora com as potencialidades que a
velocidade impõe.
De acordo com uma pesquisa da
empresa Comscore (2020), “A próxima fronteira da mídia”, que objetivou compreender
o consumo de notícias entre as gerações
X, Y, e Z, há na atualidade uma transição
em massa do uso do desktop para o mobile
como principal plataforma de consumo
de informação. A pesquisa apontou um
aumento acima de 50% nos diferentes segmentos editoriais. Além disso, apresentou
que 66% dos jovens da geração Z – pessoas
com menos de 25 anos – tendem a ler as
notícias de maneira rápida e superficial.
Com esse cenário delimitado pela pesquisa,
convém trazer ao debate um entendimento
de Ciro Marcondes Filho (1986) para se
somar à reflexão:
Tudo deve ser exposto até se queimar.
Como nas antigas películas de cinema
ou nos projetores de slides sem sistema
de refrigeração, a exposição excessiva de
um diagrama queima o filme, fazendo-o
desaparecer. No jornalismo, a exposição,
depois a superexposição de pessoas, fatos,
acontecimentos, provoca um processo
social de “queima” do fato, na medida em
que as notícias excessivamente veiculadas tornam-se inócuas, não provocam
mais nenhum efeito, conduzem ao seu
total esquecimento. O excesso é a forma
mais eficiente de extermínio da coisa e
de seu total apagamento da memória
(MARCONDES FILHO, 1986, p. 21).
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
No ambiente digital está presente
tanto a consolidação do fenômeno descrito
por Rosa (2019) acerca do padrão curto-curto quanto a desinformação delimitada
por Marcondes Filho (1986) por meio do
excesso. A exemplo disso, no período entre
1 e 7 de dezembro de 2020, 288 matérias, entre editorias, colunas de opinião,
notícias e outros gêneros, continham o
termo covid-19 na busca padrão no site da
Folha de S.Paulo. O alto número de resultados em um período curto se justifica pela
diversidade de gêneros jornalísticos em
uma produção que se ramifica e se potencializa seja pela aceleração técnica, que se
aprimora a cada dia, seja pela aceleração
das mudanças sociais.
No turbilhão deste cenário, mudanças
estruturais ocorrem nos âmbitos sociais.
A política é um setor que ao longo dos anos
se defronta com o poder e com as consequências das múltiplas acelerações descritas
por Rosa (2019). Neste sentido, o projeto
político de construção de uma sociedade
democrática não apenas se dilui no tempo,
como se baseia nele para tomar corpo social
dentro do processo histórico. Não obstante,
o tempo político e o tempo social, ambos em
processo de aceleração, se encontram, na
contemporaneidade, em dessincronização.
Os longos ritos políticos não acompanham
mais a velocidade pela qual a sociedade se
move e acaba, por fim, agindo como uma
categoria de inércia preconizada por Rosa:
[…] a pressão aceleratória sobre o sistema
político para a expedição rápida de decisões definitivas é, a princípio, uma consequência direta da aceleração do rimo
de desenvolvimento e de transformação
de outros sistemas sociais, especialmente
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Helder Prior
da circulação econômica e da inovação
técnico-científica (ROSA, 2019, p. 528).
A comunicação política jornalística
se defronta em parte com esse mesmo
problema. O avanço dos sistemas comunicacionais e as lógicas cultural técnica se
apropriam do fetiche pela velocidade e da
notícia em primeira mão, causando ruídos
de forma e de conteúdo para a comunicação.
Assim, os ruídos de forma convergem
no sentido de que é preciso, na atualidade,
reinventar a comunicação para os meios
mobile, tendo em vista sua efemeridade e
a necessidade de atualização dos conteúdos
em um modelo 24 horas. Para ampliar as
possibilidades sobre a forma jornalística,
cabe um adendo partindo do crítico literário
Roberto Schwarz sobre as formas literárias:
A forma – que não é evidente e que cabe
à crítica identificar e estudar – seria um
princípio ordenador individual, que tanto
regula um universo imaginário como um
aspecto da realidade exterior. Em proporções variáveis, ela combina a fabricação
artística e a intuição de ritmos sociais
preexistentes (SCHWARZ, 2012, p. 48).
O também crítico literário Antonio
Candido (2014), ao analisar os modos possíveis de relação entre forma do texto literário
e sociedade, ou seja, entre obra e condicionamento social, delimita seis concepções
possíveis de análise entre esses dois eixos.
Dentre elas, apenas duas nos interessam:
1. a relação do texto jornalístico com as
condições sociais; e 2. os modos de representação da sociedade por meio do texto jornalístico. Entretanto, ao desenvolver suas
ideias sobre forma e sociedade, Candido não
apresenta uma metodologia sistematizada
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
ou chaves de análise claras sobre como realizar tal leitura do texto literário ou, no caso
em específico deste artigo, jornalístico.
A forma, delimitada por uma
estrutura rígida quando se olha para a
notícia, se encontra em um processo de
mudança frente às transformações no uso.
Como sintetiza McLuhan (2012), o meio
é a mensagem. A notícia, sendo majoritariamente consumida pelos dispositivos
móveis, torna-se algo transitório, momentâneo, como os aparelhos que servem como
tela de leitura do mundo.
Já os conteúdos em si necessitam da
mesma transformação, pois o público se
transforma, muitas vezes se abrangendo
e se especializando. Para os pesquisadores em jornalismo Adghirni e Pereira
(2011, p. 45), “tais mudanças podem ser
atribuídas à possibilidade de acesso a
informações por meio de bases de dados,
à convergência de mídias e de redações e
à proliferação de mídias institucionais e
de ferramentas de autopublicação”, o que,
por fim, altera forma, conteúdo, lógica de
produção e dinâmicas de consumo.
Este cenário é sintomático em
relação ao momento político pela qual
as democracias representativas passam. Com a ascensão da internet e das
mídias sociais como campo de batalha de
espectros ideológicos, tanto a aceleração
temporal quanto a produção de notícias
falsas ganham destaque. Como pontua
Rosa (2019), os movimentos aceleratórios
e a síndrome dos declives escorregadios
empurram o sujeito para a margem a todo
momento, obrigando-o a estar sempre
atento aos últimos acontecimentos, notícias e tendências.
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Neste sentido, as notícias falsas
ganham destaque não por apenas manipular
e distorcer a verdade, mas também por se tornarem comuns em um ambiente infodêmico,
isto é, como preconizado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS, 2020, p. 2), “um
excesso de informações, algumas precisas e
outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando
se precisa”. Estamos em um cenário em que
65% da população possui um dispositivo
móvel, tendo na palma da mão a chance
de replicar notícias falsas (CANAVILHAS;
FERRARI, 2018).
Considerações finais
Deste modo, o cenário esboçado é o
de processos que se aceleram. A técnica se
acelera, produzindo o aumento do ritmo da
vida, isto é, os episódios de ação se tornam
concomitantes à duração dos saberes, da
cultura e de normas sociais, que perdem
seus prazos de validade cada vez mais
rápido. Assim, os diversos campos sociais
são atingidos de uma maneira única, intrínseca a eles e a suas dinâmicas.
O jornalismo, como visto neste
artigo, não foge à realidade dos fatos.
A situação dessa parte da comunicação
social se insere no cenário de fenômenos
aceleratórios devido à alteração de suas
bases essenciais pela aceleração dos processos. A essa altura, pontuar que a internet alterou as estruturas e os processos da
notícia é, como diz a expressão popular,
chover no molhado. Todavia, destacar o
papel da internet e dos dispositivos móveis
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
é demasiadamente importante, pois tais
meios se tornam uma chave de compreensão essencial do cenário atual, seja quando
se fala em aceleração temporal, infodemia
ou usos sociais da comunicação.
Não obstante, destacar tais ações no
âmbito da produção jornalística é essencial, mas lançar luz sobre a recepção dos
produtos jornalísticos no cenário contemporâneo de aceleração social é urgente, e
foi desta tarefa que este artigo se ocupou.
Por meio dos escritos de Hartmut Rosa, em
um diagnóstico do tempo atual, confrontou-se teorias acerca da subjetivação no
consumo de notícias, mas não sem antes
enquadrar o campo jornalístico como um
ator essencial ao círculo autopropulsor da
aceleração, principalmente no que concerne
às mudanças sociais, tendo em vista a proliferação dos pseudoeventos no jornalismo.
Outrossim, o padrão curto-curto
desvelado por Rosa (2019) sintetiza, em
um movimento teórico-conceitual, a subjetividade do sujeito imerso em uma rede
infindável de informações que cruzam seu
cotidiano a todo o momento. O trabalho da
memória, no sentido de uma informação
que vem e vai rapidamente, como aponta
Marcondes Filho (1986, p. 21) ao falar que
a “superexposição de pessoas, fatos e acontecimentos provoca um processo social de
‘queima’ do fato, na medida em que as notícias excessivamente veiculadas tornam-se inócuas”, aplica e potencializa a mesma
dinâmica no âmbito do consumo noticioso
na contemporaneidade.
Tal padrão estudado por Rosa ainda
carece de aprofundamento, tendo em vista
sua importância para o estatuto jornalístico em tempos de desinformação. É, por
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Caio Teruel
Helder Prior
O jornalismo em face da aceleração social do tempo
fim, impossível esgotar as possibilidades de
reflexões em poucas páginas, seja acerca da
teoria da aceleração social do tempo, seja
acerca da comunicação jornalística e suas
complexidades traçadas no tecido social,
cultural e econômico frente à sociedade
da aceleração.
[ CA IO TERUEL ]
Jornalista e mestrando no Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul (UFMS).
E-mail: caioteruel05@gmail.com
[ HEL DER PRIOR ]
Professor visitante estrangeiro na UFMS. Doutor em
Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira
Interior (UBI). Realizou estágio de pós-doutorado na
Universidade de Brasília (UnB) e na UBI.
E-mail: helder.prior@gmail.com
Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
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O jornalismo em face da aceleração social do tempo
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Extraprensa, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 421 – 437, jan./jun. 2021
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