Tavira enquanto sede do governo do reino do Algarve
(1755-1834): Reflexos na arquitetura e no urbanismo
Marco Sousa Santos
Doutorando em História da Arte pela Universidade de Coimbra, CEPAC/UAlg
O cargo de governador do reino do Algarve
O cargo de governador com a patente de capitão-mor ou capitão-general
do reino do Algarve foi criado no século XVI, para substituir o de fronteiro-mor, que
por sua vez tinha substituído o de anadel-mor (também de natureza militar)1. O
primeiro “capitão-mor e governador do Reino do Algarve” foi D. Diogo de Sousa,
nomeado para o cargo por D. Sebastião (1557-1578) por carta de 21 de julho de
1573. Aquando da nomeação, o rei terá outorgado ao governador um Regimento, no
qual se definiam as obrigações e os poderes inerentes ao cargo, mas o documento
não chegou aos nossos dias e tampouco se conhece o seu conteúdo. Não se sabe
se por iniciativa própria ou indicação régia, o recém-nomeado governador vai
estabelecer-se em Lagos (elevada a cidade nesse ano de 1573), que se assume
como local de residência dos governadores e capitães-generais do reino2.
No ano de 1624, sendo o reino do Algarve governado por João de
Mendonça Furtado, D. Filipe III (1621-1640), vai outorgar um novo “Regimento dos
Governadores do Reino do Algarve”, com 21 capítulos, no qual ficam estabelecidos
todos os deveres e poderes dos governadores. Segundo este documento, aos
governadores cabia a “guarda e defensão” do Reino, o “exercício da gente de
ordenança dele”, a manutenção das suas fortalezas, a “boa ordem e governo” do
território e ainda o “provimento e socorro” dos lugares de África, devendo o cargo
ser sempre ocupado por pessoa “de tal experiência, qualidade e confiança” que
pudesse ocupar-se de todos os negócios de interesse para a coroa. Aquando da
nomeação, todos os governadores recebiam a respetiva “carta de patente”, que
circulava pelos concelhos da região, sendo transladada para os tombos das
respetivas câmaras. No Regimento de 1624, o rei aconselhava o governador a fixar
residência na cidade de Lagos ou, preferencialmente, na de Tavira, por ser este o
porto mais próximo das praças norte-africanas3. Não obstante, talvez por respeito ao
costume principiado pelos antecessores, os governadores vão optar por manter o
seu domicílio em Lagos, no antigo castelo, que por isso passa a ser conhecido como
o palácio dos governadores.
Cf. Alberto Iria, Descobrimentos portugueses: O Algarve e os Descobrimentos, volume II, 1944, p. 10.
Alberto Iria, Da importância geopolítica do Algarve na defesa marítima de Portugal nos séculos XV a XVIII, 1976,
pp. 90, 126 a 128, 134, 157 e 158.
3 Cf. João Baptista da Silva Lopes, Corografia ou Memória económica, estatística e topográfica do Reino do Algarve,
1841, pp. 617 a 623.
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Em Lagos permanecerão os governadores até ao dia 1 de novembro de
1755, data em que um violento terramoto abala o sul de Portugal, e com maior
intensidade o Algarve, arrasando o palácio do governo. Perante a destruição da
cidade, o governador, D. Rodrigo António de Noronha e Meneses, decide
unilateralmente transferir-se para Tavira, fazendo-se acompanhar na deslocação por
parte do regimento então estacionado em Lagos4. Note-se, a transferência do
governador para Tavira, apesar de ocorrida em circunstâncias extraordinárias, era
legitimada pelo regimento de 1624, segundo o qual se permitia ao titular do cargo
residir em Lagos ou em Tavira. Para além disso, uma vez que as fontes
documentais sugerem que a cidade do Gilão terá sido das povoações costeiras a
que menos sofreu com o sismo de 17555, seria a que dispunha de condições mais
favoráveis para acolher a sede do governo regional. De resto, mesmo em Tavira,
tudo indica que a parte oriental da cidade terá sido a que menos sofreu, e foi aí que
o governador se estabeleceu, no Alto de Sant’Ana. Iniciava-se desse modo um
período de aproximadamente oito décadas durante o qual os governadores e
capitães-generais do Algarve mantiveram a sua residência oficial em Tavira.
Os governadores do reino do Algarve em Tavira (1755-1834)
Entre os anos de 1755 e 1834, período em que a sede do governo do reino
do Algarve se vai manter oficialmente em Tavira, o cargo de governador e capitãogeneral (de nomeação régia e com um acentuado cariz militar) vai ser exercido por
mais de duas dezenas de indivíduos (alguns apenas de forma interina), na sua
maioria aristocratas e nobres titulados mas também militares e inclusive um prelado.
Sublinhe-se, tudo indica que a maioria dos governadores nomeados para o cargo
depois de 1755 terá assistido no Algarve, não se limitando a aceitar a nomeação e a
governar à distância, uma vez que a sua presença é regularmente documentada nos
registos paroquiais da cidade de Tavira, quase sempre intervindo na qualidade de
padrinhos em batismos6.
A instalação do governador no Alto de Sant’Ana tem um impacto
significativo na dinâmica social da cidade, desde logo porque implica o
estabelecimento em Tavira de um contingente militar fixo (que até então não existia),
com a respetiva oficialidade, mas também porque os titulares do cargo se faziam
acompanhar por todo um séquito de funcionários que serviam nas repartições do
governo e no próprio palácio (por exemplo, secretários, oficiais e ajudantes da
Secretaria, cocheiros, correios7, cozinheiros, criados e ajudantes das ordens do
Cf. Manuel João Paulo da Rocha, Monografia de Lagos, 1991, pp. 140 e 141.
ANTT, Memórias paroquiais da freguesia de Santa Maria de Tavira, vol. 36, nº 26, p. 131 a 138.
6 Veja-se, por exemplo: ANTT, Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira (1765-1769),
fl.196; Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira (1803-1808), fl.53v.
7 Em 1776, referência a José Rodrigues Mano, correio do capitão-general deste Reino do Algarve (Cf. ANTT, Livro
de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira, fólio 245v).
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governador) constituindo aquilo que se poderá designar como uma pequena corte à
escala regional. Note-se, a maior parte desses funcionários não era de origem
algarvia.
Ao analisar o período de permanência dos governadores em Tavira tornase possível distinguir duas fases. Uma primeira, que grosso modo decorre entre os
anos de 1755 e 1808, na qual o cargo é unicamente desempenhado por aristocratas
provenientes da corte8, que se carateriza por um longo período de paz9, estabilidade
e relativa prosperidade (esta desde logo fomentada pelas reformas pombalinas
desenvolvidas no âmbito da Restauração económica setecentista do Reino do
Algarve10); e uma segunda, balizada entre 1808 e 1834, marcada por questões de
natureza bélica e pela instabilidade causada pelas invasões francesas e pela guerra
civil entre liberais e absolutistas, durante a qual o governo do Algarve permanece
quase exclusivamente nas mãos de militares.
No que respeita ao período que decorre entre 1755 e 1808, um dos
governadores cuja atividade e permanência na região está mais documentada é a
de D. José Francisco da Costa e Sousa, armador-mor e ainda visconde de
Mesquitela (pelo casamento), que esteve à frente do governo do reino durante sete
anos (1773-1780). Este governador começa por se estabelecer em Tavira, na
companhia da mulher, Dona Maria José de Sousa de Macedo (1755-1816), e é na
cidade do Gilão que vão nascer e ser batizados alguns dos filhos11, incluindo D. Luís
da Costa de Sousa de Macedo e Albuquerque, futuro 1º conde de Mesquitela, que
nasceu no palácio do Alto de Sant’Ana a 25 de Março de 1780 e poucos dias mais
tarde foi batizado na vizinha ermida em cerimónia presidida pelo próprio arcebispobispo do Algarve, D. Frei Lourenço de Santa Maria (1752-1783)12. Pouco depois da
chegada de D. José Francisco à região, o marquês de Pombal ordena-lhe que se
transfira temporariamente para a vila de Castro Marim, para daí melhor acompanhar
as obras de edificação de Vila Real de Santo António, negócio da maior importância
para a coroa. Em Castro Marim terá permanecido até maio de 1776, data em que a
Nomeadamente D. Rodrigo António de Noronha Meneses (1755-1761), D. Francisco Xavier Rafael de Meneses, 2º
marquês do Louriçal (1762-1765), D. Tomás da Silveira de Albuquerque Mexia (1765-1773), D. José Francisco da
Costa e Sousa, 2º visconde de Mesquitela (1773-1782), D. António José de Castro, 1º conde de Resende (17821786), D. Nuno José Fulgêncio de Moura Barreto, 6º conde de Vale de Reis (1786-1795), ou Francisco de Melo de
Mendonça da Cunha e Meneses, que foi feito 1º conde de Castro Marim e depois 1º marquês de Olhão (1795-1808)
(Cf. Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu Termo – memorando histórico, 1993, pp. 99).
9 Contudo, esta fase tampouco esteve totalmente isenta de questões bélicas. É a partir de Tavira que, em 1762,
quando uma aliança franco-espanhola declara guerra a Portugal, o então governador e capitão-general do Algarve,
D. Francisco Xavier de Meneses, Marquês do Louriçal, vai organizar a defesa da fronteira oriental da região, desde
a praia de Monte Gordo até à praça de Alcoutim (Cf. ADF, Notariais de Tavira, cota 8-5-361, fólios 44v e 45).
10 A este respeito veja-se, por exemplo: José Eduardo Horta Correia, Vila Real de Santo António – urbanismo e
poder na política pombalina, 1997; José Carlos Vilhena Mesquita, O Marquês de Pombal e o Algarve – a Fábrica de
tapeçarias de Tavira, 1999.
11 Em Julho de 1773 é batizado na ermida de Sant’Ana, que funcionava como oratório do palácio, D. António, filho
do governador (Cf. ANTT, Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira, fólio 143).
12 Cf. ANTT, Livro de registo de batismos de Santa Maria de Tavira, fólio 128.
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nova vila do Guadiana é inaugurada. Após a inauguração solene o governador
regressa de imediato a Tavira, desde logo porque já não havia motivos para
permanecer em Castro Marim mas também porque de Lisboa chegavam ordens
para que recebesse no palácio de Tavira um alto dignitário francês, o Duque de
Chartres (filho do Duque de Orleães e nada menos que primo de Luís XVI rei de
França entre 1774 e 1791), comandante de uma esquadra francesa que nessa
ocasião se achava de passagem pelo Algarve.13
Portanto, o que se pode concluir é que, pelo menos numa primeira fase
(1755-1808), a estada dos governadores do Algarve em Tavira terá sido marcada
por uma certa atmosfera cortesã, sendo o cargo desempenhando por aristocratas
que se estabeleceram na cidade algarvia na companhia de outros membros da sua
família alargada e que nela chegaram inclusive a receber comitivas diplomáticas
estrangeiras.
A mudança de paradigma, ditada pela conjuntura nacional e pela entrada
num período de grande instabilidade, durante o qual se acentua a vertente militar do
cargo de governador, coincide com o governo de D. Francisco de Melo da Cunha de
Mendonça e Meneses (1795-1808). Logo em 1801, no âmbito da chamada “Guerra
das Laranjas”, o governador é obrigado a intervir na fronteira do Guadiana, onde,
pela força, consegue travar uma tentativa de invasão espanhola, ação que lhe vale o
título de conde de Castro Marim14. Mais tarde, no contexto das invasões francesas
(1807-1811), este governador começa por evitar o confronto com as tropas
invasoras (seguindo as instruções deixadas pelo príncipe regente antes da partida
da corte para o Rio de Janeiro), mas logo após o levantamento popular de Olhão,
em 1808, e a ulterior expulsão das tropas francesas da região, organiza uma
expedição militar e parte para o Alentejo no encalço do inimigo. Na ausência do
governador, é o bispo D. Francisco Gomes do Avelar (1789-1816) quem
interinamente fica a governar o Reino do Algarve, a partir do paço episcopal de
Faro. Em 1810, o bispo pede para ser revezado em relação às questões militares
inerentes ao cargo, que serão confiadas ao coronel John Austin, oficial britânico ao
serviço da Coroa, mas mantém o título de governador interino. Após a morte do
prelado, em 1816, e até 1834, data em que vai terminar a Guerra Civil portuguesa
(1828-1834), e não obstante a nomeação de alguns aristocratas para o lugar, serão
sobretudo militares a ser nomeados para o cargo de governador do Algarve, alguns
dos quais não permanecem no cargo mais do que semanas ou mesmo dias. Na fase
mais conturbada, ou seja, a partir de 24 de junho de 1833, quando desembarca na
praia da Alagoa (Vila Real de Santo António) um contingente do exército liberal
comandado pelo Duque da Terceira, forçando o visconde de Molelos (governador
nomeado por D. Miguel I) a abandonar a cidade de Tavira, chegam a existir em
Cf. José Eduardo Horta Correia, Vila Real de Santo António – urbanismo e poder na política pombalina, 1997, pp.
98 e 109.
14 Cf. Manuel Amaral, Olivença 1801 – Portugal em guerra do Guadiana ao Paraguai, 2004, pp. 57 a 60.
13
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simultâneo dois governadores, um nomeado pelos absolutistas e outro pelos
liberais15.
A situação só estabiliza quando, após o desembarque das tropas liberais, o
futuro marquês de Sá da Bandeira assume interinamente o governo do reino do
Algarve, entre 17 de fevereiro e 17 de Maio de 1834, para conter o avanço das
guerrilhas miguelistas que enxameavam a serra. Porém, Sá da Bandeira vai
estabelecer o seu quartel-general em Faro, e não em Tavira, desde logo porque
Faro tinha uma posição mais central a nível regional e oferecia melhores condições
de defesa, mas também porque Tavira se havia demonstrado partidária da causa
miguelista. A curto prazo, seria esse o primeiro passo para que a cidade perdesse a
condição de capital do reino em benefício de Faro.
Finalmente, em 1835, na sequência da extinção oficial do cargo de
governador do reino do Algarve, e fruto da reforma administrativa encetada pelo
regime liberal, é criado o distrito de Faro e o cargo de governador civil do distrito.
Nesse contexto, todos os serviços do governo que até então se encontravam em
Tavira são transferidos para Faro, onde se acabam por agregar no denominado
palacete dos condes de Alte, no qual se viria depois a estabelecer a sede do
Governo Civil (aí permanecendo até à sua extinção, em 2012). Rematava-se desse
modo um período de cerca de 80 anos durante o qual a cidade de Tavira tinha sido,
com toda a propriedade, a capital do reino do Algarve.
A arquitetura e o urbanismo
Mais do que uma medida meramente formal, a instalação dos
governadores do reino do Algarve em Tavira, após 1755, acabaria por constituir um
marco decisivo na história da cidade e dar início a um dos seus períodos de maior
expansão urbana e atividade construtiva relacionada com obras de natureza pública.
Vejamos então, com o pormenor possível, que infraestruturas se construíram nesse
contexto específico e com que objetivos, como decorreram as obras e quem foram
os principais responsáveis pela sua projeção e execução.
O palácio dos governadores
Pelo menos do ponto de vista simbólico, a estrutura mais importante
construída no período em que os governadores residiram na cidade de Tavira foi o
palácio do Alto de Sant’Ana, residência oficial do titular do cargo. Nas palavras do
alemão Heinrich Link, Tavira era, no final do século XVIII, “uma linda cidade”, com
suas ruas bonitas e asseadas e “casas vistosas, de entre as quais se destaca o
Palácio do Governador”16.
15
16
Cf. Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu Termo – memorando histórico, 1993, pp. 99 e 100.
Heinrich Friedrich Link, Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, 2005, p. 265.
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Estabelecido na margem oriental da cidade, no Alto de Sant’Ana, o
denominado palácio dos governadores, residência do governador e capitão-general
do reino do Algarve em Tavira, terá provavelmente começado a ser construído ainda
durante o governo de D. Rodrigo António de Noronha e Meneses (o primeiro
governador a instalar-se em Tavira), ou seja, entre 1755 e 1761. Não se sabe se
existiam no local algumas construções anteriores que tenham sido aproveitadas,
mas o mais provável é que todo o conjunto, com exceção da preexistente ermida de
Sant’Ana, posteriormente integrada no complexo como capela privativa do palácio,
tenha sido edificado de raiz, circunstância sugerida pela sua planta em “U”, típica da
arquitetura palaciana do século XVIII, mas também pelas características formais dos
seus vãos de cantaria, de inegável fábrica setecentista.
Combinando os vestígios materiais ainda existentes com a documentação
gráfica conhecida, é possível afirmar que o palácio dos governadores de Tavira era
um edifício térreo, com planta em duplo “U” formando dois pátios de planta
quadrangular, constituído por três corpos longitudinais paralelos, unidos numa das
extremidades por outro corpo longitudinal, perpendicular aos demais, que articulava
o conjunto. As molduras de cantaria das portas e janelas eram de verga reta com
cornija saliente, merecendo destaque o portal principal do palácio, belo exemplar de
arquitetura setecentista, de verga reta, rematado por segmentos de frontão curvos e
precedido por pequena escadaria. A cobertura do edifício, diferenciada, era
constituída por telhados de duas águas e de tesouro (quatro águas). No extremo
norte do complexo (delimitando um dos pátios interiores) estava a ermida de
Sant’Ana, antigo templo de fundação tardo-medieval (remodelado em 1722)
constituído por nave única de planta longitudinal, capela-mor quadrangular e
sacristia anexa, que passa a funcionar como capela privativa dos governadores.
Como já foi referido, ao longo da 2ª metade do século XVIII o palácio de
Tavira terá efetivamente funcionado como residência dos governadores do Algarve,
os quais nele assistiram com as suas famílias e chegaram a receber comitivas
diplomáticas. É de admitir, portanto, que o edifício dispusesse das indispensáveis
condições de conforto e aparato ajustadas à categoria e foros dos seus ocupantes,
maioritariamente membros da aristocracia cortesã. Porém, no início da centúria de
Oitocentos, provavelmente como consequência da instabilidade provocada pelas
invasões francesas e posterior partida do governador, mas também pela falta de
qualidade construtiva da estrutura, o palácio entra em acelerado processo de
degradação. Prova disso é um requerimento enviado em 1816 pelo então
governador, o coronel John Austin, no qual o militar afirma habitar há mais de cinco
anos na “residência destinada para os capitães-generais” do Algarve, em Tavira,
“sofrendo os maiores incómodos possíveis pelo mau estado em que ela se acha por
falta de reparos”. Pede o oficial que, para o bem-estar e segurança da sua família,
no mínimo se substituam os vidros quebrados de portas e janelas, porque quando
chovia se tornava necessário fechar as portadas, permanecendo no escuro, e as
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7
fechaduras das portas, para que estas se pudessem segurar “de noite contra os
insultos de ladrões”. Para além disso, as paredes da sala principal apresentavam
alguma “indecência”, pelo facto de serem pintadas e de se terem reposto porções de
reboque caído sem lhe aplicar uma nova pintura17.
Em 1818 o coronel Austin renova o pedido para se levarem a cabo obras
no palácio ao informar o brigadeiro Duarte José Fava do “estado de ruína” em que
estava o edifício, circunstância que, segundo ele, decorria sobretudo “da pouca
solidez” com que fora edificado. De Lisboa chegam então instruções para que o
capitão de engenheiros José Clemente dos Santos, destacado no Algarve,
examinasse o edifício e preparasse um orçamento com vista à sua reparação ou
reedificação. O engenheiro visita o edifício e testemunha a falta de condições de
segurança das casas, que declara estarem “muito mal-arranjadas do seu princípio” e
com as paredes-mestras apoiadas sobre “restos de parede de pedra e barro”. Como
ações a levar a cabo de imediato o militar identifica a necessidade de se levantarem
contrafortes para reforço das paredes, de se elevarem os telhados que não tinham
declive suficiente para garantir o escoamento das águas, de se pintarem portas e
janelas, para evitar que as madeiras se degradassem mais, e trocarem as que já
estavam podres18.
Não se sabe se as obras reclamadas no início do século XIX terão ou não
sido levadas a cabo mas a verdade é que a curto prazo, com a extinção do cargo e
com a instalação do governador civil do distrito em Faro, o antigo palácio dos
governadores de Tavira acabaria por ficar devoluto. O edifício vai permanecer sob a
alçada direta da administração militar até meados do século XX, quando é adquirido
pela câmara municipal, procedendo esta à demolição controlada das partes mais
deterioradas do imóvel e deixando de pé apenas a antiga ala sul do palácio. Na
parte da estrutura preservada funcionariam mais tarde, até ao último quartel do
século XX, as instalações da Polícia de Segurança Pública. Hoje, do conjunto
edificado em que durante oito décadas residiram os governadores do reino do
Algarve resta uma das antigas alas habitacionais (na qual se incluí o portal principal
do palácio) e a ermida de Sant’Ana, outrora capela privativa dos governadores19.
AHM, Correspondência do coronel John Austin para Duarte José Fava, PT/AHM/DIV/1/16/068/45 (fundo de folhas
avulsas).
18 AHM, Processo de obras com orçamentos inclusos assinados pelo brigadeiro Duarte José Fava,
PT/AHM/DIV/1/16/100/10
19 No Alto de Sant’Ana existe ainda hoje um pequeno torreão-miradouro, sobranceiro ao Gilão, que se admite ter
estado integrado no complexo edificado, apesar de não existir qualquer testemunho material ou documental que o
comprove.
Para além do complexo habitacional do Alto de Sant’Ana, constituído por palácio e capela, é possível que tenham
existido na cidade outras estruturas de apoio aos governadores. Refira-se, por exemplo, a documentada existência,
na Rua do Trem (na margem oriental), de um armazém do “escaler do rei” (Cf. ADF, Notariais de Tavira, cota 8-6514, fls. 33v a 34v), o qual terá servido também para nele se guardar o escaler (barco movido a remos e utilizado
para fazer a condução rio acima, até à cidade) de que se serviam os governadores quando assistiam na cidade e
cujos custos de manutenção eram deduzidos do imposto do Real d’Água (Cf. Diário das Cortes da Nação
portuguesa, 1822, pp. 158 e 159).
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A secretaria e as cavalariças do governo
Inevitavelmente, o estabelecimento em Tavira dos governadores do reino
do Algarve vai tornar indispensável a instalação na cidade de uma secretaria do
governo, repartição pública onde se despachavam todos os assuntos relativos ao
governo e administração da região. Esta secretaria estava localizada na designada
rua do Palácio (atual Calçada de Sant’Ana), a pouca distância do palácio dos
governadores. Com a construção da secretaria do governo, o palácio passava a
servir unicamente como residência do governador, já que todos os assuntos
quotidianos seriam despachados na dita repartição.
O responsável pela instalação da secretaria do governo em casas civis
vizinhas ao palácio (mas estruturalmente separadas deste) terá sido D. Francisco
Xavier Rafael de Menezes, 6º Conde da Ericeira e 2º Marquês do Louriçal,
governador do Algarve entre 1762 e 1765. Prova disso é um documento de 1763 no
qual se dá conta da aquisição de umas casas que se “compraram para nelas instalar
a secretaria do governo no Alto de Santana”20. A secretaria do governo funcionou
numas casas térreas de pedra e cal, com cobertura de telhados de duas águas, que
ainda hoje existem e que só se distinguiam das demais pela moldura de cantaria da
sua porta principal, com verga reta e cornija saliente. Acedia-se ao edifício por
intermédio de um único degrau. Estes elementos de cantaria, de caráter
simultaneamente ornamental e funcional, garantiam a monumentalidade possível
daquelas casas dedicadas ao serviço público e permitiam diferenciá-las das demais
que formavam a frente de rua.
Na década de 30 do século XIX, com a extinção oficial do cargo de
governador e capitão-general do Algarve, a secretaria do governo é também extinta,
permanecendo as instalações como propriedade da coroa. Note-se, nesta secretaria
terá ainda estado instalado o arquivo do reino do Algarve, que sucedeu ao arquivo
do procurador-geral do reino Algarve, o qual se achava “muito arruinado e
depauperado” na sequência do terramoto de 175521. Algures no século XX, o edifício
da antiga secretaria do governo do Alto de Sant’Ana passa a acolher um
destacamento militar da Guarda Nacional Republicana, que nele permanece até o
final do século XX.
Durante o seu governo, o marquês do Louriçal terá ainda mandado
construir uma cavalariça no Alto de Sant’Ana, a qual serviria para albergar os
animais da tropa, e os do governador, e estava situada entre a secretaria do
governo e o palácio (no local onde depois se instalam as cavalariças da Guarda
Nacional Republicana). A edificação destas cavalariças, por determinação do
20
21
ADF, Notariais de Tavira, cota 8-5-331, fólio 70.
ADF, Notariais de Tavira, cota 8-5-352, fólio 37.
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governador marquês de Louriçal, é mencionada num documento datado de
dezembro de 176222.
O hospital militar
Ao transferir-se de Lagos para Tavira, no ano de 1755, o governador D.
Rodrigo António de Noronha e Meneses vai fazer-se acompanhar por um
destacamento militar, circunstância que a curto prazo tornaria urgente dotar a cidade
do Gilão de estruturas não só capazes de acolher como também de garantir
cuidados médicos para um grande número de tropas. É nesse contexto que se toma
a decisão de construir em Tavira um hospital militar, à semelhança do que já existia
na cidade de Lagos.
O hospital militar de Tavira terá sido fundado algures em 1761, ainda
durante o governo do dito Rodrigo António de Noronha e Meneses (1754-1762),
provavelmente num edifício preexistente e provisoriamente adaptado a esse fim,
situado no designado Largo do Cano, na margem direita do Gilão, no limite ocidental
do núcleo urbano e junto a uma das principais vias de acesso à cidade. Tudo indica
que o hospital militar já estaria em atividade em julho de 1763, data em que, para
além de servir a guarnição da cidade, este estabelecimento de saúde acumulava a
obrigação de cuidar os “soldados e oficiais de guerra” da guarnição da praça de
Castro Marim, já que o hospital que existia nesta povoação tinha ficado destruído na
sequência dos terramotos de 1755 e de março de 176323. Poucos anos depois, no
fim do século XVIII, durante o governo do conde de Vale de Reis (1786-1795),
provavelmente em resultado da transferência para Tavira do regimento de infantaria
de Faro, por volta de 178024, torna-se necessário avançar com a remodelação e
ampliação no hospital do Largo do Cano. O projeto de restruturação, da autoria de
José de Sande Vasconcelos, datado de 1795 e constituído por duas plantas (do piso
inferior e do superior), foi encomendado pelo conde de Val de Reis e aprovado a 24
de junho de 179525.
As obras terão começado logo após obtida a aprovação. Segundo o projeto
de José de Sande de Vasconcelos, na fachada, de remate curvilíneo e enquadrada
por fogaréus ornamentais, seria colocada uma pedra com as Armas Reais,
acompanhada por uma inscrição comemorativa na qual se poderia ler: “Por ordem
do Ill.mo e Ex.mo Conde d’Val de Reys…” Note-se, o engenheiro militar faz questão de
usar no projeto duas cores distintas ao desenhar a planta, de modo a diferenciar o
que já existia (a rosa) do que se pretendia edificar (a amarelo). Segundo o projeto de
1795, no piso inferior, onde já estavam o Corpo da Guarda, a casa do comandante,
ADF, Notariais de Tavira, cota 8-5-331, fls. 37v a 40.
ADF, Notariais de Tavira, cota 8-5-331, fl. 104.
24 Cf. Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu Termo – memorando histórico, 1993, p.259.
25 Cf. BNP, Planta do plano inferior e alçado do hospital militar de Tavira, cota d-53-r_2).
22
23
10
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uma arrecadação para camas e outras divisões, seria construída uma enfermaria,
para presos, e uma sala de cirurgia; no piso superior, onde existia uma enfermaria, a
cozinha, as latrinas, a casa do receituário, a despensa, a casa da lenha e outras
divisões devolutas, seria edificada outra enfermaria, uma casa para o médico e uma
casa de convalescença. Como se percebe, estas obras visavam sobretudo
aumentar a capacidade do hospital, como se deduz da intenção de construir novas
enfermarias.
Já no século XX, o hospital militar de Tavira, entretanto desativado, passará
a funcionar como aquartelamento para as tropas estacionadas na cidade e mais
tarde como dormitório e messe de oficiais e sargentos. Permanece ainda hoje na
posse militar e em funcionamento.
O casão da atalaia
A primeira estrutura destinada a alojamento de tropas construída em Tavira
após a transferência do governador do Reino do Algarve para a cidade terá sido o
intitulado “casão” da Atalaia, que existiu nas traseiras da ermida de São Sebastião,
no espaço hoje compreendido entre a Ladeira de São Sebastião e a Travessa da
Feira26.
O casão da Atalaia terá sido edificado no princípio da década de 60 do
século XVIII (c.1762-63) num terreno propriedade do concelho e às custas da
população civil, que o fez para se livrar da obrigação de alojar nas próprias
cavalariças os cavalos das tropas que a Tavira costumavam “vir em diferentes
serviços de Vossa Alteza Real”. Porém, devido à fraca qualidade da construção, nos
primeiros anos do século XIX (por volta de 1803), o casão estaria já incapaz do uso
para que fora edificado, o que leva o então governador do Reino do Algarve, D.
Francisco de Melo da Cunha Menezes, a autorizar um tal José Salgado, oleiro
oriundo de Sevilha, a nele instalar uma “fábrica” de louça.27
Em 1815, o Príncipe regente, futuro D. João VI (1816-1826), vai incumbir o
arcebispo-bispo D. Francisco Gomes do Avelar, prelado que esteve à frente da
diocese algarvia entre 1789 e 1816 (e que desde 1808 desempenhava ainda, de
modo interino, as funções de governador e capitão-general), de averiguar se o
edifício conhecido como o “casão da Atalaia”, em Tavira, teria capacidade para
servir como aquartelamento, como opinava o coronel Duarte José Fava, oficial do
Real Corpo de engenheiros e Intendente Geral das Obras Militares. Seguindo as
instruções do Príncipe, D. Francisco Gomes desloca-se então a Tavira,
acompanhado pelos “mais hábeis” mestres-de-obras da região, para averiguar as
Cf. Marco Sousa Santos, “Tavira: O “Casão” da Atalaia (1762-1815)”, in Jornal do Algarve n.º 2980, edição de 8
de Maio de 2014.
27 AHM, Carta de D. Francisco Gomes do Avelar para o Príncipe regente, cota PT AHM-DIV-1-14-092-08 (fundo de
folhas avulsas).
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M. SANTOS Tavira enquanto sede do governo do reino do Algarve
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condições da estrutura. Segundo o seu relatório, as paredes do casão eram de
pedra e cal até à altura de três palmos e daí para cima de taipa (barro e cascalho
compactados). A taipa não era, porém, de qualidade, pelo que apresentava já sinais
de degradação. Também o madeiramento da cobertura estava em ruínas, havia
carência de portas e janelas e nem as ferragens se poderiam aproveitar, por se
acharem corroídas pela ferrugem. Na verdade, de todo o edifício, somente algumas
telhas se poderiam vir a aproveitar, razão pela qual o autor do relatório conclui que o
casão da Atalaia era, pelas suas dimensões, capaz para alojar toda uma companhia,
ou até mais, mas, atendendo ao estado péssimo de conservação, e “má
construção”, não apresentava condições estruturais para esse fim. Nessa ocasião,
apesar de desaconselhar vivamente o aproveitamento do casão da Atalaia para
servir de aquartelamento, D. Francisco Gomes recomenda que, em benefício da
população algarvia, nele se conservasse a “Fábrica de Louça”28.
Na atualidade nada resta do Casão da Atalaia, cuja estrutura terá sido
totalmente demolida no século XX ou ainda na centúria de Oitocentos. A única
representação do casão da Atalaia atualmente conhecida está incluída numa carta
parietal setecentista, da autoria de José de Sande Vasconcelos, na qual o edifício
em causa vai ser identificado com a designação de “Quartéis”29.
O quartel da atalaia
Conforme se explica na inscrição hoje colocada sobre a sua monumental
Porta de Armas, a construção do quartel da Atalaia (um dos mais antigos do país)
terá tido início em 1795, ou seja, no último ano do governo do conde de Val de Reis
e durante o reinado de Dona Maria I (1777-1815). O edifício é constituído por quatro
corpos de formato longitudinal articulados de modo a formar uma ampla Praça de
Armas central, de planta retangular. A fachada principal, virada a norte, é constituída
por um corpo central, de dois pisos, sendo este dominado pela Porta de Armas com
portal de cantaria rematado por epígrafe comemorativa, óculo elíptico e escudo com
as armas reais (com o colar da Ordem de Cristo), dois torreões com telhados de
mansarda nos extremos, e corpos intermédios com um só piso. No piso superior
destacam-se as janelas de peitoril com moldura de recorte setecentista.
Até ao início da segunda metade do século XVIII, não existiu em Tavira
nenhum tipo de aquartelamento militar de natureza permanente. As tropas que
passavam pela cidade acomodavam-se nas casas dos particulares ou em
alojamentos temporários instalados no Campo da Atalaia, junto à ermida de São
Sebastião. A necessidade de avançar com a construção de um aquartelamento terse-á feito sentir logo a partir de 1755, data em que D. Rodrigo António de Noronha e
Idem, Ibidem.
Cf. Marco Sousa Santos, “Tavira: O Casão da Atalaia (1762-1815)”, in Jornal do Algarve n.º 2980, edição de 8 de
Maio de 2014.
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Meneses se transfere para Tavira com as tropas estacionadas em Lagos, mas
sobretudo após a transferência para a cidade do regimento de infantaria de Faro,
nos anos oitenta do século XVIII30. Seja como for, é só durante o governo do conde
de Val de Reis (1787-1795), que avançam as diligências no terreno e tem início a
construção de um aquartelamento, obra cujo projeto terá sido confiado ao coronel
José de Sande Vasconcelos31. O mais antigo testemunho documental do estado das
obras será um levantamento topográfico do Largo da Atalainha encomendado pelo
governador (e executado pelo mesmo José de Sande Vasconcelos), no qual se
demarca o espaço destinado à futura construção (com 535 palmos de comprimento
e 332 palmos de largura)32.
Não obstante o que se afirma na epígrafe colocada na fachada do quartel
(que remeterá para a data de colocação da primeira pedra) as obras terão tido início
em junho de 1794, data em que a Fazenda Pública regista um primeiro gasto de
110.000 réis com a construção dos “Quartéis de Tavira”, provavelmente relacionado
com a preparação do terreno. Até ao final desse ano serão despendidos na obra
998.635 réis, no ano seguinte a quantia de 4.660.330 réis e em 1796 um total de
2.277.132 réis33. Os trabalhos terão avançado a bom ritmo até 1798, data em que as
religiosas do convento do Santíssimo Coração de Jesus da Estrela da cidade de
Lisboa, como donatárias do reguengo de Tavira, o desembargador José Bernardo
da Gama e Ataíde, como dono da Horta d’El Rei, e os Padres do convento de Santo
António de Tavira vão interpor uma ação judicial conjunta com o objetivo de parar as
obras do quartel da Atalaia. Queixavam-se os requerentes que a água da nascente
da Atalaia, que “desde antigos tempos, que excedem a memória dos homens, e por
uma posse nunca interrompida” se utilizava para regar as suas hortas urbanas, tinha
sido desviada para as obras por ordem de José Caetano de Andrade e Castro,
inspetor das mesmas, causando-lhes prejuízo. Acrescentavam ainda os queixosos
que no ano de 1798, por uma “conta menos ingénua” do inspetor se tinha inclusive
interferido na nascente, “rompendo-se a rocha mais para o fundo e para os lados” e
provocando o desaparecimento de “grande quantidade de água, do que resultou o
gravíssimo prejuízo de ficar até ao presente grande parte de cada uma das hortas
sem se poder cultivar nem produzir hortaliças e frutos”. Em agosto de 1799,
enquanto não era resolvida a questão da água, as obras acabam por ser
temporariamente interrompidas34.
Terá sido neste contexto que o então brigadeiro José de Sande
Vasconcelos executa (a modo de relatório) dois desenhos relativos ao quartel de
Cf. Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu Termo – memorando histórico, 1993, p.259.
Cf. José Eduardo Horta Correia, Vila Real de Santo António – urbanismo e poder na política pombalina, 1997,
p.32.
32 BNP, Planta do Largo da Atalainha da cidade de Tavira, cota D-58-R.
33 BNP, Mapa da despesa das fortificações e mais obras do Reino do Algarve, cota D-60-R.
34 AHM, Correspondência do coronel João Austin e de Francisco, bispo, governadores das Armas do Reino do
Algarve, para D. Miguel Pereira Forjaz…, cota PT/AHM/DIV/1/14/092/06 (fundo de folhas avulsas).
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Tavira (incluindo uma planta com as divisões no interior da estrutura), dando conta
do que se encontrava construído e do que faltava ainda construir. A partir da análise
destes dois desenhos é possível perceber que no final do século XVIII, quando as
obras são compulsivamente interrompidas, apenas se encontravam de pé a fachada
Norte, incluindo os torreões e a Porta de Armas, e uma pequena parte do corpo
lateral oriental. Tudo o mais permanecia ainda por construir e a maior parte da área
do pátio central continuava inclusive por desentulhar35.
Não se sabe ao certo durante quanto tempo estiveram paradas as obras do
quartel da Atalaia, mas é provável que a instabilidade provocada pelas invasões
francesas e a consequente partida da corte para o Brasil (1807) tenha dificultado a
progressão dos trabalhos. Seja como for, sabe-se que em 1812 um oficial com a
patente de tenente-coronel vai pedir ao então governador interino, o arcebispo-bispo
D. Francisco Gomes do Avelar, a indispensável licença para ocupar “um quarto
pertencente aos Quartéis que em Tavira se principiaram”, o qual se achava
devoluto, tal como “outros mais dos mesmos Quartéis”. O prelado mostra-se
favorável ao pedido, porque, argumentava na ocasião, “seria muito útil que aquele
principiado edifício” estivesse habitado “nas partes em que está completo”, de modo
a garantir a sua manutenção, porque fechado e desocupado, como estava,
rapidamente se viria a perder36. Deduz-se, portanto, que as obras continuavam
interrompidas e o edifício por concluir.
Na verdade as obras terão permanecido “suspensas e imanentes” pelo
menos até 1815, data em que, perante a alegada iminência do recomeço dos
trabalhos no quartel, as religiosas da Estrela, donatárias das Hortas das Canas e do
Tiro, pedem que se tomem medidas para inibir o inspetor José Caetano de voltar a
“bulir na rocha e nascente de água” da Atalaia, sublinhando-se o facto de existir no
dito quartel “uma grande cisterna com abundância de água, que bem pode servir
para as obras” sem lesar terceiros37.
Não se sabe ao certo quando foram retomados os trabalhos no quartel da
Atalaia. Não obstante, tudo indica que a obra terá avançado de forma lenta,
prolongando-se até ao último quartel do século XX38. Hoje, o quartel continua em
funcionamento, alojando o Regimento de Infantaria nº1.
Cf. AHM, Borrão do quartel do regimento de Tavira Reino do Algarve; Perspetiva do interior do Quartel (de
Tavira).
36 AHM, Carta de D. Francisco Gomes do Avelar para D. Miguel Pereira Forjaz, PT AHM-DIV-1-14-083-15 (fundo de
folhas avulsas).
37 AHM, Correspondência do coronel João Austin e de Francisco, bispo, governadores das Armas do Reino do
Algarve, para D. Miguel Pereira Forjaz…, cota PT/AHM/DIV/1/14/092/06 (fundo de folhas avulsas).
38 Cf. Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu Termo – memorando histórico, 1993, pp. 259 e 260.
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Notas finais
Durante quase oito décadas, entre 1755 e 1834, o governador e capitãogeneral do Algarve vai residir em Tavira, que se assume como a capital políticoadministrativa e militar da região. É nessa conjuntura que se constrói na cidade do
Gilão um conjunto de novos edifícios relacionadas com a administração do reino
(palácio do governador e secretaria do governo) e com a logística militar (casão da
Atalaia, hospital militar e quartel da Atalaia). Todas essas infraestruturas, projetadas
no âmbito de um programa de obras públicas que teve como principal objetivo
transformar Tavira na capital do reino do Algarve, têm em comum o facto de terem
sido principiadas no último quartel do século XVIII e por iniciativa ou sob a
orientação direta do então governador e capitão-general. Algumas tiveram de ser
construídas depressa, o que se acabaria por refletir na qualidade da construção,
mas em todas se procurou aliar ao indispensável caráter utilitário alguma
monumentalidade inerente aos edifícios públicos. Por serem infraestruturas de
grandes dimensões, praticamente todas foram estabelecidas nos limites do então
núcleo urbano, contribuindo desse modo para a expansão da cidade e para a
ocupação de novos espaços nos arrabaldes.
M. SANTOS Tavira enquanto sede do governo do reino do Algarve
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Fontes Manuscritas
Arquivo Distrital de Faro (ADF)
Notariais de Tavira, cota 8-5-361;
Notariais de Tavira, cota 8-6-514;
Notariais de Tavira, cota 8-5-331;
Notariais de Tavira, cota 8-5-352.
Arquivo Histórico Militar (AHM)
Carta de D. Francisco Gomes do Avelar para D. Miguel Pereira Forjaz, PT AHM-DIV-1-14-083-15
(fundo de folhas avulsas).
Carta de D. Francisco Gomes do Avelar para o Príncipe regente, cota PT AHM-DIV-1-14-092-08 (fundo
de folhas avulsas).
Correspondência do coronel João Austin e de Francisco, bispo, governadores das Armas do Reino do
Algarve, para D. Miguel Pereira Forjaz…, cota PT/AHM/DIV/1/14/092/06 (fundo de folhas avulsas).
Correspondência do coronel John Austin para Duarte José Fava, PT/AHM/DIV/1/16/068/45 (fundo de
folhas avulsas).
José de Sande Vasconcelos, Borrão do quartel do regimento de Tavira Reino do Algarve; Perspetiva do
interior do Quartel (de Tavira).
Processo de obras com orçamentos inclusos assinados pelo brigadeiro Duarte José Fava,
PT/AHM/DIV/1/16/100/10.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)
Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira (1765-1769).
Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira (1769-1776).
Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira (1776-1782).
Livro de registo de batismos da freguesia de Santa Maria de Tavira (1803-1808).
Memórias paroquiais da freguesia de Santa Maria de Tavira, vol. 36, nº 26, p. 131 a 138.
Biblioteca Nacional do Brasil(BNB)
José de Sande Vasconcelos, Borrão do alçado da planta de Tavira.
Biblioteca Nacional de Portugal (BNP)
José de Sande Vasconcelos, Planta do plano inferior e alçado do hospital militar de Tavira, cota d-53r_2.
Planta do Largo da Atalainha da cidade de Tavira, cota D-58-R.
Mapa da despesa das fortificações e mais obras do Reino do Algarve, cota D-60-R.
Fontes impressas e Bibliografia
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editora, Lisboa, 2004.
ANICA, Arnaldo Casimiro, Tavira e o seu Termo – memorando histórico, Câmara Municipal de Tavira,
Tavira, 1993.
CORREIA, José Eduardo Horta, Vila Real de Santo António – urbanismo e poder na política pombalina,
Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, Porto, 1997.
Diário das Cortes da Nação portuguesa, Lisboa, 1822.
16
PROMONTORIA Ano 13 Número 13, 2020 - 2021
IRIA, Alberto, Descobrimentos portugueses: O Algarve e os Descobrimentos, volume II, Instituto para a
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IRIA, Alberto, Da importância geopolítica do Algarve na defesa marítima de Portugal nos séculos XV a
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LOPES, João Baptista da Silva, Corografia ou Memória económica, estatística e topográfica do Reino
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MENDONÇA, D. Filipe Folque de, “O primeiro Duque de Loulé – uma personalidade no Portugal de
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MESQUITA, José Carlos Vilhena, O marquês de Pombal e o Algarve – A Fábrica de tapeçarias de
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ROCHA, Manuel João Paulo da, Monografia de Lagos, Algarve em Foco editora, Faro, 1991.
SANTOS, Marco Sousa, “Tavira: O Casão” da Atalaia (1762-1815)”, in Jornal do Algarve n.º 2980,
edição de 8 de Maio de 2014.
M. SANTOS Tavira enquanto sede do governo do reino do Algarve
Figura 1 – D. Nuno de Moura Barreto, 6º conde
de Vale de Reis, governador do Algarve entre
1786 e 1795. (Mendonça, 2005:64)
17
Figura 2 – Francisco de Borja Garção Stockler,
1º barão da Vila da Praia, governador do Algarve
entre 1828 e 1829.
Figura 3 – O palácio dos governadores e a vizinha ermida de Sant’Ana no final do século XVIII.
José de Sande Vasconcelos, Borrão do alçado da planta de Tavira. (BNB)
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Figura 4 – O que resta do antigo palácio dos governadores, no Alto de Sant’Ana.
Figura 5 – Antigas casas da secretaria do governo e
respetivas cavalariças.1795.
Figura 6 – Porta da antiga secretaria
do governo, entre 1828 e 1829.
M. SANTOS Tavira enquanto sede do governo do reino do Algarve
Figura 7 – Projeto de remodelação e ampliação do hospital militar de Tavira (1795).
José de Sande Vasconcelos, Planta do plano inferior e alçado do hospital militar de Tavira (BNP)
Figura 8 – Planta do quartel da Atalaia em finais do século XVIII.
José de Sande Vasconcelos, Borrão do quartel do regimento de Tavira Reino do Algarve (AHM)
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Figura 9 - Representação em perspetiva do quartel da Atalaia em finais do século XVIII.
José de Sande Vasconcelos, Perspetiva do interior do Quartel (de Tavira) (AHM)