Mudança Tecnológica e Polarização do Emprego
no Brasil
Gabriella Rodrigues Rocha (UNIFESP);
Daniela Verzola Vaz (UNIFESP);
resumo: Este estudo analisa a polarização do emprego no mercado de trabalho brasileiro em razão dos
avanços das tecnologias digitais. A metodologia adotada é o Índice de Intensidade de Tarefas Rotineiras
(RTI) proposto por Autor e Dorn (2013). O RTI foi aplicado ao setor da indústria de transformação,
usando-se os microdados da Relação Anual de Informações Sociais para os anos de 2003, 2013 e 2018.
Também foram analisadas as variáveis que influenciam a probabilidade de se desempenhar tarefas
rotineiras, manuais ou abstratas, usando um logit multinomial. Observou-se que a maioria dos grandes
grupos ocupacionais possui valores negativos de RTI, indicando que os empregos se encontram
polarizados. Porém, entre 2003 e 2018 a intensificação da polarização foi baixa. Os resultados do logit
multinomial apontam que as chances de desempenhar tarefas abstratas aumentam quando o trabalhador
possui ensino superior, acumula mais experiência profissional e trabalha em empresas de médio porte.
Progresso Técnico; Indústria 4.0; Mercado de Trabalho; Polarização do Emprego;
Indústria de Transformação.
palavras-chave:
Código JEL: J24
Área Temática: 2.3
Salários, emprego e divisão internacional do trabalho.
Espaço reservado para organização do congresso.
2
1. Introdução
O desenvolvimento tecnológico pode causar múltiplas formas de ruptura, desde mudanças na demanda
por qualificação da força de trabalho até mudanças na estrutura do mercado, com a necessidade de novos
modelos de negócios, novos padrões de comércio e investimento, novas ameaças à segurança (digital)
dos negócios e mais amplos desafios aos processos sociais e até políticos.
Ao longo dos tempos, desde a primeira e a segunda revolução industrial — importantes pela
incorporação das máquinas e pela produção em larga escala —, até a revolução da informatização —
com a introdução das tecnologias de informação —, houve importantes mudanças na estruturação do
mercado de trabalho, resultando na extinção de algumas ocupações, por se tornarem defasadas, e criação
de outras. Em 2011 foi cunhado o termo Indústria 4.0, que diz respeito às transformações causadas pela
fusão de tecnologias que permeiam as esferas física, digital e biológica. Segundo Tessarini e Saltorato
(2018, p. 743-744), “trata-se de um novo modelo de produção, em que máquinas, ferramentas e
processos estarão conectados à internet através de sistemas cyber-físicos, interagindo entre si, e com
capacidade de operar, tomar decisões e se corrigir praticamente de forma autônoma”. Por sua
grandiosidade, a Indústria 4.0 está sendo considerada a quarta revolução industrial, tendo como um dos
seus principais impactos sociais a modificação nas relações de emprego.
O progresso inovativo tem um papel importante tanto para empresas quanto para países, tornandoos competitivos no ambiente capitalista. No entanto, o Brasil investe pouco em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) em relação aos países desenvolvidos. Em 2018, o País ocupou a 64a posição no
Índice Global de Inovação (GII)1, em uma amostra de 126 países. O índice possui 80 indicadores que
abrangem aspectos como ambiente político, capital humano, infraestrutura e sofisticação de negócios.
No quesito desempenho do ambiente de negócios, o Brasil é bastante fraco, ocupando a 110 a posição.
O setor industrial brasileiro, apesar de estar perdendo participação no Produto Interno Bruto (PIB)
nacional, é o 9o maior do mundo, de acordo com o World Economic Forum (WEF, 2018), e responde
por aproximadamente 10% do PIB. O Brasil é um dos principais destinos de investimentos estrangeiros
diretos e investimentos em novas áreas, o que facilita a transferência de conhecimento e tecnologia. A
Confederação Nacional da Indústria (CNI, 2016) afirma que no médio e longo prazo a incorporação das
novas tecnologias é uma estratégia fundamental para o desenvolvimento da indústria e para a
competitividade do País, sendo necessário que se incorpore com rapidez as tecnologias digitais, evitando
que o atraso em relação a alguns dos principais países competidores aumente.
Apesar de, no Brasil, não haver oficialmente uma implementação da Indústria 4.0, existe uma
pequena difusão dessas tecnologias, como aponta a pesquisa da CNI (2016), segundo a qual dentre 29
setores da indústria de transformação e extrativa, 48% possuem uma das onze tecnologias características
da Indústria 4.0.
Cumpre notar, no entanto, que a capacidade da força de trabalho brasileira é limitada em
conhecimentos digitais, engenharia, pensamento crítico e outras áreas. O desenvolvimento digital exige
uma maior qualificação dos trabalhadores. Os trabalhadores não qualificados ou pouco qualificados são
mais predispostos a sofrerem com os custos do desenvolvimento digital, perdendo seus empregos, uma
vez que são mais propensos a não se adaptarem às novas tecnologias e a não se beneficiarem das novas
oportunidades oriundas da transformação digital. Desse modo, a busca por uma inserção mais
competitiva na economia mundial, por meio da Indústria 4.0, poderia ocasionar resultados danosos para
a economia do País, como o aumento do desemprego e a intensificação da polarização do emprego, pois
quanto maior o nível educacional, menor o risco de perda do posto de trabalho.
Para estudar os efeitos da informatização no mercado de trabalho, Autor, Levy e Murnane (2003)
propuseram um modelo para explicar o que os computadores fazem no local de trabalho e como eles
interagem com o trabalho humano, apresentando a hipótese de rotinização. Os autores explicam que a
rotinização se apoia nas hipóteses de que o capital computacional substitui os trabalhadores na execução
de um conjunto de tarefas de rotina e os complementa na execução de tarefas não rotineiras.
A partir dessa literatura, a polarização do emprego vem sendo observada em vários países, como
nos Estados Unidos desde 1980 com os estudos de Acemoglu e Autor (2011) e Autor e Dorn (2013), no
Reino Unido por Goos, Manning e Salomons (2014), na Espanha por Consoli e Sánchez‐Barrioluengo
(2018), em Portugal por Fonseca, Lima e Pereira (2018) e em dez países da Europa Central e Oriental
por Keister e Lewandowski (2016). Além disso, Hardy, Lewandowski, Park e Yang (2018) encontraram
1
O Índice Global de Inovação é organizado pela Universidade de Cornell, pela Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (WIPO) e pela escola de negócios INSEAD. Disponível em:
<https://www.globalinnovationindex.org/analysis-indicator>.
2
polarização em 42 países cobertos pelo Programme for the International Assessment of Adult
Competencies (PIAAC) no período de 2012 a 2014. No Brasil a polarização do emprego tem sido
evidenciada nos trabalhos de Soares Junior (2009), Bressan e Hermeto (2009), Olivieri (2016), Corseuil,
Poole e Almeida (2018), Santos, Vaz e Oliveira (2019) e Sulzbach (2020).
Tendo em vista que as empresas brasileiras estão adotando algumas das tecnologias digitais típicas
da Indústria 4.0, e dadas as evidências de polarização do emprego no país, este estudo tem como objetivo
analisar se a adoção de tecnologias digitais tem intensificado a polarização do emprego no mercado de
trabalho da indústria de transformação brasileira.
A metodologia empregada para a análise consiste no cálculo do Índice de Intensidade de Tarefas
Rotineiras (RTI), proposto por Autor e Dorn (2013). O RTI é aplicado ao setor da indústria de
transformação, usando-se os microdados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para os anos
de 2003, 2013 e 2018.
Além do cálculo do RTI, são analisadas, por meio de um modelo logit multinomial, as variáveis
que influenciam a probabilidade de um indivíduo desempenhar atividades rotineiras, manuais ou
abstratas. Pretende-se, em particular, investigar como fatores como experiência profissional,
escolaridade, tamanho da empresa, localização geográfica e sexo afetam a probabilidade de desempenhar
determinado tipo de tarefa.
O presente trabalho está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção
realiza a revisão da literatura. Na terceira, são descritas a metodologia para construção do RTI e a
estratégia empírica para aplicação do logit multinomial. Na quarta seção os resultados obtidos na
pesquisa são apresentados e discutidos. Por fim, na quinta seção, apresentam-se as considerações finais.
2. Revisão de Literatura
2.1. Polarização do emprego
Autor, Levy e Murnane (2003) formalizam a teoria de que a rápida adoção da tecnologia de computadores
nas empresas — devido ao declínio em seus preços reais — modificou as tarefas executadas por
trabalhadores em seus empregos e a demanda por qualificação da mão de obra, conhecida como hipótese
de rotinização. Os autores explicam que essa abordagem parte de uma série de observações intuitivas de
cientistas sobre as tarefas que os computadores são mais adequados para realizar e como esses recursos
complementam ou substituem as habilidades humanas no local de trabalho. Desse modo, a rotinização
se apoia na hipótese de que o capital computacional substitui os trabalhadores na execução de um
conjunto de tarefas de rotina e os complementa na execução de tarefas não rotineiras.
Assim, Autor, Levy e Murnane (2003) classificam as ocupações em categorias de tarefas rotineiras
— que compreendem a execução de um conjunto limitado e bem definido de atividades que requerem
repetição metódica de um procedimento fixo, podendo ser realizadas por máquinas seguindo regras
programadas explícitas — e não rotineiras — que são aquelas cujos procedimentos são implícitos, não
apresentando regras suficientemente compreendidas para serem codificadas e executadas por máquinas.
Para realizar essa classificação, os autores consideram o conjunto de características ocupacionais, ou
seja, habilidades e requisitos do trabalho, contidos no Dicionário de Títulos Profissionais (DOT)2 dos
Estados Unidos (EUA). Por meio da técnica de análise de componentes principais, cria-se um índice que
sintetiza a intensidade rotineira das ocupações. Então, as ocupações dos EUA, quando considerada sua
classificação ao nível de agregação de três dígitos, são classificadas como rotineiras ou não rotineiras, a
depender do score recebido. São considerados cinco tipos de habilidades na análise:
•
•
•
•
•
Cognitivas de rotina: associadas a definir limites, tolerâncias ou padrões;
Manuais de rotina: correspondentes à destreza dos dedos;
Analíticas não rotineiras: relacionadas ao gerenciamento eletrônico de documentos e
matemática, conhecido como GED MATH;
Interativas não rotineiras: relativas à direção, controle e planejamento;
Manuais não rotineiras: correspondentes à coordenação do olho, mão e pé.
Com o avanço dessa literatura, Acemoglu e Autor (2011) destacam a importância da diferenciação
entre habilidades e tarefas para uma análise mais eficiente dos mercados de trabalho modernos e das
tendências atuais. Assim, a partir da hipótese de Autor, Levy e Murnane (2003), Acemoglu e Autor
2
O DOT contém uma descrição de todas as ocupações dos EUA, com informações sobre as características dos
empregos coletadas no final da década de 1970.
2
(2011) caracterizam o conteúdo da tarefa dos trabalhadores dos Estados Unidos utilizando os descritores
da Occupational Information Network (O*NET). São consideradas as seguintes categorias:
•
•
•
•
Tarefas rotineiras cognitivas: que são atividades como contabilidade e trabalho de escritório e
são caracterizadas como de baixa qualificação.
Tarefas rotineiras manuais: trabalhos repetitivos e de monitorização de linha de produção.
Requerem baixa qualificação.
Tarefas não rotineiras manuais: atividades que exigem reconhecimento visual e interação
pessoal, como secretários e motoristas. Embora simples, exigem habilidades que não podem ser
descritas em um conjunto de regras programáveis, como conhecer o seu próprio corpo, o trânsito
da cidade, decifrar uma caligrafia rabiscada etc., não sendo, portanto, tarefas rotineiras.
Requerem qualificação intermediária.
Tarefas não rotineiras abstratas: exigem capacidade de resolução de problemas, intuição e
criatividade, como um diretor de uma empresa. São tarefas que requerem alta qualificação.
Cabe ressaltar que outras classificações foram desenvolvidas em contraposição à de Autor, Levy
e Murnane (2003), como a proposta por Marcolin, Miroudot e Squicciarini (2016). No entanto, essa
classificação utiliza parte das informações da metodologia de Autor, Levy e Murnane (2003) para abordar
a ligação entre o conteúdo rotineiro das tarefas e a dotação de habilidades da força de trabalho. Sendo
assim, Marcolin, Miroudot e Squicciarini (2016) não conseguem cumprir o objetivo de se afastar da
metodologia de Autor, Levy e Murnane (2003). Cumpre notar que as metodologias mais usadas na
literatura são as de Autor, Levy e Murnane (2003) e de Acemoglu e Autor (2011).
2.2. Evidências anteriores na literatura empírica nacional
A partir da teoria de Autor, Levy e Murnane (2003), as preocupações com os impactos das mudanças
tecnológicas no mercado de trabalho impulsionaram diversas pesquisas, que apresentaram evidências de
polarização do emprego e dos salários, entre outros fatores, em vários países. No Brasil essa literatura
foi abordada nos trabalhos de Soares Junior (2009), Bressan e Hermeto (2009), Olivieri (2016), Corseuil,
Poole e Almeida (2018), Santos, Vaz e Oliveira (2019) e Sulzbach (2020).
Soares Junior (2009) verifica a capacidade do modelo apresentado por Autor, Levy e Murnane
(2003) em explicar o efeito da difusão dos computadores na demanda por tarefas rotineiras e não
rotineiras, no período entre 1985 e 2002. Para isso o autor mensura a demanda por cada tipo de tarefa em
cada ocupação, utilizando as descrições da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e os dados da
Relação Anual de Informações Sociais. A classificação das ocupações segue a tipologia de Autor, Levy
e Murnane (2003) e a padronização de Spitz-Oener (2006). A pesquisa constata o aumento na demanda
por tarefas não rotineiras em função da adoção de computadores no mercado de trabalho brasileiro entre
1985 e 2002, confirmando as proposições de Autor, Levy e Murnane (2003).
Bressan e Hermeto (2009) investigam a polarização do mercado de trabalho brasileiro no período
de 1983 a 2003 em ocupações que exigem processos tecnológicos versus ocupações não-substituíveis
pela tecnologia. Os autores também investigam as diferenças de remunerações, administração de recursos
tecnológicos e habilidades complexas entre homens e mulheres. Utilizando os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), são atribuídos scores às ocupações, classificando-as em
grupos ocupacionais de acordo com a proposta de Autor, Levy e Murnane (2003). Os resultados
confirmam a hipótese de polarização. Além disso, regressões quantílicas para salários mostram um
prêmio associado a ocupações não rotineiras não manuais à medida que se transita para o topo superior
da distribuição de rendimento.
Olivieri (2016) analisa as dinâmicas da diferença salarial entre homens e mulheres no Brasil,
usando dados da PNAD, entre os anos de 2002 e 2013. A CBO é classificada seguindo as descrições de
Funchal e Soares (2013), que, por sua vez, seguem a tipologia baseada em Autor, Levy e Murnane (2003).
A autora constata que as mudanças na demanda por trabalho mudaram a distribuição de tarefas
(sobretudo as não rotineiras) e seus retornos, diminuindo o diferencial salarial por sexo entre 2002 e
2014.
Corseuil, Poole e Almeida (2018) estimam o impacto das tecnologias digitais sobre o conteúdo
das tarefas das ocupações de empregos brasileiros. Através dos dados da RAIS para os anos de 1999 a
2006, os autores discriminam as ocupações da CBO por tipo de tarefa a partir de Acemoglu e Autor
(2011). Os autores concluem que as indústrias intensivas em tecnologia localizadas em cidades com
acesso antecipado à internet reduzem sua dependência relativa de tarefas manuais e rotineiras, e que a
2
adoção de tecnologias digitais altera a composição de habilidades das indústrias e cidades em direção a
tarefas cognitivas e não rotineiras.
Santos, Vaz e Oliveira (2019) analisam a evolução do prêmio salarial associado a trabalhadores
em ocupações com diferentes níveis de requisitos de habilidades no mercado de trabalho brasileiro entre
2006 e 2016. A análise é feita à luz da teoria Skill Biased Technological Change (SBT). Utilizando a
RAIS, os autores classificam as ocupações da CBO em tarefas seguindo a classificação de Oliveira et al.
(2017), que, por sua vez, seguem a metodologia de Autor, Levy e Murnane (2003). Os resultados indicam
uma crescente evolução do prêmio salarial para trabalhadores que desempenham tarefas não manuais e
não rotineiras, tarefas que exigem habilidades cognitivas, analíticas e interpessoais, indo de encontro
com o que aponta a teoria SBTC.
Sulzbach (2020) apresenta três ensaios sobre a polarização dos empregos e dos salários no Brasil.
O primeiro analisa a desigual distribuição por sexo da crescente procura por trabalhadores altamente
qualificados, investigando a importância das competências sociais na crescente probabilidade de
mulheres trabalharem em um emprego bom (good job) no mercado de trabalho altamente qualificado. A
partir disso, a autora discrimina as ocupações da CBO seguindo a metodologia de Autor, Levy e Murnane
(2003) e Deming (2017), usando os microdados da RAIS para os anos de 1994 a 2017. Os resultados
mostram uma relação positiva entre as competências sociais requeridas nas ocupações e a proporção
feminina observada. No segundo ensaio, Sulzbach (2020) apresenta a resolução do puzzle relativo à
polarização dos salários no Brasil, propondo uma forma alternativa de analisar a polarização dos salários
através da estimativa dos preços das tarefas (task price) utilizando dados de painel a nível individual e
os índices de tarefas contínuos de cada ocupação. Nesse ensaio a autora argumenta que a classificação
proposta por Acemoglu e Autor (2011) não é pertinente para o Brasil, pois a agregação de ocupações não
se ajusta adequadamente à intensidade da tarefa, uma vez que a CBO foca mais na especificidade das
funções ocupacionais do que nas competências por elas exigidas. Dessa forma, a partir dos dados da
RAIS para os anos de 2002 a 2014, a autora utiliza índices contínuos para classificação de tarefas de
ocupações, seguindo a mesma classificação do ensaio anterior. Os resultados mostram um aumento
acentuado no retorno das tarefas cognitivas entre os dois períodos analisados (2002-2003-2004 e 20122013-2014), tendo o avanço do preço das tarefas manuais sido mais suave no mesmo período, e o retorno
das tarefas de rotina não se alterado. Essas evidências sugerem a existência de polarização na estrutura
salarial no Brasil, tal como observado em vários outros países. O terceiro ensaio apresenta a tendência
divergente nas mudanças de emprego ao longo da distribuição de salários entre os setores formal e
informal, analisando o impacto do conteúdo das tarefas exigidas por cada ocupação na probabilidade de
um indivíduo ser informal e na diferença salarial entre estes dois setores. A classificação das ocupações
em tarefas foi a mesma utilizada no primeiro ensaio, mas a base de dados utilizada é a PNAD para os
anos de 2003 e 2015. Os resultados mostram que a probabilidade de um indivíduo ser informal está
positivamente correlacionada apenas com as exigências de tarefas manuais.
3.
Metodologia
3.1. Índice de Intensidade de Tarefas Rotineiras (RTI)
O RTI foi desenvolvido por Autor e Dorn (2013) a partir da hipótese de rotinização e considerando as
mudanças tecnológicas como endógenas. Os autores adotam o modelo de Acemoglu e Autor (2011),
incorporando a implicação de que quando a elasticidade da substituição na produção entre o capital
computacional e o trabalho rotineiro é maior do que a elasticidade da substituição no consumo entre bens
e serviços, a trajetória decrescente dos preços dos computadores resulta em queda dos salários dos
trabalhadores de baixa qualificação executando tarefas rotineiras, em relação aos salários dos
trabalhadores de baixa qualificação executando tarefas manuais não rotineiras, enquanto os trabalhadores
de alta qualificação permanecem na produção de bens, causando polarização do emprego. Ou seja, os
autores partem da hipótese de que a polarização é resultado da interação entre as preferências dos
consumidores (aqui os consumidores são os empresários, que demandam mão de obra para a prestação
de serviços em suas empresas, e preferem a variedade em detrimento da especialização) e o custo
decrescente de automatizar as tarefas rotineiras e codificáveis.
Assim, Autor e Dorn (2013) discriminam as ocupações em diferentes níveis de intensidade,
agrupando essas medidas para criar uma medida resumida da intensidade da tarefa de rotina (RTI) por
ocupação, calculada como:
𝑅
𝑀
𝐴
𝑅𝑇𝐼𝑘 = ln(𝑇𝑘,𝑡
) − ln (𝑇𝑘,𝑡
)
) − ln(𝑇𝑘,𝑡
(1)
2
𝑅
𝑀
𝐴
em que 𝑇𝑘,𝑡
, 𝑇𝑘,𝑡
e 𝑇𝑘,𝑡
são, respectivamente, as entradas de tarefa rotineira (R), manual não rotineira (M)
e abstrata (A) em cada ocupação k no ano t. Nessa medida, são criados grandes grupos ocupacionais,
para os quais são analisados o impacto de cada tipo tarefa no valor do índice. O RTI aumenta de acordo
com a importância das tarefas rotineiras em cada ocupação e declina na importância de tarefas manuais
não rotineiras e abstratas.
O índice RTI assume valores baixos na parte inferior da distribuição de habilidades ocupacionais,
em que geralmente predominam as tarefas manuais, e no topo da distribuição de habilidades
ocupacionais, onde prevalecem as tarefas abstratas. A intensidade de rotina tem, assim, forma de U
invertido na habilidade ocupacional. Assim, se a elasticidade da produção exceder a elasticidade do
consumo, aumentam os salários dos trabalhadores de baixa qualificação em tarefas manuais em relação
ao salário das tarefas rotineiras, aumentando os fluxos de trabalho de baixa qualificação para atender as
ocupações na parte inferior da distribuição de habilidades ocupacionais, polarizando as caudas inferiores
das distribuições de salários e empregos (AUTOR; DORN, 2013).
Desse modo, quando o RTI é negativo, as ocupações apresentadas são majoritariamente inerentes
a tarefas manuais não rotineiras e/ ou abstratas, e quando ele é positivo, há maior número de tarefas
rotineiras.
3.2. Caracterização da Amostra
A principal fonte de dados desta pesquisa é a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para os anos
de 2003, 2013 e 2018. A escolha de 2003 se justifica por ser o ano em que entra em vigor a Classificação
Brasileira de Ocupações (CBO) versão 20023. Adicionalmente, também se consideram as transformações
econômicas da China nos últimos 30 anos, conhecidas como China shock. Essas transformações
abrangeram não apenas o rápido crescimento econômico e a acumulação sustentada de capital, como
também grandes mudanças na composição setorial da produção e uma crescente importância dos
mercados e habilidades empresariais. O aumento da competitividade chinesa mudou a intensidade da
competição por produtos dos demais países, levando a uma contração nas indústrias, particularmente
naquelas sujeitas a uma maior exposição à importação. Muitas empresas faliram e as que sobreviveram
tiveram reduções no emprego, sendo os trabalhadores de baixa qualificação os mais afetados. Para
sobreviver, as empresas foram compelidas a ampliar seus investimentos em inovações de produto e
processos. Nessas condições, o mercado de trabalho foi amplamente afetado, o que pode ter contribuído
para a aceleração da polarização do emprego. Já a escolha do ano de 2018 deve-se ao fato de ser o último
ano com dados disponíveis no período de desenvolvimento desta pesquisa. Assim, a comparação dos
anos de 2003 e 2018 permite cotejar os resultados antes e após a emergência da Indústria 4.0, bem como
do China shock. No entanto, devido ao fato de o cenário econômico do Brasil em 2018 ser de recessão,
foi analisado adicionalmente o ano de 2013, pré-crise econômica.
A Indústria de transformação4 é o setor que mais investe em inovação, como aponta a Pesquisa de
Inovação (PINTEC/ IBGE) de 2003 a 2017. O número de empresas que implementaram inovações em
2014 (41.850) aumentou 51,5% em relação a 2003 (27.621), porém entre 2015 a 2017 essa trajetória de
crescimento é rompida e o número de empresas que investiram em inovação cai (34.396) possivelmente
devido à crise econômica vivida no país. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), dentre
3
A CBO reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho
brasileiro. Sua estrutura básica foi criada em 1977, a partir do convênio com a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), e tem como base a International Standard Classification of Occupations (ISCO) de 1968. Com
base na nova metodologia internacional publicada em 1988, a ISCO88, a CBO foi reformulada, e sua nova versão
foi publicada em agosto de 2002, entrando em vigor na base de dados de 2003. É essa comparabilidade entre a
CBO2002 e a ISCO88 que permite que seja feita a classificação das tarefas nas ocupações brasileiras.
4
O setor da Indústria de Transformação é representado por Fabricação de Produtos Alimentícios; Fabricação de
Bebidas; Fabricação de Produtos do Fumo; Fabricação de Produtos Têxteis; Confecção de Artigos do Vestuário e
Acessórios; Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos para Viagem e Calçados; Fabricação
de Produtos de Madeira; Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel; Impressão e Reprodução de Gravações;
Fabricação de Coque, de Produtos Derivados do Petróleo e de Biocombustíveis; Fabricação de Produtos Químicos;
Fabricação de Produtos Farmoquímicos e Farmacêuticos; Fabricação de Produtos de Borracha e de Material
Plástico; Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos; Metalurgia; Fabricação de Produtos de Metal, Exceto
Máquinas e Equipamentos; Fabricação de Equipamentos de Informática, Produtos Eletrônicos e Ópticos;
Fabricação de Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos; Fabricação de Máquinas e Equipamentos; Fabricação de
Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias; Fabricação de Outros Equipamentos de Transporte, Exceto
Veículos Automotores; Fabricação de Móveis; Fabricação de Produtos Diversos; Manutenção, Reparação de
Instalação de Máquinas e Equipamentos.
2
os 29 setores da indústria de transformação e extrativa, 48% possuem uma das dez tecnologias
características da Indústria 4.0. Assim, sendo a indústria de transformação fortemente atingida pela nova
revolução industrial, restringiram-se as amostras apenas para essa classe da Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE) 2.0.
O universo de análise se restringiu a trabalhadores com idade entre 16 e 65 anos, com jornada de
trabalho entre 30 e 44 horas semanais, celetistas com contrato de trabalho por tempo indeterminado em
empresas privadas. A amostra final continha 7.204.643 observações no ano de 2003, 11.405.309 em
2013 e 8.722.812 em 2018.
Após a filtragem de dados cada um dos vínculos empregatícios foi classificado em categorias de
tarefas a depender da ocupação da CBO2002. Para verificar com mais precisão os efeitos das tecnologias
digitais na Indústria de Transformação, a classificação mais adequada é a proposta por Acemoglu e Autor
(2011), criada com base nas competências exigidas para a execução de cada tarefa. Sulzbach (2020), em
seu segundo ensaio, argumenta que a tipologia de Acemoglu e Autor (2011) não se enquadra para a CBO,
pois a classificação brasileira é mais focada nas especificidades das funções ocupacionais em detrimento
das competências exigidas para a execução de uma determinada tarefa. No entanto, assim como a CBO,
a ISCO88 também não é perfeitamente correspondente ao SOC e à tipologia de Acemoglu e Autor
(2011). Diante dessa problemática, Fonseca, Lima e Pereira (2018) propõem um método para refinar a
correspondência entre os códigos SOC e a ISCO88 à luz dessa tipologia.
Fonseca, Lima e Pereira (2018) selecionam os descritores O * NET adotando escalas de
importância entre 1 e 5, aplicando componentes principais nos descritores para reduzir suas dimensões e
encontrar o conteúdo da tarefa, alocando cada ocupação da ISCO88 em sua tarefa predominante, usando
a base de dados de Quadros de Pessoal de Portugal. Os componentes principais são padronizados para
terem um média 0 e desvio padrão 1 para cada medida de tarefa. Os autores associam cada ocupação à
tarefa com maior nível de intensidade, examinando as ocupações nas categorias mais refinadas para
melhorar a correspondência entre os códigos, uma vez que o O * NET é baseado no código SOC e certas
categorias ISCO não oferecem uma correspondência perfeita para o SOC. Assim, os autores conseguem
obter uma agregação exata das medidas para a maioria das ocupações. As ocupações que não têm uma
agregação exata apresentam descrições correspondentes a mais de uma medida, podendo assumir três
categorias [rotineira cognitiva, rotineira manual e não rotineira manual]5). Ou seja, a classificação de
Fonseca, Lima e Pereira (2018) consegue extrair as competências exigidas pelas ocupações da ISCO88,
com correspondência exata da maioria das ocupações com os códigos SOC.
Como foi dito na seção anterior, a CBO2002 possui comparabilidade com a ISCO88, então foi
possível adotar a classificação de Fonseca, Lima e Pereira (2018) para definir as ocupações da CBO2002
em tarefa rotineira (cognitiva ou manual), manual ou abstrata, enquadrando a classificação brasileira à
tipologia de Acemoglu e Autor (2011). A CBO2002 possui uma distribuição mais detalhada das
ocupações do que a ISCO88, contendo 49 subgrupos. Com isso, as ocupações ao nível mais desagregado
de cinco dígitos não seguem uma distribuição em subgrupos idêntica à da ISCO88. Assim, não é possível
fazer a classificação das ocupações ao nível de dois dígitos, sendo usado o nível de desagregação de
cinco dígitos.
Cabe ressaltar que a maioria da literatura combina em uma única categoria todos os trabalhos de
rotina (tarefas rotineiras cognitivas, tarefas rotineiras manuais e tarefas que podem assumir três
categorias). No entanto, em alguns países é importante a separação dessas subcategorias, pois tais tarefas
assumem importâncias diferentes, principalmente as tarefas rotineiras cognitivas nos setores de serviços
e manufatura, como é o caso de Portugal, segundo Fonseca, Lima e Pereira (2018). No caso da indústria
de transformação brasileira, as tarefas rotineiras cognitivas não possuem grande representatividade em
nenhuma dos anos analisados neste estudo. Desse modo, para facilitar a análise, segue-se a maioria da
literatura, unindo-se as subcategorias de tarefas rotineiras e, também, as ocupações que podem assumir
três tipos de tarefas.
3.3. Modelo Logit Multinomial
Além do cálculo do RTI para os subgrupos ocupacionais da indústria de transformação, buscou-se
investigar os fatores que influenciam a probabilidade de o trabalhador executar uma tarefa abstrata,
manual não rotineira ou rotineira. Para tanto, foi adotado o modelo logit multinomial, uma vez que a
variável a ser modelada (o tipo de tarefa) é qualitativa, não ordenada e apresenta mais de dois resultados
5
De acordo com Fonseca, Lima e Pereira (2018), o subgrupo 52 de ocupações da ISCO88 (Modelos, vendedores e
demonstradores) pode apresentar três tipos de tarefas (rotineira cognitiva, rotineira manual e manual). Esse
grupamento guarda correspondência com 11 ocupações da CBO2002.
2
possíveis.
Formalmente, seja a variável aleatória 𝑦, assumindo os valores {0,1, … , 𝐽} para 𝐽 inteiro positivo,
e 𝒙 um conjunto de variáveis condicionantes. O objetivo do modelo é identificar, ceteris paribus, como
as mudanças nos elementos de 𝒙 afetam as probabilidades de resposta, 𝑃(𝑦𝑖 = 𝑗|𝒙𝑖 ), 𝑗 = 0, 1,2 … , 𝐽. O
logit multinomial possui 𝐽 categorias de resposta, mais uma categoria de referência. Assim, existem 𝐽
vetores 𝜷 de parâmetros associados a 𝒙 a serem estimados. Segundo Wooldridge (2010), o modelo é
dado pela seguinte expressão:
𝑃(𝑦𝑖 = 𝑗|𝒙𝑖 ) = 𝐺(𝒙𝑖 𝜷𝑗 )
(2)
em que 𝐺 denota a função de distribuição acumulada de uma variável aleatória logística padrão.
No Quadro 1 apresentam-se as variáveis (dependente e explanatórias) usadas na estimação do
modelo.
Quadro 1 - Variáveis empregadas no modelo logit multinomial.
Nome da Variável
Descrição
Variável dependente
Tipo de tarefa
tipotarefa
mulher
analf_fund_incom
fundamental
superior
Variável omitida:
medio
p_emp
m_emp
g_emp
Variável omitida:
micro_emp
centro_oeste
norte
sudeste
sul
Variável omitida:
nordeste
tempoemprego
id1
id2
Variáveis explanatórias
Dummy de sexo
Trabalhador do sexo feminino
Dummies de escolaridade
Trabalhador analfabeto ou com ensino
fundamental incompleto.
Trabalhador com ensino fundamental
completo ou ensino médio incompleto.
Trabalhador com ensino superior ou pósgraduados (mestrado e doutorado).
Trabalhador com ensino médio completo.
Dummies para tamanho da empresa
Trabalhador em estabelecimento com 20 a 99
trabalhadores.
Trabalhador em estabelecimento com 100 a
499 trabalhadores.
Trabalhador em estabelecimento com 500 ou
mais trabalhadores.
Trabalhador em estabelecimento com até 19
trabalhadores.
Dummies para região
Trabalhador em estabelecimentos localizados
na região Centro-Oeste.
Trabalhadores em estabelecimentos
localizados na região Norte.
Trabalhadores em estabelecimentos da região
Sudeste.
Trabalhadores em estabelecimentos da região
Sul.
Trabalhadores em estabelecimentos do
Nordeste.
Tempo no emprego
O tempo de emprego do trabalhador no
estabelecimento, medido em anos.
Experiência profissional
A idade declarada pelo trabalhador, adotada
como proxy de sua experiência no mercado de
trabalho, medida em dezenas de anos, para
evitar que os coeficientes estimados sejam
muito pequenos.
O quadrado da idade do trabalhador.
Fonte: Elaboração própria.
Tipo de variável
Variável categórica que assume
três possibilidades: rotineira =1,
manual =2, abstrata=3
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Binária
Contínua (anos)
Contínua (dezenas de anos)
Contínua (dezenas de anos ao
quadrado)
2
4.
Resultados
4.1. Análise descritiva dos dados
Após realizar-se a categorização das ocupações em tarefas, foi possível identificar que em todos os anos
analisados a maioria dos trabalhadores realizavam tarefas rotineiras, 55,90%6, 50,58%7 e 49,69%8 em
2003, 2013 e 2018, respectivamente. Em segundo estão os trabalhadores que desempenhavam tarefas
não rotineiras manuais, representando 34,28% em 2003, 38,21% em 2013 e 37,47% em 2018. Nota-se
que em 2013 as tarefas não rotineiras manuais tinham uma participação ligeiramente maior que em 2018,
podendo ser um reflexo da crise econômica do país. Já as tarefas abstratas eram realizadas por 9,82%
dos trabalhadores em 2003, 11,21% em 2013 e 12,84% em 2018. Percebe-se, assim, que as tarefas não
rotineiras manuais e abstratas vêm aumentando sua participação na indústria de transformação entre o
período de 2003 e 2018. Em contrapartida, as tarefas rotineiras, apesar de serem executadas pela maioria
dos trabalhadores, vêm diminuindo sua participação ao longo dos anos, como mostra a Tabela 1, a seguir.
Esses resultados eram esperados, uma vez que vão de encontro com os resultados obtidos pelas pesquisas
citadas na seção 2.2.
Tabela 1 - Distribuição (em %) dos vínculos empregatícios na indústria de transformação segundo tipo
de tarefa desempenhada. Brasil, 2003-2013-2018.
Ano Abstrata Manual Rotineira Total
2003
9,82
34,28
55,90 100,00
2013
11,21
38,21
50,58 100,00
2018
12,84
37,47
49,69 100,00
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS 2003, 2013 e 2018.
Como foi citado na seção 2.1, as tarefas rotineiras são frequentemente realizadas por trabalhadores
de baixa e média qualificação, as não rotineiras manuais por trabalhadores com qualificação
intermediária e as abstratas por indivíduos com alta qualificação. A Tabela 2, a seguir, mostra que até
2013 a maioria dos trabalhadores que executavam tarefas abstratas possuíam o ensino médio: 38,64%
em 2003 e 48,39% em 2013. A partir de 2018 essa situação se inverteu, com os trabalhadores com
diploma universitário tornando-se a maioria daqueles que realizavam esse tipo de tarefa (47,41%).
Quanto às tarefas não rotineiras manuais e rotineiras, os percentuais de trabalhadores com ensino superior
são baixos, mas se verificou um salto de 0,82% e 2,96%, respectivamente, em 2003, para 2,42% e 7,39%,
em 2018. Em 2003, a maioria dos trabalhadores que executavam tarefas não rotineiras manuais e
rotineiras era analfabeta ou tinha fundamental incompleto, representando 44,91% e 34,60% dos
trabalhadores, respectivamente. Já em 2013 a maior parcela dos trabalhadores dessas tarefas possuía
ensino médio completo (48,02% e 53%, respectivamente).
Tabela 2 - Distribuição (em %) dos vínculos empregatícios na indústria de transformação
segundo grau de escolaridade, por tipo de tarefa. Brasil, 2003, 2013 e 2018.
Escolaridade
Abstrata
2003
2013
10,69
3,41
2003
44,91
2018
18,90
2003
34,60
Rotineira
2013
16,51
2018
Analfabetos ou
12,57
fund. Incompleto
Fundamental
17,37
8,81
5,70
32,08
26,75
21,95
33,88
25,62
20,34
completo
Médio completo
38,64
48,39
44,91
22,18
48,02
56,72
28,56
53,00
59,70
Superior completo
33,30
39,38
47,41
0,82
1,07
2,42
2,96
4,87
7,39
Total
100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS 2003, 2013 e 2018.
6
2018
1,98
Tarefa
Manual
2013
24,16
Em 2003, 11,12% dos vínculos empregatícios da indústria de transformação estavam associados a tarefas
rotineiras cognitivas, 42,11% a tarefas rotineiras manuais e 2,55% a tarefas que podiam assumir três categorias
(rotineira cognitiva, rotineira manual e não rotineira manual).
7
Em 2013, 11,08% dos trabalhadores executavam tarefas rotineiras cognitivas, 37,19% tarefas rotineiras manuais
e 2,31% tarefas que assumiam três categorias.
8
No ano de 2018 as tarefas rotineiras cognitivas representavam 11,54% dos vínculos, tarefas rotineiras manuais
35,51% e tarefas que assumiam três categorias 2,62%.
2
O analfabetismo e a evasão escolar sempre foram questões problemáticas no Brasil, e estão ligadas
à falta de escolas, de material escrito, à pobreza, à desigualdade, à marginalização em relação ao mercado,
entre outros fatores. A erradicação do analfabetismo e as condições de permanência dos estudantes nas
escolas foram pauta de várias campanhas do Governo Federal. Em 2001, com a criação do Plano
Nacional de Educação, os índices começaram a ter uma queda mais acentuada. Em 2003, 1,49% dos
trabalhadores da indústria de transformação eram analfabetos, percentual menor em relação ao observado
nos anos 1990. A evasão escolar, porém, ainda era bastante elevada em 2003, com 34,29% dos
trabalhadores da indústria de transformação não tendo concluído o ensino fundamental. Nos últimos anos
os indicadores educacionais avançaram muito, porém ainda falta muito em comparação com outros
países em estágio equivalente de desenvolvimento. Por exemplo, segundo os dados da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)9, na Argentina e no Chile 21,41% e 25,17% da
população, respectivamente, possuía ensino superior completo em 2017. Já no Brasil, em 2018, apenas
16,5% da população brasileira possuía ensino superior e 47,4% havia concluído o ensino médio, de
acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE). Esses
índices educacionais do Brasil refletem-se nos resultados apresentados na Tabela 2, em que apesar da
capacidade da força de trabalho ser limitada em diversas áreas do conhecimento, é notório que em 2018
a diferença dos níveis educacionais nessas tarefas é menor em relação aos níveis dos anos de 2003 e
2013.
Na Tabela 2, além de ser possível identificar uma melhora nos indicadores educacionais, outros
dois pontos chamam atenção. O primeiro é que, em todos os anos, os trabalhadores de tarefas rotineiras
apresentavam escolaridade ligeiramente maior que os de atividades não rotineiras manuais, resultado
diferente do previsto na teoria de Autor, Levy e Murnane (2003). Isso provavelmente ocorre devido à
qualificação dessa tarefa ser mais especificamente ligada à aprendizagem e ao treinamento para o
trabalho. O segundo ponto trata da maior proporção de trabalhadores com ensino médio na execução de
todas as tarefas. Um dos motivos para esse resultado pode ser devido à expansão do ensino médio técnico
ocorrida nos anos 2000. O Decreto nº 5.154/200410, de julho de 2004, permitiu que o ensino médio fosse
integrado ao técnico e com a educação de jovens e adultos incorporado à qualificação e a formação
profissional, denominada essa modalidade de ensino técnico de nível médio. Anos depois, esse decreto
foi transformado na Lei nº 11.741/200811, de julho de 2008, também conhecida como “lei educação
profissional e tecnológica”, instituindo que a educação de jovens e adultos precisava ser vinculada,
preferencialmente, à educação profissional. Com isso, ainda em 2008, foi necessário ampliar essa Lei,
com a Lei n. 11.89212 de dezembro de 2008, para instituir a Rede de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, composta pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, a Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, os Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
do Rio de Janeiro e Minas Gerais (CEFET-RJ e CEFET-MG) e as escolas técnicas vinculadas às
universidades federais. De acordo com os dados do Censo da Educação Básica (INEP/MEC13), em 2003
havia 2.789 estabelecimentos da educação profissional regular e 589.383 pessoas matriculadas. Já em
2018, após as Leis de expansão, o número de estabelecimentos era 6.769 e eram 1.903.230 os
matriculados. A ampliação da proporção de trabalhadores com ensino técnico no Brasil provavelmente
refletiu-se no setor da indústria de transformação, em que trabalhadores com formação técnica podem
desenvolver atividades abstratas.
Cumpre notar, ainda, que a expansão do ensino médio pode ter convertido esse nível educacional
em um sinalizador no mercado de trabalho, independentemente do tamanho da empresa e do conteúdo
da ocupação. Spense (1973) foi um dos precursores da teoria da sinalização 14, desenvolvendo o modelo
9
Para mais informação acesse: <https://doi.org/10.1787/36bce3fe-en>
Regulamenta a educação profissional, prevista no art. 39 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), contidas nas diretrizes curriculares nacionais. Para mais informação
acesse: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5154.htm>
11
Lei nº. 11.741/2008 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/199666, para
redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação
de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Para mais informação acesse:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11741.htm>
12
Inaugura a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Para mais informação acesse:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm>
13
Para mais informação acesse: <http://inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas>
14
Spense (1973) explica que na maioria dos mercados de trabalho o empregador não tem certeza das capacidades
produtivas de um indivíduo no momento em que o contrata. Assim, por essas capacidades não serem conhecidas,
num primeiro momento a decisão é incerta. A teoria da sinalização busca analisar situações em que partes de um
10
2
de equilíbrio de sinalização, em que um equilíbrio pode ser pensado como um conjunto de crenças do
empregador que geram tabelas salariais ofertadas, decisões de sinalização de candidatos, contratações e
novos dados de mercado sobre tempo que são consistentes com as crenças iniciais. O autor considera
como um dos sinais a educação, desenvolvendo o modelo de sinalização educacional15. Diante disso, o
ensino médio no Brasil pode ter se tornado um sinal, crescendo a homogeneidade dos trabalhadores no
que se refere ao nível educacional. Ou seja, a qualificação mínima para se trabalhar passa a ser o ensino
médio, que não reflete necessariamente a produtividade ou o conteúdo da tarefa a ser desempenhada.
Outro fator que pode explicar a grande participação dos trabalhadores com ensino médio em todas
as tarefas é o fenômeno da sobreeducação – que acontece quando a oferta de trabalhadores com nível
educacional mais elevado não está perfeitamente ajustada à demanda. Segundo Reis (2012), à luz da
Teoria de Mismatch, a sobreeducação está associada com informação imperfeita e com os custos da
procura por emprego, resultando em uma combinação inadequada e sub ótima. Ou seja, não há um
matching entre as qualificações demandadas pelas empresas e as oferecidas pelos trabalhadores,
causando desequilíbrio no mercado de trabalho.
Apesar da distribuição das habilidades em cada tarefa apresentar comportamento um pouco
diferente do estabelecido na hipótese de Autor, Levy e Murnane (2003), ainda assim os resultados
confirmam a hipótese das qualificações características de cada tarefa.
A Teoria do Capital Humano busca explicar as diferenças de ganhos de produtividade gerados
pelo fator trabalho na produção. Segundo essa teoria, trabalhadores com alto nível de qualificação
recebem salários maiores em relação aos não qualificados. Partindo dessa premissa, no modelo de Autor
e Dorn (2013) os trabalhadores que realizam tarefas abstratas possuem salários maiores em comparação
aos que realizam tarefas não rotineiras manuais, que, por sua vez, recebem mais do que os que
desempenham tarefas rotineiras. Santos, Vaz e Oliveira (2019), citados na seção 2.2, encontram esses
resultados para o Brasil, em que o prêmio salarial dos trabalhadores que desempenham ocupações de
natureza não manual e não rotineira é maior. Por meio da Tabela 3 percebe-se que os resultados
corroboram, como esperado, as premissas de Autor e Dorn (2013).
Tabela 3 - Distribuição (em %) dos vínculos empregatícios na indústria de transformação segundo
faixas de remuneração média anual (em salários mínimos), por tipo de tarefa. Brasil, 2003, 2013 e
2018.
Faixas de
Remuneração
Tarefa
Abstrata
Manual
Rotineira
2003
2013
2018
2003
2013
2018
2003
2013
2018
0,5 a 1 SM
0,83
1,10
0,84
4,39
4,95
3,50
3,22
5,42
3,67
1,01 a 2 SM
14,46
19,72
19,53
38,40
54,90
57,58
47,66
60,74
61,38
2,01 a 5 SM
28,62
37,08
41,11
42,17
34,38
34,42
36,21
27,45
29,24
5,01 a 10 SM
23,57
22,63
22,55
11,38
4,85
3,90
8,78
4,70
4,41
≥ 10,01 SM
32,52
19,46
15,97
3,66
0,91
0,60
4,14
1,68
1,31
Total
100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS 2003, 2013 e 2018.
100,00
Para uma comparação salarial entre os anos é necessário que os valores sejam deflacionados. O
valor nominal do salário mínimo foi deflacionado utilizando o Índice Nacional de Preço ao Consumidor
(INPC) e adotando-se 2018 como base. Através dos resultados verifica-se que embora em 2013 e 2018
a proporção dos trabalhadores nas faixas salariais mais altas tenha diminuído em relação a 2003, os
salários reais nesses anos são consideravelmente maiores que em 2003. Isso é resultado da política de
valorização do salário mínimo, contribuindo para a redução da desigualdade de renda e salarial.
contrato sinalizam algumas habilidades ou características antes de firmado o contrato. O sinal é uma atividade crível
que prova que um determinado indivíduo tem as habilidades ou característica necessárias.
15
Nesse modelo a educação é medida por uma quantidade escalar, dividida em dois grupos de pessoas: algumas
adequadas para certos tipos de trabalho e outras adequadas para outros tipos. Dada a escala salarial ofertada, os
membros de cada grupo selecionam os níveis ótimos de educação. Assim, os indivíduos buscam maximizar sua
função utilidade escolhendo o nível ótimo de educação, em que qualquer outro nível educacional implicaria custos
adicionais de sinalização sem um correspondente aumento salarial.
2
4.2. Análise do RTI
Como foi dito na seção 3.1, para o cálculo do RTI foram considerados grandes grupos ocupacionais, a
exemplo de Fonseca, Lima e Pereira (2018) e Silva (2018). Os oito grandes grupos da CBO são: Diretores
e executivos, Profissionais e Técnicos, Atividade Administrativa, Serviços Pessoais, Agricultura,
Indústria/ Construção e Artífices, Operadores de Instalação de Máquinas e Trabalhadores de Montagem
e Trabalhadores Manuais Qualificados.
Para um melhor entendimento da operação de cálculo da medida de intensidade da tarefa de rotina,
a Tabela 4 apresenta um resumo esquemático dos componentes constituintes do RTI nos anos de 2003,
2013 e 2018, segundo grupo ocupacional. A tabela também indica se o valor médio da tarefa no grupo
de ocupação é maior (+) ou menor (-) que a média da tarefa em todas as ocupações. Os campos
sombreados indicam o maior valor da tarefa para cada grupo de ocupação.
Tabela 4 - Intensidade de tarefas dos principais grupos de ocupação na indústria de transformação.
Brasil, 2003, 2013 e 2018.
Grandes
Grupos
Ocupacionais
Diretores e
executivos
Profissionais e
Técnicos
Atividade
Administrativa
Serviços
Pessoais
Agricultura
Indústria/
Construção e
Artífices
Operadores de
Instalação e
Máquinas e
Trabalhadores
de Montagem
Trabalhadores
Manuais
Qualificados
Tarefas Rotineiras
Tarefas não
rotineiras Manual
2003 2013 2018
2003
2013
2018
-
-
-
-
-
+
+
+
-
+
+
+
+
+
-
Tarefas Abstratas
RTI
2003
2013
2018
2003
2013
2018
-
+
+
+
-11,83
-12,27
-12,10
-
-
+
+
+
-1,48
-1,73
-1,78
-
-
-
-
-
-
13,40
13,89
13,65
+
+
+
+
-
-
-
0,53
0,53
0,51
-
-
+
+
+
-
-
-
-12,83
-12,82
-12,31
+
+
+
+
+
+
-
-
-
0,23
-0,05
-0,17
+
+
+
+
+
+
-
-
-
2,17
1,75
1,62
-
-
-
+
+
+
-
-
-
-13,68
-14,40
-14,15
RTI médio
-12,89 -13,78
-13,65
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS 2003, 2013 e 2018.
Nota: A tabela indica se o valor médio da tarefa no grupo de ocupação é maior (+) ou menor (-) que a média da
tarefa em todas as ocupações. Os campos sombreados indicam o maior valor da tarefa para cada grupo de
ocupação.
Percebe-se que em 2003 quatro grandes grupos ocupacionais apresentavam valores negativos de
RTI, enquanto em 2013 e 2018 o número de grandes grupos com valores negativos de RTI aumentou
para cinco. Valores negativos de RTI indicam que as ocupações desses grupos são majoritariamente
pertencentes a tarefas manuais não rotineiras e/ou abstratas. Nos grupos Diretores e executivos e
Profissionais e Técnicos predominam, em todos os anos estudados, as tarefas abstratas, com RTI de 11,83 e -1,48, respectivamente, em 2003, -12,27 e -1,73 em 2013, e -12,10 e -1,78 em 2018. Nos grupos
Agricultura e Trabalhadores Manuais Qualificados são as tarefas não rotineiras manuais a maioria, com
RTI de -12,83 e -13,68 em 2003, -12,82 e -14,40 em 2013, e -12,31 e -14,15 em 2018. No grupo
Indústria/Construção e Artífices, nota-se que em 2003 a maioria dos trabalhadores desempenhavam
tarefas rotineiras, tendo assim um RTI positivo de 0,23. Esse cenário, contudo, vem se modificando ao
longo dos anos, já que em 2013 e 2018 a maioria dos trabalhadores passaram a executar tarefas não
rotineiras manuais, apresentando um RTI negativo de -0,05 e -0,17, respectivamente. Quanto aos grupos
Atividade Administrativa, Serviços Pessoais, e Operadores de Instalação e Máquinas e Trabalhadores de
Montagem, os empregos são majoritariamente pertencentes às tarefas rotineiras, apresentando resultados
positivos de RTI de 13,40, 0,53 e 2,17, respectivamente, em 2003; 13,89, 0,53 e 1,75 em 2013; e 13,65,
0,51 e 1,62 em 2018.
2
Através desses resultados nota-se que no decorrer dos anos os valores de RTI diminuíram ainda
mais nos grupos ocupacionais: Profissionais e Técnicos; Serviços Pessoais; Indústria/ Construção e
Artífices; e Operadores de Instalação e Máquinas e Trabalhadores de Montagem. Nos grupos
ocupacionais Diretores e Executivos e Trabalhadores Manuais Qualificados, os valores de RTI se
tornaram mais negativos entre 2003 e 2013, porém em 2018 há um pequeno aumento em relação a 2013.
Já no grupo Agricultura ocorreram aumentos nos valores negativos de RTI de 2003 para 2018. Quanto
ao grupo de Atividades Administrativas, de 2003 para 2013 aumentou seu valor positivo de RTI, e em
2018 ocorreu uma queda em relação a 2013, porém ainda assim o valor é maior em comparação a 2003.
Desta forma identifica-se que na maioria dos grupos ocupacionais com RTI negativo, o valor de RTI em
2013 era menor que em 2018, denotando nesses grupos redução da intensidade da polarização, o que
pode estar associado à crise econômica vivida pelo país e eventual redução de investimento das empresas
em máquinas e equipamentos. Dentre os grupos com RTI negativo, somente Profissionais e Técnicos e
Operadores de Instalação e Máquinas e Trabalhadores de Montagem apresentaram diminuição dos
valores de RTI entre os anos estudados, o que pode ser um indicativo de que esses grupos ocupacionais
sofreram menos com os efeitos da crise econômica.
Um índice de intensidade de tarefas rotineiras inferior implica que a hipótese de rotinização se
confirma, uma vez que a adoção de inteligência artificial reduz o trabalho de tarefas rotineiras e aumenta
a contribuição do trabalho de tarefas não rotineiras manuais nas indústrias, ou seja, indica um
deslocamento de trabalhadores intensivos em tarefas de rotinas (baixa qualificação) para tarefas manuais
não rotineiras. Na Figura 1 é possível ver mais claramente esse resultado, em todos os anos, em que a
intensidade de tarefas rotineiras é mais alta no meio da distribuição de ocupações. Na parte inferior da
distribuição, onde ficam as tarefas manuais não rotineiras e abstratas, percebe-se que a cauda é mais
densa, sobretudo devido a tarefas manuais, indicando que as caudas inferiores da distribuição de emprego
polarizam.
Figura 1 - Densidade do RTI na indústria de transformação. Brasil, 2003, 2013 e 2018.
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS 2003, 2013 e 2018.
Nota-se que a diferença entre os histogramas é praticamente imperceptível, pois de 2003 para 2018
a intensificação da polarização foi baixa, observando-se um RTI médio de -12,89 em 2003, -13,78 em
2013 e -13,65 em 2018. Conforme mencionado anteriormente, o Brasil ainda não adotou uma
implementação oficial da Indústria 4.0, porém as indústrias o vêm fazendo de forma independente.
Através dos resultados percebe-se que as tecnologias características dessa nova forma de produção
adotada pelas indústrias ainda não ocasionaram grandes mudanças na estrutura do emprego no Brasil.
2
As mudanças observadas estão mais associadas à queda do custo do capital computacional, como a teoria
de Autor, Levy e Murnane (2003) citada na seção 2 aponta.
4.3. Análise do Logit Multinomial
Na Tabela 5 são apresentados os resultados do modelo logit, estimado conforme proposto na seção
3.3, para o ano de 2018. A coluna Manual traz a estimativa do coeficiente associado a cada variável
explanatória do modelo, ao se considerar a probabilidade de o trabalhador executar tarefas não rotineiras
manuais, em relação a tarefas rotineiras (categoria de base). Já a coluna Abstrata apresenta os respectivos
coeficientes quando se considera a probabilidade de o trabalhador desempenhar uma tarefa abstrata, em
relação a tarefas rotineiras.
Tabela 5 - Probabilidades calculadas e medidas de qualidade do ajustamento, indústria de
transformação. Brasil, 2018.
Variáveis
Constante
mulher
id1
Manual
Coeficiente
Abstrata
-0,5859458***
Desvio padrão
0,0087201
Coeficiente
Desvio Padrão
-3,0745930***
0,0152297
-1,0260080***
0,0017867
-0,3092032***
0,0025415
0,1705641***
0,0046170
0,5498921***
0,0079844
-0,0029124***
0,0006018
-0,0590178***
0,0010321
analf_fund_incom
0,3547955***
0,0022392
-1,6781610***
0,0071046
fundamental
0,1357745***
0,0019302
-0,9937535***
0,0044103
superior
-1,0834930***
0,0041703
2,0332980***
0,0028094
norte
-0,0443785***
0,0046126
0,2497051***
0,0073138
0,0615470***
0,0023557
0,1885475***
0,0039918
-0,1108529***
0,0025144
0,1028906***
0,0043104
id2
sudeste
sul
0,2145724***
0,0034945
0,1900778***
0,0060684
p_emp
0,0193462***
0,0022003
0,0548560***
0,0036851
m_emp
0,1640897***
0,0022241
0,2755328***
0,0035508
g_emp
0,4035525***
0,0021857
0,2626501***
0,0035780
centro_oeste
0,0001684
-0,0457671***
0,0247459***
N. Observações
8.722.812
Pseudo R2 de McFadden 0.1234
Prob. > chi2
0.0000
Significante a (***)1%(**)5%(*)10%
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS, 2018.
tempoemprego
0,0002207
O resultado do teste chi-quadrado foi estatisticamente significante (p-valor=0,00%), indicando que
os regressores do modelo, em conjunto, têm um efeito significativo na probabilidade modelada. Ou seja,
o conjunto de regressores adotado é congruente para explicar as chances de o trabalhador desempenhar
tarefas rotineiras, abstratas e/ou manuais não rotineiras. Considerando o modelo ajustado, foi verificado
individualmente se as variáveis são estatisticamente significantes, aplicando-se para tanto testes de razão
de verossimilhança (likelihood-ratio test) e de Wald. Ao conduzir ambos os testes para cada variável
explanatória do modelo, verificou-se que, ao nível de significância de 1%, todas as variáveis são
estatisticamente significantes. Cabe ressaltar que o coeficiente de determinação (Pseudo R2) aqui
apresentado corresponde à fórmula de McFadden. Essa medida não pode ser interpretada como a
proporção da variabilidade total da variável dependente explicada pelo modelo (como seria o caso, em
modelos lineares estimados por mínimos quadrados). Dessa forma, mais relevantes em modelos não
lineares, como o logit multinomial, são as significâncias estatísticas das variáveis explanatórias e seus
efeitos marginais (LONG; FREESE, 2014).
Também foi aplicado o teste de Chow para verificar se há quebra estrutural ao se estimar o modelo
em separado para homens e mulheres. A hipótese nula desse teste supõe que não há mudança estrutural,
sendo possível estimar um mesmo modelo conjuntamente para homens e mulheres. O resultado do teste
2
mostrou, ao nível de significância de 1%, que se deve rejeitar 𝐻0 . Assim, há evidências de que o efeito
das covariadas na probabilidade de desempenhar tarefas rotineiras, manuais ou abstratas difere para
homens e mulheres.
Após os testes de ajustamento do modelo, foram estimados os efeitos marginais associados às
variáveis explanatórias do modelo. Assim, é possível quantificar como alterações nas variáveis
explanatórias afetam a probabilidade de um trabalhador desempenhar tarefas rotineiras, manuais não
rotineiras e/ou abstrata. Na Tabela 6 apresentam-se os efeitos marginais considerando-se as categorias
de base das variáveis binárias e os valores médios das variáveis contínuas.
Tabela 6 - Efeitos marginais (em pontos percentuais), indústria de transformação. Brasil, 2018.
Variáveis
Rotineira
Manual
Abstrata
mulher
20,2***
-20,4***
0,2***
id1
-6,1***
1,8***
4,3***
id2
0,3***
0,1***
-0,4***
analf_fund_incom
-4,9***
11,8***
-6,8***
fundamental
-0,4***
5,6***
-5,2***
-10,9***
-30,0***
41,0***
norte
-0,3***
-2,0***
2,3***
sudeste
-2,1***
0,8***
1,3***
1,8***
-3,0***
1,2***
centro_oeste
-5,3***
4,6***
0,7***
p_emp
-0,6***
0,3***
0,4***
m_emp
-4,6***
3,0***
1,6***
g_emp
-9,5***
9,0***
0,5***
0,8***
-1,2***
0,3***
superior
sul
tempoemprego
Significante a (***)1% (**)5% (*)10%
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados da RAIS, 2018.
Os resultados mostram, para as variáveis contínuas (id1, id2 e tempoemprego), o efeito do
acréscimo de uma unidade na probabilidade de o indivíduo desempenhar uma tarefa rotineira, não
rotineira manual e abstrata. No caso das variáveis binárias, o efeito apresentado se refere à variação na
probabilidade prevista quando a binária em questão passa de 0 para 1. Como foi dito anteriormente, é
muito importante avaliar as significâncias estatísticas desses efeitos. Conforme se vê, todos os efeitos
marginais são estatisticamente significantes ao nível de 1%.
Diante dos resultados, identifica-se que, tudo o mais constante, quando o trabalhador é do sexo
feminino, as chances de exercer uma tarefa rotineira aumentam em 20,2 p. p. Em contrapartida, ser
mulher reduz a probabilidade de exercer tarefas manuais não rotineiras em 20,4 p. p. Esse resultado
suscita a hipótese de ocorrência de segregação ocupacional por gênero em tarefas menos valorizadas
socialmente e mais mal remuneradas, como é o caso das tarefas rotineiras.
O efeito marginal associado à idade, adotada como proxy da experiência profissional, indica que
um acréscimo de experiência reduz as chances de o trabalhador desempenhar uma tarefa rotineira e
aumenta as chances de se executar tarefas não rotineiras manuais e abstratas. Esse efeito, contudo, não é
linear. No caso das tarefas abstratas, por exemplo, há um ponto de inflexão a partir do qual o avanço da
idade passa a reduzir a probabilidade de se desempenhar esse tipo de tarefa, sugerindo uma possível
preferência por parte das empresas por trabalhadores relativamente mais jovens.
Quando as variáveis analf_fund_incom, fundamental e superior passam de 0 para 1, o efeito é
negativo nas tarefas rotineiras, isto é, os trabalhadores com essas escolaridades têm suas chances de
desempenhar essa tarefa reduzidas em 4,9 p. p., 0,4 p. p. e 10,9 p. p., respectivamente, relativamente aos
trabalhadores com ensino médio completo, que são a categoria de base. Contudo, indivíduos que não
concluíram o ensino fundamental, ou que possuem apenas esse nível de escolaridade, têm maiores
chances de desempenhar tarefas não rotineiras manuais que os trabalhadores com ensino médio (+11,8
p. p. e +5,6 p. p., respectivamente). Como era de se esperar, trabalhadores com baixa qualificação
possuem menor probabilidade de executar tarefas abstratas. Já para os trabalhadores com ensino superior
o efeito é positivo, aumentando as chances de exercer essa atividade em 41 p. p., em comparação com
um trabalhador que detém apenas o ensino médio.
2
Tudo o mais constante, os trabalhadores das regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste têm menores
chances de desempenhar tarefas rotineiras, em comparação a um trabalhador do Nordeste: residir nessas
regiões reduz tal probabilidade em 0,3 p. p., 2,1 p. p. e 5,3 p. p., respectivamente. Já o efeito da região
Sul é positivo (+1,8 p. p.). Os trabalhadores situados no Norte e Sul possuem menor probabilidade (−2,0
p. p. e −3,0 p. p.) de executar tarefas não rotineiras manuais que os residentes no Nordeste. As chances
de exercer tarefas manuais aumenta na região Centro-Oeste (+4,6 p. p.), bem como na Sudeste (+0,8 p.
p.). Quanto às tarefas abstratas, nota-se que o efeito é positivo para todas as regiões, indicando que no
Nordeste (categoria de base) é menos provável que um trabalhador desempenhe esse tipo de tarefa.
O efeito em todos os tamanhos das empresas é negativo nas tarefas rotineiras, ou seja, os
trabalhadores possuem menores chances de desempenhar essa tarefa quando a empresa é de porte grande
(−9,5 p. p.), médio (−4,6 p. p.) ou pequeno (−0,6 p. p.), em comparação a microempresas. Em se tratando
das tarefas não rotineiras manuais e abstratas, o efeito é positivo para todas as dummies, indicando que
nas microempresas (categoria de base) o trabalhador possui menores chances de desempenhar tais tipos
de tarefas.
Um aumento de uma unidade, ou seja, um ano, no tempo de emprego na empresa possui um efeito
positivo, porém baixo, nas chances de o trabalhador exercer tarefas rotineiras e abstratas, de 0,8 p. p. e
0,3 p. p., respectivamente. Já em se tratando das tarefas não rotineiras manuais, o efeito é negativo (−1,2
p. p.), portanto, ter mais tempo de emprego diminui a probabilidade de executar esse tipo de tarefa.
5.
Considerações Finais
Através dos resultados obtidos nesta pesquisa nota-se que as tecnologias adotadas pelas indústrias de
transformação no Brasil substituem os trabalhadores com baixa qualificação na execução de tarefas
rotineiras e complementam os trabalhadores altamente qualificados no desempenho de tarefas abstratas.
A maioria dos grupos ocupacionais apresentam valores de RTI negativos, ou seja, os vínculos
empregatícios são majoritariamente pertencentes a tarefas abstratas e/ou manuais não rotineiras,
concentrando-se na parte inferior da distribuição de ocupações.
Esse resultado significa que, a partir do modelo de Autor e Dorn (2013), a demanda por tarefas
abstratas e manuais não rotineiras não admite substitutos próximos, porém, as tarefas rotineiras são
substituídas por tecnologias usadas na produção. Isso ocasiona o deslocamento dos trabalhadores das
atividades rotineiras para as manuais. Esse deslocamento se dá devido ao aumento dos salários dos
trabalhadores de baixa qualificação em tarefas manuais em relação ao salário das tarefas rotineiras,
aumentando os fluxos de trabalho de baixa qualificação para atender as ocupações na parte inferior da
distribuição de habilidades ocupacionais, polarizando as caudas inferiores das distribuições de salários e
empregos. Dessa forma, há evidências de que a polarização de empregos no Brasil foi impulsionada pela
tecnologia.
Os resultados do logit multinomial reforçam os aspectos da hipotese de rotinização, indicando que
as chances de desempenhar tarefas abstratas aumentam quando o trabalhador possui ensino superior,
acumula mais experiência profissional e trabalha em empresas de médio porte.
A polarização do emprego na indústria de transformação brasileira se apoia predominantemente
na hipótese de rotinização, uma vez que padrões semelhantes de intensidade de polarização do emprego
podem ser encontrados para países mais avançados (por exemplo, EUA e Alemanha) antes de 1990.
Além disso, não se observa uma diferença substancial no RTI médio entre 2003, 2013 e 2018. Essa
diferença pequena entre os anos estudados indica que as tecnologias digitais características da Indústria
4.0 ainda não provocaram grandes mudanças no mercado de trabalho brasileiro.
Technological Change and Polarization of Employment in Brazil
Abstract: We study the polarization of employment in the Brazilian labor market due to the advances
in digital technologies. The methodology adopted is the Routine Task Intensity Index (RTI) proposed by
Autor and Dorn (2013). The RTI was applied to the Manufacturing industry, using 2003, 2013, and 2018
Annual List of Social Information (RAIS) microdata. We also investigate the variables that influence the
probability of performing routine, manual, or abstract tasks using a multinomial logit model. Results
show that most occupational groups, in all years, have negative RTI values, indicating that jobs are
polarized. However, there is no substantial change in RTI values between 2003 and 2018. The
2
multinomial logit estimates show that the chances of performing abstract tasks increase when the worker
has higher education, accumulates more professional experience, and works in medium-sized companies.
Keywords: Technical Progress; Industry 4.0; Labor Market; Job Polarization; Manufacturing Industry.
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