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UTUSIDA B CIÊNCIAS SOCIAIS Diversidade e percursos de investigação Edições Afrontamento t\TfùT-i 7 13 Introdução ¡ Marta Maia e Pedro Moura Ferreira Capítulo l: Dinâmicas institucionais na construção de respostas à epidemia de SIDA: virtudes, desafìos e limitações do papel das ONGs r Alexandta Lopes 3l Capítulo 2: Respostas institucionais à SIDA: o papel do Estado e das ONGs r Ana Delicado rl¡!!!le i QrÀ;r'-ize¡s¡d VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e percursos de investigação Marta Maia e Pedro Moura Ferreira l i 49 Capítulo 3: Trabalhadoras do sexo no Brasil e em Portugal em tempos de VIIVSIDA: reflexões sobre a atuação de instituições não-governamentais r Luis Junior Costa Sataiva 7l Capítulo 4: Global, local e vice-versa: a política brasileira de HIV/SIDA Cristiana Bastos 89 Capítulo 5: VItVSida e sistema jurídico: incluin não díscriminar, humanizar, ou o modelo de inclusão sem discriminação r Maria do Céu Rueff r09 Capítulo 6: Representações sociais das sexualidades e da prevenção do VIIV /Sida: o caso das proteções imaginárias e simbólicas r Rommel Mendès-Leite 129 Ðdições Afrontamento / Rua Costa Cabral, 859 i- n' ae l¿la'eo.1 i.i.s¡ru r ¡ rìi'ìt'ile ieer! l I t.oi!!'a". {!¡¡¡r"d!;. i oiJtiüù'a" l 4200-225 Potto Biblioteca das Ciências Sociaìs / Sociologia / 91 Capítulo 8: A despistagem do VIH/Sida: razões e representações dos utentes do teste rápido no CAD de Bragança r Fçrnando Bessa Ribeiro e Octávio r577 Sacramento www.edicoesafrontamento.pt i..i-qt".c"c-., I / comercial@edicoesafrontamento.pt 978-972-36-7358-2 147 t75 370528/t4 Rainho & Neves Lda. / Santa Maria da Feira geral@rainhoeneves.pt ; Capítulo 7: Entre saberes e práticas: reflexão sobre o VItVSida entre pessoas r Rita Rodrigues sem-abrigo @ 2014 Edições Afrontamento i E4lc¡-o I ¡ Companhia das Artes - Livros e Distribuiçã0, Lda. comercial@companhiadasartes.pt 189 Capítulo 9: Perceções e práticas em relação ao teste do VIH de utentes do CAD de Aveiro r Marta Maia e Khalid Fekhari Capítulo 10: Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais r Pedro Moura Ferreira e Marta Maia VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e de Multicenter AIDS Cohort Study (I4ACS), XilI International Conference on AIDS,9-14 July 2000, Durban, South Africa. Abstract ThOrC7l9 (disponível em: www.iac2000.org). PAIS, J. M. e CABRAL, M. V., coord. (2003), Condutas de Risco, Prdticas Culturais e Atitudes Perante o Corpo. Resultados de Um Inquérito aos Jouens Portugueses, Oeiras: Celta /lPJ. PEREIRA, H, (2007), Determinantes do risco e implicações para a saúde nas práticas sexuais de homens que têm sexo com homens, AntÍlise Psicológica,25 (3): 517-527. PRESTAGE G.; vAN DE vEN, P. e GRULICH, A. (2000), sexual behaviour during a four-year period within a cohort of australian gay men. XIil Intemational Confererzce on AIDS,9-I4 enr¡nrm Pedro Moura Ferreira e Marta Maia Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais July 2000, Durban, South Africa. Abstract WePeD4768 (disponível em: www.iac2000.org). SACRAMENTO, O. (2005), A masculinidade como ameaça: reflexões antropológicas aplicáveis sobre comportamentos sexuais e doenças sexualmente transmissíveis, num contexto de prostituição, .In Xerardo Pereira e Paulo Mendes (org.), TÞxtos de Antropologia Aplicada, Vila Real: UTAD, pp. 81-110. SHERNOFF, M. (2004), without condoms: unprotected sex, Gay Men & Barebacking, Londres: Routledge. VAN DE VEN, P. et al. (2000),lnternational differences among gay men in HIV optimism and sexual risk behaviour - a report from London, Melbourne, Sydney and Vancouver,XIII International Conferaæe on AIDS,9-14 July 2000, Durban, South Africa. Abstract LbPp105 (disponível em: wwwiac2000.org). vlcroRlNo, R. M. M. (2003), A slDA e as novas pestes,AntÍlise social,38 (166), Lisboa: ICS, 13-33. VIDAL, V. (2002), La petite histoire du préseruatif, Paris: La Découverte & Syros. VILLAAMIL, F. e JOCILES, M. I. R. (2006), Los locales de sexo anónimo como instituciones sociales: Discursos e prdticas ante la preuención g el sexo mtÍs seguro entre HSH, Relatório de Investigação, Instituto de Salud Pública de la CAM / Departamento de Antropología Social de la Universidad Complutense de Madrid. RESUMO O conhecimento do estatuto serológico parece constituir um passo essencial não para evitar a transmissão por desconhecimento da infeção, mas também porque a só realizaçáo do teste reflete igualmente uma atitude preventiva mais assumida que é essencial para a assunção de práticas sexuais protegidas. É por isso fundamental saber responder a duas questões relativas ao teste do VIH - quem o faz e por que o faz -, mas também às mesmas questões em sentido inverso, ou seja, quem o recusa e por que razão. O facto de os dados explorados resultarem de uma amostra representativa da população portuguesa possibilita uma caracterizaçáo mais fundamentada do perfil social dos indivíduos que realizatam o teste e das suas motivações, ao mesmo tempo que permite descortinar os determinantes sociais que predispõem a realizá-lo. INTRODUçÃO O inquérito Sexualídade e Saúde|, realizado em 2007, que constituiu uma vasta inquirição aos comportamentos sexuais dos portugueses, proporcionou um conjunto de dados sobre o teste do VIH que até à data não foi objeto de uma análise sistemáticaz. A (l) Inquérito baseado numa amostra representativa, realizado em 2008, ao abrigo de um colaboração entre a Coordenação Nacional para a Infeção VIH/Sida e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, cujo principal objetivo consistiu em estudar as relações entre os comportamentos sexuais e os comportamentos de risco associados à transmissão do VIH na população residente em Portugal. A população-alvo compreende os indivíduos com idades entre os 18 e os 65 anos residentes em Portu$al continental e a amostra é composta por um total de 3507 entrevistas válidas. (2) Embora o questionário que está na base do inquérito contemple uma série de per$untas relativas I VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e de relativa escassez de estudos sobre a realizaçáo do teste em Portugal, particularmente em amostras representativas da população, justifica plenamente o tratamento e análise desta fonte de dados. É esta a principal contribuição que o presente capítulo procura acrescentar a um livro que explora as condicionantes comportamentais, institucionais e até simbólicas em torno da (não) realização do teste do VIH. A relevância da temática parece óbvia, mas nunca é demais fundamentar. Uma epidemia que não dá sinais de abrandaÉ, que se mantém sob uma forma endémica apeiar dos progressos realizados no conhecimento e no tratamento da infeção, não pode deixar de apelar para o reforço das atitudes e estratégias preventivas enquanto se monitoriza o seu desenvolvimento. O conhecimento do estatuto serológico parece constituir um passo essencial não só para evitar a transmissão da infeção por desconhecimento, mas também porque a realização do teste reflete igualmente uma atitude preventiva mais assumida que é essencial para a assunção de práticas sexuais protegidas. É por isso fundamental saber responder a duas questões relativas ao teste do VIH quer em sentido afirmativo - quem o faz e porque o faz -, quer em sentido inverso, ou seja, quem o recusa e por que razão. O facto de os dados explorados resultarem de uma amostra representativa da população portuguesa possibilita uma caracterizaçáo mais fundamentada do perfil social dos indivíduos que realizam o teste e das suas motivações, ao mesmo tempo que permite descortinar determinantes sociais que predispõem a realizá-lo. A análise aos dados é desenvolvida em três partes que antecedem a conclusão. A primeira apresenta uma leitura das seis questões colocadas no questionário a propósito do teste, desdobrada pelo sexo. A clivagem entre homens e mulheres no campo da sexualidade é uma, para não dizer a principal, das que produzem diferenciações mais significativas, razão pela qual tem sentido conservá-la quando se trata de explorar comportamentos preventivos e riscos sexuais. Quantas às questões colocadas, tratou-se essencialmente de saber a prevalência do teste na população e as razões que motivam a sua realização ou, inversamente, que justificam nunca tê-lo feito. Traça-se, portanto, um quadro geral do seu uso na população portuguesa. A segunda parte analisa possíveis determinantes sociais da despistagem do VIH. Uma justificaçã'o é necessária sobre as variáveis selecionadas, escolhidas entre muitas outras que poderiam eventualmente surgir na análise, mas que foram preteridas a favor de outras consideradas mais relevantes do ponto de vista teórico. As variáveis selecionadas podem ser arrumadas em quatro conjuntos, o primeiro dos quais de do VIH, no livro em que se publicam os resultados da pesquisa não existe nenhum tópico em que estes sejam apresentados e analisados (cf. Ferreira e Cabral, 2010). (3) À exceção dos casos de infeção relacionados com uso de drogas injetáveis, ao a diminuir' Entre I de Janeiro e 31 de Dezembro de 2011, foram recebidas no cuja incidência tem vindo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge 7962 notificações de casos de infeção pelo WH. A categoria de transmissão heterossexual regista 61,70/o dos casos notificados; 26,20/o das notificações referem-se à categoria homo/bissexual e a transmissão associada ao uso de drogas injetáveis corresponde a 9,6%o dos casos (INSA, 2011: b-6). Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais naturezasociográfica. Sexo, idade, instrução, situação conjugal e prática religiosa são cinco variáveis que, segundo o estudo que resultou do referido inquérito (Perreira e Cabral, 2070),revelam uma capacidade preditiva mais significativa em termos de comportamentos sexuais. Este resultado constitui razão suficiente para que se mantenham, pelo menos numa abordagem exploratótia, como é o caso. Bstas variáveis sociográficas estão até certo ponto correlacionadas com o segundo conjunto de variáveis com o qual se pretende dar conta de algumas das dimensões da atividade sexual, ou seja, o número de parceiros no último ano e ao longo da vida e a frequência sexual relativa ao último mês. Por exemplo, o avanço da idade está associado a uma crescente inatividade sexual, pelo que é expectável que os indivíduos mais velhos tendam a não se considerar em risco e, logo, estejam menos motivados para a realizaçáo do teste. Embora a questão crítica seja o uso do preservativo, a intensidade da atividade sexual, especialmente o número de parceiros, pode funcionar como um prox7 da exposição a situações de risco. Com efeito, conforme revelam investi$ações qualitativas (Bognar, 2000; Jociles Rubio, 2004; Maia, 2010; Mendes-Leite, 1995; Paulili e Jeolás, 2005), o uso do preservativo está longe de ser universal e sistemático, e tende a diminuir, senão mesmo a ser abandonado, a partir do momento em que se instala um relacionamento dito de confiança, sem que a situação serológica do parceiro tenha sido despistada. O terceiro conjunto de variáveis refere-se a três indicadores de saúde: a perceção subjetiva do estado de saúde; a existência de doença crónica; ter contraído uma infecom o ção sexualmente transmissível. Bnquanto este último tem uma relação direta risco sexual, os outros dois podem ser úteis na explicação da intensidade da atividade sexual, relação que se pressupõe, evidentemente, ne6iativa. Por último, agrupamos três variáveis que, ao contrário dos outros três conjuntos de variáveis, não se reportam a um domínio unificado. São por assim dizer <determinantes>> soltos, mas que remetem para motivações importantes da ação humana' As três variáveis são: ter receio de poder vir a contrair uma infeção sexualmente transmissível; ter conhecimento sobre os mecanismos de transmissão do VIH; e ter alguém próximo, familiar ou amigo, que tenha contraído o VIH ou morrido de sida. A terceira parte do percurso de análise dos dados passa por determinar através de um modelo regressivo as variáveis que mais impacto exercem na motivação para a realizaçáo do teste do VIH. As variáveis referidas anteriormente têm, evidentemente, reladestacará a influênções entre si, pelo que a consideração simultânea dos seus efeitos, a um conjunto permitindo reduzir de outras, cia de algumas delas em detrimento o estado conhecer mais restrito os determinantes sociais que pesam sobre a decisão de serológico. VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e de FAZER OU NAO O TESTE Segundo os dados do inquérito, quase metade da população (44,80/o) admitiu ter feito o teste de diagnóstico do VIH, embora, como veremos, existam diferenças relativamente à frequência com que este foi realizado ou ao tempo decorrido desde a última vez em que foi realizado (Quadro n.o 1). Antes de se analisar estas diferenças, que terão de ser vistas juntamente com as mudanças que ocorrem ao longo do curso de vida, pois a realização do teste está dependente das posições que nele se ocupam, é também necessário ter em consideração a outra metade do universo que diz nunca ter feito o teste e as razões por que não o fez. Importa igualmente notar que as mulheres admitem fazer o teste mais vezes do que os homens (47 ,40/o contra 42,20/o). Atendendo a que elas têm uma maior cobertura médica, não só devido à maternidade mas também a uma maior preocupação com a saúde (Cabral e Silva, 2009; Carapinheiro, 2006), a diferença entre homens e mulheres ainda que significativa não parece tão dilatada quanto se poderia à partida supor. Uma razáo que ajuda a compreender esta relativa aproximação estará, como adiante se indica, na paternidade como uma das razões para a realização do teste. Embora este seja universal para as mulheres durante a fravidez, os homens, ou pelo menos parte deles, parecem também realizâ-lo. Apesar de mais de metade dos inquiridos nunca ter realizado o teste, isso não significa que recusem fazê-lo. Com efeito, mesmo entre os que nunca o fizeram, a posição maioritária é favorável à realização do teste, embora alguns manifestem algumas dúvidas (250/o), enquanto os restantes expressam uma posição sem reservas (57,70/o). Apenas I7,30/o admite não vir a fazê-\o. Que razões podem levar estes inquiridos a recusar arealização do teste? Arazão principal e quase exclusiva reside no facto de não se considerarem em risco (90,670), aparecendo em segundo lugar, mas a uma longa distância, outras razóes não especificadas (6,570) e, com valores residuais, não saber onde fazer o teste (2,20/o) e o receio de que os outros venham a saber (0,7%). Não havendo mais informação que permita o aprofundamento destas razões, pois o questionário não contemplou mais questões sobre este assunto, resta-nos apenas especular sobre os motivos pelos quais os indivíduos que não fizeram o teste não se consideram em risco. Pode aventar-se que não correm riscos porque se protegem, porque mantêm um relacionamento estável ou ainda porque não têm atividade sexual. Se estes motivos forem relevantes, pode admitir-se que estejam negativamente relacionados com arealizaçáo do teste, aspeto este que será esclarecido, pelo menos em relação aos dois últimos motivos, quando se analisar mais à frente as variáveis que condicionam a decisão de o fazer. A informação disponibili zada é um pouco mais desenvolvida em relação à realização do teste. Número de vezes que o realizou nos últimos cinco anos, última vez qúe o realizou e a razão pela qual o fez, e ainda se teve conhecimento do resultado são as Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais quatro questões colocadas a este propósito.-Relativamente ao número de vezes, quase metade dos inquiridos (47,90/o), sem distinções entre homens e mulheres, afirma que fez oteste uma única vez nos últimos cinco anos, mas a frequência mais elevada, superior a cinco vezes, regiista ainda um valor expressivo (9,80/o), com os homens em destaque. A repetição frequente do teste é assim um comportamento mais caracteristicamente masculino. Esta tendência para a repetição vai a par com o tempo decorrido desde a última vez. Ainda que haja um certo equilíbrio entre os diferentes períodos considerados, o período mais recente (menos de um ano) é mais vezes referido (38,1%) do que os de maior afastamento, o que se compreende tendo em conta precisamente essa tendência de repetição por parte de mais de metade dos inquiridos. Apesar disso, o período acima de cinco anos é ainda consideravelmente referido (16,8%o). A sobreposição entre a repetição e os períodos mais recentes, ou seja, a tendência dos que repetem o teste para assinalar períodos mais recentes, faz com que os homens apareçam também mais representados nestes últimos, enquanto as mulheres referem os períodos mais afastados. Quadro 1: Realização do teste do VIH Homens Fez o teste Nunca fez o teste 42,2 57,8 (n=3457) Ê Mulheres Total 47,4 44,8 52,6 55,5 (t)=9,775; p<o,oj Só os que nunca frzeram o teste (n=1918) Admite fazê-lo Talvez venha a fazë-Io Não admite fazê-lo Razão pela qual nõo pensa realizar o teste Medo que os outros venham a saber 60,8 54,2 22,1 t7,6 t7,t 28,3 f (2)=10,342;P<0,0t t7,3 0,7 1,3 93,7 86,7 Não me considero em risco ,t 5,0 Não sei onde fazê-lo 6,5 Outra razão 57,7 25,0 8,3 90,6 6,5 n.s, Só os que Íizeram o teste (n= 1557) Núrnero de uezes que realizou o teste nos últímos 5 anos Uma vez Duas vezes Entre3e5vezes Mais de 5 vezes 47,9 47,8 23,r 27,0 16,1 18,3 12,9 6,8 f (s)=15,416; p<0,01 47,9 25,1 17,3 9,8 (continua) VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e percursos de Quadro l: o motivo envolvido, praticamente todas as þessoas que fazem o teste têm conhecimento do resultado do mesmo, tornando meramente residual a percentagem dos que Realização do teste doWH kontinuoçao) Mulheres Homens Iltima Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais uez que fez o teste Nas últimas 4 semanas Bntre4semanaselano Entrele2anos Entre3e5anos Há mais de 5 anos 4,0 6,4 37,0 29,5 26,5 24,5 17,2 2r,8 12,9 20,2 (4)=26,819; p<0,001 f Total não são informados (3%o). 5,1 33,0 25,4 16,8 Razão pela qual fez o teste na última vez Dador de sangue Gravidez/Gravidez da parceira Fazer um seguro/empréstimo Exame médico geral Hospitalização Precaução em relação a riscos pessoais/do parceiro Outra razão tto 10,1 16,0 6,1 29,8 18,7 6,1 4,3 5,1 41,0 36,1 38,4 5,2 6,0 5,6 10,2 5,5 7,7 8,5 8,2 8,3 f Foi informado do resultado Não foi informado do resultado (6)=86,128; p<0,001 96,7 J'J DETERMINANTES SOCIAIS DA DESPISTAGEM DO VIH 19,7 97,2 97,0 2,8 3,0 n.s. Quanto aos motivos que levam as pessoas a realizar o teste, os resultados estabelecem uma hierarquia que se subdivide em dois planos, colocando no primeiro os motivos mais frequentes, designadamente as rotinas médicas (38,40/o), a gravidez (18,70/o) e ser dador de sangue (160/o), e, num segundo plano, as precauções em relação a riscos pessoais ou do parcei ro (7 ,7o/o) , a hospitaliza ção (5,60/o) , a necessidad e de fazer um seguro ou contrair um empréstimo (5,10/o) e outros motivos (8,3%o). Esta hierarquizaçáo náo é totalmente idêntica para ambos os sexos. A referência da gravidez é muito mais importante para as mulheres do que para os homens, enquanto estes assinalam mais vezes do que elas a condição de dador de sangue e as preocupações em relação a riscos pessoais ou do parceiro. A hierarquização que decorre da informação disponibilizada, mesmo levando em conta a ligeira variação entre homens e mulheres, revela que o conhecimento do estado serológico para o VIH decorre, aparentemente, mais das rotinas médicas do que dos receios relativos a uma eventual exposição ao risco de infeção, embora se possa admitir que alguns inquiridos tenham eventualmente ocultado esses receios. Segundo estes dados, a despistagem do VIH decorrente de receios relativos ao comportamento sexual não iria além de um em cada dez indivíduos que fazem o teste, afetando uma população mais masculina do que feminina. Seja qual for Apesar de não ser exatamente pelas mesmas razões, o período preferencial para a realizaçáo do teste é, para ambos os sexos, entre os 25 e os 44 anos. Com efeito, cerca de 600/o das respostas afirmativas provêm precisamente de inquiridos nessas idades. É nos extremos do contínuo etário que se observa a maior relutância à realização do teste do VIH. Se no grupo mais velho, de 55-65 anos, o facto de haver apenas 9,9% de respostas positivas pode atribuir-se, por um lado, a uma menor sensibilização e informação relativamente à importância do diagnóstico, e, por outro, ao aumento da inatividade sexual, no grupo mais novo, de 78-24 anos, essa relutância é mais surpreende, porque, sendo uma gieração mais escolarizada e informada, seria de supor uma atitude mais proactiva. Mas tal parece não ser o caso. No entanto, longe de significar uma atitude desprotegiida, a baixa percentagem de respostas favoráveis ao teste (8,9%o) sugere que este não se inscreve nas estratégias preventivas deste grupo etário. Há evidência que o exercício da atividade sexual nestas idades prioriza o uso do preservativo, ainda que o seu uso esteja longe de ser sistemático4, mas esta aparente secundarização do teste pode também decorrer de barreiras institucionais que impedem ou dificultam campanhas de sensibilização para a importância da sua realizaçáo. A este propósito a descrição do papel dos dois CADs descritos neste livros mostra como as condições ins- titucionais em que são realizados os testes fazem diferença no número de utentes. Campanhas proativas, condições atrativas e boa localização predispõem os indivíduos a conhecer o seu estado serológico. (4) Como apontam outros estudos (c/. Figueiras ¿l aL.,2009; Maia, 2009; Martinset a\.,2008; 2010; Ramos et al.;Reis e Matos,2007). (5) Cf. os capítulos de Maia e Fekhari, sobre o CAD de Aveiro, e de Ribeiro e Sacramento, sobre o CAD de Bragança. VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais de e Quadro 1: Realização do teste do VIH Mulheres Homens Sim Não 42,2 Total Idade 57,8 9,7 27,9 29,7 22,3 10,4 18-24 25-34 35-44 45-54 55-65 100,0 Total f Situação conjugal Coabitação Casamento Solteiro c/ relacionamento Solteiro sem relacionamento Total t7,1 2t,6 18,1 2t,7 21,4 100,0 Ø)=78,780; p<0,001 14,7 52,8 16,2 16,3 100,0 f Quadto 1: Realização doieste doYIH þontinuaçdo) Sim f 47,4 Total Não Sim 57,4 15,9 20,3 100,0 ß)=3a,aaL p<0,001 55,5 (1)=9,775; p<o,oj 8,1 18,8 30,4 t7,2 31,3 t7,4 20,7 19,9 9,5 26,6 100,0 100,0 Ë 8,9 17,9 29,2 19,5 30,5 17,8 21,5 20p 9,9 23,9 100,0 100,0 f (4)=23e,e71; (4)=172,432; p<0,001 14,4 5,r 55,7 54,7 13,3 13,0 16,6 27,t 100,0 100,0 f (3)=5e,676; 14,5 5,8 54,3 56,1 74,7 14,5 16,5 23,6 100,0 100,0 f (S)=A&to¿; p<0,001 1." Ciclo Ensino Básico Secundário Superior 100,0 Total f Prdtica religiosa Sem prática religiosa Menos de 1 vez por mês Pelo menos I vez por mês Uma vez por semana Mais de 1 vez por semana Total Já teve relações Nunca teve relações sexuais f 35,3 33,4 3r,2 (t)=21,369; p<0,001 43,2 34,7 p<0,001 22,r 100,0 (s)=tq,¿so; 100,0 f 40,2 28,5 12,4 15,5 3,3 100,0 @=2a,a2a; p<0,001 99,3 95,3 0,7 4,7 f @=5a,7so; p<0,001 Ê 43,8 24,9 15,7 71,4 4,3 100,0 97,9 89,1 2,1 10,9 f (1)=2s,322; 98,6 1,4 p<0,001 100,0 I Frequência de relações sexuaß no último F( 1,31 62)=71, 108; p <0,00 I ano Doença crónica Não tem doença crónica F( 1,323 I ) =2 6,992' p <0,00 Mulheres Sim I Não p <0, 00 I 3,40 3,41 2,96 3,52 3,20 3,64 15,8 13,0 2r.8 19.2 19,0 16,0 84,2 87,0 78,2 80,8 81,0 84,0 f (t)=n.t, f (t)=n.t, f (t)=n.t' 3,90 3,78 3,82 3,63 3,86 3,71 8,9 4,1 91,1 95,9 f (1)=16,723; Conhece alguém infetado pelo VIH ou que Não conhece ninguém infetado pelo VIH ou que morreu com SIDA 8,4 5,4 91,6 94,6 f (1)=12,652; p<0,001 2,33 2,16 2,30 2,14 2,37 38,7 44,9 61,3 55,1 f (t)=6,031; p<0,01 morreu com SIDA Não 1,20 3,75 p<0,001 Receia contrair IST Sim 1,28 7,87 5,49 2,92 1,75 5,20 8,0 6,6 92,0 93,4 f (t)= n,s. Contraiu IST Não contraiu IST F( 1,3 1 86 ) = I 65 t 0 ; Total 32,4 46,5 67,6 53,5 f (1)=s0,512; p<0,001 2,15 35,5 45,7 64,5 54,3 f (1)=32,s0s; p<0,001 34,6 15,4 41,2 18,4 38,1 16,8 65,4 84,6 f (1)=aa,662; 83,2 p<0,01 58,8 f 81,6 (1)=ía,aß; p<0,001 61,9 f (r)=t02,ros; p<0,001 32,7 25,8 15,6 19,8 6,1 100,0 p<0,001 f da vida F(1,2288)=43,768; p<0,00 34,9 22,3 É Ø)=72,a75; p<0,001 I 42,8 (s)=¿s,zss; 39,0 24,3 22,8 22,8 19,1 l9,l 13,8 24,6 5,3 9,2 00,0 100,0 f (4)=64,a6s; lonlo <0,0 Não 1,59 1,33 1,01 0,89 Beijar na boca transmite VIH/Sida Beijar na boca não transmite MH/Sida p<0,001 p<0,001 p<0,001 49,2 27,3 11,8 8,5 3,2 33,8 32,4 33,8 100,0 32,4 42,5 31,5 35,1 36,1 22,5 00,0 100,0 f (s)=31,817; Parceiros ao p Estado subjetivo de saúde Grau de escolaridade 2." e 3.'Ciclos Ensino Básico Parceiros no último ano F( 1'3029 ) =1 7,3 15; p<0,001 6,4 Não 44,8 52,6 Homens Sim 92,3 7,7 (t)=72,; p<o,oo1 p<0,001 (contínua) Seja como for, a maior predisposição para a realização do rastreio, que se situa, como referimos, entre os 25 e os 44 anos de idade, não pode ser desligada da parentalidade, que ocorre maioritariamente durante este intervalo etário, nem da atividade sexual que, segundo os inquéritos à sexualidade (Bajos et al.;Ferreira e Cabral,2010; Herbenick et al. , 2010), tende a ser mais intensa nesta fase do curso de vida. É por isso que a decisão de fazer ou não o teste apresenta forte correlação com a vida conjugal em sentido amplo, abrangendo não só as situações conjugalizadas (casamento e coabitação) mas também os relacionamentos afetivos não coabitantes. Com efeito, a realizaçáo do teste tende a ser mais comum nas pessoas que têm um relacionamento con- 198 VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e de jugal ou afetivo do que as não têm, ainda que entre as primeiras haja também diferenças. Referindo-as, verificamos que o teste está mais presente nos coabitantes do que nos relacionamentos afetivos não coabitantes, e mais nestes do que nas pessoas casadas. Aliás, entre os casados, o número de pessoas que fez o teste é ligeiramente inferior ao número das que não o fizeram (54,30/o e56,70/0, respetivamente). Contribui para este resultado, que aparentemente contraria a relação entre a realizaçáo do teste e a parentalidade, a idade média mais elevada dos casados que se move em sentido contrário, ou seja, a relutância ao teste aumenta com a idade. Apesar destas diferenças, as que se verificam entre os solteiros sem relacionamento são mais significativas: 16,570 respondem afirmativamente e 23,60/o negativamente. São, portanto, estes os mais resistentes ao teste. Importa ainda notar que entre as pessoas sem relacionamentos conjugais ou afetivos, as mulheres surgem com percentagens mais elevadas do que os homens relativamente à não realizaçáo do teste (respetivamente,2T,To/o e 20,30/o), o que poderá estar associado à inatividade sexual, que é superior nas mulheres. Em todo o caso, parece bem evidenciado o facto de a conjugalidade em sentido amplo constituir um catalisador para a realizaçáo do teste. Outro catalisador importante a considerar é a escolaridade, por duas razões: em primeiro lugar, porque a escolaridade permite a formação de cidadãos mais informados sobre a transmissão da infeção e a forma de a prevenir; em segundo lugar, porque a escolaridade está mais associada às gerações mais novas, que, excluindo a geração de IB-22 anos, tendem a estar mais expostas a dois dos fatores mais propensos à realização do teste: a parentalidade e a atividade sexual mais intensa. Com efeito, os resultados são claros: o aumento da escolaridade promove arealização do teste. As diferenças entre os que o fazem e os que não o fazem são claramente favoráveis a estes últimos no grupo de i ì I I I I escolaridade mais baixo (3.'ciclo do ensino básico ou menos), passando-se o inverso no grupo de escolaridade mais alta sem que haja diferenças assinaláveis entre os sexos. Ainda no conjunto das variáveis sociográficas, consideramos a prática religiosa não porque implique uma causalidade direta mas pela relação com a sexualidade. A religião molda o universo da sexualidade desde as atitudes até às práticas sexuais (Ferreira e Cabral,2010; Pais et a(.,2007), pelo que, indiretamente, pode exibir uma relação inversa com a realização do teste. Aparentemente, os resultados vão neste sentido, embora se admita que a relação possa ser causada por intermédio da atividade sexual, que se relaciona inversamente com a intensidade da prática religiosa. A variável responsável seria nesse caso a intensidade da vida sexual e o efeito entre religião e realizaçáo do teste seria intermediado por ela. Em todo o caso, e antes de se analisar o efeito das práticas sexuais que poderão esclarecer esta relação, observa-se que a propensão para a realizaçáo do teste acompanha as tendências da laicidade: quanto menor aprá,tica religiosa, ou a sua ausência, mais a diferença entre os que fazem e os que não fazem o teste aumenta a favor dos primeiros. Por exemplo, nos que se declaram sem prática religiosa, as percentagens são de 43,8o/o e 32,7o/0, respetivamente. Outros fato- Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais res, como a idade ou a baixa escolaridade, mais associados à religião, podem igualmente contribuir para um provável enviesamento da relação em causa. Analisado o conjunto das varáveis sociográficas, passemos a considerar o segundo conjunto composto pelas variáveis que reportam a atividade sexual: o número de parceiros no último ano e ao longo da vida e a frequência das relações sexuais. O pressuposto causal é evidente: uma vida sexual mais intensa, sobretudo no que diz respeito ao número de parceiros, aumenta a exposição ao risco de contrair IST. Não se ignora, evidentemente, que o preservativo constitui a resposta preventiva adequada mas, como revela a literatura (Bajos et al., I99B; Gune, 2008; Iin et a1.,2009; Lagrange, IggT; Shernoff,2004;Van der Pligt, J., 1995), o seu uso está longe de ser consistente, pelo que a propensão para arealização do teste estará relacionada com a intensidade da atividade sexual, apreendida através dos três indicadores referidos. Com efeito, todos eles mostram relações significativas com a realizaçáo do teste. Os que referem tê-lo feito revelam em média mais parceiros sexuais, seja no último ano ou ao longo da vida, e uma frequência mais elevada de relações sexuais no último mês. Este último indicador porque não está tão associado ao risco sexual como a rotatividade dos parceiros sexuais, sugere que a intensidade da atividade sexual é ela própria catalisadora da realização do teste na medida em que poderá estar relacionada com o desencadear de novos relacionamentos ou de projetos conjugais e parentais. Independentemente dos motivos, quer sejam a exposição aos riscos sexuais ou a vontade de conhecer o seu estado serológico para o VIH ou o do seu parceiro, arealizaçáo do teste aparece claramente associada à atividade sexual, o que, atendendo às óbvias conexões com a idade, contribui igualmente para explicar a relação existente entre a idade e a propensão para o realizar. Outro conjunto de variáveis preditoras envolve as questões da prevenção no âmbito mais alargado da promoção dos comportamentos de saúde. De um modo gieral, atitudes preventivas e proativas em relação à saúde surgem não só associadas a uma autoavaliação positiva da condição de saúde mas também a formas de controlo entre as quais se encontra o recurso a rastreios. As autoavaliações positivas devem assim correlacionar-se positivamente com a realizaçáo do teste. Também a existência de determinadas doenças na história clínica dos indivíduos pode conduzir ao diagnóstico do VIH, sobretudo quando eles se encontram sujeitos a tratamentos e à vigilância médica. A existência ou não de doenças crónicas e de IST constituem dois indicadores através dos quais se procura avaliar em que medida a história clínica ou episódios passados podem afetar a predisposição para a realizaçáo do teste. Os resultados confirmam a esperada relação entre o rastreio e a autoavaliação positiva em relação à condição de saúde. Numa escala de avaliação em cinco posições, em que a mais baixa é muito mri e a mais alta muito boa, a avaliação média da condição de saúde situa-se entre o bom e o razotíuel, mas é sempre mais alta entre os que fazem o teste do que entre os que não o fazem, quer nos homens quer nas mulheres, embora eles tendam afazer uma autoavaliação um pouco mais positiva. É, portanto, possível VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e admitir que o rastreio enquanto comportamento de saúde contribua para melhorar 4m Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais de a perceção subjetiva do estado de saúde. No que diz respeito ao impacto da história clínica no diagnóstico do VIH, os resultados são distintos consoante o indicador. No caso da existência de doença crónica, apesar de se verificar que a realização do teste está mais presente entre os indivíduos com uma ou mais doenças crónicas, a relação não parece ser estatisticamente significativa. Bste resultado não surpreende atendendo a que a doença crónica engloba uma grande variedade de doenças sem ou com pouca relação com a transmissão do VIH. Ora esta ausência de relação não acontece no segundo indicador relativo às IST, em que se incluiu naturalmente a infeção por VIH. O facto de os canais de transmissão serem os mesmos permite identificar situações de potencial exposição ao VIH que aconselham a sua despistagem. É exatamente nesse sentido que os resultados parecem apontar quando mostram que as pessoas que contraíram uma IST estão mais representadas no grupo das que fizeram o teste. Há, no entanto, de referir uma distinção importante. Apesar de a relação em causa ser válida para o conjunto da população, ela é apenas significativa devido às mulheres, pois para os homens parece não haver relação entre o facto de contrair uma IST e arealização do teste. Os últimos preditores considerados nesta análise remetem para o papel de três determinantes dos comportamentos: o medo de contrair uma IST; a atitude informada em relação aos mecanismos de transmissão do VIH; e os processos de influência interpessoal. Todos eles criam predisposições psicológicas mais favoráveis ao conhecimento do seu próprio estado serológico, seja como forma de eliminar eventuais ansiedades, seja como consequência da informação que se possui sobre a infeção por vlH, seja ainda por uma consciência cívica reforçada pelo conhecimento direto das consequências da infeção sobre a vida de pessoas próximas. O medo de contrair uma IST foi diretamente perguntado aos inquiridos e os resultados apurados permitem verificar que o receio é sempre superior entre aqueles que dizem ter já feito o teste. o medo da infeção, qualquer que seja a causa, conduz, por prevenção, ao conhecimento do estado serológico. No mesmo sentido parece alinhar o grau de informação sobre a transmissão do VIH. Da bateria de indicadores disponíveis relativos ao conhecimento dos mecanismos de transmissão do vírus, optou-se pelo indicad or beijar na boca transmite/não transmite o VIH/Sida na medida em que a distribuição das respostas é equilibrada, ao contrário do que se verifica nos outros, em que a resposta correta é mais óbvia, sugerindo um maior nível de incerteza ou dúvida. Mesmo assim, os resultados vão no sentido esperado, ou seja, o conhecimento dos mecanismos de transmissão surge mais associado à realização do teste. O mesmo se verifica em relação aos processos de influência interpessoal. Conhecer alguém, parente ou amigo, que tenha sido infetado pelo VIH ou tenha morrido de sida aumenta a motivação para o diagnóstico. É inevitável que entre estes últimos determinantes sociais exista um certo grau de sobreposição. Por exemplo, conviver com uma pessoa infetada ou que tenha morrido de sida pode proporcionar um conhecimento mais aprofundado da infeção; do mesmo modo que o receio pode estimular a procura de informação. Esta possível sobreposição é também extensível a outros determinantes, como a relação entre instrução e informação. Com vista a limitar os efeitos que resultam das inter-relações entre as variáveis e a apurar as que exercem um impacto mais significativo na predisposição para a despistagem do VIH, decidiu-se realizar uma análise de regressão logística com todas as variáveis de modo a ultrapassar as limitações das descrições bivariáveis. Embora o modelo a que se chegou tenha um poder explicativo muito modesto, aponta claramente para que certos determinantes exerçam mais influência do que outros. Através de um processo seletivo em que, tendo em conta as relações que se estabelecem entre elas, as variáveis entram no modelo por ordem decrescente do seu impacto, chegou-se a um conjunto privilegiado de cinco variáveis: conviver ou ter convivido com uma pessoa próxima infetada pelo VIH ou que tenha morrido de sida; frequência sexual no último mês; número de parceiros no último mês; escolaridade; prática religiosa; viver em casal. Com se pode verificar, duas variáveis remetem para a esfera dos comportamentos sexuais e três para o conjunto dos atributos sociodemográficos, em que a variável viver em casal resulta da dicotomização das quatro categorias da situação conjugal (vive em casal/não vive em casal). É também de salientar as variáveis que não figuram no modelo, designadamente todas as que estão relacionadas com a saúde (perceção subjetiva do estado de saúde; existência de doença crónica; ter contraído uma IST), os conhecimentos sobre a transmissão do VIH, o receio em relação à infeção/doença, e as duas variáveis sociográficas sexo e idade. Quadro 3: Determinantes da realização do teste do VIH Variáveis independentes Coefìclentes de re¡lressão e a estatística Wald (entre parênteses) Conhece alguém infetado pelo VIH -0,852*'k* Frequência sexual no último mês -0,279*** (25,516) (12,376) Número de parceiros sexual no último ano -0,100* Bscolaridade -0,318*'r' (5,242) (1 1,834) 0,148* Prática religiosa (5,067) -0,328* Vive em casal (4,243) Nagelkerke R2 71,60/o 925 N P < 0,05; x* p < 0,01; *** p < 0,001 t VIH/SIDA e Ciências Sociais: diversidade e de Procurando explicar o papel das variáveis sociográficas, refira-se em primeiro lugar a conjugalidade. Viver em casal predispõe mais facilmente à despistagem do VIH do que viver fora da conjugalidade, constituindo a gravidez uma das razões óbvias para a realizaçáo do teste, conforme se observou no âmbito da análise bivariável. Menos óbvia é a relação com a prática religiosa: quanto menor, maior a propensão para a realização do teste. Uma explicação possível reside no facto de a laicidade se confrontar com menos constrangimentos morais no domínio da sexualidade, promovendo ou pelo menos facilitando uma atitude mais favorável à realização do teste. Esta atitude aparece também mais disseminada à medida que a escolaridade aumenta. Os dados não sugerem que seja exclusivamente por uma questão de acesso à informação, visto que a variável que mais explicitamente a contempla - o conhecimento dos mecanismos da transmissão - não surple no modelo. É mais provável que resulte da conhecida relação entre a escolaridade e a saúde, isto é, os comportamentos e atitudes promotores de saúde, entre os quais se incluem, naturalmente, os rastreios, tendem a estar mais difundidos na população mais escolarizada. É interessante notar que, se$undo o modelo, as variáveis sØrc e idade náo exercem qualquer efeito relevante, sugerindo que em termos sociográficos a despistagem do VIH estará mais dependente das orientações morais consubstanciadas na prática religiosa, da atitude preventiva promovida pela escolaridade e da parentalidade na medida em que esta está fortemente associada à conjugalidade. O facto de as variáveis sociográficas terem entrado no modelo posteriormente às duas variáveis relativas aos comportamentos sexuais - a frequência sexual no último mês e o número de parceiros no último ano -, indica que estas últimas têm mais impacto na predisposição para a realizaçáo do teste do VIH. No entanto, importa evitar uma interpretação apressada que associe a presença destas duas variáveis a uma maior exposição a riscos sexuais - uma interpretação que exigiria o recurso a variáveis de controlo que não foram contempladas no modelo. Tanto a frequência sexual como o número de parceiros são indicadores que traduzem uma condição sexual ativa, pelo que se pode considerar a inatividade sexual como uma causa dissuasora do rastreio. Por outras palavras, a probabilidade de o fazer aumenta com a intensidade da vida sexual. Conhecer alguém, parente ou amigo, que tenha sido infetado pelo VIH ou tenha morrido de sida é assim a primeira variável a entrar no modelo, constituindo a que mais contribui na motivação para conhecer o seu próprio estado serológico. O contacto direto com a realidade da infeção ou da doença através de pessoas próximas parece constituir um forte catalisador para a realização do teste. Se bem que em alguns casos a motivação possa ser mais pessoal, esse contacto direto põe em causa a ideia de que o risco de poder vir a ser infetado é um risco dos outros, especialmente de grupos estigmatizados por uma razão ou outra. Afinal, a infeção ou a doença ocorre em pessoas próximas com quem se estabelecem vinculações e identificações, pelo que em definitivo deixa de ser um risco apenas dos outros para passar também a ser um Realizar ou não o teste do VIH: razões e determinantes sociais risco individual, no sentido em que afeta aqueles que fazem parte dos nossos grupos de pertença e de referência. É por um processo de influência e de conhecimento interpessoal que o risco de infeção entra nos riscos pessoais com que cada um se confronta na sua vida, tornando o diagnóstico do VIH uma forma de gerir esses riscos. CONCLUSAO A análise realizada permitiu evidenciar alguns resultados. O primeiro destaca o facto de haver uma atitude favorável da populaçã o à realizaçáo do teste do VIH, apesar de um pouco mais de metade dos inquiridos admitir que nunca o fez. A.principal razão que dão tem a ver com o facto de não se considerarem em risco, atitude que é influenciável por atributos socio6¡ráficos, como a idade. Aliás, numa perspetiva bivariável, existem múltiplas variáveis relacionadas com a sua realização, não só de natureza sociográfica, como, além da idade, a educação ou a prática religiosa, mas também dos outros conjuntos de variáveis considerados que remetem para o domínio sexual, para o estado de saúde ou para o que designamos por motivações importantes da ação humana, como a influência comportamental que resulta da interação com os outros, do conhecimento sobre a infeção ou do medo de poder vir a contraí-la. Apesar destas múltiplas relações significativas, outro resultado a destacar resulta do modelo regressivo desenvolvido que, expugnando as influências recíprocas das variáveis , fez emergir um núcleo reduzido de variáveis cujos efeitos sobre a predisposição para a realizaçáo do teste seriam os mais significativos. Neste sentido, a influência comportamental que decorre do contacto direto com pessoas próximas infetadas ou doentes, a vida sexual ativa e algumas variáveis sociográficas, designadamente a escolaridade, a religião e a conjugalidade, constituiriam, segundo o modelo, as determinações sociais a ter em conta para se com- preender a motivação que leva as pessoas a fazer o teste do VIH. REFERÊNCIAS BIBTIOGRÁFICAS BAJOS, N.; BOZON, M. e BELIZER, N. (orgs.) (2008), Enquête sur la sexualitó en France. Pratiques, genre et santé,Paris: La Découverte. BAJOS, N.; BOZON, M.; FERRAND, A.; GIAMI A. e SPIRA, A. (eds.) 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O estudo concreto que serviu de referência ao seu contributo foi desenvolvido no âmbito da prepara$o da sua dissertação de mestrado no final da década de 90. Publicou diversos artigos sobre essa temática. [aslopes@letras.up'pt] ANA DELICADO Ana Delicado é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Socióloga, doutorada pela Universidade de Lisboa, foi bolseira de investigação do Observatório das Ciências e Tecnologias (1997-2001), bolseira de pós-doutoramento do Institute for Prospective Technological Studies - European Commission, em Sevilha (2006), bolseira de pós-doutoramento no ICS-UL (2007-2009).Trabalha principalmente na área dos estudos sociais da ciência. Desenvolveu investigação sobre orp¡anizações não-governamentais e voluntariado, riscos ambientais, museus de ciência e cultura científica e a mobilidade internacional dos cientistas. Está atualmente envolvida em projetos de investigação sobre alterações climáticas, associações científicas, o uso da internet pelas crianças, o nuclear em Portugal. [ana.delicado@ ics.ul.ptl