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Marcos Wachowicz Coordenador ISBN 978-85-67141-36-7 As publicações do GEDAI/UFPR são espaços de criação e compartilhamento coletivo. Fácil acesso às obras. Possibilidade de publicação de pesquisas acadêmicas. Formação de uma rede de cooperação acadêmica na área de Propriedade Intelectual. UFPR – SCJ – GEDAI Praça Santos Andrade, n. 50 CEP: 80020-300 - Curitiba – PR E-mail: gedai.ufpr@gmail.com Site: www.gedai.com.br Prefixo Editorial: 67141 GEDAI/UFPR Conselho Editorial Allan Rocha de Souza – UFRRJ/UFRJ Carla Eugenia Caldas Barros – UFS Carlos A. P. de Souza – CTS/FGV/Rio Carol Proner – UniBrasil Dario Moura Vicente – Univ. Lisboa/Portugal Francisco Humberto Cunha Filho – Unifor Guilhermo P. Moreno – Univ. Valência/Espanha José Augusto Fontoura Costa – USP José de Oliveira Ascensão – Univ. Lisboa/Portugal J. P. F. Remédio Marques – Univ. Coimbra/Port. Karin Grau-Kuntz – IBPI/Alemanha Leandro J. L. R. de Mendonça – UFF Luiz Gonzaga S. Adolfo – Unisc/Ulbra Márcia Carla Pereira Ribeiro – UFPR Marcos Wachowicz – UFPR Pedro Marcos Nunes Barbosa – PUC/Rio Sérgio Staut Júnior – UFPR Valentina Delich – Flacso/Argentina Capa (imagem e diagramação): Gabriel Wachowicz Projeto gráfico: Sônia Maria Borba Diagramação: Bruno Santiago Di Mônaco Rabelo Revisão: Luciana Reusing, Pedro de Perdigão Lana, Bibiana Biscaia Virtuoso, Alice de Perdigão Lana, Heloísa G. Medeiros, Magna Knopik e João Victor Vieira Carneiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626 N945 Novos direitos intelectuais: estudos luso-brasileiros sobre propriedade intelectual, inovação e tecnologia / coordenação de Alexandre Libório Dias Pereira, Marcos Wachowicz, Pedro de Perdigão Lana– Curitiba: Gedai, 2019. 202p.; 23 cm ISBN 978-85-67141-36-7 [versão eletrônica] ISBN 978-85-67141-37-4 [impresso] 1. Propriedade intelectual. 2. Robôs. 3. Direito autoral. 4. Sociedade da informação. I. Pereira, Alexandre Libório Dias (coord.). II. Wachowicz, Marcos (coord.). III. Lana, Pedro de Perdigão (coord.). CDD 346.048 (22.ed) CDU 347.77 Esta obra é distribuída por meio da Licença CreativeCommons 3.0 Atribuição/Uso Não Comercial/Vedada a Criação de Obras Derivadas / 3.0 / Brasil Alexandre Libório Dias Pereira Marcos Wachowicz Pedro de Perdigão Lana Coordenador NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: ESTUDOS LUSO-BRASILEIROS SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL, INOVAÇÃO E TECNOLOGIA Curitiba 2019 PREFÁCIO O livro que se apresenta aos leitores é fruto da rede de pesquisa formada por juristas portugueses e brasileiros da Universidade de Coimbra/ Portugal e da Universidade Federal do Paraná, que compartilham experiências, conhecimentos e ousadia. A criação de uma rede luso-brasileira de pesquisa que foi estabelecida na área do Direito da Propriedade Intelectual, inovação e tecnologia é fruto de um esforço de internacionalização de nossa Universidade, que agora culmina, com a publicação deste livro. É fundamental compreender que os direitos intelectuais, a inovação e tecnologia não são compartimentos fechados, mas antes, são dimensões inerentes a toda a sociedade e nesta profundamente interligadas. Os avanços tecnológicos trouxeram novos desafios para o direito em vista da necessidade de proteção das pessoas e suas relações em todas as diferentes esferas de convívio, mas não só. As novas Tecnologias da Informação e Comunicação criam, a todo o momento novos bens intelectuais que ainda estão para receber um tratamento jurídico adequado.Os desafios que se apresentam aos estudiosos do direito é perceber as transformações sócio-tecnológicas e trabalhar na formulação de conceitos que projetem para o futuro uma sociedade mais justa e democrática. A compreensão de uma sociedade sistêmica, tecnologicamente complexa cuja velocidade de inovação e transformação social é sem igual na história da humanidade, requer um pensamento jurídico que compreenda os diversos contornos dos bens intelectuais na sociedade contemporânea. O século XXI traz um novo paradigma tecnológico organizado a partir da informação, que gerado no meio digital é suscetível de acesso, difusão e compartilhamento, assim como as funções reservadas ao ambiente da Tecnologia da Informação que vão, além de digitalizar, armazenar, interligar computadores em todo o planeta, mas também tornar acessível o conhecimento humano na medida em que disponibilizam uma base de informação que se amplia. Assim, as informações armazenadas em bases de dados, arquivos ou museus possuem a capacidade potencial de produzir conhecimento, o que se efetiva a partir de uma ação de comunicação mutuamente consentida entre a fonte e o receptor. Desse modo, não é possível prever se a informação-potencial vai gerar ou não informação no indivíduo receptor. As relações de equivalência física entre informação e documento se desvinculam quando se estabelece uma nova identidade da informação com o domínio do quantitativo e da probabilidade, quando se desvincula a informação de seu suporte físico obrigatório, transportando-a por um via digital. Trata-se de fazer emergir um novo pensamento jurídico capaz de compreender as novas tecnologias e, simultaneamente, de fazer nascer uma nova concepção da ciência que conteste e perturbe as fronteiras estabelecidas, as pedras mestras dos paradigmas teóricos e da própria instituição científica. Por último, aproveito para agradecer o amável convite para prefaciar esta obra e felicitar os respectivos coordenadores Alexandre Libório Dias Pereira, Marcos Wachowicz e Pedro de Perdigão Lana assim como aos seus laboriosos autores. Curitiba, Outubro/2019 Profa. Dra. Vera Karam de Chueiri Diretora da Faculdade de Direito da UFPR Coordenadora do Centro de Estudos da Constituição (CCONS/PPGD/UFPR) Pesquisadora do CNPq SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 9 EIXO 1 Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias ROBÔS E PROPRIEDADE INTELECTUAL: análise de direito comparado da legislação portuguesa e brasileira sobre a proteção do software executado por robôs e de obras geradas por inteligência artificial ..................................................................................................................... 15 Alexandre Libório Dias Pereira Heloísa Gomes Medeiros A AUTORIA DE OBRAS TUTELÁVEIS PELO DIREITO AUTORAL POR APLICAÇÕES DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO BRASILEIRO E PORTUGUÊS ............................................................................................................. 35 Lukas Ruthes Gonçalves Pedro de Perdigão Lana A EFETIVIDADE DA SOLUÇÃO DO CONSENTIMENTO NA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS ....................................................................................................... 63 Alice de Perdigão Lana Érica Nogueira Soares d’Almeida BLOCKCHAIN E OS DESAFIOS DE ESCALABILIDADE À SOCIEDADE INFORMACIONAL: por uma revisão tecno-jurídica e de cooperação ...... 81 Rangel Oliveira Trindade EIXO 2 Propriedade Intelectual e Inovação GESTÃO COLETIVA DE DIREITOS AUTORAIS: breves apontamentos acerca do sistema brasileiro e português ..................................................... 97 Marcos Wachowicz Bibiana Biscaia Virtuoso A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS CRIAÇÕES DE MODA: análise comparada entre o Direito Português e Direito Brasileiro ................................ 119 Bruna Homem de Souza Osman Nídia Simões Cristino UMA ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE ANTE AS PRÁTICAS DESLEAIS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO DIREITO LUSO-BRASILEIRO ................... 153 Luciana Reusing Vinicius de Holanda Costa OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO AMBIENTE VIRTUAL ................................................................................ 177 Bruna Ribeiro dos Santos Titoneli Berco Áthilla S. da Silva O DIREITO DE AUTOR ENTRE O INTERESSE PRIVADO E O INTERESSE PÚBLICO............................................................................................................................. 189 Carolina Costa APRESENTAÇÃO É com muita satisfação que publicamos essa a obra coletiva, depois de meses de trabalhos conjuntos realizados entre os pesquisadores de Mestrado/Doutorado da Universidade de Coimbra (UC/´PORTUGAL) e os pesquisadores do Grupo de Pesquisa de Direito Autoral e Industrial da Universidade Federal do Paraná (GEDAI/UFPR), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFPR). O projeto de pesquisa que culmina com a publicação em livro foi concebido e organizado por Marcos Wachowicz, Alexandre Libório Dias Pereira e Pedro de Perdigão Lana. Em especial, destacar a iniciativa e convite do professor conimbricense Alexandre L. Dias Pereira para promover atividades do GEDAI/ UFPR, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o que acabou resultando neste livro. Apesar da notória proximidade entre a legislação e cultura jurídica do Direito Intelectual português e brasileiro, existiam poucas obras comparativas na área. A presente obra coletiva busca suprir esta lacuna nos textos acadêmicos. Tal escassez era ainda mais curiosa considerando a acentuada influência mútua entre os juristas desse ramo do direito, visível principalmente na histórica contribuição do português José de Oliveira Ascensão, e da grande quantia de estudantes brasileiros que pesquisam propriedade intelectual nas diferentes universidades do território lusitano. É para esses que a presente obra se volta, buscando oferecer um suporte inicial na jornada dos jovens acadêmicos internacionais de língua portuguesa, explicitando alguns pontos de proximidade e distanciamento no ordenamentos dos dois países, abrindo caminho para análises comparativas mais amplas. Esperamos, dessa forma, estimular o diálogo entre esses sistemas jurídicos, apontando questionamentos e soluções que um pode trazer ao outro, como a maior influência das perspectivas norte-americanas no Brasil e das discussões e normas da União Europeia em Portugal. Seguimos nessa coletânea de artigos um dos principais objetivos assumidos pelo GEDAI, de estímulo e inserção de novos pesquisadores no 10 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | MARCOS WACHOWICZ | PEDRO DE PERDIGÃO LANA – COORDS. mundo acadêmico, publicando artigos não só de professores mas também de autores de nível de graduação, mestrado e doutorado, sobre temas contemporâneos da propriedade intelectual e novas tecnologias – problemáticas que hoje estão no olho do furacão dos debates jurídicos como um todo. Assim a presente obra foi estruturada a partir de dois eixos temáticos, a saber: EIXO 1: Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias EIXO 2: Propriedade Intelectual e Inovação Ao apresentar sinteticamente os textos dentro dos eixos temáticos se percebe a existência de um encadeamento lógico das ideias e das correlações existentes entre o direito português e brasileiro. Em primeiro, os professores Alexandre Dias Pereira e Heloísa Gomes Medeiros abordam a tutela jurídica dos programas de computador, com foco naqueles executados por robôs (programas de computador executando programas de computador) e outros reflexos na propriedade intelectual. Em segundo, Pedro de Perdigão Lana e Lukas Ruthes Gonçalves investigam a tutela por direito autoral de obras geradas por inteligência artificial, aprofundando o tema pincelado no penúltimo capitulo do artigo anterior. Partem de uma discussão dogmática, pensando em como esses direitos existiriam sob as normas já estabelecidas, finalizando com alguns apontamentos valorativos sobre o tema. Em terceiro, o leitor encontrará uma abordagem sobre alguns dos principais conceitos e problemas relativos à proteção de dados no sistema brasileiro e português/europeu. O artigo é escrito por Erica Nogueira Soares D´Almeida e Alice de Perdigão Lana, que apresentam uma sólida crítica ao paradigma do consentimento que está na base de diversas legislações sobre dados pessoais. Em quarto, Rangel Oliveira Trindade escreve sobre a tecnologia blockchain, sob a perspectiva de sua escalabilidade, revisão técnica jurídica e alianças de cooperação, se referindo à Aliança Portuguesa de Blockchain como um exemplo a ser seguido pelo Brasil. Em quinto, Bibiana Biscaia Virtuoso e Marcos Wachowicz revisitam um tema já tradicional do direito autoral, mas cuja crítica permanece pertinente. A Gestão Coletiva de direitos autorais já foi largamente modificada pelo adventos dos meios digitais, e novas investigações dogmáticas sobre o tema servem como base para pensar no papel das EGCs diante das mais recentes tecnologias. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS Em sexto, Bruna Homem de Souza Osman e Nídia Simões Cristino contribuíram com detalhada análise comparativa sobre a proteção pelo direito da propriedade intelectual das criações da moda. As autoras explicitam as diferenças criativas no mundo do design, aliando a abordagem estritamente jurídica com uma reformada histórica da construção de valores e conceitos de propriedade intelectual nesse contexto. Em sétimo, Luciana Reusing e Vinicius de Holanda Costa partem de uma abordagem eminentemente legal do instituto de concorrência desleal, ressaltando a proximidade do sistema português e do brasileiro. O detalhamento das leis relevantes serve como base para evidenciar a aplicação dessas regras no comercio eletrônico e na responsabilização dos infratores. Em oitavo, Bruna Ribeiro dos Santos Titoneli Berco e Áthilla S. da Silva fazem, em sucinto artigo, uma análise teórica sobre a possibilidade e legitimidade da responsabilização civil relativa a ilícitos cometidos na internet. Em nono, Carolina Costa aborda, pela ótica portuguesa, o conflito entre o interesse público e privado no Direito de Autor. Essa eterna tensão serve como fundamento desse conjunto de normas, explicando a maior ou menor força dos limites e exceções a depender dos valores constitucionais de determinado país. Esse artigo fecha o livro por uma boa razão. A referida tensão, tão clássica na doutrina, deve ser constantemente relembrada nas transformações estimuladas ou impostas pelas novas tecnologias. Pra se pensar no futuro, não podemos esquecer dos fundamentos. Pouco adiantam os estudos aprofundados sobre as situações que estão por vir, se no caminho esquecemos dos pilares e colunas que sustentam e estruturam os complexos edifícios que estão sendo construídos. Uma ótima leitura, e que você, caro leitor, encontre nesses textos respostas de algumas das muitas dúvidas que possa ter sobre propriedade intelectual, inovação e tecnologias contemporâneas. Ou, pelo menos, que encontre algumas interessantes novas perguntas. Novembro/2019 Marcos Wachowicz Alexandre Libório Dias Pereira Pedro de Perdigão Lana 11 EIXO 1 Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias ROBÔS E PROPRIEDADE INTELECTUAL: análise de direito comparado da legislação portuguesa e brasileira sobre a proteção do software executado por robôs e de obras geradas por inteligência artificial Alexandre Libório Dias Pereira1 Heloísa Gomes Medeiros2 1 INTRODUÇÃO O robô é uma máquina que opera de maneira automática, cujas funcionalidade, mobilidade e capacidade de comunicação e aprendizagem variam consoante os modelos. O significado da palavra abrange desde o brinquedo cão-robô ao robô Sofia apresentado na Cimeira Web de Lisboa, passando ainda pelos autômatos da produção industrial, em especial nos setores de automóvel, eletrônico ou têxtil. Os robôs executam instruções programadas na forma de software, i.e., o programa de computador ou programa informático. Significa o conjunto de instruções que compõem uma tarefa a ser executada por um dispositivo informático, nomeadamente um PC ou um smartphone. O programa desenvolve algoritmos através de um código-fonte, escrito em linguagem de programação (Fortran, Basic, Cobol, Pascal, C++, Java, Python, etc.) e depois convertido em código-objeto ou arquivo executável (em lin1 2 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Investigador do seu Instituto Jurídico. Sobre o direito português e da União Europeia, o presente texto segue de perto o estudo do Autor sobre “Protecção jurídica de software executado pelo robot” apresentado no Congresso Direito e Robótica, organizado pelo Instituto Jurídico, em parceria com o Centro de Direito do Consumo, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), e que teve lugar no dia 16 de novembro de 2017 na FDUC, tendo sido publicado nas Actas do Congresso. Doutora e mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Direito pela Faculdade São Luís/MA. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial da Universidade Federal do Paraná (GEDAI/UFPR). Professora no Curso de Graduação em Direito Centro Universitário Unidade de Ensino Dom Bosco (UNDB). Advogada. 16 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS guagem binária de máquina). Existem vários tipos de software, desde o firmware, que é o software embutido na máquina (por ex. ROM, BIOS), aos sistemas operativos (iOS, Android, Windows, Linux) e as aplicações (Office, antivírus, navegadores, jogos). Em sentido amplo, o software abrange ainda os algoritmos e a documentação do suporte lógico (descrição do programa e manual de instruções), bem como as bases de dados ou informação lato sensu que processa (dataware). No campo da robótica, o software é, portanto, o centro de operações ou comandos do robô, e o grau de “inteligência” do robô depende do software que executa. O robô é, muitas vezes, feito à imagem e semelhança do seu criador humano, tanto na aparência física como no comportamento e na comunicação. Todavia, nem todos os robôs têm rosto humano. Compare-se, por exemplo, o androide astro-mecânico R2-D2 com o C-3PO, este último um androide de protocolo, com formas mais próximas dos humanos, e que se apresenta nos seguintes termos: “Eu sou C-3PO, ciborgue de relações humanas e fluente em 6 milhões de línguas e falas de comunicações diferentes.” Estes personagens do épico filme de ficção científica Star Wars Guerra das Estrelas, de George Lucas, são seres mecânicos (por oposição a biológicos) dotados de inteligência. Inteligência esta que evoluirá não apenas em termos comunicacionais e comportamentais, mas também em termos fisionômicos, como os Transformers da Hasbro, robôs alienígenas que são capazes de transformar os seus corpos em outros objetos tais como veículos automóveis. Seres prediletos do reino da ficção, muitos deles não são sequer criação humana, antes provêm de mundos ainda por descobrir e ameaçam até a sobrevivência da espécie humana. Detenhamo-nos nos robôs gerados por humanos e cada vez mais providos de inteligência artificial (IA), ainda que não necessariamente com forma humana.3 A IA é um ramo da ciência informática que procura 3 Segundo a Comunicação da Comissão Europeia sobre Inteligência artificial para a Europa [Bruxelas, 25.4.2018 COM(2018) 237 final, p. 1]: “O conceito de inteligência artificial (IA) aplica-se a sistemas que apresentam um comportamento inteligente, analisando o seu ambiente e tomando medidas — com um determinado nível de autonomia — para atingir objetivos específicos. / Os sistemas baseados em inteligência artificial podem ser puramente confinados ao software, atuando no mundo virtual (por exemplo, assistentes de voz, programas de análise de imagens, motores de busca, sistemas de reconhecimento facial e de discurso), ou podem ser integrados em dispositivos físicos (por exemplo, robôs avançados, automóveis autónomos, veículos aéreos não tripulados ou aplicações da Internet das coisas)”. No Brasil, o programa Estratégia Brasileira para a Transformação Digital conceitua Inteligência Artificial como “o conjunto de ferramentas estatísticas e algoritmos que geram softwares inteligentes especializados em deter- NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: métodos ou dispositivos computacionais capazes de emular a capacidade racional do ser humano de resolver problemas, pensar ou, de um modo geral, atuar de modo inteligente. É o que sucede com o Watson da IBM, com aplicações relevantes no setor de saúde e no setor jurídico, bem como nos sistemas de gestão de água, energia ou trânsito. Fala-se até na substituição do Dr. Google pelo Dr. Watson: não apenas localiza a informação como a processa em termos semelhantes ao pensamento humano nos mais variados setores, nomeadamente na saúde, podendo ser instalado num smartphone e ficar à distância de um clique, à semelhança do que já hoje sucede em tantos outros domínios e que ainda num passado não muito distante dificilmente passariam de algo mais do que ficção científica do tipo Guerra das Estrelas. Os desafios jurídicos colocados pelos avanços tecnológicos fazem-se sentir em vários domínios, do civil ao laboral, passando pelo administrativo e fiscal, nomeadamente com o desenvolvimento do chamado “governo eletrônico”. O Parlamento Europeu aprovou uma Resolução, de 16 de fevereiro de 2017, que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica. Define princípios gerais, nomeadamente um sobre propriedade intelectual sustentando que “não existem disposições legais especificamente aplicáveis à robótica, mas que os regimes e as doutrinas jurídicas existentes podem ser rapidamente aplicados à robótica, embora alguns aspetos pareçam requerer uma ponderação específica;” por isso, “insta a Comissão a apoiar uma abordagem horizontal e neutra do ponto de vista tecnológico da propriedade intelectual aplicável aos diversos setores onde a robótica poderá ser aplicada” (PARLAMENTO EUROPEU, 2017). Neste contexto, uma primeira questão que se coloca é a da proteção jurídica do software executado pelo robô, i.e., saber se o software do robô pode e deve ser protegido, e, em caso afirmativo, em que termos. Este problema encontra-se pautado pelos tratados internacionais e legislações nacionais de propriedade intelectual, no entanto, persiste a questão sobre como ocorrerá a proteção jurídica sobre as obras geradas por IA. O software do robô, enquanto programa de computador, não apenas pode como é protegido ao abrigo da propriedade intelectual. A questão foi suscitada há mais de meio século, tendo sido objeto de animada discussão minada atividade. Trata-se de tecnologia especialmente útil para classificação de dados, identificação de padrões e realização de predições. Amostras atuais dessa atividade são ferramentas de tradução, serviços de reconhecimento de voz e imagens e mecanismos de buscas que ranqueiam sites de acordo com a relevância para o usuário” (BRASIL, 2018). 17 18 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS e de inúmeros estudos, ao ponto de um autor exclamar: “Not another one!” (DWORKIN, 1996, p. 165) Confrontaram-se várias teses. Uns defenderam que o software, pela sua natureza, deveria ser protegido como invenção técnica pelo direito das patentes, ao passo que outros pugnaram pela tutela do programa de computador ao abrigo dos direitos de autor. Uma terceira via consistiria em atribuir uma proteção dita sui generis, um misto de patente e de direitos de autor, sendo certo que, em qualquer caso, poder-se-ia sempre recorrer à proteção dos segredos comerciais ou saber-fazer tecnológico. Todavia, em 1973 a Convenção de Munique sobre a Patente Europeia excluiu os programas de computador, enquanto tais, do objeto de patente. Depois, em 1980, os EUA adotaram o “Software Copyright Act” (MILLER, 1993) e, em 1985, praticamente todos os países do G7 aprovaram legislação no mesmo sentido. A então CEE consagrou igualmente a solução direitos de autor, e o mesmo sucedeu posteriormente nos instrumentos internacionais da propriedade intelectual, como sejam o Acordo ADPIC de 1994 (OMC) e os Tratados de dezembro de 1996 da OMPI (VIEIRA, 2005). Neste cenário, o objetivo geral do presente trabalho, é realizar uma análise de direito comparado das legislações portuguesa e brasileira sobre a proteção do software executado por robôs e de obras geradas por inteligência artificial de modo a comparar as soluções que tais ordenamentos jurídicos apresentaram ao problema. Para tanto, o primeiro tópico abordará a proteção jurídica do software executado por robôs na legislação portuguesa, em seguida, discorrerá sobre a proteção jurídica do software executado por robôs na legislação brasileira, e, por fim, delineará perspectivas sobre a proteção jurídica das obras geradas por inteligência artificial no direito português e no direito brasileiro, tendo em vista que ainda não há legislação sobre o tema em nenhum dos países. 2 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO SOFTWARE EXECUTADO POR ROBÔS NA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA Na UE, a então CEE aprovou a Dir. 91/250 do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, posteriormente substituída pela Dir. 2009/24/CE. A diretiva foi transposta para o direito interno português pelo Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de outubro, consagrando a doutrina dos direitos de autor “anómalos”. Ao invés de alterar NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: o CDADC, o legislador nacional optou pela elaboração de um diploma próprio, cuja interpretação nem sempre é simples. Em síntese, são protegidos os programas de computador que, na sua forma de expressão – incluindo o respetivo material preliminar de concessão (por ex. diagramas) - tenham caráter criativo (art. 1º/2), i.e., quando constituam criações intelectuais. Todavia, os direitos de autor não protegem os princípios nem os algoritmos implementados no programa, nem a respetiva funcionalidade (art. 1/2 CDADC), mas apenas a forma pela qual são apresentados, nomeadamente em código-fonte. Os direitos de autor pertencem em princípio ao respetivo criador intelectual. Todavia, podem ser cedidos a terceiro por contrato e a lei atribui-os ao comitente, ao empregador ou à empresa quando são criados, respetivamente, por encomenda, por trabalhador no âmbito do contrato de trabalho, ou no âmbito de uma empresa (presumindo-os neste caso obra coletiva - art. 3º DL 252/94 e art. 19º CDADC). Os direitos morais do criador de programas de computador parecem reduzidos ao direito de paternidade, assistindo-lhe apenas reivindicar a autoria do programa e a sua identificação na obra (art. 9º). O direito à integridade e genuinidade da obra é afastado dos direitos morais, ao excluir-se expressamente a aplicação do nº 2 do artigo 15º do CDADC (art. 3º/5), nos termos do qual “A faculdade de introduzir modificações na obra depende do acordo expresso do seu criador e só pode exercer-se nos termos convencionados.” Todavia, a jurisprudência ressalva o direito moral à integridade, não permitindo à luz desse direito que o empregador ou dono do programa o modifique livremente. Quanto aos direitos econômicos, partem de uma noção ampla de atos de reprodução, que é confirmada pela jurisprudência, e são ainda enumerados os direitos de transformação e de colocação em circulação ou distribuição de exemplares (sujeito este último ao esgotamento comunitário). A duração dos direitos de autor obedece à regra geral dos 70 anos post mortem auctoris ou, pertencendo os direitos à empresa, a partir da sua divulgação (art. 36º CDADC). Em sede de utilização livre, comparando com os direitos de autor em geral, não é prevista a liberdade de reprodução para uso privado de programas de computador. De todo o modo, um aspeto inovador para os direitos de autor introduzido pela diretiva do software diz respeito aos direitos do utente legítimo (ou titular de licença). Assistem-lhe os direitos de reproduzir e estudar o programa no âmbito da sua utilização, realizar cópia de apoio, 19 20 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS reproduzir e alterar o programa para efeitos de correção de erros, incluindo a nosso ver a descompilação estritamente necessária para fins de interoperabilidade com programa independente e a utilização, para esses fins, das informações assim obtidas. Os direitos do utente têm natureza imperativa e não afastam outras vias de proteção do software, nomeadamente o direito de patente e a tutela dos segredos comerciais (arts. 6º e 7º). A proteção do software pelos direitos de autor não prejudica outras vias de tutela, nomeadamente as patentes de invenção e os segredos comerciais. A atribuição de patentes depende de o pedido preencher certos requisitos. As patentes dizem respeito a invenções técnicas, isto é, obras do espírito sobre problemas técnicos e que não são apenas fórmulas matemáticas ou lógicas. As invenções técnicas devem ter novidade, face ao estado da arte, e resultar de atividade inventiva, no sentido de não resultarem evidente ou obviamente do estado da arte. Finalmente, a invenção deve ser suscetível de aplicação industrial, i.e., poder ser usado na indústria ou na agricultura. O objeto de patente não cobre todas as obras do espírito. Nos termos do artigo 52º/1 CPI, não podem ser objeto do direito de patente (1) as descobertas, as teorias científicas e os métodos matemáticos, (2) os materiais ou as substâncias já existentes na natureza e as matérias nucleares, (3) as criações estéticas, (4) os projetos, os princípios e os métodos do exercício de atividades intelectuais em matéria de jogo ou no domínio das atividades económicas, assim como os programas de computadores, como tais, sem qualquer contributo, e (5) as apresentações de informação. Todavia, em qualquer caso, só é excluída a patenteabilidade se o objeto para que é solicitada a patente se limitar aos elementos nele mencionados (art. 52º/3 CPI). A norma da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia que subjaz ao referido regime interno não tem impedido o Instituto Europeu de Patentes de emitir patentes para invenções relacionadas com programas de computador, em especial no setor dos dispositivos médicos. Em matéria de robôs, refira-se a patente EP 1169092 B14 sobre um robô de combate ao fogo (robot bombeiro), controlado manual ou remotamente, e ligado automaticamente ao sistema de canalização de água e pendurado num monotrilho em túneis. Segundo o resumo da descrição da invenção, o robô de combate ao fogo serve para apagar incêndios em túneis. Está pendurado numa carruagem que funciona em um monotrilho até a abóbada do túnel. Um pistão telescópico óleo-dinâmico permite que o transporte seja reduzido à superfície 4 <http://www.freepatentsonline.com/EP1169092.html> NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: da estrada. Tal característica permite ao robô superar qualquer obstáculo, proteger pessoas e transportar pessoas sem os obstáculos do trânsito e combater o incêndio. Para conseguir apagar continuamente o incêndio, o robô está conectado à canalização de água por um tubo flexível com 30 metros com um braço automático. Para além dos direitos de autor e das patentes, cumpre ainda referir a possível proteção do software enquanto segredos comerciais ou saberfazer. Os segredos comerciais estão atualmente protegidos ao abrigo do artigo 318º do Código da Propriedade Industrial (CPI) enquanto informações não divulgadas, à semelhança da norma do Acordo ADPIC/TRIPS. Trata-se de uma forma especial de concorrência desleal. Considera-se ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, se essas informações (1) forem secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; (2) tiverem valor comercial pelo facto de serem secretas; (3) tiverem sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas. Na União Europeia foi adotada a Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais. Consideram-se informações comerciais confidenciais as informações (1) secretas, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não são geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, ou não são facilmente acessíveis a essas pessoas; (2) com valor comercial pelo facto de serem secretas; (3) e que foram objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidas secretas pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo.5 5 Sobre o tema, desenvolvidamente: VICENTE, Dário Moura, “Proteção do know-how, segredo de negócio e Direito Intelectual”. In: Propriedade Intelectual – Estudos Vários, Lisboa, 2018, p. 281-309. 21 22 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS 3 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO SOFTWARE EXECUTADO POR ROBÔS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA No Brasil, os programas de computador são protegidos pelo direito autoral, em regime geral, nos termos da lei nº 9.610/98 – lei de direito autoral –, e em regime especial, pela lei n° 9.609/98 – que dispõe sobre proteção da propriedade intelectual de programa de computador, não configurando tal proteção como direito de autor tradicional. Desta forma, a compreensão sobre a proteção jurídica do software executado por robôs na legislação brasileira exige uma leitura conjunta dos dois instrumentos normativos. Entende-se de ambas as leis que a proteção recai sobre a expressão literária e artística do bem criado, e não da ideia ou conteúdo. Ao conceituar o programa de computador, o artigo 1°, da lei do software, dispõe que este “é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada [...]”. No mesmo sentido, o artigo 8°, da lei de direito autoral, estabelece que não são objeto de proteção como direitos autorais as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais. Tem-se, assim, que o software se remete à noção de que aquilo que é resultado de sua aplicação - imagens, sons ou mesmo um produto ou outro resultado técnico - não é coberto pela proteção autoral. Dessa forma, abriga a possibilidade de um programa de computador alcançar o mesmo resultado que outro, desde que a expressão seja diferente. Quanto a questão da autoria, existem diferenças substanciais entre as duas leis. A lei do software é pouco elucidativa, mas bem distinta, resguardando apenas questões que envolvem a titularidade no contrato de trabalho e ignorando algumas características próprias do desenvolvimento da nova tecnologia, como a obra coletiva e a obra em colaboração. Já para a lei de direito autoral, autor é a pessoa física - ser humano - criadora de obra literária, artística ou científica, podendo a proteção concedida a ele aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos na lei. A lei do software, no entanto, estabelece “um regime especial de titularidade originária”, em que o autor é também pessoa física, mas a lei, automaticamente, concede “titularidade originária a terceiros, sempre que não for criado em isolamento clínico; sempre que a sua elaboração se dê de forma subordinada, sob contrato, vínculo estatutário, ou ainda em relação de bolsistas, estagiários e assemelhados”. (BARBOSA, 2010, p. 1919) De NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: acordo com o artigo 4º, da lei de software,caso não haja contrato específico em contrário, a titularidade sobre o software produzido por empregado durante a vigência de seu contrato de trabalho será de titularidade do empregador, desde que: (i) originado na vigência de contrato ou de vínculo estatutário; (ii) tal contrato seja expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento ou tal atividade seja prevista ou decorra da natureza do trabalho. Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-ão à remuneração ou ao salário convencionado. A titularidade somente pertencerá exclusivamente ao empregado caso não haja utilização de recursos do empregador. A lei de direito autoral outorga ao autor direitos patrimoniais e morais sobre a obra que criou. Na definição dos direitos patrimoniais cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Esse direito dispõe ainda que a utilização da obra, por quaisquer modalidades, depende de autorização prévia e expressa do autor, como, por exemplo, a reprodução parcial ou integral; a edição; a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; a tradução para qualquer idioma; e a inclusão em fonograma ou produção audiovisual. No software isso significa que os direitos patrimoniais se referem “à comercialização dos programas de computador; ao licenciamento de uso do programa; e aos direitos de transferência de tecnologia” (WACHOWICZ, 2010, p. 141). Por outro lado, destaca-se a inaplicabilidade das disposições relativas aos direitos morais, com exceção do direito à paternidade ou autoria e direito à integridade, podendo o autor opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas causem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação. A duração dos direitos patrimoniais é definida pela lei de software em cinquenta anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação. Essa disposição reduz o prazo estabelecido para as demais obras autorais que é de setenta anos, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor, obedecida a ordem sucessória da lei civil; e para obras audiovisuais e fotográficas, contato de 1° de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação. Não constituem ofensa aos direitos do titular de programa de computador, sendo assim de uso livre e permitido legalmente: (i) a reprodução, em um só exemplar, de cópia legitimamente adquirida, desde que se destine à cópia de salvaguarda ou armazenamento eletrônico, hipótese em que 23 24 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS o exemplar original servirá de salvaguarda; (ii) a citação parcial do programa, para fins didáticos, desde que identificados o programa e o titular dos direitos respectivos; (iii) a ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força das características funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expressão; (iv) a integração de um programa, mantendo-se suas características essenciais, a um sistema aplicativo ou operacional, tecnicamente indispensável às necessidades do usuário, desde que para o uso exclusivo de quem a promoveu. Tal rol não é taxativo, podendo ser aplicada outras limitações extrínsecas existentes como, por exemplo, no âmbito internacional, a regra dos três passos, e, principalmente, as limitações constitucionais do artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal. Nessa lista exemplificava, Denis Borges Barbosa (BARBOSA, 2010, p. 1958) insere dois outros importantes atos permissíveis: [1] todos os atos necessários para permitir o uso do programa em exato acordo com sua destinação, inclusive a de corrigir seus erros, salvo a existência na respectiva licença ou cessão, de norma que se lhe contraponha. [2] os atos destinados a estudar, aperfeiçoar e, enfim, fazer a engenharia reversa do programa, sem com isso facultar a cópia de elementos deste em programa próprio, salvo sob as limitações pertinentes. No primeiro caso, está-se diante da necessidade de manutenção ou suporte técnico para preservar o funcionamento e utilidade do software e, no segundo caso, da possibilidade de realizar desenvolvimentos não comerciais a partir do software já existente, incluindo engenharia reversa. Por fim, cabe comentar que, apesar de não se encontrar presente na lei 9.609/98 os requisitos para a proteção do software, com exceção da obrigatoriedade de fixação em alguma espécie de suporte físico, a doutrina (BARBOSA, 2010; WACHOWICZ, 2010; ASCENSÃO 1997) vem estabelecendo que é necessária a presença de algumas exigências para que tal direito seja concedido. Os requisitos são: novidade e originalidade. A novidade é um critério geral da propriedade intelectual, em todas as suas espécies, cada uma a sua maneira e internamente de acordo com seu conjunto especial de normas. Os preceitos básicos de todas elas, toda- NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: via, consistem: (i) na preservação do domínio público, que não pode ser apropriada por um único titular; (ii) que não seja cópia idêntica/servil de outro bem já existente e, em muitos casos, pertencente a outrem. (BARBOSA, 2010) A novidade pode ser subjetiva ou objetiva, na qual a primeira trata do caráter distintivo, muito próprio dos direitos industriais, em especial a patente, e a segunda, da originalidade, que marca as obras protegidas pelo direito de autor. (ASCENSÃO, 1997, p. 62. BARBOSA, 2010, p. 1904) No programa de computador, a novidade tem o mesmo significado dos princípios do direito de autor, conectando-se, assim, ao sentido de originalidade6. Entende-se que a lei 9.609/98 protege apenas o programa de computador em si, de forma que as outras partes que componham o software ou que dele sejam resultado - manuais, imagens, sons, suportes físicos, descrições e material de apoio, por exemplo -, quer sejam fixados ou não, serão protegidas por outros direitos de propriedade intelectual, em sua maioria pelo direito de autor. Efeitos técnicos oriundos do programa de computador também não são passíveis de proteção nos termos da lei 9.609/98, mas, cumprindo os requisitos legais, poderão ser objeto de patente. Na legislação brasileira de propriedade industrial, Lei n° 9.279/96, apenas a invenção e o modelo de utilidade são passíveis de patente. Invenção é uma solução técnica, através de um trabalho dirigido a um problema técnico, envolvendo uma ação humana de intervenção no estado natural de um objeto. Modelo de utilidade é o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Os pedidos de patente referentes a invenções implementadas por programa de computador são passíveis apenas em relação à invenção. As patentes de invenção podem ser de produto ou de processo, desde que proporcionem uma solução para um problema técnico. A patente de produto diz respeito a um objeto corpóreo determinado, como máqui- 6 Mesmo que não exista na lei a previsão de originalidade, José de Oliveira Ascensão entende que: “[…] é impossível admitir a tutela de programas banais. Se fôssemos proteger programas que representam apenas a solução óbvia dum problema, teríamos que alguém ganharia, sem nenhuma contribuição, um exclusivo sobre o óbvio. O que limitaria gravemente o diálogo social. Todos os que deparassem futuramente com o mesmo problema estariam limitados no recurso à solução óbvia. Temos, assim, que só o programa que revele um mínimo de criatividade ou originalidade é afinal protegido.” (ASCENSÃO, 1997, p. 670-671) 25 26 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS na fotográfica, telefone celular, um produto químico ou um medicamento. A patente de processo protege os meios que foram utilizados para alcançar determinado resultado técnico, a exemplo da necessidade de aquecer uma substância a determinado grau para produzir um medicamento. De acordo com o artigo 10 da referida lei, não constitui invenção ou modelo de utilidade: descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos; concepções puramente abstratas; esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização; as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética; programas de computador em si; apresentação de informações; regras de jogo; técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. Para que uma patente seja concedida é necessário ainda preencher os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (artigo 8). Sobre tais requisitos esclarece a lei que são novos quando não compreendidos no estado da técnica (artigo 11), entendendo-se por estado da técnica tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data do depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior (artigo 11, §1°). A atividade inventiva pressupõe que um técnico no assunto veja que a invenção não deve decorrer de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica (artigo 13). E a aplicação industrial ocorre quando a invenção e o modelo de utilidade podem ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria. Além disso, não são patenteáveis, de acordo com o artigo 18: o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde pública; as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físicoquímicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta. Cumpridos estes requisitos, a invenção está apta a receber a proteção por meio da patente, que vigorará pelo prazo de vinte anos, no caso da NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: invenção, e por quinze anos para o modelo de utilidade, contados da data de depósito no INPI. A lei brasileira conta com a ressalva de que o prazo de vigência não será inferior a dez anos para a patente de invenção e a sete anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior (artigo 40). Têm-se, assim, como elementos importantes para a análise do inventos envolvendo software que: (i) a invenção é uma solução técnica para um problema técnico; (ii) envolve a capacidade do homem em transformar ou controlar forças da natureza; (iii) exteriorização desse exercício mental num produto ou processo; (iv) não são considerados invenção: métodos matemáticos, concepções puramente abstratas, esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio ou de fiscalização, apresentação de informações; (v) não é considerado invenção o programa de computador em si; (vi) são requisitos para concessão da patente: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O software consiste num conjunto de instruções legíveis por uma máquina, ou seja, em uma série de etapas que essa máquina deve executar, e, por isso, trata-se de um processo. Para além disso, no entanto, a execução dessas instruções pela máquina pode dar origem a um produto ou processo, o que poderia, em decorrência de sua função técnica - solução técnica para um problema técnico e manipulação do homem sob as forças da natureza - ser protegido por uma patente. O efeito técnico proporcionado pelo software no invento tem que sobrepor à interação normal do comando dado à máquina. Estão excluídos do caráter técnico exigido para a concessão de uma patente os métodos matemáticos, concepções puramente abstratas, esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais e apresentação de informações, como, métodos de fazer negócio, de publicidade, de compra e venda e métodos bancários. Assim, no Brasil, todo software que alcance qualquer desses resultados também está excluído da possibilidade de ser considerado um invento, visto que não há efeito técnico nos termos da lei. O programa de computador em si também se encontra excluído da proteção por patente. Sobre ele, entende-se que a natureza literal do software seja um conjunto de instruções legíveis por máquina, isto é, o código fonte e código objeto, e, como tal, são tutelados pelo direito de autor, tendo regime específico por exigência dos tratados internacionais sobre a maté- 27 28 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS ria. Não existe no programa de computador em si qualquer efeito técnico, solução técnica ou contributo técnico protegível. Essa seria a translação possível do direito de patente na lei brasileira ao software que implemente uma invenção. Assim, vêm-se admitindo no Brasil que o software tenha proteção do programa de computador em si por meio do direito de autor e nas soluções técnicas de invenção por meio de patente, nas quais cada uma possui particularidade e são proteções diferentes: o primeiro seria a expressão da ideia e o segundo a sua função técnica. A patente protegeria a invenção que é implementada pelo programa de computador e não o programa em si. A proteção do software por meio segredo do segredo de comércio também é possível. Nesse sentido, o artigo 195, da Lei 9.279/96, considera crime o ato de quem divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; ou divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude. 4 PERSPECTIVAS DE PROTEÇÃO JURÍDICA DAS OBRAS GERADAS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO PORTUGUÊS E NO DIREITO BRASILEIRO A capacidade de os robôs gerarem obras literárias, artísticas suscita igualmente a questão da proteção jurídica destas criações robóticas (IA). Os direitos de autor protegem obras literárias ou artísticas originadas por pessoas humanas no exercício da sua liberdade de criação cultural. Do dogma da autoria humana decorre que, em princípio, as pessoas jurídicas só podem adquirir direitos de autor a título derivado, seja por atribuição legal ou transmissão contratual. Esta caraterística separa os países de droit d’auteur – como Portugal e Brasil - dos países de copyright, nomeadamente o Reino Unido e os Estados Unidos da América, que preveem a atribuição originária do copyright a pessoa diferente do criador intelectual, incluindo pessoas jurídicas como sociedades comerciais, nomeadamente nas criações por encomenda ou em contexto laboral. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: No direito de autor português (artigo. 19 CDADC) e brasileiro (artigo 5º, inciso VIII, alínea h, lei de direito autoral), há semelhança de outros países latinos, é atribuído o direito de autor sobre coletiva à pessoa singular ou coletiva que tiver organizado a criação da obra e em nome de quem a obra tiver sido publicada. Parece-nos, todavia, que esta solução se destina a atribuir o direito sobre títulos de publicações periódicas e de obras inéditas, como dicionários ou enciclopédias. Sendo que a proteção do título, pelos seus requisitos específicos, está mais próxima dos direitos conexos do que dos direitos de autor propriamente ditos, como alerta Ascensão (1992). Além disso, mesmo no copyright estadunidense, afirma-se a autoria humana como requisito essencial, pelo que o Copyright Office só registra obras originais criadas por seres humanos, rejeitando o registo nomeadamente de obras produzidas por máquina ou por mero processo mecânico que funcione aleatória ou automaticamente sem qualquer contributo criativo ou intervenção de um autor humano (US COPYRIGHT OFFICE, 2017). Resulta então da vinculação a uma criação intelectual humana a inexistência de direitos de autor sobre criações literárias ou artísticas de robôs ou de inteligência artificial? No Reino Unido a lei estabeleceu uma regra especial de autoria para as obras literárias, dramáticas ou artísticas geradas por computador, determinando que o autor é a pessoa que realiza os arranjos necessários à criação da obra.7 É uma solução tão pioneira quanto ímpar, uma vez que não foi seguida por outros países, nem sequer da família do copyright. E, não obstante, é uma solução que nos remete para a figura dos direitos conexos, em especial para o direito do editor previsto no Reino Unido a favor da pessoa que fazer os arranjos tipográficos (sec. 15 CPDA). Trata-se, em todo o caso, de atribuir os direitos de autor a pessoas físicas ou jurídicas, e não de reconhecer direitos de autor ao robô ou à inteligência artificial. Por outro lado, o fato de não se reconhecer autoria aos robôs não significa que a robótica e a inteligência artificial beneficiem de uma espécie de liberdade de utilização de obras e prestações protegidas por direitos de autor e conexos. A Comissão Europeia considera “necessária uma reflexão sobre as interações entre a IA e os direitos de propriedade intelectual, da 7 Cf. § 9(3) do UK CPDA 1988 (“the author shall be the person by whom the arrangements necessary for the creation of the work are undertaken”). Vide por ex.: HOLDER, C. et al. Robotics and Law: Key Legal and Regulatory Implications of the Robotics Age (Part I of II), Computer Law & Security Review 32 (2016), p. 383-402 (referindo, a propósito, o acórdão Nova Productions v Mazooma Games de 2006 - 401). 29 30 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS perspectiva dos institutos de propriedade intelectual e dos utilizadores, que vise promover a inovação e a segurança jurídica de forma equilibrada”.8 Não se trata, todavia, de criar uma zona franca ou livre de direitos de autor que facilite o livre desenvolvimento dos robôs e da inteligência artificial, sem prejuízo naturalmente da aplicação das exceções aos direitos de autor, em matéria de utilizações livres, também neste domínio, nomeadamente para fins de informação, ensino ou investigação. De resto, a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos de autor no mercado único digital9 estabelece uma exceção obrigatória em termos de utilizações permitidas para prospecção de textos e dados (art. 3) que servirá, sem dúvida, para facilitar o desenvolvimento da inteligência artificial.10 4 CONCLUSÃO O software robótico é uma dimensão essencial dos sistemas de IA. Este trabalho abordou várias vias possíveis para se proteger o software robótico por direitos de propriedade intelectual em Portugal e no Brasil. Em ambos ordenamentos jurídicos a primeira via é a lei de direitos autorais, já que os programas de computador são listados como objeto de direitos autorais elegíveis, ainda que com regras especiais. No entanto, os direitos autorais têm alcance limitado e não esgotam a proteção legal do software robótico. Em particular, o sistema de patentes de invenção pode ser uma solução relevante ao nível da proteção da funcionalidade imbuída nos programas. Finalmente, independentemente das leis de direitos autorais e de patentes, a proteção dos segredos comerciais também será, certamente, uma via importante de proteção legal do software robótico. Portugal e Brasil são signatários Acordo ADPIC de 1994 (OMC), além de seguirem o regime do droit d’auteur, o que facilita a harmonização das suas legislações. Assim, a maior diferença encontra-se no prazo de proteção autoral, cuja duração em Portugal é de 70 anos e no Brasil de 50 anos, que de toda forma são demasiadamente extensos frente a uma tecnologia que rapidamente se torna obsoleta, gerando um grande 8 9 10 COM(2018) 237 final, p. 17. COM(2016) 593 final. No sentido de que a exceção de prospeção e mineração de dados pode ser útil para promover a IA pronunciou-se, recentemente, a Comissão na sua comunicação Inteligência artificial para a Europa, COM(2018) 237 final, p. 11. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: desequilíbrio entre os interesses privados na proteção e os interesses coletivos em ter o programa em domínio público. Protege-se, assim, verdadeiras peças de museu, visto que os primeiros software criados sob a égide dessa proteção ainda são considerados pertencentes ao seu titular, mesmo que seus suportes sejam fabricados ou resida qualquer utilidade e interesse em sua comercialização , afetando a barganha social incutida na propriedade intelectual. Nota-se ainda que nenhum dos países estudados atribui proteção patentária ao software em si, como faz, por exemplo, os EUA. São atribuídas patentes de software, incluindo software de robôs. É o caso, por exemplo, da patente US 8996429 B1: método de desenvolvimento da personalidade de robô. Segundo o resumo da patente11, a tecnologia patenteada consiste em métodos e sistemas de interação do robô com o utilizador a fim de gerar uma personalidade do robô. O robô pode aceder ao dispositivo de um usuário para determinar ou identificar informações sobre a identidade de um usuário e o robô pode ser configurado à medida do usuário com as informações identificáveis. O robô pode encontrar dados associados à identidade do usuário através de reconhecimento de voz ou facial. O robô pode fornecer uma interação ou resposta personalizada ao usuário com base nas informações especificadas do usuário. A personalidade robótica tem portabilidade, i.e., pode ser transferida de um robô para outro robô (máquina), e as informações armazenadas em um robô podem ser partilhadas com outro robô através da nuvem.12 Em qualquer caso, é importante preservar a liberdade de inovação para que a IA possa ser desenvolvida para o benefício da Humanidade e da Natureza. Cumpre referir, todavia, que o desenvolvimento de software executado por robôs baseia-se frequentemente em soluções de software livre. Trata-se de uma via que previne a formação de patentes sobre a componente 11 12 Disponível em: <https://patents.google.com/patent/US8996429B1/en>. Outra questão é saber se podem ser patenteadas partes do robô que repliquem partes do corpo humano, em especial próteses robóticas. O artigo 54.º/c do CPI dispõe que pode ser patenteada uma invenção nova, que implique atividade inventiva e seja suscetível de aplicação industrial, que incida sobre qualquer elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, ainda que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural, desde que seja observada expressamente e exposta concretamente no pedido de patente, a aplicação industrial de uma sequência ou de uma sequência parcial de um gene. 31 32 ALEXANDRE LIBÓRIO DIAS PEREIRA | HELOÍSA GOMES MEDEIROS lógica do robô. A Free Software Foundation lançou as licenças de software livre GNU GPL (General Public License)13 assegurando a liberdade de reprodução, modificação e distribuição de software. A utilização do software desenvolvido por esta comunidade é sujeita apenas ao dever de fornecer a licença juntamente com o software, e de dar a terceiros a mesma liberdade de que se beneficia. O objetivo é impedir que os direitos de autor e as patentes impeçam o livre desenvolvimento do software, que se considera uma linguagem sujeita aos imperativos constitucionais da liberdade de expressão (free speech). Por outro lado, não existe fundamento para atribuir direitos de autor aos robôs ou à IA sobre as obras literárias ou artísticas que geram. A isso se opõe o dogma da autoria humana, sem prejuízo da eventual atribuição de um direito conexo sobre tais criações robóticas ou “artificiais”, à semelhança do direito do editor existente no Reino Unido e cuja consagração na União Europeia foi recentemente proposta. Também, a inexistência de uma autoria robótica não significa que as obras e prestações por direitos de autor e conexos possam ser livremente utilizadas por robôs ou sistemas de inteligência artificial, sem prejuízo de se reconhecer que certas utilizações livres em sede de análise e prospecção de dados e de textos, recentemente propostas, poderem contribuir significativamente para o desenvolvimento da IA REFERÊNCIAS ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direito de Autor e Direitos Conexos. Coimbra: Coimbra Editora, 1992. _______. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual. Tomo 3. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação. Estratégia brasileira para a transformação digital. Brasília: MCTIC, 2018. COMISSÃO EUROPEIA. Comunicação Da Comissão sobre Inteligência Artificial para a Europa (COM(2018) 237 final). Bruxelas, 2018. Disponível em: <https:// eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52018DC0237>. Acesso em: 28 ago 2019. DWORKIN, Gerald. Copyrights, Patents and/or ‘Sui Generis’: What Regime Best Suits Computer Programs”. In: HANSEN, Hugh. (Ed.). International intellectual property law and policy. London: Juris Publishing, 1996. 13 Licença disponível em: <https://www.gnu.org/licenses/gpl-3.0.en.html>. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: MILLER, Arthur. Copyright protection for computer programs, databases, and computer-generated works: is anything new since CONTU? Harvard Law Review 106/5, 1993. PARLAMENTO EUROPEU. Resolução do Parlamento Europeu que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica. Estrasburgo, 2017. Disponível em: <https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2017-0051_PT.html>. Acesso em: 28 ago 2019. PARLAMENTO EUROPEU. Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais. Estrasburgo, 2016. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/ legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32016L0943>. Acesso em: 28 ago. 2019. US COPYRIGHT OFFICE. Compendium of U.S. Copyright Office Practices. 3. ed. 2017. Disponível em: <https://www.copyright.gov/comp3/docs/compendium. pdf>. Acesso em: 29 ago 2019. VICENTE, Dário Moura. Propriedade intelectual: estudos vários. Lisboa: AAFDL Editora, 2018. VIEIRA, José Alberto. A proteção jurídica do programa de computador pelo direito de autor. Lisboa: Lex-Edições Jurídicas, 2005. WACHOWICZ, Marcos. Propriedade intelectual do software e revolução da tecnologia da informação. Curitiba: Editora Juruá, 2010. 33 A AUTORIA DE OBRAS TUTELÁVEIS PELO DIREITO AUTORAL POR APLICAÇÕES DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO BRASILEIRO E PORTUGUÊS Lukas Ruthes Gonçalves1 Pedro de Perdigão Lana2 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Há vários pontos que podem (e devem) ser considerados quando se fala de autoria nas obras produzidas por inteligência artificial. Essa investigação não pretende avançar na discussão sobre como as normas deveriam ser ou se aprofundar em questões éticas ou filosóficas, como a existência de um intelecto real nas máquinas ou da possibilidade de se observar nelas estados mentais genuínos (SEARLE, 1980). O objetivo aqui será uma abordagem dogmática, ou seja, qual regime aparenta ser diretamente aplicável para proteção dessas obras a partir das regras pré-existentes e da jurisprudência consolidada sobre o tema. Há um início de resposta na análise das normas internacionais, em especial a Convenção de Berna, pois mesmo que não apresentem uma definição precisa de autor, parecem apontar no sentido de que ele deve ser humano (GINSBURG, 2018; RICKETSON, 1991-1992). Mas a persistência e força do princípio da territorialidade no direito autoral faz com que a análise mais importante seja a dos ordenamentos nacionais, ainda que esse princípio venha se enfraquecendo nas últimas décadas (PEREIRA, 2008). O foco, portanto, serão as leis brasileiras e portuguesas3, e as conclusões aqui alcançadas não podem ser simplesmente aplicadas em outros 1 2 3 Mestre em Direito pela UFPR. Pesquisador junto ao Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da UFPR, cadastrado no CNPq. Advogado na área de Propriedade Intelectual. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2449332106724610. Mestrando em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra, graduado pela UFPR e técnico em eletrônica pela UTFPR. Advogado. Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da UFPR. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4384081232803994 A escolha por dois países de civil law não é adotada sem algumas dificuldades, pois parecem já haver respostas mais consolidadas nos dois mais importante sistemas de 36 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA ordenamentos (VIEIRA, 2001). Serão também analisadas as normas comunitárias sobre direito intelectual da União Europeia, em razão da sua força imperativa no sistema jurídico desse último país4. Vale elencar quais são os tópicos em comum que deverão ser explorados nesses ordenamentos, estabelecendo os pressupostos e pontos comuns da análise. O primeiro é em relação ao grau de autonomia do programa de inteligência artificial que produz a obra. A questão da autoria abre pouco espaço para dúvidas se há um nexo causal evidente entre as entradas colocadas pela pessoa humana e os resultados gerados pela máquina, como no caso de inteligências artificiais simples que servem como meras ferramentas. Nessas situações, apenas se aplicariam os pressupostos de proteção de qualquer obra (VIEIRA, 2001, p. 119-121) À medida que aumenta a complexidade da IA e de seu aprendizado de máquina, essa causalidade fica mais e mais nebulosa, pois chega-se a um ponto onde se observariam agentes autônomos capazes de gerar novas ideias com total ou relativa independência do programador (não é necessário que o contributo humano seja absolutamente zero), e isso significaria que não poderia ser atribuída paternidade da obra à uma pessoa natural (VIEIRA, 2001, p. 121-125; GUADAMUZ, 2017, p. 171-172). Embora seja 4 common law e copyright (ainda que firmando soluções opostas). O U.S. Copyright Office determina, mediante os pontos 306 e 313.2 de seu compêndio de práticas, que recusará os pedidos de registro se um ser humano não foi o criador da obra, expressamente mencionando casos em que uma máquina cria uma obra sem intervenção criativa humana. Ver U.S. COPYRIGHT OFFICE. Compendium of U.S. copyright office practices. 3 ed., 2017. Chapter 300, p. 4 e 16-17, com base no julgamento do caso Burrow-Giles Litographic Co. v. Sarony (1884). Do outro lado, o ordenamento britânico abre uma exceção ao critério de criatividade e concede o copyright da obra gerada por computador para o humano que fez os arranjos necessários para a criação do resultado final, mas excluindo os direitos morais e prevendo um tempo menor de proteção dos direitos patrimonais. Ver Section 9(3) do CDPA. Mais adiante, a seção 178 do CDPA define uma obra gerada por computador como algo “generated by computer in circumstances such that there is no human author of the work”. Dentre os precedentes judiciais, cita-se: [2006] EWHC 24 (Ch) Case No: HC04C02882, j. Justice Kitchin em 20/01/2006. E, em data anterior à promulgação da norma: Express Newspapers Plc v Liverpool Daily Post & Echo Plc [1985] 3 All E.R. 680. A regulação do direito de autor na União Europeia se dá principalmente por meio de diretivas. Embora elas deixem aos Estados-membros a escolha dos meios e formas para alcançar determinado objetivo fixado a nível europeu (artigo 288º, par. 3º do Tratado de Funcionamento da União Europeia), em certos casos (como a demora para harmonização) o Tribunal de Justiça da União Europeia já decidiu pela possibilidade do efeito direto vertical desses atos normativos, com aplicabilidade de regras transnacionais pelos tribunais nacionais (RAMOS, 2003). Ver casos Van Duyn (proc. 41/74, julgado em 04/12/1974) e Ratti (proc. 148/78, julgado em 05/04/1979). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: difícil estabelecer claramente o ponto em que há total independência entre a criação da IA e a intencionalidade do seu programador/utilizados, parecem já existir obras puramente geradas por computadores, ou que pelo menos aparecerão em um futuro muito próximo (GINSBURG, 2018, p. 133). O segundo ressalta a diferença do programa computacional de inteligência artificial como sujeito da proteção pelo direito autoral, em vez de objeto dela. A tecnologia de inteligência artificial incorporada ao programa computacional, assim como as bases de dados utilizadas para o aprendizado em máquina, são claramente obra protegidas diante da tutela dos programas de computador e das bases de dados5. Tal tópico é melhor abordado na excelente análise de Alexandre Dias Pereira e Heloísa Medeiros. Desse modo, é necessário compreender essa natureza dual de uma aplicação do tipo em ser ao mesmo tempo criação e criadora de obras. O terceiro, entrando na discussão relevante, é conseguir detalhar a firmeza do próprio conceito de autor, que já é um tema controverso na doutrina nos casos de obras produzidas por animais (GUADAMUZ, 2016), discussão na qual passou-se a se questionar quem exatamente poderia ser considerado autor e se algum ser não-humano poderia ser enquadrado como tal. Entretanto, deve-se ressaltar que as conclusões relativas às obras criadas por animais não podem ser simplesmente transpostas para àquelas criadas por inteligências artificiais, considerando a natureza absolutamente diferente desses agentes criadores. O quarto, vinculado ao tópico anterior, é saber quem seria o titular do direito autoral, e mesmo se haveria algum, caso a máquina criativa não pudesse deter esses direitos. Vale notar que as obras mistas não serão aqui trabalhadas, porque nada indica que a particularidade da participação de inteligências artificiais mudaria algo nas regras que vigem sobre essa categoria (VIEIRA, 2001, p. 137-138). Focar-se-á na criação feita exclusivamente por aplicações de Inteligência Artificial, por se entender que o maior debate restaria justamente na possibilidade de um programa do gênero poder ser titular de sua criação. 5 No sistema internacional, essas regras são encontradas no artigo 2º da Convenção de Berna, aliado aos artigos 4º e 5º da Convenção da OMPI sobre direitos do autor e artigo 10º do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. No âmbito comunitário europeu, as normas relevantes estão nas diretivas de programas de computador (Diretiva 2009/24/CE) e de bases de dados (Diretiva 96/9/ CE). Nos ordenamentos nacionais, essa proteção está firmada em Portugal no artigo 36º do CDADC e Decreto-Lei n.º 122/2000, enquanto no Brasil ela é encontrada na Lei n. 9.609/1998 e no artigo 87 da Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610/1998). 37 38 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA O quinto, finalizando, é sobre descobrir qual o regime específico aplicável, a exemplo da diferença de prazo de proteção para obras anônimas, avaliando por fim se as regras presentes nele poderiam ser estendidas para essa categoria de obras. 2 OS COMPONENTES FUNDAMENTAIS DE UMA APLICAÇÃO DE IA Argumenta-se nesse trabalho que os três elementos principais que viabilizam o bom funcionamento de uma aplicação de Inteligência Artificial são o seu algoritmo, o hardware em que ele é executado e a somatórias dos dados e informações utilizadas nele. Cabe, assim, detalhar a centralidade desses elementos e as razões para sua escolha. 2.1 O ALGORITMO Sendo as aplicações de Inteligência Artificial sistemas de computador, conforme definido por McCarthy (1955), o primeiro elemento que necessita ser estudado, e que constitui a base de todo programa do tipo, é o algoritmo. O algoritmo “é um conjunto de instruções matemáticas, uma sequência de tarefas para alcançar um resultado esperado em um tempo limitado” (KAUFMAN, 2018). Ed Finn (2017, p. 17) define algoritmo como sendo “instruções matemáticas para manipular dados ou raciocínio por meio de um problema”. Já no ramo da computação, algoritmo seria definido como “qualquer procedimento computacional bem definido que toma algum valor ou conjunto de valores como entrada e produz algum valor ou conjunto de valores como saída” (CORMEN et al., 2002, p. 3). Tal conjunto de instruções que transforma determinado valor de entrada em um resultado de saída pode ser realizado por meio de linhas de código que quando aplicadas em determinada máquina executam ações específicas. Tais linhas de código constituem, fundamentalmente, um programa de computador, também denominado de software, de acordo com a nomenclatura em inglês. Esse tipo de software pode ser programado de diferentes maneiras para desempenhar diferentes funções. Programas de Inteligência Artificial foram criados para emular o raciocínio humano em diferentes atividades, como jogar xadrez ou fazer traduções. Assim, como existe uma grande va- NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: riedade de aplicativos que aplicam Inteligência Artificial, também existe variada gama de maneiras de se programá-los. Cumpre agora destacar alguns dos principais métodos pelos quais aplicações de IA são criados, começando pelo método denominado de Machine Learning. Pode-se dizer que Machine Learning, termo atribuído a Arthur Samuel (RUSSELL & NORVIG, 2016, p. 868), é uma tentativa de se ensinar a um programa um truque que até animais primitivos são capazes de fazer, nesse caso aprender com a experiência. Nas palavras de ROOS (2018), trata-se de “sistemas que melhoram sua performance em dada atividade com cada vez mais experiência ou dados”. Kaufman (2018) complementa ao afirmar que “esses algoritmos seguem instruções estritamente estáticas ao fazer previsões ou decisões baseadas em dados, através da construção de um modelo a partir de entradas de amostra”. A ideia de que os computadores poderiam aprender e melhorar independentemente de intervenção humana, originada na pesquisa de Samuel, perdura e serve como conceito basilar no estudo da Inteligência Artificial e sua raiz está em estatísticas e na maneira como elas extraem dados. A partir do método do Machine Learning, desenvolveu-se uma modalidade de programação mais complexa denominada Deep Learning, que se trata de um dos maiores avanços na maneira como aplicações de Inteligência Artificial são programadas. Ela utiliza redes neurais artificiais, simulações simplificadas de como neurônios biológicos se comportam, para extrair regras e padrões de determinados conjuntos de dados (ECONOMIST, 2015). A tecnologia consiste em uma série de unidades (assimilando-se aos neurônios). Cada uma dessas unidades combina uma série de valores de entrada (inputs) para produzir um valor de saída (output), que por sua vez também é passado para outros neurônios seguindo uma corrente (OSTP, 2016, p. 09). Desse modo, uma aplicação que utilize Deep Learning vai, em uma primeira etapa, analisar uma sequência de dados para chegar em determinado padrão; em seguida vai passar esse padrão por uma segunda camada de análise para chegar em um padrão mais refinado e daí em diante. Afirma o Escritório de Ciência e tecnologia do governo dos EUA (OSTP, 2016, p. 10) que as redes de Deep Learning “tipicamente utilizam várias camadas (...) e frequentemente usam uma grande quantidade de unidades em cada camada, para permitir o reconhecimento de padrões extremamente complexos e precisos”. 39 40 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA Roos (2018) afirma que essa profundidade de camadas permite que a rede aprenda estruturas mais complexas sem necessitar de quantidades irrealmente excessivas de dados. Além disso, destaca o autor que outra grande razão para se construir redes neurais artificiais seria para utilizar os sistemas biológicos presentes nos humanos como inspiração para programar melhores programas de IA, através de abordagens baseadas em lógica. 2.2 O HARDWARE Tratando-se de uma aplicação de algoritmo por meio de um software, cuja programação base por meio de Machine ou Deep Learning possui alta complexidade, é necessário que as tecnologias que dão suporte ao funcionamento de uma aplicação de Inteligência Artificial sejam igualmente avançadas. Isso porque um algoritmo de IA, apesar de seu grande potencial, não é capaz de ser executado sem um maquinário adequado para tanto. É nesse ponto que a velocidade de computação das máquinas em que os aplicativos de IA são executados ganha relevância. As aplicações de Inteligência Artificial dependem largamente da evolução dos computadores que são utilizados para rodar esse tipo de programa. E a perspectiva é de melhora para a capacidade de computadores. Empresas como a Microsoft vêm desenvolvendo os chamados Computadores Quânticos, os quais prometem melhorar consideravelmente a capacidade de análise que as máquinas atuais permitem. Para efeito de comparação “em 1997, o Deep Blue da IBM analisava 200 milhões de movimentos por segundo para superar o campeão de xadrez Garry Kasparov. Uma máquina quântica, por outro lado, seria capaz de analisar 1 trilhão de movimentos a cada segundo” (GARRETT, 2018), o que aumentaria substancialmente a capacidade de uma aplicação de Inteligência Artificial de analisar e processar o terceiro elemento base para o bom funcionamento de programas do tipo. 2.3 OS DADOS E AS INFORMAÇÕES Além dos avanços na tecnologia dos computadores, como ocorre em qualquer processo de conhecimento, faz-se necessário que a aplicação tenha as informações necessárias para produzir determinado resultado. Quanto maior for a quantidade de informações e melhor for a qualidade dos dados, melhor será o resultado obtido por uma aplicação de Inteligência Artificial. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Então o que compõe esse terceiro elemento são justamente os dados que alimentam os sistemas e os permitem produzir valores de saída condizentes com sua programação. Russell e Norvig escrevem (2016, p. 27) que durante um período de 60 anos de história da ciência da computação, de 1950 até aproximadamente 2010, a ênfase tinha sido no algoritmo como principal objeto de estudo. Eles afirmam, contudo, que estudos recentes na área de Inteligência Artificial mostram que para muitos problemas faria um sentido maior se preocupar mais com os dados coletados e ser menos criterioso sobre qual algoritmo aplicar. Isso se daria por conta da grande disponibilidade de bases de dados presentes na Internet. Sendo dado qualquer símbolo (imagens, sons etc.) que necessita ser interpretado para se transformar em informação, e sendo a função de um aplicativo de IA justamente transformar determinado valor de entrada em um de saída, agora se faz necessário a introdução de um conceito extremamente importante, já aludido acima, e que completa o tripé de elementos necessários para o bom funcionamento de uma aplicação de IA: o Big Data. Big Data, cuja origem do termo remonta a um artigo de Michael Cox e David Ellsworth de 19976, pode ser definido como a “representação de ativos de informação caracterizados por um volume, velocidade e variedade tão grandes que requerem uma tecnologia e métodos analíticos específicos para sua transformação em valor” (DE MAURO et. al., 2016). Ainda, o Big Data “geralmente inclui conjuntos de dados com tamanhos superiores à habilidade de programas de computador comuns de capturar, curar, administrar e processar dentro de um período de tempo tolerável” (SNIJDERS, 2012). O desenvolvimento da internet permitiu que todo usuário, e em iterações modernas até mesmo eletrodomésticos e objetos caseiros por meio da Internet of Things, produzissem dados e informações como fotos, vídeos textos etc. os quais podem ser agrupados em grandes conjuntos de dados para serem analisados por determinado software. Isso porque a rede mundial de computadores não é mídia no sentido tradicional, e sim um meio de comunicação interativa (CASTELLS, 2010, p. xxvi). 6 O artigo tem como título Application-Controlled Demand Paging for Out-Of-Core Visualization. O trecho em questão, que mostra o termo Big Data pela primeira vez, pode ser encontrado ainda na introdução do artigo: “visualization provides an interesting challenge for computer systems: data sets are generally quite large, taxing the capacities of main memory, local disk, and even remote disk. We call this the problem of big data. When data sets do not fit in main memory (in core), or when they do not fit even on local disk, the most common solution is to acquire more resources” (COX & ELLSWORTH, 1997, p. 235). [Grifou-se]. 41 42 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA Banko e Brill, citados por Russell e Norvig (2016, p. 28), afirmam que essas técnicas de machine learning têm um desempenho exponencialmente melhor à medida que a quantidade disponível de textos cresce, e que esse aumento na performance da utilização de mais dados excede qualquer diferença na escolha do algoritmo. Esses autores atestam que um algoritmo medíocre, com 100 milhões de palavras de dados de treinamento não rotulados, consegue um resultado melhor que o algoritmo mais conhecido com apenas 1 milhão de palavras. À respeito desse tema, Russell & Norvig concluem (2016, p. 28) que trabalhos como esse sugerem que o ‘gargalo de conhecimento’ na Inteligência Artificial (o problema de como expressar todo o conhecimento que o sistema precisa) poderia ser resolvido em muitos programas de computador do tipo por meio de métodos de treinamento (como os citados anteriormente de supervisionado, não supervisionado e reforçado) do que por meio de conhecimento humano codificado diretamente na plataforma. A condição para isso ocorrer seria que esses algoritmos precisariam de dados suficientes para realizar suas funções de maneira satisfatória. Isso ressalta a importância de que para uma aplicação de IA funcionar de maneira adequada ela precisa que seu algoritmo, seu hardware e os dados utilizados por ela sejam igualmente bem desenvolvidos. Ver-se-á no capítulo seguinte se esse intricado sistema teria as condições de cumprir os requisitos da Convenção de Berna para ver suas criações protegidas pelo Direito de Autor. 3 OBRA, AUTORIA E TITULARIDADE DE ACORDO COM O DIREITO BRASILEIRO E PORTUGUÊS Vistos os elementos que compõem uma aplicação de Inteligência Artificial, o próximo passo é verificar qual seria a legislação aplicável a essas criações, levando em consideração os elementos que formam um programa do tipo. Será abordado primeiramente o conceito de obra ou trabalho criativo para o direito brasileiro e português. Em seguida o conceito de autoria e titularidade será discutido tendo como base ambas as legislações. 3.1 A OBRA OU TRABALHO CRIATIVO DE ACORDO COM AS LEIS BRASILEIRAS E PORTUGUESAS O conceito de obra protegida, para o direito brasileiro, pode ser encontrado na lei número 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, a qual altera, atualiza e NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Especificamente, essa definição pode ser encontrada em seu artigo 7º7, com um rol de 13 itens exemplificativos. Com relação ao que não é protegido pelo Direito Autoral, isso ficou à cargo do artigo 8º da mesma lei8. Já a legislação específica sobre programas de computador, de n. 9.609/98, define esse tipo de obra em seu artigo 1º9. A mesma legislação de software, porém, enfatiza sua sujeição à lei 9.610/98 ao destacar em seu artigo 2º que o regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no Brasil, art. 2º, § 1º, da lei 9.609/98. Essa proteção, contudo, se restringe à modalidade dos direitos patrimoniais, sem formação de direitos morais. Um segundo aspecto a ser destacado é o relevante ponto adicionado à lei 9.610/98 para proteção às bases de dados. Ao dispor no inciso XIII do art. 7º que essas estão no rol de obras protegidas pelo Direito Autoral, esse dispositivo é um dos que pode abrir caminho para a adequada maneira de se tutelar a proteção de obras criadas por aplicações de Inteligência Artificial. Dada a dependência da IA por dados para que ela funcione corretamente e a crescente difusão de softwares, além de inteiros modelos de negócios que dependem do Big Data, ter uma previsão expressa em lei pode auxiliar nesse aspecto. Uma crítica tecida por Ascensão a esse tipo de obra é que, por ser de caráter utilitário, “haveria que acrescentar o requisito da originalidade, nos termos anteriormente referidos. Haverá, pois uma exigência particular em 7 8 9 Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e títulos isolados; VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. 43 44 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA relação às restantes obras. Isto tornará rara e pouco segura a tutela da base de dados pelo Direito de Autor” (1997, p. 674). Obra no direito brasileiro, desse modo, é toda expressão criativa do intelecto. A lei 9.610/98 adiciona a proteção às bases de dados, o que adquire relevância se for considerada a dependência da IA em informações. Com relação a tutela específica dos programas de computador, a eles se aplicam todas as disposições relativas ao Direito Autoral, com exceção aos direitos morais. O direito português é bastante próximo do brasileiro nesse ponto. Sublinha-se, no entanto, que posições majoritárias da doutrina portuguesa reforçam a ideia de criatividade e de uma obra que vá além do meramente técnico. José Alberto Vieira aponta que os artigos 1º, n. 1 e 2º, n. 2 do CDADC (em harmonia, segundo o jurista, com a Convenção de Berna) determinam expressamente que a obra protegida é uma criação intelectual. Aprofundando, o doutrinador avança que a obra passível de proteção é uma expressão criativa de caráter subjetivo, e, portanto, sempre resultado de uma atividade humana de criação, independentemente de seu valor econômico (2001, p. 131-134). Contudo, esse caráter subjetivo foi significativamente flexibilizado por influência comunitária. As diretivas de proteção de bens informáticos tinham critérios bastante objetivos para concessão de proteção autoral. Para José de Oliveira Ascensão, essa escolha pela tutela objetiva de produções culturais pelo direito autoral, geralmente por razões econômicas e eliminando o requisito de alto grau de criatividade, é um elemento indesejável da aproximação do droit d’auteur em direção às normas de copyright. Ele diminui a centralidade do autor criador e permite o aparecimento de situações que parecem distorcer princípios fundamentais, tal qual a existência de “obras sem autor” (ASCENSÃO, 2008a). Do outro lado, o TJUE é um ator de peso na aproximação entre as perspectivas utilitárias do copyright e as personalistas do droit d’auteur. No caso Infopaq, a corte ampliou o critério de originalidade subjetiva (existente apenas para fotografias, programas de computador e bases de dados10) para o direito exclusivo de reprodução da Diretiva Infosoc. Isso efetivamente colocou esse critério como parâmetro central da originalidade para todo o direito autoral europeu. O fez, contudo, estabele10 Case C-05/08 Infopaq International, ECLI:EU:C:2009:465. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: cendo um nível baixo de exigência criativa e firmando esse entendimento sob o conceito de “criação intelectual própria do autor”. Em outros julgados, determinou ser necessário que, na produção da obra, o autor fosse capaz de fazer escolhas livres e criativas (não estando apenas seguindo regras ou considerações técnicas)11, além de ser imprescindível que houvesse seu toque pessoal na obra12 (SOUSA E SILVA, 2013, 1366-1372). 3.2 A AUTORIA DAS OBRAS CRIATIVAS E A TITULARIDADE DOS DIREITOS Na lei 9.610/98, as disposições acerca da autoria das obras intelectuais podem ser encontradas no capítulo II do título II entre os artigos 11 e 1713. Sobre essa definição, Ascensão diz, em primeiro lugar, que o princípio a ser fixado com clareza é de que o autor é o criador intelectual da obra. Em suas palavras: “a obra literária ou artística exige uma criação, no plano do espírito: autor é quem realiza essa criação. Há exceções (...), mas nem por isso o princípio deve deixar de ser proclamado com nitidez” (1997, p. 70). É isso que prevê o artigo 22 da lei 9.610/98 em sua generalidade. As mesmas colocações são feitas pelo lusitano sobre o ordenamento português (ASCENSÃO, 2012, p. 57-58), analisando a expressão “criador intelectual” presente nos arts. 11º e 27º, 1 do CDADC. Com relação ao artigo 13 da LDA, Ascensão comenta que o Direito de Autor seria atribuído a quem viesse designado da maneira universalmente adotada e complementa tal impressão ser corroborada pelo art. 15, alínea 1, da Convenção de Berna14 (ASCENSÃO, 1997, p. 72). Essa visão funcio11 12 13 14 Case C-604/10 Football Dataco, ECLI:EU:C:2012:115 Case C-145/10 Painer, ECLI:EU:C:2011:798 Principalmente nos arts. 11, 12 e 13: Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei. Art. 12. Para se identificar como autor, poderá o criador da obra literária, artística ou científica usar de seu nome civil, completo ou abreviado até por suas iniciais, de pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional. Art. 13. Considera-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo anterior, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização. Assim prevê o artigo 15, alínea 1 da Convenção de Berna: para que os autores das obras literárias e artísticas protegidos pela presente Convenção sejam, até prova em contrário, considerados como tais e admitidos em conseqüência, perante os tribunais dos 45 46 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA nal da autoria, que cumpre a função de identificar quem é o autor, é quase idêntica no direito português, como mostra o art. 27º, 2 do CDADC (PEREIRA, 2008, p. 436). Perceba-se, por outro lado, que há uma contraposição entre essa visão funcional e a visão ontológica, que define quem verdadeiramente é o autor. Prosseguindo, a redação do artigo 11 da lei 9.610/98, que prevê o autor ser a pessoa física criadora de obra criativa e, no seu parágrafo único, que a proteção concedida ao autor poderia ser aplicada às pessoas jurídicas nos casos previstos em lei. Valente (2018, p. 262) comenta ter que a justificativa do executivo foi que “esta proposta reflete uma tendência internacional de aproximação entre os institutos de ‘copyright’ e ‘droit d’auteur’”. Isso significa que a despeito da previsão da autoria pertencer somente às pessoas físicas, ainda há possibilidades legais dessa ser atribuída a pessoas jurídicas (ou coletivas, na terminologia portuguesa), especialmente quando cumprir a função de organização, edição ou produção de obras, conforme estabelecido na lei 9.610/9815. A legislação lusitana vai no mesmo caminho ao estabelecer exceções que permitem a titularidade de pessoas coletivas nos art. 14º, 19º e 32º do CDADC. Essa separação entre o papel das pessoas naturais e coletivas é bastante relevante, tendo em vista que em Portugal há uma maior confusão no texto legal entre autor e titular. Conforme aponta Pereira (2008, p. 435), já uma unidade entre autoria e titularidade (ver arts. 11º e 27º, 1 do CDADC16), chamando pelo termo “autor” tanto o criador intelectual quanto o titular do direito. Contudo, em determinados dispositivos do CDADC, como no art. 14º, 217, o diploma faz explícita diferenciação entre criador intelectual e titular do direito. 15 16 17 países da União, a proceder judicialmente contra os contra fatores, basta que os seus nomes venham indicados nas obras pela forma usual. O presente parágrafo é aplicável mesmo quando os nomes são pseudônimos, desde que os pseudônimos adotados não deixem quaisquer dúvidas acerca da identidade dos autores. Dentre os casos previstos em lei, destaca-se: a pessoa jurídica pode ser a organizadora de obra coletiva (art. 5º, VIII, h); a editora de uma obra literária (art. 5º, X); o produtor de obra audiovisual (art. 81); o radiodifusor (arts. 91 e 95) ou o produtor fonográfico (art. 93), ambos titulares de direitos conexos de autor (art. 89). Art. 11º O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário Art. 27º, 1 - Salvo disposição em contrário, autor é o criador intelectual da obra. Art. 14º (...) 2 - Na falta de convenção, presume-se que a titularidade do direito de autor relativo à obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Diante disso, a doutrina lusitana assumiu para si a função de diferenciar (i) a atribuição originária do direito de (ii) o autor enquanto criador intelectual (PEREIRA, 1999 e VIEIRA, 2001, p. 135). A jurisprudência também caminha para definir como “autor” apenas o criador intelectual da obra, havendo apenas algumas dissonâncias quanto aos casos de autorias de obras coletivas (FERNANDES, 2018). Outro aspecto importante que deve ser mencionado no campo da autoria para além das pessoas naturais é que a tutela jurídica do software é a mais benéfica para pessoas jurídicas em ambos os ordenamentos (PEREIRA, 2011, p. 24). Devido às disposições legais brasileiras e portuguesas restringirem a proteção autoral dos programas de computador aos direitos patrimoniais, a tutela desse tipo de obra por parte de uma pessoa jurídica é facilitada. A inexistência do direito moral para software, com a exceção do reconhecimento de sua paternidade, permite, na prática, que uma empresa que contrate funcionários para a produção de um programa de computador seja titular originária deste. Sobre esse processo criativo, Medeiros (2017, p. 351) comenta que o programa de computador poderia surgir do empenho individual de um programador, mas que seria mais comum o seu desenvolvimento pela participação de várias pessoas, no formato de obras coletivas ou colaborativas. É nessa linha que o artigo 4º da Lei n. 9.609/98 no Brasil e o art. 3º, n. 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 252/9418 em Portugal auxiliam muito mais as pessoas jurídicas: ao estabelecer pertencer ao empregador os direitos relativos ao programa de computador, salvo estipulação em contrário. A respeito do tema, Wachowicz (2010, p. 16) destaca que a criação e desenvolvimento do software são realizados por pessoas diferentes, mas poderiam ser organizadas por uma empresa da área de informática, configurando uma obra coletiva, a respeito da qual seria necessário contrato específico que daria à pessoa jurídica a titularidade da obra. Essas normas voltadas principalmente à tutela do interesse empresarial parecem confrontar com a doutrina lusitana do início do século, bastante clara ao reforçar o caráter subjetivo da obra protegida e apontar o autor como pessoa humana (VIEIRA, 2001, 135-136), elevando isso a um aspecto central da principiologia autoral. Novamente, esse panorama sofre influências da legislação comunitária e da consequente aproximação dos diferentes sistemas vigentes na 18 Que transpôs para o ordenamento interno português a Diretiva n.º 91/250/CEE, agora substituída pela Diretiva 2009/24. 47 48 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA Europa. Por um lado, há a já mencionada objetivação da ideia de obra protegida pelo direito de autor e estabelecimento de um baixo parâmetro para averiguação de originalidade (ASCENSÃO, 2012, p. 717). Firmou-se nelas também a exceção ao princípio do criador ao definir que os ordenamentos nacionais podem determinar se pessoas jurídicas possam ser titulares de direitos de autor. Por outro lado, Ramalho (2017, 15-17) afirma que a facultatividade desse dispositivo evidencia a fuga do núcleo do conceito de autor19, remete apenas para uma titularidade do direito (e não autoria) e, em última instância, aponta para pessoas naturais no alicerce da pessoa coletiva. É, na linha do que já se apontou, apenas uma exceção tolerada. Para finalizar essa seção, é importante abordar a tutela das obras anônimas20 e pseudônimas21 pelo direito brasileiro e português. Ascensão (1997, p. 117) declara que “a obra anônima ou pseudônima não implica qualquer especialidade no que respeita à atribuição do Direito de Autor – o Direito de Autor é atribuído, nos termos normais, ao criador intelectual. Está em causa apenas a determinação da identidade deste”. O problema não é relativo à paternidade da obra, pois esse é um direito moral do criador intelectual. A principal questão, nesse caso, seria na determinação de como se exercem os direitos sobre uma obra a qual não se conhece o autor. Sobre isso, discorre Ascensão (1997, p. 117 e 2012, p. 153) que, na ausência de autor, assume aquele que divulga a obra a titularidade dela e todos os direitos patrimoniais que seriam cabíveis ao criador originário da obra, o que se observa no art. 40 da Lei 9.610/98. Um paralelo mais restrito, firmando o divulgador apenas como representante do autor anônimo, pode ser encontrada no art. 30º, 1 do CDADC22. 19 20 21 22 A legislação alemã, por exemplo, estabelece na §7 da Urheberrechtsgesetz que o princípio do criador é absoluto e que o direito autoral é inseparável do criador da obra. Na prática, contudo, é possível obter efeitos similares à transmissão e titularidade originária para terceiros através de certas licenças (SOUSA E SILVA, 2013, p. 1350). LDA, Artigo 5º, inciso VIII, alínea b: para os efeitos desta Lei, considera-se obra anônima - quando não se indica o nome do autor, por sua vontade ou por ser desconhecido. O art. 30º, 1 do CDADC de adequa à essa definição. LDA, Artigo 5º, inciso VIII, alínea c: para os efeitos desta Lei, considera-se obra pseudônima - quando o autor se oculta sob nome suposto. O CDADC, no Artigo 28º (identificação do autor) apenas faz menção à possibilidade de uso de pseudônimo, sem maiores detalhes. CDADC, Artigo 30.º Obra de autor anónimo. 1 - Aquele que divulgar ou publicar uma obra com o consentimento do autor, sob nome que não revele a identidade deste ou anonimamente, considera-se representante do autor, incumbindo-lhe o dever de defender NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Fica a ressalva de que o criador original desta pode a qualquer momento assumir sua autoria e a ele passaria o exercício desses direitos patrimoniais, ressalvados os adquiridos por terceiros. Tal momento, ao menos em uma primeira observação, não ocorreria no caso de inteligências artificiais, mantendo-se a titularidade para a pessoa que divulgou a obra. 4 A OBRA DE UMA APLICAÇÃO DE IA PARA O DIREITO PORTUGUÊS E O BRASILEIRO Com base nas conclusões apresentadas acima, pretende-se explorar se atualmente uma obra produzida por uma aplicação de Inteligência Artificial poderia ser protegida pelas leis de Direito Autoral vigentes em solo brasileiro e português, e como seria. Apresentou-se o tratamento que ambos os direitos nacionais dão ao tema e se observou, em síntese, que uma obra se trata de uma expressão criativa do intelecto. Agora o objetivo é analisar se a obra fruto de um programa de IA poderia cumprir esses três quesitos, em especial os dois últimos, dado o fato que a mera existência de uma obra do tipo já comprova sua expressão. Primeiramente, se verificará se uma aplicação de Inteligência Artificial pode ser considerada criativa e, em seguida, se ela pode manifestar uma expressão do intelecto. Por fim, comparando lei e tecnologia, se verificará se elas podem ser consideradas compatíveis ou não. 4.1 A POSSIBILIDADE DE UMA APLICAÇÃO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL SER CRIATIVA Para se determinar se uma aplicação de Inteligência Artificial poderia ser criativa, é necessário primeiramente aprofundar o conceito de criatividade apresentado acima. De acordo com Runco e Jaeger (2012, p. 92), criatividade demanda da obra apresentar tanto elementos de originalidade quanto de efetividade. Sobre o primeiro, comenta Okediji (2018, p. 17) que a Inteligência Artificial leva o debate acerca da originalidade ainda mais adiante ao questionar a utilidade ou a necessidade da proteção de direitos autorais para obras criadas totalmente ou com o auxílio de máquinas inteligentes, precisas e programáveis. Isso porque, de acordo com Margot Kaminski (2017, p. 594): perante terceiros os respectivos direitos, salvo manifestação de vontade em contrário por parte do autor. 49 50 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA ...a autoria algorítmica desafia fundamentalmente a noção de autor ou orador romântico: um ser humano individual que faz uma produção criativa durante momentos de criatividade iluminada. O autor romântico é profundamente humano; a sua criatividade deriva, de fato, da sua humanidade. Romantizar a criatividade como um aspecto essencial da identidade humana é mais difícil de se fazer quando uma máquina pode produzir os mesmos trabalhos criativos. Considerando que o requisito de originalidade demanda que determinado produto seja inovador e não apenas mera cópia de algo já existente, e que uma aplicação de Inteligência Artificial é constituída por um software rodando em um hardware, utilizando Big Data como valor de entrada, seria de se esperar que os resultados, dada a natureza algorítmica do invento, fossem previsíveis. Porém, de acordo com Joel Lehman et. al., esse nem sempre é o caso (2018, p. 5), pois a ciência de computação teórica já há muito aponta que o resultado de muitos programas de computador não pode ser realmente previsto antes de sua execução. Isso se deve a maneira como aplicações modernas de Inteligência Artificial operam. Dada a presença de algoritmos de machine e deep learning, os quais podem analisar e processar os dados de input repetidas vezes antes de dar um resultado definitivo, essas aplicações, pelo próprio modo como foram programadas, irão produzir resultados inesperados. Já com relação ao segundo aspecto, da efetividade, para uma obra ser considerada criativa ela deve ser vista como uma criação artística valiosa pela comunidade na qual ela foi publicada. Quando se fala de obras de arte, a verificação de sua aceitação pode ser feita de algumas formas. Cita-se aqui um caso mencionado por Lehman et. al. (2018, p. 16) em que o programador Peter Bentley desenvolvera ainda em 2000 um sistema denominado Generic Evolution Design capaz de combinar uma série de “blocos de construção” em configurações complexas e funcionais, o que despertou o interesse de um grupo de músicos. As músicas que surgiram foram divulgadas escondendo a sua autoria parcialmente computacional, mas tiveram expressivo sucesso perante o público. Em outro caso, “uma impressão gerada por uma inteligência artificial (IA) foi vendida por US$ 432.500 [mais de R$1.600.000] pela casa de leilões Christie’s de Nova York, nos EUA” (PEARSON, 2018). Essa obra, chamada Edmond de Bellamy e vendida em outubro de 2018, teve um valor de venda 40 vezes maior do que o esperado. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Independentemente das preocupações sobre ambas as obras exemplificadas acima terem tido grande participação de aplicações de IA, percebe-se que elas puderam ser apreciadas pelo público. Tanto as faixas de música, das quais se desconhecia o fato de terem sido criadas por um programa de Inteligência Artificial, quanto a pintura, sobre a qual se tinha amplo conhecimento desse fato, tiveram amplo sucesso comercial. Inclusive, o quadro fora vendido por um valor amplamente superior ao pretendido inicialmente. Desse modo, é possível concluir que aplicações de Inteligência Artificial teriam sim, em princípio, a capacidade de demonstrar criatividade na criação de trabalhos, concordando assim com a análise detalhada de Annemarie Bridy sobre essa questão (2012). Tanto no aspecto da originalidade quanto no aspecto da efetividade, programas do tipo dispõem das condições e dos meios de produzir trabalhos que fujam do ordinário e que possam ser apreciados pelo público como arte. 4.2 A POSSIBILIDADE DE UMA APLICAÇÃO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL TER UMA EXPRESSÃO INTELECTUAL De acordo com Ana Ramalho (2017, p. 13), “a ideia da autoria romântica – do autor como um único indivíduo – mudou ao longo do tempo. Ela acomodou a autoria conjunta e obras de caráter industrial, por exemplo. Mas a estrutura atual não pode acomodar autores não-humanos”. Nesse sentido, o segundo critério a ser analisado para verificar se uma obra produzida por uma aplicação de IA poderia ser protegida pelos direitos brasileiro e português é se ela pode ser considerada como intelectual. Em outras palavras, poderia um programa imbuir uma obra criativa de seus traços pessoais de modo a ser considerada como autora? Como se viu anteriormente, de um lado as aplicações de IA já são capazes de produzir trabalhos criativos tal qual humanos, com pouca ou nenhuma intervenção humana. Por outro lado, essas aplicações não deixam de ser compostas de algoritmos programados por algum programador humano que os deu essa função. Além disso, como explica Okediji, “frequentemente, IA cria trabalhos em conjunção com usuários humanos, os quais podem prover algum grau de instrução para guiar o software” (2018, p. 18). É essa dinâmica entre programadores, usuários e máquina que cria uma questão complexa de ser resolvida pelas atuais leis de Direito Autoral. Isso porque, de acordo com Rapkauskas (2017, p. 35): 51 52 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA Quatro pretendentes são distinguidos como possíveis proprietários da propriedade intelectual criada por um sistema de inteligência artificial consciente: o próprio sistema, seu programador, seu proprietário ou ninguém. Uma vez que o sistema de inteligência artificial consciente é capaz de criar objetos originais e novos enquanto opera independentemente da interferência humana, ao aplicar a regra geral para aquisição da propriedade do objeto de propriedade intelectual que é relevante atualmente, o sistema de inteligência artificial consciente seria atribuído como o proprietário da propriedade intelectual criada por ele. No entanto, o sistema não é elegível para se tornar proprietário devido à falta de personalidade jurídica. Enquanto isso, nem o programador nem o proprietário do sistema poderiam ser considerados proprietários da obra desse sistema porque não contribuem para o processo criativo. Depois de eliminar todos os pretendentes, a propriedade intelectual criada pelo sistema de IA seria atribuída a ninguém, portanto, ela se tornaria um domínio público, que não forneceria quaisquer incentivos, assim, diminuindo os incentivos para os processos de desenvolvimento. José de Oliveira Ascensão comenta que quando um programa de computador atinge resultados totalmente indeterminados pelo seu operador, ocorrido no caso de obras criadas por aplicações de Inteligência Artificial, não haveria um direito desse operador sobre o resultado produzido. Nas palavras do autor lusitano, ao tratar do resultado da criação (1997, p. 664): “a criação intelectual é a criação individualizada; é a expressão de uma ideia, que tem necessariamente de se antever com um conteúdo específico. Não é equivalente ao ato de pôr em funcionamento uma máquina de que derivam produtos indiscriminados”. A possibilidade dessa obra pertencer ao operador da máquina é rechaçada pelo autor, ao afirmar que a criação deve ser específica e não genérica, e que a propriedade (física ou intelectual) do objeto que cria a obra não se confunde com a criação da obra em si (ASCENSÃO, 1997, p. 664). Faria pouco sentido uma dupla remuneração do programador, que já seria recompensado pelos direitos relativos à aplicação de inteligência artificial. Para Ascensão, o Direito de Autor é necessariamente um Direito da Cultura. Segundo ele, supra, os próprios textos legais brasileiro e português indicam que criação intelectual e a produção de uma obra relevante só poderia ser feita pelo espírito humano, que seria o único capaz de atribuir valor cultural a uma criação, transformando-a em obra protegida pelo direito. Eugen Ulmer tem uma opinião congruente ao do autor português no que se refere à impossibilidade de a autoria ser atribuída a outra entidade NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: que não um humano, porém discorda da afirmação de que ao controlador da máquina também não pertenceria a obra, caso ela fosse feita sem a atividade criativa de uma pessoa. Afirma o jurista alemão que, nos casos de composições automáticas (produzidas pelo computador de forma aleatória) a autoria pertence à pessoa que criou o padrão básico que determina o programa (1980, p. 128). Denis Borges Barbosa (2017, p. 1911-1915) segue a mesma linha argumentativa ao afirmar, fundamentando a possibilidade de proteção autoral de programas de computador, que “é autor essencialmente quem tem poder decisório sobre a expressão”. O doutrinador lembra que o autor e criador é também quem escolhe entre as alternativa de expressão. Isso tornaria até o comissionante um potencial autor da obra se interferisse o suficiente no resultado final elaborado originalmente pelo comissionado. Em uma aplicação analógica da teoria de Barbosa, para que alguém se torne titular originário de uma obra criada por aplicação de Inteligência Artificial, “é preciso que seja criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma”. Sustentando esse mesmo argumento, porém sob outro aspecto, Okediji (2018, p. 19) comenta que de um ponto de vista econômico são necessários dispositivos legais previsíveis para se manter um nível considerável de investimento nas indústrias criativas. Porém, ele aponta que, sob uma visão utilitária, esse tipo de recompensa não seria adequado para máquina. Como consequência, para estimular economicamente a produção desses bens culturais, seria necessário conceder o direito ao programador do maquinário inteligente. Portugal parece ser mais resistente à essas visões centrada em aspectos econômicos. Apesar da lei não ser tão cristalina quanto à necessidade de autoria humana, são determinantes algumas posições da doutrina mais especializada. Como já se pode observar nos comentários de Ascensão sobre a lei brasileira, é valorizada mais uma visão personalista e subjetiva do direito autoral/direito de autor, com centralidade na ligação espiritual entre o criador e a obra. O autor lusitano coloca, com bastante ênfase, que os investimentos devem ser protegidos, mas que é profundamente anômalo que essa função seja cumprida pelo direito autoral, e que se esse for o objetivo central é mais adequada a escolha pela criações de direitos sui generis (2008a, p. 92-93). 53 54 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA Outra posição a se mencionar é a de José Alberto Vieira, que ainda em 2001 publicou artigo dissecando a questão aqui trabalhada, apontando que já nessa época o problema não era novo, remetendo para os primeiros casos nos EUA em 1965. Para esse doutrinador, a resposta mais correta sobre quem seria o autor de uma obra literária ou artística criada por computador é “ninguém”, pois seria muito insatisfatório no sistema português a solução de atribuir o direito autoral ao utilizador ou programador/engenheiro. Essa conclusão é reforçada pela visível impossibilidade de que o autor não seja humano no sistema português. (VIEIRA, 2001) Alexandre Dias Pereira argumenta ontologicamente ao afirmar que o autor só pode ser a pessoa natural/humana que cria a obra, mencionando que tal definição independe das escolhas do legislador e que as normas que concedem certos direitos patrimoniais às pessoas coletivas não as tornam autoras (2008, p. 436-437). Tratando expressamente das obras literárias e artísticas geradas por IA, o doutrinador lusitano afirma não existir fundamento para atribuir-lhes autoria, embora ventile a possibilidade de atribuir um direito conexo similar ao de editor existente no Reino Unido (2009, p. 37). Pereira lembra ainda não se encontrar na disposição sobre titularidade originária de pessoas coletivas uma solução adequada para o problema das obras geradas por IA (2019, p. 35). Isso porque a previsão do art. 19º parece se restringir à proteção de títulos de periódicos e obras inéditas, o que está mais ligado aos direitos conexos que aos direitos de autor propriamente ditos. Reforçando a posição majoritária, Dário Moura Vicente depreende do CDADC o entendimento de que as obras geradas por computador não são tuteladas pelos direitos de autor, indicando que sempre deveria haver um humano na origem da obra criada para que exista alguma proteção autoral (2012, p. 19). No entanto, mais uma vez, a influência comunitária europeia e as suas mudanças recentes indicam futuras alterações no ordenamento português. A tradição legal dos países de civil law da União Europeia, com a proeminência que os direitos morais/pessoais têm nesses sistemas, é tendencialmente clara no sentido de que a autoria deve ser humana. Cita-se os exemplos da legislação da França, Alemanha, Grécia e Hungria (BRIDY, 2016, p. 401). Ramalho (2017) também declara que essa conclusão é a melhor interpretação das diretivas comunitárias que trabalham o conceito de autoria, sejam elas na diretiva de programas de computador NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: (Diretiva 2009/24/CE), na de base de dados (Diretiva 96/9/CE) e na de aluguer, comodato e certos direitos conexos do Direito de Autor (Diretiva 2006/115/CE). O TJUE também já apontou nesse sentido. Para além dessa ser a interpretação mais razoável a partir do conceito de “criação intelectual própria do autor”, ocorreram alguns apontamentos explícitos, como as conclusões da Advogada Geral Verica Trstenjak no processo C-145/10: “121. Nos termos (...) da Directiva 93/98 ou da Directiva 2006/116, é assim apenas protegido o resultado da criação humana (...)”. Entretanto, recente Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica (2015/2103(INL)), informou em seus pontos 18-21 a necessidade de pensar os direitos de propriedade intelectual das inteligências artificiais. De forma mais interessante, na exposição de motivos, apontou-se que “é exigida a elaboração de critérios para uma criação intelectual própria relativamente a obras passíveis de serem objeto de direitos de autor produzidas por computadores ou robôs”. É importante lembrar que diretivas de programas de computador e de bases de dados se referiam à necessidade de um autor humano em determinados momentos de sua fase de proposta. O memorando explicativo da primeira delas expressamente mencionava que o autor humano que cria a obra é o primeiro titular dos direitos. A segunda diretiva, além de firmar em seu memorando explicativo que um autor humano estaria sempre presente em algum nível, tinha a previsão de obras geradas por computador em seu artigo 2(5), que foi considerada muito prematura e não aprovada. A retirada dessas menções do texto final é significativa. (RAMALHO, 2017, p. 15). Não se deve confundir esse último comentário com uma afirmação categórica sobre qual será o caminho seguido pela União Europeia. Afinal, outros documentos oficiais põem em dúvida a necessidade de novas regulações sobre o tema. Relatório de 2018 do Centro de Pesquisa Integrado em Ciência para Políticas da Comissão Europeia sugere bastante cautela e estudos cuidadosos para definir como encorajar corretamente a inovação nessa área, questionando quais direitos de propriedade intelectual seriam mais adequados e se eles de fatos seriam necessários23. 23 Cf. o relatório Artificial Intelligence - A European Perspective, EUR 29425, Publications Office, Luxembourg, 2018, 55 56 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Iniciam-se as considerações finais excluindo os regimes mais claramente inadequados para proteção do tipo de obras abordada nessa investigação. Em primeiro lugar, a proposta de proteção através de um regime similar ao work made for hire, defendida por certos autores (BRIDY, 2016), é bastante inadequada em sistemas que valorizam os direitos morais (SCHÖNBERGER, 2018). Vale notar que só há paralelo dessa norma nas regras brasileiras quanto ao regime aplicável ao software (art. 4º da Lei nº 9.609/98) e que o work-for-hire dos EUA trata de um regime completamente diferente daquele previsto no artigo 14, 1 do CDADC português (PEREIRA, 2008, p. 458). Além disso, mesmo nas regras norte-americanas tal é aplicável apenas a certos tipos de obras e não há como enquadrar bem uma máquina nem na dualidade comissário-comitente nem na empregadoempregador (RAMALHO, 2017, p. 19-20). Do mesmo modo parece inexistir em ambos sistemas autorais a possibilidade de proteger essas obras por outros regimes de bens incorpóreos, nomeadamente os de propriedade industrial ou sui generis vigentes. Exceções indiretas seriam observáveis apenas em casos muito restritos, como os segredos comerciais ligados à concorrência desleal ou de proteções específicas contratuais (VIEIRA, 2001, p. 139-140) Diante dos tópicos levantados durante o texto, tudo leva a concluir pela inexistência de propriedade intelectual imediata das aplicações de inteligências artificial24. Não haveria fundamento suficiente no sistema jurídico brasileiro e português para que elas fossem autoras ou mesmo titulares de direitos das obras que produzam. Essa resposta não é conclusiva, contudo, em relação ao regime aplicável. Existem duas principais teses que se fortalecem a partir dela, referentes à titularidade de direitos autorais pelo programador/usuário e do pertencimento da obra no domínio público. A primeira é a tese pela titularidade do direito autoral para o programador ou utilizador humano. Considerando que aplicações de Inteligência Artificial são em essência programas de computador rodando em um hardware poderoso que utilizam uma grande quantidade de dados, é possível 24 Há autores que argumentam em sentido contrário, afirmando que as aplicações de IA deveriam ser consideradas autores, como faz Russ Pearlman (2018) analisando o sistema dos EUA. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: uma aplicação conjunta tanto dos dispositivos de leis que tratam do direito autoral quanto aquelas que tratam do software. Os últimos passos legislativos e jurisprudenciais nos sistemas europeu e brasileiro indicam que não se excluirá a tutela ativa pelo direito autoral dessas obras. A titularidade dos direitos para o programador ou para o utilizador da aplicação de inteligência artificial é depreendida desses avanços e dos tópicos abordados25. Relembra-se: (i) da facilidade de se assumir a obra apenas com o simples colocar se seu nome nela; (ii) das previsões de obras anônimas; (iii) do ambiente autoral crescentemente favorável aos interesses e atuações empresariais (especialmente no âmbito dos bens informáticos)26. Autores como James Grimmelmann (2016) apontam que as obras geradas por computador não representam inovações suficientes no sistema autoral que exijam a necessidade de novas regras, bastando uma interpretação adequadas das já existentes. Outros, como Margot Kaminski (2017), sugerem que as inovações tecnológicas não devem sempre ensejar mudanças das leis. Pelo contrário, as regras devem ser levadas a sério e deve haver um esforço de enquadrar as novas situações no ordenamento existente. Essa autora lembra que muitos dos problemas supostamente novos colocados pelas inteligências artificiais no direito autoral na verdade já foram introduzidos (e respondidos) por outras tecnologias. Isso faz com que o status quo para esse tipo de criação tenda a que ela seja de titularidade de seu programador ou, de maneira mais recorrente, da empresa que comissiona a criação desse tipo de aplicação ou daquele que dá azo para a utilização do programa. Seria essa a solução que mais agradaria os agentes do mercado capazes de influenciar determinantemente o Judiciário, Executivo e Legislativo. Até haver algum tipo de pressão de grupos interessados para que uma mudança ocorra, as obras decorrentes desse método de produção deverão ficar nas mãos dos titulares e utilizadores desse tipo de programa. 25 26 Concordando com essa posição, cf. Okediji (2018), Denicola (2017) e Guadamuz (2017). Pode ser, contudo, que a influência dos EUA mais uma vez seja dominante, o que neste momento reforçaria a tese de que não haveria qualquer proteção por direito autoral (consequentemente, seriam obras que imediatamente cairiam no domínio público). Isso porque o U.S. Copyright Office determina, mediante os pontos 306 e 313.2 de seu compêndio de práticas, que recusará os pedidos de registro se um ser humano não foi o criador da obra, expressamente mencionando casos em que uma máquina cria uma obra sem intervenção criativa humana. Cf. U.S. COPYRIGHT OFFICE. Compendium of U.S. copyright office practices. 3 ed., 2017. Chapter 300, p. 4 e 16-17. 57 58 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA No direito brasileiro essa resposta seria mais facilmente aceita, enquanto se observam mais obstáculos na perspectiva portuguesa e mesmo na europeia (por enquanto, pelo menos). Se essa pressão conseguir ser suficientemente avançada por agentes como consumidores e acadêmicos, ganha força a segunda tese sobre o regime aplicável. Autores como Rapkauskas (2017, p. 35) defendem que os ordenamentos autorais no mundo já vão no sentido dessa perspectiva, fazendo com que as obras geradas por aplicações de inteligência artificial pertençam imediatamente ao domínio público. Essa opção apresenta duas grandes justificativas. Em primeiro, é preservada a consistência e coerência teórica dos princípios estruturais do direito autoral com base no droit d’auteur, que é o caso do sistema português e brasileiro, pois esses modelos têm como foco os autores (mais precisamente, os criadores intelectuais), buscando em paralelo um equilíbrio com o interesse público. Sam Ricketson (19911992), corroborado por Jane Ginsburg mais de 20 anos depois (2018), argumenta firmemente em defesa desse ponto sobre a definição de autora na Convenção de Berna, repudiando as perspectivas centralizadas no valor comercial das obras. Em paralelo a esse argumento teórico-ontológico principal, há outros que são salvaguardados, como a afirmação comumente presente na doutrina de que são espaços exclusivos que devem justificar firmemente sua existência, e não os de utilização livre (ASCENSÃO, 2008b, p. 23 e HOEREN, 2006, p. 26). Porém, é possível argumentar que essa principiologia se trata apenas de uma opção discricionária feita há muito tempo por juristas e agentes públicos e reproduzida até hoje. Assim, uma mudança nessa estrutura não é necessariamente negativa. Por exemplo, o foco dos sistemas de copyright na difusão cultural, especialmente os argumentos constitucionais norte-americanos, pode ser levantado como um propósito mais nobre. Dessa forma, a segunda justificativa merece destaque. Trata-se dos benefícios de um aumento e reforço do domínio público, conforme apontado por Ana Ramalho (2017) e Daniel Schönberger (2018). Enfatiza-se dentre eles o compartilhamento de conhecimento, o ganho em acessibilidade às obras e sua utilização por outros artistas para imitação competitiva27. 27 Um aprofundamento dessa defesa alongaria demasiadamente este artigo, razão pela qual se remete a alguns textos da extensa bibliografia já publicada sobre esse tema, como a de Ascensão (2008b), Denis Barbosa (2012) e Steven Horowitz (2009). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Nessa última categoria se enquadra, inclusive, o desenvolvimento de outras aplicações de inteligência artificial criativas. Por fim, vale lembrar que essa posição não é necessariamente incompatível com a proteção do investimento. É possível conectá-la a direitos conexos, como os garantidos aos editores em alguns ordenamentos (PEREIRA, 2019 e RAMALHO, 2017) ou o de publicação e divulgação de obras caídas no domínio público, previsto no art. 39º do CDADC.28 Ainda que essa discussão pareça ser etérea, dado o fato de que ainda não há, efetivamente, qualquer aplicação capaz de produzir obras de maneira totalmente anônima, o avanço das tecnologias do tipo se dá a passos cada vez mais largos. Por conta disso, é importante desde já problematizar e propor soluções para potenciais problemas que novas tecnologias do tipo possam trazer para que uma vez eles surjam a legislação já esteja mais preparada para combatê-los. Esse último comentário serve para mostrar que a pretensão desse trabalho não foi de esgotar o tema. Isso não seria sequer possível no atual momento. O que se aguarda é que ele sirva de estímulo para que outros profissionais também possam contribuir para o debate e o avanço da matéria. 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Disponível em: <http://ibpieuropa.org/book/revista-eletronica-do-ibpi-nr-6> 28 Artigo 39.º Obras no domínio público 1 - Quem fizer publicar ou divulgar licitamente, após a caducidade do direito de autor, uma obra inédita beneficia durante 25 anos a contar da publicação ou divulgação de protecção equivalente a resultante dos direitos patrimoniais do autor. (...) 59 60 LUKAS RUTHES GONÇALVES | PEDRO DE PERDIGÃO LANA BRIDY, Annemarie. Coding Creativity: Copyright and the Artificially Intelligent Author. Stanford Technology Law Review, v. 5, 2012. _______. The Evolution of Authorship: Work Made by Code. Columbia Journal of Law & Arts, v. 39, p. 395–401, 2016. CASTELLS, Manuel. The Rise of the Network Society. 2010. Wiley-Blackwell, Oxford, 2a. edição, 2010. CORMEN, Thomas H., LEISERSON, Charles E., RIVEST, Ronald L., STEIN, Clifford. Algoritmos Teoria e Prática. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2002. COX, Michael; ELLSWORTH, David. 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Coimbra: Editora Coimbra, 2001. A EFETIVIDADE DA SOLUÇÃO DO CONSENTIMENTO NA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS Alice de Perdigão Lana1 Érica Nogueira Soares d’Almeida2 1 INTRODUÇÃO Desde a aprovação no Brasil da Lei n. 13.709 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), em 14 de agosto de 2018, a proteção de dados pessoais tornou-se o assunto do momento em território nacional, sendo discutido em vários ambientes jurídicos e empresariais. Todavia, a temática não é recente: na Europa, as primeiras discussões datam do início da década de 70 - quase meio século atrás. A proteção de dados pessoais caminha de braços dados à privacidade, demonstrando a cada novo escândalo (como o Cambridge Analytica e o impacto das redes sociais nas eleições presidenciais do Brasil e dos EUA) sua vital importância para o livre desenvolvimento da personalidade e para a segurança dos sistemas políticos democráticos. Mais recente, mas ainda assim já estudada há mais de 10 anos, é a preocupação a respeito da massiva coleta e tratamento de dados por grandes empresas da tecnologia e o impacto disso nos indivíduos e na sociedade como um todo. O desenho econômico e político do mundo mudou consideravelmente nas últimas décadas, e parte significativa se deve à inclusão da tecnologia nas tarefas diárias. Para inúmeras pessoas, é difícil imaginar uma rotina diária que dispense internet, smartphones ou o uso de redes sociais. O que nem todos sabem é que a esmagadora maioria dessas tecnologias coleta e comercializa dados pessoais dos usuários 1 2 Mestranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná/UFPR. Bolsista CAPES. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Direitos Autorais e Industriais - GEDAI/UFPR e do Grupo Direito, Biotecnologia e Sociedade - BIOTEC/UFPR. E-mail: aliceplana@gmail.com Mestranda em Direito - Menção em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra. E-mail: ericansdg@gmail.com 64 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA - principalmente para fins de publicidade, mas também para estruturar políticas públicas em parcerias com o Estado (MOROZOV, 2018, p. 62) ou influenciar decisões políticas. Ainda que o titular dos dados pessoais usualmente não tenha consciência de estar cedendo seus dados - e muito menos o que isso significa em termos de autodeterminação -, frequentemente há um momento de aceitação: o tradicional clique no checkbox “Li e aceito os Termos e Política de privacidade”. Seria razoável presumir que essa aceitação - de políticas de privacidade traduzidas em contratos longos, herméticos e que demandariam horas de atenção e um conhecimento jurídico e tecnológico específico - garante a existência de consentimento? Mesmo que o usuário tenha aceitado os termos, o bom senso indica que é insensato inferir, desse descuidado clique, que o usuário esteja de acordo com a manipulação e comercialização de seus dados e com o contínuo monitoramento de seu uso das tecnologias. O presente capítulo objetiva problematizar a efetividade da solução do consentimento para os arranjos atuais de tratamento dos dados pessoais. Algumas perguntas que serão abordadas ao longo do texto, nem sempre de forma exaustiva em função de sua complexidade, são: qual o papel da internet no atual estado do fluxo de dados pessoais? Como funciona, a grosso modo, e para que serve a coleta e tratamento massivo desses dados? Acompanhando a história legislativa e jurisprudencial da proteção de dados pessoais na Europa, como se chegou à solução do consentimento? Como a discussão a respeito da proteção de dados pessoais foi trazida para o Brasil? Seria a solução do consentimento ainda efetiva? Quais críticas devem ser feitas? Caso contrário, existem outras saídas viáveis? A pesquisa que originou esse artigo foi realizada a quatro mãos, simultaneamente, em Portugal e no Brasil, durante o primeiro semestre do ano de 2019. Optou-se por analisar a efetividade da solução do consentimento em função dos manifestos sinais de insuficiência deste sistema, sem haver uma expressiva contraparte de apresentações de articulações diferenciadas para lidar com a questão da proteção de dados pessoais. Ainda que se reconheça as expressivas contribuições à discussão de proteção de dados fora da Europa e do Brasil, como nos EUA e em outros países da América Latina, o recorte justifica-se por conta da declarada inspiração da legislação brasileira no General Data Protection Regulation (GDPR). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: 2 BREVE HISTÓRICO DOS DADOS PESSOAIS Ainda no século XX, vivenciamos o surgimento de um novo paradigma tecnológico organizado em torno das tecnologias da informação. Tal revolução foi descrita por Manuel Castells (2010, p. 29) como “um evento histórico no mínimo tão significativo quanto a revolução industrial do século XVIII” (tradução nossa). Graças a esse novo paradigma tecnológico, surge uma nova economia, caracterizada como informacional, global e interconectada. A produtividade e a competitividade dos agentes nessa economia dependem fundamentalmente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar eficientemente informação baseada em conhecimento (CASTELLS, 2010, p. 77). Nesse contexto, tornou-se indispensável falarmos em proteção de dados. O avanço das tecnologias da informação permitiu o surgimento de formas mais eficientes de armazenamento de dados. Informações antes acumuladas em livros e arquivos físicos passaram a ser armazenadas em unidades menores, em maior quantidade e com maior facilidade, sendo possível encontrar um determinado conteúdo através de uma ferramenta de busca, por exemplo (BIONI, 2019, p. 34). Hoje, vivenciamos o aprimoramento da capacidade de armazenamento, que tende a aumentar consideravelmente com o passar dos anos, e a se tornar cada vez mais barata (POULLET, 2009, p. 218). A internet evoluiu de modo a permitir diálogos entre conteúdos diferentes, não necessariamente no mesmo formato. Computadores produzem metadados - informações que acrescem aos dados, permitindo a sua análise por pessoas ou máquinas. Assim, sistemas de informação são capazes de analisar o conteúdo de várias bases de dados, sem a necessidade de que estes dados tenham uma estrutura interna predefinida. Isso nos permite encontrar informações através de filtros e palavras-chave. Outra consequência da evolução das tecnologias da informação é o surgimento de uma ampla variedade de redes sociais e sites de compartilhamento de conteúdo, que são muitas vezes alimentados pelos próprios usuários. Pessoas compartilham voluntariamente detalhes de suas vidas: suas emoções, grupos de amigos, sua saúde, entre outros (POULLET, 2009, p. 219). Qualquer pessoa, ao utilizar a internet, pode deixar “rastros” que possibilitam a sua identificação. Identificadores secundários não são diretamente conectados à pessoa (diferentemente de seu nome, endereço ou telefone), mas se baseiam em informações conhecidas sobre aquele indi- 65 66 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA víduo. Números associados a sites ou objetos aos quais uma pessoa está conectada, ainda que ela não os conheça, podem ser usados para identificá -la (cookies, endereço IP, identificação por radiofrequência, etc) (POULLET, 2009, p. 220). Nesse sentido, históricos de navegação, termos de pesquisas e compras online podem revelar traços da personalidade de um indivíduo (BIONI, 2019, p. 109). Hoje fala-se na tecnologia do Big Data: a capacidade de aproveitar informações de novas formas para produzir conhecimento útil ou bens e serviços de significante valor (MAYER-SCHÖNBERGER e CUKIER, 2013, p. 7). O Big Data está associado a grande volume e velocidade, já que excede a capacidade das tecnologias tradicionais de processamento, e em alta velocidade (BIONI, 2019, p. 49; LANEY, 2001). Assim, lojas coletam dados sobre liquidações para fins contábeis, fábricas monitoram sua produção para controle de qualidade, websites observam os cliques de usuários para otimizar seu conteúdo (MAYER-SCHÖNBERGER e CUKIER, 2013, p. 96). Além disso, empresas coletam dados de comportamento de seus consumidores com objetivo de criar publicidade direcionada. Nesse contexto, a criação de perfis comportamentais (profiling) torna-se uma prática comum. As capacidades de criação de perfis cresceram exponencialmente nas últimas décadas, em decorrência tanto dos avanços tecnológicos quanto da disponibilidade cada vez maior de dados processáveis e rastros (GUTWIRTH e HILDEBRANDT, 2010, p. 32). Uma característica das mudanças trazidas pela internet no que diz respeito à produção de conteúdo é que o usuário deixa de ser um mero receptor passivo de informações e passa a ser um polo ativo na disseminação de informação sobre os mais variados assuntos (BARRETO JUNIOR, 2015, p. 409). Também é necessário ressaltar o contexto do advento da Internet 2.0. Ainda que hoje já se fale em Internet 3.0 ou mesmo 4.0, essa terminologia mantém-se útil, pois designa o fato de que, atualmente, as plataformas de Internet ganham valor sem oferecer necessariamente conteúdo próprio, mas sim as ferramentas para que o conteúdo seja postado por diversos usuários e seja possível a interação destas pessoas entre si. O termo foi cunhado por Tim o’Reilly em 2005 para definir o alto grau de interatividade, colaboração e produção/uso/consumo de conteúdos pelos próprios usuários. Diferentemente da Internet 1.0, as relações não se operam mais ao redor de páginas relativamente estáveis, mas sim em plataformas dinâmicas, em constante transformação gerada pela interação entre os usuários. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Dessa forma, a tecnologia faz parte do cotidiano e o usuário comum não é apenas receptor de conteúdo, mas também criador (WACHOWICZ, 2015). Em outras palavras: diversas plataformas sustentam-se economicamente justamente em função do conteúdo gerado por seus usuários. Da mesma forma, o consumidor deixa de ter uma postura meramente passiva, e passa a uma postura ativa, que condiciona a confecção, distribuição e segmentação do bem de consumo (BIONI, 2019, p. 34). Dados pessoais de usuários da internet tornaram-se extremamente úteis para empresas no cenário econômico atual. A história da empresa americana Amazon é um exemplo bem-sucedido disso. Enquanto ainda era uma loja de livros online, a Amazon contava com um time de editores e críticos em seu quadro de funcionários, que escrevia resenhas e fazia recomendações de novos títulos, além de selecionar quais livros apareceriam em destaque no site. As seleções e recomendações eram consideradas um fator diferencial da empresa, responsável por sua vantagem em relação à concorrência (MAYER-SCHÖNBERGER e CUKIER, 2013, p. 50). Contudo, a Amazon passou a analisar os dados coletados sobre seus consumidores para recomendar livros específicos com base nas suas preferências de compras individuais. Com a adoção de um método que buscava associações entre produtos, a empresa passou a fornecer recomendações mais eficientes, e as vendas obtidas através de conteúdo gerado por computador superaram aquelas obtidas através de sugestões feitas por críticos e editores. Como resultado, a empresa conseguiu ampliar suas vendas e eliminar competidores, tendo sido seguida por várias outras empresas como, por exemplo, a Netflix. Outro caso que chamou atenção no que diz respeito às correlações de dados foi o da loja de varejo Target, nos Estados Unidos, que adotou um método capaz de prever a gravidez de consumidoras com base em seus hábitos de consumo, sem que estas tivessem que dizê-lo expressamente (BIONI, 2019, p 49 ; DUHIGG, 2012; MAYER-SCHÖNBERGER, 2013, 57). Tendo em conta o elevado interesse na obtenção de dados e o fato de que hoje vivemos a realidade da computação ubíqua ou pervasiva – termos que se referem à onipresença do ambiente virtual – é indispensável pensar nos riscos inerentes a essa intensa coleta de dados. É preciso considerar o fato de que interfaces como teclados, telas e mouses são substituídos por interfaces de linguagem natural, ou observações de vídeo e interpretações de movimento, gestos ou mímicas. Dados podem ser coletados em diversos momentos e locais, e em qualidade muito melhor (alguns sensores são capa- 67 68 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA zes de captar informações imperceptíveis para os sentidos humanos, como mudança na pressão sanguínea) (ČAS, 2011, p. 144). Hoje, as tecnologias de profiling são capazes de extrair informações sensíveis a partir de dados que parecem ser triviais (ČAS, 2011, p. 165). Como observado por GUTWIRTH e HILDEBRANDT (2010, p. 34), a criação de perfis nesse contexto permite uma forma de “vigilância imperceptível, pervasiva mas aparentemente não-invasiva e em tempo real” (tradução nossa). O processo de mineração de dados e construção de perfis é, na maioria das vezes, desconhecido e incontrolável por aqueles cujos dados são colhidos e analisados. Os cidadãos observados não têm meios de prever quais serão as informações obtidas através dos algoritmos, não sabem que tipo de conhecimento existe sobre si próprios, como é categorizado e avaliado, nem quais as suas consequências (GUTWIRTH e HILDEBRANDT, 2010, p. 36). Os perfis traçados com base nos dados de uma pessoa podem interferir em suas oportunidades sociais. Os estereótipos resultantes da criação de perfis são tomados como base para decisões automatizadas, o que pode influenciar processos seletivos de recursos humanos, processos para concessão de créditos, estipular prêmios securitários, entre outras situações3 (BIONI, 2019, p. 115). Um exemplo claro dos riscos trazidos pela intensa coleta de dados que temos hoje é o caso dos aplicativos de avaliação de performance. Aplicativos de “health and fitness” coletam dados de uma pessoa para que esta possa verificar sua própria performance corporal. Contudo, esses dados poderiam, ironicamente, chegar a empresas de saúde ou seguradoras (LYON, 2019, p. 36). O avanço da tecnologia e o aumento dos riscos para os titulares de dados pessoais fez surgir a preocupação em adotar legislação voltada para a proteção de dados. Em 1970, foi criada a primeira lei de proteção de dados, no estado de Hesse, na Alemanha. O principal receio, naquela época, estava ligado às bases de dados de propriedade do Estado. Temia-se uma situação análoga à descrita por George Orwell no livro 1984. A lei de Hesse serviu de exemplo para legislações em outros Estados europeus (Sué3 Esse cenário já era perceptível em 2004, como descreveu Solove (2004, p. 3): “Companhias utilizam dossiês digitais para determinar como negociam conosco; instituições financeiras utilizam-nos para determinar se nos darão crédito; empregadores recorrem a eles para examinar nosso histórico quando contratam; autoridades utilizam-nos para nos investigar; e ladrões de identidade utilizam-nos para cometer fraude” (tradução nossa). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: cia: 1973, Alemanha: 1976, Dinamarca, Noruega e França: 1978) (KISS e SZŐKE, 2015, p. 313). As leis de proteção de dados dos anos 70, criadas como resposta ao surgimento do processamento eletrônico de dados dentro de governos e grandes corporações, são referidas como a primeira geração de leis de proteção de dados (KISS e SZŐKE, 2015, p. 313; MAYER-SCHÖNBERGER, 1998, p. 223). No entanto, com o tempo, este tipo de proteção foi deixando de ser suficiente. A ameaça deixou de ser o Big Brother, já que o modelo não era somente aquele de bancos de dados nacionais centralizados que deviam ser regulados desde o início. A figura do Grande Irmão foi diluída nos Pequenos Irmãos, que são os bancos de dados privados, além dos estatais. Vale ressaltar que alguns desses irmãos já não são mais tão pequenos assim, ultrapassando a maioria dos Estados-nação em poderio financeiro e tecnológico. Dessa forma, a preocupação da segunda geração de legislação sobre proteção de dados passou a ser o direito à privacidade de cada indivíduo (MAYER -SCHÖNBERGER, 1998, p. 226; BIONI, 2019, p. 205). É nessa toada que surge a solução do consentimento. 3 A SOLUÇÃO DO CONSENTIMENTO E AS NORMATIVAS DE PROTEÇÃO DE DADOS A segunda geração de leis transfere para o próprio titular a responsabilidade por proteger os dados. Este, “por meio do consentimento, estabelece as suas escolhas no tocante à coleta, uso e compartilhamento dos seus dados pessoais” (BIONI, 2019, p. 205). De acordo com MAYER-SCHÖNBERGER (1998, p. 228), a orientação das normas de proteção de dados tendo em vista puramente a liberdade individual, ligada a concepções de privacidade, se manteve apenas como um desejo político. Isso porque, na prática, “o indivíduo raramente tinha a chance de decidir entre participar e se manter fora da sociedade” (tradução nossa). Ter direito a usufruir de serviços sociais ou receber pagamentos do governo, por exemplo, requer um fluxo contínuo de informação do indivíduo para o governo. O fornecimento de dados é como uma pré-condição para a participação do indivíduo na sociedade. A constatação desse problema conduziu a uma terceira geração de leis de proteção de dados. Buscou-se garantir o direito à autodeterminação informacional, o que permitiria ao indivíduo determinar como participaria na sociedade. Tal visão foi influenciada por uma importante decisão da Cor- 69 70 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA te Constitucional alemã em 1983 (MAYER-SCHÖNBERGER, 1998, p. 229). A Corte declarou parcialmente inconstitucional a Lei do Censo alemã de 1983, que determinava que os cidadãos fornecessem dados pessoais para fins estatísticos, mas previa que os dados poderiam ser cruzados com outros registros públicos para a execução de “atividades administrativas”. Considerou-se que os dados deveriam ser destinados exclusivamente à finalidade estatística (BIONI, 2019, p. 130). Buscou-se garantir a possibilidade de o indivíduo decidir sobre a disponibilização e uso de seus próprios dados pessoais (MAYER -SCHÖNBERGER, 1998, p. 229). A noção de autodeterminação informacional4 afetou as legislações europeias de proteção de dados, e o controle e o consentimento do titular de dados pessoais como base legal para o processamento de dados se tornou uma questão-chave (KISS e SZŐKE, 2015, p. 315) Todavia, de acordo com MAYER-SCHÖNBERGER (1998, p. 232), mesmo com a evolução para uma nova visão dos direitos dos titulares de dados pessoais, na prática, os titulares “não estavam dispostos a arcar com os altos custos monetários e sociais do exercício rigoroso de seu direito à autodeterminação informacional”. Muitas vezes – e sem se darem conta disso - abriam mão de exercer seu direito à autodeterminação informacional em negociações de contratos. Diante do baixo poder de barganha dos indivíduos para exercer seu próprio direito, uma quarta geração de leis procurou solucionar o problema através de novas abordagens. De um lado, busca-se fortalecer a posição do indivíduo face às instituições que acumulam dados, na tentativa de igualar os poderes de barganha. De outro, pretende-se limitar parte da liberdade individual que havia sido garantida nas duas gerações anteriores, devido à crença de que “algumas áreas da privacidade informacional devem ser absolutamente protegidas, e não podem ser negociadas individualmente” (MAYER-SCHÖNBERGER, 1998, p. 233). Essas medidas não foram, contudo, capazes de eliminar o protagonismo do consentimento (BIONI, 2019, p. 205). Durante o processo geracional normativo da proteção de dados, portanto, “o consentimento emerge, é questionado, e se reafirma como sendo 4 Como aponta Catarina Sarmento e Castro (2005, p. 27), o direito à autodeterminação informtiva não se refere apenas à garantia do direito à intimidade da vida privada. Pode ser entendido como um feixe de prerrogativas, “que permite que cada cidadão decida até onde vai a sombra que deseja que paire sobre as informações que lhe respeitam”. Assume-se como um direito de personalidade, que permite que o titular controle a utilização das informações a seu respeito. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: o seu vetor central” (BIONI, 2019, p. 205). Pode-se dizer que o consentimento é protagonista durante todo o seu ciclo evolucional (BIONI, 2015, p. 43). Nesse sentido, a tendência que se observou nas legislações das últimas gerações é a adjetivação do consentimento. No Direito Europeu, a Diretiva 95/46/CE buscou assegurar aos indivíduos o controle sobre seus dados pessoais (BIONI, 2019, p. 205; BIONI, 2015, p. 43). De acordo com a diretiva, o consentimento é descrito como uma “manifestação de vontade, livre, específica e informada”5, e deve ser dado de forma inequívoca6. No caso de dados sensíveis o consentimento deverá ser explícito7. A adjetivação é uma tentativa de evitar o problema de um possível consentimento ilusório (BIONI, 2019, p. 205) A diretiva europeia havia adotado ideias já afirmadas na Convenção 108, de Strasbourg, do Conselho da Europa - que foi influenciada pelas diretrizes da OCDE para Proteção da Privacidade e dos Fluxos Transfronteiriços de Dados Pessoais - no sentido de que a autodeterminação “é o que parametriza a (i) legalidade de qualquer tratamento de dados”. Todavia, a diretiva não estabelecia somente o direito de controle dos dados pessoais pelo titular, mas determinava também deveres aos controllers (responsáveis pelo tratamento). Essa abordagem, centrada tanto no titular dos dados pessoais quanto em quem os processa, situa a diretiva na quarta geração, que expande o espectro do controle para todos os sujeitos inseridos na cadeia do fluxo informacional (BIONI, 2019, p. 205). 5 6 7 Artigo 2º - Definições Para efeitos da presente directiva, entende-se por: [...] h) «Consentimento da pessoa em causa», qualquer manifestação de vontade, livre, específica e informada, pela qual a pessoa em causa aceita que dados pessoais que lhe dizem respeito sejam objecto de tratamento. Artigo 7º Os Estados-membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efectuado se: a) A pessoa em causa tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento; [...] Artigo 8º Tratamento de certas categorias específicas de dados 1. Os Estados-membros proibirão o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual. 2. O nº 1 não se aplica quando: a) A pessoa em causa tiver dado o seu consentimento explícito para esse tratamento, salvo se a legislação do Estado-membro estabelecer que a proibição referida no nº 1 não pode ser retirada pelo consentimento da pessoa em causa; [...] 71 72 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, criado para atender a uma necessidade de modernização do sistema de proteção de dados pessoais europeu, também reflete grande preocupação em torno do consentimento. É possível afirmar que o consentimento é a base legal para processamento de dados mais importante. De acordo com DE HERT e PAPAKONSTANTINOU, todas as outras bases legais previstas no regulamento se referem a situações de casos específicos, que estão de certo modo fora da esfera de controle do indivíduo. (2016, p. 187). No Regulamento, o consentimento é “qualquer manifestação de vontade livre, específica, informada e inequívoca pela qual o titular dos dados aceita, mediante declaração ou ato positivo inequívoco, que os dados pessoais que lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento”. As modificações, em comparação à definição da diretiva são pequenas, mas não insignificantes. A exigência de uma “declaração ou ato positivo inequívoco”, por exemplo, é uma mudança que vem como resposta a experiências anteriores, em que os responsáveis pelo tratamento utilizavam técnicas de obtenção de consentimento como caixas pré-selecionadas ou consentimento implícito no caso de ingresso em um relacionamento contratual. O considerando 32 esclarece que o consentimento deve ser dado “mediante um ato positivo claro”, como “uma declaração escrita, inclusive em formato eletrônico, ou uma declaração oral”. Também elucida que “o silêncio, as opções prévalidadas ou a omissão” não constituem consentimento (DE HERT e PAPAKONSTANTINOU, 2016). No Brasil, a primeira Lei Geral de Proteção de Dados, Lei 13.709/2018, foi publicada em 2018, mas algumas leis anteriores já tratavam de proteção de dados e consentimento no Brasil. Leis setoriais como o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/1990) e a Lei do Cadastro Positivo (Lei 12.414/2011) já buscavam garantir a autodeterminação informacional dos titulares de dados pessoais. No caso do CDC, há o dever de notificação prévia do consumidor sobre a abertura de um banco de dados por ele não solicitado (artigo 43, § 2º), bem como a previsão de direitos de acesso, retificação e cancelamento de informações errôneas (artigo 43, § 3º). No caso da Lei do Cadastro Positivo, exigia-se o consentimento informado do titular (redação antiga do artigo 4º), externado por meio de assinatura em um instrumento específico ou em cláusula apartada (BIONI, 2019, p. 205). O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), norma específica para os direitos e garantias do cidadão nas relações travadas na internet, seguindo a tendência da quarta geração de proteção de dados pessoais, NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: buscou não apenas reconhecer o direito do usuário de controlar seus próprios dados, mas torná-lo eficaz. Assim, adotou também uma adjetivação do consentimento, que deve ser livre, expresso e informado (BIONI e LIMA, 2015, p. 270). Determina, ainda, que o responsável pelo tratamento de dados pessoais deverá prestar informações claras e completas (artigo 7º, VI), com cláusulas contratuais destacadas para o consentimento (artigo 7º, IX), dando publicidade às políticas de uso (artigo 7º, XI). A Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, na linha do direito europeu e da quarta geração, estabelece uma adjetivação extensa do consentimento. Este é definido como “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada” (artigo 5º, XII). É necessário o consentimento específico do titular para que o controlador comunique ou compartilhe dados pessoais obtidos com seu consentimento a outros controladores (artigo 7º, § 5º). O consentimento específico também é adotado no caso de tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes (artigo 14º, § 1º), e é uma das hipóteses que autoriza a transferência internacional de dados pessoais (artigo 33, VIII) (BIONI, 2019, p. 205). Como ressalta BIONI (2019, p. 205), grande parte dos princípios adotados pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais “tem todo o seu centro gravitacional em torno do indivíduo”. Refere-se a princípios clássicos - como transparência, a especificação de propósitos, de acesso e qualidade de dados -, bem como princípios mais modernos - como adequação e necessidade, pelos quais o tratamento deve corresponder às legítimas expectativas do titular. BIONI também chama atenção para o fato de que a LGPD contém uma série de disposições voltadas a concretizar, orientar e reforçar o controle dos dados pessoais por meio do consentimento. Cita como exemplo a exigência de que o consentimento seja feito por meio de cláusulas destacadas8, a nulidade das autorizações genéricas (artigo 8º, §4º) e, principalmente, a previsão de que a eventual dispensa de consentimento não desobriga os agentes de tratamento das demais obrigações da LGPD (artigo 7º, § 6º) e ainda que, nesses casos, o titular pode opor-se a tratamento caso seja feito em descumprimento ao disposto na lei (artigo 18, § 2º). Assim, ainda que o consentimento não seja a única base legal para tratamento de 8 Como previsão dos artigos 8ª, §1º (consentimento fornecido por escrito) e 11, I (tratamento de dados pessoais sensíveis). 73 74 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA dados, e tampouco seja hierarquicamente superior às demais bases legais, tem posição de destaque tanto na legislação brasileira quanto na europeia (BIONI, 2019, p. 205). 4 AS LIMITAÇÕES DO CONSENTIMENTO E POSSÍVEIS NOVAS SAÍDAS A grande questão identificada pela quarta geração de leis de proteção de dados pessoais pode ser resumida na compreensão da hipervulnerabilidade dos titulares de dados pessoais. A solução do consentimento foi pensada para momentos em que o titular sabia quando estava trocando seus dados - como em censos do IBGE, situação que se aproxima da paradigmática decisão da Corte Constitucional alemã. Todavia, hoje, o fluxo de dados pessoais ocorre o tempo todo e frequentemente sem consciência por parte do sujeito - como através de cookies e longas políticas de privacidade aceitas com um clique. O fato é que os usuários não estão capacitados para decidir a respeito do controle do fluxo de seus dados pessoais. Isso ocorre por conta de inúmeros motivos, como a baixa compreensão dos possíveis malefícios causados pela disponibilização incauta de dados pessoais e o apreço por benefícios instantâneos (como o acesso a uma simulação digital de envelhecimento em uma selfie), sem levar em consideração potenciais efeitos negativos no futuro. Em adição, o funcionamento das tecnologias de coletas de dados é confuso para a maioria das pessoas, e se atualiza frequentemente, dificultando sobremaneira o desenvolvimento de ferramentas que possibilitem um efetivo controle a respeito dos próprios dados pessoais. Além disso, quase ninguém está disposto a pagar monetariamente por serviços hoje gratuitos, como a pesquisa no Google. Desta forma, o “pagamento” através dos dados pessoais foi normalizado. Ainda que haja um incômodo difuso com a vigilância online e interesse das pessoas em exercerem um controle maior sobre o fluxo de seus dados pessoais, é diminuta a parcela da população que sabe como (ou porquê) cuidar dos próprios dados pessoais. Frente a essa assimetria informacional, uma das únicas opções que restam ao titular dos dados é a resignação. Ainda que valorize a privacidade ou queira controlar o fluxo dos próprios dados pessoais, ele é inserido em uma lógica econômica-política já estabelecida de trade-off de seus dados pessoais por serviços “gratuitos” (BIONI, 2019, p. 256), preso NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: em uma teia de incontáveis “contratos de adesão” (LIMA, 2009) celebrados diariamente, várias vezes ao dia, com inúmeras plataformas digitais. O cidadão não consegue efetivamente, em um processo plenamente racional de tomada de decisão, decidir a respeito do fluxo de seus dados pessoais. Nas palavras de BIONI (2019, p. 256), “a programada autonomia dos consumidores para controlar seus dados pessoais é sufocada por todo um mercado sedento por tal ativo econômico”. Como no caso do direito do trabalho ou do consumidor, essa hipervulnerabilidade do titular dos dados demanda uma proteção especial através da legislação. No entanto, no caso da proteção de dados pessoais, ainda que existam normativas específicas, elas continuam apostando suas fichas no consentimento - agora adjetivado, mas ainda assim dependente da concepção de que o sujeito, racional e informado, é capaz de tomar a melhor decisão para proteção de seus dados pessoais (BIONI, 2019, p. 205). Essa concepção, já comprovadamente insuficiente, serve mais como uma ficção legal (SCHWARTZ, 2000) do que como efetiva proteção ou garantia de participação do cidadão. É uma garantia artificial, palatável apenas para especialistas da área jurídica, que inserem cláusulas e cláusulas em contratos herméticos, que raramente são lidos e ainda mais raramente se sustentam em querelas judiciais. Se os dados são o “petróleo do século XXI”, é preciso buscar uma proteção do titular que não seja mera ficção. Deve-se buscar equalizar a assimetria informacional (BIONI, 2019, p. 263), dando ao cidadão efetivas ferramentas que o permitam exercer a autodeterminação informacional - e, por consequência lógica, a autodeterminação. Uma rota viável é a estruturação de sistemas que facilitem o processo de tomada de decisão do sujeito vulnerável. Isso pode ocorrer através de políticas públicas que busquem empoderar o titular de dados (BIONI, 2019, p. 264), mas também através de uma mudança da relação das empresas - os “pequenos irmãos” - com a apresentação do consentimento, buscando novos meios para concretizar seus (sempre crescentes) adjetivos legais. Como geralmente é apresentada a proteção de dados pessoais ao usuário? Através de “políticas de privacidade”, extensas, em linguagem jurídica e hermética, em interface inadequada, atualizadas frequentemente e apresentando apenas duas opções: ou você aceita, ou não usa o serviço/ produto. Isso impossibilita o exercício efetivo da autodeterminação informacional. Para BIONI (2019, p. 272) muitas dessas questões podem ser mitigadas através do uso das PETs - Privacy Enhancing Technologies, Tecno- 75 76 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA logias de Facilitação de Privacidade, como ferramentas no próprio navegador que impedem o rastreamento (conhecidas como DNT - Do Not Track) ou facilitam uma gradação de quais dados o titular aceita compartilhar. Que as empresas apostem em uma melhor forma de informar a respeito da coleta de dados também é uma das rotas disponíveis para melhorar o estado da arte atual no que tange a proteção de dados pessoais. Recursos visuais mais palatáveis, como gráficos, tabelas e interfaces interativas, no local de extensos contratos, podem tornar mais atingível para o cidadão comum o controle dos próprios dados pessoais. A lógica é a mesma da exposição das calorias de um produto em formato de tabela ao invés de texto corrido: a informação torna-se mais amigável. Da mesma maneira, é possível a exposição dos dados coletados em interfaces intuitivas, como um painel de privacidade que pode ser modulado pelo usuário, em diferentes gradações (BIONI, 2019, p. 272). A política de privacidade da plataforma Tumblr é um exemplo: cada setor é explicado em linguagem simples e acessível; caso o usuário deseje aprofundar-se, pode ler as cláusulas contratuais que correspondem à explicação. Cumpre ressaltar, de toda forma, que essa mudança da relação das companhias de tecnologia com a apresentação do consentimento não ocorre de forma espontânea, mas sim por pressão popular ou em decorrência de obrigações normativas e intervenção estatal - em uma espécie de paternalismo soft, que possibilite a redução da desigualdade entre o titular dos dados e as empresas que coletam e comercializam seus dados. Esses e tantos outros exemplos são maneiras em que essa operacionalização, através da própria tecnologia, pode remendar as fissuras entre os arranjos normativos e o mundo real (BIONI, 2019, p. 272). Entretanto, a solução para problemas advindos da tecnologia através dela mesma é objeto de crítica de vários teóricos. Laymert Garcia dos Santos (2006, p. 385), ao teorizar sobre a tão discutida iminência do fim do mundo e dos recursos naturais em função do avanço desenfreado do capitalismo e da tecnologia, critica soluções que aprofundam o desenvolvimento descontrolado da tecnociência e explicita o incômodo contrassenso: como pode um problema originado do excesso de tecnologia ter como solução mais tecnologia? Criase um paradoxo que se retroalimenta; o saber que origina risco é o mesmo que funda a possibilidade de, de alguma forma, resolvê-lo (SANTOS, 2006, p. 390). Há, para o autor, uma espécie de esquizofrenia que separa, na mente do cientista, o pensamento científico do pensamento que origina o risco. É o caso das abelhas robô, desenvolvidas para realizar a função das abelhas da natureza - em patente processo de extinção justamente por conta do desenvolvimento desenfreado de mal reguladas biotecnologias NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: da agroindústria. O avanço da tecnologia é imparável, portanto não deve nem ser discutido - questionar a marcha desenfreado do mercado tecnológico é, automaticamente, opor-se ao Futuro e ao Progresso. Dessa forma, as soluções devem ser necessariamente pensadas por dentro da tecnologia - caindo novamente no paradoxo antes apontado. Na mesma toada, o intelectual Evgeny Morozov traz luz à danosa desvinculação entre o campo digital e campo político e econômico (2018, p. 29). As tecnologias e as empresas de tecnologia tem grandes interesses políticos e econômicos, vinculados a um poderoso lobby em centenas de países, e são responsáveis por ferramentas que produzem enormes mudanças nas relações de poder - a exemplo das redes sociais. A mera sugestão de outras opções de modelos de gestão e de organização da infraestrutura da comunicação, que não dependam da publicidade dirigida e da coleta massiva de dados sem grandes preocupações com a privacidade, é taxada de lunática e impraticável. As redes de comunicação já estão nas mãos do setor privado, e a privacidade trilha rapidamente o mesmo caminho (MOROZOV, 2018, p. 36). Não há, por exemplo, protagonismo dos Estados ou de comunidades internacionais na criação de uma infraestrutura pública robusta de gestão de publicações acadêmicas, como o Google Acadêmico. Para MOROZOV, a solução demanda a reintrodução da política e da economia no debate digital (2019, p. 41). Sistemas sociais, políticos e econômicos são viabilizados, inviabilizados, ampliados ou atenuados por ferramentas digitais. A análise destas ferramentas, por si só, não explica nada. Elas são parte de agenciamentos coletivos e é necessário que se estabeleçam relações entre elas e os sistemas sociais, políticos e econômicos onde estão inseridas. Elas não são incorpóreos presentes fornecidos pelas etéreas entidades do ciberespaço, mas sim recursos feitos por pessoas reais, em empresas reais, com interesses reais - em última instância, o lucro. Desta forma, esperar a solução para o problema dos dados pessoais através da mudança do comportamento das plataformas de tecnologia é um contrassenso, porque a coleta e comercialização dos dados dos usuários está no cerne dessas empresas. É por isso que elas são tão lucrativas, tão impactantes e tão presentes no dia a dia. O problema do consentimento não é que as políticas de privacidade são herméticas por conta da ineficiência do setor jurídico da empresa, que insiste no juridiquês e em cláusulas longas e insossas; o problema é que não é de interesse de nenhuma plataforma coletar menos dados ou deixar transparente ao usuário tudo que é feito com seus dados ali coletados. 77 78 ALICE DE PERDIGÃO LANA | ÉRICA NOGUEIRA SOARES D’ALMEIDA Um segundo caminho, mais palpável, também proposto por BIONI, é o do dirigismo informacional, que não deixa sob responsabilidade do indivíduo toda a carga de proteção de dados pessoais (2019, p. 310). O autor realiza uma releitura da proteção dos dados pessoais de acordo com seu valor social, utilizando-se do instrumental teórico de Helen Nissenbaum, especialmente a ideia de privacidade contextual. Ele relembra que o consentimento não é a única forma possível de se exercer controle sobre os dados pessoais; na própria lei brasileira, existem outras nove bases legais, que prescindem do consentimento do titular. Compreendendo que uma adequada proteção de dados pessoais é de interesse de toda a sociedade, para além do indivíduo, se reconhece uma negociabilidade limitada no que tange ao controle dos próprios dados pessoais - justamente para assegurar o livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo e evitar influências escusas no cenário político-econômico de países (BIONI, 2019, p. 310). Uma maior intervenção do Estado, portanto, poderia atuar para reduzir a assimetria entre as empresas de tecnologia e o usuário, e ao mesmo tempo para limitar a autonomia da vontade dos titulares no que tange à limitação da negociabilidade da própria privacidade. REFERÊNCIAS BARRETO JUNIOR, I. F. Proteção da privacidade e de dados pessoais na internet: O Marco Civil da rede examinado com fundamento nas teorias de Zygmunt Bauman e Manuel Castells. In: DE LUCCA, N.; SIMÃO FILHO, A.; LIMA, C. R. P. D. Direito & Internet III Tomo I: Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014). São Paulo: Quartier Latin, 2015. BIONI, B. R. Xeque-Mate: O tripé da proteção de dados pessoais no jogo de xadrez. São Paulo: GPoPAI/USP, 2015. BIONI, B. R. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Ebook. BIONI, B. R.; LIMA, C. R. P. 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Percebem-se mudanças que estas novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) têm causado nos meios de produção, circulação e consumo de bens, e também a relação entre trabalho e capital. Mais especificamente, os smart contracts (contratos inteligentes), a tecnologia blockchain e a tecnologia de ledger distribuído (DLT) são novas tecnologias com o potencial de transformar radicalmente nossos sistemas econômicos e sociais. Neste ínterim, surge a importância do uso da blockchain aplicada a diversos segmentos e suas necessidades em sociedade, como, por exemplo: verificação de autenticidade de obras de arte; transações de petróleo e gás; rastreamento de cadeias de fornecimento; processamento de pagamentos internacionais; financiamento em ações de desenvolvimento sustentável; 1 2 Doutorando em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (PPGD/UFPR). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI/UFPR). Advogado na área de direitos intelectuais. Blockchain ou DLT é um banco de dados espalhado em vários sites, países ou instituições. Trata-se de um ledger de registros digitais ou transações que são acessíveis a todos os computadores executando o mesmo protocolo de computador, encadeado em blocos em correntes sucessivas por uma tecnologia ímpar. 82 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE gestão de propriedade intelectual de imagens; procedência de diamantes; combate à fraude no setor farmacêutico; eleições presidenciais; transferências bancárias internacionais; registros em programas de milhagem; gestão de hipotecas; seguro de carros autônomos; identificação eletrônica; gestão da cadeia de suprimentos; gestão do Comércio Exterior; gestão de private equity; segurança da Informação; gerenciamento de identidade; pagamentos instantâneos (CIO, 2019). No entanto, existem desafios ao uso da blockchain para além das criptomoedas. Como podemos chegar à escalabilidade esperada pela sociedade? O propósito inicial deste artigo é nos situarmos frente à Sociedade Informacional com inevitável inserção tecnológica, conhecendo as tecnologias blockchain e smart contracts, situando seus conceitos e desafios de operabilidade que seus usos lhes atribuem. A segunda parte do estudo trata de linhas gerais de uma revisão tecno-jurídica, e de iniciativa à ampliação de alianças de cooperação. Revisitarmos institutos jurídicos ou até mesmo ramos do direito, promovendo inclusive a modificação de paradigmas, permitirá com avançar de estudos a fundamentação das bases de aplicação da tecnologia para inserção de novos produtos e serviços, e até mesmo a tutela de direitos passíveis de utilização de novas ferramentas. Soma-se a isto conhecermos as iniciativas que podem servir de modelo ao Brasil, que auxiliarão ao incremento de melhor operacionalização em blockchain. 2 AMBIENTE TECNOLÓGICO E BLOCKCHAIN O desenvolvimento de sistemas/softwares que se proponham a oferecer aos cidadãos e instituições uma gestão facilitada e personalizada de suas necessidades desafia riscos, que incluem: protocolos uniformes, confiança do mercado no sistema, implantação, recursos computacionais e desempenho, interoperabilidade, escalabilidade, segurança cibernética, confidencialidade, proibição de venda de bens ilegais, e privacidade / proteção de dados. Sociedade, informação e tecnologia são os elementos indissociáveis da realidade contemporânea. A inserção deste contexto na atual Sociedade da Informação é uma das bases da presente pesquisa. Uma nova forma de organização das sociedades com evidente base tecnológica. Castells denomina o fenômeno como Sociedade Informacional, visto que o termo informacional indica o atributo de uma forma específica de NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: organização social, em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder, devido às novas condições tecnológicas surgidas neste período histórico (CASTELLS, 1999). A interdisciplinaridade é característica que permeia qualquer estudo/pesquisa que vislumbre a possibilidade de utilização das novas tecnologias que despontam. Aspectos técnicos neste cenário envolvem profissionais de diversas áreas do conhecimento, a saber, cientistas da computação, juristas, dentre outros. Tal importância encontra espaço na teoria das TICs. Ao se referir à ela, Lévy afirma que “as novas tecnologias modificam nossas consciências, visto as alterações que em nosso meio de conhecer o mundo representam.” (LÉVY, 2008). Trata-se da nossa atualidade. Percebem-se assim mudanças que estas novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) têm causado nos meios de produção, circulação e consumo de bens, e também a relação entre trabalho e capital. Neste contexto, vemos a blockchain e os smart contracts como novas tecnologias com o potencial de transformar radicalmente nossos sistemas econômicos e sociais. São necessidades em sociedade, como por exemplo, a transparência em eleições presidenciais, que veem na tecnologia blockchain um enorme amparo. A análise técnica e jurídica é fundamental; não limitando-se a dizer que se trata de uma inovação disruptiva, que seria o alcance de mercados em alto nível, oferecendo o desempenho exigido pelos clientes tradicionais dos operadores históricos, trazendo inovação no processo que antes não foi pensada. Ou seja, um processo pelo qual um produto ou serviço se enraíza inicialmente em aplicações simples na parte inferior de um mercado e depois incansavelmente sobe no mercado, eventualmente substituindo os concorrentes estabelecidos (BOWER; CHRISTENSEN, 1995). 2.1 BLOCKCHAIN A tecnologia blockchain tornou-se conhecida por ser o meio da operacionalizarmos criptoativos, e o mais importante e difundido é o Bitcoin. Podemos dizer que está por trás desta aplicabilidade de sucesso, e não o contrário. 83 84 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE Trata-se de um grande banco de dados que é distribuído em diversos “nós”, e os computadores são estes pontos de contato: compartilham informações contidas em uma determinada rede, e a ela inserem uma informação por meio de um bloco. Esta ação torna a ação imutável e praticamente imune a fraudes3. Quanto maior a quantidade de nós/ledgers em uma rede, mais difícil a fraude de informação ou transação ali ocorrida. Cada ledger oferece uma criptografia própria para proteger as informações em uma rede, sendo necessário quebrar a senha que está contida nos pontos de junção para conseguirmos alterar esta cadeia de blockchain. Acima das vulnerabilidades, temos presentes as potencialidades da tecnologia. A blockchain tem movimentado empresas e governos do mundo todo com o seu potencial de revolucionar a forma como transacionamos o dinheiro, informações e processos, visto tratar-se de uma rede completamente descentralizada. Assim, por não necessitar de uma autoridade validadora, que geralmente funciona como intermediária da transação, é que temos este caráter descentralizado da blockchain. Permite relações peer-to-peer (ponto a ponto) entre usuários, ou seja, a transação ocorre entre dois ledgers na rede sem necessitar uma entidade central, tal como os conhecidos servidores. A breve contextualização da tecnologia nos permite, ainda, apontar que em essência tem como aspecto inovador o fato de que ela ser mais do que apenas um banco de dados: também pode definir regras sobre uma transação lógica de negócios que estão vinculadas à transação em si. (HANCOCK; VAIZEY, 2016). O potencial da referida tecnologia para uma infinidade de aplicações - tanto no setor privado quanto o público – não significa que ela é única e apartada de outras soluções tecnológicas a fim de agregar facilitação à sociedade. Razão pela qual passamos a abordar o que são os chamados smart contracts. 3 Segundo Kobielus, smart contracts são riscos para a segurança da Blockchain, pois se os criminosos tiverem acesso à chave de um administrador de um Blockchain permissionado, poderão introduzir falsos smart contracts que permitirão acesso clandestino a informações confidenciais e chaves criptográficas, podendo iniciar transferências de fundos não autorizadas e envolver-se em outros ataques aos ativos da empresa. (KOBIELUS, 2018). No entanto, não se tem notícia dito ter ocorrido. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: 2.2 TECNOLOGIA E O DIREITO: DA BLOCKCHAIN AOS SMART CONTRACTS Como dito, surgiu o debate sobre o desenvolvimento de novas tecnologias, como a blockchain, que tornou possíveis moedas eletrônicas como o Bitcoin, e o Ethereum4 – enquanto moeda e ainda como plataforma descentralizada de registro de operações, contratos e documentos - virtualmente à prova de fraudes. Um software por trás do sistema, uma vez criado e colocado em funcionamento, garantiria a confiabilidade de transações, utilizando a forma de contratos inteligentes como instrumentos de tutela de direitos e deveres entre as partes. Com a tecnologia blockchain, é possível pensarmos em contratos fundados em códigos digitais e transparentes, bem como compartilhar bases de dados, os quais estarão protegidos contra perda dos mesmo, sendo ainda possível sua revisão. Todos os acordos, processos e pagamentos seriam digitalmente gravados e a assinatura poderia ser identificada, validada, armazenada e compartilhada. Indivíduos, organizações, máquinas e algoritmos podem ser livremente transacionados e interagir entre si. Na tecnologia blockchain os registros são replicados em uma larga escala de bases de dados idênticos, cada qual recebido e mantido pela parte interessada. Quando há a alteração de uma cópia, todas as outras são simultaneamente atualizadas. O blockchain permite transações feitas em segundos, de forma segura e confiável, e interliga-se aos chamados smart contracts. Smart contracts ou contratos inteligentes, na definição do criador Nick Szabo, são “um conjunto de promessas, especificadas em formato digital, incluindo protocolos dentro dos quais as partes cumprem essas promessas”. (SZABO, 1996). Essencialmente, um contrato inteligente é um código de programa de computador que é capaz de facilitar, executar e fazer cumprir a negociação / desempenho de um contrato usando a tecnologia blockchain. Em outras palavras, segundo SZABO (1997, tradução nossa): Um Smart Contract é um protocolo de transação computadorizado que executa os termos de um contrato. Os objetivos gerais são os de 4 Ethereum é uma plataforma descentralizada capaz de executar contratos inteligentes e aplicações descentralizadas usando a tecnologia blockchain. 85 86 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE satisfazer as condições contratuais gerais (como são os termos do pagamento, as garantias, a confidencialidade e, inclusivamente, a sua execução), minimizando incumprimentos tanto intencionais como acidentais e minimizar a necessidade de intermediários de confiança. Os ganhos econômicos associados incluem a diminuição dos prejuízos por fraude, custos com litigância e execução coerciva e outro tipo de custos relacionados com as transações. A principal distinção entre smart contracts e demais contratos eletrônicos é o fato dos primeiros poderem executarem-se automaticamente. Enquanto em contratos eletrônicos tem-se um determinado grau de automatização, onde sua execução pode ser interrompida pela intervenção humana em qualquer momento, nos smart contracts temos a execução completa do acordo, incluindo a transferência de valores e bens, que ocorre de forma automática e imutável. Os chamados Smart Contracts seriam a aplicação mais transformadora da blockchain. Estes contratos necessitam de uma coordenação e clareza na forma como estes são feitos, verificados, para que possam ser implementados. No entanto, termos uma escalabilidade segura que una essas tecnologias depende de revisarmos fatores tecno-jurídicos, bem como estarmos abertos à cooperação mútua entre agentes, como veremos a seguir. 3 DESAFIOS DO USO DO BLOCKCHAIN PARA ALÉM DAS CRIPTOMOEDAS: COMO CHEGAR À ESCALABILIDADE? Em tecnologia da informação,“ ‘escalabilidade’ refere-se à capacidade de um sistema, rede ou processo de lidar com quantidades crescentes de trabalho de maneira otimizada.” (BONDI, 2000). A otimização de processos de desenvolvimento de soluções que contenham matizes em blockchain e nos contratos ditos inteligentes, ao deparar-se com entraves, deveria lançar mão de novos paradigmas teóricos a fim de suprir lacunas destes instrumentos, com o objetivo de melhor operacionalizá-los? Revisitarmos institutos jurídicos ou até mesmo ramos do direito, promovendo inclusive a modificação de paradigmas, permitirá com avançar de estudos a fundamentação das bases de aplicação da tecnologia em novos produtos e serviços e tutela de direitos, passíveis de utilização de novas ferramentas. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Além disto, verificarmos a possibilidade de ampliação de alianças de cooperação entre instituições, países, universidades, dentre outros agentes, é algo fundamental ao alcance da consolidação de tecnologias que venham a ser escalonáveis. 3.1 LINHAS GERAIS DE UMA REVISÃO TECNO-JURÍDICA Para traçarmos a possibilidade de uma revisão de conceitos e institutos que temos como aplicáveis ao uso da blockchain, utilizamos metodologicamente como parâmetro a sua aplicação aos direitos intelectuais, a fim de verificarmos a existência de possíveis gaps conceituais. Novos usos da tecnologia blockchain, como no desenvolvimento de sistemas/softwares que se proponham a oferecer aos autores5 uma gestão personalizada dos direitos autorais aos quais são titulares, em determinada obra, necessitam ser averiguados. Riscos e desafios aí se incluem: protocolos uniformes, confiança do mercado no sistema, implantação, recursos computacionais e desempenho, interoperabilidade, escalabilidade, segurança cibernética, confidencialidade, proibição de venda de bens ilegais, e privacidade / proteção de dados. O que se busca através de tal tecnologia é o controle do acervo de obras digitais dos autores, não necessitando mais da interferência de terceiros. O contato se daria entre o detentor da obra e a plataforma de streaming, como no exemplo de obra musical. Neste cenário otimista não existiriam mais contratos obscuros, portanto sem clareza. O detentor dos direitos de autor teria ciência inequívoca e exata do que está acontecendo e como sua obra é gerida. A segurança jurídica também se faria presente, tendo em vista que as transações se dão somente entre aqueles que detém o hash do sistema. Ou seja, estes valores (hash) são responsáveis por prover a integridade dos dados, que uma sequência de dígitos única e com baixíssimas chances de ser replicada. (BACON et al, 2017) Não obstante, garantiria maiores ganhos ao artista, uma vez que não haveria mais a retenção de valores pelos entes de gestão coletiva. Ademais, 5 Em direito autoral, a gestão personalizada incluiria os direitos de execução, bem como os conexos em fonogramas a músicos que participaram das gravações. A definição de percentuais caberia ao próprio autor definir, conforme o exemplo do que desenvolveu a UJO MUSIC (2019). 87 88 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE seu controle pode se dar diretamente na rede, sem necessitar de grandes estruturas para funcionar. A aplicabilidade visa a uma redução de custos e consequente maior lucro por parte dos autores. Ademais, os detentores dos direitos autorais teriam maior autonomia para gerir suas obras e cuidar de sua disponibilização da forma que melhor atender aos seus interesses, com segurança e precisão. A legitimidade do blockchain utilizando via smart contracts suscita questionamentos jurídicos, quando temos como fim celebrar a manifestação de vontade e confiança mútua entre uma empresa que promoveria (através de um sistema, mediante remuneração mínima) o funcionamento, a confiabilidade de proteção e remuneração ao autor de seu bem intelectual colocado na rede, e este titular do direito. A juridicidade do contrato terá de ser apurada, de acordo com as transformações do mesmo frente à sociedade contemporânea: para ser verdadeiramente compreendido, não pode ser limitado exclusivamente à sua dimensão jurídica. Conforme ensina Roppo, “(…) os conceitos jurídicos - e entre estes, em primeiro lugar, o de contrato - refletem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais” (ROPPO, 2009). Aspectos formais do contrato como significado preciso, que exige oferta e aceitação, consideração e certeza de termos, bem como questões legais desafiadoras, incluindo formação dos contratos, jurisdição e direito aplicável, responsabilidade e exequibilidade contratual, solução de controvérsias, transparência, alterações, limitações legais (razoabilidade, a boa-fé e força -maior), bem como responsabilidade por erro ou fraude. Além disto, questionarmos a real necessidade e possibilidade de aplicação da blockchain e dos smart contracts à determinada demanda, neste caso, abre a possibilidade de outras alternativas. O uso de algoritmos6 para controle desta relação digital, a partir do fornecimento de dados específicos sobre as obras disponibilizadas em rede, poderia traçar um perfil do detentor da obra. Assim seria possível, por exemplo, separar autoria, co-autoria e direitos conexos. 6 Algoritmo é uma sequência finita de passos elementares, cada um deles contendo uma operação matematicamente bem definida; a execução da sequência sempre termina para quaisquer dados de entrada. Noção esta que é uma caracterização não-formal (SETZER, 2009). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Os algoritmos visam encontrar a decisão mais otimizada, em face de caso em particular e o conjunto de dados (GAL; ELKIN-KOREN, 2017). Dada a sua rapidez e precisão, pouco ou nada de trabalho humano será necessário. De maneira inteligente e organizada (ainda no nosso exemplo de aplicação a bens intelectuais), os algoritmos se encarregarão de montar as listas de obras e ajudar na gestão dos direitos de autor, sem precisar recorrer a um ente de gestão coletiva7. O uso da tecnologia permite redução de custos, e consequente maior lucro por parte dos autores. Ademais, os detentores dos direitos autorais teriam maior autonomia para gerir suas obras e cuidar de sua disponibilização da forma que melhor atender aos seus interesses, com segurança e precisão. 3.2 LINHAS GERAIS À AMPLIAÇÃO DE ALIANÇAS DE COOPERAÇÃO A promoção do uso e o desenvolvimento da tecnologia blockchain em todo o mundo, onde seja possível gerar um espaço para troca de informações e ações entre as comunidades locais em cada uma das regiões (países, estados, cidades, etc), é algo de suma importância frente aos desafios que já foram mencionados. O agrupamento das comunidades que já estão desenvolvidas e o compartilhamento de atividades entre elas deve ser encarado por todos os agentes como princípio que venha a constituir organizações conjuntas. O trabalho conjunto, compartilhado e de forma aberta, possibilitando que possam participar empresas, usuários, organizações, dentre outros, pode fortalecer e fundir iniciativas individuais que por vezes ainda não alcançaram seu objetivo. Assim, constituir alianças fundamentadas na descentralização como modelo de confiança, na neutralidade tecnológica e participação aberta baseada no respeito e no consenso de todos, pode contribuir não apenas em termos financeiros; mas sim, primordialmente, em valor de conhecimento agregado, e 7 Gestão Coletiva de direitos é a forma pela qual criadores e titulares de direito se organizam a fim de se fazerem representar perante os usuários de sua criação e/ou patrimônio, órgãos governamentais e não governamentais, instituições de mesma natureza e também a sociedade. Existem autores, como Ana Frazão, que defendem, contrariamente ao que pensamos neste artigo, que seria inviável uma gestão pessoal/individual de direitos autorais (FRAZÃO, 2017). 89 90 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE de que forma cada novo participante que venha a integrar uma determinada aliança deve participar e pode agregar valor. É o que vemos na Aliança Portuguesa de Blockchain, pessoa jurídica de direito privado, de âmbito nacional e internacional, coletiva, independente e sem fins lucrativos; de caráter social. Segundo informações da instituição8, o seu contexto jurídico aponta que tem como finalidade geral o desenvolvimento de um ecossistema regional que reúne empresas, academia e entidades governamentais de forma a promover e contribuir para o estudo e a divulgação de novas tecnologias disruptivas e o seu impacto na economia, na sociedade e no ambiente, assim como para a construção e o desenvolvimento de soluções com base nestas novas tecnologias. Da mesma forma, a Aliança Portuguesa informa que promoverá iniciativas de sensibilização, informação e formação sobre estes paradigmas. Para a execução do seu objeto, constituem suas atribuições essenciais: a) Contribuir para o estudo, o debate e a divulgação das tecnologias disruptivas promovendo ideias e iniciativas que favoreçam o desenvolvimento de soluções em articulação com a sociedade civil; b) Colaborar com organismos, empresas e instituições universitárias e não universitárias; c) Promover iniciativas orientadas para o debate sobre experiências e inovações introduzidas no campo da investigação das tecnologias disruptivas, através do intercâmbio de atividades e serviços com associações similares ou afins, nacionais e estrangeiras, organizando congressos, colóquios, seminários, grupos de estudo e participando em encontros internacionais e projetos comuns; d) Contribuir para a criação e consolidação de projetos sustentáveis nas áreas das tecnologias disruptivas; e) Promover novas dinâmicas de geração de conhecimento sobre as tecnologias disruptivas e de materialização da transformação social, cultural e econômica; f) Intervir sobre os fatores que influenciam os processos de transferência de conhecimento e criação de organizações por forma a maximizar a sua fluidez melhorando a competitividade de Portugal no panorama internacional de inovação.9 8 9 Aliança Portuguesa de Blockchain – Informações institucionais. Disponível em <https:// all2bc.com/alianca/associacao-alianca> Acesso em 21 de julho de 2019. Aliança Portuguesa de Blockchain – Informações institucionais. Disponível em <https:// all2bc.com/alianca/associacao-alianca> Acesso em 21 de julho de 2019. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Em relação ao cenário brasileiro e possível utilização do modelo português, podemos citar que o Brasil possui 2 (duas) associações, que não são voltadas à blockchain como base a usos gerais. A Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB)10, como visto, é voltada prioritariamente à operação de criptomoedas; informa que tem como objetivos: a) Estabelecer um canal institucional de diálogo entre usuários, empresas do setor, parlamentares e reguladores; b) Facilitar, desenvolver e estimular iniciativas conjuntas que permitam a adoção pelo mercado de criptoativos; c) Viabilizar a institucionalização de um marco regulatório para a criptoeconomia; d) Defender uma criptoeconomia saudável, fomentando instituições que gerem mais inovação e livre concorrência, com privacidade e segurança para os usuários; e) Prover informação de qualidade sobre a criptoeconomia para toda a sociedade. O Brasil, em relação à efetividade de alianças voltadas à blockchain, não possui uma organização pontual que possa trabalhar conjuntamente as iniciativas e conhecimentos dos agentes, para trazer o mencionado valor de conhecimento agregado. O que não parece claro aos entes e agentes brasileiros é que cada novo participante que venha a integrar uma determinada aliança tem em comum os mesmos objetivos de descentralização, como modelo de confiança, neutralidade tecnológica; a participação aberta baseada no respeito e no consenso de todos pode contribuir inclusive em termos financeiros nesta rede de cooperação. Em matérias publicadas em jornais no Brasil, autointitulados especialistas em blockchain informam que esta tecnologia nos coloca diante da 4ª Revolução Digital, visto estarmos em uma evolução exponencial, marca uma nova era tecnológica. No entanto, dificuldades como o desenvolvimento da camada de governança11 tem sido um dos principais motivos 10 11 ABCB. Sítio: <http://abcb.in/>. Acesso em 22 de julho de 2019. Em um painel dedicado a explorar a utilização do Blockchain em serviços financeiros, observando os desafios e oportunidades da implementação da tecnologia, a presidente da IBM para a América Latina, Ana Paula Assis revelou dificuldade para a evolução do blockchain no Brasil. Ela comentou que a definição de regras para o funcionamento exige 91 92 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE para que a adoção do sistema ainda não tenha conseguido alcançar o grande volume de aplicações (da blockchain) esperado. Se verificada a impossibilidade de lidarmos com a complexidade tecnológica a curto e médio prazo, comprometendo a escalabilidade em níveis desejáveis, necessários à melhoria de produtos e serviços, é somente com iniciativas conjuntas que podemos chegar a patamares que são ditos como já alcançados ou alcançáveis. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo, em sede de considerações finais, contribuiu ao debate e a divulgação das tecnologias blockchain e smart contracts, verificando suas características e eventuais viscissitudes, promovendo ideias e iniciativas que favoreçam o desenvolvimento de soluções em articulação com a sociedade. Organismos, empresas e instituições universitárias e não universitárias, bem como outros agentes, em face do desafio de complexidade imposto pelas novas Tecnologias da Informação e Comunicação, devem compartlhar experiências e inovações introduzidas no campo da investigação destas tecnologias. Acima de ganhos econômicos a curto prazo, o intercâmbio de atividades e serviços que venha a se dar por intermédio de Alianças, tais como a Portuguesa de Blockchain, torna-se fundamental para a criação e consolidação de projetos sustentáveis, para só assim tais tecnologias serem escalonáveis e que sirvam bem a sociedade, e o Brasil deve inspirar-se em tais modelos. Agregarmos novos paradigmas a este cenário torna-se fundamental, e este foi o enfoque do estudo. Propor uma regulamentação das ações futuras às tecnologias reduziria custos de transação na tutela de direitos, nas relações entre agentes proponentes e público-alvo, onde o desenvolvimento das sociedades justifica a importância da pesquisa. A geração de conhecimento de transformação social, cultural e econômica - como é o cenário que vislumbramos com a blockchain – só será o investimento de maior quantidade de tempo. Explicou: “Colocar duas partes para compatibilizar interesses já é difícil. Então imaginem o quanto isto se torna desafiador quando é necessário que mais de 100 empresas, por exemplo, têm que ser ouvidas e ver suas demandas atendidas” (CANTARINO BRASILEIRO, 2019). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: possível com a superação das vulnerabilidades, para termos presentes as potencialidades da tecnologia. Se a blockchain tem movimentado empresas e governos do mundo todo com o seu potencial de revolucionar a forma como transacionamos o dinheiro, informações e processos, é chegada a hora de dar um passo rumo à consolidação cooperativa e eficaz. REFERÊNCIAS ALIANÇA PORTUGUESA DE BLOCKCHAIN. Informações institucionais. Disponível em <https://all2bc.com/alianca/associacao-alianca> Acesso em 21 jul 2019. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIPTOMOEDAS E BLOCKCHAIN (ABCB). Disponível em: <http://abcb.in/>. Acesso em: 22 jul 2019. BACON, Jean; MICHELS, Johan David; MILLARD, Christopher; SINGH, Jatinder. Blockchain Demystified. Queen Mary School of Law Legal Studies Research Paper, 2017. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3091218>. Acesso em 09 abr. 2019. BONDI, A. B. Characteristics of Scalability and Their Impact on Performance. Proceedings of the Second International Workshop on Software and Performance. Ottawa, 2000, p. 195–203. BOWER, Joseph; CHRISTENSEN, Clayton. Disruptive technologies: catching the wave. Disponível em <https://hbr.org/1995/01/disruptive-technologies-catching-the-wave>. Acesso em: 20 jul 2019. CANTARINO BRASILEIRO. Dificuldades para estabelecer a governança reduz velocidade de adoção do Blockchain, 2019. Disponível em: <http://cantarinobrasileiro.com.br/blog/dificuldades-para-estabelecer-a-governanca-reduz-velocidade-de-adocao-do-blockchain/ > Acesso em: 20 jul 2019. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999. CIO. 20 Usos práticos do blockchain. Disponível em: <https://cio.com.br/20usos-praticos-do-blockchain-dos-suprimentos-a-gestao-do-patrimonio/>. Acesso em 25 jul 2019. FRAZÃO, Ana. A gestão pessoal dos direitos autorais e os novos negócios do mercado musical. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 14, p. 187, 2017. GAL, Michal; ELKIN-KOREN, Niva. Algorithmic Consumers. Harvard Journal of Law and Technology, v. 30, 2017. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2876201>. Acesso em: 20 ago 2019. HANCOCK, Matthews. VAIZEY, Ed. Distributed ledger technology: beyond blockchain. Londres: Crown, 2016. 93 94 RANGEL OLIVEIRA TRINDADE KOBIELUS, James. Sorry, but blockchain databases are just not that secure. Infoworld, junho de 2018. Disponível em: <https://www.infoworld.com/article/3282413/database/sorry-but-blockchain-databases-are-just-not-that-secure.html> Acesso em: 21 ago 2019. LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: O futuro do Pensamento na Era da Informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 2008. ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. SETZER, Valdemar W; CARVALHEIRO, Fábio H. Algoritmos e sua análise – uma introdução didática, 2009. 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A OMPI define a gestão coletiva de direitos autorais como o exercício dos direitos de autor e direitos conexos, realizados pelas organizações, as quais atuam no interesse dos detentores de direitos3. Cada país possui um sistema próprio de gestão coletiva. Inclusive, este sistema não abarca apenas as obras musicais, mas também pode abranger obras escritas, como peças teatrais e fotografia. Muito embora seja possível a realização de uma gestão individual de direitos, tendo em vista a facilidade que as novas tecnologias proporcionam quanto a reprodução e fixação das obras, os autores não conseguem controlar sozinhos a utilização destas por terceiros4. Deste modo, necessitam se unir para tutelar seus direitos. O professor José Alberto Vieira explica: 1 2 3 4 Professor de Direito da Universidade Federal do Paraná/Brasil. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná-UFPR. Mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa-PORTUGAL. Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial GEDAI / UFPR. Professor da Cátedra de Propriedade Intelectual no Institute for Information, Telecommunication and Media Law – ITM da Universidade de Münster - ALEMANHA. Docente do curso políticas públicas y propiedad intelectual do Programa de Mestrado em Propriedade Intelectual na modalidade à distância na Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais - FLACSO/ARGENTINA. Contato: marcos.wachowicz@gmail.com. Advogada. Mestranda em Direitos Humanos e Democracia na UFPR. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da UFPR Informação retirada do seguinte endereço eletrônico: https://www.wipo.int/copyright/en/management/ VIEIRA, José Alberto et al. Gestão colectiva: Reflexões dispersas de política legislativa. In: VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homena- 98 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO A congregação de autores, titulares de direitos conexos ou de outros direitos radicados no sistema de Direito de Autor unidos com o propósito de exercerem em conjunto os seus direitos, obtendo melhores condições de exploração e aproveitando meios comuns para a fiscalização da utilização das suas obras ou prestações por terceiros5. Trata-se de uma forma encontrada pelos autores e titulares de direitos conexos para maximizar seus ganhos. As entidades de gestão coletiva, a partir de comissões, tornam-se mandatárias dos interesses dos titulares de direitos, sendo responsáveis por praticar atos como a autorização prévia pelo uso das obras, e o recolhimento dos usuários dos valores devidos pela utilização das obras protegidas6. No entanto, os sistemas de gestão coletiva nem sempre se mostram adequados. O maior problema diz respeito à transparência na arrecadação e distribuição. Além da dificuldade de acesso dos próprios titulares de direito às informações, não há uma fiscalização efetiva, prejudicando os artistas e titulares de direitos. Deste modo, nos últimos anos, houve uma movimentação para solucionar o problema. O Brasil, por exemplo, no ano de 2012 teve a lei de direitos autorais alterada, incluindo elementos que visam dar maior transparência e efetividade ao sistema. A União Europeia, por sua vez, apresentou a Diretiva 2014/26/EU, relativa à gestão coletiva dos direitos de autor e direitos conexos e à concessão de licenças multiterritoriais de direitos sobre obras musicais para utilização em linha no mercado interno. A Diretiva tem, como um de seus objetivos, estabelecer os requisitos aplicáveis às organizações de gestão coletiva, a fim de garantir um padrão elevado de governação, gestão financeira, transparência e apresentação de relatórios. Neste mesmo sentido, Portugal, no ano de 2015, promulgou a Lei nº 26/2015, alterando a legislação anteriormente vigente acerca da gestão 5 6 gem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. p. 325-341. p. 326. VIEIRA, José Alberto et al. Gestão colectiva: Reflexões dispersas de política legislativa. In: VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. p. 325-341. p. 326. FRANCISCO, Pedro Augusto P.; VALENTE, Mariana Giorgetti (Org.). Do rádio ao streaming: ECAD, Direito autoral e música no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2016. 390 p. p. 113. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: coletiva. Na mesma esteira que o Brasil e a Diretiva 2014/26/EU, trouxe disposições acerca da transparência do sistema, com a implementação, por exemplo, de relatórios. Assim, demonstra-se a importância de analisar os dois sistemas – brasileiro e português – para observar as semelhanças e diferenças e, por fim, demonstrar os problemas em comum de ambos. 2 A GESTÃO COLETIVA DE DIREITOS AUTORAIS NO BRASIL O Brasil possui um sistema único de gestão coletiva dos direitos autorais em todo o mundo. A Lei 12.853 de 2013 veio acrescentar disposições acerca da gestão coletiva na Lei 9.610 de 1998 (Lei de Direito Autoral). Neste caso, a gestão coletiva de direitos autorais se faz por meio de monopólio legal, sendo o ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – o responsável pela arrecadação e distribuição. É o que Mariana Valente e Pedro Augusto Francisco definem como uma passagem de bastão7: a associação de gestão coletiva repassa a obra, após seu cadastro, para o ECAD realizar sua arrecadação. O que se verifica é um sistema em que temos o ECAD em uma das extremidades e o autor em outro, passando neste meio as associações de gestão coletiva e o consumidor. O Brasil é o único país do mundo a adotar este sistema. O ECAD é uma associação das associações de gestão coletiva. Ele realiza a arrecadação e distribuição dos direitos decorrentes da execução pública de obras musicais, líteromusicais e fonogramas8. Os valores a serem arrecadados são fixados pelo Escritório Central, considerando critérios como a importância do fonograma para o local de disponibilização e o alcance de ouvintes. No entanto, o sistema não se mostra plenamente adequado. Em 2012 o ECAD e as associações foram investigados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, haja vista as diversas denúncias recebidas. 7 8 FRANCISCO, Pedro Augusto P.; VALENTE, Mariana Giorgetti (Org.). Do rádio ao streaming: ECAD, Direito autoral e música no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2016. 390 p. p. 171. ARENHART, Gabriela. Gestão Coletiva de Direitos Autorais e a Necessidade de Supervisão Estatal. Publicado em: 25 jul. 2014. Disponível em: <http://www.gedai.com. br/?q=pt-br/content/gest%C3%A3o-coletiva-de-direitos-autorais-e-necessidade-de -supervis%C3%A3o-estatal>. 99 100 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO De acordo com o relatório final apresentado pelo relator, o Senador Randolfe Rodrigues, a burocracia do ECAD se mostrou cara e ineficiente, incapaz de responder às necessidades dos autores e demais artistas9. Deste modo, foram constatadas irregularidades na arrecadação e distribuição de recursos oriundos do direito autoral e abuso da ordem econômica e prática de cartel no arbitramento de valores de direito autoral e conexos10. A CPI resultou na promulgação da Lei 12.853/2013, a qual alterou os artigos 5º, 68, 97, 98, 99 e 100 da Lei 9.610/98 e acrescentou os artigos 98-A, 98-B, 98-C, 99-A, 99-B, 100-A, 100-B e 109-A. O art. 97 traz disposições acerca da gestão coletiva em si. Dispõe, primeiramente, que, para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro. As associações, por sua vez, exercem atividades de interesse público, de forma que devem atender a sua função social (art. 97, §1º). A Lei veda, ainda, que os autores e titulares de direito pertençam simultaneamente a mais de uma associação de gestão coletiva de mesma natureza (art. 97, §2º). Do mesmo modo, podem os titulares se transferirem de associação, desde que comuniquem o fato, por escrito, à associação (art. 97, §3º). Também dispõe a legislação que as associações com sede no exterior serão representadas pelas associações nacionais (art. 97, §4º). Por fim, o art. 97, §5º e 6º deixa claro que apenas os titulares originários de direitos de autor ou de direitos conexos filiados diretamente às associações nacionais poderão votar ou ser votados e apenas aqueles domiciliados no Brasil, filiados diretamente às associações nacionais poderão assumir cargos de direção nas associações. O art. 98, por sua vez, trata do funcionamento das associações. O caput determina que as associações se tornam mandatárias dos associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para o exercício da atividade de cobrança desses direitos. 9 10 BRASIL. Senado Federal. Relatório Final nº 1 de 2012: Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo requerimento nº 547, de 2011. Brasilia, DF, 2012. p. 4. BRASIL. Senado Federal. Relatório Final nº 1 de 2012: Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo requerimento nº 547, de 2011. Brasilia, DF, 2012. p. 10. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Para realizar a cobrança, as associações devem estar habilitadas no órgão da Administração Pública Federal (§1º). Esta cobrança deve adotar os princípios da isonomia, eficiência e transparência (§2º). Do mesmo modo, cabe às associações, no interesse dos seus associados, estabelecerem os preços pela utilização de seus repertórios, considerando a razoabilidade, a boa-fé e os usos do local de utilização das obras (§3º). A cobrança será sempre proporcional ao grau de utilização das obras e fonogramas pelos usuários, considerando a importância da execução pública no exercício de suas atividades, e as particularidades de cada segmento (§4º). No mesmo artigo, determina-se a forma de tratamento dos associados, devendo sempre ser equitativo (§5º). Ademais, as associações devem manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras (§6º). Tais informações são de interesse público e devem ser disponibilizadas por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita, permitindo-se ainda ao Ministério da Cultura o acesso contínuo e integral a tais informações (§7º). Do mesmo modo, as associações devem disponibilizar sistema de informação para comunicação periódica, pelo usuário, da totalidade das obras e fonogramas utilizados, bem como para acompanhamento, pelos titulares de direitos, dos valores arrecadados e distribuídos (§9º). Quanto aos créditos e valores não identificados, estes devem permanecer retidos e à disposição dos titulares pelo período de cinco anos (§10º). Caso não sejam identificados, os créditos e valores serão distribuídos aos titulares de direitos de autor e de direitos conexos dentro da mesma rubrica em que foram arrecadados e na proporção de suas respectivas arrecadações durante o período da retenção daqueles créditos e valores, sendo vedada a sua destinação para outro fim (§11º). Quanto ao funcionamento em si das associações, dispõe a lei que a taxa de administração das associações deve ser proporcional ao custo das operações (§12º). O mandato dos seus dirigentes será pelo período de três anos (§13º), devendo os dirigentes atuarem de forma direta, sendo vedado que sejam representados por terceiros (§14º). 101 102 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO Destaca-se o §15º, uma vez que abre espaço para o titular de direitos praticar, pessoalmente, a gestão de suas obras, desde que comunique à associação com 48 horas de antecedência. Por fim, as associações podem, por decisão de seu órgão máximo, destinar até 20% (vinte por cento) da totalidade ou de parte dos recursos oriundos de suas atividades para ações de natureza cultural e social que beneficiem seus associados de forma coletiva (§16º). O art. 98-A, por sua vez, trata da habilitação das associações no órgão da Administração Pública Federal. Assim, devem demonstrar que a entidade solicitante reúne as condições necessárias para assegurar uma administração eficaz e transparente dos direitos a ela confiados e significativa representatividade de obras e titulares cadastrados, mediante comprovação de alguns documentos e informações11. Estes documentos devem ser apresentados anualmente ao Ministério da Cultura (§2º). No caso de uma anulação da habilitação ou sua 11 Art. 98-A. O exercício da atividade de cobrança de que trata o art. 98 dependerá de habilitação prévia em órgão da Administração Pública Federal, conforme disposto em regulamento, cujo processo administrativo observará: I - o cumprimento, pelos estatutos da entidade solicitante, dos requisitos estabelecidos na legislação para sua constituição; II - a demonstração de que a entidade solicitante reúne as condições necessárias para assegurar uma administração eficaz e transparente dos direitos a ela confiados e significativa representatividade de obras e titulares cadastrados, mediante comprovação dos seguintes documentos e informações: a) cadastros das obras e titulares que representam; b) contratos e convênios mantidos com usuários de obras de seus repertórios, quando aplicável; c) estatutos e respectivas alterações; d) atas das assembleias ordinárias ou extraordinárias; e) acordos de representação recíproca com entidades congêneres estrangeiras, quando existentes; f) relatório anual de suas atividades, quando aplicável; g) demonstrações contábeis anuais, quando aplicável; h) demonstração de que as taxas de administração são proporcionais aos custos de cobrança e distribuição para cada tipo de utilização, quando aplicável; i) relatório anual de auditoria externa de suas contas, desde que a entidade funcione há mais de 1 (um) ano e que a auditoria seja demandada pela maioria de seus associados ou por sindicato ou associação profissional, nos termos do art. 100; j) detalhamento do modelo de governança da associação, incluindo estrutura de representação isonômica dos associados; k) plano de cargos e salários, incluindo valor das remunerações dos dirigentes, gratificações, bonificações e outras modalidades de remuneração e premiação, com valores atualizados; NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: inexistência ou apresente qualquer outra forma de irregularidade, não poderá utilizar tais fatos como impedimento para distribuição de eventuais valores já arrecadados, sob pena de responsabilização direta de seus dirigentes (§5º). O art. 98-B destaca a aplicação do princípio da transparência no sistema de arrecadação e distribuição. A lei deixa claro que as associações devem dar publicidade aos regulamentos e estatutos, bem como os balanços dos créditos e a utilização das obras. Vejamos: Art. 98-B. As associações de gestão coletiva de direitos autorais, no desempenho de suas funções, deverão: I - dar publicidade e transparência, por meio de sítios eletrônicos próprios, às formas de cálculo e critérios de cobrança, discriminando, dentre outras informações, o tipo de usuário, tempo e lugar de utilização, bem como os critérios de distribuição dos valores dos direitos autorais arrecadados, incluídas as planilhas e demais registros de utilização das obras e fonogramas fornecidas pelos usuários, excetuando os valores distribuídos aos titulares individualmente; II - dar publicidade e transparência, por meio de sítios eletrônicos próprios, aos estatutos, aos regulamentos de arrecadação e distribuição, às atas de suas reuniões deliberativas e aos cadastros das obras e titulares que representam, bem como ao montante arrecadado e distribuído e aos créditos eventualmente arrecadados e não distribuídos, sua origem e o motivo da sua retenção; III - buscar eficiência operacional, dentre outros meios, pela redução de seus custos administrativos e dos prazos de distribuição dos valores aos titulares de direitos; IV - oferecer aos titulares de direitos os meios técnicos para que possam acessar o balanço dos seus créditos da forma mais eficiente dentro do estado da técnica; V - aperfeiçoar seus sistemas para apuração cada vez mais acurada das execuções públicas realizadas e publicar anualmente seus métodos de verificação, amostragem e aferição; VI - garantir aos associados o acesso às informações referentes às obras sobre as quais sejam titulares de direitos e às execuções aferidas para cada uma delas, abstendo-se de firmar contratos, convênios ou pactos com cláusula de confidencialidade; VII - garantir ao usuário o acesso às informações referentes às utilizações por ele realizadas 103 104 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO Parágrafo único. As informações contidas nos incisos I e II devem ser atualizadas periodicamente, em intervalo nunca superior a 6 (seis) meses. O art. 99 dispõe acerca da unificação da cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, que funcionará como ente arrecadador com personalidade jurídica própria. Trata-se do ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. O ECAD não terá a finalidade de lucro e será dirigido e administrado por meio do voto unitário de cada associação que o integra (§1º). Ademais, o escritório e as associações atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados (§2º). A lei fixa, ainda, que a parcela destinada à distribuição aos autores e demais titulares de direitos não poderá, em um ano da data de publicação da Lei, ser inferior a 77,5% (setenta e sete inteiros e cinco décimos por cento) dos valores arrecadados, aumentando-se tal parcela à razão de 2,5% a.a. (dois inteiros e cinco décimos por cento ao ano), até que, em 4 (quatro) anos da data de publicação desta Lei, ela não seja inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) dos valores arrecadados (§4º). Quanto à cobrança, as associações devem estabelecer e unificar o preço de seus repertórios junto ao ente arrecadador, atuando este como mandatário das associações que o integram (§8º). Ademais, o ECAD cobrará o usuário de forma unificada, sendo encarregado da distribuição às associações (§9º). O art. 99-A dispõe acerca da admissão das associações nos quadros do ente arrecadador (ECAD). Para além das associações que o constituíram, o escritório deve admitir as associações de titulares de direitos autorais que tenham pertinência com sua área de atuação e estejam habilitadas em órgão da Administração Pública Federal. As deliberações quanto aos critérios de distribuição dos recursos arrecadados serão tomadas por meio do voto unitário de cada associação que integre o ente arrecadador. As associações, ainda, estão sujeitas às regras concorrenciais definidas em legislação específica que trate da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica (art. 99-B). Quanto à fiscalização das associações, dispõe a lei que o sindicato ou associação profissional que congregue não menos de um terço dos filiados NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: de uma associação autoral poderá, uma vez por ano, após notificação, com oito dias de antecedência, fiscalizar, por intermédio de auditor, a exatidão das contas prestadas a seus representados (art. 100). No caso da ocorrência de desvio de finalidade ou inadimplemento das obrigações, seja por dolo ou culpa, os dirigentes das associações respondem solidariamente, com seus bens particulares (art. 100-A). Por fim, dispõe a lei que os litígios envolvendo falta de pagamento, os critérios de cobrança, as formas de oferecimento de repertório e aos valores de arrecadação, e entre titulares e suas associações, em relação aos valores e critérios de distribuição, podem ser resolvidos por meio de mediação ou arbitragem, sem prejuízo da apreciação pelo Poder Judiciário e pelos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (art. 100-B). Em que pese no Brasil a alteração da Lei 9.610 tenha trazido disposições que visam uma maior transparência, o sistema ainda está muito longe de funcionar adequadamente. Embora o sistema tenha como princípios basilares a isonomia, eficiência e transparência, não é o que se verifica na prática. Os titulares de direito ainda se veem totalmente reféns das associações. O acesso à informação é restrito e difícil. Mesmo acessando o site das associações as informações estão escondidas e muitas vezes fora do acesso ao público. Ademais, muitos artistas não sabem sequer quais foram seus ganhos. A questão mais complexa diz respeito a forma de arrecadação realizada pelo ECAD. Embora o Regulamento de Arrecadação esteja disponível para os usuários, os elementos de precificação ainda são muito subjetivos. Para além dos titulares de direitos, os demais usuários – rádio e televisão – também são prejudicados, uma vez que são cobrados pelo ECAD, mas sem saber o que estão pagando, haja vista que o escritório não deixa claro como foi realizada a cobrança. De acordo com o Regulamento, em seu art. 2º, IV, a arrecadação será sempre pautada pela isonomia e pela não discriminação e será sempre proporcional ao grau de utilização das obras e fonogramas pelos clientes, considerando a importância da execução pública musical no exercício de suas atividades, e as particularidades de cada segmento. Mas seria possível mensurar o referido grau de utilização? A importância da execução pública musical no exercício de suas atividades? O REsp 105 106 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO 1589598, julgado em 2017, é uma demonstração de que os elementos utilizados pelo ECAD são muito subjetivos. De acordo com o julgado, a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança, pelo ECAD, dos direitos autorais de todos os titulares filiados às associações que o integram. Vejamos: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS AUTORAIS. QUARTO DE HOTEL. APARELHOS TELEVISORES. TV POR ASSINATURA. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.610/1998. CAPTAÇÃO E TRANSMISSÃO DE RADIODIFUSÃO. FATOS GERADORES DISTINTOS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL. 1. À luz das disposições insertas na Lei nº 9.610/1998 e consoante a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a simples disponibilização de aparelhos radiofônicos e televisores em quartos de hotéis, motéis, clínicas e hospitais autoriza a cobrança, pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD -, dos direitos autorais de todos os titulares filiados às associações que o integram. 2. Para fins de reconhecimento da possibilidade da cobrança, é irrelevante que a execução não autorizada de obras musicais e audiovisuais em locais de frequência coletiva tenha se dado a partir da disponibilização de aparelho televisor com equipamento receptor do sinal de TV a cabo ou TV por assinatura. 3. Na cobrança de direitos autorais por suposta utilização não autorizada de obra artística, não se pode confundir a obrigação da empresa exploradora do serviço de hotelaria com o a obrigação da empresa prestadora dos serviços de transmissão de sinal de TV por assinatura, pois resultam de fatos geradores distintos, a saber: (i) a captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva (quartos de hotel) e (ii) a radiodifusão sonora ou televisiva em si. Daí porque não há falar, em casos tais, na ocorrência de bis in idem. 4. Consoante a jurisprudência consolidada por ambas as Turmas julgadoras da Segunda Seção, em se tratando de pretensão de cobrança relativa a ilícito extracontratual, o prazo prescricional incidente no caso de violação de direitos do autor é de 3 (três) anos, a teor do que disposto pelo art. 206, § 3º, do Código Civil. 5. Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. Precedentes. 6. Recurso especial provido. (REsp 1589598/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 22/06/2017) Isto significa que ambientes como hotéis e motéis são considerados locais de frequência coletiva, autorizando a cobrança de pelo ECAD, mesmo que a utilização de elementos sonoros sequer faça parte da atividade realizada. Ademais, o Regulamento sequer dispõe acerca de valores a serem cobrados nesse caso. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça considera a internet um local de frequência coletiva, mesmo quando utilizada somente para acessar as plataformas de streaming. Assim, o ECAD também é autorizado a arrecadar quando os usuários utilizam destas tecnologias. Vejamos: RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. TRANSMISSÃO TELEVISIVA. INTERNET. DISPONIBILIZAÇÃO DE OBRAS MUSICAIS. TECNOLOGIA STREAMING. WEBCASTING E SIMULCASTING. EXECUÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS. ECAD. POSSIBILIDADE. SIMULCASTING. MEIO AUTÔNOMO DE UTILIZAÇÃO DE OBRAS INTELECTUAIS. COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS. NOVO FATO GERADOR. TABELAS DE PREÇOS. FIXAÇÃO PELO ECAD. VALIDADE. LEI Nº 12.853/2013 E DECRETO Nº 8.469/2015. VIGÊNCIA. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se a transmissão televisiva via internet nas modalidades webcasting e simulcasting (tecnologia streaming) se configura execução pública de obras musicais apta a gerar o recolhimento de direitos autorais pelo ECAD e se a transmissão de músicas na modalidade simulcasting constitui meio autônomo de uso de obra intelectual, caracterizando novo fato gerador de cobrança de direitos autorais. 2. De acordo com os arts. 5º, inciso II, e 68, §§ 2º e 3º, da Lei Autoral, é possível afirmar que o streaming é uma das modalidades previstas em lei pela qual as obras musicais e fonogramas são transmitidos e que a internet é local de frequência coletiva, caracterizando-se, desse modo, a execução como pública. Precedente da Segunda Seção. 107 108 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO 3. O critério utilizado pelo legislador para determinar a autorização de uso pelo titular do direito autoral previsto no art. 31 da Lei nº 9.610/1998 está relacionado com a modalidade de utilização e não com o conteúdo em si considerado. Assim, no caso do simulcasting, a despeito de o conteúdo transmitido ser o mesmo, os canais de transmissão são distintos e, portanto, independentes entre si, tornando exigível novo consentimento para utilização e criando novo fato gerador de cobrança de direitos autorais pelo ECAD. 4. As alterações promovidas pela Lei nº 12.853/2013 à Lei nº 9.610/1998 não modificaram o âmbito de atuação do ECAD, que permanece competente para fixar preços e efetuar a cobrança e a distribuição dos direitos autorais. 5. O início da vigência do Regulamento de Arrecadação e das tabelas de preços em conformidade com os novos critérios a serem observados para a formação do valor a ser cobrado para a utilização das obras e fonogramas, previstos na Lei nº 12.853/2013 e no Decreto nº 8.469/2015, ocorre em 21/9/2015, de modo que consideram-se válidas as tabelas anteriores até tal data. 10. Recurso especial provido. (REsp 1567780/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 21/03/2017) A decisão é, no mínimo, controversa, haja vista que quem utiliza das plataformas de streaming normalmente o faz dentro da própria casa, de maneira individual, não caracterizando um local de frequência coletiva, conforme consta no art. 68 da Lei 9.610/98. Estes exemplos ilustram a caixa preta que ainda é o ECAD e as associações que o formam. Tanto artistas como titulares de direitos e demais usuários possuem dificuldades em acessar informações que deveriam ser, em tese, de caráter público. Não apenas as informações, mas também questões como a fixação dos valores de cobrança e até mesmo o balaço das associações. Embora o princípio da transparência esteja presente na lei, em seu art. 98, §2º, não é o que se verifica na prática. 3 O SISTEMA PORTUGUÊS Em Portugal, a gestão coletiva de direitos autorais é regida pela Lei nº 26/2015. O referido diploma revogou a Lei nº 83/2001 e foi posta em NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: vigor após a Diretiva 2014/26/EU, relativa à gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos. Segundo a Lei, em seu artigo 5º12, as entidades correspondem a associações ou a cooperativas privadas, com personalidade jurídica e fins não lucrativos, com no mínimo 10 membros13. Quanto ao funcionamento das associações, a Lei exige a realização de assembleia geral. No entanto, diferindo da legislação anterior, acrescenta-se a possibilidade da existência de um órgão executivo, singular ou coletivo, subordinado ao conselho de administração ou direção e por este designado, para exercer funções remuneradas de gestão corrente e de representação da entidade de gestão coletiva (art. 18). Aqui surge o primeiro problema do sistema. Uma vez que o órgão executivo pode não ser formado por titulares de direitos, coloca-se em risco a democracia das entidades, haja vista que passam a poder ser geridas por composições singulares14. Tal entendimento não está de acordo com a ideia de democracia e transparência, pregados não apenas pela própria Lei, mas também pela Diretiva 2014/26/EU. As disposições trazidas pelo art. 18 aparecem deslocadas na Lei nº 26/2015, uma vez que o princípio da transparência é amplamente destacado no referido diploma legal. O art. 26, por exemplo, dispõe que as entidades de gestão coletiva são obrigadas a elaborar e a aprovar, anualmente, o relatório de gestão e contas do exercício, o plano de atividades, o orçamento e o relatório anual sobre a transparência. 12 13 14 Artigo 5º Constituição 1 - A criação de entidades de gestão coletiva é da livre iniciativa dos titulares de direitos de autor e de direitos conexos. 2 - As entidades de gestão coletiva constituem-se obrigatoriamente como associações ou cooperativas privadas com personalidade jurídica e fins não lucrativos, com um mínimo de 10 associados ou cooperadores. LEITÃO, Adelaide Menezes et al. As entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos na lei nº 26/2015, de 14 de abril. In: VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. p. 2338. p. 26. LEITÃO, Adelaide Menezes et al. As entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos na lei nº 26/2015, de 14 de abril. In: VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. p. 23-38. p. 28. 109 110 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO As informações que devem constar no relatório sobre transparência são minuciosas e específicas, constando no anexo da Lei15. Destaca-se, 15 1 - Informações a prestar no relatório anual sobre transparência a que se refere o n.º 3 do artigo 26.º-A: a) Demonstrações financeiras que incluam um balanço ou um mapa dos ativos e passivos, uma conta das receitas e despesas do exercício e uma demonstração dos fluxos de caixa; b) Relatório sobre as atividades do exercício; c) Informações sobre as recusas de concessão de uma licença, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 27.º; d) Descrição da estrutura jurídica e de governo da entidade de gestão coletiva; e) Informações sobre as entidades detidas ou controladas, direta ou indiretamente, no todo ou em parte, pela entidade de gestão coletiva; f) Informações sobre o montante total das remunerações pagas às pessoas referidas no artigo 22.º, no ano anterior e sobre outros benefícios concedidos a essas pessoas; g) As informações financeiras a que se refere o número seguinte; h) Relatório especial sobre a utilização dos montantes deduzidos para efeitos de serviços sociais, culturais e educativos, contendo a informação a que se refere o n.º 3 do presente anexo. 2 - Informações financeiras a prestar no relatório anual sobre transparência: a) Informações financeiras sobre as receitas de direitos, por categoria de direitos geridos e por tipo de utilização (por exemplo, emissão, utilização em linha e atuação pública), nomeadamente as informações sobre os rendimentos resultantes do investimento de receitas de direitos e a utilização desses rendimentos (distribuídos aos titulares de direitos ou distribuídos a outras entidades de gestão coletiva, ou utilizados de outra forma); b) Informações financeiras sobre o custo de gestão dos direitos e de outros serviços prestados pela entidade de gestão coletiva aos titulares de direitos, com uma descrição abrangente de pelo menos os seguintes elementos: i) Todos os custos operacionais e financeiros, com uma discriminação por categoria de direitos geridos e, caso os custos sejam indiretos e não possam ser imputados a uma ou mais categorias de direitos, uma explicação do método utilizado para repartir esses custos indiretos; ii) Custos de funcionamento e financeiros, discriminados por categoria de direitos geridos e, caso os custos sejam indiretos e não possam ser imputados a uma ou mais categorias de direitos, uma explicação do método utilizado para repartir esses custos indiretos, apenas no que diz respeito à gestão de direitos, incluindo as comissões de gestão deduzidas ou compensadas nas receitas de direitos ou em quaisquer rendimentos resultantes do investimento de receitas de direitos, nos termos do n.º 2 do artigo 33.º e dos n.os 1 a 4 do artigo 30.º; iii) Custos operacionais e financeiros respeitantes a serviços, que não a gestão de direitos, mas incluindo os serviços sociais, culturais e educativos; iv) Recursos utilizados para cobrir os custos; v) Deduções efetuadas às receitas de direitos, com uma discriminação por categoria de direitos geridos e por tipo de utilização e a finalidade da dedução, como custos relativos com a gestão de direitos ou com serviços sociais, culturais ou educativos; vi) Percentagens que o custo de gestão dos direitos e de outros serviços prestados pela entidade de gestão coletiva aos titulares de direitos representam, em comparação com NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: neste ponto, a disposição que obriga a publicação do relatório nos sites das entidades de gestão coletiva, devendo os documentos permanecerem ali disponíveis pelo prazo de cinco anos (art. 26-A/2). O art. 28, por sua vez, reforça o dever de informação, devendo as entidades de gestão coletiva informarem os terceiros interessados sobre as as receitas de direitos no exercício em questão, por categoria de direitos geridos e, caso os custos sejam indiretos e não possam ser imputados a uma ou mais categorias de direitos, uma explicação do método utilizado para repartir esses custos indiretos. c) Informações financeiras sobre os montantes devidos aos titulares de direitos, com uma descrição abrangente de pelo menos os seguintes elementos: i) Montante total atribuído aos titulares de direitos, com uma discriminação por categoria de direitos geridos e tipo de utilização; ii) Montante total pago aos titulares de direitos, com uma discriminação por categoria de direitos geridos e tipo de utilização; iii) Frequência dos pagamentos, com uma discriminação por categoria de gestão de direitos e por tipo de utilização; iv) Montante total cobrado mas ainda não atribuído aos titulares de direitos, com uma discriminação por categoria de direitos geridos e tipo de utilização e indicação do exercício em que estes montantes foram cobrados; v) Montante total atribuído mas ainda não distribuído aos titulares de direitos, com uma discriminação por categoria dos direitos geridos e tipo de utilização e indicação do exercício em que esses montantes foram cobrados; vi) Razões do atraso na distribuição e nos pagamentos, caso a entidade de gestão coletiva não os tenha efetuado no prazo estabelecido nos n.os 4 e 5 do artigo 33.º; vii) Total dos montantes não distribuíveis, acompanhado da explicação da sua utilização. d) Informações sobre as relações com outras entidades de gestão coletiva, com uma descrição de pelo menos os seguintes elementos: i) Montantes recebidos de outras entidades de gestão coletiva e montantes pagos a outras entidades de gestão coletiva, com uma discriminação por categoria de direitos, por tipo de utilização e por entidade; ii) Comissões de gestão e outras deduções às receitas dos direitos devidas a outras entidades de gestão coletiva, com uma discriminação por categoria de direitos, por tipo de utilização e por entidade; iii) Comissões de gestão e outras deduções dos montantes pagos por outras entidades de gestão coletiva, com uma discriminação por categoria de direitos e por entidade; iv) Montantes distribuídos diretamente aos titulares de direitos provenientes de outras entidades de gestão coletiva, com uma discriminação por categoria de direitos e por entidade; 3 - Informações sobre a função social e cultural, nomeadamente: a) Utilização dos montantes deduzidos para efeitos de serviços sociais, culturais e educativos no exercício, com uma discriminação por tipo de finalidade e, para cada tipo de finalidade, com uma discriminação por categoria de direitos geridos e por tipo de utilização; b) Explicação da utilização dos montantes, com uma discriminação por tipo de finalidade, incluindo os custos de gestão dos montantes deduzidos para financiar serviços sociais, culturais e educativos e os respetivos montantes utilizados para serviços sociais, culturais e educativos. 111 112 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO condições e preços de utilização de qualquer obra, prestação ou produto dos seus representados, disponibilizar em seus sítios eletrônicos informações como estatutos, critérios de formação dos preços, comissões, distribuição de valores, relatórios de gestão e contas, valores cobrados, número de beneficiários, entre outros deveres. O dever de informação abrange não somente a publicidade das informações para a sociedade, mas busca tutelar, acima de tudo, os direitos dos filiados às entidades. Vejamos: 4 - Na relação com os titulares de direitos, as entidades de gestão coletiva asseguram a existência de procedimentos que permitam a cada titular de direitos que representam, o acesso, por meios eletrónicos, às seguintes informações: a) A quaisquer dados pessoais que tenham autorizado a entidade de gestão coletiva a utilizar, incluindo dados sobre a sua identificação e localização; b) Às receitas de direitos cobradas em seu nome ou, em caso de licenciamento coletivo ou de direitos de remuneração que não permitam a individualização das receitas de direitos no ato de cobrança, o valor que lhe seja devido após a distribuição, incluindo as receitas pendentes; c) Aos montantes que lhe são devidos por categoria de direitos geridos e tipo de utilização, pagos e a pagar pela entidade de gestão coletiva; d) Às deduções de comissões de gestão efetuadas no período em causa bem como às deduções efetuadas para quaisquer outros fins, que não as relacionadas com as comissões de gestão, incluindo as quantias deduzidas para a função social e cultural previstas no artigo 29.º; e) Aos procedimentos de tratamento de queixas e resolução de litígios disponíveis; f) Ao período durante o qual ocorreu a utilização pela qual os montantes foram atribuídos e pagos ao titular dos direitos, salvo se razões fundadas e associadas à comunicação de informações pelos utilizadores impedirem a entidade de gestão coletiva de fornecer esta informação em tempo útil. 5 - As entidades de gestão coletiva devem fornecer a informação referida no número anterior preferencialmente no momento da distribuição de direitos, ou anualmente, a cada titular de direitos destinatário de receitas de direitos ou a quem efetuaram pagamentos no período a que as informações se referem. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: 6 - As entidades de gestão coletiva que atribuam receitas de direitos e tenham como seus membros entidades responsáveis pela distribuição das receitas de direitos aos titulares devem fornecer-lhes as informações previstas no n.º 4 de que disponham, sempre que estas últimas não disponham dessa informação. 7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 48.º-B, as entidades de gestão coletiva devem, em resposta a pedidos devidamente fundamentados, disponibilizar aos titulares de direitos, a outra entidade de gestão coletiva com a qual tenham acordos de representação ou aos utilizadores, pelo menos uma das seguintes informações, através de meios eletrónicos e sem demora injustificada: a) As obras ou outras prestações que representam, os direitos que gerem, diretamente ou ao abrigo de acordos de representação e os territórios abrangidos; b) Os tipos de obras ou outras prestações que gerem, os direitos que representam e os territórios abrangidos, nos casos em que não se possam determinar essas obras ou outras prestações devido ao âmbito de atividades da entidade de gestão coletiva. O dever de informação baliza um dos direitos dos titulares de direitos, que é o de serem informados de todos os direitos que lhes assistem, dos estatutos e critérios aplicados, antes de prestarem o seu consentimento à gestão de qualquer direito ou categoria de direitos ou repertório (art. 31/1c). O princípio da transparência surge, também, na questão das licenças multiterritoriais. O art. 48-B deixa claro que as entidades de gestão coletiva que concedem licenças multiterritoriais de direitos devem comunicar aos prestadores de serviços em linha, aos titulares cujos direitos representam e às outras entidades de gestão coletiva, através de meios eletrônicos e em resposta a um pedido devidamente justificado, informações atualizadas que permitam a identificação do repertório de música em linha que representam. As entidades de gestão coletiva devem facultar aos titulares dos direitos cujas obras musicais estão incluídas nos seus repertórios de música e aos titulares de direitos, informações sobre as suas obras musicais, os seus direitos sobre as mesmas e os territórios abrangidos pela autorização (art. 48-C/3). A fiscalização das entidades de gestão coletiva é de responsabilidade da Inspeção Geral das Atividades Culturais – IGAC (art. 49/1). De acordo com a definição dada pela Lei nº 26/2015, 113 114 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO A IGAC é a entidade competente para rececionar e avaliar as questões submetidas pelos membros, titulares de direitos, utilizadores, entidades de gestão coletiva e outras partes interessadas, sempre que considerem existir quaisquer atividades ou circunstâncias que violem alguma das disposições da presente lei. Deste modo, devem as entidades de gestão coletiva prestarem anualmente informações acerca de seus órgãos sociais, cópia de estatutos, relatórios de gestão, planos de atividades e orçamentos e lista de acordos celebrados com as entidades estrangeiras. Qualquer alteração deve ser informada ao IGAC em até 30 dias16. A IGAC é responsável por aplicar as devidas sanções às entidades de gestão coletiva que não estejam cumprindo a lei. Isto inclui a destituição de administradores que não estejam agindo de acordo com os interesses da sociedade, bem como a extinção das entidades de gestão coletiva que pratiquem atos ilícitos17. Do mesmo modo que a legislação brasileira, a Lei nº 26/2015 buscou dar maior transparência ao sistema de gestão coletiva, trazendo elementos importantes como a obrigatoriedade da apresentação anual de um relatório da transparência e a obrigatoriedade de colocar todas as informações nos sites das associações. Mesmo já estando em vigor antes da alteração legislativa, não houve a transposição da Directiva 2014/26/EU na Lei nº 26/2015. Assim, o diploma legal deixou de lado algumas soluções inovadoras18, colaborando na manutenção dos interesses dos grandes entes do sistema. 16 17 18 LEITÃO, op. cit., p. 35. Artigo 52.º Extinção das entidades de gestão colectiva 1 - A IGAC deve solicitar às entidades competentes a extinção das entidades de gestão coletiva constituídas em Portugal: a) Que violem a lei, de forma muito grave ou reiteradamente; b) Cuja atividade não coincida com o objeto previsto nos estatutos; c) Que utilizem reiteradamente meios ilícitos para a prossecução do seu objeto; d) Que retenham indevidamente as remunerações devidas aos titulares de direitos. 2 - O disposto no número anterior é aplicável a outras entidades que exerçam efetivamente a gestão coletiva, independentemente da sua natureza jurídica, autorização, registo ou comunicação. 3 - Sem prejuízo de eventual responsabilidade civil, penal e contraordenacional de tais entidades e das pessoas que atuem por conta ou em representação destas constitui também causa de extinção a falta de autorização, registo ou comunicação das entidades que exerçam efetivamente a gestão coletiva. VIEIRA, op. cit., p. 329. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Um exemplo é a declaração expressa. A Directiva dispõe, em seu art. 5º, nº7: 7. Se um titular de direitos autorizar uma organização de gestão coletiva a gerir os seus direitos, deve dar consentimento expresso especificamente para cada direito ou categoria de direitos ou tipo de obras e de outras prestações que autorizar a organização de gestão coletiva a gerir. Esse consentimento deve assumir forma documental. Ou seja, a simples condição de membro da associação não autoriza a gestão coletiva automática. Há a necessidade de consentimento específico e escrito. No caso do sistema português não é o que ocorre. O art. 31, o qual trata do direito dos titulares, dispõe: 1 - Os titulares de direitos representados pelas entidades de gestão coletiva têm o direito de: a) Mandatar uma entidade de gestão coletiva da sua escolha para gerir os direitos, as categorias de direitos ou os tipos de obra e prestações protegidas que entenderem, não podendo ser obrigados a mandatar para a gestão de todas as modalidades de exploração das obras e prestações protegidas ou para a totalidade do repertório; A Lei somente obriga a utilização de documento escrito no caso de revogação do mandato19. Isto acaba abrindo brechas para confusões e até mesmo abusos. Primeiramente, a simples adesão à associação não significa que o titular de direitos deseja iniciar a gestão coletiva de suas obras20. Os interesses das associações devem coincidir com os dos titulares de direitos, de forma que a decisão de aderir ou não à gestão coletiva deve ser consciente e informada21, livre de quaisquer dúvidas. Semelhante ao que ocorre no Brasil, os titulares de direitos se tornam reféns das associações, uma vez que não possuem acesso a informações referentes às licenças concedidas a terceiros. Acaba se tornando muito difícil cobrar a associação, haja vista que não se sabe a quem ou quantas licenças foram vendidas22. O titular necessita confiar apenas nas associações, o que 19 20 21 22 1 - Os titulares de direitos representados pelas entidades de gestão coletiva têm o direito de: 3 - A revogação do mandato a que se refere a alínea b) do n.º 1 é feita por escrito, mediante um pré aviso de 90 dias. VIEIRA, op. cit., p. 331. Ibid., p. 331. Ibid., p. 334. 115 116 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO não é justo considerando que as associações devem tão somente atender aos interesses de seus associados. Outra questão complexa é a distribuição dos valores arrecadados. De acordo com o art. 33 da Lei nº 26/2015, a distribuição das receitas obtidas com a gestão de direitos é efetuada de acordo com os estatutos e com a política de distribuição aprovada pela assembleia geral. Tal distribuição deve basear-se em critérios objetivos, adequados aos tipos de direitos geridos e que excluam a arbitrariedade, e devem assegurar aos titulares de direitos uma participação na distribuição que seja proporcional à utilização das respetivas obras (art. 33/3). No entanto, a Lei não dispõe acerca da composição da Assembleia e a legitimidade de voto23, abrindo espaço para votar mesmo aqueles que não são titulares de direito, bem como a participação em todas as categorias, mesmo que a ela não pertença. Considerando a natureza da gestão coletiva, que deve servir aos interesses de seus titulares de direitos, o mais correto seria apenas os autores e titulares de direitos autorais e conexos participarem da Assembleia, sob pena de incorrer em uma falta de transparência. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista as novas tecnologias e a fácil difusão da informação, a gestão coletiva se faz necessária. É impossível que o titular de direitos faça o controle de suas obras totalmente sozinho. Verifica-se uma atenção especial ao assunto. Nos últimos anos as legislações buscam encontrar uma adequação às necessidades dos titulares de direito. No Brasil, em 2012 a legislação foi alterada, inserindo dispositivos que buscam dar maior transparência e eficácia ao sistema. A ideia foi tentar diminuir a enorme burocracia existente no sistema brasileiro, haja vista que se trata de um modelo único, com um escritório central responsável pela arrecadação e distribuição, além das associações. Na Europa não foi diferente. Em 2014 a Directiva 2014/26/EU veio dispor sobre a gestão coletiva de direitos autorais, buscando trazer um padrão elevado de governação, gestão financeira, transparência e apresentação de relatórios. 23 VIEIRA, op. cit., p. 337. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Portugal, por sua vez, alterou sua legislação em 2015. Na mesma esteira que o Brasil e a Directiva, trouxe disposições acerca da transparência e dever de informação, inclusive dispondo de forma aprofundada sobre a apresentação de relatórios de transparência. Apesar do avanço trazido pelas alterações legislativa, antigos problemas ainda persistem. Tanto no Brasil como em Portugal, observa-se que as associações ainda se sobrepõe aos seus associados. Apesar das legislações definirem como princípio a transparência, não é o que se verifica na prática. Os titulares de direitos ainda são reféns das decisões tomadas – de forma arbitrária e obscura – pelas associações, tais como a definição da distribuição dos valores por meio de Assembleia. Outro ponto convergente é a forma de arrecadação. Os titulares continuam sem saber o que receberam e como receberam. Não há definições exatas como valor das licenças. Os critérios de cobrança dos usuários são confusos e feitos de forma arbitrária, causando uma insegurança tanto nos titulares como nos usuários. O problema da gestão coletiva não é local, mas está presente em mais de um sistema. No entanto, a partir do momento que os interesses das associações divergem do interesse dos titulares, a gestão coletiva perde sua razão de ser. Apesar dos avanços, ainda há um árduo caminho para percorrer, de forma que faz-se necessário buscar alternativas para garantir a transparência e fiscalização dos sistemas de gestão coletiva. REFERÊNCIAS ARENHART, Gabriela. Gestão Coletiva de Direitos Autorais e a Necessidade de Supervisão Estatal. Publicado em: 25 jul. 2014. Disponível em: <http://www. gedai.com.br/?q=pt-br/content/gest%C3%A3o-coletiva-de-direitos-autorais-enecessidade-de-supervis%C3%A3o-estatal>. BRASIL. Senado Federal. Relatório Final nº 1 de 2012: Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo requerimento nº 547, de 2011. Brasilia, DF, 2012 FRANCISCO, Pedro Augusto P.; VALENTE, Mariana Giorgetti (Org.). Do rádio ao streaming: ECAD, Direito autoral e música no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2016. 390 p. LEITÃO, Adelaide Menezes et al. As entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos na lei nº 26/2015, de 14 de abril. In: VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. 117 118 MARCOS WACHOWICZ | BIBIANA BISCAIA VIRTUOSO Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. p. 23-38. VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. VIEIRA, José Alberto et al. Gestão colectiva: Reflexões dispersas de política legislativa. In: VICENTE, Dario Moura et al (Org.). Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão: 50 anos de Vida Universitária. Coimbra: Almedina, 2015. p. 325-341. A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS CRIAÇÕES DE MODA: análise comparada entre o Direito Português e Direito Brasileiro Bruna Homem de Souza Osman1 Nídia Simões Cristino2 1 INTRODUÇÃO No presente trabalho traça-se a relação entre as criações/produtos de moda com os campos da Arte e do Design para melhor entender a separação que se evidenciou no decorrer do tempo entre a arte e a técnica, para então ser possível verificar os motivos pelos quais alguns dos objetos de vestuário podem ser equiparados às obras e arte e outros não. A partir de então, analisa-se a difusão e a cópia dos produtos de moda na sociedade de consumo e de informação, atentando-se ao estudo das tendências e na velocidade de transmissão das informações que são utilizadas principalmente pelas empresas fast fashion no desenvolvimento de produtos. O núcleo do trabalho passa pelo estudo da Propriedade Intelectual, onde realiza-se a análise comparativa entre os direitos brasileiro e português consoante a aplicabilidade de proteção às criações/produtos de moda. Na sequência busca-se observar as semelhanças e diferenças através das informações coletadas em diversas fontes bibliográficas 1 2 Advogada, Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da Universidade Federal do Paraná – GEDAI. Mestranda em Ciências Jurídico-Empresariais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra. 120 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO 2 CRIAÇÕES DE MODA E SUAS RELAÇÕES COM OS CAMPOS DA ARTE E DO DESIGN Existem muitos contextos e aplicações para a palavra “moda”, podendo esta fazer referência a objetos, comportamentos, linguagens, opiniões e escolhas estéticas diversas3, ou ainda, estar diretamente relacionada e envolvida aos campos de Artes, Literatura, Economia, Matemática, Geografia, História, Sociologia, Linguística, Direito, dentre outras áreas45. Embora geralmente esteja correlacionada com maneira ou estilo de agir ou de se vestir, ou com sistema de usos ou hábitos coletivos que caracterizam o vestuário, os acessórios e outros objetos num determinado momento, ou com o conjunto de tendências ditadas pelos profissionais do mundo da moda6, vislumbra-se que neste trabalho centram-se as discussões em questões que envolvem as criações e os produtos de moda. Denise Pollini (2018, p. 18-19) afirma que a moda como conhecemos hoje se desenvolveu em decorrência de processos históricos que se evidenciaram entre os séculos XIV e XIX, quando se instituiu em transformação periódica de gostos, preferências, como também “a maneira como as pessoas se vestiam, suas escolhas estéticas, suas opiniões e gostos do momento”.7/8 Ao analisar a história, importante observar que Bruna Homem de Souza Osman (2017, p.18) enfatiza quanto a separação entre arte e design que: 3 4 5 6 7 8 POLLINI, Denise. Breve história da moda. Editora Nova Alexandria, 2018. p. 15. DIAS, Julieta Prata de Lima. Terminologia de moda: conceitos e definições. Acta Semiótica et Lingvistica, Universidade Federal da Paraíba, v.16, n. 1, p. 215 - 253. Importante destacar que Carol Garcia e Ana Paula Celso de Miranda observam que: “De modo geral, psicólogos veem a moda como busca da individualidade; sociólogos compreendem-na como competição de classe e conformidade social às normas; economistas explicam-na pela busca do escasso, do que é difícil de conseguir; criadores observam a versão estética, os componentes artísticos e o ideal de beleza; historiadores oferecem explanações evolucionários para as mudanças da moda. Entretanto, a moda em processo não pode ser vista apenas sob determinada ótica”. GARCIA, Carol; MIRANDA, Ana Paula Celso de. Moda é Comunicação: experiências, memorias, vínculos. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005. p. 109. Michaelis. Dicionário Online. Disponível em <https://michaelis.uol.com.br/moderno -portugues/busca/portugues-brasileiro/moda/>. Acesso em: 19 ago. 2019. POLLINI, Denise. Breve história... Op. Cit. p. 18-19. Existem diversas teorias sobre o por quê da valorização da novidade e das mudanças, dentre elas cita-se a Gabriel Tarde que propôs que as classes inferiores imitam as classes superiores refletindo seu desejo de ascensão social e, por sua vez, as classes superiores mudam os elementos estilísticos nas suas roupas como forma de distinguirem-se das classes inferiores (TARDE, Gabriel. Les Lois de l´imitation, étude sociologique [1890]. Kimé, Paris. 1993.) NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: [...] até o final do século XV o profissional responsável pela configuração de objetos utilizados pelo homem em seu cotidiano estava integrado ao campo da arte e a obra de arte não expressava a sua expressão individual, mas sim uma produção coletiva que acontecia nas oficinas pertencentes às Guildas, ou Corporações de Ofícios. Relevante também constatar que a partir da Revolução Comercial e início das manufaturas, principia uma separação entre produção e o projeto, fragmentação esta que é reforçada com o início da mecanização das fábricas na Revolução Industrial. 9 10 Com a criação, produção e comercialização de produtos em série na Revolução Industrial a atividade do designer é valorizada, vez que são essenciais para a produção em série dos objetos e, o artista-artesão das Corporações de Ofícios da Idade Média “passa a ser ou o operário responsável pela produção do objeto ou o mestre-desenhista responsável pelo seu projeto”.11 Nesta ocasião, nasce a percepção de projeto como mercadoria e o design passa a ter relação com a indústria e o mercado. Neste contexto, tem-se a percepção que a profissão de designer teve origem a partir do campo da Arte, por sua vez, Pierre Bourdieu (1999)12 assegura que a criatividade e a inovação amparam a valoração deste profissional no meio no qual ele está inserido. Correlacionando a os dias atuais, Deborah Chagas Christo (2008, p. 27-35) registra quanto a valoração da profissão de design, que: Talvez isso explique porque alguns designers são vistos como artistas de talento especial e suas criações ganham valor de verdadeiras “obras de arte”, ou por que objetos de design são considerados sinônimos de objetos modernos, inovadores e arrojados.13 9 10 11 12 13 OSMAN, Bruna Homem de Souza. Fashion law: desconstrução do direito da moda no Brasil. 2017. p. 18. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Coordenação de Pós Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, São Paulo, 2017. Esta afirmação é corroborada por CHRISTO, Deborah Chagas. Designer de moda ou estilista? Pequena reflexão sobre a relação entre noções e valores do campo da arte, do design e da moda. In: PIRES, Dorotéia Baduy (Org.). Design de moda: olhares diversos. São Paulo: Estação das Letras, 2008. p. 27-35. CHRISTO, Deborah Chagas. Designer de moda... Op. Cit. p. 27-35. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999. CHRISTO, Deborah Chagas. Designer de moda... Op. Cit.. 27-35. 121 122 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO Com o avanço da tecnologia e produção evidencia-se grande variedade de bens de consumo e o vestuário foi umas das primeiras categorias de produtos que visivelmente aderiu ao processo de mudanças constantes que é uma das características da moda.14 Passa-se a detectar a produção em massa do vestuário industrializado padronizado em contraposição às roupas produzidas sob encomenda.15 Gilles Lipovetsky (1989, p. 80 -82) esclarece que entre o início do século XIX e a década de 196016 as empresas que produziam produtos baratos em série passaram a copiar de forma integral ou parcial os modelos de designers renomados da alta costura.17 Neste âmbito, identificam-se criações exclusivas de luxo18 como objetos interligados à arte em uma esfera e, em outra esfera, objetos produzidos em série, com o uso dos processos de desenvolvimento de produtos do campo do Design com aplicação dos elementos visuais das tendências de moda. O luxo19 comumente está relacionado à um produto de alta qualidade, preço elevado, design, criatividade20 e prestígio da marca, que poderia denotar privilégio e vantagem de um grupo de pessoas. Mas observa-se 14 15 16 17 18 19 20 DE CARLI, Ana Mary Sehbe. O sensacional da moda. Caxias do Sul: EDUCS, 2012, p. 18. OSMAN, Bruna Homem de Souza. Fashion law... Op. Cit. Cardoso registra que “as revistas de moda começaram a ser publicadas na Europa, principalmente na Inglaterra e na França e nos Estados-Unidos, por volta dos anos 1800. As revistas pesquisavam as últimas tendências e as espalhavam para todas as leitoras, costureiras e clientes, até mesmo de outros países, copiavam os looks”. CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018. p. 17 LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia. Das Letras, 1989. p. 80 e ss. Segundo JEANNE BELHUMEUR foi Charles Frederick Worth o primeiro a destacar-se como criador de moda, proporcionando inovação no processo de criação e na estética de seus produto, exibindo seus modelos em desfiles de moda e introduzindo um ciclo de moda com mudanças periódicas. BELHUMEUR, Jeanne. Droit International de la Mode. Canova: Società Libraria Editrice, 2000. p. 17. Deve-se observar, no entanto, que o segmento luxo no decorrer das últimas décadas passou de pequenos negócios, independentes e semi-artesanais, a gigantescos grupos multimarcas internacionais. Atualmente temos concentrações, fusões, aquisições e divisões de marcas num mercado mundial. MERCADO DE LUXO NO BRASIL: SEGMENTO MODA LUXURY MARKET IN BRAZIL: FASHION SEGMENT Dal Bosco, Glória Lopes da Silva; Especialista em Produção de Moda; Universidade Do Vale do Itajaí – Univali, glo. lopes@ig.com.br Okonkwo redistra que a marca é a salvação da indústria de luxo enquanto o design e criatividade são os seus alicerces. OKONKWO, Uche. Luxury fashion branding: trends, tactics, techniques. New York: Palgrave Macmillan, 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 set 2012. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: que com o objetivo de atingir outros nichos de mercados o luxo torna-se mais acessível às diversas classes sociais.21 Até porque, como ressalta Daniela Delgado (2008, p. 04), o “mercado começa a se diversificar e a se segmentar com maior intensidade. Nos anos 80 e 90 ocorre a globalização da economia e das informações, sobretudo com o auxílio da internet.”22 Assim, os produtos de moda passam “de uma lógica centrada na oferta, na criação e no criador, a uma lógica que integra a procura, a concorrência, as necessidades do mercado e dos consumidores”23, por isso, a “atual noção de criação de moda, ensinada nas escolas técnicas e superiores seguem os padrões do design, seguindo métodos fundamentais para o desenvolvimento de um produto tangível”.24 Doris Treptow (2007) observa que no desenvolvimento de uma coleção de moda pelos designers três categorias de produtos podem ser identificadas dentre a variedade oferecida: os produtos básicos, condizentes aos modelos simples e sem ou com poucos detalhes que costumam ter a venda garantida; os produtos fashion que estão relacionados com as tendências de moda do momento; e, os produtos de vanguarda, comprometidos com pesquisas de tendências atuais ou futuras, que podem apresentar elementos artísticos e não comerciais, que podem ser denominados como conceituais.25 Identifica-se, assim, neste contexto, que o designer de moda, profissional com “área de atuação que envolve criação, o desenvolvimento e a confecção 21 22 23 24 25 Danielle Allérès observa que são três grandes categorias de classes sociais e de luxos, que se diferenciam pela seleção dos usos e hábitos de consumo, o luxo inacessível o qual pertence à classe social mais bem-provida e compreende os objetos mais raros, novos e inacessíveis; o luxo intermediário vinculado à nova burguesia, geralmente com hábitos de alto consumo de objetos novos, difundidos na mídia e com etiquetas; e, o luxo acessível, relacionado com a classe média, também com alto consumo de produtos que comumente são adquiridos para reproduzir classes sociais mais economicamente abastadas. ALLÉRÈS, Danielle. Luxo: estratégias de marketing. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2006. DELGADO, Daniela. Fast fashion: estratégia para conquista do mercado globalizado. ModaPalavra e-periódico, v. 1, n. 2, 2008, p. 04. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero... Op. Cit. p. 93 VALENTIM, Anamélia Fontana. A cópia na moda: imaginário e espetáculo. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores–SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, 2012, p. 01. TREPTOW, Doris. Inventando moda: planejamento de coleção. 4. ed. Brusque: Ed. do Autor, 2007. 123 124 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO de produtos de moda”26 na atualidade dedica-se à construção de diferentes categorias de produtos para os mais variados nichos de mercado. 3 DIFUSÃO E CÓPIA DOS PRODUTOS DE MODA NA SOCIEDADE DE CONSUMO E DE INFORMAÇÃO Anamélia Fontana Valentim (2012, p. 01) explana que a cópia, ou imitação, “é para algumas culturas, uma prática legítima, e torna possível o aparecimento de novos artistas, como é o caso da China”.27 Para outras, são inaceitáveis, ainda que em tenham sido toleradas no passado, conforme esclarece Gisele Ghanem Cardoso (2018, p. 17) sobre as revistas de moda: As revistas de moda começaram a ser publicadas na Europa, principalmente na Inglaterra e na França e nos Estados Unidos, por volta de 1.800. As revistas pesquisavam as últimas tendências e as espalhavam para todas as leitoras, costureiras e clientes, até mesmo de outros países, copiavam looks”28 Uma das justificativas para a não aceitação da cópia na atualidade, consoante Cristiane Mesquita e Rosane Preciosa (2011), é de que: Com a intensificação do comércio, os avanços tecnológicos e a possibilidade de reprodução em grande escala, a classe média passa consumir cópias dos objetos de luxo. Isso ameaça o prestígio de alguns bens, essa apropriação torna-se um problema, e então surge o imperativo da autenticidade. A cópia tem seu valor invertido e a falsificação surge com a própria modernidade.29 Retomando-se as tendências de moda Guillaume Erner (2015) destaca que tendência é um “comportamento adotado de maneira temporária 26 27 28 29 FILHO, João Gomes. Design do objeto bases conceituais: design de produto/ design gráfico/ design de moda/ design de ambientes/ design conceitual. São Paulo: Escrituras, 2006, p. 29. VALENTIM, Anamélia Fontana. A cópia na moda: imaginário e espetáculo. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores–SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, 2012, p. 08. CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018. p. 17. MESQUITA, Cristiane; PRECIOSA, Rosane. Moda em Ziguezague: Interfaces e Expansões. São Paulo: Estação das letras e cores, 2011. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: por uma parte substancial de um grupo social quando esse comportamento é percebido como socialmente adequado para época e situação”.30 No momento presente, “há um aumento da velocidade de difusão da moda e, consequentemente, da produção de tendências”.31 Tal fato pode estar associado à comunicação moderna que fortemente impactou a indústria da moda através da disseminação de seu conteúdo. Gini Stephens Frings (2012, p. 50) corrobora do mesmo pensamento ao relacionar moda e comunicação: O desenvolvimento da comunicação moderna tem tido um enorme impacto sobre a indústria da moda. Comunicações que antes levavam dias ou semanas para acontecer hoje acontecem instantaneamente. Uma variedade de sistemas de comunicação fornece aos consumidores informações minuto a minuto sobre moda. Comunicações precisas, oportunas e úteis são essenciais para o sucesso das empresas de moda”.32 Estas informações são essenciais e necessárias para empresas que apresentam estratégia de venda fast fashion, principalmente quando um produto está no pico de popularidade de seu ciclo da moda33, pois a demanda pelo produto no mercado pode instigar fabricantes a copiarem ou produzirem adaptações do produto em diferentes faixas de preços.34 A estratégia de venda fast fashion também é conhecida como circuito curto ou por Quick Response System. Visa a produção tardia de tendências de consumo já confirmadas em pequenas séries, para minimizar os riscos e, consequentemente, as perdas.35 30 31 32 33 34 35 ERNER, Guillaume. Sociologia das tendências. Tradução Julia da Rosa Simões. São Paulo: 1. ed. Editora Gustavo Gili, 2015. DELGADO, Daniela. Fast fashion... Op. Cit. p. 04. FRINGS, Gini Stephens. Moda do conceito ao consumidor. 9. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. p. 50. Gini Stephens Frings precisa em cinco etapas o ciclo da moda, são eles, introdução de um estilo, aumento da popularidade, pico de popularidade, declínio da popularidade e rejeição de um estilo ou obsolência. FRINGS, Gini Stephens. Moda do conceito ao consumidor. 9. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. p. 62-63. CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018. p. 33. ERNER, Guillaume. Vítimas da moda? Como a criamos, por que a seguimos. São Paulo: Senac, 2005. 125 126 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO Como exemplo cita-se a empresa Zara que atende um público diversificado que não se preocupa com a exclusividade de seus produtos, mas sim com preços como fator principal em detrimento da estética.36 Observa Daniela Delgado (2008, p. 08) sobre o fast fashion que: Não é um sistema bem visto pelo mercado criador/produtor de moda, já que muitas vezes as empresas confeccionam roupas similares (com alguma ou nenhuma modificação) àquelas que foram pensadas, criadas e desenvolvidas por estilistas e marcas renomadas. Mas de qualquer forma a maioria dos clientes não chega a tomar conhecimento desta concorrência, ficando mais atento ao estilo e preço das peças que irão usar do que aos “bastidores” das empresas de moda.37 Assim as empresas com estratégia fast fashion tomam como ênfase e referência para o desenvolvimento e produção de seus produtos as tendências e não a criatividade. Elucida Gisele Ghanem Cardoso (2018, p. 35-38) que a criação e o desenvolvimento de um produto seguem uma sistemática complexa, que muitas vezes é onerosa e demanda tempo. Requer também dedicação das as empresas, indústrias e marcas antes de começar a ser vendido.38 Segue advertindo a autora que: A partir do momento em que começam a ser comercializados e fazer sucesso, outros fabricantes começam a reproduzir o bem. Todo aquele tempo que a empresa investiu criando, pesquisando, escolhendo material é inversamente proporcional ao tempo da produção de suas cópias. Copiar o produto é a garantia de venda e, além disso, é a garantia de produção rápida com custo baixo.39 Com relação às cópias e suas classificações, interessante são as colocações de Gisele Ghanem Cardoso: [...] esses produtos induzem à confusão de marcas, os famosos produtos “fakes” podem ser subdivididos em a) bem pirata: aquele não 36 37 38 39 DELGADO, Daniela. Fast fashion... Op. Cit. p. 04-05. Idem. p. 08. CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda... Op. Cit. p. 35-38. Idem. p. 38-39. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: está enganando o consumidor, é uma cópia tão esdrúxula que não há possibilidade de confusão; b) falsificado: seria aquele bem que tem o condão de causar confusão no consumidor ao adquirir um artigo ser outro e, por fim, c) réplica: o adquirente tem ciência que o produto é falso e ainda assim, deseja-o adquirir por se tratar de um produto idêntico ao original e usá-lo como se fosse autêntico.40 Gisele Ghanem Cardoso (2018, p. 42) ainda observa que também existe o produto denominado inspired que “não é uma cópia fidedigna, porém é um produto muito semelhante, às vezes capaz de causar confusão”41 até porque são empregados na sua construção alguns elementos visuais diferentes, no entanto, o novo objeto permanece com a mesma estrutura do original. A empresa Zara dedica-se principalmente em reproduzir os designs de estilistas famosos, mas sem intenção de ser intitulada como autor/criador original da obra, pois apresenta uma nova versão desta, situação em que passam a existir “meras semelhanças entre criações, sendo cada uma delas resultado de dois esforços criativos distintos” 42. Ou seja, apesar de ser eco de um design já existente, a nova obra implica também em alguma criatividade por parte do seu autor. Neste cenário, pertinente colecionar a assertiva de Anamélia Fontana Valentim (2012, p. 08-09) no que tange a diferenciação entre releitura e falsificação em relação as classes sociais: Vale lembrar que quando as classes altas se valem de práticas e objetos populares e introduzem adaptações ao seu gosto, é comum chamarem de releitura, como acontece com frequência na moda. No entanto, a prática contrária, quando as classes baixas de utilizam de artigos que pertencem às classes superiores, o objeto ou prática é comumente chamado de cópia, falsificação, imitação.43 Vale ressaltar que o poder aquisitivo de muitos consumidores não oportuniza a possibilidade de aquisição de produtos de elevados valores. Por isso, são adquiridos por este público produtos mais acessíveis que po40 41 42 43 CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda... Op. Cit. p. 41-42. Ibidem. p. 42. RIBEIRO, Bárbara Quintela. A tutela jurídica da moda pelo regime dos desenhos ou modelos. In Associação Portuguesa de Direito Intelectual, Direito Industrial, v. 5, Coimbra, Almedina, 2008, p. 520. VALENTIM, Anamélia Fontana. A cópia na moda... Op. Cit., p. 08-09. 127 128 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO dem ser piratas, falsificados, réplicas, ou que são denominados como releitura ou inspiração. Todos existentes no mercado global de modo habitual e incisivo – ainda que inaceitáveis.44 Entretanto, não é possível ignorar os potenciais prejuízos que podem trazer aos designers. Em especial quando apresentam suas criações em desfiles de semanas de moda em, por exemplo, Nova Iorque, Paris ou Milão, e estes produtos são divulgados em tempo real, em várias páginas web. Com isto, qualquer empresa que tenha a estratégia fast fashion pode reprojetar, ou seja, reformular a criação original e enviar o design para as fábricas disseminadas pelo mundo para a sua produção em grande volume, com velocidade assombrosa, para ser vendido por um valor consideravelmente mais baixo. Essas peças chegam às lojas poucas semanas depois do original ter sido apresentado ao público e, na maior parte das vezes, muitos meses antes do original chegar até às lojas.45 Consequentemente, neste contexto, identificam-se os produtos que são cópias, ou seja, bem pirata, falsificado ou réplica, por obviedade, não requerem proteção jurídica, justamente porque tentam de alguma forma, reproduzir de forma fidedigna a criação original. Contudo, os demais bens de consumo de moda, sejam de luxo ou não, complexos ou não, que não sejam cópia, podem eventualmente ensejar proteção jurídica, assim, analisa-se a possibilidade de salvaguarda das criações/ produtos de moda (seja básico, fashion, vanguarda/conceitual) e dos produtos denominados releituras/inspired, originários da estratégia fast fashion, tanto sob a égide da legislação brasileira quanto da portuguesa. 4 PROPRIEDADE INTELECTUAL: ANÁLISE COMPARADA ENTRE O DIREITO PORTUGUÊS E BRASILEIRO. Propriedade Intelectual está diretamente interligada a tipos de propriedade que resultem da criação do espírito humano de ordem “tecnológica, comercial e cultural”46, de tal forma que o termo “Propriedade Inte- 44 45 46 CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda... Op. Cit. p. 44-45. ROCHA, Maria Vitória. Pirataria na Lei da Moda: um paradoxo? In Estudos de Direito do Consumidor, nº12, 2007, ISSN 1646-0375 (disponível em https://www.fd.uc.pt/ cdc/pdfs/rev_12_completo.pdf). Acedido em 30 de novembro de 2018. GODINHO, Manuel Mira. et al. Propriedade intelectual: uma temática na ordem do dia. Lisboa: Público/UAL, 2008. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: lectual”, na Convenção de Estocolmo (1967)47, é definido em lista exaustiva que compreende: [...] obras literárias, artísticas e científicas; às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão; às invenções em todos os domínios da atividade humana; as descobertas científicas; os desenhos e modelos industriais; às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais; à proteção contra a concorrência desleal e “todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.48 Desta forma, permitiu-se aos legisladores nacionais dos países membros que ratificaram o acordo, em razão de suas soberanias territoriais, a regulamentação interna em matéria do regime legal aplicável à propriedade intelectual. De maneira que no Brasil o sistema de Propriedade Intelectual compreende, os seguintes direitos: a) Direito Autoral (Direitos do Autor, Direitos Conexos e Programas de Computador); b) Propriedade Industrial (Marca, Patente - Invenções e Modelos de Utilidade, Desenho Industrial, Indicação Geográfica e Concorrência Desleal); e, c) Direitos Sui generis (Topografia de Circuito Integrado, Proteção de Novas Variedades de Plantas, Conhecimentos Tradicionais, Manifestações Folclóricas). Já em Portugal, a Propriedade Intelectual desdobra-se em: a) Direitos de Autor e Direitos Conexos; b) Direitos de Propriedade Industrial: 1) Invenções (Patente, Modelos de Utilidades, Certificados Complementares de Proteção e Topografia de Produtos Semicondutores); 2) Sinais (Marcas, Logotipos, Recompensas, Denominações de Origem, Indicações Geográficas); 3) Desenhos e Modelos.49 Apesar da sistematização ser semelhante, busca-se a uniformização da legislação relacionada à proteção da propriedade industrial a partir da 47 48 49 A Convenção de Estocolmo de 14 de julho de 1967 institui a World Intellectual Property Organization – WIPO – denominação internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI, Convenção de Estocolmo, 14 de julho de 1967; Artigo 2, § viii UNIVERSIDADE DO PORTO. Proteger Propriedade Intelectual. Disponível em: <https://upin.up.pt/pt-pt/content/proteger-propriedade-intelectual>. Acesso em: 03 set. 2019. 129 130 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO Convenção da União de Paris de 20 de março de 1883, subscrita inicialmente por 11 países, entre eles Brasil e Portugal.50 No que tange à patente, em 1970 o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (Patent Cooperation Treaty – PCT) alcançou alguma uniformização dos procedimentos de patenteabilidade, mas foi a partir de 1995 com o Acordo TRIPS51 onde “foram estabelecidos padrões normativos mínimos quanto ao objeto da proteção, aos requisitos de proteção e às medidas de aplicação efetiva dos direitos de propriedade intelectual”52 O alinhamento da sistemática da propriedade intelectual visa uma diversidade de objetivos. Dentre eles, impedir que terceiros se utilizem de modo abusivo das novas criações desenvolvidas por pessoas físicas ou jurídicas e, assim, a garantia de que os direitos obtidos por meio da propriedade intelectual possam proporcionar o retorno econômico para quem investe esforço e trabalho no desenvolvimento de criações intelectuais. É perceptível, por consequência, que a propriedade intelectual enseja a “apropriação privada dos resultados da inovação, garantindo determinados direitos de exclusividade ao titular, como o poder de impedir o uso por terceiros, assegurando a possibilidade de retorno financeiro e evitando eventuais free-riders53”.54 Desta maneira, a propriedade intelectual é um instrumento “para que as empresas consigam assegurar a proteção de seus elementos diferenciadores e evitar que seus concorrentes se utilizem de tais elementos.”55 50 51 52 53 54 55 CASTRO, Ana Célia; DE ALBUQUERQUE POSSAS, Cristina; GODINHO, Manuel Mira. Propriedade intelectual nos países de língua portuguesa: temas e perspectivas. Editora E-papers, 2011. p. 19. A denominação TRIPS (Agreement on Trade- Related Aspects of Intellectual Property Rights) também é conhecido pela denominação AADPIC (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). CASTRO, Ana Célia; DE ALBUQUERQUE POSSAS, Cristina; GODINHO, Manuel Mira. Propriedade intelectual nos países de língua portuguesa: temas e perspectivas. Editora E-papers, 2011. p. 20. Segundo Igor Ferraz da Fonseca e Marcel Bursztyn (2009), free-riders são aquelas pessoas físicas ou jurídicas que disfruam de algum bem sem ter incorrido em qualquer custo para a sua obtenção, portanto, são pessoas ou empresas que são beneficiárias de esforços alheios. FONSECA, Igor Ferraz da; BURSZTYN, Marcel. A banalização da sustentabilidade: reflexões sobre governança ambiental em escala local. 2009. GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design das criações de moda pela propriedade intelectual: breve análise do panorama atual de proteção e reflexões sobre a necessidade de proteção específica para o design das criações de moda. In ROSINA, Mônica Steffen Guise; CURY, Maria Fernanda (Org.). Fashion Law: direito da moda no Brasil. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 29. Idem.. p. 29. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Não obstante diversos dos institutos que circundam a propriedade intelectual possam ser associados de uma forma ou de outra com a moda ou às criações/produtos de moda, elucida-se que as discussões no presente trabalho giram em torno da Propriedade Intelectual, que mais especificamente no Brasil atinge o Direito Autoral, Patente (Invenção e Modelo de Utilidade) e Desenho Industrial e, em Portugal, estritamente ao Direito Autoral, Invenção (Patente e Modelo de Utilidade) e Desenhos e Modelos. 4.1 PROTEÇÃO DAS CRIAÇÕES/PRODUTOS DE MODA NO BRASIL. No Brasil a Lei 9.610/1998 (Lei de Direito Autoral) prevê em seu artigo 1°56 que os direitos autorais compreendem os direitos de autor e aqueles que lhe são conexos e, no artigo 7°57 da mesma Lei que as obras intelectuais protegidas pelos direitos autorais são as criações de espírito, expressas por qualquer meio ou suporte. Portanto, para adquirir direitos morais e patrimoniais58 sobre sua obra basta o autor tê-la criado e tê-la fixado em algum suporte. Ademais, 56 57 58 Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 – Artigo 1° Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 – Artigo 7° São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. Os direitos morais e patrimoniais do autor estão previstos no artigo 22 da Lei n° 9.610/1998, o qual estabelece que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. Mas é importante lembrar que a Convenção de Berna rea- 131 132 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO elucidam André Zonaro Giacchetta e Matheus Chucri dos Santos (2018, p. 33) que para a incidência da proteção pelo Direito do Autor as obras devem atender ao requisito da originalidade. 59 Dispondo da originalidade como referência e aplicando esta condição para incidência do Direito Autoral, identifica-se em um primeiro momento que somente os produtos/criações classificados como de vanguarda/conceituais. Ou seja, aqueles que são inéditos, inovadores e comprometidos com pesquisas de tendências atuais ou futuras, que podem apresentar elementos artísticos e não comerciais que estariam protegidos. Os produtos/criações básicos (modelos simples e com design já conhecidos), os produtos/criações fashions (relacionados com as tendências de moda do momento e com semelhança de elementos visuais de outros objetos), como também os produtos apontados como inspired ou releitura (não são cópias fiéis, porém muito semelhantes) não seriam protegidos pelo Direito Autoral. Esta última afirmação é validada pelo artigo 29 da Lei nº 9.610/199860, o qual indica que depende de autorização prévia e expressa do autor da 59 60 lizada em 1886 em Berna, na Suíça estabelece que se existir direito de autor em algum dos países signatários, este direito terá validade em todos os países que façam parte da Convenção de Berna – atualmente Brasil e Protugal são signatários do tratado. COPYRIGHT HOUSE. Paises da Convenção de Berna. Disponível em <https://pt.copyrighthouse. org/paises-convencao-de-berna>. Acesso em 03 set. 2019. GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design... Op. Cit. p. 33. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Artigo 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: obra, a sua reprodução parcial ou integral, a edição, adaptação, entre outros, entendendo-se também como contrafação61 a reprodução não autorizada.62 Neste enquadramento, poder-se-ia entender que os produtos/criações fashions, inspired ou releitura, caso haja autorização prévia e expressa do autor da obra, poderiam ser produzidos, sem contrafação. Ainda, poderiam serem protegidos pelo Direito Autoral em razão de que para preencherem o quesito da originalidade “basta a impressão de uma individualidade do autor à obra, ainda que exista algo semelhante”. 63 Estas criações/produtos que são derivações de outras fontes preexistentes, com as quais mantêm um forte vínculo, são denominadas no artigo 7°, XI da Lei Brasileira de Direitos Autorais e no artigo 2 da Convenção de Berna como “obras derivadas”. Assim, ainda que não seja usual recorrer-se à tutela pelo Direito Autoral, transparece como possível a proteção da maior parte das obras criadas, desde que preenchidos os requisitos da prévia autorização expressa do autor da obra e da originalidade. Já a Lei de Propriedade Industrial no Brasil é orientada para as atividades de indústria, comércio e prestação de serviços. Conquanto abranja diversos instrumentos passíveis de proteção, a análise neste trabalho, como enfatizado em momento anterior, restringir-se-á a análise das patentes e dos desenhos industriais64. No atinente a concessão de patentes, identifica-se no ordenamento jurídico brasileiro dois tipos de patentes: a de invenção e modelo de utili- 61 62 63 64 demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. José de Oliveira Ascensão, Wilson Pinheiro Jabur e Manoel J. Pereira dos Santos esclarecem que “a expressão pirataria é como ficou conhecida a contrafação, a reprodução não autorizada da obra com fins econômicos, os termos do artigo. 5°, inciso VII, da Lei n° 9.610/1998, que em seus artigos 104 e 107 define também uma relação de condutas lesivas aos direitos autorais.” ASCENÇÃO, José de Oliveira; JABUR, Wilson Pinheiro; SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Propriedade intelectual: direito autoral. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 164. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Artigo 5º. Para os efeitos desta Lei, considerase: [...] VII - contrafação - a reprodução não autorizada; [...] GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design... Op. Cit. p. 33. As concessões de patentes e os registros de desenhos industriais são realizadas junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI 133 134 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO dade. No que diz respeito a patente de invenção, o artigo 8° da Lei de Propriedade Industrial65 aponta que a invenção deve atender aos requisitos legais de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.66 Por sua vez, o artigo 9° da mesma Lei67 indica que a patente de modelo de utilidade é o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Constata-se assim que a Lei de Propriedade Industrial, para proteger qualquer invenção ou modelo de utilidade, exige certos requisitos e o objeto precisa ser passível de reprodução industrial. Newton Silveira (2012, p. 46) esclarece quanto a distinção entre inovação e modelo de atividade: É preciso considerar, entretanto, que, enquanto a invenção revela uma concepção original no que toca à obtenção de um novo efeito técnico, o modelo de utilidade corresponde a uma forma nova em produto conhecido que resulta em melhor utilização. Isso significa que, mesmo quando a invenção decorra da forma do produto, a ela não se reduz, abarcando possíveis variações dentro da mesma ideia inventiva (relação causa-efeito), ao passo que o modelo de utilidade não revela nova função, mas, apenas, melhor função, sendo sua proteção restrita à forma.68 Observando a imposição legal de atividade inventiva, novidade e utilidade para a concessão de patente temos que os produtos/criações básicos, fashions e releituras/inspired, não preenchem os requisitos necessários, justamente porque são produtos/criações que se utilizam elementos já conhecidos em novas formas, por isso, “seria improvável que o design de uma criação de moda se qualificasse para o registro de patente”69 65 66 67 68 69 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design... Op. Cit. p. 36. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. SILVEIRA, Newton. Direito do autor no design. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 46. GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design... Op. Cit. p. 37. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Deste modo, aclaram André Zonato Giacchetta e Matheus Chucri dos Santos (2018, p. 37) que “as patentes não representam um meio viável para a proteção do design das criações de moda, tendo em vista que, pelas próprias características das criações de moda, é improvável que os requisitos legais fossem preenchidos.”70 Entretanto, no que diz respeito às criações/produtos de vanguarda/ conceituais, tidos como inovadores, os quais geralmente exteriorizam elementos artísticos e não comerciais, observa-se que preenchem os requisitos de atividade inventiva e de novidade. Mas não conseguem alcançar, o requisito de utilidade, ou seja, de reprodução comercial. Por conseguinte, não são patenteáveis. Somente poderão as criações/produtos serem patenteados como invenção ou modelo se tiverem aplicação industrial. Quanto ao desenho industrial, a Lei n° 9.279/96 define no artigo 95 a proteção da forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial. Logo, como requisitos para registro do desenho industrial, exige-se a novidade, originalidade com a possibilidade de aplicação industrial. Importantes são as colocações de André Zonato Giacchetta e Matheus Chucri dos Santos (2018, p. 37) quanto ao requisito da novidade: “o requisito de novidade, no entanto, é atenuado, permitindo que o desenho industrial possua novidade mesmo se for composto por elementos conhecidos, mas que tenham sido combinados de maneira original”.71 Ainda que para o preenchimento do quesito da novidade seja suficiente a mera organização dos elementos visuais compositivos de forma diferente, no que diz respeito à originalidade, o artigo 97 da LPI dispõe que a originalidade do desenho industrial está atrelada à capacidade de seus elementos visuais se distinguirem de outros objetos já conhecidos anteriormente. Neste sentido, bem observam André Zonato Giacchetta e Matheus Chucri dos Santos (2018, p. 37) que 70 71 [...] as criações de moda devem atender ao requisito da novidade, ou seja, serem distintas de tudo o que existe no estado da técnica. No entanto o design da maioria das criações de moda, [...] representa retra- GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design... Op. cit. p. 37. Idem. p. 37 135 136 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO balhos de formas ornamentais já conhecidas, sendo que seria extremamente improvável a criação de um design completamente original, ainda que composto de elementos conhecidos.72 Diante destas considerações, objetos de vanguarda/conceituais, que porventura tivessem aplicação industrial, poderiam ser protegidos pelo registro como desenho industrial. Constata-se assim, do colecionado até então, que as criações/produtos de moda, em sua grande maioria não atendem aos requisitos de proteção, seja pelo Direito Autoral, seja pela Patente, ou ainda, pelo Desenho Industrial, em razão de não apresentarem natureza utilitária ou por não preencherem os quesitos da originalidade e novidade, vez que são construídos com elementos já conhecidos. 4.2 PROTEÇÃO DAS CRIAÇÕES/PRODUTOS DE MODA EM PORTUGAL. Como ponderado anteriormente, relativamente às criações e produtos de moda, ainda que em Portugal a Propriedade Intelectual desdobre-se de forma mais ampla, o presente trabalho se restringe a verificar a aplicabilidade do Direito Autoral, Invenções (Patente e Modelos de Utilidade) e Desenhos e Modelos. Diz o art. 1º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos Português73, que são protegidas pelos Direitos de Autor “as obras criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas”. Enquanto é fácil imaginar uma obra do domínio literário (um livro ou mesmo um programa de computador74), já o não será no que toca a uma obra de caráter artístico. Como refere Alexandre Libório Dias Perei72 73 74 GIACCHETTA, André Zonaro; SANTOS, Matheus Chucri dos. A proteção do design... Op. cit. p. 38. Decreto-Lei n° 63/85. Artigo 1°. 1 - Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores. 2 - As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código. 3 - Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração. PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Direitos de Autor e Liberdade de Informação. Portugal: Edições Almedina. 2008, p. 397. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: ra (2008, p. 380), quando perante um conceito normativo indeterminado, será sempre difícil apresentar uma definição de arte. 75 76 Desta maneira, o nº1 do art. 2º (Decreto-Lei n° 63/85)77 expõe um elenco exemplificativo de tipos de obras que serão suscetíveis de proteção pelo Direito Autoral. Sendo, para a pesquisa importante a alínea i): “Obras de artes aplicadas, desenhos ou modelos industriais e obras de design que constituam criação artística, independentemente da proteção relativa à propriedade industrial”. No que corresponde aos produtos/criações de moda, Lígia Carvalho Abreu (2016, p. 159) pondera que “considerar a moda arte e as peças de vestuário obras artísticas nunca foi um assunto consensual”78. Primeiramente, deve ser colocado que obra utilitária ou de arte aplicada é aquela que não se encaixa completamente ao conceito de “arte pura”. Mas é a criação de moda que tem a função de proteger o corpo, que 75 76 77 78 PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Direitos de Autor e Liberdade de Informação. Portugal: Edições Almedina. 2008, p. 380. Pedro Sousa e Silva faz uma extensa exposição de dois critérios (p. 173- 188), chegando a uma possível definição de obra de caráter artístico: “(…) uma obra tem caráter artístico quando constitua uma expressão estética individual, refletindo de algum modo a sensibilidade do seu autor e resultando de escolhas arbitrárias deste, feitas segundo critérios não exclusivamente funcionais”. SILVA, Pedro Sousa e. A Proteção Jurídica do Design. Portugal: Edições Almedina, SA, 2017, p. 187. Decreto-Lei n° 63/85. Artigo 2°. 1 - As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem nomeadamente: a) Livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos; b) Conferências, lições, alocuções e sermões; c) Obras dramáticas e dramático-musicais e a sua encenação; d) Obras coreográficas e pantomimas, cuja expressão se fixa por escrito ou por qualquer outra forma; e) Composições musicais, com ou sem palavras; f) Obras cinematográficas televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas; g) Obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitectura; h) Obras fotográficas ou produzidas por quaisquer processos análogos aos da fotografia; i) Obras de artes aplicadas, desenhos ou modelos industriais e obras de design que constituam criação artística, independentemente da protecção relativa à propriedade industrial; j) Ilustrações e cartas geográficas; l) Projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências; m) Lemas ou divisas, ainda que de carácter publicitário, se se revestirem de originalidade; n) Paródias e outras composições literárias, ou musicais, ainda que inspiradas num tema ou motivo de outra obra. 2 - As sucessivas edições de uma obra, ainda que corrigidas, aumentadas, refundidas ou com mudança de título ou de formato, não são obras distintas da obra original, nem o são as reproduções de obra de arte, embora com diversas dimensões. ABREU, Lígia Carvalho. Reconhecimento e lei aplicável às criações de moda pelo Direito de Autor. Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, v. 8, n. 8, p. 159, dec. 2016. ISSN 2184-1020. Disponível em: <http:// revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/5723>. 137 138 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO também terá a função expressiva, associada à uma mensagem que a acompanha ou à reação que cria no público, sendo muitas vezes usada para ditar um movimento ou denotar questões culturais. Daqui resultam dúvidas acerca da proteção do Direito Autoral das criações de moda, visto que, além dos requisitos de exteriorização e originalidade impostos a qualquer obra que pretenda proteção pelos Direitos Autorais, a al. i) do art. 2º/1 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos acrescenta um requisito que não é mencionado nas restantes, qual seja, o quesito utilitário. José de Oliveira Ascenção (2012, p. 94-97) entende que está prevalecendo uma forte exigência de que somente serão protegidas pelos Direitos do Autor as obras que “atinjam o limiar da arte”.79 80 O propósito desta regra será “arredar dos Direitos de Autor as obras de mero caráter utilitário”, por estas já serem tuteladas pela Propriedade Industrial81. Nestas circunstâncias constata-se que as criações/produtos básicos, fashions e releitura/inspired não seriam protegidos pelo Direito Autoral, mesmo porque ou se enquadram em objetos utilitários, ou são criados/ desenvolvidos a partir da análise das tendências – que compreende aquilo que está em voga e, por sua vez, não se enquadram em originalidade e não apresentam caráter artístico. Mas os produtos de vanguarda/conceituais, inovadores e com elementos artísticos, desde que enquadrados como obras utilitárias, poderiam ser protegidos. Este pensamento pode ser corroborado com as considerações de Bárbara Quintela Ribeiro (2008, p.517), a qual explica que: “[...] a chamada produção industrial ou massiva de moda, a que se dedicam empresas multinacionais detentoras de cadeias de lojas, não se afigura compatível com o requisito ora exigido, seja porque o caráter artístico implica um mais avultado investimento em labor 79 80 81 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos de Autor e Direitos Conexos: Direito Civil. Coimbra: Editora Grupo Wolters Kluwer, 2012, p.94-97. Do mesmo modo RIBEIRO, Bárbara Quintela. A Tutela Jurídica da Moda pelo Regime dos Desenhos ou Modelos. In Associação Portuguesa de Direito Intelectual, v.5, Coimbra, Almedina, 2008, p. 503-517. Esta foi, durante algum tempo, a solução alemã. Impunha-se às obras de arte aplicada, um nível de criatividade superior àquela que é exigida para as obras de arte pura, a “altura criativa”. SILVA, Pedro Sousa e. A Proteção Jurídica do Design... Op. Cit., p. 261263. Hoje, já se segue um outro entendimento, como veremos. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos de Autor e Direitos Conexos... Op. Cit, p. 94. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: humano, seja devido ao facto de uma peça de vestuário reproduzida milhares de vezes perder, ainda que inadvertidamente, a individualidade própria de uma peça única.”82 Desta forma, terá o designer que elevar a sua obra, através das combinações de cores, tecidos, formas e outros ao nível da arte – como é possível observar nas criações/produtos de vanguarda/conceituais. Maria Vitória Rocha (2007) enfatiza que as criações de moda podem ser equiparadas a várias esculturas ou pinturas83, com os mesmos níveis de sofisticação e complexidade. Ainda assim, não se entende tratar de uma “condição extra”, pelo contrário, a “exigência do caráter artístico é transversal a todo o direito de autor”84, e o que se quer para as obras de arte aplicada é aquilo que se exige para toda e qualquer obra, que é possuir caráter artístico. Conclui-se, assim, que não será qualquer criação/produto que poderá ser protegido pelo Direito Autoral. Para tanto, é fundamental que tenha caráter artístico. Nesta conjuntura, cabe dizer que a obra, para ser protegida, deverá ainda cumprir dois requisitos: a exteriorização e a originalidade. Segundo Alexandre Libório Dias Pereira (2008, p. 384) “a exteriorização significa que a criação intelectual deve ter uma expressão comunicativa reconhecível através de uma forma sensorialmente apreensível (ou suscetível de perceção (…))”85. Ou seja, a obra deverá assumir uma forma exterior ao seu criador e ser apreensível pelos sentidos humanos. Do posicionamento deste autor entende-se que não será necessária a sua fixação, ou seja, “a incorporação da obra num material estável, que permita a sua fruição ou reprodução”86. A originalidade é um requisito inegável no domínio dos Direitos de Autor, mesmo que a lei não lhe faça referência. Porém, são várias as perspectivas relativas ao seu significado e alcance. Alguns autores defendem a 82 83 84 85 86 RIBEIRO, Bárbara Quintela. A Tutela Jurídica da Moda... Op. Cit. p. 503-517. “Qualquer pessoa que diga que a moda não pode ser arte, por certo não viu peças de alta-costura de Alexander McQueen ou de Marchesa, por exemplo. Ou, entre nós, as peças de StoryTailors”. ROCHA, Maria Vitória. Pirataria na Lei da Moda... Op. Cit. SILVA, Pedro Sousa e. A Proteção Jurídica... Op. Cit. p. 233. PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Direitos de Autor e Liberdade... Op. Cit., p. 384. Pelo menos no que toca às obras citadas. SILVA, Pedro Sousa e. A Proteção Jurídica...Op. Cit. p. 194. 139 140 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO originalidade, não como sinônimo de novidade, mas de criatividade. Neste sentido Maria Vitória Rocha (2008) que entende a originalidade na sua dimensão subjetiva, pois para ser original, a obra terá que ser resultado de uma criatividade criativa do autor, deve poder dizer-se que “a obra emana de um determinado autor”. 87 Mas, por sua vez, Pedro Sousa e Silva (2017, p. 206) opta por assinalar a originalidade em seu sentido objetivo relacionado à novidade, distinguindo-se de outras obras já existentes.88 Portanto, a obra terá que ter também novidade, distinguindo-se de outras obras já existentes, e, assim, Pedro Sousa e Silva (2017, p. 208-2014) conclui que a vertente objetiva seria a solução que mais se coaduna com a dupla finalidade do Direito de Autor: assegurar a paternidade e integridade da obra e incentivar a criatividade do autor, recompensando-o pelo seu contributo para a cultura. 89 Mormente no domínio das criações de moda, uma obra para ser original “deve ser única em estilo e substância, resultado do trabalho independente do autor e das suas aptidões, e não uma cópia de um trabalho prévio criado por outro autor”90. No entanto, temos hoje na indústria da moda, ao invés da contrafação, uma geração de produtos inspired ou releituras onde há transformação e não cópia. Retomando esta perspectiva, Maria Vitória Rocha e Lígia Carvalho Abreu91 advertem que estamos perante obras derivadas com previsão no art.º 3º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos92, 87 88 89 90 91 92 ROCHA, Maria Vitória. Contributos para a delimitação da “originalidade” como requisito de proteção da obra pelo Direito de Autor. In Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Castanheira Neves, Vol.II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 764 e 780. SILVA, Pedro Sousa e. A Proteção Jurídica...Op. Cit. p. 206. SILVA, Pedro Sousa e. A Proteção Jurídica...Op. Cit. p. 208-214. ABREU, Lígia Carvalho. Reconhecimento e lei aplicável às criações de moda pelo Direito de Autor. Revista da Faculdade de Direio e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, v. 8, n. 8, p. 159, 2016. ROCHA, Maria Vitória. Contributos para a delimitação... Op. Cit. ABREU, Lígia Carvalho. Reconhecimento e lei aplicável às criações... Op. Cit. Decreto-Lei n.º 63/85 (Obras equiparadas a originais) - Artigo 3.º 1 - São obras equiparadas a originais: a) As traduções, arranjos, instrumentações, dramatizações, cinematizações, e outras transformações de qualquer obra, ainda que esta não seja objecto de protecção; b) Os sumários e as compilações de obras protegidas ou não, tais como selectas, enciclopédias e antologias que, pela escolha ou disposição das matérias, constituam criações intelectuais; c) As compilações sistemáticas ou anotadas de textos de convenções, de leis, de regulamentos e de relatórios ou de decisões administrativas, NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: cujo grau de criatividade será “em princípio, inferior ao daquelas, de cuja existência dependem”, mas que sempre existirá. 93 94 Se assim for, invocamse os artigos 56º95 e 169º/396 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, impondo a necessidade de autorização do autor da obra original e que se respeite o direito de integridade e genuinidade e o sentido da obra original. Ainda assim, é interessante observar que não tem sido necessária a autorização do autor da obra original97. Isto talvez não seja um grande problema para os designers mais conhecidos98 e com uma grande influência mundo da moda que, além de já serem respeitados no mercado, gozam de meios para detectar violações e reagir mais facilmente. Mas no que toca ao designer independente, no começo da sua carreira que é copiado por uma destas empresas varejistas, já não será assim.99 O fato de o jovem estilista ser novo no mercado, acrescido ao fato de a cópia não fazer qualquer menção da obra original - através do logotipo ou da marca - poderá levar que o verdadeiro autor não seja sequer reconhecido como o autor original da obra, e assim, os consumidores poderão mesmo pen- 93 94 95 96 97 98 99 judiciais ou de quaisquer órgãos ou autoridades do Estado ou da Administração. 2 - A protecção conferida a estas obras não prejudica os direitos reconhecidos aos autores da correspondente obra original. REBELLO, Luiz Francisco. Introdução ao Direito do Autor, Vol. I, Lisboa, Dom Quixote, Soc. Portuguesa de Autores, 1994, p. 77-79. E assim, são também estas merecedoras de proteção. Decreto-Lei n.º 63/85. Artigo 56.º 1 - Independentemente dos direitos de carácter patrimonial e ainda que os tenha alienado ou onerado, o autor goza durante toda a vida do direito de reivindicar a paternidade da obra e de assegurar a genuinidade e integridade desta, opondo-se à sua destruição, a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da mesma e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra e reputação do autor. 2 - Este direito é inalienável, irrenunciável e imprescritível, perpetuando-se, após morte do autor, nos termos do artigo seguinte. Decreto-Lei n.º 63/85. (Autorização do autor) Artigo 169.º 1 - A tradução, arranjo, instrumentação, dramatização, cinematização e, em geral, qualquer transformação da obra só podem ser feitos ou autorizados pelo autor da obra original, sendo esta protegida nos termos do n.º 2 do artigo 3.º. 2 - A autorização deve ser dada por escrito e não comporta concessão de exclusivo, salvo estipulação em contrário. 3 - O beneficiário da autorização deve respeitar o sentido da obra original. 4 - Na medida exigida pelo fim a que o uso da obra se destina, é lícito proceder a modificações que não a desvirtuem. ROCHA, Maria Vitória. Pirataria na Lei da Moda... Op. Cit. Hoje em dia, estes tendem a combater o knockoff através de vários mecanismos: fashion immediacy, logo heavy, anchoring... Cfr Maria Vitória Rocha, ob. cit ROCHA, Maria Vitória. Contributos para a delimitação da “originalidade.. Op. Cit. ABREU, Lígia Carvalho. Reconhecimento e lei aplicável às criações... Op. Cit. 141 142 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO sar que estão comprando um produto original da marca que na verdade criou uma cópia.100 Com relação à Propriedade Industrial em Portugal, importante consignar que em dezembro de 2018 foi aprovado pelo Decreto-Lei n° 110/2018 um novo Código de Propriedade Industrial a fim de adequar as Diretivas (UE) 2015/2436101 e (UE) 2016/943102. Contudo, observa-se que grande parte das alterações estão relacionadas com o procedimento, permanecendo relativamente inalterado no que tange à Inovação (Patentes, Modelos de Utilidades) e Desenhos e Modelos Assim, com relações às Inovações, nomeadamente às Patentes103, o artigo 50°/1 do Código de Propriedade Industrial define como seu objeto “as invenções novas, implicando atividade inventiva, se forem suscetíveis de aplicação industrial”. O artigo mencionado estabelece como um dos requisitos para a proteção patentária a aplicação industrial, ou seja, desde que o objeto possa ser fabricado ou utilizado em qualquer gênero de indústria.104 Outro requisito de patenteabilidade é a novidade da invenção, portanto a invenção não pode estar compreendida no estado da técnica105, sendo excluída da proteção as criações/produtos meramente estéticas (artigo 51°/1/c do CPI). 100 101 102 103 104 105 Mas não só as grandes retalhistas cedem à tentação dos produtos inspired. A própria Forever 21 viu uma das mais conceituadas marcas de alta-costura, a Yves Saint Laurent a usar, num vestido, um tecido muito similar àquele que já previamente usara. Vide, http://www.thefashionlaw.com/home/did-saint-laurent-actually-copy-forever-21 A Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas. A Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, é relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais. Com previsão no Novo Código de Propriedade Intelectual no Título II (Regimes jurídicos da propriedade industrial), Capítulo I (Invenções), Subcapítulo I (Patentes) – Artigos 50° ao 118°. Código de Propriedade Intelectual - Artigo 54.º 1 — Uma invenção é considerada nova quando não está compreendida no estado da técnica. 2 — Considera-se que uma invenção implica atividade inventiva se, para um perito na especialidade, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica. 3 — Para aferir a atividade inventiva referida no número anterior não são tomados em consideração os documentos referidos no n.º 2 do artigo seguinte. 4 — Considera-se que uma invenção é suscetível de aplicação industrial se o seu objeto puder ser fabricado ou utilizado em qualquer género de indústria ou na agricultura. O estado da técnica é definido no artigo 55° do Código da Propriedade Industrial (2018) como “tudo o que, dentro ou fora do País, foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio.” NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Analisando os requisitos apresentados e associando-os aos produtos que são tidos como releituras/inspired, básicos, fashions e vanguarda/conceituais, conclui-se que somente os últimos poderiam ser protegidos por proteção patentária, desde que não tenham caráter essencialmente artísticos e possam ter aplicação industrial. Os demais excluem-se por faltar-lhes o requisito da novidade. Já no que tange às Invenções de Modelos de Utilidade106, o artigo 119°/1 do Código de Propriedade Industrial107 prevê que “podem ser protegidas como modelos de utilidade as invenções novas, implicando atividade inventiva, se forem suscetíveis de aplicação industrial”. Como requisitos para proteção através de Modelos de Utilidade, temse a novidade da invenção, aplicação industrial e não resultar evidente o estado da técnica. Tais requisitos são muito semelhantes aos requisitos elencados para a de concessão de Patente, em tal grau que inclusive as criações/ produtos meramente estéticas não podem ser objetos de registro por Modelos de Utilidade. Utiliza-se, assim, dos mesmos resultados das Patentes, ou seja, as criações/produtos básicos e fashions, como também as releituras/ inspired, são excluídas do registro de Modelos de Utilidade por faltar-lhes o requisito da novidade. Passando a existir somente esta possibilidade para as criações/produtos vanguardas/conceituais, quando estes puderem ter aplicação industrial e não tiverem caráter essencialmente artístico. Esta igualdade faz prever uma possibilidade de registro de Patente e de Modelo de Utilidade para um mesmo objeto. Consequentemente, esta é a disposição dos artigos 50°/5 e 119°/4 do Código de Propriedade Intelectual.108 106 107 108 Com previsão no Novo Código de Propriedade Intelectual no Título II (Regimes jurídicos da propriedade industrial), Capítulo I (Invenções), Subcapítulo II (Modelos de Utilidade) – Artigos 119° ao 152°. Código de Propriedade Industrial - Artigo 119. 1 — Podem ser protegidas como modelos de utilidade as invenções novas, implicando atividade inventiva, se forem suscetíveis de aplicação industrial. 2 — Os modelos de utilidade visam a proteção das invenções por um procedimento administrativo mais simplificado e acelerado do que o das patentes. 3 — A proteção de uma invenção que respeite as condições estabelecidas no n.º 1 pode ser feita, por opção do requerente, a título de modelo de utilidade ou de patente. 4 — A mesma invenção pode ser objeto de um pedido de patente e de um pedido de modelo de utilidade. 5 — A apresentação dos pedidos mencionados no número anterior apenas pode ser admitida no período de um ano a contar da data da apresentação do primeiro pedido. 6 — Nos casos previstos no n.º 4, o modelo de utilidade caduca após a concessão de uma patente relativa à mesma invenção. Código de Propriedade Intelectual: Artigo 50.º [...] 5 — A mesma invenção pode ser objeto de um pedido de patente e de um pedido de modelo de utilidade. 143 144 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO No que diz respeito aos Desenhos e Modelos, quando um “produto resultante das características de, nomeadamente, linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação”(art. 173º do Código de Propriedade Intelectual)109. Também é definido pelo mesmo Código, no artigo subsequente “como qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo, entre outros, os componentes para montagem de um produto complexo, as embalagens, os elementos de apresentação, os símbolos gráficos e os caracteres tipográficos, excluindo-se os programas de computador”110. Consoante o artigo 175° do Código de Propriedade Intelectual, são submetidos à proteção através de Desenhos e Modelos os objetos “novos que tenham caráter singular”, como também “gozam igualmente de proteção os desenhos ou modelos que, mesmo não sendo inteiramente novos, realizem combinações novas de elementos conhecidos ou disposições diferentes de elementos já usados, de modo a conferir aos respectivos produtos, caráter singular”.111 Ressalta-se que o quesito da novidade deve estar presente. Somente será considerado novo o desenho ou modelo se antes do respectivo pedido de registro, nenhum desenho ou modelo idêntico tiver sido divulgado ao público, seja dentro ou fora do País. Assim, associando estas constatações às criações/produtos de moda, percebe-se que as releituras/inspired e os produtos básicos não poderiam ser resguardadas através de desenhos ou modelos pois não estariam presentes os requisitos da novidade ou o caráter de singularidade da criação/ produto, uma vez que são elaborados a partir de tendências de moda ou 109 110 111 Artigo 119.º [...] 4 — A mesma invenção pode ser objeto de um pedido de patente e de um pedido de modelo de utilidade. Isto, claro, se preencherem os requisitos definidos nos art. 4º-9 do RDM e 176º-180º do CPI. São eles: a novidade, o caráter singular, e, segundo Pedro Sousa e Silva, a visibilidade, a realidade prática, a arbitrariedade e a licitude. Cfr, A Proteção…, p. 85- 121. Código da Propriedade Intelectual – Artigo 174º Artigo 174º 1 — Produto designa qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo, entre outros, os componentes para montagem de um produto complexo, as embalagens, os elementos de apresentação, os símbolos gráficos e os carateres tipográficos, excluindo os programas de computador. [...] Código da Propriedade Industrial - Artigo 175º 1 — Gozam de proteção legal os desenhos ou modelos novos que tenham caráter singular. 2 — Gozam igualmente de proteção legal os desenhos ou modelos que, não sendo inteiramente novos, realizem combinações novas de elementos conhecidos ou disposições diferentes de elementos já usados, de molde a conferirem aos respetivos produtos caráter singular. [...]. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: a partir de estéticas visuais já difundidas. As criações fashions somente poderiam ser protegidas no caso de aplicação nova de elementos visuais identificados nas tendências de moda, de modo a construir um produto de caráter singular. Já as criações/produtos conceituais/vanguarda seriam protegidas pois geralmente apresentam inovação, novidade e possuem características de singularidade, independentemente de ter ou não aplicação industrial. Feitas estas considerações, passa-se a analisar as similaridades e diferenças existentes entre os ordenamentos jurídicos brasileiros e português. 5 SIMILARIDADES E DIFERENÇAS ENTRE AS LEGISLAÇÕES BRASILEIRA E PORTUGUESA. Preliminarmente, convém apresentar tabelas onde é possível melhor e de forma resumida organizar as ponderações do item 4, até porque com a sistematização do conteúdo, mais facilmente identifica-se as similaridades e diferenças entre a legislação brasileira e portuguesa. A primeira tabela (Tabela 01) elenca o quadro-resumo relacionado à legislação brasileira e, a segunda tabela associada à legislação portuguesa (Tabela 02). 145 146 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO TABELA 01 – Quadro-resumo legislação brasileira NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: TABELA 02 – Quadro-resumo legislação portuguesa 147 148 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO A partir da observação dos quadros são possíveis algumas constatações. No que diz respeito aos Direitos do Autor, entre as legislações do Brasil e de Portugal os requisitos exigidos para a possível proteção são diferentes, apesar de se assemelharem a atividade intelectual e a criação do espírito humano e o quesito da originalidade. Em especial, quanto ao suporte da obra que no Brasil necessariamente precisa estar a criação/ produto fixado em algum suporte físico, enquanto que na legislação portuguesa basta que a exteriorização da obra/criação esteja abarcada pelos sentidos humanos, ou seja, se exteriorize de qualquer modo mesmo que não seja físico. Em um primeiro momento, tanto na legislação brasileira, quanto na portuguesa não podem ser resguardados através do Direito Autoral as réplicas, falsificações, produtos piratas, produtos que sejam releituras/ inspired, as criações/produtos básicos e fashions. Mas pela doutrina e legislação colecionada, percebeu-se a possibilidade de as criações/produtos denominados como releituras/inspired e os denominados como fashions serem protegidos como obras derivadas desde que exista prévia e expressa autorização do autor original da obra. As proteções do Direito Autoral nas duas legislações somente alcançam as criações/produtos vanguarda/conceituais, sendo que em Portugal, exige-se o caráter artístico da obra utilitária. No que tange a Propriedade Industrial, apesar de serem identificadas diferenças quando a nomenclatura da classificação, no Brasil “Patente – Invenções” e em Portugal “Invenções – Patente” percebe-se correspondência nos requisitos de proteção e nos objetos protegidos. No caso a proteção somente atingiria as criações/produtos vanguardas/conceituais que tivessem aplicação industrial. Em relação aos Modelos de Utilidade, da mesma forma, tem-se similitude entre os requisitos necessários par a proteção, quais sejam, atividade inventiva, aplicação industrial. No caso do Brasil, melhoria funcional no uso ou fabricação e, em Portugal, o objeto não pode ser meramente estético. Nesta última situação, pressupõe-se que o objeto deva atender aos requisitos do design de forma e função. Assim, somente as criações vanguardas/ conceituais que tivessem aplicação industrial e apresentarem melhor função poderiam obter patente de Modelos de Utilidade. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: A maior divergência verificada foi na correlação entre Desenho Industrial (Brasil) e Desenhos ou Modelos (Portugal), iniciando-se pela nomenclatura. Quanto aos requisitos para a obtenção de proteção de Desenho Industrial no Brasil exige-se novidade, originalidade e aplicação industrial da criação/produto, enquanto que para a proteção de Desenhos e Modelos em Portugal exige-se somente a novidade (englobando-se objetos que possuam elementos não integralmente novos, mas que estes realizem novas combinações criando um novo produto), sendo desnecessária a aplicação industrial. Deste modo, no Brasil somente poderiam ser protegidas as criações/ objetos de vanguarda/comerciais que porventura tivessem aplicação industrial. As demais criações/produtos estariam excluídas. Quanto à possibilidade de proteção como Desenhos ou Modelos em Portugal, verifica-se que tanto as criações/produtos fashions, e os de vanguarda/conceituais poderiam ser resguardadas, independentemente de ter ou não aplicação industrial. Da análise passa-se ao entendimento de que um objeto pode não ser resguardado por qualquer tipo de proteção, ou que um mesmo objeto pode vir a cumular proteções, cabendo ao designer verificar quais seriam as necessidades e vantagens deste acúmulo de proteções, em especial em relação aos direitos, ao tempo de proteção e aos procedimentos para tanto. 6 CONCLUSÕES Desde que no século XV quando a moda se correlaciona ao processo de transformações constantes de gostos, o designer passa a ter maior importância pois assegura criatividade e inovação aos projetos direcionados às indústrias. Mas ainda que seja possível identificar empresas produtoras de bens de massa, também estão presentes roupas produzidas artesanalmente ou por designers renomados de alta costura que são utilizadas como referência para a construção de produtos de séries industriais têxteis. Com amplo mercado, as empresas de varejo criam estratégias para atender maior quantidade de nichos de mercado, e, desta forma, evidenciam-se diversas categorias de produtos, dentre eles, os produtos básicos, os produtos fashion e os produtos de vanguarda. 149 150 BRUNA HOMEM DE SOUZA OSMAN | NÍDIA SIMÕES CRISTINO No desenvolvimento de tais produtos, utiliza-se na grande maioria das vezes as tendências de moda, que juntamente com os meios de comunicação moderna, difundem a moda e estimulam o consumo. Empresas com estratégias de venda fast fashion se utilizam destas informações para minimizarem os riscos de seus negócios, copiando ou produzindo adaptações no produto, posto que é privilegiado o preço da venda ao design do produto. As cópias podem ser denominadas como bem pirata, falsificado ou réplica, mas no caso da Zara onde ocorrem adaptações dos produtos originais e uso das tendências, os produtos passam a ser denominados como releituras/inspired ou fashions. Com estas informações, analisou-se a legislação aplicável às criações/produtos de moda (básicos, fashions, vanguarda/conceituais e releitura/inspired). É perceptível a existência de um alinhamento internacional para a proteção de objetos, mas observa-se que no âmbito interno de cada país pode haver divergências de classificação e dos requisitos exigíveis para a concessão da proteção de uma criação de moda. Foram elaboradas tabelas resumos para a sistematização do conteúdo apresentado para de forma mais fácil identificar-se as similaridades e diferenças entre a legislação brasileira e portuguesa e, da análise, identificou-se que por vezes uma determinada categoria de produtos não pode ser registrada, no entanto, em alguns momentos revelou-se a possibilidade de proteção, inclusive com cumulação de proteções. Da análise apresentada no trabalho percebe-se que a depender da categorização do produto, o designer pode se utilizar do sistema de proteção múltiplo para melhores garantias de seus direitos. Contudo, observase que em virtude do comércio globalizado e com a existência de diferentes ordenamentos jurídicos, poderão ser evidenciadas divergências e insegurança jurídica sobre o tema em questão. REFERÊNCIAS ABREU, Lígia Carvalho. Reconhecimento e lei aplicável às criações de moda pelo Direito de Autor. Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, v. 8, n. 8, p. 159, dec. 2016. ISSN 2184-1020, disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/5723>. ALLÉRÈS, Danielle. Luxo: estratégias de marketing. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2006. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos de Autor e Direitos Conexos: Direito Civil. Coimbra: Editora Grupo Wolters Kluwer, 2012. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1999. CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da Moda. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018. BELHUMEUR, Jeanne. Droit International de la Mode. Canova: Società Libraria Editrice, 2000. CASTRO, Ana Célia; DE ALBUQUERQUE POSSAS, Cristina; GODINHO, Manuel Mira. Propriedade intelectual nos países de língua portuguesa: temas e perspectivas. Editora E-papers, 2011. CHRISTO, Deborah Chagas. Designer de moda ou estilista? 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UMA ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE ANTE AS PRÁTICAS DESLEAIS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO DIREITO LUSO-BRASILEIRO Luciana Reusing1 Vinicius de Holanda Costa2 1 INTRODUÇÃO O novo modelo de economia baseada no mundo digital fez surgir novas práticas comerciais empresariais, devendo estas serem analisadas e reguladas. Há inclusive a necessidade de uma maior atenção na esfera jurídica que se relaciona com os consumidores, como é o caso em última instância das regras concorrenciais, já que o impacto neles passa a ocorrer de modo mais eficiente e imediato. Nesse diapasão, se faz necessário que as legislações nacionais e supranacionais devam ser vigilantes quanto práticas desleais no comércio eletrônico, haja vista o risco iminente a economia mundial. No Brasil a livre concorrência é um princípio base da ordem econômica, devendo esta ser prezada e garantida através de práticas concorrenciais que respeitem o princípio da boa-fé das relações empresariais e consumeristas. Deste modo, as práticas consideradas desleais no comércio eletrônico na legislação brasileira são previstos na Carta Magna, no Código Civil, no Código Penal, no Código de Defesa do Consumidor, devido a relevância e abrangência do tema e na proporção dos danos possíveis de serem causados. A legislação brasileira ainda prevê de maneira específica no Código de Propriedade Industrial Brasileiro (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996) um rol de práticas anticoncorrenciais ou desleais. Elas são conceituadas 1 2 Professora e Mestre em Ciência Tecnologia e Sociedade, Instituto Federal do Paraná – IFPR. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial – GEDAI / UFPR. Contato: lureusing@hotmail.com. Graduado em direito pela UFPB, Mestrando em Ciência Jurídica com especialidade em Propriedade Intelectual pela Universidade de Lisboa. 154 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA como atos fraudulentos que façam a clientela se distanciar de produtos ou empresas, atos que causem confusão, que sejam enganosos, que se utilizem de sinais distintivos “marcas” de outras empresas sem autorização. Nesse mesmo prisma, Portugal também preza pela livre concorrência como sendo um princípio base de sua economia, repudiando as práticas anticoncorrenciais ou desleais, que ponham o referido princípio em risco. Também é descrito maneira específica no seu Código de Propriedade Industrial (CPI) um rol de práticas ilegais como, por exemplo, os atos que causem confusão nos consumidores, que os enganem, ou que denigram a imagem dos concorrentes, sendo importante também conferir o Decreto Lei nº 57/2008 (transpondo a Diretiva 29/2005). Insere-se, portanto, a necessidade de analisar pelo direito comparado entre Brasil e Portugal a responsabilidade daqueles que usam das práticas anticoncorrenciais ou desleais no comércio eletrônico para obter uma vantagem ilícita, capaz de gerar risco a ordem econômica bem como dano ao consumidor. 2 NOÇÕES GERAIS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO: ENQUADRAMENTO NO REGIME JURÍDICO BRASILEIRO E PORTUGUÊS. Primeiramente se faz oportuno lançar um breve conceito de comércio eletrônico, para posteriormente aludir a origem histórica bem como as noções gerais e o enquadramento no regime jurídico brasileiro e português. Para Klee (2014) comércio eletrônico ou e-commerce é o termo que expressa toda e qualquer forma de transação comercial em que as partes interagem eletronicamente, na qual as relações entre as partes se desenvolvem a distância, ou seja, pela via eletrônica. A via eletrônica a qual Klee (2014) se refere, tem sua origem na Internet, Tecnologias da Informação (TIC) fundamental para o século XXI. Conforme Mendes (2008) a Internet detém a capacidade de compartilhar milhares de dados informacionais pessoais, desde que conectadas por um sistema de rede que em tempo real promove contatos e firma contratos de modo instantâneo e distante de barreiras físicas territoriais. Desde modo, Azevedo (2006) declara que a Internet é um espaço planetário, primeiramente pelo número de acessos, e posteriormente na responsabilidade de transferir informações ao redor do mundo. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Dumas (2015) afirma que a origem da Internet ocorreu em plena Guerra Fria, no final da década de 60, objetivando diminuir a vulnerabilidade da comunicação entre bases militares do governo americano através do sistema de redes da ArpaNet. Atualmente, para Nakamura (2011), o sistema de redes do comércio eletrônico nada mais é que o aperfeiçoamento da ArpaNet. Por consequência, a Internet vem disseminando uma nova era de relações comerciais, baseada na inovação tecnológica de suas ferramentas, como computadores e smartphones. Com base nas relações comerciais virtuais firmadas entre homem e máquina, surge o chamado cidadão consumidor, devido ao poder de realizar todo o tipo de operações (KOHN e MORAES 2007). Vislumbra-se um poder do cidadão consumidor na capacidade de contratar bens e serviços em qualquer lugar do mundo de forma online, baseadas no princípio da boa-fé, através da prestação de informações claras, na proteção de dados pessoais, por se considerar tratar de negócio jurídico a distância (MARQUES, 2004). Introduz desta forma a chamada sociedade em rede, observada a continua conexão e interação baseada nos interesses em comum, que se modificam nos processos de contratação de bens e serviços de consumo protegidas por um sistema jurídico (BAUDRILLARD, 2008). 2.1 ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO CONTEXTO BRASILEIRO Inegável que diante do crescimento desenfreado das relações consumeristas virtuais, surgem desafios de ordem jurídica para uma efetiva regulamentação e proteção dos direitos inerentes ao consumidor e ao fornecedor. O comércio eletrônico no contexto jurídico brasileiro está enquadrado nas premissas do Código de Defesa do Consumidor Lei nº 8.078 de 1990 e no Decreto E-commerce nº 7.962 e 7.963 de 2013, específicos para as contratações eletrônicas, além de princípios, analogias e jurisprudências. A questão de proteção ao direito do consumidor já era prevista em 1988 na Constituição Federal Brasileira no artigo 5º, inciso XXXII, que determina que o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor, evidenciando a importância da legislação sobre o tema (BRASIL, 1988). 155 156 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA Deste modo a proteção do consumidor se consagra na criação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), onde se trata dos usos do meio virtual para contratar bens e serviços por meio eletrônico. Conforme o artigo 2º do CDC, o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (BRASIL, 1990). Já no artigo 3º do mesmo códex, o fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990). Depreende-se da leitura de ambos os artigos é que o CDC tem por objetivo proteger os participantes das relações virtuais consumeristas também de modo extraterritorial, desde que cumpridos os requisitos sobrejacentes aos conceitos de fornecedor e consumidor (BRASIL, 1990). Assim sendo, nem toda relação contratual virtual pode ser caracterizada como relação de consumo protegida pela CDC, considerando a subsunção do fato concreto aos artigos 2º e 3º do referido código, ou seja, que exista um consumidor final qual adquire bens ou serviços de um fornecedor (BRASIL, 1990). Isto se deve a condição de que o comércio eletrônico possui duas vertentes, B2B (business to business) e B2C (business to consumer). Esta, para Pinheiro (2013), está protegido pelo CDC, haja vista o consumo de dar por relação fornecedor/consumidor. Já aquela está distante da proteção do códex por envolver relações entre empresas, ou seja, sem a presença de um destinatário final. Assim sendo, para as relações do comércio eletrônico serem protegidas pelo CDC, a relação deve ser pelo meio virtual, pelo uso da Internet, onde as empresas na condição de fornecedoras vendem seus produtos para um consumidor final (PINHEIRO, 2013). O artigo 6º e seus incisos do CDC determinam que o fornecedor dever manter uma relação transparente, cumprindo com o que foi ofertado de acordo com o princípio da boa-fé, e estabelece as condições de hipossuficiência e vulnerabilidade, quais sejam (BRASIL, 1990): - Propaganda e a Publicidade: tem por objetivo comercial principal que o fornecedor divulgue informações verdadeiras em sua integralidade, evitando levar o consumidor ao erro em relação ao bem e serviço adquirido. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: - Oferta: a oferta de bens e serviços obriga o fornecedor a cumprir com o que fora veiculado, principalmente ao valor anunciado, condições de pagamento e prazos de entrega. - Direito de Arrependimento: prevê a possibilidade de o consumidor arrepender-se e desistir do bem ou serviço adquirido virtualmente, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura na carta registrada (A.R), ou do recebimento bem ou serviço sem qualquer ônus, reiterado também no artigo 49 do códex. - Cláusulas Abusivas: se aplica quando o consumidor é considerado a parte vulnerável da relação contratual, prevenindo que este seja prejudicado em possíveis abusos do fornecedor. - Garantia Legal: garante ao consumidor que o mesmo busque no judiciário reparação por eventuais vícios do produto ou do serviço, desde que respeitando os prazos do artigo 26 do mesmo códex, quais sejam, de 30 (trinta) dias para bens não duráveis e 90 (noventa) dias para bens duráveis. - Da Boa-Fé Objetiva: princípio basilar e máximo norteador do CDC, consubstanciado nos artigos 4º, inciso III e artigo 51, inciso IV, do qual decorrem deveres de agir com base na lealdade, honestidade e informação. Contudo, nota-se excessiva demanda do consumo on-line e um crescente aumento da importância consequência dos contratos virtuais, definidos por Barros Monteiro (1995) como o mútuo consenso de duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, sobre o mesmo objeto, tendo por suporte físico os dados gravados em banco de dados e exibidos na tela de um computador, podendo ser impressos ou não. Isso levou o Brasil a editar os Decretos de E-commerce nº7.962 e 7.963 de 2013. O Decreto nº 7.963, instituiu o Plano Nacional de Consumo e Cidadania bem como a Câmara Nacional das Relações de Consumo, enquanto o de nº 7.962 dispôs da contratação do e-commerce e suas diretrizes, vindo a complementar as normas do CDC (BRASIL, 2013). Deste modo o Decreto nº 7962/2013, ao dispor sobre o e-commerce, determina no artigo 1º que as informações sejam claras a respeito do produto e serviço, que o atendimento seja facilitado, respeitado o direito de arrependimento, incidindo uma proteção maior as condições voláteis das relações virtuais (BRASIL, 2013). No artigo 2º do referido decreto é determinado que se evidencie as informações dos bens e serviços de consumo, obrigando o fornecedor a 157 158 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA apresentar seu nome empresarial, CPF, CNPJ, endereço físico e eletrônico, riscos à saúde e a segurança, preço, condições de entrega, de forma clara e ostensiva (BRASIL, 2013). Já o artigo 3º do decreto regulamenta as compras coletivas, o artigo 4º critérios e mecanismos de relação contratual e de sua execução, o artigo 5º o direito de arrependimento, o artigo 6º as condições de oferta e procura, e, por fim, o artigo 7º as penalidades administrativas quando da existência de qualquer infração aos artigos anteriores citados. Teixeira (2015) elenca que no Brasil cerca de 45,6% da população tem acesso à Internet, o que aumenta continuamente as transações consumeristas no mercado online. Para Macedo (2016), existem inúmeras mudanças relevantes nas compras por dispositivos móveis, como segurança, programas de fidelização, perfil do consumidor, notando-se um aumento de e-consumidores ativos na margem de 23,1 milhões em 2016. Incontroverso que a premissa maior do decreto é o direito à informação, abrangendo todas as formas de compras por meios eletrônicos. 2.2 ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO CONTEXTO PORTUGUÊS O desenvolvimento das tecnologias da informação e sua intrínseca relação com a sociedade se desenvolve, como outrora já declarado, pela Internet, por meio do chamado ciberespaço. Com o objetivo de manter as boas práticas mercantilistas na sociedade de informação, assim como o Brasil, Portugal possui a Lei de Defesa do Consumidor (LDC) nº 24/96, que estabelece princípios para a defesa do sistema do consumidor. A LDC define consumidor como todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a um uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional atividade econômica que vise lucro (LCD, 96). Contudo, o sistema jurídico português do consumidor reconhece ainda outras legislações de apoio a LDC, como o Decreto Lei nº 57/2008 que descreve sobre as práticas comerciais desleais, bem como a Diretiva nº 200/31/ CE do Parlamento Europeu e do Conselho ora transposto pelo Decreto Lei nº 7/2004 Lei do Comércio Eletrônico (ROCHA, VAZ & LOUSA, 2006). A Lei do Comércio Eletrônico (LCE), vem regular as atividades econômicas na Internet, com a responsabilização dos seus prestadores de NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: serviços pelas publicidades veiculadas e contratos pactuados na rede (ROCHA, VAZ & LOUSA, 2006). Deste modo a LCE, visa assegurar a liberdade de exercício de atividade econômicas na Internet, determinar o regime de responsabilidade dos prestadores intermediários de serviço, e a regulação das comunicações publicitárias em rede e contratação eletrônica (LCE, 2004). Porem a LCE não contempla todas as matérias atinentes ao e-commerce, excluindo da sua esfera de proteção questões fiscais, concorrência, o tratamento de dados pessoais, patrocínio jurídico, jogos de fortuna, loterias e apostas, atividade notarial e equiparadas (LCE, 2004). Define o chamado fornecedor como o prestador de serviço da sociedade informacional na Internet, que de forma geral são todas as pessoas individuais ou coletivas que com fim lucrativo prestam serviço na rede on line, de modo organizado e permanente (LCE, 2004). Já o termo serviço da sociedade informacional é definido pela LCE como sendo qualquer serviço prestado à distância por via eletrônica, remunerado, mediante pedido de um destinatário, qual se intitula de consumidor, ou seja, a pessoa qual utiliza do serviço on line (LEC. 2004). A LEC (2004) tem por base para a gestão das atividades econômicas no e-commerce princípios como: - Princípio da Liberdade de Exercício: ou da desnecessidade de autorização prévia para atividades econômicas na Internet, conforme artigos 3º, nº 3 e 5, nº2. Se aplica em todas as atividades profissionais e comerciais que prestem serviços de acesso, alojamento, informação, pesquisas, correio eletrônico e certificação de assinaturas eletrônicas. Importante observar que mesmo com a liberdade de exercício de atividades o país destinatário do serviço poderá impor medidas restritivas a circulação, em casos de dano ou ameaça a dignidade da pessoa humana, a ordem, a saúde e a segurança pública e aos consumidores. - Princípio da Transparência: diretamente ligada à informação e as restrições na publicidade. Quem usar da prática do comércio eletrônico em Portugal deverá fornecer todas as informações em língua portuguesa sobre a empresa, produtos, serviços e preços. Na publicidade as regras alcançam a proteção à privacidade, como o “spamming”, bem como as ordens profissionais, como o “webcasting”, vinculando o anunciante ao conteúdo publicado. O prestador de serviço de informação na Internet tem por dever fornecer elementos de identificação como nome ou denominação social, endereço 159 160 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA geográfico e eletrônico, número de registro, número de identificação fiscal, custos dos destinatários, dos serviços, antes de sua utilização. A mesma condição de fornecer elementos de identificação recai ao prestador de serviço publicitário que deve informar a natureza publicitária, o anunciante e as ofertas promocionais. - Princípio da Liberdade de Celebração de Contratos: a proteção decorre do contrato realizado por meio eletrônico, que significa reconhecer a declaração eletrônica como meio idôneo de manifestação de vontade, respeitando as condições para a validade dos contratos pela legislação, como forma legal e escrita, pela assinatura eletrônica. Importante referenciar que negócios jurídicos de ordem familiar e sucessórios estão excluídos do princípio, haja vista a necessidade de intervenção judiciária. - Princípio da Liberdade de Comunicação e de Navegação na Internet: perfaz na irresponsabilidade dos prestadores de serviços por simples transporte, armazenagem, hiperligações, motores de pesquisa, ausência de vigilância ao cargo, além de restrições no fornecimento de conteúdos para menores, adultos e ilegais por violação aos direitos de propriedade intelectual. - Princípio da Informalização dos Meios de Resolução de Litígios: traduz por um sistema de desjudicialização, privilegiando meios alternativos como a arbitragem e a ADRs “adminsitrative dispute resolution” para a solução de litígios. A autoridade não é mais judiciária na figura do juiz, e sim a figura do arbitro. Há muitos aproximações nas noções gerais sobre e-commerce nas legislações brasileira e portuguesa. Observa-se que ambas se utilizam das percepções locais e global sobre a revolução digital, afirmando que o comercio eletrônico representara toda a atividade do futuro com o objetivo de trocar de bens físicos ou digitais por meios eletrônicos (LORENZETTI, 2004). Em Portugal o e-commerce cresceu 12,5% em 2017, representando um crescimento de 4.145 milhões de euros na economia de acordo com o relatório do e-Commerce Report CTT (OBSERVADOR, 2018). Portanto, em ambos os países, é notória a crescente demanda em curto prazo das relações consumeristas on line, fruto da comodidade e facilidade do poder de compra oriundas do desenvolvimento das tecnologias da informação, exigindo do judiciário legislações atinentes a proteção do consumidor. A concorrência se faz em larga escala, criando não só novos mecanismos de consumo, mas principalmente mudanças nos padrões de conduta NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: dos consumidores e fornecedores o que enseja a delimitação de direitos e deveres nas contratações eletrônicas. Com a popularização da Internet e o uso cada vez mais frequente de aplicativos para o consumo de bens e serviços, surgem novas questões jurídicas oriundas da tecnologia, que na fusão com o Direito lançam o chamado Direito Digital. Peck (2007) o define como a evolução do próprio Direito e da Computação, exercido em novos ambientes, com capacidade de tutelar por exemplo questões que envolvam concorrência desleal no comércio eletrônico. 3 DA CONCORRENCIA DESLEAL NO COMÉRCIO ELETRÔNICO No contextos da industrialização e início da globalização, o rápido desenvolvimento das empresas tornou necessário que seus atos fossem regulados, com o objetivo de proteger os direitos privados dos concorrentes em conjunto com os direitos dos consumidores. Nasce assim o instituto da concorrência desleal, criado na segunda metade do século XIX pela jurisprudência francesa, com objetivo de suprimir e punir atos que fossem desleais e representassem um perigo para a livre concorrência. Baseando-se no Código Napoleônico de 1804, foi instituído que seriam punidos atos que infringissem as normas diretamente, assim como atos que poderiam violar a liberdade da concorrência, caso fossem abusivos de direitos. Importante salientar que a criação deste instituto está intimamente ligada à propriedade industrial, posto que o Estado só poderia interferir na economia se estivessem em perigo a liberdade e a propriedade, vindo este a ganhar uma disciplina específica apenas no final do século XIX graças a Convenção da União de Paris de 1883 (GONÇALVES, 2019). A concorrência é a relação entre empresas, ou grupos de empresas, que atuam em um mesmo mercado relevante, ou que possuem produtos ou consumidores semelhantes. Conforme nos ensina o professor Silva (2018), o Direito da Concorrência é a regulação desta relação, podendo-se afirmar que os seus principais objetivos são: (i) garantir a eficiência na utilização de recursos; (ii) proteção da livre concorrência, (iii) consequentemente a descentralização do mercado; (iv) proteger o bem-estar dos consumidores; (v) garantir que as empresas sejam mais eficientes a curto e a longo prazo. Gonçalves (2019) afirma que se deve analisar esses atos através de três planos: (i) mercadológico, (ii) temporal e (iii) espacial. 161 162 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA No plano mercadológico, um ato concorrencial é aquele que tem como público alvo a mesma clientela de outras empresas. Sendo assim, ambos estão concorrendo em um mesmo mercado relevante. No plano temporal, além dar práticas já realizadas, deve-se verificar atos preparatórios que as empresas adotam que podem ser considerados como uma concorrência em potencial. Por fim, no plano espacial, deve-se levar em conta que seus atos externos podem interferir no mercado em que as outras empresas estão inseridas. Sendo assim, a concorrência desleal é um ato que impede ou restringe a concorrência e seus objetivos, em qualquer que seja o ramo da atividade econômica, infringindo suas normas diretamente, sua boa-fé ou sua ética. Logo, o Direito da Concorrência se difere da Concorrência Desleal, enquanto aquele se preocupa com os procedimentos de como as relações de mercado deverão funcionar, possuindo um caráter público, a Concorrência Desleal, busca garantir que atos privativos de determinada empresa ou empresas não causem prejuízo a seus concorrentes, nem ao mercado em que estão inseridos. 3.1 DA APLICABILIDADE NO BRASIL No art. 170 da Constituição Brasileira de 1988 está previsto que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (BRASIL, 1988). São descritos em seus incisos diversos princípios, sendo importante aqui o d no IV que prevê que um dos valores fundamentais da ordem econômica é a livre concorrência. Sendo a livre concorrência um princípio basilar do Brasil, a concorrência desleal é um ato que deve ser considerado como ilegal e imoral. Nesse sentido o capítulo IV Código de Propriedade Industrial Brasileiro (CPI) (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996), apresenta o artigo 195 que prevê uma série de atos considerados como crimes de concorrência desleal, podendo dividi-los em 3 classificações: 1- atos que desviem a clientela; 2- atos que criem confusão; 3- atos que sejam contra a moral (SANTOS, 2016). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: 3.1.1 Práticas desleais a) Desvio de Clientela Dentro dessa classificação podemos enquadrar os incisos I, II e III do artigo 195 do CPI Brasileiro, sendo esses atos os que se aproveitam da publicação de informações falsas acerca dos concorrentes para obter vantagem. Os incisos I e II preveem falsas afirmações, que possuem o objetivo de denegrir a imagem do concorrente ou de seus produtos, levando os consumidores a perderem a confiança que possuem nesta empresa, produtos e serviços. Essas afirmações causam um prejuízo econômico aos concorrentes, posto que ao terem sua imagem relacionada a algo negativo a clientela possa buscar por produtos e serviços diferentes. Já o inciso III afirma que o uso de qualquer meio fraudulento com objetivo de desvio da concorrência será considerado um ato de concorrência desleal, sendo bastante amplas as possibilidades de atos que podem ser enquadradas neste artigo. b) Atos de Confusão Os incisos IV, V e VI do art. 195 do Código de Propriedade Industrial Brasileiro definem atos que possuem o objetivo de confundir o consumidor, fazendo-o pensar que está adquirindo um produto quando na verdade está consumindo outro. Para que de fato haja confusão, conforme Bittar (1982) são necessários que se esse ato possua três elementos: (i) a preexistência de um produto concorrente; (ii) existência de uma imitação servil do produto; (iii) a suscetibilidade de estabelecer a confusão. É necessário que um produto já exista no mercado para que este seja usado como base para gerar a confusão com o produto que virá a existir, utilizando-se assim de um aproveitamento indevido. A imitação do produto preexistente deve possuir as mesmas características essenciais que identificam este como produto de uma determinada empresa, induzindo o público ao erro quando o procurarem. Ou seja, a imitação de algumas características que não são essenciais não pode ser considerado um ato de confusão. 163 164 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA Por fim, a imitação desse produto deve de fato gerar uma confusão nos consumidores, passível de induzir o consumidor médio ao erro. Logo, se não causar este efeito, o ato não será considerado uma prática desleal. Diante disto, no comercio eletrônico se utiliza bastante uma ferramenta do Google chamada Google Adwords, em que basicamente a empresa registra uma mensagem, uma palavra-chave relacionada ao seu produto ou serviço, e quando o consumidor procurar no Google algo relacionado a estes, o Google Adwords irá posicionar no topo da lista gerada uma publicidade com um link direcionando o consumidor para seu website. O lado negativo é que esta ferramenta também pode ser utilizada como um meio para praticar atos de concorrência desleal, como casos em que empresas registraram no Google Adwords, sinais distintivos (marcas) de seus concorrentes, gerando confusão nos consumidores ao procurarem produtos ou serviços no Google. Por exemplo, o caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (2017) Groupon vs Hotel Urbano, em que o Hotel Urbano registrou nessa ferramenta a palavra-chave “Groupon” (marca registrada da empresa concorrente), fazendo com que os consumidores que procurassem por essa palavra no Google fossem direcionadas ao website do Hotel Urbano, causando confusão sobre uma parceria entre as empresas. Por fim, a 22ª câmara Cível do TJ/RJ condenou a agência de viagens online Hotel Urbano ao pagamento de R$ 50 mil, a título de danos morais, por concorrência desleal. Outro exemplo que pode gerar confusão é a utilização de domínios parecidos em que se registram nomes semelhantes aos dos concorrentes, visando que erros de digitação dos consumidores façam com que a empresa se beneficie. c) Atos Contra a Moral Os incisos VII ao XIV do artigo 195 do CPI Brasileiro preveêm uma série de atos que podem ser considerados como desleais, sejam contra as normas, uso honesto ou boa-fé das relações comerciais entre as empresas. Elenca-se atos enganosos como o suborno de empregados ou outros elementos empresariais, liberação de segredos comerciais, a exploração indevida de informações, produtos e dados de seus concorrentes, bem como o uso de publicidade e autopromoção ilegítima gerando dano direto aos consumidores. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: 3.2 DA APLICABILIDADE EM PORTUGAL Em Portugal as práticas desleais atualmente são previstas pelo Decreto Lei nº 110/2018, de 10 de dezembro, o atual Código de Propriedade Industrial (CPI), o qual entrou em vigor no dia 01 de julho de 2019. No atual código as práticas desleais estão previstas no art. 311o, que possui uma cláusula geral, seguida de exemplos em suas alíneas de práticas desleais. A cláusula geral afirma que “Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente” (PORTUGAL, 2018). Logo, é possível verificar que o conceito de prática desleal traz três elementos essenciais: (i) deve ser um ato de concorrência; (ii) contrário às normas e usos honestos; (iii) qualquer ramo de atividade económica. Um ato de concorrência é aquele em que uma empresa, ou grupo de empresas, tendo em conta sua relação com seus concorrentes e os consumidores, realiza um ato no mercado onde se encontra a oferta e procura de bens e serviços. Ou seja, é um ato que impacta positivamente ou negativamente os outros concorrentes, os consumidores e o mercado. O artigo ao definir que o deve ser contrário às normas e usos honestos indica que a preocupação do legislador não é apenas com o funcionamento do mercado e suas relações e suas previsões legais, mas também com a atribuição ética que os participantes dão a certos atos que poderão, mesmo que hipoteticamente, causar prejuízo à concorrência. Passam assim a serem considerados práticas desleais, impedindo que sejam utilizados, consequentemente mantendo a boa-fé em suas relações. Por fim, o terceiro elemento é claro ao afirmar que independente do ramo da atividade econômica, as normas e regras sobre práticas desleais são aplicáveis, devendo todos os que oferecem bens e serviços em um mercado agirem de boa fé. 3.2.1 Da diretiva sobre práticas comerciais desleais (CE 2005/29) Em complemento ao Código de Propriedade Industrial Português existem outras legislações acerca das práticas desleais. Dentre elas, a principal é a Diretiva 29/2005, sendo transposta para o ordenamento jurídico português através do Decreto Lei (DL) nº 57/2008 de 26 de março, o qual reproduziu seus artigos e suas normas. 165 166 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA Com a criação da União Europeia, diversos países passaram a ter cada vez mais relações intimas entre si, havendo uma livre circulação de bens, serviços e pessoas. Ocorreu também o nascimento de um mercado interno único, e o aumento no número de consumidores que deveriam ser protegidos e terem seus direitos resguardados. Essa integração de diversos Estados-Membros, apesar de ser extremamente vantajosa, também trouxe diversos obstáculos que deveriam ser superados. Aqui especificamente estamos nos referindo à harmonização da legislação entre os participantes, especialmente com relação a quais práticas são consideradas desleais em cada país, sendo necessário uma padronização para que os consumidores europeus como um todo fossem protegidos, além de garantir uma segurança jurídica para as empresas. Antes de 2005, alguns Estados-Membros já consideravam certas práticas como sendo desleais e contrárias à honestidade e à boa-fé, enquanto outros não possuíam essa previsão legal. Porém, no dia 11 de maio de 2005, tal condição mudou, haja vista a adoção da Diretiva 2005/29/CE, cujo principal objetivo era uniformização legal das práticas comerciais desleais entre os diferentes Estados-membros da União Europeia, buscando proteger de forma mais eficiente os consumidores e também as empresas de seus concorrentes que porventura venham a praticar atos desleais. Neste diapasão, esse diploma legal possui um duplo objetivo: proteger os consumidores e aumentar a confiança das empresas no mercado da União Europeia, posto que todos os concorrentes deverão seguir as mesmas regras. Esse diploma legal busca proteger as empresas de atos considerados desleais de seus concorrentes, garantindo a concorrência leal (UNIÃO EUROPEIA, 2005). A Diretiva da União Europeia (2005) também trouxe uma série de conceitos que são de suma importância para o entendimento do que são práticas desleais. São previstas no seu artigo 5º, alíneas “a” e “b”, como sendo aquelas que forem contrárias às exigências das diligenciais profissionais e que distorçam ou sejam susceptíveis de distorcer de maneira efetiva o comportamento econômico, relativo a um produto ou serviço do consumidor médio a quem se destinam. Outro conceito essencial é o de consumidor médio, o qual veio previsto em seu considerando como sendo aquele que “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, tendo em conta fatores de ordem social, cultural e linguística’’ (UNIÃO EUROPEIA, 2005). NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Ainda, a Diretiva trouxe três práticas comerciais desleais principais: (i) as práticas comerciais enganosas, (ii) as omissões enganosas e (iii) as práticas comerciais agressivas. Elas serão melhor exploradas no subtítulo seguinte. Por fim, é importante salientar que a Diretiva deverá ser aplicada independentemente do meio tecnológico utilizado pela empresa para realizar a conduta desleal. Ou seja, as empresas que realizem negócios no mundo virtual, na internet, também estão subordinadas à esta legislação. 3.2.2 DOS TIPOS DE PRÁTICAS DESLEAIS E A PROPRIEDADE INTELECTUAL Como visto anteriormente o CPI Português, junto com a o Decreto -Lei 57/2008, trouxe um novo escopo para a proteção jurídica da concorrência, prevendo em seus textos legais atos que podem ser considerados como práticas desleais da concorrência. Passemos agora a analisar cada um destes atos individualmente. a) Atos de Confusão O ato de confusão está previsto no CPI Português, em seu artigo 311 , no 1, a), bem como no Decreto-Lei 57/2008, e no artigo 7, no 2, a), como sendo um ato que crie confusão nos consumidores, afetando sua liberdade de escolha e induzindo-os ao erro, através do aproveitamento da boa reputação dos produtos, serviços, marcas e designação comercial de uma empresa concorrente, independentemente do meio empregue. o Conforme demonstra Gonçalves (2019), é importante salientar que existem atos de confusão que dizem respeito a sinais distintivos que são protegidos pela propriedade industrial, mas também pode haver casos em que esses sinais não são protegidos. Em caso de marcas que não são registradas, deve-se voltar a atenção integralmente para as normas da concorrência desleal, tendo em conta a boa-fé das empresas e a livre concorrência. Já no caso de marcas protegidas, deve-se levar em conta que a relação da concorrência desleal com a propriedade industrial é muito intima, apesar de serem independentes são complementares uma a outra. A exemplo, em caso de atos de confusão que envolvam marcas devidamente registradas, pelo escopo do CPI português, basta verificar se os requisitos previstos no artigo 238o, n o 1 foram cumpridos. 167 168 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA Porém se olharmos pelo escopo da concorrência desleal, a análise de um ato de confusão pode ir além destes requisitos, como a verificação de que se há usurpação da marca registrada, se há relação de concorrência entre as empresas, se o uso violou as normas e honestidade da concorrência. b) Atos de Descredito Podemos estabelecer uma analogia entres estes e os atos desvio de clientela previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, no ordenamento português, estes atos estão previstos no artigo 311 o, n o 1, b) do CPI português, prevendo como falsas afirmações aquelas que buscam atribuir uma má qualidade aos produtos ou serviços das empresas concorrentes com o objetivo de fazer a clientela destes perderem sua confiança na empresa e consequentemente passarem a comprar produtos ou serviços de quem cometeu o ato, obtendo assim uma vantagem econômica, já que acarretará na diminuição dos lucros do concorrente, e um aumento os seus próprios lucros. Não é necessário que se diga explicitamente o nome do concorrente ou sua marca, basta que seja possível identificar a empresa alvo, ou seja, os atos podem ser indiretos. Importante salientar que as informações apresentadas que de fato são verdadeiras, mesmo que sejam negativas, não podem ser consideradas com práticas desleais, se publicadas de modo objetivo. Ainda, as meras opiniões que não sejam apresentadas como fatos também não representam qualquer forma de prática desleal. c) Atos Enganosos Os atos enganosos estão previstos no artigo 311o, n o 1, d), e) e f), em conjunto com o Decreto-Lei 57/2008 nos artigos 7 o, 8 o e 9 o, se dividindo basicamente em ações enganosas e omissões enganosas. O artigo 7o do DL 57/2008 em seu caput alega que as práticas enganosas são aquelas que contenham informações falsas, ou que mesmo que sejam de fato corretas, induzam o consumidor ao erro, levando-o a consumir o produto ou serviço (PORTUGAL, 2008). Em seguida, o mesmo artigo traz em suas alíneas uma série de exemplos que podem ser considerados como atos enganosos. No artigo 8o é apresentado um rol de ações enganosas, que independentemente do contexto são considerados atos enganosos por si só. Ou seja, não podem ser NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: praticados seja o meio qual for, como por exemplo esquemas de pirâmide, vendas casadas, entre outros. O CPI português em seu artigo 311o traz três formas de ações enganosas, previstas também no DL57/2008, com a diferença que aquele diploma é focado especialmente para a propriedade industrial, enquanto este se preocupa com a concorrência desleal como um todo. A primeira forma prevista no CPI português está no artigo 311o, no 1, d), que são as falsas afirmações sobre a própria empresa, possuindo o objetivo de se auto promover e se beneficiar ilegitimamente. Assim a empresa apresenta dados que não são verdadeiros, sobre o capital da sua empresa, a qualidade ou quantidade ou natureza de seus produtos e serviço, quantidade de clientela, enganando o consumidor ao ganhar sua confiança, levando-o a acreditar que estes são de um nível superior ao que de fato são. A segunda forma está no artigo 311o, no 1, e), que são as falsas afirmações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, e as falsas afirmações sobre a origem dos produtos, como região, fábrica, localidade. As falsas informações devem ser objetivamente falsas, ou seja, não deve levar em conta o erro subjetivo do consumidor, como uma interpretação errônea (GONÇALVES, 20191). Por fim, a terceira ação enganosa está prevista no artigo 311o, no 1, f), que são as omissões enganosas, estando estas práticas também previstas no artigo 9o do DL 57/2008, que são omissões feitas pelo vendedor ou por intermediários, acerca dos produtos que estão vendendo diretamente para os consumidores, como a origem do produto, indicações geográficas, sem que estas alterações tenham sido realizadas pelos seus fabricantes. Importante salientar que o artigo 253o do CPI de Portugal (2018) declara que o titular dos direitos sobre marcas não pode exigir a proibição do comercio de produtos legitimamente colocados em circulação, salvo, se houver motivos legítimos ou quando os produtos forem alterados após sua colocação no mercado. Sendo assim o titular sobre determinada marca, em caso de omissão enganosa, pode proibir que este produto circule no mercado. d) Outras práticas desleais O artigo 311o, no 1, c) traz ações em que a empresa utiliza referências que não foram anteriormente autorizadas ou que ferem a boa-fé da concorrência, com objetivo de fazer com que seu produto ou serviço 169 170 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA aparente ter uma melhor qualidade, além de fazer com que os consumidores confiem mais nestes. Outra prática que pode ser considerada desleal são as chamadas concorrências parasitárias, as quais consistem em aproveitar a boa reputação de empresas ou produtos concorrentes, agindo sistematicamente de modo parecido e continuado com estes, objetivando a atração da clientela para si (GONÇALVES, 2019). 4 DA RESPONSABILIZAÇÃO PELA PRÁTICA DESLEAL NO COMERCIO ELETRÔNICO Diante das novas interações humanas, concomitantemente surgem outras formas de relacionamentos que extrapolam a esfera da pessoalidade se inserindo no contexto da virtualidade, sendo também suscetíveis da prática de eventos desleais. Contudo tais eventos desleais têm por fato gerador a conduta do homem, seja por ação ou omissão, que provoca um dano a outrem, e que enseja a responsabilidade pelo ato perpetrado tanto no âmbito penal quanto civil. O apreço se faz na responsabilidade civil pela prática da conduta desleal nas relações do comercio eletrônico. Como já pautado, o comércio eletrônico é fruto do desenvolvimento das novas tecnologias da informação e comunicação.Contudo muitas dessas práticas comerciais, constituem um rol de práticas duvidosas, carecendo de uma visão apurada dos ordenamentos jurídicos brasileiro e português, na responsabilização pela prática desleal consumerista principalmente na violação dos direitos de propriedade industrial. 4.1 DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA Em Portugal as práticas desleais foram primeiramente previstas no Código de Propriedade Industrial de 1940, em seu artigo 212º, sendo o mesmo reproduzido pelo CPI de 1995, em seu artigo 260o. Importante salientar que a punição prevista nesses códigos era de natureza penal, podendo ser punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias. O CPI de 2003 trouxe uma mudança fundamental, que foi a alteração da sanção penal para uma sanção de natureza civil, conforme seu artigo NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: 331º. Ele previa uma multa de 3000 a 30000 euros, se fosse pessoa coletiva, ou de 750 a 7500 euros, em caso de pessoa singular. Esse código sofreu diversas mudanças, até ser revogado pelo Decreto Lei nº 110/2018, de 10 de dezembro, o atual CPI. A punição prevista no artigo 330 o deste código manteve a natureza civil do antigo código, e definiu que em caso de atos desleais deve ser paga uma multa de 5 000 a 100 000 euros, se for pessoa coletiva, ou de 1 000 a 30 000 euros, em caso de pessoa singular. Já o artigo 335o traz que o uso ilegal do nome, insígnia ou logotipo do seu estabelecimento (registado ou não, de uma firma ou uma denominação social que não pertença ao requerente, ou apenas parte característica das mesmas, se for suscetível de induzir o consumidor ao erro ou confusão) deverá ser punido com uma multa de 3 000 a 30 000 euros, caso se trate de pessoa coletiva, e de 750 a 3 740 euros, caso se trate de pessoa singular (PORTUGAL, 2018). Contudo, a punição não deve ser aplicada se houver prova do consentimento ou da legitimidade do seu uso (PORTUGAL, 2018). O atual CPI de Portugal (2018), assim como o de 2003, não possui a necessidade de comprovar o dolo para que a multa seja aplicada. Porém se houver dolo ou mera culpa, comprovadamente, fica quem cometeu o ilícito obrigado a indenizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação. 4.2 DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Para Gagliano e Pamplona Filho (2012) a responsabilidade pressupõe uma violação a norma jurídica preexistente, seja legal ou contratual. Surge, portanto, a necessidade da responsabilização daquele sujeito que viola a lei positivada e a boa-fé nas relações do comércio eletrônico, ao proprietário da coisa lesada. A responsabilidade traz a ideia de compensação do mal causado, que nos casos de prática desleal ofende o sistema, gerando automaticamente a função primária de indenizar restitutio in integrum. Contudo, a responsabilidade se insere na esfera jurídica privada no Título IX do CC, no artigo 5º, inciso XXXII da CRFB, no CDC, e no CP, trazendo ao legislador o desafio de restaurar de maneira justa e adequada o patrimônio lesado pela prática desleal oriundas das relações de consumo no comércio eletrônico. 171 172 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA Assim sendo, há uma série de questionamentos quanto ao tipo de lesão sofrida na prática desleal, que dependem principalmente da razoabilidade da hermenêutica para a adoção da melhor solução ao caso concreto, baseado no princípio da reparação integral buscando proteger de modo absoluto o patrimônio e a vítima do dano injusto. Isto se deve ao fato de não poder se avaliar concretamente a escala que a indústria falsamente se utiliza de signos, como a exemplo de marcas já existentes e fortemente estabelecidas no mercado para ludibriar o consumidor com preços mais baixos e qualidade duvidosa. Na propriedade industrial a responsabilidade se insere na Convenção de Paris, da qual o Brasil é signatário, abrangendo os direitos dos inventores, marcas e patentes e demais sinais distintivos de atividade econômica passíveis a penalização pela prática desleal. Posteriormente, promulga-se a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96, que traz a marca como exemplo mais relevante a ser analisado. No artigo 122 são definidos como sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais (BRASIL, 1996). Jungmann (2010) define a marca como sendo o sinal visual perceptível capaz de distinguir produtos ou serviços de uma determinada empresa, principalmente de seus concorrentes, podendo ser nominativas, compostas por desenhos, logotipos, emblemas. Incontroverso que a marca é bem mais do que um signo que distingue uma empresa de outra, ela constitui parte do patrimônio empresarial, por seu valor comercial haja vista ser um ativo comercial. No Brasil o direito à propriedade da marca se consubstancia em um direito fundamental ora prevista na CRFB, no artigo 5º inciso XXIX: A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilegio temporário para sai utilização, bem como a proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresa e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (BRASIL, 1988). A Lei de Propriedade Industrial Brasileira nº 9279/96, além de conceituar a marca, dispõe da forma de aquisição comercial, que se dá através do registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) que pode ser usado de maneira ampla, ou seja, em todos os documentos relativos a atividade empresarial. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Tal amplitude de uso, que perfaz uma noção tradicional do comércio, já é definida pelo STJ da seguinte forma: Usar, no sentido que o direito de propriedade industrial empresta a esse verbo, é projetar a marca para o mundo, para que ela, antes mera potencialidade, passe a exercer a função a que se destina. (...) É que, em função de sua categoria ôntica, as marcas só podem ser consideradas em uso quando ‘ionizem’ os bens ou serviços a que se destinem, carregando, simbolicamente, informações sobre eles e comunicando-as ao público. O fio condutor do exame de suficiência de uso é a atuação do titular no sentido de por sua marca diante do público (BRASIL, 2011). Deste modo, registrar marca alheia como nome de domínio da internet é considerada prática desleal, conforme o artigo 195 da LPI, ao prever que comete crime de concorrência desleal quem emprega meio fraudulento para desviar em proveito próprio ou alheio clientela de outrem. Conforme a relatora do Recurso Especial 1.448.123/RJ, Ministra Nancy Andrighi, a LPI elencou a vedação ao registro de marca a reprodução ou imitação de marcas preexistentes, objetivando assim evitar confusão ao consumidor e concorrência desleal. Vislumbra-se que a responsabilização pela prática desleal no e-commerce se faz presente tanto na legislação interna do Brasil, quanto nos tratados internacionais dos quais é signatário, haja vista a importância do tema. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após abordar sobre a responsabilidade da prática desleal no comércio eletrônico através do direito comparado das legislações brasileira e portuguesa, há que se considerar que a intenção deste estudo não é esgotar o tema delineado. Porém, é possível afirmar que as iniciativas da esfera jurídica pátria de cada país, bem como as extraterritoriais, buscam coibir a presença da prática anticoncorrencial ou desleal no comércio eletrônico. Isso porque firmam a possibilidade de responsabilizar aquele que usa de artifícios para burlar os princípios da boa-fé e da livre concorrência, a proteção da propriedade industrial e as regras consumeristas. 173 174 LUCIANA REUSING | VINICIUS DE HOLANDA COSTA Deste modo, quando uma empresa se utiliza do e-commerce, se insere como parte da economia de um país e, por consequência, se relaciona de modo global com seus consumidores sejam pessoas físicas ou jurídicas. O que a que a torna diferente de outras empresas é essencialmente o meio em que realiza seus atos. Sendo assim, uma companhia do mundo digital tem o encargo de prezar pela livre concorrência e também pela boa-fé das relações, seja com seus concorrentes, ou com seus consumidores, devendo ser responsabilizada na medida em que utilize de qualquer ato que contrarie os princípios legais e morais do ordenamento jurídico. Através da análise das legislações brasileira e portuguesa, é possível verificar que ambas trazem explicitamente a importância do tema da responsabilidade ao aplicar sanções àqueles que usam de prática desleais no comércio eletrônico para obter vantagens ilícitas, colocando em risco não só a economia como toda a sociedade consumerista. Portanto, se observa em ambas as legislações a busca por justiça no comercio eletrônico, em defesa da livre concorrência, da proteção da propriedade industrial, e dos pressupostos constitucionais. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: REFERÊNCIAS AZEVEDO, F.A. Mídia e democracia no Brasil: revelações entre o sistema de mídia e o sistema político. Opinião Pública, Campinas, vol. 12, nº 1, Abril/Maio, 2006, p. 88-113. BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações – 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 5. BITTAR, C. A. A concorrência desleal e a confusão entre produtos. 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Os autores do conteúdo veiculado no ambiente virtual gozam do direito à liberdade de expressão. Entretanto, este direito tem limites. Situações em que ocorrem o abuso deste direito podem acarretar responsabilidade civil do autor. Diante disso, o presente estudo propõe-se a analisar os limites da liberdade de expressão e propor uma reflexão acerca da responsabilidade civil dos autores. 2 TUTELA JURÍDICA DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO A liberdade de expressão é direito genérico e fundamental que está previsto na Constituição Federal3 e é um direito que possui várias formas de manifestação pelo ser humano. José Afonso da Silva4 classifica a liberdade de expressão no rol dos direitos fundamentais que pretendem proteger 1 2 3 4 Bacharela em Direito pela PUCPR. Advogada, Especialista em Direito Público pela Unibrasil. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da UFPR. Advogado, Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal. Existem proteções constitucionais para as diversas formas de expressar a liberdade de expressão. Diante da relevância global do direito à liberdade de expressão é possível destacar a sua previsão em outros diplomas legais internacionais, como por exemplo, no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Nesse sentido: “[...] ao Direito positivo interessa cuidar apenas da liberdade objetiva (liberdade de fazer, liberdade de atuar). É nesse sentido que se costuma falar em liberdades no plural, que, na verdade, não passa das várias expressões externas da liberdade.” SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 234-235. 178 BRUNA RIBEIRO DOS SANTOS TITONELI BERCO | ÁTHILLA S. DA SILVA “as liberdades” do indivíduo, como: opinião, religião, informação, artística, comunicação do conhecimento, reunião ou associação. Como formas de expressão deste direito “a liberdade de opinião se exterioriza pelo exercício das liberdades de comunicação, de religião, de expressão intelectual, artística, científica e cultural e de transmissão e recepção do conhecimento.”5. Diante da circunstância da sociedade estar cada dia mais inserida no ambiente virtual, faz-se necessária a existência de normas, no sentido de proteger a liberdade de expressão neste meio de comunicação, podendo-se dizer que este princípio foi devidamente transportado para o ambiente virtual. No que se refere à liberdade de expressão no ambiente virtual, a Lei 12.965/2014 - Marco Civil da Internet (MCI)6 regula os direitos e os deveres dos internautas, provedores de acesso e empresas que estão no ambiente virtual, com especial proteção à liberdade de expressão, havendo o privilegio da manutenção da informação na internet7. A remoção de conteúdo foi dificultada em relação à jurisprudência que vinha se formando no país antes da entrada em vigor da mencionada legislação. Assim, tal pratica ocorrerá apenas mediante ordem judicial, em homenagem ao princípio da liberdade de expressão, salvo pouquíssimas ressalvas feitas pela legislação. Após a rápida abordagem sobre a tutela jurídica do direito à liberdade de expressão, importante destacar a classificação jurídica deste direito. A liberdade de expressão como gênero está prevista em diversos artigos e incisos da Constituição Federal, isto porque, é considerado um direito e garantia fundamental8. É um direito fundamental de 1ª geração, que envol5 6 7 8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 243. A Lei da Internet assegura a liberdade de expressão nos artigos 3º, inciso I, 18, 19, 20 e 21. Patrícia Peck e Henrique Rocha mencionam que: “O MCI tem como fundamento principal o direito à liberdade de expressão e assim privilegia a manutenção de informação publicada na rede em detrimento da imediata remoção do conteúdo.”. PECK, Patrícia, ROCHA, Henrique. Advocacia Digital. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 35. Em que pese José Afonso da Silva citar a doutrina de Ruy Barbosa que diferencia direitos e garantias da seguinte forma “no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com declaração do direito.” (Cf. República: teoria e prática – Textos doutrinários sobre direitos humanos e políticos consagrados na primeira Constituição da República, p. 121 e 124), José Afonso da Silva NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: vem a proteção das liberdades individuais dos indivíduos e possui a característica de direitos negativos, pois exige um não agir do Estado9. A liberdade, de forma genérica, é valor caro e relevante ao homem. Na doutrina de José Afonso da Silva10, a liberdade é uma necessidade do ser humano e ela é classificada em liberdade interna e liberdade externa. A liberdade de expressão é um direito que viabiliza a democracia, a qual é garantia geral de concretização dos direitos fundamentais. Desta forma, a liberdade de expressão se contrapõe ao autoritarismo. Por isso, é uma das liberdades mais reivindicadas, importante e desejada pelo homem.11 Com o intuito de conceituar a liberdade de expressão, José Afonso da Silva12 menciona que é a exteriorização do pensamento da sua forma mais abrangente: da consciência, crença, da opinião. Neste artigo falaremos da liberdade de expressão na manifestação do pensamento do usuário/autor na internet quando configurar ato ilícito e ensejar responsabilidade civil. Este direito não é absoluto, é limitado quando conflitante com demais direitos e deve ser ponderado, sopesado, como se verá no próximo capítulo o qual aborda as limitações dos direitos fundamentais, principalmente, o da liberdade de expressão13. 9 10 11 12 13 menciona que a Constituição não seguiu o conselho de Ruy, uma vez que não separou rigorosamente os direitos de suas garantias. SILVA, José Afonso, op. cit., p. 186. Para Paulo Bonavides “Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.”. BONAVIDES, Paulo, p. 563-564. Nesse sentido, “Liberdade interna (chamada também liberdade subjetiva, liberdade psicológica ou moral e especialmente liberdade de indiferença) é o livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem. Por isso é chamada igualmente liberdade do querer. [...] Liberdade externa [...] que é também denominada liberdade objetiva, consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculo ou de coações, de modo que o homem possa agir livremente. Por isso é que também se fala em liberdade de fazer, “poder fazer tudo o que se quer.” SILVA, José Afonso, op. cit., p. 231-232. MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, op. cit., p. 238. SILVA, Afonso José, op. cit., p. 241. Liberdade de expressão na internet tem outra conotação em nome do interesse público, assim como o conceito atual de privacidade. Nesse sentido: “A Sociedade Digital já não é uma sociedade de bens. É uma sociedade de serviços em que a posse da informação prevalece sobre a posse dos bens de produção. Essa característica faz com que a pro- 179 180 BRUNA RIBEIRO DOS SANTOS TITONELI BERCO | ÁTHILLA S. DA SILVA 3 LIMITES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO USUÁRIO Por se tratar de direito fundamental, podemos ter a falsa sensação de que a liberdade de expressão é direito absoluto, que se sobrepõe a qualquer outro. Contudo, entre os juristas é pacificada a ideia de que os direitos fundamentais têm caráter relativo, isto é, podem ser suprimidos em detrimento de outros, cujos valores são idênticos14. Desta forma, considerando que os direitos fundamentais não são ilimitados, os seus limites são exatamente os demais direitos previstos pela própria Constituição Federal, circunstância que se nomeia como princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas15 16. Diante dessa ideia, tendo os princípios constitucionais o mesmo status hierárquico, deverá haver o exercício da ponderação com os “pesos abstratos” diversos de cada princípio17 18. Um dos critérios utilizados para dirimir conflitos entre os direitos fundamentais é o princípio de origem alemã, da proporcionalidade. Assim, deverá ser analisado as peculiaridades do caso concreto para perceber a prevalência de um direito sobre o outro, também sendo possível aplicar um precedente sobre o mesmo caso em conflito19. 14 15 16 17 18 19 teção do Direito à Informação seja um dos princípios basilares do Direito Digital [...].” PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 89. Alexandre de Moraes menciona que: “Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protético da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.” MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 45. Cf. RT-STF 709/418; STJ – 6ª T. RHC nº 2.777-0/RJ – Rel. Min. Pedro Acioli – Ementário, 08/721. MORAES, Alexandre, op. cit., p. 45. A Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas também prevê a limitação dos direitos fundamentais no artigo 29. MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., p. 166. Alexandre de Moraes entende que “Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.”. MORAES, Alexandre, op. cit., p. 45. MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, p. 166 e seguintes. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: O princípio da proporcionalidade tem sido utilizado pelo Supremo Tribunal Federal como ferramenta para solucionar conflitos entre os direitos fundamentais20 21. Diante da ponderação que deverá ser feita, importante mencionar que os limites ao direito à liberdade de expressão são as próprias normas constitucionais que possuem o mesmo status22 23. Os limites à liberdade de expressão devem ser observados no caso concreto, o que tem sido feito pelo poder judiciário.24. O anonimato também é um limite à liberdade de expressão, conforme o artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, que, inclusive, tem sido difícil combatê-lo no ambiente virtual, havendo a proibição de um anonimato indiscriminado para evitar danos sociais, devendo todos responderem por suas ações e criações25. Outro limite que a liberdade de expressão possui é o teor informativo que um conteúdo produzido na internet deve conter, sem extrapolar seus limites e atingir direito fundamental de outro indivíduo26. Além da relatividade dos direitos fundamentais, outro fator importante para se esclarecer acerca dos limites da liberdade de expressão atine a ne20 21 22 23 24 25 26 MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, p. 208. Já Patrícia Peck menciona que “É fundamental fazer a ressalva no tocante ao direito de liberdade de expressão, que, com o advento dos mecanismos de comunicação e a sua disseminação, tem provocado certo conflito jurídico com outros direitos, como o da proteção da imagem e reputação do indivíduo.”. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 90. Isto porque é possível destacar que a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XLI, aduz que “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes abordam em sua obra um capítulo referente às limitações ao direito de expressão e assim iniciam: “A liberdade de expressão encontra limites previstos diretamente pelo constituinte, como também descobertos pela colisão desse direito com outros de mesmo status.” MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, p. 243. Exemplificativamente, ressalta-se que a liberdade de expressão terá como limite a própria dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Isto porque, a dignidade da pessoa humana presume um tratamento dispensado ao ser humano no qual é considerado todos os seus valores intrínsecos, não reduzindo a pessoa a condição de objeto. MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, p. 247. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 99. Patrícia Peck entende que “No mundo virtual, o conteúdo tornou-se um objeto de negociação, um produto. A todo momento surge um novo site ou portal vendendo conteúdo como uma palavra mágica, um diferencial em relação à concorrência (só que a concorrência também vende conteúdo como um diferencial). O conteúdo na Internet não é gerado necessariamente para um comprador, mas torna-se cada vez mais uma mercadoria cuja posse agrega valor ao seu proprietário.”. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 203. 181 182 BRUNA RIBEIRO DOS SANTOS TITONELI BERCO | ÁTHILLA S. DA SILVA cessidade de evidenciar à sociedade os limites da sua atuação no ambiente virtual. Isto porque a falsa sensação de impunidade e a distorcida ideia de liberdade de expressão ilimitada que a Internet traz, enseja comportamentos ilícitos violadores de direitos constitucionais e infraconstitucionais. É preciso difundir a conscientização de que atitudes no meio digital não estão livres de responsabilização civil e criminal, tendo consequências, como qualquer ato ilícito praticado na vida que acontece fora do ambiente virtual. Liberdade deve estar atrelada à ideia de responsabilidade27 28. Desta forma, será abordado nos próximo capítulo a responsabilidade civil pelos atos ilícitos praticados no ambiente virtual. 4 CONTEÚDO ILÍCITO VEICULADO NA INTERNET E RESPONSABILIDADE CIVIL Quando se analisa os diferentes tipos de conteúdo veiculado no ambiente virtual e a amplitude de hipóteses que ensejariam a responsabilidade civil do autor29 30, adentra-se na dificuldade de encontrar os critérios 27 28 29 30 Alexandre de Moraes menciona que: “A manifestação do pensamento é livre em nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com as consequentes responsabilidades civil e penal de seus autores.”. MORAES, Alexandre, op. cit., p. 53, cf RF 176/147. Patrícia Peck continua “Devemos observar que a Constituição Federal de 1988 protegeu a liberdade de expressão em seu art. 5º, IV, mas determinou que seja com ‘responsabilidade’. Isso quer dizer que devemos interpretar a aplicação dela à luz do novo Código Civil, em seus arts. 186 e 187, que determina a responsabilidade por indenizar pelo dano causado, quer quando o ato ilícito tenha sido causado por ação ou omissão, quer quando é fruto do exercício legítimo de um direito no qual o indivíduo que o detém ultrapassou os limites da boa-fé e dos bons costumes.”. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 90. Acerca da natureza jurídica do direito de autor: “Independentemente da pluralidade de direitos que são atribuídos ao autor, parece-nos claro que todos esses direitos têm uma origem comum e um objeto comum: resultam da actividadde de criação intelectual e têm por objeto uma obra intelectual. O facto de o regime legal implicar tanto a atribuição de exclusivos de natureza patrimonial como faculdades destinadas a tutelar a personalidade do autor não deve elidir que, em termos de enquadramento, se trata de um direito que incide sobre uma realidade unitária, a qual consiste na obra intelectual. Entendemos por isso que o direito de autor corresponde a um direito-quadro, que engloba vários direitos subjectivos específicos que se unificam num complexo unitário: a permissão normativa de aproveitamento de uma obra intelectual.” LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito de Autor. 2ª Ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. 45. Sobre o conteúdo dos direitos de autor ver ASCENSÃO. José de Oliveira. Direito de Autor e Direitos Conexos. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 166 e seguintes. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: presentes nas hipóteses tradicionais de responsabilidade civil, cometida fora da internet. Esta, com sua capacidade de propagar informações num ambiente internacional31, apresenta dificuldades ao operador do direito de enquadramento dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil. A responsabilidade civil é tradicionalmente concebida como bipartida, dividindo-se em responsabilidade contratual ou responsabilidade aquiliana32. Existe entendimento no sentido de unificar esses dois conceitos33 e, por outro lado, entendimento de criar terceira via de a responsabilidade civil (especialmente para casos de responsabilidade quase-obrigacional, como as baseadas no dever de boa-fé contratual)34. Entretanto, no sentido dos ensinamentos de Mafalda Miranda Barbosa35, parte-se do pressuposto de que a responsabilidade civil é bipartida e quando houver as hipóteses da chamada terceira via de responsabilidade ocorrerá a necessidade ao concurso de responsabilidade civil extracontratual e responsabilidade civil contratual36. No presente estudo, a responsabilidade civil do autor, por lesar outrem em razão de uma criação sua publicada no ambiente virtual, na maioria dos casos, será a aquiliana. Em razão disso, cabe a análise dos pressupostos da responsabilidade civil para o enquadramento da responsabilidade do autor. Como pressupostos cumulativos tradicionais tem-se a conduta, a ilicitude, o nexo de causalidade, o dano e a culpa. 31 32 33 34 35 36 Para uma ampla abordagem acerca da relação entre direito e internet ver: EDWARDS, Lilian; WAELDE, Charlotte (Org.). Law and the Internet. Porland: Hart Publishing, 2009 De acordo com Mafalda Miranda Barbosa, “A primeira é entendida como uma resposta do ordenamento jurídico para casos de violação de direitos dotados com eficácia erga omnes; a segunda torna-se atuante no quadro do incumprimento de uma obrigação em sentido técnico, independentemente da fonte de onde brotou.” BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Lições de Responsabilidade Civil. Cascais: Principia, 2017, p. 13. Importante salientar que também existe doutrina no sentido de unificar a responsabilidade civil. Para maior aprofundamento ver TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 50-57. Sobre a terceira via de responsabilidade civil ver BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Lições de Responsabilidade Civil. Cascais: Principia, 2017, pp. 2238. Sobre o mesmo tema e com outra abordagem CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Direito das Obrigações, vol. VII, Coimbra: Almedina, 2014, pp. 400/403. Nesse sentido BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Lições de Responsabilidade Civil. Cascais: Principia, 2017, pp. 37-38. Sobre a concorrência de responsabildiades ver SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. In Boletim do Ministério da Justiça, n. 85, Abril, 1959. pp. 115-242, pp. 230-238. 183 184 BRUNA RIBEIRO DOS SANTOS TITONELI BERCO | ÁTHILLA S. DA SILVA A culpabilidade é análise subjetiva, ou seja, as circunstâncias que acarretaram no cometimento do fato gerador do dano37. A culpa, lato sensu, é “o juízo de censura que recai sobre aquele cuja actuação é reprovada pelo Direito.38”. Em sentido estrito, divide-se em dolo e culpa (negligência, imprudência e imperícia)39. No que se refere ao dano, como definição tem-se que “o dano pode ser genericamente entendido como a repercussão negativa que o ato ilícito tem na esfera jurídica do lesado.”40. A identificação do dano no âmbito da presente pesquisa não é tarefa simples e aqui parece estar a pedra de toque para o enquadramento da responsabilidade civil do autor. Afinal, é difícil mensurar a extensão do dano ocorrido no ambiente virtual para a quantificação da responsabilidade civil41. A ilicitude se manifesta pela violação de um direito subjetivo ou pela inobservância de norma de proteção. O rol de conteúdo ilícito que pode ser 37 38 39 40 41 Acerca da culpa ver BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Lições de Responsabilidade Civil. Cascais: Principia, 2017, pp. 227-248. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Direito das Obrigações, vol. VII, Coimbra: Almedina, 2014, p. 471. Patrícia Pinheiro entende que deve-se adorar a teoria do risco na responsabilidade civil no âmbito do chamado “direito digital”: “No direito tradicional, o conceito de Responsabilidade Civil adota duas teorias: a teoria da culpa e a teoria do risco. A principal diferença entre elas está na obrigatoriedade ou não da presença da culpa mesmo que levíssima, para caracterizar a responsabilidade e o dever de indenizar. Para o Direito Digital, a teoria do risco tem maior aplicabilidade, uma vez que, nascida na era da industrialização, vem resolver os problemas de reparação do dano em que a culpa é um elemento dispensável, ou seja, onde há responsabilidade mesmo que sem culpa em determinadas situações, em virtude do princípio de equilíbrio de interesses e genérica equidade.”. “Considerando apenas a Internet, que é mídia e veículo de comunicação, seu potencial de danos indiretos é muito maior que de danos diretos, e a possibilidade de causar prejuízo a outrem, mesmo que sem culpa, é real. Por isso, a teoria do risco atende às questões virtuais e a soluciona de modo mais adequado, devendo estar muito bem associada à determinação legal de quem é o ônus da prova em cada caso.”. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 514. Conforme BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Danos – Uma leitura personalista da responsabilidade civil. Cascais: Principia, 2018, p. 73. Nesse sentido: “Assim como é difícil valorar um conteúdo virtual, é igualmente difícil valorar o tamanho do dano causado por um conteúdo quando passa uma informação errada, calunia, ou manifesto contra determinada empresa. É praticamente impossível mensurar a extensão do dano; não há controle de tiragem e nem se sabe quantas vezes esse conteúdo foi duplicado, a não ser que se programe o conteúdo para tanto. É possível fazer uma programação que permita rastrear o conteúdo clicado ou baixado, mas aí estaríamos entrando na seara do Direito à Privacidade daquele usuário que teve contato com o conteúdo.”. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 205. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: veiculado pela internet é amplo42 e a ilicitude, por vezes, será verificada no caso concreto. Como exemplo de situações que poderiam ensejariam a responsabilidade civil do autor, tem-se: a) danos causados a terceiros: ressarcimento pelos dados; b) ofensas e insinuações sem provas à personalidades públicas; c) ofensas e insinuações sem provas à empresas; d) ofensas difamatórias e depreciativas profissionais; e) ofensas pessoais por vingança; f) utilização de marcas e indicação de informações distorcidas; g) criação de imagens através de adulteração; h) discurso de ódio; i) fake news; j) agressões à imagem (marca); entre tantos outros exemplos. Como último requisito tem-se o nexo de causalidade43. Este, tradicionalmente, é entendido como a ligação entre a conduta lesiva e o dano. Existe também a hipótese do abuso do direito44. Apesar de existir o amplo direito a liberdade de expressão45, conforme já estudado, este direito tem limites. Acerca dos limites tem-se a opinião do jurista português Adriano Vaz Serra: Como regra geral acerca da publicidade e da crítica, quando autorizadas, pode dizer-se que elas devem manter-se dentro dos limites impostos pela correcção: uma crítica desnecessariamente violenta, uma publicidade exagerada, um fim ilegítimo podem dar lugar a responsabilidade civil.46. 42 43 44 45 46 Para maior aprofundamento da temática no direito português ver CASIMIRO, Sofia de Vasconcelos. A Responsabilidade Civil pelo Conteúdo da Informação Transmitida pela Internet. Coimbra: Almedina, 2000. Interessante é o entendimento de Mafalda Miranda Barbosa na defesa do nexo de causalidade como nexo de imputação, bem como da natureza binária da responsabilidade (causalidade fundamentadora da responsabilidade e causalidade preenchedora da responsabilidade) e a natureza personalística da responsabilidade. Ver BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual. Volumes I e II. Cascais: Principia, 2013. Adriano Vaz Serra ao tratar do a abuso do direito de exprimir ou publicar pensamento que “A publicação, mesmo que não difamatória, mas prejudicial a outrem, dá lugar a responsabilidade civil, se os factos são inexactos com conhecimento de quem os publica ou se este os recolheu com negligência, se os factos são publicados em condições desleais ou deformados, com dolo ou culpa; em princípio se os factos respeitam a vida particular. Em algumas hipóteses, é de admitir que a publicação, ainda que sejam previsíveis os seus efeitos danosos, é permitida.”. SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Abuso de direito (em matéria de responsabilidade civil). In Boletim do Ministério da Justiça, n. 85, Abril, 1959. pp. 243-344, p. 287-288. Ver SOUSA, Rabindranath Capelo de. Conflitos entre a Liberdade de Imprensa e a Vida Privada.. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Abuso de direito (em matéria de responsabilidade civil). In Boletim do Ministério da Justiça, n. 85, Abril, 1959. pp. 243-344, p. 289. 185 186 BRUNA RIBEIRO DOS SANTOS TITONELI BERCO | ÁTHILLA S. DA SILVA Apesar deste não ser um assunto inovador, uma vez que a responsabilidade civil por lesões aos direitos de personalidade cometidas no ambiente virtual é analisada em diferentes países47, ainda terá muito o que evoluir no cenário jurídico nacional e internacional. Por fim, apesar de haver dificuldade, os tradicionais pressupostos da responsabilidade civil parecem ser suficientes para responder a cada uma destas hipóteses de lesão aos direitos de personalidade ocasionadas no ambiente virtual. Para tanto, é importante ter como balizador da conduta dos autores o direito a liberdade de expressão e o dever de não abusar de tal direito. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A digitalização das relações sociais é um verdadeiro desafio para o sistema jurídico. O direito, como um mecanismo de regulamentação da sociedade, deve dar respostas a esses novos problemas que surgem cotidianamente. Especificamente, sobre o tema abordado, verifica-se que o princípio da liberdade de expressão, ou o abuso dele, é o norte para a apuração da responsabilidade civil do autor de conteúdo (seja ele qual for) no ambiente virtual. Diante das diversas formas de expressão pelo ser humano e as diversas situações de abuso deste direito, há sempre a necessidade de analisar o caso concreto para averiguar se houve ou não dano à vítima, acompahando dos demais requisitos que configuram a responsabilidade civil. O papel de apurar a responsabilidade civil no ambiente virtual é, quase /que exclusivamente, do Poder Judiciário. 47 Edna Marton realiza uma diferenciação acerca das indenizações em que a Inglaterra apresenta os maiores valores de indenizações entre os quatro países estudados. MÁRTON, Edna. Violations of Personality Rights though the Internet: Jurisdictional Issues under European Law. London: Hart, 2016. Fazendo um paralelo entre as perspectivas da Alemanha, Hungria, França e Inglaterra sobre a responsabilidade civil e a proteção contra a invasão da privacidade e a difamação através da internet a jurista Edna Marton entende que: “Thirdly, as far as monetary compensation for non-pecuniary harm caused by violations of personality rights is concerned, the examined national laws differ in the use of presumption in respect of the proof of the non-pecuniary harm. The Ptk., the BGB and, for violations of rights other than real subjective rights, the CC, principally require the plaintiff to demonstrate his non-pecuniary harm. By contrast, the új Ptk., regarding violations of real subjective rights, the CC, and, after determining that the words complained of are defamatory, s.1(1) of Defamation Act 2013, display a more liberalised picture, since as a general rule, they presume existence of such harm”. MÁRTON, Edna. Violations of Personality Rights though the Internet: Jurisdictional Issues under European Law. London: Hart, 2016, p. 53-54. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Identificados todos os requisitos, o prestador da tutela jurisdicional deverá determinar a indenização coerente àquele que se considera vítima do ato ilícito praticado no ambiente virtual. Para que não atinja a esfera jurídica da responsabilização civil, necessário se faz uma autoanalise pelo autor do conteúdo que pretende vincular na Internet, antes da prática do ato ilícito. Por derradeiro, mesmo se tratando do meio virtual, que nos traz, até o momento, muito mais dúvidas do que certezas, as normas civis existentes parecem ser suficientes para punir o autor que age em desconformidade. REFERÊNCIAS ASCENSÃO. José de Oliveira. Direito de Autor e Direitos Conexos. Coimbra: Coimbra Editora, 1992. BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Lições de Responsabilidade Civil. Cascais: Principia, 2017 BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda. Do nexo de causalidade ao nexo de imputação: contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual. Volumes I e II. Cascais: Principia, 2013. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. CASIMIRO, Sofia de Vasconcelos. A Responsabilidade Civil pelo Conteúdo da Informação Transmitida pela Internet. Coimbra: Almedina, 2000. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Direito das Obrigações, vol. VII, Coimbra: Almedina, 2014. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito de Autor. 2ª Ed., Coimbra: Almedina, 2018. MÁRTON, Edna. Violations of Personality Rights though the Internet: Jurisdictional Issues under European Law. London: Hart, 2016. MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. PECK, Patrícia, ROCHA, Henrique. Advocacia Digital. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016. 187 188 BRUNA RIBEIRO DOS SANTOS TITONELI BERCO | ÁTHILLA S. DA SILVA SOUSA, Rabindranath Capelo de. Conflitos entre a Liberdade de Imprensa e a Vida Privada.. Coimbra: Coimbra Editora, 1998. SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz. Abuso de direito (em matéria de responsabilidade civil). In Boletim do Ministério da Justiça, n. 85, Abril, 1959. pp. 243-344, p. 289. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018. O DIREITO DE AUTOR ENTRE O INTERESSE PRIVADO E O INTERESSE PÚBLICO Carolina Costa1 A intriga morre, o mérito fica: a obra immortal não cabe às mãos da ignorância malévola; bem o sei; mas o pobre auctor custou-lhe talvez a saúde ou a vida: os casos nem são raros nem ignorados. Que importa que a posteridade stygmatise os Frerons depois?” Almeida Garrett, 18 de Maio de 1839 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: POSIÇÃO DO PROBLEMA Em O Nome da Rosa, Umberto Eco retrata a vida num mosteiro beneditino e o papel dos monges na produção e conservação dos livros. Este “modo de produção” viria a ser substituído pela imprensa, ao tornar possível a industrialização do livro e o comércio livreiro em larga escala. Surgem então os privilégios régios de impressão, mais tarde substituídos pelas leis do copyright e dos direitos de autor, a primeira delas a Lei da Rainha Ana de Inglaterra, de 1709/10, intitulada “An Act of Encouragement of Learning”. A colocação do copyright ao serviço da educação encontra-se logo na matriz ou génese destes direitos, destacando-se o papel das bibliotecas e das instituições de ensino na prossecução do interesse público subjacente aos direitos de autor.2 1 2 Mestranda em ciências jurídico-empresariais, menção em direito empresarial da Universidade de Coimbra. Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra. PEREIRA, Alexandre Dias. Os direitos de autor em bibliotecas e arquivos públicos: desenvolvimentos recentes na União Europeia. In Revista de Direito Intelectual, n.º 1, pp. 25-36, 2019. Sobre os direitos de autor nas bibliotecas e arquivos, ver também WIPO Standing Committee on Copyright and Related Rights, Study on copyright limitations and exceptions for libraries and archives: updated and revised by KENNETH CREWS, Geneva, 2017; TRABUCO, Claudia. Direito de Autor e Universidades: algumas notas. In Revista de Direito Intelectual. n.º 1, pp. 133-149, 2014. 190 CAROLINA COSTA Os direitos de autor conferem ao autor, na sua vertente patrimonial, um direito exclusivo de retirar vantagens económicas da exploração da obra. Não obstante, cumpre lembrar que nenhum direito é absoluto ou ilimitado, estando outrossim ligados por uma lógica de responsabilidade social emergente das inevitáveis situações de conflito entre si. Em boa verdade, o sistema dos direitos fundamentais, aos quais o direito de autor se subsume ao abrigo da liberdade de criação cultural tutelada no art. 42º CRP, é, paradoxalmente, “intrinsecamente conflitual, e a afirmação plena dos direitos fundamentais de uns não pode fazer-se, as mais das vezes, sem prejuízo dos direitos de outros ou de valores comunitários essenciais”3. Na génese de um limite encontra-se sempre uma motivação de interesse geral, quer sejam os interesses públicos ou gerais, quer sejam os interesses do público em geral. Aos interesses do autor contrapõem-se interesses de índole social, incluindo interesses dos pretensos utilizadores da obra. “O homem, à semelhança de Deus, cria. A criação literária e artística recebe a tutela do Direito de Autor.”4 É através da outorga do exclusivo que se pretende compensar o autor pelo contributo criativo trazido a uma sociedade sequiosa de cultura. Ambos os interesses corporizam pretensões legítimas. Por um lado, de assegurar a liberdade económica do autor no sentido de garantir a sua liberdade de expressão e promover, desta forma, a própria cultura, e, em última análise, retribuir o seu trabalho criador - que, como qualquer outro trabalho, merece justa contrapartida -; por outro, a necessidade social de difusão dos conhecimentos e cultura que obrigará ao sacrifício do direito individual do autor, e que poderá, inclusive, ser vista como ínsita à própria natureza das obras, cujo destino natural será a sociedade, o público que com elas se irá culturalmente enriquecer. Neste sentido, ergue-se a reflexão sobre o equilíbrio certo a tomar entre um e outros5, reflexão, de resto, “de inequívoca actualidade numa 3 4 5 ANDRADE, José Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª ed, 2017, pp. 192-193. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direito de Autor e Direitos Conexos, 2012, p. 11. Para uma síntese da doutrina que propugna a ponderação da protecção dos direitos relacionados com a propriedade intelectual com a de outros direitos fundamentais, vide GEIGER, Christopher. The social function of intellectual property rights or how ethics can influence the shape and use of IP law” In DINWOODIE, Graeme (ed.), Methods and Perspectives in Intellectual Property Law, pp. 153-176, 2013. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: época, como a presente, em que se alude frequentemente a uma «mudança de paradigma» do Direito de Autor”6. 2 OS DIREITOS DE CARÁCTER PATRIMONIAL Os direitos de autor são direitos geminados.7 De epígrafe “Conteúdo do direito de autor”, dispõe o artigo 9º do CDADC que este “abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais”8.9 Na sua vertente patrimonial, o direito de autor, na ordem jurídica portuguesa, consubstancia, de acordo com o preceituado no art. 67º/1 CDADC, o “direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte”, bem como de “autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente” (art.9º/2 CDADC), entendendo-se que “a garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objecto fundamental da protecção legal” (art.67º/2 CDADC). Neste sentido, devem ser consideradas livres as actividades que não influam de forma negativa na exploração económica da obra. Os poderes relativos ao conteúdo patrimonial gozam da dimensão de disponibilidade, num duplo sentido: por um lado, o titular do direito (originário ou já transmissário) pode autorizar a utilização da obra por terceiro, situação em que não há transmissão do 6 7 8 9 VICENTE, Dario Moura. O equilíbrio de interesses no Direito de Autor. In Separata de Direito da Sociedade de Informação, vol. IX, 2011, pp. 251. “Os direitos de autor são direitos gémeos: formam-se num mesmo ovo, mas separam-se à nascença.” Sobre a controvérsia em torno de saber se a estrutura dos direitos de autor é monista ou dualista, vide PEREIRA, Alexandre Dias. Direitos de Autor e Liberdade de Informação, 2008, pp. 482-488. Os direitos pessoais de autor encontram-se intimamente relacionados com a preservação da genuinidade e integridade da obra, protegendo-se o laço pessoal que se cria entra a obra e o seu criador, fruto da liberdade de criação cultural que a este é assegurada, independentemente das práticas de teor patrimonial à obra afectas. O criador intelectual é o dono e senhor originário da sua criação no comércio jurídico e, investido dessa posição, é-lhe reconhecido o poder de decidir se e quando a obra é divulgada, bem como, ponderosas sejam as motivações, de interromper a circulação da obra. É-lhe igualmente assegurado o direito de ser conhecido e reconhecido como autor que é, bem como o de preservar a obra tal como a exteriorizou. O direito autoral consubstancia, na nossa visão, um direito unitário que, contudo, comporta duas vertentes: a vertente pessoal ou moral e a vertente patrimonial ou económica. Advém deste circunstancialismo a nossa preferência pela terminologia plural “direitos de autor” vertida no Código Civil e na Constituição, em detrimento da singular “direito de autor” utilizada no CDADC. 191 192 CAROLINA COSTA direito, mantendo-se este na esfera do titular (arts. 40º a) e 41º/1 CDADC); por outro lado, permite a lei ainda a transmissão ou oneração do conteúdo patrimonial do direito de autor sobre a obra, no todo ou em parte (arts. 40º b) e 43º a 46º CDADC).10 São reservadas ao titular do direito patrimonial de autor diversas faculdades de utilização das obras que integram o exclusivo jusautoral. O direito exclusivo de exploração económica não se cinge, porém, às formas de utilização tipificadas na lei, por duas ordens de razão, ambas previstas no art. 68º CDADC: a primeira, no número 1, uma vez que é dito que a exploração e utilização da obra se podem fazer “por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou de que futuro o venham a ser”; a segunda, no número 2, onde se consagra o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou através de representantes os enumerados nas alíneas subsequentes, que assiste “entre outros” ao autor. Fica, assim, patente a fluidez de contornos deste direito, exprimindo o exclusivo assegurado ao criador intelectual mediante o recurso a um catálogo aberto de utilizações possíveis, cujo conteúdo se irá completando à medida que o progresso tecnológico traga novas formas de aproveitamento da obra.11 II. Os direitos do criador intelectual beneficiam da tutela constitucional ao abrigo da liberdade de criação cultural (cfr. art. 42º CRP). Além dos interesses de carácter individual, nomeadamente em dispor de modo exclusivo da sua obra, aproveitando os benefícios económicos da sua exploração, bem como o de ver respeitada a genuinidade e integridade da sua criação, avultam ainda interesses de cariz social. Entre eles, destaca-se 10 11 A referida susceptibilidade de transmissão ou oneração do direito patrimonial de autor consubstancia o traço distintivo essencial entre este e o direito pessoal (cfr. art. 42º CDADC), a par da possibilidade de renúncia - ressalvadas as excepções -, vedada ao segundo. Acrescentando ao elenco a perpetuidade do direito pessoal, contrária à caducidade do direito patrimonial, REBELLO, Luiz Francisco. Introdução ao Direito de Autor, vol. I, Lisboa, 1994, p. 156. Em sentido diverso, e propugnando a ficção da perpetuidade do direito moral, PEREIRA, Alexandre Dias, op. cit., p. 479. Com efeito, no que à dimensão de imprescritibilidade diz respeito, e munida do entendimento de que este direito se perpetua após a morte do autor, cujo exercício fica a cargo dos seus sucessores, é do maior interesse notar que, ainda que o teor literal da norma dê origem a diferentes acepções, nomeadamente no sentido de considerar a perpetuidade deste direito moral, uma vez caída a obra no domínio público (decorrido o espaço temporal reservado à proteção privada da obra) é ao Estado que compete a referida defesa da genuinidade e integridade da obra enquanto, agora, parte do património cultural. Sobre a modernização do direito de autor na União Europeia, PEREIRA, Alexandre Dias. A Modernização do Direito de Autor na União Europeia e a sua implementação em Portugal. In: Revista de Direito Intelectual, nº 2, 2017. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: promoção da criatividade: o direito de autor, na medida em que proporciona ao seu titular uma remuneração do seu esforço e investimento, constitui um estímulo à produção de obras literárias, científicas e artísticas.12 3 A PROTECÇÃO JUSAUTORAL Vários são os instrumentos do ordenamento jurídico português cuja utilização contribui para a manutenção do equilíbrio dos interesses supra expostos. Entre eles, e de matricial importância, ressaltam os requisitos a preencher para que determinada obra possa ser alvo da protecção conferida pelo direito de autor. No limite, só fará sentido pensar em limites à protecção da obra quando a ela (a protecção, entenda-se) haja lugar. Diz o art.1º/1 CDADC que se consideram obras susceptíveis de protecção “as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas”. Daqui se infere serem quatro os pressupostos da tutela. Em primeiro, a exigência de existência de uma criação cultural, um produto da mente humana, ao invés de uma obra da natureza. Em segundo, a referência às criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico no sentido de que não é obra protegida toda e qualquer criação cultural. Depois, é necessário que a obra tenha um mínimo de originalidade13, i.e., que represente um esforço intelectual próprio do criador, e, por último, alude-se à dimensão de exteriorização, deixando claro que o que se protege não são as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, mas sim a forma expressiva literal ou externa.14 12 13 14 VICENTE, Dario Moura. O equilíbrio de interesses no Direito de Autor, cit., p. 250. “A tutela da criação literária e artística faz-se basicamente pela outorga de um exclusivo. A actividade de exploração económica, que de outro modo seria livre, passa a ficar reservada para o titular. Deste modo se visa compensar o autor pelo contributo trazido à sociedade. Por isso, esta aceita o ónus que representa a imposição do exclusivo. Todo o direito intelectual é assim acompanhado da consequência negativa de coartar a fluidez na comunicação social, fazendo surgir barreiras e multiplicando as reivindicações.” ASCENSÃO, José de Oliveira, op. cit., p. 12. Ainda que a lei não preveja de forma expressa a originalidade da obra, não pode considerar-se a sua omissão, dadas as metas prosseguidas pelo Direito de Autor, nomeadamente a de estimular a criatividade e produção de bem culturais. De resto, vários são os afloramentos no CDADC, v.g., os arts.2º/1 m), e 4º/1. Note-se, porém, que, determinadas criações intelectuais, ainda que cumpram os requisitos acima referenciados, não farão parte do círculo da protecção jusautoral (cfr. arts.7º e 8º CDADC). 193 194 CAROLINA COSTA 4 UTILIZAÇÕES LIVRES DECORRENTES DO RESPEITO POR (OUTROS) DIREITOS FUNDAMENTAIS O exclusivo de exploração económica sofre, entre outros, limites decorrentes das regras de utilização livre. Trata-se de limitações impostas pelo interesse geral da comunidade que revelam os fins sociais que informam o direito de autor. Isto significa que a interpretação da lei dos direitos de autor em conformidade com a constituição deverá atender não apenas à protecção do exclusivo enquanto propriedade mas também aos limites que a lei lhe impõe em virtude de outros valores constitucionais, em especial dos direitos fundamentais da comunicação concorrentes com os direitos de autor. Esta linha de argumentação tem sido objecto recentemente de diversas abordagens, conquanto não seja isenta de dificuldades. O seu maior interesse consiste em compreender os direitos de autor em contexto, ao invés de os remeter para um plano a-constitucional ou pelo menos de limitar a sua relevância constitucional ao prisma da protecção dos interesses dos titulares de direitos. O interesse geral justifica que a utilização de obras seja lícita sem necessidade de autorização do autor quando, de um modo geral, se destine a fins de informação, arquivo, ensino, investigação científica e crítica (cfr. art.75º CDADC). Como formas de utilização livre para fins de informação a lei prevê, nomeadamente, a reprodução por meios de comunicação social, por extrato ou em forma de resumo, a selecção regular de artigos de imprensa periódica, sob forma de revista de imprensa, e a citação de obras literárias ou artísticas em relatos de acontecimentos de actualidade (art.75º/2 b), c), d) CDADC). A liberdade destas utilizações encontra a sua A protecção jusautoral encontra-se ainda subordinada a limites temporais (cfr. arts. 31º e 37º CDADC). A directiva n.º 93/98, de 29/10/1993 veio consagrar o princípio dos 70 anos post mortem auctoris, nos termos do qual a protecção conferida pelos direitos de autor sobre as obras artísticas e literárias se prolonga durante a vida do autor e setenta anos após a sua morte, mesmo que, na redação do art. 31º CDADC, a obra só tenha sido publicada ou divulgada postumamente. Decorrido o tempo que a lei estipula, a obra cai no domínio público, podendo ser, a partir daí, livremente usada, cabendo ao Estado a defesa da sua genuinidade e integridade. Pretende-se igualmente moldar um compromisso entre a estimulação da produção intelectual e a livre fruição da obra – que, se assume, de resto, da maior importância naquilo que é a própria criação de novas obras, conquanto se possa dizer que o progressivo alargamento do prazo de protecção do direito de autor (que, entre nós, até 1997 era de 50 anos post mortem auctoris) tem vindo a resultar numa certa erosão do domínio público. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: justificação em direitos fundamentais da comunicação constitucionalmente garantidos.15 A utilização diz-se livre no sentido de que não é necessária a autorização do titular dos direitos. Porém, deverá ser acompanhada da indicação, por exemplo, do nome do autor, do editor e do título da obra, sendo conferida em alguns casos uma remuneração equitativa ao autor e/ou editor (art.76º/1 CDADC). Assim é, por exemplo, no casos das restrições para arquivo: as bibliotecas públicas, os centros de documentação não comerciais ou as instituições científicas ou de ensino podem reproduzir, total ou parcialmente, obras previamente tornadas acessíveis ao público, desde que essa reprodução, e os respectivos exemplares, não se destinem ao público, se limitem às necessidades das actividades próprias dessas instituições, incluindo para fins de preservação e de arquivo, e não visem a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta (art.75º/1 e) CDADC); para além do requisito da identificação, essa utilização livre deve ser acompanhada de uma remuneração equitativa a atribuir ao autor e ao editor pela entidade que tiver procedido à reprodução (art.76º/1 b) CDADC). O mesmo vale, mutatis mutandis, para a inclusão de peças curtas ou fragmentos de obras alheias em obras próprias destinadas ao ensino ou a reprodução efetuada por instituições sociais sem fins lucrativos, tais como hospitais e prisões, quando a obra seja transmitida por radiodifusão (art.75º/2 h) e p) e art.76º/1 c) CDADC). Além disso, a utilização livre depende de a obra utilizada não se confundir com a obra de quem a utilize e/ou de utilização ser tão extensa que prejudique o interesse por essas obras (art.76º/2 CDADC). Assim é, por exemplo, nos casos em que se admite a reprodução de obras para fins de informação por extrato ou em forma de resumo, ou em relatos de acontecimentos de actualidade, bem como a reprodução e comunicação ao público para fins de ensino, ou a reprodução para arquivo, a inserção de citações ou resumos de obras alheias, quaisquer que sejam o seu género e natureza, em apoio das próprias doutrinas ou com fins de crítica, discussão ou ensino (art. 75º/2 e), f), g), h) CDADC). Tal como permitido pela Directiva 2001/29, a lei portuguesa consagrou, em condições restritas, a liberdade de actos de reprodução e de comunicação ao público para fins de ensino (art. 75º/2 f) CDADC). 15 Seguimos de perto PEREIRA, Alexandre Dias. Direito de autor e Liberdade de informação, cit., pp. 538 e ss. 195 196 CAROLINA COSTA O direito de citação, previsto no art. 10º da Convenção de Berna, deve ser exercido em respeito pelos bons costumes, embora se “for objectivamente justificada, nenhum limite de extensão lhe pode ser imposto”16. Entre outros limites, a lei portuguesa permite ainda, relativamente a obras não disponíveis no comércio ou de obtenção impossível, a sua reprodução pelo tempo necessário à sua utilização, se for realizada para fins de interesse exclusivamente científico ou humanitário (art. 81º a) CDADC). II. No que diz respeito à natureza dos limites17 aos direitos de autor, duas são as perspectivas em confronto.18 Uma perspectiva absolutista, que pretenda maximizar os proveitos mercantis da exploração das obras, propugnará uma interpretação restritiva das normas de utilização livre, considerando-as excepções externamente impostas e contrárias à natureza absoluta dos direitos, insusceptíveis por isso de aplicação analógica. Numa palavra, excepções só as previstas na lei e nos termos estritos da previsão legal. Contudo, uma perspectiva orientada por argumentos de índole funcional defenderá que as regras de utilização livre se encontram ao serviço de liberdades fundamentais da pessoa humana (em especial, a liberdade de informação e de expressão, de aprendizagem, e de criação cultural). e que o exclusivo de exploração económica se destina a proteger os interesses da normal exploração mercantil das obras literárias ou artísticas, em respeito não apenas pelos limites específicos dos direitos exclusivos decorrentes dessas liberdades, mas também pelas exigências do direito da concorrência e, em especial, dos direitos dos consumidores. 16 17 18 ASCENSÃO, José de Oliveira, op. cit., pp. 218-219. “Fala-se frequentemente de «limitações ao direito de autor». Elas abrangeriam afinal tudo aquilo que impede que o direito de autor tenha carácter absoluto. Toda a regra negativa seria limitação do direito de autor. Na realidade, assim como não há que falar duma propriedade absoluta, também é deslocado partir do pressuposto de um direito de autor ilimitado. Todo o direito se desenvolve em certa esfera, marcada por lei por regras positivas ou negativas. Estas regras são elementos constitutivos da atribuição em que o direito se cifra, tanto como as regras positivas. (...) O Direito de Autor realiza a conciliação de interesses públicos e privados, de regras de cultura com preocupações de remuneração do autor, e assim por diante. É a resultante desse acervo de regras positivas e negativas. Por isso, os limites, como o seu nome indica, delimitam intrinsecamente os direitos; não são obstáculos exteriores a uma imaginária ilimitação.” ASCENSÃO, José de Oliveira, op. cit., pp. 212 e ss. Acompanhamos de perto PEREIRA, Alexandre Dias, op. cit., pp. 540 e ss. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Da nossa parte, consideramos mais adequada esta segunda perspectiva que decorre, desde logo, da contextualização constitucional dos direitos de autor, no sentido de os afirmar também como restrições aos direitos fundamentais da comunicação, em especial a liberdade de informação. 5 PERSPECTIVAS DIALOGAIS Já houve, em tempos, quem considerasse o destino social das obras de tal forma determinante que não deixasse espaço para a defesa dos legítimos interesses do autor. Assim era a posição de Alexandre Herculano, contestando que o direito de autor pudesse insurgir-se como um direito de propriedade do criador. As ideias, eis que saem do mero domínio do pensamento para entrar num livro, num quadro, numa estátua, caem no património intelectual comum, tornando-se tanto daqueles que as compreendem como dos que as haviam concebido. O autor e o artista não são produtores ordinários. A sua recompensa está na glória de se elevarem acima dos seus contemporâneos e de conquistarem um nome que se conservará respeitado na memória de gerações futuras: Le génie et l’intérêt font deux19. Esta construção ideológica não resistiu, porém, ao argumento de Beaumarchais, segundo o qual “sendo, realmente, a glória uma coisa atraente e sedutora, é preciso, todavia, não esquecer que, para fruição dela, em cada ano a natureza condena os escritores a jantar 365 vezes”. Avesso a esta posição era também Almeida Garrett – enquanto pai do direito de autor em Portugal. O espírito cria o pensamento: cria-o elle só, é só seu. Mas para que esta creação invisível se fecunde, tome corpo, seja vista, sentida, avaliada, para que della resulte gloria, proveito ao auctor, é necessária a palavra e o escripto, mas que é nulla e como se não fora, sem os olhos e os ouvidos, e a percepção daquelles a quem comunica. (...). Logo não basta a creação mental para fazer existir a propriedade litteraria, 19 O génio é incompatível com o interesse material. Vide, 1º VISCONDE DE CARNAXIDE, Tratado da Propriedade Literária e Artística, 1918, p. 36. 197 198 CAROLINA COSTA é precisa a concurrencia da sociedade, e d’ahi é manifesto que a propriedade literária fica indivisa entre a sociedade e o auctor.20 Assim colocou o problema. Em causa está, mais uma vez, o confronto entre os dois polos de atracção do meio jurídico: o interesse privado e o interesse público. Da mesma forma que, na dialética histórico-jurídica, “a concepção baseada na hipertrofia exclusivista do direito subjectivo – sobretudo o direito de propriedade – cedeu o passo, ou foi temperada, pela consideração da sua função social, também no campo do direito de autor uma evolução idêntica se processou”21, tendo sido o direito de propriedade literária comprimido, no seu conteúdo e limites, em razão do interesse geral da comunidade. Há, inclusive, quem entenda que o direito de autor consubstancia um travão à expansão da cultura (entendida em sentido amplo). Que a necessária autorização do autor e a remuneração que lhe é devida pela utilização que da obra intelectual é feita impedem ou dificultam a sua comunicação ao público, principalmente quando se afigura não haver fim lucrativo, mas somente cultural. Defendem alguns que tal pode até ser um atentado aos ideais de liberdade. Parece-nos flagrante, no entanto, a fragilidade desse argumento, as mais das vezes empossado por empresários ou usuários em geral, que vêm tomar demagogicamente a defesa do consumidor em benefício próprio. Não são as medidas destinadas à protecção dos direitos do autor que constituem entrave ao livre fluxo da cultura, mas sim os interesses a ela afectos que norteiam a actual sociedade do consumo, de olhos postos na maximização de lucro. “A cultura pressupõe a criação intelectual, e esta será tanto mais livre e progressiva quanto mais economicamente independente for o criador”; o respeito pelo direito de autor vem garantir esta independência.22 Afigura-se, desta forma, a justeza da pretensão dos criadores intelectuais de querer ver a sua obra protegida, não só no sentido de não ver a sua integridade e genuinidade violadas, mas também para dela poder aproveitar determinado benefício económico. 20 21 22 GARRETT, Almeira. Projecto de Lei sobre a propriedade litterária e artística. Apresentado na Câmara dos Deputados, em Sessão de 18 de Maio de 1839. PEREIRA, Antonio Maria. O direito de autor e a sua duração. In Revista da Ordem dos Advogados, ano 22, 1962. p. 60. REBELLO, Luiz Francisco. op. cit., p. 596. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: Todavia, tal circunstância não pode ser levada ao limite de postergação incondicional dos restantes interesses em jogo, de forma a evitar que a comunidade carregue, pelo benefício que colhe da obra intelectual, fardo desmesurado relativamente ao que se entenderia ser razoável. Casos há em que o direito individual que ao autor pertence terá de ser sacrificado em nome de outros interesses sociais, cujo respeito figura também como uma das vocações do direito de autor, na medida do entendimento de que a obra se destina, por definição, ao público, àqueles que se vão enriquecer culturalmente ao dela beberem. O interesse fracturante desta questão, que de resto tanta tinta tem feito correr, situa-se na compreensão dos direitos de autor em contexto, em vez de os remeter para um plano a-constitucional.23 Deve ter-se presente que estes direitos surgem como restrições a outros direitos e valores constitucionais, daí que deva ser feita uma cuidadosa ponderação legislativa (e convencional) entre os interesses do autor e os interesses da comunidade em geral. Em termos jurídico-constitucionalmente fundados, as limitações ao direito de autor encontram abrigo em determinados interesses da comunidade, “cuja ponderação poderá levar a soluções de concordância prática, ou mesmo de prevalência relativamente aos direitos de autor”24. Nesta linha de raciocínio, tais limitações não poderão deixar de obedecer aos requisitos próprios das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que garantirão a sua validade. A saber: a) salvaguarda dos direitos de personalidade (direitos morais); b) observância do princípio da proporcionalidade; c) exigência da salvaguarda do núcleo essencial e d) justa remuneração ou remuneração equitativa pelo sacrifício dos direitos de exclusivo25. No entanto, e olhando de diferente ângulo, entende-se que os “monopólios intelectuais” surgem também como “árvore caída” nas “auto-estradas da informação”. A circunstância de estas liberdades fundamentais não virem, em primeira linha, à “epifania nas leis de direitos de autor, não significa que devam ser desconsideradas ou tidas em conta apenas na estrita medida da previsão legal”. Pelo contrário, entende-se que se devem situar à justa altura dos direitos fundamentais que propugnam, enaltecen- 23 24 25 PEREIRA, Dias, op. cit., p. 538. CANOTILHO, Gomes. Liberdade e exclusivo na Constituição. In: Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2008, p. 226. CANOTILHO, Gomes. Liberdade e exclusivo na Constituição. In: Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2008, pp. 227-228. 199 200 CAROLINA COSTA do-se a sua força vinculante face àquilo que o legislador constitucional visou proteger com a sua previsão. Estas liberdades fundamentais devem continuar como alicerces válidos da arquitectura normativa da sociedade da informação e do comércio eletrónico, ao invés de serem eclipsadas por direitos de exclusivo cada vez mais absolutos, segundo as possibilidades da técnica.26 6 BREVE ALUSÃO À PROJECÇÃO DA QUAESTIO ALÉM-FRONTEIRAS No direito internacional, a Convenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas (1988) consagra o direito exclusivo de reprodução, mas prevê a possibilidade de os Membros da União estabelecerem excepções a esse direito segundo a regra dos três passos (art.9º), para além de consagrar expressamente o “direito de citação” e outras utilizações lícitas a título de ilustração do ensino segundo os bons usos (art.10º). Em 1996, o Tratado da OMPI sobre direito de autor (TODA) visou harmonizar direitos não expressamente previstos na Convenção de Berna, incluindo um direito de colocação à disposição do público (“making available”) num grande direito de comunicação ao público, mas ressalvando novas e velhas excepções segundo a regra dos três passos (art.10º). Na União Europeia, a Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, ressalvou a possibilidade de os Estados-Membros preverem excepções e limitações em determinados casos, nomeadamente para fins de ensino ou de investigação científica, a favor de instituições públicas como bibliotecas e arquivos, e ainda para efeitos de notícias, citações, etc. As excepções aos direitos exclusivos a favor destas instituições contemplam, por um lado, actos específicos de reprodução praticados por bibliotecas, estabelecimentos de ensino ou museus acessíveis ao público, ou por arquivos, que não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta (art.5º/2 c)); e, por outro lado, a utilização por comunicação ou colocação à disposição, para efeitos de investigação ou estudos privados, a membros individuais do público por terminais destinados para o efeito nas instalações desses estabelecimentos, de obras e outros materiais não sujeitos a condições de compra ou licenciamento que fazem parte das suas colecções (art.5º/3 n)). 26 PEREIRA, Dias, op. cit., p. 186. NOVOS DIREITOS INTELECTUAIS: A aplicação das excepções é confinada a certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem de modo irrazoável os legítimos interesses do titular do direito (art.5º/5).27 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A regulamentação jurídica dos direitos de autor corporiza uma disciplina de interesses: dum lado, os interesses dos autores; do outro, os interesses de todos os que pretendem, por qualquer modo, servir-se das obras dos autores. Uma breve apreciação do estado da arte da questão sub judice sugere que em terrenos movediços onde se discutem as repercussões da tutela da propriedade intelectual, em particular dos direitos de autor (in casu, o direito patrimonial de autor), sobre (outros) direitos fundamentais, se vem falando num conceito de justo equilíbrio que carece ser esmiuçado e precisado. Com efeito, compreende-se que se o acesso das massas à cultura e à educação depende de como as obras literárias e artísticas são divulgadas, seria injusto que se atendesse unicamente ao interesse do autor daquelas, com desprezo por todos os consumidores dos produtos do espírito humano. Todavia, é a todas as luzes justíssimo e indiscutível que o autor deva ser compensado pela obra que trouxe ao mundo. O repto prende-se com a necessidade de encontrar um meio-termo entre a vantagem social de estabelecer exclusivos temporários, que beneficiem ramos de actividade socialmente úteis e permitam a quem contribuir com obras e os outros bens intelectuais susceptíveis de exclusivo uma remuneração justa, frente à necessidade social oposta de manter quanto possível desobstruídas as vias da comunicação e do diálogo social.28 REFERÊNCIAS ANDRADE, José Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª ed, 2017. 27 28 Ocupando-se detidamente sobre a questão vide, desenvolvidamente, PEREIRA, Dias. Os direitos de autor em bibliotecas e arquivos públicos: desenvolvimentos recentes na União Europeia, cit., pp. 25-36. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direitos intelectuais: propriedade ou exclusivo?. In Themis, ano IX, nº15, 2008, p. 138. 201 202 CAROLINA COSTA ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direito de Autor e Direitos Conexos, 2012. _______. Direitos intelectuais: propriedade ou exclusivo? In: Themis, ano IX, nº15, 2008. CANOTILHO, Gomes. Liberdade e exclusivo na Constituição. In: Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2008. GARRETT, Almeira. Projecto de Lei sobre a propriedade litterária e artística. Apresentado na Câmara dos Deputados, em Sessão de 18 de Maio de 1839. GEIGER, Christopher. 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