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A Restauração de 1640 “Aclamou Portugal subitamente Rei, reconhecendo até agora outro. Pode-se perguntar, que direito teve para o fazer? E o [sic] em que se fundou o mesmo Rei para aceitar? Juntamente que causas houve para mudança tão repentina?” (António Pais Viegas, Manifesto do Reino de Portugal, 1641)1 Quais foram as causas da Restauração? E qual foi o discurso que a legitimou? A oposição aos Habsburgo tornou-se evidente em 1635, quando se inicia o conflito entre a Espanha e a França, e Portugal se recusa a contribuir financeiramente para o esforço de guerra. Surge então o partido dos “populares”, de que faziam parte letrados e aristocratas, que Madrid apelidou pejorativamente de “parcialidad infecta”. O forte apoio social à Restauração que, começando em Lisboa, rapidamente se alastrou pelo território português, é também fruto das tensões geradas pelas revoltas antitributárias a partir de 1637, pela tentativa de forçar a nobreza portuguesa a participar na guerra da Catalunha, pela substituição do Conselho de Portugal por juntas em 1639 e pela chamada de fidalgos para a corte de Madrid, que instrumentalizavam “o favor régio em seu benefício” (VALLADARES, 2006, p.272). O reino perdia assim riqueza, autonomia, enquanto lutávamos as guerras de outros, que afetavam o nosso comércio com o Brasil e a Europa setentrional. O velho anticastelhanismo cultural português ia ganhando forças. Mas a iniciativa não partiria nem dos “populares” nem da alta nobreza secular ou eclesiástica, estabelecida que estava no regime, com todas as mordomias, apesar das recentes medidas fiscais que também os afetavam. Os quarenta2 fidalgos, “quarenta da fama”, que conjuram o golpe palaciano de 1 de Dezembro de 1640, têm portanto uma extensa base social de apoio. Embora os conjurados contassem com a adesão popular, o povo não teve uma participação direta, apesar de envolvido no espetáculo mediático montado em Lisboa, com a defenestração de Miguel de Vasconcelos e a procissão com direito a “milagre”3, conduzida por D. Rodrigo da Cunha. Tinham, sim, o apoio implícito do baixo clero, dos jesuítas e de homens de negócios, em particular dos ligados às exportações (RODRIGUES, 1996). Os conjurados são sobretudo jovens fidalgos da nobreza média, residentes em Portugal, elementos da classe dominante mas não dirigente, nobreza marginalizada ou com 1 Conforme citado em RODRIGUES-MOURA, 2011, p.289, 290 Ou quatro, na perspetiva de Valladares, que só conta com a nobreza titular, que ele identifica no Marquês de Ferreira e nos condes de Vimioso, Atouguia e Castanheira. Torgal e Barros, porém, excluem este último (TORGAL, 1984, p.308; BARROS, p.22), com base nas “fontes” Padre Nicolau da Maia e Conde da Ericeira, respetivamente. 3 Lenda do braço do Cristo crucificado, mais um elemento (o apoio divino) usado no discurso de legitimação da Restauração (RODRIGUES-MOURA, 2011, P.297) 2 Crescêncio Ferreira Aluno nº 1000692 História de Portugal Moderno E-Fólio A 2012-2013 Página 1 A Restauração de 1640 interesses no ultramar (TORGAL, 1984), nobreza provincial, portanto, com muitos Alcaides-mores, para além do séquito de parentes e amigos. (VALLADARES, 2006) Eram tempos em que corria o sebastianismo, a promessa messiânica de dias melhores, lia-se o Bandarra. António Carvalho de Parada, na sua Arte de Reinar, de 1643, punha a tónica no discurso legitimador da Restauração, vendo-a como um Renascimento Português, pois, dizia, estava “reverdecendo neste nosso Reino a idade de ouro tão desejada dos antigos” (RODRIGUES-MOURA, p.294). Este discurso de justificação é desde logo fixado nas Cortes de Janeiro de 1641, onde D. João é reconhecido como rei, centrando-se nos argumentos da “tirania” e do “rei natural”. Os Habsburgo estavam a pôr em causa a autonomia que as Cortes de Tomar de 1581 tinham garantido ao reino e D. João, da Casa de Bragança, é que tinha o direito dinástico ao trono. Não tinha dito já Olivares, o valido de Filipe IV, em 1624, que Portugal deveria ser reduzido “ao estilo e às leis de Castela”? (MONTEIRO, 2009, p.297) Hespanha, por sua vez, sustenta a ideia que aquilo que unia os diversos grupos sociais contra a política de Olivares, era o argumento da tirania, “entendida como a violação da justiça e dos privilégios estabelecidos”, em cada grupo pelos seus próprios motivos, desde os “populares” à nobreza, oficialato e financeiros. (HESPANHA, 1993 (2), p.31) Mas a nova monarquia tinha muitos problemas para enfrentar. A maioria dos fidalgos permaneceu fiel a Madrid ou exilou-se. A nível externo, o suporte era escasso (quem eram estes rebeldes que punham em causa a hegemonia da poderosa Espanha?), a diplomacia portuguesa era incipiente e impreparada e a própria Santa Sé não queria reconhecer D. João IV como rei. Não havia um exército nem dinheiro para o manter, muito menos em cenário de guerra, e às chefias militares faltava-lhes a experiência. As câmaras ofereciam muita resistência ao recrutamento de soldados e às tributações impostas para o esforço de guerra. Entretanto, o império português era assediado pelos holandeses, que ocuparam o Maranhão, no Brasil, atacando mais tarde Angola e São Tomé. O que salvou a Restauração foi a favorável conjuntura exterior, nomeadamente o facto de Espanha estar envolvida em várias frentes de guerra, contra os holandeses, os franceses e na recente revolta da Catalunha. A monarquia espanhola optou assim por ir adiando a resolução do problema de Portugal, resumindo-se a guerra, até 1656, a escaramuças nas fronteiras e ao bloqueio comercial e isolamento diplomático. Também Crescêncio Ferreira Aluno nº 1000692 História de Portugal Moderno E-Fólio A 2012-2013 Página 2 A Restauração de 1640 contou para o sucesso da Restauração a aliança inglesa, que permitiria o reforço militar e contribuiria para os acordos de paz firmados com a Espanha em 1668. (MONTEIRO, 2009) Valladares é por vezes “cáustico” na sua análise dos acontecimentos, desvalorizando o caráter independentista da Restauração – “los nobles se comportaron como tales: importaba el apellido, los cargos, la honra y el dinero. La fidelidad al rey - fuese “natural” o “extranjero”, tanto da - era más un medio para acrecentar el linaje que un fin por el que sacrificarlo.” (VALLADARES, 1995, p.136). No fundo, diz-nos, o que teria contado eram os interesses particulares dos nobres envolvidos. Nos objetivos da Restauração estariam assim à frente os interesses dos “obreiros do novo regime”, em detrimento dos “interesses do reino”. (VALLADARES, 2006, p.274). Quanto ao atentado ao rei D. João IV em 1641, faziam parte dos conjurados deste “contragolpe frustrado” membros de vários grupos sociais: títulos, prelados, burocratas e banqueiros. Valladares sustenta polemicamente que estes conjurados “não foram nem mais patriotas nem mais leais que os de 1640”, tendo como móbil mais uma tendência de autoconservação do seu statu quo do que lealdade para com o rei de Espanha. (VALLADARES, 1995, p.122-125) Sendo Valladares espanhol, esta abordagem pode parecer suspeita, mas para o historiador Joaquim Romero Magalhães, que prefacia a edição portuguesa do livro de Valladares, A Independência de Portugal, que tem por base a sua tese de doutoramento em História, esta é “uma revisão limpa de preconceitos nacionalistas” (VALLADARES, 2006, p.18). Num sermão escrito no início do século XIX, aquando da celebração dum aniversário da Restauração, Frei Joaquim pregava: “neste dia, cuja memoria transmitida de seculo em seculo, será eternamente abençoada pelas gerações futuras (…) Como pode huma Nação pequena (…) tornar-se independente e livre (…)? Como, como sem a Providencia (…)?” (S.JOSÉ, 1809, p.3,8) Do romantismo que impregnava a parenética e a historiografia dessa época e que subsistiu até aos anos 60 do século XX, passámos, hoje em dia, para uma visão desempoeirada e sem preconceitos da nossa história, mas nem por isso isenta de críticas. Crescêncio Ferreira Aluno nº 1000692 História de Portugal Moderno E-Fólio A 2012-2013 Página 3 A Restauração de 1640 Bibliografia           BARROS, Edval de Sousa - A Crise do Portugal dos Felipes e a restauração no Reino e no ultramar. Revista Eletrônica de História do Brasil. Volume 6, Número 2 (Jul.-Dez.2004). [consult.13.Nov.2012] Disponível na internet: http://www.rehb.ufjf.br HESPANHA, António Manuel – A resistência aos poderes. In MATTOSO, José dir. - História de Portugal. [S. l.]: Círculo de Leitores, 1993, p. 451-459. Vol. 4. HESPANHA, António Manuel – A “restauração” Portuguesa nos Capítulos da Cortes de lisboa de 1641. Penélope [em linha]. Nº 9/10 (1993), p. 29-62. atual. s/d. [consult.14.Nov.2012]. Disponível na internet: http://www.penelope.ics.ul.pt/pages/todo.htm MONTEIRO, Nuno Gonçalo – A Restauração (1640-1668). In RAMOS, Rui coord. – História de Portugal. 7ª Edição. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009, p. 295-329 RODRIGUES, António A.S. Simões dir. – História Comparada. [S. l.]: Círculo de Leitores, 1996. Vol. 1. RODRIGUES-MOURA, Enrique - Narrar a restauração portuguesa. Passagens [em linha]. 3.2 (2011), p. 282-309. atual. s/d. [consult.15.Nov.2012]. Disponível na internet: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4025512 S.JOSÉ, Joaquim de - Sermão de acção de graças pela feliz restauração de reino de Portugal. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1809. Disponível na internet: http://books.google.pt/books?id=GFhCAAAAcAAJ&printsec=frontcover&source= gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false TORGAL, Luís Reis – Acerca do Significado Sociopolítico da “Revolução de 1640”. Revista de História das ideias [em linha]. Nº 5 (1984), p. 301-319. atual. s/d. [consult.15.Nov.2012]. Disponível na internet: http://rhi.fl.uc.pt/ VALLADARES, Rafael - Sobre reyes de invierno. El diciembre portugués y los cuarenta fidalgos (o algunos menos, con otros más). Pedralbes [em linha]. 15 (1995), p103-136. [consult.16.Nov.2012]. Disponível na internet: http://www.google.com/books?hl=en&lr=&id=A72dMATHiwC&oi=fnd&pg=PA103&dq=%22rafael+valladares%22&ots=WU6AghSNX7&sig= AoraOKRbs4E1Vsc4HQIlJR6FyAM VALLADARES, Rafael - A independência de Portugal: Guerra e Restauração 1640-1680. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2006 Crescêncio Ferreira Aluno nº 1000692 História de Portugal Moderno E-Fólio A 2012-2013 Página 4