A Indústria das Séries Televisivas Americanas
The American Series Television Industry
Melina MEIMARIDIS1
Resumo
Em 2016 foram produzidas 455 séries na televisão americana e em veículos de
streaming. Essas produções têm chamado a atenção de espectadores e acadêmicos ao
redor do mundo. Entretanto, pesquisas sobre essas produções no Brasil ainda são
incipientes e deficientes de certas especificidades dos modelos de produção da televisão
americana. Esse trabalho se propõe a aprofundar e contribuir para a discussão em torno
dessas séries partindo de uma análise dos modelos econômicos dos veículos produtores
de ficção seriada televisiva nos Estados Unidos. Argumenta-se que a “indústria das
séries” americana é influenciada pelas necessidades mercadológicas dos veículos
produtores e regida por duas principais lógicas, a distinção e a repetição.
Palavras-Chave: Séries Televisivas. Modelos Econômicos. Indústria Televisiva.
Abstract
In 2016, there were 455 scripted shows in American television and streaming services.
These productions have attracted attention from viewers and scholars around the world.
Researches in Brazil, however, are still lacking certain specificities concerning theses
productions and their production models. This paper aims to deepen and contribute to
the debate on American television series based on from an analysis of the economic
models of television vehicles in the United States. It is argued that the American "Series
Industry" is influenced by the marketing needs of the production vehicles and
determined by two main logics: distinction and repetition.
Keywords: Television Series. Economic Models. Television Industry.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Coordena o Série Clube, projeto acadêmico e colaborativo dedicado à investigação e ao debate de
aspectos relativos à linguagem da ficção seriada televisiva. E-mail: melmaridis@hotmail.com
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Introdução
As séries televisivas americanas têm, nos últimos anos, conquistado grande
atenção dentro e fora da Academia devido ao crescimento no consumo, criação e
circulação desses artefatos pelo mundo. Somente em 2016 foram produzidas 4552 séries
ficcionais3 na televisão aberta, fechada e em veículos de streaming nos Estados Unidos,
e as projeções para 2017 são que esse número ultrapassará a marca de 500 produções4.
Nesse cenário, produtores de ficção seriada competem para atrair e fidelizar
espectadores, uma vez que, diferentemente de outros modelos fechados de narrativa,
como o cinema e a literatura, as séries devem ser compreendidas como obras abertas e
de longo prazo que precisam manter seus espectadores engajados durante anos e ao
longo de diversos períodos de recesso.
No Brasil, as séries americanas têm conquistado inúmeros fãs que consomem
essas produções através da televisão aberta, fechada, de DVDs ou online. Na internet, os
fãs consomem séries legalmente em veículos de streaming como a5 Netflix ou
ilegalmente através de downloads, torrents ou links piratas. O consumo de séries
americanas no Brasil tem chamado a atenção de pesquisadores brasileiros que buscam
contribuir com análises desses objetos (SILVA, 2014; NERI, 2015; ALBUQUERQUE;
MEIMARIDIS, 2016). Apesar desse esforço, ainda existe uma quantidade limitada de
bibliografia em português sobre ficção seriada e televisão dos Estados Unidos. Além
disso, muitos trabalhos desconhecem ou ignoram determinadas especificidades da
indústria televisiva americana, como, por exemplo, os modelos econômicos dos
veículos.
Acreditamos que para se analisar sistematicamente as séries americanas é
necessário compreender como a indústria televisiva é estruturada naquele país. Nesse
sentido, esse trabalho busca contribuir com futuras análises brasileiras acerca do meio e,
2
http://www.vulture.com/2016/12/record-455-scripted-tv-shows-aired-in-2016.html
Apenas produções roteirizadas.
4
Para se ter uma comparação em 2010 foram produzidas 216 séries.
http://www.vox.com/2016/8/10/12413968/peak-tv-500-shows-john-landgraf
5
Apesar de comumente ser referido no masculino a empresa no Brasil adota em sua comunicação a forma
feminina “a Netflix” e, portanto, usaremos a expressão sempre no feminino.
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especificamente, das séries através de um levantamento do modus operandi dessas
produções, o que chamamos aqui de a “indústria das séries”. Baseado em uma extensa
revisão bibliográfica optou-se por dividir o artigo em duas partes, na primeira apresentase um panorama da produção ficcional seriada americana, discutindo os principais
modelos de televisão nos Estados Unidos. Em seguida, sugere-se que a “indústria das
séries” é regida por duas lógicas que têm por objetivo fidelizar e atrair espectadores.
Defendemos que a competitividade por produções ficcionais televisivas aliada à pressão
por séries de sucesso tem levado canais a investirem ora em lógicas de repetição de
gêneros e fórmulas de sucesso, ora em lógicas de distinção.
Panorama da televisão americana
De acordo com Jason Mittell, a televisão americana é uma “indústria
enormemente rentável, arrecadando mais de 100 bilhões de dólares anualmente” 6 (2009,
p.2). A televisão nos Estados Unidos pode ser dividida em três modelos –network, cable
(basic e premium) e serviços de streaming – cada grupo é responsável por diferentes
lógicas de produção, sendo portanto, estruturados a partir das necessidades
mercadológicas de cada modelo (LOTZ, 2007). A principal diferença entre os modelos
se encontra na forma de financiamento. Tanto as networks quanto os canais de basic
cable dependem da venda do horário comercial, uma vez que vendem “consumidores
aos anunciantes” (FRIEND, 2001, p.82). Assim, alguns autores já apontaram que esses
canais tendem a colocar suas necessidades comerciais acima das criativas (BELLAMY,
et al, 1990; MAGDER, 2004). Em contrapartida, os canais premium e os serviços
de streaming, dependem da venda de assinaturas, pois vendem conteúdo para seus
espectadores (MCCABE; AKASS, 2008). Dessa forma, a produção televisiva deve ser
compreendida em torno de uma lógica industrial que atende às demandas de seus
executores e/ou financiadores. Abaixo apresentamos as principais características de
cada modelo de modo a problematizar a influência da economia política de cada um na
ficção seriada televisiva.
6
(Tradução livre) Original: “enormously profitable industry, grossing over $100 billion annually”.
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Networks
Os canais da televisão aberta americana foram os responsáveis pela elaboração
dos principais modelos de produção de ficção seriada (LOTZ, 2007; HILMES, 2011).
Ted Magder argumenta que a televisão comercial americana segue três axiomas.
Primeiro, é necessário entregar espectadores com vontade de consumir aos
anunciantes. Esses espectadores precisam assistir e não serem deprimidos ou
perturbados pelo conteúdo. Segundo, os canais devem se ater a programas
com gêneros estabelecidos e evitar desafiar as expectativas genéricas dos
espectadores. Por fim, recicle e copie programas bem-sucedidos.7
(MAGDER, 2004, p.144).
Como via de regra, esses modelos não sofreram grandes mudanças desde que
foram estipulados na Network Era8. Aqui, iremos analisá-los partindo de duas
perspectivas, a macro – temporada – e a micro – episódio. Na primeira, notamos que as
networks produzem temporadas com 22 a 24 episódios, que duram em torno de 20
minutos para sitcoms e 40 minutos para dramas. As séries são exibidas semanalmente
com pausas (hiatos) ao longo da temporada devido aos cronogramas de produção. Por
conta da pressão por séries bem-sucedidas (GITLIN, 1985; BOURDAA, 2011), as
temporadas das séries novas são encomendadas da seguinte forma: primeiro as networks
encomendam 9 episódios. Após avaliarem o desempenho, os canais podem solicitar
mais 13 episódios, completando 22, ou optarem por cancelar a série. Esse modelo
demonstra a intensa pressão que as séries sofrem para atingirem elevadas audiências.
Recentemente a série Doubt (CBS, 2017) foi cancelada após dois episódios irem ao ar e
não terem atingido números satisfatórios de público9.
O calendário de exibição das produções das networks começa em setembro e vai
até maio. O primeiro momento, de setembro a dezembro, é denominado Fall Season.
Nele, as séries mais populares da televisão aberta retornam, juntamente com as maiores
estreias desses canais. O segundo momento, de janeiro a maio, é chamado de Mid
Tradução livre. Original: “First, deliver audiences to advertisers in a "buying mood". Viewers need to be
tuned in, but not unduly upset or disturbed by the content. Next, stick established program genres and
avoid challenging the genre expectations of viewers. Third, recycle and copy successful shows.”
8
A história da televisão Americana pode ser dividida em três momentos Network Era (1950-1970),
Multi-channel transition (1980/2000), Post-Network Era (2000-Presente). Ver Lotz (2007).
9
http://www.hollywoodreporter.com/live-feed/doubt-canceled-katherine-heigl-drama-pulled-cbsschedule-979792
7
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Season. Nele, as séries que entraram em recesso no fim do ano retornam, ao mesmo
tempo em que novas séries estreiam para substituir os “fracassos” da Fall Season.
No âmbito do episódio, é perceptível o impacto das lógicas mercadológicas
desses canais nas estruturas narrativas. Primeiro, o conteúdo dos episódios deve seguir
as determinações da Federal Communications Comission (FCC) que determina as
regras de classificação indicativa. Ao mesmo tempo, Levinson aponta que os episódios
atingem pontos de clímax antes dos intervalos comerciais de modo a inibir o espectador
a mudar de canal (2002, p.30). Assim, os episódios são construídos com o propósito de
atrair os espectadores para verem os comerciais.
2
Basic e Premium Cable
As produções da televisão fechada têm buscado ao longo dos anos se distanciar
dos modelos e das convenções estabelecidas pelas networks (MCCABE; AKASS, 2008;
BOURDAA, 2011). Esse distanciamento é mais fácil para os canais premium, do que
para os canais do basic cable, visto que, o segundo também é dependente da venda do
horário publicitário. Adversativamente, os canais do premium cable são mais próximos
do modelo econômico da indústria cinematográfica, em que espectadores pagam para
ter acesso a um serviço, não existindo um anunciante no meio de campo (HILMES,
2011). Apesar de a diferença entre ambos os modelos de negócio, os formatos das
produções da televisão fechada americana são similares e, por esse motivo, optamos por
analisá-los em conjunto.
Existem duas principais diferenças entre as produções da televisão aberta e
fechada, a primeira é estrutural e a segunda se dá no âmbito do conteúdo. Começando
pela distinção estrutural, as produções da televisão fechada contam com um número
reduzido de episódios. Ao contrário das longas temporadas das networks, os canais a
cabo comumente produzem séries com em média 13 episódios, que são encomendados
de uma só vez, garantindo assim, aos criadores e produtores dessas séries, construírem
as temporadas em sua totalidade. Essa modificação, de acordo com Bourdaa, permite
mais autonomia criativa aos criadores das séries (BOURDAA, 2011, p.34). As
produções são exibidas semanalmente, algumas sendo durante a Fall Season, enquanto
outras são transmitidas na Winter Season (Janeiro a Março) ou na Summer Season
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(Junho a Agosto). Nota-se que um dos maiores momentos de estreias da TV fechada é
justamente quando as produções das networks estão em recesso (Junho-Agosto), uma
vez que diminui a concorrência entre os programas.
No âmbito do conteúdo, deve-se considerar que os canais a cabo nos Estados
Unidos seguem diferentes regras de classificação indicativa do que as networks,
influenciando assim o conteúdo das séries produzidas. Os canais da televisão fechada
não precisam seguir as regras impostas pela FCC, entretanto os canais de basic cable
comumente se “autorregulam” devido às expectativas dos anunciantes. Já os canais
premium, se aproveitam da liberdade sobre o conteúdo de suas produções e assim,
constantemente produzem séries com cenas explicitas de sexo como em Game of
Thrones (HBO, 2010-Presente), ou com grande quantidade de violência como em
Dexter (Showtime, 2006-2013).
3
Serviços de Streaming
Além da grande variedade de canais na televisão americana, o início do século
XXI têm sido marcado pela presença de um novo tipo de produtor de ficção seriada, os
serviços de streaming. Inicialmente pensados como veículos que disponibilizavam
conteúdo televisivo e cinematográfico através de um sistema de assinatura, atualmente
empresas como a Netflix, o Hulu e a Amazon têm contribuído para aumentar a
produção e o consumo de ficção seriada (LADEIRA, 2013; TRYON, 2013; 2015;
JENNER, 2016).
Apesar de os veículos de streaming terem se popularizado por possuírem
catálogos ricos de filmes e séries, nos últimos anos eles vêm produzindo conteúdo
original. Esses veículos se aproximam do modelo econômico dos canais de premium
cable, visto que têm como objetivo primordial conquistarem novos assinantes. Suas
produções se assemelham estética e narrativamente as produções da televisão fechada,
como The Crown (Netflix, 2016-Presente) e The Man in the High Castle (Amazon,
2014), ou se parecem com séries da televisão aberta, como Fuller House (Netflix, 2016Presente) e Just Add Magic (Amazon, 2015-Presente). Ao mesmo tempo, esses serviços
têm, através de práticas de “fan service”, revivido séries canceladas na televisão aberta e
fechada.
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As produções originais desses veículos ainda são muito recentes e volúveis para
se analisar padrões de produção, como, por exemplo, quantidade de episódios e duração.
Nota-se, no entanto, que a Amazon e a Netflix têm promovido novos modelos de
distribuição e consumo televisivo, principalmente, através da disponibilização de todos
os episódios da série de uma única vez, possibilitando, assim, “novas”10 formas de
acesso, consumo e espectatorialidade (TRYON, 2013; 2015). Diferente dos canais da
televisão tradicional, ao disponibilizar todos os episódios juntos esses serviços têm
incentivado a prática do binge-watching (DE FEIJTER, et al, 2016). Nesse modelo, os
usuários possuem uma espectatorialidade intensa, consumindo diversos episódios
seguidos. Esses serviços não seguem nenhum calendário específico para lançar suas
produções originais. De acordo com Castellano e Meimaridis (2016), a Netflix opta por
lançar suas produções às sextas-feiras ou em véspera de feriados prolongados,
incentivando, assim, a prática do binge-watching.
Uma vez apresentado o cenário televisivo americano, e tendo em vista os
diferentes modelos econômicos dos canais e veículos produtores de séries, podemos
agora analisar as estratégias da “indústria das séries” para fidelizar espectadores.
Estratégias de fidelização da televisão americana
Devido ao panorama atual de produção de ficção seriada televisiva, que reflete
um ambiente extremamente competitivo, podemos afirmar que nunca se produziu tantas
séries, como também nunca existiram tantos canais e plataformas para distribuir essas
produções. Em vista dessa diversidade de oferta, alguns autores têm apontado um
“empoderamento” dos espectadores, que agora escolhem “quando, onde e o quê”
querem assistir (LOTZ, 2007; HILMES, 2011). Esse fato afeta diretamente as
produções ficcionais seriadas, que agora, mais do que nunca, buscam fidelizar
espectadores. Em linhas gerais, os veículos televisivos têm se utilizado de duas
principais estratégias para atrair e fidelizar público: distinção e repetição.
A palavra “nova” é utilizada com cautela aqui, visto que o fato do espectador ter acesso a todos os
episódios de uma só vez não é necessariamente uma novidade no âmbito do consumo. Antes do
surgimento dos veículos de streaming o consumo de múltiplos episódios era viável através de boxes de
DVD (Brunsdon, 2010; Feijter, Khan and Van Gisbergen 2016), fitas de VHS (Dobrow 2012), ou até
mesmo através de maratonas televisivas (Kompare, 2005).
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A estratégia da distinção tem sido utilizada principalmente por canais a cabo e
serviços de streaming como forma de atrair espectadores para seus serviços. Os veículos
buscam estabelecer o discurso de distinção através de duas principais táticas, sendo elas:
branding e “discurso de qualidade”. No primeiro caso, a própria marca do canal serve
para promover a distinção da sua programação (JARAMILLO, 2002), visto que a
utilização da marca é uma estratégia de sobrevivência desses canais frente a um
mercado fragmentado. Assim, com o slogan “It’s Not Tv, It’s HBO” lançado em 1996, a
HBO, buscou atribuir um status de distinção e “qualidade” a suas produções
(EDGERTON; JONES, 2008, p.9), além de promover um distanciamento de suas obras
das produções da televisão aberta. Já o canal de basic cable, AMC, curiosamente possuí
o slogan “Story Matters Here”, alfinetando as produções da televisão aberta, que têm
sido acusadas de colocar as necessidades mercadológicas acima das criativas
(MAGDER, 2004; KELSO, 2008). A AMC parece ignorar o fato de que o canal
também faz parte da indústria televisiva americana. Outros exemplos do uso da marca
do canal como forma de promover distinção são: “No Limits” (Showtime), “There Is No
Box” (FX), “Characters Welcome” (USA), “We Know Drama” (TNT) (JARAMILLO,
2002, p.13).
No segundo caso, o “discurso de qualidade”11 se desdobra em duas frentes. A
primeira, da conta da associação das obras desses canais e serviços a meios
tradicionalmente mais prestigiados que a televisão, como o cinema (FEUER, 2007), e a
literatura (ROSE, 2008). Já a segunda frente se baseia na utilização de um discurso
acadêmico, que legitima essas produções como sendo obras mais sofisticadas, que a
produção comercial das networks (MCCABE; AKASS, 2008). Alguns produtores de
ficção seriada têm se valido desse discurso acadêmico. É o caso, principalmente, das
séries da HBO que contam com diversos artigos, livros e coletâneas que analisam a
programação do canal através de múltiplas perspectivas (LAVERY, 2006; PINTO,
2012). Entretanto, o domínio da HBO tem entrado em declínio nos últimos anos, com
11
Existe uma dificuldade por trás de avaliar "qualidade" de produções televisivas, visto que análises
estéticas sempre perpassam por questões de gosto (AKASS; MCCABE, 2007; BOURDAA, 2011). Aqui,
apenas evidenciamos uma tendência dentre os estudos de televisão que têm privilegiado as produções da
televisão fechada americana atribuindo a estas um "status de qualidade" superior as produções “massivas”
da televisão aberta (GERAGHTY, 2003; BREMBILLA; TRALLI, 2015). Essas produções são tidas como
obras de uma maior “qualidade”, principalmente, por se aproximarem de estéticas de meios já legitimados
como o cinema e a literatura.
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canais como AMC, FX e a própria Netflix, se utilizando das mesmas estratégias de
distinção implementadas pela HBO chamando assim, atenção acadêmica para suas
produções (BUTLER, 2013; TRYON, 2013; ASLINGER, 2013).
A estratégia de distinção, embora popular entre alguns veículos, precisa ser
problematizada. Avi Santo afirma que a HBO promete entregar aos seus assinantes um
conteúdo exclusivo e com “qualidade” (2008, p.20). Porém, o autor argumenta que a
questão da “exclusividade” promove conflitos institucionais, devido às ambições
mercadológicas do canal, que tem como objetivo principal conquistar o maior número
de assinantes. Por outro lado, ao afirmar que seus produtos possuem uma “qualidade”
superior as obras das networks, o autor indica novamente o surgimento de tensões, visto
que o canal já chegou a produzir conteúdo para a televisão aberta, como a sitcom
familiar Everybody Loves Raymond (CBS, 1996-2005). Desse modo, apesar de se
promover como “não televisão”, a HBO acaba tendo que se aproximar das políticas da
televisão tradicional.
Semelhantemente, o discurso de distinção da Netflix também é problemático. O
serviço promete aos seus assinantes um conteúdo “prestigiado, pleno, participativo e
personalizado”12 (TRYON, 2015, p.106) e embasa seu discurso, principalmente, na
“qualidade” de suas produções. Entretanto, o catálogo da empresa é recheado de
produtos tidos de “menor qualidade”, visto que são produzidos pela televisão aberta. Ao
mesmo tempo, as próprias produções originais do serviço variam, em termos de
“qualidade”, do ponto de vista estético e narrativo. A série The Crown é definitivamente
ambiciosa, possuindo elevados investimentos e estruturas narrativas complexas. Ao
mesmo tempo, o serviço produz séries como One Day a Time (Netflix, 2017-) um
reboot13 de uma sitcom da década de setenta. Assim, apesar de ressaltar a “qualidade”
de suas produções, as pretensões mercadológicas da empresa, que possui como objetivo
primordial elevar o número de assinantes, influencia a criação de séries que dialoguem
com um público mais amplo. Nesse sentido, em vez de estar rompendo com os padrões
da televisão aberta e fechada, a Netflix tem colaborado para o seu fortalecimento
(CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2016).
No original “plenitude, participation, prestige, and personalization.”
Um Reboot, possuí menos ligação com a obra original no que se refere a “continuidade, conceito ou
canon” (DOWD, et al, 2015, Tradução Livre). Dessa forma, reboots podem ser uma releitura da série
original, com mudanças substanciais.
12
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Por fim, nota-se que devido ao foco nas séries da televisão fechada devidos
aspectos da programação televisiva aberta têm sido deixados de lado, principalmente a
produção das networks, que em alguns casos também se utilizam de estratégias de
distinção, como ocorreu com Lost (ABC, 2005-2011) e The 100 (CW, 2014-Presente).
Entretanto, os canais da televisão aberta americana optam, mais frequentemente, por
recorrer a estratégias de repetição, devido à necessidade de conciliar os desejos da
audiência com as exigências dos anunciantes (MADGER, 2004; KELSO, 2008).
A televisão aberta americana é marcada pela insegurança. Esse sentimento,
como argumenta Todd Gitlin, faz com que as networks escolham produções
“repetitivas”, em vez de “inovadoras”, uma vez que essas são consideradas “arriscadas”
(GITLIN, 1985, p.53). Ao mesmo tempo, Kelso argumenta que “não basta ter grandes
audiências; o conteúdo do programa deve ser conducente a vender as marcas que as
grandes corporações estão ansiosas para construir”14 (2008, p.47). Desse modo, as
networks precisam convencer os anunciantes de que suas programações são as mais
atraentes e “favoráveis”. Paralelamente, Bellamy et al afirmam que os executivos dos
canais acreditam na existência de uma maior probabilidade do espectador “investir
tempo em algo que ele conhece do que em algo novo”15 (2009, p.284). Devido a essas
peculiaridades, as networks têm baseado suas produções numa lógica de repetição, que
ocorre de formas distintas, porém complementares. A repetição se dá em diversos
níveis, podendo ser: repetição de gênero, de fórmula, de tema e até mesmo de universo
diegético.
Ao olhar atentamente a grade televisiva das networks é fácil identificar uma
repetição de determinados gêneros narrativos. Dentre os mais populares estão as sitcoms
e os workplace dramas (KOMPARE, 2010). Outro modelo de repetição é encontrado na
reiteração de uma fórmula básica em todos ou na maioria dos episódios de uma série. O
uso de fórmulas sempre foi um componente central da ficção seriada televisiva
(GREGORY, 2000). Uma das fórmulas mais recorrentes atualmente são das séries
procedurais. Essas séries possuem um grupo de personagens fixos que exercem algum
exercício específico a cada episódio, como, por exemplo, a resolução de um crime em
Tradução livre. Original: “great ratings do not suffice; the content of the show itself must be conducive
to selling the brands that corporations are eager to build”.
15
Tradução livre. Original: “viewers are more likely to spend time with something they know rather than
something new”.
14
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Law and Order (NBC, 1990-2010). O formato procedural é popular devido a inúmeros
fatores. Primeiro, a facilidade por trás da repetição de uma fórmula tem proporcionado
as séries desse modelo narrativas de longa duração, como, por exemplo o workplace
drama policial CSI (CBS, 2000-2015) que conta com 335 episódios, ao longo de 15
anos. Por outro lado, é possível assistir episódios fora da ordem, visto que cada um
contém uma história independente e acontecimentos prévios, na maioria das vezes, não
são necessários para a compreensão da trama episódica. Dessa forma, essas produções
atraem espectadores que nunca viram a série antes.
Encontra-se ainda a repetição de temáticas previamente bem-sucedidas. Assim
que uma série se torna um fenômeno de audiência, os executivos dos canais tentam
recriá-la com pequenas variações. Um exemplo recente é a popularidade de séries de
super-heróis. Após o sucesso de Arrow (CW, 2012-Presente) a CW começou a investir
cada vez mais em séries baseadas nos heróis da DC Comics. Atualmente, além da trama
do arqueiro verde, o canal exibe Flash (CW, 2014-Presente), DC’s Legends of
Tomorrow (CW, 2016-Presente) e SuperGirl (CBS, 2015-2016/ CW, 2016-Presente).
A estratégia de repetir temáticas, no entanto, nem sempre dá certo. Tomemos o
caso da série Lost (ABC, 2004-2010) como exemplo, o programa foi um fenômeno de
audiência e de crítica, ganhando inúmeros prêmios. A série narra a história dos
sobreviventes de um acidente de avião em uma misteriosa ilha. A produção mistura
elementos de ficção científica com fantasia, e uma de suas maiores qualidades é a
capacidade de elaborar enigmas e construir mistérios, que engajam os espectadores
(GRAY; MITTELL, 2007). Após seu fim, executivos das networks estão tentando a
cada ano lançar o “Novo Lost”, séries que possuem os mesmos “elementos” e “temas”
da produção original, porém reinventados. Se inserem nessa categoria as produções
FlashForward (ABC, 2009-2010), Alcatraz (FOX, 2012) e The Event (NBC, 20102011). Apesar das tentativas, a arte da imitação não é tão simples quanto produzir
pequenas variações em cima de um mesmo tema ou gênero, todas as séries mencionadas
acima foram canceladas na primeira temporada.
Por fim, o último tipo de repetição se dá no âmbito da reiteração de personagens,
localizações, ou até situações já conhecidas, em novas séries, visto que estas
compartilham do mesmo universo diegético que as séries preexistentes. Esse tipo de
repetição é conhecido como “spin-off” e pode ser definido como “um novo programa
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derivado de um já existente, geralmente através da apropriação de personagens”16
(BROWN, 1977, p.407). De acordo com Blum e Lindheim, os spin-offs amenizam as
incertezas das novas produções, já que são construídos com personagens, elencos e
situações previamente bem-sucedidas (1987). São exemplos de spin-off Private Practice
(ABC, 2007-2013) que derivou de Grey’s Anatomy (ABC, 2005-Presente) e as séries da
franquia de Chicago da NBC.
Considerações finais
As séries americanas têm alcançado grande atenção ao redor do mundo e,
especificamente, no Brasil. Essas produções têm estipulado um padrão transnacional a
ser atingido por produções televisivas mundialmente (KUPRIES, 2011). A produção de
ficção seriada televisiva nos Estados Unidos deve ser reconhecida por sua natureza
industrial, e competitiva. Ao que tudo parece, a “indústria das séries” vive atualmente
uma dualidade conflituosa entre diferentes tipos de produções. Se por um lado se
produz séries “inovadoras” e “complexas”, regidas pela lógica da distinção, por outro a
televisão aberta americana ainda elabora diversas narrativas que seguem modelos e
fórmulas consagradas nas décadas de 1970 e 1980, regidas pela lógica da repetição.
Ao longo desse trabalho, argumentamos que essa dualidade é um reflexo direto
dos diferentes modelos econômicos que ordenam a produção televisiva americana.
Nesse sentido, buscou-se apresentar um panorama da indústria televisiva nos Estados
Unidos destrinchando cada modelo e as lógicas de fidelização implementadas por eles.
As séries da televisão aberta e de canais de basic cable por dependerem de seus
anunciantes tendem a priorizar a criação de narrativas da lógica de repetição, enquanto
os canais de premium cable e veículos de streaming produzem com mais frequência
narrativas na lógica da distinção. Observa-se que apesar de os inúmeros modelos de
repetição, existe ainda uma falta de interesse acadêmico pelas produções nessa lógica,
visto que há uma predileção pelas séries mais “inovadoras” e “distintas” da televisão
fechada.
Tradução Livre. Original: “a new program derived from an existing one, usually through the
appropriation of characters".
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A Academia ao se focar nessas séries em detrimento das mais repetitivas, acaba
por deixar de lado a dimensão da serialidade propriamente dita. Ressaltamos, portanto, a
importância de análises envolvendo as produções ficcionais seriadas da televisão aberta
americana, visto que essas séries ainda compõem o grosso da produção televisiva nos
Estados Unidos. Ademais, essas análises ainda contribuem para aprofundar os estudos
de ficção seriada televisiva como um todo, visto que os elementos da lógica da repetição
são comuns a todas as produções seriadas televisivas.
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