A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
A EMANCIPAÇÃO INSUFICIENTE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O
RISCO PATRIMONIAL AO NOVO EMANCIPADO NA SOCIEDADE DE
CONSUMO
The insufficient emancipation of person with disabilities and economic risk to the new
emancipated in consumer society
Revista de Direito do Consumidor | vol. 104/2016 | p. 203 - 255 | Mar - Abr / 2016
DTR\2016\4625
Fernando Rodrigues Martins
Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Diretor do Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor – Brasilcon Professor de Direito Civil da Universidade Federal de
Uberlândia. Professor de pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia.
Coordenador do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito da UFU. Promotor de
Justiça em Minas Gerais. frodriguesmartins@icloud.com
Área do Direito: Civil; Consumidor
Resumo: A modificação na teoria da incapacidade pelo advento do Estatuto da Pessoa
com Deficiência tem o risco de conferir consequências negativas ao patrimônio dos
novos emancipados.
Palavras-chave: Direitos do consumidor - Teoria da incapacidade - Emancipação Proteção insuficiente - Riscos
Abstract: The change in the theory of inability by the advent of the Statute Person with
Disabilities has the risk of giving negative consequences to the economy of the new
emancipated.
Keywords: Consumer right - Theory of inability - Emancipation - Insufficient protection Risks
Sumário:
1 Noções propedêuticas do novo enfoque legislativo da teoria da incapacidade: em busca
de uma emancipação sustentável - 2 O plano da incapacidade conforme o Código Civil de
2002 e o mérito da dimensão patrimonial - 3 O arrimo valorativo da recente orientação:
da emancipação individual à hermenêutica emancipatória - 4 As modificações realizadas
pelo EPD no plano da capacidade. Nova dicotomia: deficiência severa e deficiência
simples - 5 Diagnóstico jurídico: emancipando inconsequentemente - 6 O risco
patrimonial ao novo emancipado na sociedade de consumo - 7 Considerações finais: a
interpretação dialógica inclusiva (pro homine) como contributo integrativo e corretivo - 8
Referências bibliográficas
1 Noções propedêuticas do novo enfoque legislativo da teoria da incapacidade: em busca
de uma emancipação sustentável
O advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei federal 13.146/2015) enquanto
reflete relevante escopo teleológico (ratio legis) de promoção de pessoas com déficits
funcionais, apresenta igualmente insuficiências na proteção dos sujeitos que visa colocar
em ampla tutela, tornando imprescindível o exercício de ponderações do ponto de vista
1
hermenêutico (ratio juris).
Transparece, neste sentido, que o legislador
infraconstitucional ao regular tratado internacional internalizado no sistema jurídico
2
pátrio, Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, acabou incidindo em
3
"proteção insuficiente" - especialmente das pessoas com transtorno mental emancipando-as sem os devidos cuidados.
Cumpre advertir a par disso que a insatisfatória aptidão prescritiva do mencionado corpo
disciplinador está alocada restritivamente nos dispositivos atinentes às revisões
procedidas no instituto da capacidade civil e que trouxeram perplexidade à comunidade
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
jurídica pelo 'risco de retrocesso' concreto e imediato ao titular de direitos, desprovido
da plenitude de sentidos e funcionalidade. Os demais tópicos ordenatórios,
especialmente aqueles com metodologia prospectiva (rubricas derivativas do direito
4
responsivo), respeitantes à inclusão sempre necessária da pessoa com deficiência, se
apresentam hígidos e correspectivos à dignidade humana e demais princípios
constitucionais e internacionais de direitos humanos (igualdade, liberdade, justiça e
paz).
Se vozes jurídicas alardeiam criticamente contra o uso imoderado de ideologias pessoais
do aplicador da lei em face da abertura sistêmica do direito (quer pelos princípios; quer
5
pelas cláusulas gerais e conceitos indeterminados) considerando a insegurança jurídica
6
e o consequente prejuízo, o EPD é exemplo atual, forte e tranquilo de que a ausência de
segurança jurídica é constatável não apenas quando do exercício da judicatura ou no
átimo da adjudicação dispositiva, senão também no instante de formação da lei e
respectivo processo legislativo.
Não restam dúvidas de que a procedimentalização de leis requer consciência, cautela e
atenção por parte do legislador, todavia a ação regulatória que tem por desiderato
assegurar posições jurídicas advindas das organizações internacionais de direitos
humanos é exigente de cuidado redobrado (diga-se, metaforicamente, de precisão
cirúrgico-jurídica) sob pena de - ao refrear conquista da comunidade humanitária global
- enfraquecer o núcleo-jurídico incindível de qualificação da pessoa: a dignidade.
Em outras palavras, a fundamentação (base pré-legislativa) do EPD não apresenta
aporia: há sustentação correta, humanitária, discursiva, inclusiva e democrática. O que
causa assombro é rigorosamente a justificação (tratamento legislativo) do estatuto, isto
porque as garantias outorgadas, no que respeita a capacidade, são desproporcionais,
tímidas, omissivas à natural (e necessária) tutela que a pessoa com deficiência deve
contar.
7
8
As constatações mundiviventes respeitantes ao multiculturalismo, pluralismo e
9
diversidade, típicas da aldeia global pós-moderna, concretamente flexibilizaram a
soberania e o monopólio do Estado no protagonismo legislativo. Propiciaram, ademais, a
10
expansão de direitos não apenas no aspecto quantitativo, mas, sobretudo qualitativo.
11
Esse volume de "novos" direitos (direitos emancipatórios, direitos de gênero, direitos
sociais, direitos igualitários, direitos pré-concebidos transversal e internacionalmente
etc.) conduzem o dever do Estado em adequar o respectivo ordenamento jurídico
interno. Desta forma, o Estado ao ratificar internamente tratados sobre direitos humanos
consente em limitar o competente poder, beneficiando bem superior que é o respeito à
12
dignidade inerente a toda pessoa humana.
Tenha-se, contudo, que a assunção do "novo" deve se dar de forma possível e real,
evitando-se a banalização de direito transnacionalmente reconhecido, preservando-o do
mero modismo ou do minimalismo. Internaliza-se a experiência comunicativa global
buscando a concreta atuação do direito humano mediante os efeitos úteis (effet utile)
dele esperados, bem como coordenando-o ao contexto de valores, normas e realidades
existentes internamente. Ao incapaz a emancipação deve decorrer de forma protetiva,
sem espaços para a maior exposição aos riscos e prejuízos conhecidos na sociedade de
13
consumo. Enfim, inova-se com responsabilidade,
cercando-se de coerência e com
proteção suficiente ao interesse jurídico do titular.
Neste sentido, observe-se que o art. 114 da Lei Federal 13.146/2015 revogando os incs.
I, II e III do art. 3.º do CC acabou por limitar os lindes da incapacidade absoluta,
fixando-a exclusivamente em critério etário rígido somente aos menores de dezesseis
(16) anos. Ainda, o mesmo dispositivo cuidou em modificar o art. 4.º também do Código
Civil, que trata da incapacidade relativa, projetando um dispositivo de encerramento
(inc. III) às situações de déficit psíquico ou intelectual mais grave. Portanto, as
anteriores hipóteses atinentes ao grau de discernimento cognoscitivo da pessoa não
mais dão sequência ao reconhecimento da plena incapacidade, no máximo propiciam a
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
curatela (art. 84 do EPD) do titular de direitos.
Na medida em que o EPD concedeu simetria a todos os tipos de deficiência,
14
reorientando-os como déficit funcional (mental, intelectual, físico e sensorial)
e,
ademais disso, revogou disposições relevantes e sólidas aptas à proteção dos sujeitos
com deficiência cognoscitiva no plano dos fatos jurídicos, permitiu grave tensão entre as
bases axiológicas que subjazem a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a
imprescindível regulação escorreita dos deveres de proteção por parte do Estado no
plano da capacidade.
Evidente que a regulação insuficiente do dever de proteção do Estado deixando de
promover com segurança a pessoa com deficiência, lança-a num ambiente melindroso e
temerário especialmente considerando os tempos atuais. Vale dizer, as ofertas, os
modos de contratação, a quantidade de publicidades, a qualidade dos produtos e
serviços em circulação, as facilidades oportunizadas, a banalização do crédito
irresponsável e voraz, a balcanização do espaço-mundo a partir da lex mercatoria afora
demais situações propiciadas no mercado de consumo emolduram não apenas o
exercício da livre iniciativa e da liberdade de contratar, mas também - e em viés
empiricamente constatável - riscos e perigos potencialmente capazes de lesar a pessoa
15
do consumidor como também atacar seu patrimônio.
Obviamente, se essa vulnerabilidade é cotidianamente palpável como leque de eventuais
prejuízos aos consumidores civilmente situados na faixa da capacidade plena, com mais
acentuada precaução e prudência deve ser presumida às pessoas consumidoras com
grau deficitário de cognoscibilidade. Portanto, os efeitos da emancipação, sem os
cuidados necessários, à pessoa com deficiência podem ser desastrosos, contrariamente
ao escopo do tratado de direito humano correspectivo.
2 O plano da incapacidade conforme o Código Civil de 2002 e o mérito da dimensão
patrimonial
16
Segundo já assente na dogmática,
diferentemente da capacidade de gozo, a
capacidade de fato (ou de "agir") impõe-se como medida da personalidade, porquanto
opera na esfera do preenchimento de requisitos essenciais mínimos ao exercício
diretamente de direitos e deveres pelo titular. A pessoa desprovida de capacidade de
fato, logo, será incapaz, os negócios jurídicos eventualmente celebrados serão inválidos
17
e, via de consequência, desprovidos de eficácia.
18
A incapacidade, pois, está ligada à impossibilidade jurídica e à ausência da necessária
19
compreensão por determinada pessoa dos atos da vida civil.
Falta-lhe aptidão para
20
atuar pessoal e autonomamente.
Por isso, o Código Civil estabeleceu exceção à regra geral (que é a da capacidade de
exercício das pessoas) e assim o fez como forma de proteção daqueles que não possuem
condições mínimas de proteção do patrimônio, desprovidos que são do discernimento
quanto aos efeitos jurídicos que lhes possam acarretar determinado negócio ou situação
jurídica. Nessa esteira, atrelado ao fundamento da dignidade da pessoa humana seria
incorreto no plano da interpretação estender as hipóteses legais de incapacidade para
além do sistema jurídico, isto porque como a incapacidade representa limitação a
exercício de direito é da boa hermenêutica que o sentido da lei seja, quanto à extensão,
21
restrito, o que não impede a utilização de cláusulas gerais como normas de reenvio a
22
padrões de eticidade e socialidade para julgamento do caso concreto.
O sistema inicialmente adotado pelo Código Civil em 2002 desdobra a incapacidade
considerando: a maturidade (aspecto cronológico); o transtorno mental (enfermidade,
deficiência e desenvolvimento mental incompleto, congênito ou adquirido); a
impossibilidade de manifestação volitiva (causa incapacitante transitória ou
permanente); a dependência química (ebriedade ou toxicomania); a compulsividade
auto lesiva econômica (prodigalidade). Seguindo-se, via de regra, os modelos de
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
incapacidade absoluta (art. 3.º do CC) ou relativa (art. 4.º do CC).
Mais especificamente ao art. 3º do CC/2002, coube tratar da incapacidade absoluta,
fixando-a aos menores de dezesseis anos (inc. I); aos enfermos e deficientes mentais
desprovidos do discernimento necessário (inc. II); e, às pessoas, mesmo que
momentaneamente, impossibilitadas de manifestar vontade (inc. III). Ao passo que o
art. 4.º desse diploma privado versa sobre a incapacidade relativa considerando os
maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (inc. I); os dependentes químicos e
deficientes mentais com discernimento reduzido (inc. II); os excepcionais sem
desenvolvimento mental completo (inc. III); e os pródigos (IV).
Aos incapazes pelo critério cronológico naturalmente decorre como instituto de proteção
a representação ou assistência pelos pais (art. 1.690 do CC) ou a tutela (art. 1.728 do
CC), enquanto aos demais sujeitos reais de direito, passíveis de reconhecimento de
incapacidade, a curatela, mediante interdição é o arrimo designado juridicamente (art.
1.767 do CC).
O regime do Código Civil de 2002 demonstrou-se cogente quanto à proteção patrimonial
dos absolutamente incapazes, basta verificar as seguintes projeções: ausência de curso
da prescrição ou decadência (arts. 198, I e 208, do CC); vedação de alienação ou
gravame com ônus real de bens de raiz pelos pais (art. 1.691 do CC); partilha
obrigatoriamente judicial na abertura de sucessão (art. 2.015 do CC); possibilidade de
restituição de valor pago a título de dívida de jogo (art. 814 do CC); nulidade dos
negócios jurídicos realizados sem a devida representação (art. 166, I, do CC).
Quanto à incapacidade relativa, o Código Civil atribuiu certa liberdade assistida,
garantindo relevância à vontade do titular de direitos e eficácia perante terceiros se
confirmada por outra pessoa (assistente ou curador, conforme o caso). Considerando
que o grau de compreensão e discernimento é maior no relativamente incapaz, o
sistema jurídico reage suprindo-lhe a deficiência parcial. Por isso, proteção mais flexível:
a incapacidade parcial pode levar o negócio ou ato jurídico à anulação (art. 171, I, do
CC) desde que desprovido da assistência do responsável (art. 1.634, V, do CC), cabendo
ação processual desconstitutiva de relação jurídica, com eficácia ex nunc (produção de
efeitos a partir do decreto judicial) permanecendo os demais atos negociais anteriores.
Diga-se que, a despeito dos atos praticados pelos relativamente incapazes serem
inquinados à anulação, isso não significa que haja privação plena ao tráfego jurídico por
eles empreendido, tanto que a ratificação posterior levada a efeito pelas partes confirma
23
o negócio anteriormente celebrado, salvo direito de terceiro (art. 172 do CC). Aliás, há
pontuais permissões aos relativamente incapazes para agir sem assistência, como no
caso do mandato (art. 666 do CC) e na possibilidade do testemunho (art. 228 do CC).
Cinge-se, por fim, relembrar que para ambas as tipologias (absoluta e relativa) o Código
Civil ainda considerou a subsidiariedade e excepcionalidade da responsabilidade civil do
incapaz (art. 928 do CC), desde que os responsáveis (art. 932 do CC) não tenham
24
condições de satisfação da vítima do dano.
E se há crítica dirigida quanto ao Código Civil na disciplina da incapacidade, tenha-a mais
25
contundente em excertos doutrinários específicos que anotam como suporte os efeitos
'desumanos' da interdição e curatela, as quais objetivando acudir questões patrimoniais
26
do sujeito real, acabam indiferentes ao âmbito existencial da pessoa. E por óbvio tal
avaliação vai de encontro ao EPD que simplesmente revogou a incapacidade absoluta e
reorientou a incapacidade relativa, como curatela.
Longe de polemizar e sendo propositivo em contribuir, parece que a atenção dedicada
pelo Código Civil foi justamente referente às deficiências cognitivas (maturidade e
sanidade) do titular de direitos, porquanto os efeitos derivados de negócios (ou fatos)
jurídicos podem ser devastadores não apenas ao patrimônio, mas em "ricochet" aos
interesses extrapatrimoniais do incapaz. Há na crítica acima vazio de conteúdo
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o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
contraposto pela lógica reversa implícita: mesmo que se conviva em realidade jurídica
vocacionada aos valores existenciais, a patrimonialidade tem importância fundamental
27
28
na promoção da pessoa humana, ainda mais aos grupos sociais vulneráveis e sua
relação com a noção de piso vital mínimo (arts. 548 do CC; 928, parágrafo único, Lei
29
8.009/1990).
Portanto, não se pode dizer com segurança que a teoria da incapacidade como está
disciplinada no Código Civil açambarca o livre desenvolvimento da personalidade,
concretizando-se tão somente no cariz patrimonial (liberalista), porquanto a importância
do acervo de bens e direitos na promoção da pessoa é vista a olhos nus como condição
emancipatória do titular de direitos (social).
A título de exemplificação, basta ater-se ao registro destoante do pensamento hegeliano
30
quanto à moradia: "a propriedade constitui o espaço de liberdade da pessoa".
Ou
mesmo ao atual conceito de bens sociais desenvolvido por Luigi Ferrajoli que externa a
31
jusfundamentabilidade das "coisas" para a proteção da pessoa.
3 O arrimo valorativo da recente orientação: da emancipação individual à hermenêutica
emancipatória
A Lei 13.146/2015 (EPD) tem por escopo incluir e promover a pessoa com deficiência
(déficit funcional), conforme Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da qual o
Brasil é signatário. Referido documento internacional tem eficácia direta e imediata no
sistema jurídico pátrio nos termos do § 3.º do art. 5.º da CF, Decreto Legislativo
186/2008 e Dec. 6.949/2009, quando passou a viger internamente, portanto, os direitos
32
ali tratados gozam status de direito fundamental formal.
A pessoa, mesmo com
deficiência de longa duração (física, mental, intelectual ou sensorial), tem direito a
participar plena, efetiva e ativamente da sociedade em igualdade de condições com os
demais (art. 76 da EDP).
A percepção positiva quanto ao EPD decorre de análise histórica. A pessoa com
33
deficiência foi desagregada da sociedade, discriminada como "incapaz", tratada sem
dignidade (e, consequentemente, sem autonomia), sendo os portadores de transtornos
34
mentais submetidos a técnicas manicomiais degradantes.
Justamente em razão do tratamento atentatório às respectivas dignidades, a partir dos
anos 50 inicia-se movimento liderado especialmente por familiares na tentativa de
melhor tratamento jurídico-social às pessoas com deficiência mental mediante o fomento
de associações com escopo de proteção, promoção, difusão de conhecimento e conteúdo
35
a esse nicho humanitário até então esvaziado de inclusão.
Ademais, a busca de
conexões supra estatais acabou articulando novas diretrizes tutelares mediante
instrumentos internacionais não obrigatórios (soft law).
Neste prisma é possível constatar documentos não vinculativos de ordem internacional:
36
Programa de Ação Mundial para as pessoas com Incapacidade; Diretrizes de Tallinn
37
para o Desenvolvimento dos Recursos Humanos na Esfera dos Impedidos; Diretrizes
para o Estabelecimento e Desenvolvimento de Comitês Nacionais de Coordenação na
38
Esfera da Incapacidade ou Órgãos Análogos;
Princípios para Proteção dos enfermos
39
Mentais e para o Melhoramento da Saúde das Pessoas com Incapacidade; e Normas
40
Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Incapacidade.
A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, editada em consenso pluriestatal
pela Organização das Nações Unidas em 2007, adotou as orientações dos citados
documentos internacionais, especialmente no que respeita a assunção do modelo social
para reconhecimento da incapacidade (barreiras) superando em parte o modelo médico
(deficiência), bem como procedeu a continuidade da noção básica de correlação entre os
obstáculos sociais (exclusão, vulnerabilidade e limitação) e o exercício pleno de direitos.
41
Notadamente, porém, a Convenção é vinculativa - e não soft law como os documentos
precedentes - operando efeitos e se integrando ao direto interno.
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
Contudo, referida Convenção muito embora não signifique ruptura com os demais
documentos, também deles se distancia em termos propositivos, considerando: (i)
inclusão de direitos específicos (valem como exemplo: direito à igualdade, acesso aos
direitos humanos e liberdades fundamentais, combate a estereótipos e preconceitos
pelos Estados), sem abandono da carga principiológica; (ii) concretização da autonomia
e independência da pessoa com deficiência como ultrapassagem do anterior paradigma
paternalista e assistencialista; (iii) ampla vedação à discriminação negativa e
paralelamente adoção de discriminação positiva para igualdade substancial; (iv)
reconhecimento no âmbito da diversidade humana da diversidade das pessoas com
deficiência, considerando os tipos de deficiências e tipos de condições sociais (pobreza,
42
gênero, idade) a que as pessoas em promoção estão inseridas.
Mais especificamente quanto à igualdade, a Convenção (e, posteriormente, o EPD) é
dotada de estratégia bifronte: a evitabilidade da discriminação negativa de sujeitos reais
de direito com déficit funcional e a exigência de políticas afirmativas (discriminação
43
positiva) para inclusão do mesmo sujeito.
Discriminar negativamente é distinguir,
restringir ou excluir, por ação ou omissão, o reconhecimento ou o exercício dos direitos e
das liberdades fundamentais.
A propósito, a Constituição Federal já exigia tratamento promocional à pessoa com
deficiência (arts. 7.º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 40, § 4.º, I; 201, § 1.º; 203, IV e
V; 208, III; 227, § 1.º, II, da CF/1988), o que autoriza compreender que a única
discriminação possível é a de natureza positiva, com vistas à igualação efetiva das
44
oportunidades, até porque a não discriminação, por si só, não alcança o conteúdo da
45
igualdade substancial.
A internalização de referido tratado de direitos humanos e a edição do EPD
46
caracterizam-se pela função promocional (dever-fazer)
e valoração da pessoa com
deficiência nas incontáveis situações jurídicas. Três eixos valorativos são verificados: (i)
dar concretude à autonomia e independência essenciais ao livre desenvolvimento da
personalidade (e seus efeitos na capacidade de exercício); (ii) ultrapassar a "ficção
jurídica" (geral e abstrata) que por vezes não consegue compatibilizar o domínio do
47
"saber entender" com o espaço do "saber querer" para proporcionar o "poder-saber" e
o "poder-querer" do emancipado; (iii) reajustar a ciência jurídica como transformadora
da pessoa e sociedade rumo à preparação geral e coletiva quanto aos deveres especiais
48
de atenção, de solidariedade e de respeito às pessoas com deficiência.
Aqui ponto extremamente positivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, porquanto no
desiderato de emancipação das pessoas com déficit funcional, permitiu compreender
igualmente a respectiva emancipação da sociedade e do sistema jurídico com vistas
justamente ao reposicionamento destes dois últimos ambientes conforme objetivo
primordial da Constituição Federal (construção da sociedade livre justa e solidária;
redução das desigualdades; promoção do bem de todos, sem preconceitos e quaisquer
formas de discriminação).
49
Em palavras outras: o antigo e temido "louco de todo o gênero"
50
protagonistas da hermenêutica que emancipa o direito.
é um dos principais
4 As modificações realizadas pelo EPD no plano da capacidade. Nova dicotomia:
deficiência severa e deficiência simples
Como os demais estatutos editados nas duas últimas décadas no Brasil (consumidor,
idoso, infância e juventude, cidades etc.), o EPD tem metodologia diferenciada dos
51
clássicos códigos:
é provido de parte geral caracterizada de conceitos jurídicos,
distribuição de direitos fundamentais e básicos ao grupo que tutela, tendo em seguida
tomo especial exclusivo à autonomia, independência e capacidade da pessoa com
deficiência, para nos títulos derradeiros versar sobre proteção penal, administrativa e
disposições finais e transitórias.
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
Trata-se de legislação de profunda tábua de justiça distributiva, como já observado
quando da análise do tratado de direitos humanos que lhe deu origem. Percebe-se que a
linguagem utilizada nos dispositivos é bastante específica e técnica, no entanto por
vezes concretizada por normas narrativas (mediante princípios e cláusulas gerais) que
auxiliam na compreensão do telos precípuo.
Importante conexão com os lindes do direito do consumidor, além da discussão afeta à
capacidade e vulnerabilidade, se tem na conceituação de "desenho universal" (art. 112,
X, do EPD) que se soma à determinação cogente do Código de Defesa do Consumidor
quanto à segurança na apresentação dos produtos (art. 12, § 1.º, I, do CDC), o que
proporcionará novos estudos sobre a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço.
Mas não só, trata-se de estatuto exigente de amplo diálogo sistêmico (coessencialidade
52
estrutural), especialmente junto aos outros microssistemas e Constituição Federal, a
considerar as circunstâncias subjetivas e objetivas relacionadas à pessoa com
deficiência, os exemplos são fartos: (moradia, profissional de apoio escolar, moradia,
residência inclusiva etc.).
Tollitur quaestio, legislação que merece respeito dos atores e instituições jurídicas pela
natureza jusfundamental valorativa densa e propositiva. Converge em noção semelhante
53
decisão recente do STF.
Entrementes, o EPD no plano da capacidade do sujeito tutelado, objeto do presente
estudo crítico, trouxe severas modificações exigentes de ampla análise, considerando
especialmente a necessidade de emancipação adequada à pessoa com deficiência.
A preservação econômica do incapaz, pela incidência da incapacidade no Código Civil
como averbado, tem por escopo evitar que os interesses patrimoniais da pessoa com
deficiência sejam aviltados, especialmente aqueles compreendidos como piso vital
mínimo. Em suma: além de garantir a segurança no tráfego jurídico, protege-se a
54
extensão de sobrevivência do incapaz. Contudo, alguns percalços quanto às situações
jurídicas subjetivas existenciais eram vistos, como no caso do matrimônio (art. 1.548 do
CC) e adoção. Neste sentido, coube à dogmática interpretar a teoria das incapacidades
criticamente em perspectiva civil-constitucional, valorando as questões existenciais
55
contrariamente à denominada "morte civil" e diferenciando cognição de volição.
O advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que modifica em parte o Código Civil,
56
desloca as pessoas com déficit funcional ao plano da capacidade plena ou, em razões
justificáveis, à curatela (art. 84 do EPD e art. 4.º, III, do CC). Gize-se há modificação
conteudística, já que nos âmbitos do direito da personalidade e direito das famílias a
pessoa com deficiência tem ampla e pioneira capacidade plena reconhecida para:
casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o
direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas
sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a
esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e
comunitária (art. 6.º do EPD).
Destaque temático de amplo empoderamento normativo à pessoa com deficiência,
densamente díspar do regime anterior e ainda com significativa alteração no Código
Civil, é verificado no instituto protetivo da curatela onde limites, potências e vontade do
curatelado são de trato essencial, inclusive inovando-se na modalidade de curatela
57
compartilhada e autocuratela.
Contrariamente
ao
aspecto
médico
ou
manicomial
outrora
havido
na
procedimentalização da interdição, a avaliação de deficiência deve ser realizada em
metodologia biopsicossocial, por equipe multiprofissional e interdisciplinar, levando em
consideração os impedimentos nas funções e estrutura do corpo, fatores
socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho das atividades e a
restrição de participação (art. 2.º, parágrafo único, do EPD).
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
Portanto, não é cabível apenas aferir a "incapacidade" quanto atos da vida civil, mas a
funcionalidade em âmbito socioambiental. A alteração é considerável, pois revela a
incapacidade não a partir das variáveis biomédicas, senão através de modelo social
existente, conforme as barreiras criadas pela sociedade e a necessidade de integração
do titular de direitos nela. Deste ponto de vista, pode-se dizer que a incapacidade não é
atributo meramente individual, senão resultado do conjunto complexo de condições
criadas pelo ambiente circundante, cuja resolução requer ação e responsabilização
social.
Apropriado guia de apoio aos avaliadores está consubstanciado na Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Pode-se dizer que a CIF
"constitui-se como um novo paradigma dos conceitos de funcionalidade/incapacidade,
mas também relativamente aos conceitos de saúde/doença, qualidade de vida e
bem-estar; onde se enfatizam as aptidões sociais, as habilidades pessoais e a
capacidade física de forma multidirecional e dinâmica, onde todos os seus componentes
58
interagem equitativamente entre si".
A partir da entrada em vigor do EPD as hipóteses de transtorno mental (déficit psíquico
ou intelectual) foram retiradas do rol de incapacidade absoluta (art. 3.º do CC) e
apenas, em casos específicos e comprovados satisfatoriamente de deficiência severa ou
qualificada, podem dar causa à curatela (arts. 6.º e 84 do EDP). Caso contrário, o
transtorno mental será simples do qual não decorrerá incapacidade alguma. Do exposto,
então, verificam-se dois níveis de deficiência: a severa (exigente de curatela e com
59
efeitos assemelhados à incapacidade relativa)
e a simples que dispensa instituto
protetivo.
À revogação quase que completa do art. 3.º do CC somou-se alteração igualmente
significativa no dispositivo seguinte (art. 4.º do CC). Destarte, com o advento do EPD
não faz sentido tratar como incapaz o titular de direito que, por deficiência mental, tenha
discernimento reduzido. Observe que a redação do inc. II do art. 4.º teve suprimida a
segunda parte, permanecendo relativamente incapazes apenas os ébrios e toxicômanos
habituais. Como já assinalado, trata-se de medida compensatória de igualdade, rumo à
superação do assistencialismo.
Chama a atenção, todavia, o dispositivo previsto no inc. III do art. 4.º do CC, verdadeira
estratégia normativa aproveitada pelo EPD. A hipótese fática anteriormente referia-se
àquela pessoa sem formação mental completa, como no caso do surdo-mudo (deficiência
sensorial) desprovido de educação adequada ou daqueles nascidos com anomalias
60
congénitas, exemplificados pelos portadores de síndrome de down. O EPD suprimiu a
referência normativa e na alteração reorientou o antigo inc. III do art. 3.º do CC para o
também inc. III do art. 4.º com a seguinte redação: "aqueles que, por causa transitória
ou permanente, não puderem exprimir sua vontade".
61
Parece que tal dispositivo reforça a generalização por norma de reenvio, isto porque a
pessoa com déficit psíquico ou intelectual, de natureza severa, estará na condição de
sujeito impossibilitado de manifestar a respectiva vontade o que abre espaço para
inúmeras situações funcionais, no entanto a iguala àquelas posições de outras pessoas
que, por diversos motivos (internação na UTI, estado de coma etc.), estejam impedidas
em participar sua volição. Portanto, a curatela dá-se mais ao nível da vontade do que
cognição. Na vertente, será igualmente o caso de nomeação de curador (art. 1.767, II,
62
do CC).
Lado outro, ainda o EPD desprega-se da expressão "interdição" carregada de formato
linguístico restritivo e limitador para adotar a curatela quando, e desde que,
efetivamente necessária (art. 84, § 1.º, do EPD). Portanto, a regra geral para as pessoas
com déficit funcional é justamente a capacidade plena, sendo a curatela medida
extraordinária exigente da avaliação biopsicossocial multidisciplinar a partir da
verificação de deficiência qualificada e limitada aos efeitos patrimoniais na relação de
proteção.
Página 8
A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
Por derradeiro, adicional alteração proporcionada pelo EPD no Código Civil está
assentada no recém-inserido art. 1.783-A cujo escopo é criação de novo modelo
protetivo: a tomada de decisão apoiada, já verificado desde 2004 na legislação italiana.
63
Para esse instituto de apoio, categorizado como processo, a pessoa com deficiência,
desde que não seja qualificada, pode eleger duas pessoas idôneas, com as quais tenha
vínculo e gozem da inerente confiança, para auxílio na tomada de decisões sobre atos da
vida civil.
O exemplo aqui poderia abarcar os cegos, surdos-mudos, enfim pessoas com capacidade
psíquica plena, mas com déficit físico ou sensorial, isto porque podem exprimir vontade,
64
o que difere da eventualidade pressuposta na nova redação do art. 4.º, III que
possibilita a curatela pela ausência de volição.
5 Diagnóstico jurídico: emancipando inconsequentemente
Não há espaço para dúvidas de que a emancipação proporcionada pelo EPD,
aprioristicamente, deva ser material e formalmente acorde com as diretrizes
transconstitucionais e constitucionais fundantes e vigentes, bem como coordenada e
harmoniosa com outros microssistemas e elementos legislativos do ordenamento. É o
65
66
que se diz da pertinencialidade e conexidade entre as normas a partir dos critérios
67
de ordenação e unidade (ordem teleológica de princípios gerais do direito).
Porém a questão aí não se encerra. Ainda o aludido estatuto, a posteriori, muito mais
além do que se pressupõe quanto ao cumprimento dos deveres de "coerência" e
"unidade" a que todo dispositivo está adstrito - porque não basta haver liame racional
68
entre normas - sobeja outra imposição: l'argomentazione orientata alle conseguenze. É
que qualquer legislação ou decisão cumpre legitimar-se pelos resultados de modo que
haja ampla justificação e razoabilidade entre os elementos jurídicos e as consequências
deles projetadas socialmente.
O momento da entrada em vigor do EPD emancipando as pessoas com deficiência exigirá
do Poder Judiciário (e demais órgãos públicos - especialmente do Ministério Público - e
entes privados) extrema cautela, haja vista que a "adjudicação" total das disposições
sobre a capacidade, sem posicionamento crítico e em acordo a sociedade de consumo
vivente, importará em prejuízos que afetarão não somente o emancipado, mas
69
especialmente seus familiares e a partir disso a sociedade.
A retirada da campânula normativa outrora fixada pelo Código Civil é conducente ao
seguinte diagnóstico jurídico: se não há como verificar a realização da hipótese
dispositiva na espécie, muito menos se expressará de forma concreta a consequência
70
abstrata juridicamente desejada, pois o simples "apagar" da incapacidade, sem a clara
preservação dos efeitos dela espargidos - e que poderiam ser mantidos adequadamente
na nova legislação -, esvaneceu a sustentação essencial na promoção e preservação da
pessoa com deficiência.
Pode-se aqui desenvolver certa prognose referente a maior perigo e danosidade (ou
ruína) ao tutelado. É fato que o EPD comanda mudança de rumo da sociedade mediante
71
a fixação de deveres a favor das pessoas com deficiência. Entrementes, pressupor da
sociedade as considerações acerca da capacidade ou grau de cognoscibilidade para
negócios ou contratações diárias é antes de tudo proceder com maior desídia legislativa
relativamente às pessoas com déficit funcional de natureza mental ou psíquica. Evidente
que cabe ao fornecedor amplos cuidados e mesmo precaução (dever saber, caput do art.
10 do CDC), ocorre que mesmo assim as hipóteses protetivas decorreriam pós negócio
ou dano consumado, o que fragilizaria a melhor tutela que, sobretudo, tem base ex ante.
Corre ainda paralela a ameaça, dado o profundo recorte axiomático imposto no plano
das incapacidades, que o EPD, neste campo emancipatório, seja ignorado, tornando-se
72
legislação meramente simbólica e, a partir de então, amesquinhe o escopo magno de
promoção do sujeito que pretende destacar, diferenciar e melhorar a qualidade de vida.
Página 9
A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
Ante a esse breve introito propõe-se três variantes específicas que reclamam análise
crítica na emancipação da pessoa com deficiência.
5.1 A incapacidade extinta, a vulnerabilidade eventual, a hipervulnerabilidade
desperdiçada: a criação do hipersujeito de direitos
Não há dúvidas de que ao modificar profundamente os dispositivos atinentes à
capacidade no Código Civil com visos à igualdade substancial, concedendo autonomia e
independência ao titular de direitos, o EPD seguiu a lógica de evitar, sempre que
73
74
possível, o paternalismo e o asistencialismo, retirando a pessoa com deficiência dos
arredores da comiseração e projetando-a em intensa potencialidade; emblemático, a
propósito, o § 2.º do art. 4.º quando estabelece: "a pessoa com deficiência não está
obrigada à fruição de benefícios decorrentes da ação afirmativa".
Para crítica propositiva, que parte para identificar especificamente a causa que subjaz a
significativa alteração da teoria da incapacidade pelo EPD, é necessário compreender
tanto "autonomia" e "independência" (do titular de direitos) como princípios basilares da
75
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
observados à luz do valor da
dignidade humana. A tanto, desde já advirta que autonomia e independência são
princípios recíprocos, congêneres e interativos que refletem diretamente na capacidade
do sujeito de direitos.
A autonomia tem núcleo interno focado na liberdade, concretizando o exercício
independente de direitos pela posse do estado de personalidade. Está a indicar que,
76
normatizando a si próprio, pressupõe-se do indivíduo a capacidade de julgar, analisar,
77
criticar, verificar o certo e o errado. Por sua vez, a independência confere a condição
78
de existência, validade ou capacidade de determinado ente sem exigir a ação de outro.
Some-se a ambos os princípios, a abstração fecunda da dignidade da pessoa humana,
situada como valor insubstituível e aríete de limitação aos Poderes Públicos e privados,
que após a segunda grande guerra trouxe novo significado à cultura do Estado,
inundando a filosofia política e filosofia jurídica nos giros antropológico e biocêntrico. A
doutrina alemã indica justamente que a dignidade só se faz como "realidade no
ordenamento quando assegura uma esfera ao indivíduo que lhe permite atuar como ser
79
independente e responsável de si mesmo".
Por conseguinte, no plano axiomático da Convenção, entre nós internalizada e positivada
pelo EPD, prepondera certa coerência na ruptura da teoria da incapacidade como
assentado no Código Civil, pois para a justa emancipação das pessoas com deficiência, a
incapacidade na modalidade até então figurante no sistema jurídico projetaria não
apenas distorções conceituais, mas normativas, impedindo a fluência necessária da
autonomia e independência de todo almejada pelo específico tratado de direitos
80
humanos com dedicação exclusiva à dignidade pessoa com déficit funcional.
Vale dizer em poucas palavras: O EPD detém a técnica jurídica de ultrapassagem da
pessoa com deficiência "estaticamente passiva" (receptora de assistência) para a pessoa
"funcionalmente ativa" (formadora de pensamento e inserida nos rumos sociais).
Contudo se vê que ao EPD caberia ir além: buscar ampla sincronia com o documento
internacional de direitos humanos que é sua "raiz" e demais fontes normativas,
emancipando as pessoas com deficiência mediante a preservação dos efeitos tutelares
adequados e que não importassem no rebaixamento (ou contradição) à capacidade
conquistada. A manutenção de efeitos ajustados, especialmente aqueles relacionados à
prescrição e decadência, responsabilidade civil, à tutela patrimonial originária das
sucessões, à proteção contratual e prevenção de práticas abusivas, seria medida
equivalente e salutar. Trata-se de promover a emancipação suficiente e não a mera
emancipação.
Observe que a própria Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência ao emancipar a
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
pessoa com déficit funcional impõe para as tratativas patrimoniais limites aos usos do
mercado, vedando qualquer medida arbitrária que solape o acervo de bens do titular de
direitos. O item 5 do art. 12 é de clareza solar: "Os Estados Partes, sujeitos ao disposto
neste artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às
pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as
próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras
formas de crédito financeiro, eassegurarão que as pessoas com deficiência não sejam
arbitrariamente destituídas de seus bens".
81
E neste ponto o EPD é falho e omisso, pois não traz as mesmas "salvaguardas",
82
apenas laconicamente dispõe que a curatela se refere às questões patrimoniais, não
fixando a ampla proteção que a pessoa com deficiência está a merecer, nos termos da
própria convenção, o que poderia, inclusive, dar ensejo ao controle de
convencionalidade.
Via de consequência, pode ser asseverado que a emancipação proporcionada pelo EPD
sem a preservação dos efeitos gerais protetivos derivados da incapacidade e desde que
adequados ao novo status de autossuficiente impõe ameaças incalculáveis às pessoas
com deficiência. Mas há algo a mais: a vulnerabilidade e (seu aprofundamento) a
hipervulnerabilidade.
Repise-se na diferença projetada dogmaticamente quando da vigência do Código de
Defesa do Consumidor: enquanto a incapacidade revela a ausência de condições
indispensáveis ao exercício direto e pessoal de direitos subjetivos na órbita civil, a
vulnerabilidade move-se, não no entorno de requisitos para fatos jurídicos, mas para a
órbita de fragilidade da pessoa situada em ambiente negocial. Com gênese nos tratados
de direitos humanos, o princípio da vulnerabilidade (imbalances) decorre de "presunção
absoluta" de lei (art. 4.º, I, do CDC) de que há desequilíbrio significativo de posições
jurídicas entre o agente tutelado constitucionalmente (e exposto às mais diversas falhas
83
de mercado) e os fornecedores.
Originalmente clássica porque decorrente de processos indutivo e dedutivo, a presunção
é técnica de construção do direito pela qual através de determinado fato conhecido,
caracterizado pela reiteração e consequência ordinária, formula-se regra genérica de
natureza indutiva (lógica fundada na experiência). Assentada a regra geral, que será a
premissa maior (verdade da experiência), aplica-se o fato embutido no caso concreto,
premissa menor, sendo que a conclusão assimilada será conhecida como presunção ou
84
probabilidade, obtida dedutivamente (subsunção).
Ocorre que a vulnerabilidade, como presunção no microssistema protetivo, é positivada
85
instrumentalmente por princípio (mandado de otimização)
e não via regra, o que
autoriza juízo de ponderação, densidade axiológica, flexibilidade, plasticidade e
diferenciação de sujeitos para justiça distributiva, permitindo restrições (v.g.,
destinatário final e não profissional) e ampliações (que não sejam contraditórias ao
sistema; v.g., finalismo aprofundado). Em outras palavras, presume-se por princípio
("modelo" argumentativo) e não regra ("modo" dedutivo).
Daí fica fácil "presumir" que o consumidor é agente vulnerável no mercado, porque a
experiência humana traz a verdade obtida pela lógica jurídica de que a pessoa inserida
neste meio circundante e desprovida de tutela eficaz está facilmente exposta a
circunstâncias pesarosas, díspares e abusivas. Enfim, é sujeito de direitos
constantemente sujeito a injustiças. Por isso, a presunção da vulnerabilidade conduz
86
substancialmente a igualitária aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Justamente aqui revela-se novo ponto nevrálgico e sensível de retrocesso. Por parte do
EPD, além da retirada sem cuidados da incapacidade, a condição de vulnerabilidade
somente advém de forma extraordinária, excepcional, invencível. Firme-se que o EPD no
parágrafo único do art. 10 atrelou o reconhecimento da vulnerabilidade apenas às
87
situações de risco, emergência ou calamidade pública. Paradoxalmente, enquanto no
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
Código de Defesa do Consumidor a vulnerabilidade é presunção absoluta (inderrogável e
erga omnes) alcançando toda pessoa física, considerando a inerente posição
desequilibrada no mercado, no EPD seriam as circunstâncias anormais, atípicas e
inusitadas que abriram espaço para a sua manifestação.
Duro golpe no direito privado de direitos humanos, pois se a presunção de
vulnerabilidade no Código de Defesa do Consumidor já é indicativa do risco, no EPD o
legislador fez lógica inversa, exigindo a manifestação da situação arriscada para a
concretude do mencionado princípio, abandonando o caudaloso instrumental da técnica
presuntiva. E não só, ainda no EPD a vulnerabilidade restou atrelada alternativamente à
emergência ou calamidade pública, conceitos indeterminados de direito público
caracterizados pela singularidade e raridade. Em situações de normalidade, portanto, a
pessoa com deficiência não é vulnerável.
Em sequência remarque-se que a hipervulnerabilidade é normativamente (art. 39, IV, do
88
CDC)
constatada naquelas circunstâncias fáticas respeitantes às pessoas
contingencialmente situadas em demais assimetrias, as quais se somam à qualidade de
consumidor vulnerável. São condições humanas e sociais a ensejar desníveis
potencialmente acentuados, levando em consideração: linguagem (analfabetismo
89
90
91
92
absoluto
e analfabetismo funcional),
idade (idoso
e criança),
território
93
94
95
(estrangeiros, imigrantes),
saúde
(enfermidade), medo
(e o dolo de
96
aproveitamento pela publicidade enganosa). E justamente pelo intenso e considerável
desequilíbrio são vítimas comumente de posições abusivas que atentam contra a
97
inerente fragilidade (l'abus de faiblesse).
Modus in rebus: a compreensão da vulnerabilidade esporádica (ou eventual) somada à
inexistência de incapacidade conforme assentado pelo EPD, fragiliza o reconhecimento
da hipervulnerabilidade a ponto de desprezá-la como instituto, outrora, de essencial
98
arrimo para a promoção da igualdade da pessoa com deficiência.
Via de consequência, pode-se chegar à seguinte conclusão: enquanto o absolutamente
capaz é vulnerável no mercado por força de presunção juris et de jure prevista no
Código de Defesa do Consumidor, a pessoa com deficiência ou pessoa emancipada
somente será vulnerável se comprovar risco, emergência ou estado de calamidade, nos
termos do parágrafo único do art. 10 do EPD, sendo pelo mesmo dispositivo
questionável a posição de hipervulnerabilidade, o que destoa do campo da veracidade na
sociedade de consumo.
Parece, pois, que a positivação do tratado exuberantemente empoderou a pessoa com
deficiência. O intuito correto e prudente da necessária emancipação deveria estar aliado
às ferramentas jurídicas que logicamente concedessem tutela, promoção e racionalidade.
E isso equivale a parcialmente concluir: se de um lado o EPD transformou a pessoa com
deficiência num "hipersujeito" de direitos, ao ponto de guindá-la em igualdade ao
mercado e ao fornecedor (desprezando-se as salvaguardas), de outro, deu azo à crítica
quanto à banalização da conquista, pois a extensão interpretativa da capacidade acaba
gerando situações desarrazoadas, ilegítimas socialmente, à beira da injustiça corriqueira.
99
5.2 O desprezo à ancoragem como referência e a emancipação na sociedade incivilizada
Não tenha dúvidas do magno e prudente telos do EPD na emancipação da pessoa com
déficit funcional (inclusive aqueles de natureza mental e intelectual), mas como acima
averbado faltaram maiores cuidados especialmente com a proteção patrimonial desse
destacado sujeito de direitos, porquanto a concessão da capacidade nos moldes postos
superestima as potências do emancipado para interagir no ambiente mercadológico, sem
o necessário assentamento das contracautelas normativas. Afora as próprias interações
extrapatrimoniais que igualmente podem arruinar a pessoa com deficiência.
Tomando por base dois grandes institutos de direito privado, a concedida emancipação
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
perde totalmente a significação jurídica e se torna a verdadeira bancarrota da pessoa
com deficiência. Os institutos são o contrato e a responsabilidade civil. Exploremos cada
um, respectivamente.
A análise do novo perfil da capacidade na formatação, execução e extinção do vínculo
contratual enseja pesquisa em diversos matizes: estrutura, função, conexão e coligação,
100
hermenêutica (em especial a pertinente abordagem existencial
que bem calha à
espécie), bem como teoria geral. Para não perder a metodologia da pesquisa, opta-se
apenas pela inserção de breve consideração quanto ao princípio do consensualismo,
portanto um dos pilares da teoria geral do contrato.
101
Dentre os princípios que enformam
e informam o contrato observa-se aquele
designado como consensualismo ou mais conhecido como liberdade de formas. A base
histórica é logo firmada na codificação civil francesa como manifesto normativo que
retira quaisquer obstáculos para a celebração de contrato (enquanto relação jurídica
bilateral de natureza patrimonial). Neste ponto, o direito francês despregou-se do direito
romano, considerando ser esse último caracterizado por amplo formalismo na celebração
102
dos pactos.
Dessarte, a exigência de forma na elaboração dos contratos seria naquela ideologia
manifestação acintosa contra vontade, dogma absoluto para a burguesia com plena
103
ascensão ao poder
e que não queria entraves para a circulação de riquezas e, muito
menos, a intervenção estatal.
Ocorre que a ampla liberdade sem limites é por demais campo fértil para desequilíbrios
nas posições jurídicas, tanto que diversos microssistemas partem a exigir modelos
formais no âmbito das relações jurídicas justamente no intuito de conferir maior
proteção ao vulnerável, igualando-os substancialmente. É o caso, v.g., do termo de
garantia contratual que, conforme parágrafo único do art. 50 do CDC, deve ser
formulado e preenchido pelo fornecedor de maneira adequada, inclusive com o manual
de instrução, instalação e uso do produto.
O EPD ao conceder a capacidade plena descurou-se desta excelente alternativa protetiva
ensejando a possibilidade clara da pessoa com deficiência contratar sem os anteparos
tutelares sempre necessários, mesmo porque a vulnerabilidade na mencionada Lei como se viu - é apenas eventual. Deveria o EPD trazer em seu bojo normativo
parâmetros essenciais para observação da forma nas relações contratuais (ou negociais
patrimoniais) de acordo com o caso concreto, permitindo a exigência do relevante
104
princípio toda vez que houvesse "razão suficiente".
À guisa de observação seria de todo prudente que o EPD positivasse novas modalidades
de consentimento esclarecido, de maior obrigatoriedade quanto às informações (com
finalidade de ampla cognição dos termos contratuais) e que, inclusive, estabelecesse
perspectivas adequadas de cláusulas abusivas a considerar o direito fundamental e a
funcionalidade, inerentes à pessoa com deficiência. Deveria ainda incrementar e
aumentar as funções do Ministério Público para desempenho de fiscalização promocional
da pessoa com deficiência neste sentido.
De igual sorte a responsabilidade civil. A emancipação sem maiores cuidados
proporcionada pelo EPD tem caráter pedagógico negativo, pois a concessão da
capacidade plena à pessoa com deficiência dá ensejo que responda diretamente pelos
danos que causar, sem que a indenização continue no tipo subsidiário, conforme
assentado outrora na conjunção entre os arts. 932 e 928 do CC/2002, inclusive com
necessário arrimo ao patrimônio mínimo na modalidade do parágrafo único do último
dispositivo.
O legislador no EPD abdicou-se em diferenciar a capacidade negocial da capacidade
delitual, implicando em verdadeiro retrocesso ao tutelado, porque além de permitir que
responda pelo ilícito mediante avaliação da ausência do devido cuidado e previsão (culpa
Página 13
A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
), ainda abre espaço para a dilapidação patrimonial. É como já inscreveu a doutrina
105
outrora: feriu-se o direito subjetivo do incapaz à inimputabilidade.
Nos institutos acima demonstrados vê-se com tranquilidade o equívoco na internalização
da Convenção, promovendo-se em demasia a capacidade da pessoa com deficiência e ao
mesmo tempo aumentando a exposição à danosidade e à fragilidade em ambiente já
consideravelmente pernicioso aos "capazes" de outrora. Dito de outra forma, no
processo legislativo do EPD era necessário quanto aos princípios de "autonomia" e
"independência" cuidar das consequências e especialmente prevenir que o mercado
ainda tirasse proveito desse nicho caudaloso de direitos fundamentais.
Desde a sedimentação da sociedade pós-industrial a questão que se põe é justamente a
individualização, "o estar só", a despersonalização, o consumismo, a agressividade do
capital financeiro e a insolência do mercado desterritorializado. A pessoa com deficiência
emancipada é agora reinserida autonomamente neste nicho sem contracautelas. O EPD
teria contribuição humanística ainda melhor quanto às questões contratuais e
patrimoniais - que lançam a pessoa com deficiência diretamente no mercado - se
preocupasse em não só emancipar, mas também "evitar" os prejuízos das sociedades
106
incivilizadas
revisitando o conceito de capacidade, não o anulando simplesmente.
Por isso a inovação proporcionada pelo EPD é parcialmente pertinente, porquanto
deveria, para evoluir na imensidão valorativa que a pessoa com deficiência tem direito,
não se desprender dos "pontos jurídicos fixos" que servem como âncora para a
necessária proteção, arrimo e fundamento de qualquer inclusão social (dentre ela, a
mercadológica).
Vale a tanto, a lembrança experiente da adequada teoria do direito: "não cabe pensar
em amarrar, em fixar, em combater a inovação e a desordem necessária, criadora e
inovadora. Ao contrário, trata-se de estabelecer alguns pontos fixos, que permitem a
inovação e a autonomia individual, mas não a perda de sentido. Trata-se de navegar,
mas conservando o mar, o céu e as estrelas que nos guiam. Os valores e bens coletivos
107
são essas estrelas que guiam o navegante".
Observe-se que situação aproximada já ocorrera no sítio jurídico consumerista. Na
108
Europa, narra a doutrina,
que após a instalação dos direitos do consumidor mediante
a inauguração de acervo principiológico (acquis consommateur, próprio da fase
pré-intervencionista estatal) houve reação por parte da escola de análise econômica do
direito na ampla tentativa de livrar o mercado das inserções legais que sucumbiam a
"eficiência", contando com o apoio das críticas políticas existentes em face do Estado do
estar-social, o que fragilizou a fase intervencionista do direito do consumidor. Na atual
etapa, pós-intervencionista, o direito do consumidor seguiu resistindo às tentativas de
desregulamentação, justamente considerando os pontos fixos e essenciais deste corpo
jurídico: direito à informação, responsabilidade pelo produto, proteção contratual,
contratos à distância.
5.3 A incidência em proibição de insuficiência
Pode-se arriscar que o EPD nas circunstâncias postas acima, emancipando fragilmente,
incidiu em insuficiência quanto aos deveres de proteção. Ditos deveres obrigam o Estado
a legislar correta e adequadamente, ademais de exigir dos outros órgãos (Administração
e Judiciário) atuação autônoma no sentido de dar concretude aos direitos fundamentais.
109
Se, como visto, a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que na base
configura tratado sobre direito humano, é recebida com status de Emenda
Constitucional, os direitos nela assentados, deveras, são material e formalmente de
natureza fundamental. E nesse exato ponto cumpre ao legislador orientar-se por eixo de
equilíbrio e coordenação: tratando de regular o novo direito fundamental sem restrições
110
(a não ser aquelas próprias da teoria geral dos direitos fundamentais),
e, ao mesmo
tempo, equivalentemente estabelecer mecanismos de ampla proteção.
Página 14
A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
111
Tendo por base a dignidade da pessoa humana, os deveres de proteção
ganham
proeminência entre os fundamentos e estruturas das relações jusfundamentais
triangulares. Ao apresentar pesquisa sobre tais relações fundamentais, Jorge Pereira da
Silva expressa a existência de concepção trípode pela qual as posições são ocupadas por
um agressor (potencial ou efetivo), pelo lesado (também potencial ou efetivo) e por um
terceiro encarregado da tarefa de coordenar os direitos fundamentais. E arremata:
"Tanto o agressor como o lesado têm natureza jurídica privada, surgindo nesta relação
como titulares de um ou mais direitos fundamentais, que consoante os casos são
exercidos ou são objecto de compreensão. Pela actuação das suas diferentes funções, o
Estado protege a posição jusfundamental do lesado, ao mesmo tempo que procede à
restrição dos direitos contrapostos do agressor. A protecção faz-se à custa da restrição;
112
a restrição faz-se à medida da proteção".
Ora, a observação atenta ao EPD no plano da capacidade desnuda que a emancipação,
mediante concessão de autonomia e independência à pessoa com deficiência, deixou
neste mesmo plano de apresentar restrições (salvaguardas) para os fornecedores e
sequer esboçou deveres de proteção essenciais e preventivos aos eventuais efeitos
patrimoniais negativos que possam ocorrer na órbita da pessoa emancipada. Por isso,
quando o art. 85 do referido Estatuto permite a curatela apenas em questões
patrimoniais, nos moldes da incapacidade relativa do Código Civil de 2002, demonstra
que optou por proteção insuficiente - inviabilizou institutos que poderia regular
adequadamente ao escopo da norma, como prescrição e decadência, proteção
contratual, responsabilidade civil etc. - abrindo a guarda ao questionamento via controle
de constitucionalidade e convencionalidade.
Vale dizer, o Estado Democrático de Direito exige que a proteção seja equilibrada,
equivalente, na potência do direito fundamental tutelado. Há verdadeira proibição de que
113
essa proteção seja deficiente (Untermassverbot),
posto assim permanecendo violará
os patamares mínimos do direito fundamental específico a que legislador está vinculado.
114
A questão ainda acrescenta grande retrocesso
ao desprezar o princípio da máxima
115
proteção do consumidor
na medida em que abandona a presunção de vulnerabilidade
da pessoa com deficiência (a não ser extraordinariamente) e não proporciona as
contracautelas para diversas atividades no mercado, tendo por corolário a
permissibilidade inaceitável de assimetria entre emancipado e fornecedor.
Cinge-se que mencionada assimetria e desequilíbrio são ainda mais reais e com ampla
visibilidade no dia a dia (deveras, empiricamente indicadores de risco) já que derivados
dos tempos pós-modernos onde há constante distanciamento e fragmentação no eixo
entre o desenvolvimento tecnológico de ponta e a incapacidade de acompanhamento e
116
compreensão pela cognição individual,
quer da pessoa plenamente capaz quer da
pessoa emancipada.
6 O risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de consumo
As pontuais abordagens críticas realizadas - insista-se - longe do viés desumano,
preconceituoso e discriminador à pessoa com deficiência têm por escopo contribuir na
compatível aplicação do EPD, mediante amplo diálogo com as demais fontes existentes
em nosso sistema, tonificando ainda mais a necessária promoção. Da maneira como
está, a partir da inserção emancipatória sem cuidados protetivos consequencialistas,
resta intensificada sobremaneira a fragilidade patrimonial do emancipado, especialmente
quando observado no âmbito da sociedade de consumo.
Em dias atuais fatos comuns na sociedade indicam fragilidades em demasia a todos os
setores e grupos de indivíduos (mesmo que "capazes"). Valem os exemplos da chamada
117
"democratização do crédito" e os efeitos nefastos aos grupos de hipervulneráveis
diante das conhecidas práticas abusivas de desconto em folha de estipêndio sem sequer
118
a prova de existência da relação jurídica contratual.
Página 15
A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
A tensão entre mercado e direitos são variadas e multiformes, citem-se: concessão de
119
créditos consignados e direitos dos idosos;
publicidades dirigidas às crianças e
120
prevenção e tratamento ao superendividamento das famílias;
abusos das construtoras
121
e incorporadoras e políticas públicas habitacionais;
surpresas decorrentes do comércio
eletrônico e a inerente necessidade de proteção do usuário da rede mundial de
computadores quanto ao objetivamente declarado e veiculado (proteção da confiança e
122
teoria da aparência).
Sem prejuízo de inúmeros outros desequilíbrios e injustiças, o
que não é sinônimo do bom direito.
Na constatação de que o mercado é ambiente caracterizado por complexas operações,
infinitos negócios jurídicos (especialmente atípicos), redes contratuais, rapidez nas
transações, prestações de serviços perigosas e desprovidas de (clara, verdadeira e
proporcional) informação, produtos inadequados desacompanhados das exigências
mínimas de segurança, publicidades agressivas, persuasivas e reiteradas, a possibilidade
de rebaixamento da qualidade de vida da pessoa é uma constante: quer considerando a
incolumidade existencial, quer a incolumidade econômica.
Neste ponto, o EPD não poderia deixar o sujeito por ele tutelado sem os fundamentos
essenciais para a necessária promoção, mesmo que dentre eles estivesse o patrimônio
123
(o tão criticado "ter" e os efeitos dele decorrentes),
isto porque o rompimento de
paradigma só deve ser compreendido como satisfatório quando a clivagem é para
sublimação da pessoa e não para o contrário: aviltamento. Não é à toa que a doutrina,
vencendo o antigo dualismo da responsabilidade civil, firmou posicionamento sobre a
124
proteção não apenas existencial, mas identicamente patrimonial do consumidor.
Prejuízos serão demasiados e possíveis quando, por exemplo, da criação no nicho do
mercado financeiro de créditos 'especiais' aos novos emancipados com aproveitamento
da inerente dificuldade cognoscitiva na compreensão de direitos e deveres. Celebrados
os contratos de execução continuada, vinculados à conta corrente ou folha de
pagamento da pessoa com deficiência, as instituições financeiras dificilmente darão
conta das informações essenciais quanto ao entabulado (CDC, art. 46): prazo de
vigência, cobrança de acessórios (juros, correção e tarifas), desconto em pagamento
antecipado, margem consignável, comprometimento da renda do núcleo familiar.
Igual lesão decorrerá nos contratos de prestação de serviços de saúde, especialmente
quando a linguagem extremamente técnica possibilitará subterfúgios em reiteradas
negativas pelas operadoras ao sabor de que a pessoa com deficiência, contratante
direta, fora esclarecida durante "entrevista qualificada", das doenças prévias que dariam
ensejo à cobertura parcial temporária. Enquanto pagas as parcelas mensalmente, a
operadora não cumpre a tarefa contratual albergada por cláusula contratual nula de
plena direito (art. 51, I, do CDC), repassando o risco (que é próprio da natureza
contratual) ao agente economicamente mais fraco. O esforço no contrato será
protagonizado apenas pelo emancipado a favor da pessoa jurídica.
De forma semelhante, as operações de compra e venda estabelecidas no mercado em
geral será cenário de injustiças econômicas. Neste ambiente, a capacidade plena
inerente à pessoa com deficiência ensejará amplo repasse de riscos por parte do
fornecedor, deixando de proceder às informações necessárias quanto ao preço,
conteúdo, custo, qualidade e segurança dos produtos (art. 31 do CDC). Neste ponto,
causando potencial desvantagem patrimonial ao emancipado.
Não há dúvidas, pois, da ampla possibilidade da esfera patrimonial do novo emancipado
ser mitigada, caso não se interprete e aplique, mediante critérios racionais, razoáveis e
proporcionais, a capacidade que se fez conquistada.
7 Considerações finais: a interpretação dialógica inclusiva (pro homine) como contributo
integrativo e corretivo
Apontadas as sutilezas e imperfeições do EPD, no que respeita a insuficiência de
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
proteção da pessoa com deficiência conforme a inerente emancipação, ainda assim se
pode dizer superável a necessidade de postular remédios constitucionais para decreto de
invalidade parcial do estatuto (de todo indesejável, considerando o dever de convivência
125
pacífica
entre as disposições legislativas e, especialmente, o titular de direito
envolvido).
Mesmo o legislador na consecução do EPD não prevendo o dever de proteção à altura da
Convenção, fonte positiva de novo direito fundamental, podem efetivamente os demais
órgãos fazê-lo. Há que viver-se em plenitude o novo paradigma que salta da
competência do legislador para a interpretação da sociedade. Enquanto os modernos
validavam o trabalho intelectual na metáfora do legislador (afirmações racionais e
autoritárias que fixavam escolhas), a sociedade contemporânea tem por estratégia a
metáfora do intérprete que traduz as tradições no interior do sistema, "facilitando a
126
comunicação entre participantes autônomos".
Assim, é tranquilamente possível ao Poder Judiciário suprir a falha protetiva em busca de
extirpar aquela insuficiência, até porque "a relação do juiz com os direitos fundamentais
deve ser vista de maneira particular quando são considerados os direitos fundamentais
processuais, especialmente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Quando
um juiz tutela um direito fundamental material, suprindo a omissão do legislador, o
127
direito fundamental tem eficácia horizontal mediada pela jurisdição".
Para a hipótese em questão, excelentes modelos hermenêuticos podem ser seguidos,
possibilitando harmonia entre o núcleo de cada proposta interpretativa, todas chamadas
128
a guindar e promover a pessoa com deficiência. Pensem-se nos tipos argumentativo,
129
130
131
concretizador, participativo
e tópico.
Evidente que nenhum supera o outro e
todos devem contribuir para o melhor resultado.
Busca-se, contudo, a considerar que a matéria versada pelo EPD tem a dimensão
substantiva extremamente ligada aos direitos humanos das pessoas com deficiência, dar
132
primazia a interpretação inclusiva pro homine, própria aos desideratos humanitários,
133
134
acompanhada do modelo dialógico.
O amálgama hermenêutico permitirá a leitura do EPD de forma mais consentânea aos
direitos humanos, protegendo tanto os interesses patrimoniais como as situações
existenciais enquanto pressupostos do livre desenvolvimento da personalidade e
promoção da pessoa com deficiência. Para tanto, ferramenta útil percebe-se com clareza
na positivação do art. 755 do CPC vigente a partir de 2016 que determina ao juiz a
135
conferência dos "limites" da curatela, segundo o estado e desenvolvimento "mental"
do emancipado. Tal dispositivo, sem ufanismo, promove a justiça conforme o caso
concreto, na medida da necessidade cognoscitiva do titular de direitos e supre omissão
do EPD que para o instituto da curatela não elenca a observação intelectiva e psíquica (
136
desenvolvimento mental) do emancipado como critério de prudência judicial.
Essa observação acena que, para o fato específico, possa haver sentença concedendo
curatela ao emancipado em moldes seguros a partir da dualidade de regimes
promocionais (patrimonial e existencial) em ampla coordenação, os quais convergem
para a emancipação satisfatória da pessoa com deficiência.
De um lado, em termos de proteção econômica ao emancipado, buscando estabelecer:
(i) limites para contratação; (ii) divisas para a responsabilidade civil; (iii) marco para a
proteção do acervo patrimonial; (iv) analogamente, prescrição e decadência tomando
137
por base a ordem pública inerente aos direitos humanos.
E de outro lado, ofertando
concretude e ampliação aos interesses existenciais, quer sejam sexuais, familiares,
personalíssimos do titular de direitos.
Neste ponto situa-se a complementariedade entre fontes, vistos que as falhas
emancipatórias do EPD podem ser supridas tanto pelos dispositivos do Código de Defesa
do Consumidor como pelo instituto protetivo da interdição do Código de Processo Civil
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
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que está porvir, todos iluminados e racionalizados conforme a interpretação mais
favorável aos direitos humanos.
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1 NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra:
Coimbra, 1993. p. 189.
2 Assinada em Nova York em 2007.
3 Ver por todos SILVA, Jorge Pereira. Deveres do Estado de proteção de direitos
fundamentais. Lisboa: Universidade Católica Ed., 2015. p. 29. O autor enuncia ao
abordar a liberdade de conformação dos direitos fundamentais pelo legislador adverte:
"Essa liberdade de conformação tem como principal limite o princípio da
proporcionalidade, na sua dupla vertente de proibição de defeito - ou protecção
insuficiente - e de proibição de excesso - ou restrição injustificada".
4 NONET, Philippe; SELZNICK, Philip. Direito e sociedade: a transição ao sistema jurídico
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5 TRINDADE, André Karam. O protagonismo judicial sob a perspectiva da literatura. In:
STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam. Os modelos de juiz: ensaios de direito e
literatura São Paulo: Atlas, 2014. p. 4. Refletindo sobre a jurisdição constitucional e o
papel fundamental desempenhado pelo juiz neste modelo: "Ao contrário do modelo
jacobino - para o qual o direito reduzia-se à lei, enquanto a democracia consistia na
submissão à vontade da maioria -, o paradigma do Estado Constitucional submete o
exame de validade das normas jurídicas aos juízes e tribunais, em face da produção de
um direito ilegítimo verificada durante os regimes totalitários. Nesse contexto, portanto,
em que a jurisdição constitucional torna-se uma peça fundamental da engrenagem do
Estado Constitucional, é que os olhares se voltam para a figura do juiz. Entretanto, salvo
algumas exceções, poucos ainda são os estudos e protagonismo judicial e seus reflexos
em terrae brasilis".
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
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6 GADAMER, Hans. Verdade y método: fundamentos de una hermenêutica filosófica.
Salamanca: 1991. p. 335-337.Com maestria: "En si mismo 'prejuicio' quiere decir un
juicio que se forma antes da covalidación definitiva de todos los momentos que son
objetivamente determinantes. Para el que participa en el proceso judicial un prejuicio de
este tipo representa evidentemente una reducción de sus posibilidades. Por eso en
francés 'préjudice', igual que 'praejudicium', significa también simplemente perjuicio,
desvantaja, daño".
7 SANTOS, Boaventura de Sousa. Ver une conception multiculturelle des droits de
l'homme. Droit et Société, n. 35, 1997.
8 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da
Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1997.
9 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George
Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
10 Ver, por todos, três referências essenciais: BOBBIO, Norberto. A erados direitos. 11.
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direito ambiental 1/281. São Paulo: Ed. RT, 2011. DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de
direitos humanos: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2014.
11 LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética
indolor dos novos tempos democráticos. Trad. Armando Braio Ara. Barueri: Manole,
2005.
12 ALCALÁ, Humberto Nogueira. El diálogo interjurisdiccional y control de
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STRAPAZZON, Carlos Luiz (orgs.). Direitos humanos e fundamentais na América do Sul.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 15
13 PUCCINELLI JÚNIOR, André. A omissão legislativa inconstitucional e a
responsabilidade do legislador. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 125. Diz o autor, com apoio
em Jorge Miranda explica: "o dever constitucional de legislar tanto pode não ser
satisfeito como o pode ser de modo integral ou parcial. O cumprimento parcial e o não
cumprimento do dever constitucional de legislar caracterizam, respectivamente, a
inconstitucionalidade por omissão parcial (relativa) e a total (absoluta) ".
14 "Art. 2.º. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma
ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas."
15 LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2006. p. 133.
Empresta a seguinte abordagem fenomenológica: "La es creada por la publicidade, el
marketing, los atractivos como el sorteo, la conexión entre bienes de distinta naturaleza,
la creación de situaciones jurídicas de cautividad. El consumidor, en muchos casos, no
compra porque necessita ni es la necesidad la que crea la oferta; es a la inversa, la
oferta crea la necesidad. Se compra porque se vio uma buena publicidade, porque se
desea un status particular que va associado el producto, porque se ganó un sorteo,
porque se está en una situación cautiva que obliga a comprar; se pagam precios porque
no hay otras opciones, se adquieren accesorios porque están aderidos inevitablemente al
bien que se desea".
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
16 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Princípios de direito civil luso-brasileiro. São Paulo: Max
Limonad, 1951. p. 69. Ensina: "Todo homem tem capacidade jurídica, mas alguns não
podem exercê-la e dizem-se incapazes, por exemplo, o menor é pessoa, mas não capaz.
Estas duas situações costumam ser designadas por capacidade de gozo e capacidade de
exercício, mas, para evitar confusões, é preferível distinguir-se entre personalidade e
capacidade".
17 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 110.
Adverte: "A capacidade de exercício é também denominada na doutrina capacidade de
fato, capacidade de agir ou capacidade negocial, isto é, capacidade da pessoa agir com
eficácia jurídica, em especial a capacidade de produzir, mediante negócios jurídicos,
efeitos jurídicos para si e para outros".
18 LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 18.
19 DINIZ, Maria Helena. Cursode direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 62.
20 MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. 4. ed. António Pinto
Monteiro e Paulo Mota Pinto (atual.). Coimbra: Coimbra, 2005. p. 195.
21 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense,
1980. p. 201.
22 FREITAS GOMES, Luiz Roldão. Norma jurídico, interpretação e aplicação: aspectos
atuais. Doutrinas essenciais de direito civil 1/1315. São Paulo: Ed. RT, 2010.
23 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 68.
24 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil: estrutura e função.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 55. Pondera: "Provada sua incapacidade, não há que
se falar em responsabilidade subjetiva a partir de uma certa idade, pois que sua
incapacidade funda-se na impossibilidade de entender o caráter ilícito do fato e
determinar-se de acordo com este entendimento".
25 CARNACCHIONI, Daniel Eduardo. Curso de direito civil: parte geral. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010; FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. Capacidade
civil: fixação de novos paradigmas para a construção de um regime jurídico voltado à
tutela da dignidade humana. In: EHRHARDT JR., Marcos. Os 10 anos do Código Civil:
evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 42.
26 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 325. Dizem os autores: "É que se destaca uma
disparidade injustificável, um verdadeiro despautério jurídico. Afastar um sujeito da
titularidade de seus direitos, obstando-lhe a prática de quaisquer atos da vida civil e dos
próprios direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente, concedendo-lhe tutela
tão somente aos interesses patrimoniais, a ser efetivada por intermédio de terceiros (o
representante legal), relegando a um segundo plano os seus interesses existenciais".
27 CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Para além das coisas. Breve ensaio sobre o direito, a
pessoa e o patrimônio mínimo. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira et al (org.). Diálogos
sobre o direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
28 AÑON ROIG, María José. Grupos sociales vulnerables y derechos humanos: uma
perspectiva desde el derecho antidiscriminatorio. In: MARTÍNEZ, Gregorio Peces-Barba;
GARCÍA, Eusebio Fernández; ROIG, Rafael de Asís; ROIG, Francisco Javier Ansuátegui;
LIESA, Carlos R. Fernández (orgs.). Historia de los derechos fundamentales. Tomo IV.
Cultura de la paz y grupos vulnerables Libro II. Madrid: Dykinson. 2013. p. 609.
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
29 STJ, Súmula 364: "O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".
30 Ver em SARLET, Ingo Wolfgang. Notas a respeito do direito fundamental à moradia
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo
Wolfgang (coords.). Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e
crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 687-721.
31 FERRAJOLI, Luigi. Por uma carta de bens fundamentais. Sequência 60/29-73, jul.
2010, Florianópolis: UFSC, p. 56. Inovando quanto ao garantismo: "No mundo hodierno,
como provam o desemprego endêmico que aflige as nossas sociedades e as migrações
em massa repelidas nas nossas fronteiras, rompeu-se irremediavelmente a relação entre
sobrevivência, trabalho, e iniciativa individual autônoma. Sobreviver, portanto, é sempre
menos um fato natural e sempre mais um fato social. Daí, na ausência de garantias
sociais de sobrevivência, as desigualdades crescentes nos países ricos e a miséria
apavorante na qual vivem e morrem todo ano milhões de seres humanos, não obstante
o enorme aumento da riqueza produzida sobre o planeta. E, em consequência, a
mudança no alcance do 'direito à vida' estabelecida pelo art. 3 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos: a vida encontra-se hoje ameaçada pela falta dos bens sociais - a
água, o alimento e os medicamentos essenciais - em medida incomparavelmente maior
do que pela possibilidade da sua supressão violenta por obra da criminalidade e até das
guerras. Por isso, o clássico direito à vida, cuja tutela foi assumida desde Thomas
Hobbes como a razão de ser do direito e das instituições políticas não pode hoje deixar
de incluir, ao lado do direito de não ser morto, também o direito a sobreviver, e,
portanto, a fruição dos bens necessários para tal fim".
32 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no
direito brasileiro. Doutrinas essenciais de direito constitucional 10/1499. São Paulo: Ed.
RT, 2015. Portanto, permite controle de convencionalidade: "É bem sabido que a EC
45/2004, que acrescentou o § 3.º ao art. 5.º da CF/1988, trouxe a possibilidade dos
tratados internacionais de direitos humanos serem aprovados com um quórum
qualificado, a fim de passarem (desde que ratificados e em vigor no plano internacional)
de um status materialmente constitucional para a condição (formal) de tratados
'equivalentes às emendas constitucionais'. Tal acréscimo constitucional trouxe ao direito
brasileiro um novo tipo de controle à produção normativa doméstica, até hoje
desconhecido entre nós: o controle de convencionalidade das leis".
33 A expressão "incapaz" ganhava (e ainda ganha) preconceituosamente dimensões
além dos limites do direito. Enquanto juridicamente a incapacidade sempre revelou
sentido protetivo especialmente pelo direito civil, no âmbito social não solidário e
egoístico a expressão incapaz desencadeia significados verdadeiramente torpes e
agressivos tais como "inútil", "improdutivo", "limítrofe". Evidente que por esta
perspectiva a releitura da expressão "incapaz" é bem-vinda.
34 Foucault, Michel. A história da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1995.
35 É o caso da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) como associação
constituída por pais e amigos dos excepcionais para prevenir e tratar e promover o
bem-estar e desenvolvimento da pessoa com deficiência. Constituída no Brasil em 1954,
a partir da visita da norte-americana Beatrice Bemis, mãe de uma criança portadora de
síndrome de down.
36 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 03.12.1982.
37 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 15.03.1990.
38 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 16.12.1991.
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
39 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 17.12.1991.
40 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 20.12.1993.
41 COURTIS, Christian. La Convención sobre los derechos de as personas com
discapacidad ¿Ante um nuevo paradigma de protección? In: SARLET, Ingo Wolfgang;
GOMES, Eduardo Biacchi; STRAPAZZON, Carlos Luiz (orgs.). Direitos humanos e
fundamentais na América do Sul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 193.
42 COURTIS, Christian, op. cit., p. 197.
43 Basta observar a carga de direitos deferida à pessoa com deficiência: além de direitos
fundamentais, direitos à habilitação e reabilitação, direito à saúde, direito à educação,
direito à moradia, direito ao trabalho, direito à assistência social, direito à previdência,
direito à cultura, ao esporte, cultura e lazer, direito ao transporte e mobilidade.
Entretanto, o art. 8.º do EPB tem demonstração mais acentuada de política afirmativa:
"Art. 8.º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com
deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à
profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao
transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à
comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à
liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição
Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e
econômico".
44 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ações afirmativas, justiça e igualdade. Doutrinas essenciais
de direito constitucional 8/672. São Paulo: Ed. RT, 2015. Com apoio em Luiza Cristina
Fonseca Frischeisen e Carmem Lúcia Antunes Rocha explica: "E somente ações políticas,
aplicadas ou reguladas pelo Estado, em suas diversas esferas da administração, podem
garantir a efetividade da igualdade material, corrigindo desigualdades. E é neste
contexto que se situam as políticas públicas que estabelecem discriminações positivas,
as ações afirmativas. Nesse intento de concretização do princípio da igualdade
substancial, a ação afirmativa, verdadeiro modo de discriminação positiva ou reversa,
apresenta-se como 'o mais ousado e inovador experimento constitucional concebido pelo
direito no século XX, como instrumento de promoção da igualdade e de combate às mais
diversas formas de discriminação. Nos termos do magistério de Carmem Lúcia Antunes
Rocha, 'a ação afirmativa emergiu como a face construtiva e construtora do novo
conteúdo a ser buscado no princípio da igualdade jurídica".
45 MELO, Mônica de. O princípio da igualdade à luz das ações afirmativas: o enfoque da
discriminação positiva. Doutrinas essenciais de direitos humanos 4/1378, São Paulo: Ed.
RT, 2011.
46 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad.
Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007. p. 15.
47 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional.
Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 163. Impressiona a
argumentação do Professor italiano: "Sem entrar na definição médica e estado
patológico, se, isto é, se trata de doença ou insuficiência mental, deve-se observar a
variedade das possíveis hipóteses que dependem não apenas das diferentes origens congênita ou adquirida - mas, sobretudo, da diversidade de graduação e de qualidade da
insuficiência mental (...) Não se pode nem mesmo identificar tout court o insuficiente
desenvolvimento intelectual com a incapacidade consistente na falta das faculdades
volitiva e intelectiva (incapacità naturale)".
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
48 PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Trad. António Francisco
de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 113. Explicam: "Quando nos
ocupamos e direitos fundamentais também nos referimos a deveres fundamentais".
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Trad. Maria D. Alexandre e Mari Alice Araripe de
Sampaio Doria. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. p. 323.
49 Outrora era a expressão contida no inc. II do art. 5.º do CC/1916.
50 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos
hermenêuticos para o contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais
para uma reflexão crítica. Revista Tribunal Superior do Trabalho 77/187, Brasília: TST,
2011. Explica-a: "a partir de uma alavanca histórica e um determinado estímulo
filosófico, sustentar a constitucionalização prospectiva de uma hermenêutica
emancipatória do direito civil brasileiro".
51 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Trad.
Bruno Miragem. Notas Claudia Lima Marques. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 42. Indica:
"De outro modo, no Código, o modelo era dedutivo, gerando uma ciência demonstrativa,
baseada em axiomas, os quais havia de fazer evidentes no caso concreto. O sistema
descodificado, por outro lado, baseia-se em uma ordem distinta, cronológica e
casuística, onde se encontram os enunciados gerais e abstratos".
52 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina
De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 209.
53 BRASIL. STF. ADIn 5.357/DF - rel. Min. Edson Fachin. "Ação direta de
inconstitucionalidade. Medida cautelar. Lei 13.146/2015. Estatuto da Pessoa com
Deficiência. Ensino inclusivo. Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência. Indeferimento. 1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade
democrática que respeita a dignidade humana. 2. À luz da Convenção e, por
consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os
níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim
imperativo que se põe mediante regra explícita. 3. A Lei 13.146/2015 indica assumir o
compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição
ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão
pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o
direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. 4.
Medida cautelar indeferida".
54 Destaca-se aqui o tranquilo exemplo presente no parágrafo único do art. 928 do CC:
"A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar
do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem".
55 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional.
Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 164. Diz o autor: "O
estado pessoal patológico ainda que permanente da pessoa, que não seja absoluto ou
total, mas graduado e parcial, não se pode traduzir em uma série estereotipada de
limitações, de proibições e exclusões que no caso concreto, isto é, levando em
consideração o grau e qualidade do déficit psíquico, não se justificam e acabam por
representar camisa-de-força totalmente desproporcionais (...) A disciplina da interdição
não pode ser traduzida em uma incapacidade legal absoluta, em uma morte civil".
56 São as seguintes alterações, respectivamente art. 3.º e 4.º do CC: "Art. 3.º São
absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de
16 (dezesseis) anos". "Art. 4.º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira
de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A
capacidade dos índios será regulada por legislação especial."
57 "Art. 1.768. O processo que define os termos da curatela deve ser promovido: (...)
IV - pela própria pessoa. Art. 1.769. O Ministério Público somente promoverá o processo
que define os termos da curatela: I - nos casos de deficiência mental ou intelectual; (...)
III - se, existindo, forem menores ou incapazes as pessoas mencionadas no inciso II.
Art. 1.771. Antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser
assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando. Art.
1.772. O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela,
circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador. Parágrafo único.
Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do
interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a
proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa. Art. 1.775-A. Na
nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela
compartilhada a mais de uma pessoa. Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do
art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência
familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os
afaste desse convívio."
58 FONTES, Ana Paula. Funcionalidade e incapacidade: conceptualização, estrutura e
aplicabilidade da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.
Loures: Lusodidacta, 2014. p. 6.
59 "Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua
capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1.º Quando
necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. § 2.º É
facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.
§ 3.º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva
extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o
menor tempo possível. § 4.º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas
de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano. Art. 85. A
curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e
negocial."
60 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 69.
61 RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. Rio de Janeiro, 2011. p. 184.
Exemplifica que com a mudança do Código Civil de 1916 para o Código Civil de 2002,
preferiu-se a generalização: "O Código Civil de 2002 trata diferentemente a matéria
quanto ao Código de 1916. Reduziu a casuística quanto aos estados de incapacidade
total, preferindo englobar genericamente os portadores de deficiências mentais".
62 LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 19.
63 GELSOMINA, Salito; Pierluigi, Matera. Amministrazione di sostegno, interdizione,
inabilitazione. Milano: Cedam, 2013.
64 A vontade é elemento essencial para a tomada de decisão apoiada. Neste sentido o §
1.º do novel art. 1.783-A do CC: "Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a
pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os
limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de
vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que
devem apoiar".
65 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e
determinação. São Paulo: Atlas, 1996. p. 202.
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
66 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. p. 217
67 CANARIS Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do
direito. 2. ed. Trad. A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
p. 18.
68 GIORDANO, Valeria. La justificazione discorsiva nel pensiero giuridico
contemporaneo: Alexy, Aarnio e MacCormick e il 'codice della' ragion pratica. In:
VALENTI, Chiara (a cura). Costituzione e ragionamento giuridico. Bologna: Libraria
Universitaria Editrice Bologna, 2012. p. 53; MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e
teoria do direito. Trad. Waldéa Barcelos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. A despeito da
base utilitarista, os argumentos voltados às consequências podem auxiliar no controle de
decisões judiciais e seus efeitos.
69 Novamente com apoio em Castanheira Neves, In: NEVES, A. Castanheira.
Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra, 1993. p. 198,
retira-se o seguinte exemplo ao tratar da metódica quanto ao resultado da decisão:
"para além destes efeitos jurídicos, a decisão concreta é susceptível de produzir ou
desencadear consoante ela se oriente neste ou naquele sentido, segundo seu conteúdo
for este ou aquele - assim os efeitos patrimonialmente familiares de uma acção civil de
condenação que atinja gravemente o réu, os efeitos económicos da anulação de um
contrato ou de uma deliberação social, os efeitos empresariais (econômicos e
relativamente aos trabalhadores) da declaração de dissolução ou falência de uma
sociedade comercial, os efeitos quanto à habitação do réu resultantes da decisão que dê
procedência a uma acção de despejo".
70 JHERING, R. von. L'esprit du droit romain. Trad. O. de Meulenaere. Bologna: Forni
1969. t. I, p. 52. Belíssima expressão base de hermenêutica profunda: "Appliquer une
règle de droit, c'est discerner et exprimer concretement, ce qu'elle propose
abstraitement. Or, cette opération peut présenter une facilite très grande, tout aussi
bien qu'elle peut être hérissée de difficultés. L'habilité et la rectitude du jugement
(diagnostic juridique) de celui qui doit appliquer la règle ont bien ici une grande
influence, mais la dificulte ou la facilite objective d'application d'une régle est determinée
par la règle elle-même, selon que ses dispositions sont liées à des criteriuns difficile ou
faciles à reconnaître. Tout régle du droit attache à une hypothèse déterminéé (si
quelu'un a fait ceci ou cela), une conséquence déterminéé (dans ce cas, il arrivera ceci
ou cela). Appliquer la règle, c'est donc: 1.º rechercher si l'hypothèse se réalise dans
l'espèce concrète; et 2.º exprimer d'une manière concrête, la conséquence purement
abstraite".
71 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V. A. O direito geral de personalidade. Coimbra:
Coimbra, 1995. p. 175.
72 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2007. p. 94. Na rica pesquisa o autor indica a tipologia das legislações e constituições
simbólicas. Para o caso do presente artigo encontra-se semelhança entre com aquilo
designado simbólico pela falta de concreção. Eis o autor: "do ponto de vista jurídico a
constitucionalização simbólica seja caraterizada negativamente pela ausência de
concretização normativa do texto constitucional".
73 BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Princípios de ética biomédica. Trad.
Luciana Pudenzi. São Paulo: Loyola, 2002. p. 301. Explicam várias formas de
paternalismo: (i) o fraco, pelo qual o agente intervém para proteger as pessoas contra
suas próprias ações involuntárias; (ii) o forte, pelo qual haverá intervenção do agente
sobre outro, mesmo que as escolhas sejam conhecidas, voluntariamente escolhidas e
autônomas. Há ainda o paternalismo justificado pelo qual a intervenção será correta em
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o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
hipóteses consentidas.
74 COURTIS, Christian, op., cit., p. 203. Discorrendo sobre a grande maioria de
legislações anteriores que tratavam de pessoas com deficiência explica: "siguen un
modelo asistencialista, paternalista, que vincula la discapacidad con problemas de salud
y que ha escatimado la imposición de obligaciones a agentes estatales y privados en
matéria de accesibilidad, diseño universal, inclusion social y vida independiente".
75 "Os princípios da presente Convenção são: (a) O respeito pela dignidade inerente, a
autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a
independência das pessoas."
76 FERRI, Luigi. La autonomía privada. Trad. Luis Sancho Mendizábal. Granada:
Comares, 2001. p. 36-37. Se antes "autonomia da vontade" por Kant, hoje "autonomia
privada". Adverte: "la autonomía privada no es sólo la libertad o un aspecto de ésta; y ni
siquiera es únicamente licitud o facultad, es decir, libertad que se mueve en el ámbito
del derecho, dentro de los limites fijados por éste. Esta última concepción representa un
paso adelante respecto a la idea de la autonomía como mera libertad, pero no pone en
evidencia todavía la esencia del fenómeno (tanto más que, aunque sea
excepcionalmente, la actividad negocial podería salir de los confines de lo lícito aun
conservando plena validez). El negocio jurídico no es resultado del ejercicio de una
facultad, es decir, de un obrar lícito según el derecho o, mejor, no es solamente el
resultado de éste, sino que es, el resultado del ejercicio de un poder o de una potestad.
Y la autonomía privada se identifica con este poder o potestad".
77 ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. Mexico: Fondo de Cultura Económica,
1983. p 116. Com apoio em Kant: "Término para designar la independencia de la
voluntad de todo deseo u objeto de deseo, y su capacidad de determinarse conforme a
una ley propia, que es la de la razón".
78 O que não pressupõe a ausência de solidariedade e convivência. Neste sentido a
arguta lembrança de Foucault com apoio na sentença Vaticana 39: "Nem é amigo quem
busca sempre a utilidade, nem quem nunca a associa à amizade; pois o primeiro o
benefício o tráfico do que se dá em troca, o outro rompe com a boa esperança para o
futuro". In: FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. Trad. Márcio Alves da
Fonseca e Salma annus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 175.
79 OEHLIN DE LOS REYS, Alberto. La dignidad de la persona: evolución
histórico-filosófica, concepto, recepción constitucional y relación con los valores y
derechos fundamentales. Madrid: Editorial Dykinson, 2010. p. 253. Com apoio em
NIPPERDEY, Hans Carl. Die Würde des Menschen. En la edición de NEUMANN, Franz L.;
NIPPERDEY, Hans Carl; SCHEUNER, Ulrich, die Grundrechte. Handbuch der Theorie und
Praxis der Grundrechte. Berlim: Duncker & Humbolt, 1954. vol. II.
80 A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência assim dispõe no art. 12, item 2:
"Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade
legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida".
81 Observe que a própria Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência no mesmo,
item 4, já adverte para as "salvaguardas" quanto à emancipação: "Os Estados Partes
assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam
salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o
direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as
medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as
preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida,
sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, apliquem-se pelo período
mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão
Judiciário Competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa".
82 "Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza
patrimonial e negocial."
83 MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos
vulneráveis. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 30.
84 LOPEZ, Teresa Ancona. A presunção no direito, especialmente no direito civil.
Doutrinas essenciais de direito civil 5/1323. São Paulo: Ed. RT, 2010.
85 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático: para a
relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, de democracia e jurisdição
constitucional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 55.
86 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 66.
Diz o autor: "a noção de vulnerabilidade no direito associa-se à identificação de fraqueza
ou de debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas
condições ou qualidades que lhe são inerentes ou, ainda, de uma posição de força que
pode ser identificada no outro sujeito da relação jurídica (...) A opção do legislador
brasileiro foi pelo estabelecimento de uma presunção de vulnerabilidade do consumidor,
de modo que todos os consumidores sejam considerados vulneráveis, uma vez que a
princípio não possuem o poder de direção da relação de consumo, estando exposto às
práticas comerciais dos fornecedores no mercado".
87 "Art. 10. Compete ao Poder Público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao
longo de toda a vida. Parágrafo único. Em situações de risco, emergência ou estado de
calamidade pública, a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, devendo o
poder público adotar medidas para sua proteção e segurança."
88 "Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas: (...) 'V - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em
vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus
produtos ou serviços'."
89 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção ao consumidor na Constituição brasileira de
1988.Doutrinas essenciais do direito do consumidor 2/66-75. São Paulo: Ed. RT, 2011.
Leciona com invulgar acerto: "Por outro lado, não podemos nos esquecer de que a
informação e a formação do consumidor - objetivos fundamentais de toda política
pública nesse setor, como se lê na Constituição espanhola - somente podem se realizar
com eficácia por via da comunicação escrita; dos rótulos ou invólucros de mercadorias,
às bulas de medicamentos e aos manuais de utilização de produtos perigosos. Ora,
segundo dados oficiais, o analfabetismo absoluto alcança 22,2% da população brasileira
de mais de 15 anos; e o analfabetismo funcional (a incapacidade de entendimento do
texto lido) é, sem dúvida, muito maior".
90 MARQUES, Claudia Lima. Estudo sobre os analfabetos na sociedade de consumo. RDC
95/99-145, São Paulo: Ed. RT, 2014.
91 MORELLO, Augusto Mario. Las edades de las personas en el cambiante mundo del
derecho: reconociminetos y espacios ganados por la niñez, la juventude, la mujer y el
hombre adultos y la senectude. Buenos Aires: Hammurabi, 2003. p. 105.
92 BERTONCELO, Káren Rick Danilevicz. Publicidade na vulnerabilidade agravada: como
proteger as crianças consumidoras? RDC 90/69-90, São Paulo: Ed. RT, 2013.
93 Séguin, Elida. Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 12.
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
94 MAIA, Maurílio Casas. O paciente hipervulnerável e o princípio da confiança informada
na relação médica de consumo. RDC 86/203-232, São Paulo: Ed. RT, 2013.
95 MARTINS, Fernando Rodrigues. O Estado de perigo no Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 21. A base histórica do estado de perigo para o direito romano era o
medo: "Tenha-se, contudo, que para Ulpiano quem se aproveitava do estado de medo
era considerado responsável pelo temor e, em consequência, o negócio ter-se-ia como
inválido (Digesto, L. IV, Tít. II, Lei VII, § 1.º) e, portanto, entendida como procedente a
máxima 'quod metus causa'. Daí veja-se, desde os primórdios, a importância dada ao
comportamento de quem recebia a declaração, porque, se demonstrado o
aproveitamento consciente da desgraça sofrida pelo autor da declaração, o deslinde do
negócio reclamaria a invalidade" (BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008).
96 BRASIL. REsp 1.329.556/SP 2012/0124047-6. STJ. "Recurso especial. Direito do
consumidor. Ação indenizatória. Propaganda enganosa. Cogumelo do sol. Cura do
câncer. Abuso de direito. Art. 39, IV, do CDC. Hipervulnerabilidade. Responsabilidade
objetiva. Danos morais. Indenização devida. Dissídio jurisprudencial comprovado. 1.
Cuida-se de ação por danos morais proposta por consumidor ludibriado por propaganda
enganosa, em ofensa a direito subjetivo do consumidor de obter informações claras e
precisas acerca de produto medicinal vendido pela recorrida e destinado à cura de
doenças malignas, dentre outras funções. 2. O Código de Defesa do Consumidor
assegura que a oferta e apresentação de produtos ou serviços propiciem informações
corretas, claras, precisas e ostensivas a respeito de características, qualidades, garantia,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, além de vedar a publicidade
enganosa e abusiva, que dispensa a demonstração do elemento subjetivo (dolo ou
culpa) para sua configuração. 3. A propaganda enganosa, como atestado pelas
instâncias ordinárias, tinha aptidão a induzir em erro o consumidor fragilizado, cuja
conduta subsume-se à hipótese de estado de perigo (art. 156 do CC). 4. A
vulnerabilidade informacional agravada ou potencializada, denominada
hipervulnerabilidade do consumidor, prevista no art. 39, IV, do CDC, deriva do manifesto
desequilíbrio entre as partes. 5. O dano moral prescinde de prova e a responsabilidade
de seu causador opera-se in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos
transtornos suportados pelo consumidor. 6. Em virtude das especificidades fáticas da
demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória por danos morais no valor
de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). 7. Recurso especial provido".
97 SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no
mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2014. p. 222.
98 BRASIL. TJSP. 1050152-85.2014.8.26.0053. "Apelação. Mandado de segurança.
Pessoa com deficiência. Isenção de IPVA sobre veículo a ser adquirido em nome de
pessoa com deficiência, mas dirigido por terceiro em seu favor. Possibilidade. Direito de
mobilidade pessoal garantido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, da ONU, que possui status de emenda constitucional após
aprovação pelo art. 5.º, § 3.º, da CF. Impetrante que é pessoa hipervulnerável,
merecendo proteção e tratamento prioritários pelo Estado. Isenção que deve ser
interpretada à luz dos princípios constitucionais de proteção e inclusão da pessoa com
deficiência. Necessidade de observação da isonomia entre diferentes categorias de
pessoa com deficiência. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. Sentença que
denegou a segurança reformada. Apelação provida".
99 DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de direitos humanos: teoria e prática. São Paulo: Ed.
RT, 2014. p. 101. Toma-se por analogia a passagem quanto à banalização dos direitos
fundamentais: "Por outro, a concessão demasiada de toda e qualquer liberdade de
atuação, com base em uma interpretação por demais extensiva dos direitos
fundamentais, pode gerar colisões entre direitos opostos de tal monta, a ponto que
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
dificilmente se obtenham resultados satisfatórios com a finalidade de harmonização de
pretensões opostas".
100 FERREIRA, Keila Pacheco; MARTINS, Fernando Rodrigues. Contratos existenciais e
intangibilidade da pessoa humana na órbita privada homenagem ao pensamento vivo e
imortal de Antônio Junqueira de Azevedo. RDC 79/265-308. São Paulo: Ed. RT, 2011.
Naquela oportunidade escrevemos: "Na classificação aqui perscrutada, os contratos
existenciais no que respeitam produtos ou serviços destacam-se por conter em plano
subjetivo predisponente geralmente desumanizado (empresa, operadora, concessionária,
empregador e fornecedor habitual) e aderente pessoa natural. Ainda, o objeto contratual
tem salto qualitativo, porquanto a obrigação de fazer (execução do fato pelo
predisponente) ou de dar (entrega da coisa) muito embora tenha valor econômico, será
de todo exigível em casos de preservação da vida do vulnerável, integralidade do usuário
ou preservação do mínimo existencial. Ressalte-se, em suma, a essencialidade da
prestação: o cunho patrimonial da prestação (quantitativo) enseja espaço à
intangibilidade da pessoa".
101 LUCCA, Newton de. Prefácio. In: MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio
eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no
comércio eletrônico. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 15. Diz o alentado Professor: "Quando
me utilizo da expressão [princípios informadores], no entanto, o faço com a letra 'e',
pois entendo que os princípios - concebidos, sem embargo dos diferentes matizes
existentes, em seu sentido filosófico, como proposições diretoras de uma ciência às
quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado - não dão
informação de algo, antes dão forma, isto é, enformam no sentido de moldarem ou
mesmo de construírem uma fôrma".
102 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 1996. p. 118.
103 GHESTIN, Jacques. Traité de droit civil: les obligations: le contrat. Paris: LGDJ,
1980. vol. 1, p. 23. Ensina: "Le dogme de l'autonomie impose également la liberté
contractuelle quant à la forme. Selon le príncipe du consensualisme, qui en serait derivé,
aucune forme n'est exigée pour la validité du contrat. La volonté ne serait plus
souveraine si son efficacité était subordonnée à un quelconque formalisme. Les
exigences de forme qui subsistent dans le Code Civil, notamment pour les donations,
sont tenues pour les survivances aberrantes d'un passe révolu".
104 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina
De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 451. Indica o Professor italiano: "Tal análise
pressupõe a individuação da 'razão suficiente' da prescrição da forma. Diversificação e
variabilidade das formas encontram a própria justificação em perfis diversos da
atividade: (a) nas próprias legitimação, capacidade e qualificação do sujeito (seja ou não
empresário, menor ou interditado, pessoa física ou pessoa jurídica, ente privado ou
público); (b) na função negocial (causa donandi, mortis causa); (c) no objeto (bens
imóveis ou móveis, créditos ou coisas móveis diversas de créditos, coisas materiais ou
energias laborativas)".
105 MELLO, Marcos Bernardes de Mello. Achegas para uma teoria das capacidades em
direito. RDPriv 3/9-34, São Paulo: Ed. RT, 2000. Esclarece com firmeza: "Procedendo-se
a uma análise das várias capacidades encontráveis no mundo jurídico, constata-se que
há um dado em comum a todas elas: a titularidade de qualquer uma implica uma
situação jurídica unissubjetiva que, em geral, se caracteriza como direito subjetivo. A
capacidade de obrigar-se por atos ilícitos e a capacidade delitual, consubstanciam
situações jurídicas unissubjetivas que não são direitos subjetivos, embora haja direito
subjetivo do incapaz (= inimputável) de assim ser considerado, portanto, direito
subjetivo à inimputabilidade".
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
106 SENNETT, Richard. O declínio do homem público. Trad. Lygia Araújo Watanabe. Rio
de Janeiro: 2014. p. 447: Para o aproveitamento paralelo da sociedade intimista
impulsionada pela mídia e pelo mercado: "O verdadeiro problema dos planejamentos
urbanos hoje não está em 'o que fazer', mas em 'o que evitar'".
107 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Trad.
Bruno Miragem. Notas Claudia Lima Marques. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 311.
108 REICH, Norbert. Algumas proposições para a filosofia da proteção do consumidor.
Doutrinas essenciais do direito do consumidor 1/307-340, São Paulo: Ed. RT, 2011.
Abordando as fases do direito do consumidor na Europa explica a resistência das leis
consumeristas às tentativas de desregulamentação, mantendo um acervo consumerista
essencial à proteção das pessoas. Observe: "A crítica sobre o regulamento referente à
eficiência, falhas de regulamentação e 'Direito privado especial' (Sonderprivatrecht),
teve consequências, o que não acarretou, porém, a extinção do direito do consumidor.
Isto mostra que este direito foi criado para resolver problemas econômicos e sociais, que
realmente existem. Não se trata de uma simples intrusão ineficiente do Estado e do
direito na economia. É correto, portanto, estabelecer um certo 'acquis consommateur'
que pode, talvez, não justificar inteiramente os direitos retoricamente usados no ponto
máximo de proteção do consumidor, mas que, por outro lado, irá resistir ao seu impacto
de desregulamentação. A análise que será desenvolvida a seguir deverá insistir em
certos aspectos positivos e negativos da filosofia da proteção do consumidor, que
deveria ser tida como parte deste 'acquis consommateur'. O resultado parece ser, em
todos os países industrializados, o surgimento de uma racionalidade mista do direito do
consumidor (procurando as segundas melhores soluções). Definindo-se a política do
consumidor como algo complexo, nós podemos distinguir entre quatro aspectos
diferentes relativos aos tipos de combinação regulatória, que serão analisados a seguir
(v. também HARLAND, 1988, p. 25-35) ".
109 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente
autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra, 2010. p. 88. Disserta: "Considera-se,
com isso, que o Estado está obrigado, nomeadamente através da mediação do legislador
ordinária, mas também, em caso de omissão deste, através de actuação autónoma do
poder judicial e da Administração, a uma actuação normativa, judicial ou fáctica
tendente a garantir os bens e as actividades protegidas de direitos fundamentais
também contra agressões não estatais, ou seja, contra intervenções de terceiros
(particulares e entidades públicas estrangeiras, logo, terceiros na relação primária de
direito fundamental que esse estabelece entre o cidadão e Estado) ou contra
contingências naturais ou riscos sociais".
110 Cumpre advertir que geralmente as restrições seguem modelo judicial, aqui
aplicando-se a questão da ponderação nas colisões entre direitos fundamentais mediante
princípios (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de
Estúdios Constitucionales, 2002 e DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São
Paulo: Martins Fontes, 1999); ou modelo normativo quando a própria Constituição
Federal traz a restrição ou quando a leis que regulamentam os direitos fundamentais são
cotejadas do ponto de vista do controle de constitucionalidade ou mesmo de
convencionalidade (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos
fundamentais. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009; DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de
direitos humanos: teoria e prática. São Paulo: Ed. RT, 2014; MAZZUOLI, Valério de
Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Doutrinas
essenciais de direito constitucional, vol. 10, São Paulo: Ed. RT, 2015).
111 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do Estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009.
p. 61. Observa: "por outras palavras, a instituição ou não de deveres fundamentais
repousa, em larguíssima medida, na soberania do estado enquanto comunidade
organizada, soberania que não pode, todavia, fazer tábua rasa da dignidade humana, ou
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
seja, da ideia da pessoa humana como princípio e fim da sociedade e do estado, ideia
esta que assim rejeita claramente a concepção de Ch. Gusy que dissolve os deveres
fundamentais na soberania do estado".
112 SILVA, Jorge Pereira. Deveres do Estado de proteção de direitos fundamentais.
Lisboa: Universidade Católica Ed., 2015. p. 149.
113 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso dedireito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 36
114 SARLET, Ingo Wolfgang; FENTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os
deveres de proteção e a garantia da proibição do retrocesso em matéria ambiental.
Doutrinas essenciais de direito ambiental 1/863-904. São Paulo: Ed. RT, 2011. Em
análise às normas de direito ambiental editadas após a Constituição Federal de 1988 e
as respectivas perdas de conteúdo valorativo jusfundamental advertem: "Em linhas
gerais, é possível afirmar que a humanidade caminha na perspectiva de ampliação da
salvaguarda da dignidade da pessoa humana, conformando a ideia de um 'patrimônio
existencial' consolidado ao longo do seu percurso histórico-civilizatório, para aquém do
qual não se deve retroceder. Em termos gerais, essa é a ideia consubstanciada na assim
designada garantia (princípio) constitucional da proibição de retrocesso".
115 AMARAL JÚNIOR, Alberto do; VIEIRA, Luciane Klein. As recentes alterações no
direito brasileiro sobre arrependimento nas relações de consumo estabelecidas por meios
eletrônicos: legislação atual e norma projetada. RDC 90/215-242. São Paulo: Ed. RT,
2013.
116 TOFLER, Alvin. A terceira onda. João Távora (trad.). 28. ed. Rio de Janeiro: Record,
2005.
117 BRASIL. TJRS. Recurso Cível: 71003923018/RS, Rel. Lucas Maltez Kachny.
"Contratos de empréstimos consignados. Refinancimento por telefone. Ausência de
informações sobre a contratação. Vulnerabilidade da autora - Idosa. Retorno ao status
quo ante. Situação prejudicial à consumidora. Danos morais configurados. A par da
documentação constante nos autos, não se tem dúvida de que a contratação dos novos
empréstimos consignados ocorreu por meio de contato telefônico, assim como presente
a ocorrência de falha no dever de informação ao consumidor quanto às condições dos
novos contratos. Nessa linha, as partes devem retornar ao status quo ante e, causando
a situação transtornos à autora, os danos sofridos devem ser indenizados. A quantia de
R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) mostra-se satisfatória para reparar os danos
causados e atender ao caráter punitivo a fim de impedir o réu de cometer novos ilícitos,
seja com a autora ou com outros clientes. Recurso parcialmente provido".
118 BRASIL. STF. ARE: 864.971/CE - Ceará 0003376-02.2011.8.06.0087. rel. Min. Luiz
Fux. "Recurso extraordinário com agravo. Direito civil. Contrato de empréstimo
consignado. Custas do recurso extraordinário. Pedido de gratuidade judiciária formulado
por pessoa jurídica em liquidação extrajudicial. Ausência de prequestionamento.
Súmulas 282 e 356 do STF. Princípios da ampla defesa e do contraditório. Matéria com
repercussão geral rejeitada pelo Plenário virtual do STF no ARE 748.371/RG. Alegada
violação ao art. 93, IX, da CF/1988. Inocorrência. Repercussão geral não examinada em
face de outros fundamentos que obstam a admissão do apelo extremo. Agravo
desprovido. Decisão: Trata-se de agravo nos próprios autos, interposto por Banco
Cruzeiro do Sul S.A. em liquidação extrajudicial, com o objetivo de ver reformada a
decisão que inadmitiu seu recurso extraordinário, manejado com arrimo na alínea a do
permissivo constitucional, contra acórdão assim ementado, verbis: Código de Defesa do
Consumidor. Juizado especial. Empréstimo. Não apresentação do contrato. Presunção de
fraude. Cancelamento do contrato. Devolução simples dos valores indevidamente
descontados. Dano moral. Provimento parcial do recurso. - Considerando a aplicação do
princípio da vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4.º, I) caberia ao banco
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
comprovar, extreme de dúvidas, que as partes pactuaram livremente suas vontades.
Entretanto, não apresentando o banco recorrente cópia do contrato vergastado com
assinatura da recorrida, se conclui pela não celebração válida da avença e que eventual
contrato ensejador de descontos no benefício previdenciário da parte recorrida é objeto
de fraude. - As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados
por fraudes ou delitos praticados por terceiros como, por exemplo, abertura de conta
corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos
falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento,
caracterizando-se como fortuito interno. - Mostra-se como consectário lógico do
reconhecimento de que o contrato vergastado é objeto de fraude, o cancelamento da
avença, posto que para a mesma não houve a exteriorização da vontade (elemento
volitivo) da promovente. - O desconto, pela instituição financeira, de valores em
benefício previdenciário a título de empréstimo consignado, em razão de fraude
contratual, gera a obrigação de indenizar os danos morais causados, consistentes na
situação aflitiva pela qual passou a correntista pessoa idosa que necessita para se
manter dos valores que lhe foram descontados. - O C. STJ, na Rcl 4.892/PR, 2.ª Sessão,
j. 27.04.2011, rel. Min. Raul Araújo, DJE 11.05.2011, com a finalidade de adequar as
decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais estaduais à súmula
ou jurisprudência dominante do STJ, de modo a evitar a manutenção de decisões
conflitantes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional no âmbito do
Judiciário, entendeu que a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo
único, do CDC, necessita da demonstração da má-fé do credor. - Descontos indevidos no
benefício previdenciário de pessoa idosa, que tem a aposentadoria como fonte de renda
ultrapassa em muito o mero aborrecimento, configurando o dano moral. O valor de R$
5.000,00 (cinco mil reais) não merece qualquer reparo. - Fixo ex officio os juros e a
correção monetária da indenização. Recurso inominado conhecido e parcialmente
provido. Honorários incabíveis em razão do parcial provimento do recurso. Não foram
opostos embargos de declaração. Nas razões do apelo extremo, alega violação aos arts.
3.º, I, 5.º, LIV, e 93, IX, da CF. O recurso extraordinário teve o seu seguimento negado
por incidir o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. Nesse sentido, AI 791.292-QO-RG,
Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 13.08.2010. Ex positis, desprovejo o
agravo, com fundamento no art. 21, § 1.º, do RISTF.
119 MARQUES, Claudia Lima. Mulheres, idosos e o superendividamento dos
consumidores: cinco anos de dados empíricos do projeto-piloto em Porto Alegre. RDC
100/393-423. São Paulo: Ed. RT, 2015.
120 MIRAGEM, Bruno; LIMA, Clarissa Costa de. Patrimônio, contrato e a proteção
constitucional da família: estudo sobre as repercussões do superendividamento nas
relações familiares. RDC 90/91-115. São Paulo: Ed. RT. Boa demonstração na seguinte
assertiva: "As crianças e adolescentes de hoje estão muito mais expostos aos meios de
comunicação de massa com apelo mercadológico de incentivo ao consumo de produtos e
serviços (roupas, alimentos, brinquedos, entre outros). Sob influência agressiva da mídia
tradicional e eletrônica, os filhos interferem na decisão de consumo de seus pais,
contribuindo para o aumento das despesas familiares. Nas gerações mais antigas não
havia a mesma pressão para o consumo e os pais faziam suas escolhas sem
interferência da prole, por acreditar que sabiam o que era melhor para seus filhos.
Observamos facilmente que os filhos, desde tenra idade, ganharam 'voz' e liberdade de
participação nas decisões de consumo das famílias. Muitos pais acreditam que seus
filhos, com acesso à tecnologia e Internet, sabem mais que eles ou tem maior acesso à
informação sobre os produtos e marcas disponíveis no mercado. Interessante pesquisa
sobre a 'comercialização da infância', desenvolvida nos Estados Unidos por Juliet B.
Schor estimou, por meio de entrevista com determinada indústria, que 67% das
compras de automóveis foram influenciadas pelos filhos. No que tange à compra de
alimentos, 100% dos pais entrevistados admitiram que seus filhos, com 2 a 5 anos de
idade, tinham grande influência na compra de alimentos, 80% dos pais admitiram
influencia na compra de vídeos e livros e 50% para a compra de roupas, produtos de
saúde, beleza e escolha de restaurantes. Nas crianças de maior faixa etária, entre 6 e 7
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
anos de idade, apurou-se que 30% escolhe suas guloseimas e itens de alimentação,
15% escolhe seus brinquedos e jogos, 33% decide sobre o fast food. Criança maiores,
com 6 a 12 anos de idade, gastaram mais de duas horas e meia por semana fazendo
compras no ano de 1997, sendo vistas frequentemente em lojas de doces e utilidades no
shopping center com seus pais".
121 PASQUALOTTO, Adalberto. Cláusulas abusivas em contratos habitacionais.Doutrinas
essenciais de direito do consumidor 4/1149-1164. São Paulo: Ed. RT, 2011.
122 MARTINS, Guilherme Magalhães. Confiança e aparência nos contratos de consumo
via Internet. In: RDC 64/43-70, São Paulo: Ed. RT, 2007.
123 FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. A dignidade da pessoa
humana no direito contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmática do
neopositivismo constitucionalista. Revista Trimestral de Direito Civil 35/101-119, Rio de
Janeiro, jul.-set. 2008.
124 BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V.
Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa. 3. ed. São Paulo: Ed. RT,
2010. p. 134. Ensina: "Como reflexo do desmembramento em duas esferas, com que
idealizamos o direito do consumidor, a teoria da qualidade - nos termos da formulação
que propomos - composta por dois aspectos distintos: a proteção do patrimônio do
consumidor (com tratamento dos vícios de qualidade por inadequação) e a proteção da
saúde do consumidor (com o tratamento dos vícios de qualidade por insegurança). Logo,
a teoria da qualidade tem um pé na órbita da tutela da incolumidade físico-psíquica do
consumidor e outro na tutela de sua incolumidade econômica".
125 SUPHANOR, Nathalie. L'influence du Droit de la Consummation sur le système
juridique. Paris: LGDJ, 2000.
126 BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade,
pós-modernidade e intelectuais. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: 2010. p. 19-20.
127 MARINONI, Luiz Guilherme. Controle da insuficiência da tutela normativa. In:
CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre (coords.). Direitos fundamentais e
jurisdição constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 710.
128 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos: escritos sobre a aplicação dos direitos
fundamentais. Trad. Thomas da Rosa de Bustamante. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p.
60. Explica: "Pode-se dizer que a racionalidade, a razoabilidade e o princípio da
proporcionalidade são critérios para a valoração correta dos argumentos interpretativos
das disposições legislativas e constitucionais e neste sentido são critérios para a
fundamentação correta das decisões tomadas no controle de constitucionalidade".
129 MULLER, Friedrich. Metodologia do direito constitucional. Trad. Peter Naumann. São
Paulo: Ed. RT, 2010. p. 53. Com ampla ligação do direito com a sociedade, mesmo
quando da norma já posta. Em dois excertos se percebe a concretude. Vejamos o
primeiro, quanto à Constituição: "A tarefa da práxis do direito constitucional é a
concretização da Constituição por meio da instituição configuradora de normas jurídicas
e da atualização de normas jurídicas no Poder Legislativo, na administração e no
governo; ela é a concretização da constituição que primacialmente controla, mas
simultaneamente aperfeiçoa o direito na jurisprudência, dentro os espaços normativos".
130 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da
Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Safe, 2002. p. 13. Porquanto:
"nos processos de interpretação da Constituição estão envolvidos todos os órgãos
estatais, todos os Poderes Públicos, todos os cidadãos e grupos".
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A emancipação insuficiente da pessoa com deficiência e
o risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de
consumo
131 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina
De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 149. Convence: "O estudo do direito não
deve ser feito por setores pré-constituídos, mas por problemas, com especial atenção às
exigências de vez em vez emergentes como, por exemplo, a habitação, a saúde, a
privacidade etc. Os problemas concernentes às relações civilísticas devem ser enfocados
de modo a recuperar valores publicísticos para o direito privado e os valores privados
para o direito público".
132 Há várias possibilidades para a interpretação inclusiva, todas no sentido agregar
pessoas, normas e fatos jurídicos. Com apoio em GARGARELLA, Roberto. Derecho y
grupos desaventajados. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 17, colhe-se: "existen grupos cuyas
'voces' resultan sistematicamente ausentes de la discusión pública (es decir, muchos
grupos de inmigrantes); grupos que siempre aparecen alineados dentro de minorias muy
reducidas (es decir, ciertos grupos de aborígenes); grupos sobre los cuales se ciernen
persistentes amenazas que, por alguna razón, el poder judicial se resiste a renonecer (es
decir, más pobres)".
133 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito internacional e direito interno: sua
interpretação na proteção dos direitos humanos. Instrumentos internacionais de
proteção dos direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, 1996. p. 34. Ensina: "no presente domínio de proteção a primazia
é da norma mais favorável às vítimas, seja ela norma de direito internacional ou de
direito interno. Este e aquele interagem em benefício dos seres protegidos. É a solução
expressamente consagrada em diversos tratados de direitos humanos, da maior
relevância por suas implicações práticas".
134 MARQUES, Claudia Lima; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O consumidor-depositário
infiel, os tratados de direitos humanos e o necessário diálogo das fontes nacionais e
internacionais: a primazia da norma mais favorável ao consumidor. RDC, vol. 70, São
Paulo: Ed. RT, 2009.
135 "Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz: I - nomeará curador, que
poderá ser o requerente da interdição, e fixará os limites da curatela, segundo o estado
e o desenvolvimento mental do interdito;"
136 "Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da
curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador."
137 Aqui duas boas referências que podem ser utilizadas: tanto os crimes lesa
humanidade como os direitos da personalidade, tendo base nos direitos humanos, são
imprescritíveis. Portanto, a considerar que o fundamento da Convenção Internacional e
do EPD também se assenta nos direitos humanos, é possível na sentença que determinar
a curatela estabelecer o impedimento do transcurso do prazo prescricional e decadencial,
diante do caso concreto.
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