Dano Ecológico e Garantias Financeiras
TIAGO MANUEL CARMONA SIMÕES DA PAIXÃO
Dissertação de Mestrado em Direito Administrativo
ORIENTAÇÃO
PROFESSORA DOUTORA CARLA AMADO GOMES
Lisboa
2017
2
À Professora Doutora Carla Amado Gomes, pelas palavras que disse na minha primeira
aula em Lisboa, pela sabedoria, disponibilidade e paciência na orientação desta Dissertação;
À minha mãe, ao meu pai e à minha avó, por serem o meu porto seguro; à minha
família.
À Mariette Pereira, que dirige um grupo de investigação em Química, assente em
princípios de sustentabilidade, pelo incentivo e apoio.
Às senhoras funcionárias da Sala das Revistas da Universidade de Coimbra por me
terem ensinado a pesquisar.
Aos funcionários da Biblioteca da Universidade de Lisboa, em especial ao Dr. João
Valente, por todo o apoio prestado e pela simpatia com que diariamente executam o seu
trabalho.
Aos funcionários do Instituto Jurídico da Universidade de Coimbra, pelo apoio
prestado.
Às Técnicas Superiores da Agência Portuguesa do Ambiente, por me terem concedido
uma audiência agradável e muito proveitosa onde pudemos colocar as mais variadas questões.
À Professora Doutora Margarida Lima Rego, advogada da Morais Leitão, Galvão Teles,
Soares da Silva & Associados, Sociedade de Advogados, em Lisboa, por me ter concedido uma
audiência onde nos foi possível apresentar as nossas dúvidas e aprender bastante.
À Dra. Maria Teresa Pereira, advogada da João Marcelo & Associados, Sociedade de
Advogados, em Castelo Branco, pela gentileza de nos ter recebido e pela literatura
especializada que me disponibilizou, e também à Filipa, pela simpatia e apoio.
Ao meu amigo Marko Crognorac, pela preciosa ajuda em decifrar alguma terminologia
anglo-saxónica.
A todos os membros da Associação Solar da Praça que me apoiaram neste caminho até
aqui.
A todos os meus amigos.
3
A riqueza exigida pela natureza é limitada e facilmente arranjada; aquela que, pelo contrário,
ambicionamos possuir num tolo desejo, chega ao infinito!
Epicuro
4
ÍNDICE
Introdução ................................................................................................................................... 10
A.
Motivo da obra ................................................................................................................ 10
B.
Enquadramento Legislativo do Direito do Ambiente...................................................... 10
C.
Conceito de ambiente ..................................................................................................... 14
PARTE I – Dano ecológico ............................................................................................................ 16
1.
2.
Noção de dano ecológico e de dano ambiental .................................................................. 16
1.1.
Dano ecológico ............................................................................................................ 16
1.2.
Dano ambiental ........................................................................................................... 17
1.3.
Distinção entre dano ambiental e dano ecológico...................................................... 18
A imputação da responsabilidade civil por responsabilidade por danos ecológicos .......... 19
2.1.
3.
4.
O âmbito de aplicação do DL n.º 147/2008 ................................................................ 19
2.1.1.
Âmbito objetivo do DL n.º 147/2008 ...................................................................... 19
2.1.2.
Âmbito subjetivo do DL n.º 147/2008 ..................................................................... 22
Os tipos de responsabilidade civil ....................................................................................... 23
3.1.
Responsabilidade subjetiva ......................................................................................... 23
3.2.
Responsabilidade objetiva .......................................................................................... 24
3.3.
Apreciação crítica ........................................................................................................ 24
Os requisitos da responsabilidade civil por danos ambientais ........................................... 27
4.1.
O facto voluntário do agente ...................................................................................... 27
4.2.
A ilicitude ..................................................................................................................... 28
4.3.
O nexo de imputação do facto ao agente ................................................................... 29
4.4.
O dano ......................................................................................................................... 30
4.4.1.
A problemática do lesado do dano ecológico ..................................................... 31
4.4.2.
Período de latência das causas dos danos ambientais e prescrição ................... 31
4.4.3.
Danos futuros ...................................................................................................... 32
4.4.4.
Avaliação do prejuízo resultante do dano........................................................... 33
4.5.
O nexo de causalidade entre o facto e o dano............................................................ 34
4.5.1.
5.
Responsabilidade plural ...................................................................................... 35
4.5.1.1.
Responsabilidade das pessoas coletivas ......................................................... 35
4.5.1.2.
Pluralidade de lesantes ................................................................................... 36
4.5.2.
Multicausalidade ................................................................................................. 36
4.5.3.
Poluição de carácter difuso ................................................................................. 38
Causas de exclusão da responsabilidade objetiva .............................................................. 40
5.1.
Responsabilidade por facto de outrem – intervenção de terceiros ............................ 41
5.2.
Responsabilidade por ordem ou instrução administrativa ......................................... 42
5
5.3. Ato autorizativo da Administração pública enquanto exclusão da responsabilidade
objetivo ................................................................................................................................... 43
5.4. Risco de desenvolvimento, causa de exclusão por desconhecimento e cláusula de
Melhores técnicas disponíveis ................................................................................................ 46
6.
5.4.1.
A causa de exclusão por desconhecimento ........................................................ 46
5.4.2.
Risco de desenvolvimento................................................................................... 47
5.4.3.
A Cláusula Melhores Técnicas Disponíveis .......................................................... 48
5.5.
Força maior ................................................................................................................. 49
5.6.
Apreciação crítica ........................................................................................................ 50
A reparação do dano ecológico ........................................................................................... 52
6.1.
Princípios orientadores da reparação do dano ecológico........................................... 52
6.2.
Modalidades de reparação do dano ecológico ........................................................... 54
6.3.
Limites à reparação in natura do dano ecológico ....................................................... 56
6.3.1.
Princípio da proporcionalidade ........................................................................... 56
6.3.2.
Limites de carácter técnico e científico ............................................................... 57
6.4. A questão da compatibilização da indemnização de danos ecológicos com a
indemnização de danos ambientais ........................................................................................ 57
6.4.1.
Da prevalência da indemnização dos danos ecológicos ..................................... 57
6.4.2.
O princípio da proibição de dupla reparação ...................................................... 58
PARTE II – GARANTIAS FINANCEIRAS .......................................................................................... 60
1.
Enquadramento legal .......................................................................................................... 60
2.
Noção e ratio de garantia financeira ................................................................................... 60
3.
Classificação dogmática ...................................................................................................... 62
4.
5.
3.1
Garantias pessoais e garantias reais ........................................................................... 62
3.2
Garantia próprias ou garantias de terceiro ................................................................. 63
3.3
Garantias ex ante ou post factum ............................................................................... 64
3.4
Critério da dispersão do risco...................................................................................... 65
Garantias positivadas no DL 147/2008 ............................................................................... 66
4.1
A obrigatoriedade de constituir garantias .................................................................. 67
4.2
Categorias de garantias financeiras ............................................................................ 68
4.3
Princípio da exclusividade ........................................................................................... 68
Seguros ................................................................................................................................ 68
5.1
Noção .......................................................................................................................... 68
5.2
Caraterísticas e problemas dos seguros (ambientais) ................................................ 70
5.3
Classificação ................................................................................................................ 71
5.4
Questões ..................................................................................................................... 75
6
5.4.1
A questão da obrigatoriedade de fornecer produtos financeiros – seguros
ambientais ........................................................................................................................... 75
6.
5.4.2
A questão das seguradoras enquanto policeman ............................................... 76
5.4.3
As seguradoras, o risco moral e o duplo controlo............................................... 77
5.4.4
As seguradoras e a política ambiental ................................................................ 78
Garantia bancária e outras figuras ...................................................................................... 79
6.1
Noção e ratio ............................................................................................................... 79
6.2
Espécies ....................................................................................................................... 80
7.
A Constituição de fundos próprios ...................................................................................... 82
7.1
Noção e ratio ............................................................................................................... 82
7.2
Espécies ....................................................................................................................... 83
7.3
Questões ..................................................................................................................... 85
8.
Fundos coletivos.................................................................................................................. 86
8.1
Noção e ratio ............................................................................................................... 86
8.2
Espécies ....................................................................................................................... 87
8.3
Questões ..................................................................................................................... 89
9.
Outras formas de garantir o ressarcimento do dano ecológico ......................................... 89
9.1
Risk Sharing Agreement .............................................................................................. 89
9.2
Captive insurance ........................................................................................................ 91
9.3
Da admissibilidade da utilização dos mercados de capitais........................................ 93
10.
O Superfundo Ambiental................................................................................................. 94
11.
Do confronto entre as garantias do regime do DL 147/2008 ......................................... 95
11.1
Apreciação geral .......................................................................................................... 95
11.2
Seguros ........................................................................................................................ 97
11.3
Garantias bancárias ..................................................................................................... 99
11.4
Fundos próprios ........................................................................................................ 100
11.5
Fundos coletivos ........................................................................................................ 102
12.
Da utilização das garantias em concreto....................................................................... 104
12.1
As Garantias Financeiras para as PME ...................................................................... 104
12.2
As garantias para insolvência .................................................................................... 105
12.3
O sistema de garantias .............................................................................................. 106
12.4
A portaria inexistente................................................................................................ 108
12.5
A falta de notificação ................................................................................................ 110
Conclusões ................................................................................................................................ 112
7
Abreviaturas
Al. / als. – Alínea / alíneas
Art. /arts – artigo /artigos
BFDUC – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
CC – Código Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
Cfr. – Confrontar / conferir
DG – Directorate-General
DL – Decreto-Lei
LBA – Lei de Bases do Ambiente
LBPA – Lei de Bases da Política do Ambiente
FDUC – Faculdade de Direito de Coimbra
FDUL – Faculdade de Direito de Lisboa
ICJP – Instituto de Ciências Jurídico-Políticas
JORF – Journal officiel de la République française
Ob. Cit. – Obra Citada
p./pp. – Página / páginas
RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência
RMP – Revista do Ministério Público
Ss. – Seguintes
TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia
OECD – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
Org. – Organização
V.g. – Verbi Gratia
Vol. – Volume
8
Resumo
A presente dissertação trata do dano ecológico e de garantias financeiras
destinadas ao seu ressarcimento. Nesta investigação, procuramos estudar o que é,
como se imputa e como se garante a indemnização do dano ecológico. Atualmente, o
dano ecológico bem como o direito ambiental obrigam a uma alteração dos
paradigmas dos institutos clássicos do direito civil e uma adaptação da atuação da
Administração Pública, designadamente, na prevenção do dano ecológico. Tendo
como referencial o princípio da prevenção e o princípio do poluidor-pagador,
analisamos as garantias financeiras e alguns dos problemas e recomendações de
doutrina estrangeira. Da investigação que realizamos, procuramos conhecer o maior
número de soluções para, depois de uma análise crítica, efetuar considerações
político-legislativas com o propósito de serem ou não seguidas pelo legislador
nacional, designadamente, no que concerne ao DL n.º 147/2008.
Palavras Chave: dano ecológico,
responsabilidade ambiental
seguros,
garantias,
garantias
financeiras,
Abstract
The present dissertation deals with the ecological damage and financial
guarantees, which are set specifically to reimburse it. In this investigation, we seek to
study what it is, how it is imputed and how to guarantee compensation for ecological
damage. Nowadays, ecological damage as well as environmental law require a change
in the paradigms of the classic institutes of civil law and an adaptation of the actuation
of the Public Administration, namely, in the prevention of ecological damage. Based on
the principle of prevention and the principle of the polluter pays, we analyze the
financial guarantees and some of the problems and recommendations of foreign
doctrine. From our research, we seek to know a greatest number of solutions, which,
after a critical analysis, we could make some policy considerations with the purpose of
being followed by the national legislator, namely, regarding with the scope of DL n.º
147/2008.
Keywords: ecological
environmental liability
damage,
assurance,
insurance,
financial
guarantees,
9
Introdução
A. Motivo da obra
A presente obra tem como objetivo compreender a figura jurídica do dano
ecológico, presente na evolução do direito do ambiente que é, na atualidade, cada vez
mais um motivo de preocupação da espécie Humana. Para tal, começaremos por
tentar perceber as várias figuras jurídico-dogmáticas, de modo a proceder à separação
da figura do dano ambiental em relação ao dano ecológico. Para além disto,
abordaremos a questão de saber se o Legislador deve preferir a via clássica ou a via da
responsabilidade objectiva, recorrendo a construções de economia comportamental.
No seguimento do dano ecológico, tentamos entrecruzar a matéria das garantias
financeiras para perceber, do ponto de vista da economia comportamental, quais
serão as melhores garantias, o modo como se devem articular, algumas das
especificidades a nível de política legislativa.
Cremos ser útil, de igual modo,
enveredar por uma perspetiva assente na Economia Comportamental (Behavioral
Economics), interligada com o Direito, para perceber qual serão as principais vantagens
e desvantagens, efetuando aqui um estudo de Direito Comparado, das várias figuras
que iremos pesquisar ao longo desta obra, que têm como fim último ressarcir o dano
ecológico.
B. Enquadramento Legislativo do Direito do Ambiente
Fazendo uma breve resenha sobre os tratados de Direito Internacional, no ano de
1972 teve lugar a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano,
conhecida como Conferência de Estocolmo, tendo sido a primeira conferência global
acerca do meio ambiente, sendo, por isso, considerada como um marco histórico da
política internacional. Efetivamente, foi aí que se deu o primeiro passo para uma
política ambiental global, isto é, iniciou-se um movimento de cooperação internacional
tendente à salvaguarda do ambiente. Note-se que foi nesta altura que despontaram os
primeiros conceitos, institutos e instrumentos próprios do Direito do Ambiente 1 tais
1
Segundo AMADO GOMES, O Direito (Administrativo) do Ambiente é Direito Público: incide sobre bens
públicos e coletivos; tutela relações entre sujeitos que se não encontram numa relação de paridade;
versa sobre uma realidade de interesse geral, cuja lesão se pauta por critérios de reparação diversos dos
que regem as relações do foro jurídico-privado . AMADO GOMES, Carla, Direito Administrativo do
10
como oàda oàe ológi o , oàestudoàdeài pa teàa
ie tal bem como aà eposição da
situação anterior à infração 2. Seguidamente, em 1987, a Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU),
elaborou o Relatório Brundtland com o título: Nossoàfutu oà o u
. Anos mais tarde,
em 1992, realizou-se a Conferência do Rio, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula
da Terra, cujo objetivo primacial consistiu na introdução do conceito de
desenvolvimento sustentável3. Posteriormente, em 1993, surge a Convenção de
Lugano sobre responsabilidade civil por atividades perigosas para o ambiente. Por um
lado, a grande infelicidade desta convenção radicou no facto de não ter sido ratificada
por um número suficiente de partes que lhe permitisse entrar em vigor4. Por outro
lado, um feito a destacar foi precisamente o facto de esta convenção fornecer ou
prever uma compensação pelos danos causados por atividades perigosas aos seres
humanos, à propriedade e ao ambiente5. Por fim, recentemente, após a aprovação, em
setembro de 2015, dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, teve lugar a COP
21 – Convenção de Paris6, aprovada em dezembro de 20157. Passando agora para a
análisde do ordenamento jurídico-constitucional português temos algumas normas de
direito constitucional dedicadas ao ambiente8, sendo de destacar, desde logo, o art.
66ºà ujaàepíg afeà à á
ie teàeà ualidadeàdeà ida ,àoàa t.à º, em especial nas alíneas
Ambiente, Paulo Otero, Pedro Gonçalves, Coord., Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. 1,
Almedina, Coimbra, 2009, p. 159.
2
SILVA SAMPAIO, Jorge, Do Direito Internacional do Ambiente à Responsabilidade Ambiental e Seus
Meios de Efectivação no Âmbito do Direito Internacional, Revista O Direito, Ano 146º, 2013, FDUL,
Lisboa, p. 4.
3
Para tal, as altas partes contratantes, deveriam decidir um conjunto de medidas que se mostrassem
aptas a diminuir a degradação ambiental e a garantir a existência de outras gerações.
4
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico – Reflexões preliminares sobre o
novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho, O que há de novo no Direito do Ambiente?
Atas das Jornadas de Direito do Ambiente, ICJP, Lisboa, 2008, p.28. Note-se que a autora aponta o facto
do repúdio dos operadores económicos por um regime de responsabilidade civil ilimitada como decisivo
para a não ratificação da Convenção de Lugano.
5
Adiante distinguiremos o tipo de dano em função do bem jurídico afetado, rectius, do sujeito titular do
bem jurídico afetado.
6
Em inglês: Paris Agreement under the United Nations Framework Convention on Climate Change.
7
O acordo de Paris foi assinado a 22 de abril de 2016, todavia, só foi ratificado pela China e EUA em
setembro de 2016, ainda que os EUA se tenham retirado posteriormente, por força da opção do
Presidente Donald Trump. Este acordo entrou em vigor a 4 de novembro de 2016 uma vez que já se
preenchiam os dois requisitos: 1) Ratificação por, pelo menos, 55 países; 2) A ratificação abranger, pelo
menos, 55% das emissões globais de Gases de Efeito Estufa (GEE).
8
N oà o sta te,à segu doà JORGEà MIRáNDá,à à du idosoà que possa falar-se num único, genérico e
i dis i i adoàdi eitoàaoàa ie te àeà oàe isteàu àdi eitoàaoào de a e toàdoàte itó io àMIRáNDá,à
Jorge, Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 682.
11
d) e e), naquilo que se refere a p ese a àosà e u sosà atu aisàeàassegu a àu à o etoà
o de a e toà doà te itó io e, ainda, o art. 52º relativo ao Direito de petição e ação
popular. Por último, na sequência do plano normativo-constitucional, encontramos a
novíssima Lei nº 19/2014, de 14 de abril, a Lei de Bases do Ambiente ( LBA ), cuja
epígrafe se intitula ásà asesàda políti aàdoàa
ie te ,9 que define as bases da política
do ambiente conforme consta do seu art. 1º dando o adequado desenvolvimento aos
comandos constitucionais vertidos nos artigos 9º e 66º, CRP. Analisando agora o
Direito da União Europeia, pode-se constatar que este foi responsável, em grande
medida, pela evolução e disseminação do direito do ambiente em Portugal 10. De facto,
a política da União no domínio do ambiente encontra-se prevista no Título XIX do
Tratado de Lisboa, sendo certo que devemos dar conta do fenómeno da europeização
do direito ambiental português, levado a cabo pela aprovação de inúmeras Diretivas,
nesta área do Direito e em outras com ela conexas, tais como o Direito dos Resíduos e
o Direito da Energia. Ora, é precisamente no âmbito do Direito da União Europeia que
surge a Diretiva 2004
11
na sequência da publicação do Livro Verde12 e do Livro
Branco13. Importará, então, salientar que, quando aqui se fala em responsabilidade
ambiental, nos estamos a referir às suas vertentes de prevenção e reparação dos
danos ambientais. O seu objetivo passou igualmente por harmonizar as legislações dos
27 Estados-membros em matéria de prevenção e reparação de dano ecológico14.
Posteriormente, foi alvo de duas alterações sendo certo que, uma delas resultou da
9
Que veio revogar a antiga Lei de Bases do Ambiente - Lei nº11/87, de 7 de abril.
PAES MARQUES, Francisco, A LBA e o Direito do Ambiente da União Europeia, Actas do Colóquio – A
Revisão da Lei de Bases do Ambiente, Org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, FDUL, Lisboa,
2011, p. 42. Com efeito, o Direito Ambiental Europeu tem vindo a ser criado através de vários atos
jurídicos da União, concretamente, através de recomendações, decisões, regulamentos e pareceres.
Contudo, podemos afirmar que se encontra fundamentalmente plasmado no Direito derivado da União
Europeia.
11
Do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que aprovou o regime relativo à
responsabilidade ambiental aplicável e reparação dos danos ambientais
12
COM (93) 47, maio de 1993 – Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao
Comité Económico e Social: Livro Verde sobre a reparação dos danos causados ao ambiente.
13
COM (2000) 66 final, 9 de fevereiro de 2000. publicados pela Comissão nos anos de 1994 e 2000,
respetivamente, cujo objetivo passa por estabelecer um quadro de responsabilidade ambiental baseado
no princípio do poluidor-pagador tendo como referencial o princípio do desenvolvimento sustentável.
14
AMADO GOMES, Carla, De que Falamos quando Falamos de Dano Ambiental? – Direito, Mentiras e
Crítica, Actas do Colóquio – A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org. Carla Amado Gomes e
Tiago Antunes, ICJP, FDUL, Lisboa, 2009, p. 1.
10
12
Diretiva 2006/21/CE15, ao passo que a outra, foi fruto da Diretiva 2009/31/CE16.
KRAMER17 sustenta que o efeito que a Diretiva 2004 produziu relativamente à
proteção, preservação e melhoria da qualidade do ambiente foi muito modesto. De
facto, a diretiva, que assenta no princípio do poluidor-pagador, visa estabelecer um
regime jurídico (framework) de responsabilidade ambiental. No que concerne ao
conceito de dano ecológico, constata-se que a Diretiva 2004 abarca a poluição
marítima, o dano à biodiversidade (dano às espécies e dano ao habitat) e a
contaminação do solo18. Já no que tange às garantias financeiras, a Diretiva 2004
prevê-as nos artigos 8º, nº 2, 14º, nº 1 e nº 2. Note-se, a este propósito, que a Diretiva
2004/35 não prevê qualquer mecanismo para acudir ao dano órfão. BOCKEN19 entende
que, nesta matéria, houve, genericamente, li itedà a
itio s . Assinale-se ainda o
facto de não se poder extrair do art. 8º, Diretiva 2004, a obrigatoriedade de seguros
obrigatórios – passe a redundância. Por fim, devemos sublinhar que, do ponto de vista
institucional, os aspectos específicos para reexame são: a isenção do âmbito de
aplicação da diretiva de algumas convenções internacionais (anexos IV e V), 2); a
aplicação aos Organismos Geneticamente Modificados ( OGM ); a aplicação às
espécies e habitats naturais protegidos e a possível inclusão de outros instrumentos
nos Anexos III, IV e V20. Analisando agora o DL 147/2008, que transpôs para o
ordenamento jurídico nacional a Diretiva 2004, por um lado, criou um procedimento
administrativo associado à reparação e prevenção do dano ecológico, facto que,
segundo HELOÍSA OLIVEIRA, veio romper com a lógica tradicional da responsabilidade
15
Do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à gestão dos resíduos de indústrias
extrativas.
16
Do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de abril de 2009, relativa ao armazenamento geológico
de dióxido de carbono.
17
KRAMER, Ludwig, The Directive 2004/35 on Environmental Liability – Useful?, Atas do Colóquio A
Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org., Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, FDUL, 2009,
p. 55.
18
DE SMEDT, Kristel, Shifts in Compensation for Environmental Damage: From Member States to
Europe, FAURE, Michael, VERHEIJ, A. (Eds) Compensation for Environmental Damage, Tort and Insurance
Law Vol. 21, Springer, Vienna/New York, 2007, p. 103. BOCKEN, Hubert, Alternative Financial
Guarantees under the ELD, 2009, p. 152. Tal como consta do art. 1ºl, n. º1 da Diretiva 2004.
19
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD, European Energy and
Environmental Law Review, 2009, p. 153.
20
COMISSÃO EUROPEIA, Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – Diretiva
2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade
ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, p. 8-9.
13
civil21. Contudo, por outro lado, devemos dar nota do facto de que este Decreto-Lei
tem vindo a ser objeto de algumas críticas de AMADO GOMES22, designadamente, o
facto de o capítulo III conter uma epígrafe infeliz, isto porque a expressão
espo sa ilidadeà ad i ist ati a
deveria
ser
Respo sa ilidadeàpelaàp e e ç oàdeàda osàe ológi os
substituída
23
pela
expressão
. Em segundo lugar, assinale-
se o facto de haver uma deficiente previsão dos casos de atuação direta para
prevenção e reparação de danos ecológicos24. Por último, em terceiro lugar, também
se poderá destacar a ausência de presunções de causalidade bem como de uma norma
sobre inversão do ónus da prova25.
C. Conceito de ambiente
Em primeiro lugar, devemos dar conta de que o conceito de ambiente vertido
aà Co stituiç oà daà Repú li aà Po tuguesaà
CRP à à u à o eitoà e te si oà ouà
totalizante26 uma vez que o define como a glo alidadeàdasà o diçõesàe olventes da
vida, que actuam sobre uma determinada unidade vital, quer se trate de um conjunto
deà se esà i osà ue à ape asà deà u à i di íduoà isolada e teà o side ado . Ora, tal
conceito permite, segundo GOMES CANOTILHO, integrar quer
osà
ossosà
companheiros vi osà daà a e tu aà daà ida à ue à oà u doà so ialà eà a tifi ialà fa i adoà
pelosà ho e s . Todavia, no pensamento do supracitado autor, este conceito
apresenta-se como passível de
t a s uta à osà p o le asà so iais,à ultu aisà eà
económicos, biológico-ecológicos em p o le asà doà a
ie te
27
. Pois bem, perante
este problema, idealizou-se um conceito restritivo de ambiente, que se designaria
como ambiente natural. Por conseguinte, poderemos, então, circunscrever o ambiente
natural aos elementos fundamentais e naturais da vida humana, designadamente, o
21
OLIVEIRA, Heloísa, Instrumentos de Tutela do Ambiente: Responsabilidade por Dano
Ambiental/Ecológico, ICJP, Colóquio de Revisão da Lei de Bases do Ambiente (LBA), Org. Carla Amado
Gomes e Tiago Antunes, Lisboa, 2011, p. 172.
22
AMADO GOMES, Carla, Responsabilidade Civil Extracontratual das Entidades Públicas e a
Responsabilidade Civil por Dano Ecológico: Sobreposição ou Complementaridade? Revista do Ministério
Público, n.º 125, Lisboa, 2011, p.2.
23
Para além disso, a referida autora refere que se deveria suprimir os artigos 12º e 13º e criar uma
secção I sobre responsabilidade civil e uma secção II sobre responsabilidade contraordenacional.
24
AMADO GOMES, Carla, A Responsabilidade Civil por Dano Ecológico … , p.30.
25
AMADO GOMES, Carla, A Responsabilidade Civil por Dano Ecológico … , p. 32.
26
GOMES CANOTILHO, José, Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente, RLJ n.º 3799, Ano 123,
Coimbra, 1990/1991, p. 290.
27
GOMES CANOTILHO, José, Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente,à … ,àp.à
.
14
solo, o ar, a água, a biosfera, nas suas relações recíprocas e nas suas relações com os
homens e outros seres vivos. Porém, também este conceito é alvo da crítica de GOMES
CANOTILHO, desde logo porque contém poucas virtualidades para servir de suporte a
uma compreensão jurídico-normativa do ambiente. Constatada esta insuficiência, o
autor propõe um conceito normativo que te haà e à o taà oà
itoà o
ati oà eà osà
domínios de protecção das normas jurídicas incidentes sobre os problemas do
a
ie te . Segundo JORGE MIRANDA28, o Estado deve assumir a preservação do
equilíbrio ecológico entre os objetivos dos planos de desenvolvimento da política
ambiental e das demais políticas de âmbito sectorial art. 90º, nº2 al. f), al. g), e al. h) e
classifica as incumbências do Estado , nos termos do art. 66º, nº2, CRP, em específicas,
complementares e condicionadoras ou de favorecimento da defesa do ambiente 29. Em
segundo lugar, devemos esclarecer que o ambiente se deve conceber como um bem
da coletividade de fruição indivisível30, pelo que, uma vez concebido como tal, torna-se
possível extrair dois corolários. Por um lado, podemos afirmar que o ambiente é um
bem público31, estando, por conseguinte, sujeito aos poderes de fiscalização e gestão
do Estado e da Administração, rectius, poderes públicos, por outro lado, é possível
inferirmos que, se o bem ambiental é um bem público, o dano ambiental é um dano
público32. Sendo um dano público, GOMES CANOTILHO entende que se
podeà
proclamar a desnecessidade ou morte da sibilina categoria jurídica dos interesses
difusos uma vez que bastaria uma eventual ação ressarcitória-indemnizatória perante
osàage tesà ausado esàdeàda osàa
ie tais
33
.
28
JORGE MIRANDA, Jorge, Constituição … , p. 684
JORGE MIRANDA, Jorge, Constituição … , p. 686
30
GOMES CANOTILHO, José, Procedimento … , p. 293
31
Que o ambiente é, hoje, um bem público resulta com insofismável certeza da extensa regulação que
a lei lhe dispensa: o ambiente tornou-se, hoje, - como que a par do direito de propriedade - , objecto de
protecção contravencional e criminal. à,àP o .à ºà
/2002, 2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
32
MIRANDA, Jorge, Constituição(...),à p.à
à JORGEà MIRáNDáà e te deà ueà se à e age adoà a a a à po à
reconduzir a relevância do bem jurídico ambiente a uma espécie de direito-fu ç o à
33
GOMES CANOTILHO, José, Procedimento … ,àp.à
.àContudo, apesar de não conseguirmos negar o
que foi dito, também não conseguimos encontrar nenhum motivo para alterar esta situação, uma vez
que um excesso de legitimidade não é prejudicial para ninguém. Logo, entendemos que se deverá
manter a variedade ou multiplicidade de caminhos pelos quais se pode acionar a responsabilidade civil
por danos ambientais.
29
15
PARTE I – Dano ecológico
1. Noção de dano ecológico e de dano ambiental
1.1. Dano ecológico
Efetivamente, devemos ter em atenção que o DL 147/2008 prevê não só os danos
(ecológicos), mas também a ameaça iminente daqueles danos nos termos do artigo
12º, nº 1 e art. 13º, nº 1, pelo que se constata uma nota distintiva sui generis deste
tipo de dano em relação ao dano clássico, que exige uma consumação do dano e não
uma mera ameaça. Contudo, em síntese, para definir o dano ecológico34 na perspetiva
jurídica, seguimos a noção de GOMES CANOTILHO segundo a qual os danos ecológicos
são tidos como lesõesà i te sasà ausadas ao sistema ecológico natural sem que
te ha àsidoà ioladosàdi eitosài di iduais
35
. Vão no mesmo sentido, AMADO GOMES,
que define o dano ecológico como oà da oà ausadoà à i teg idadeà deà u à e à
a
ie talà atu al
36
, e CUNHAL SENDIM, que o define como sendo aà alte aç oà
causada pelo homem das qualidades físicas, químicas ou biológicas dos elementos
o stituti osà doà a
ie te
37
. Tomando agora um ponto de vista económico, num
primeiro passo, MONTI afirma que a poluição é concebida como uma externalidade
negativa (negative externality)38. Em seguida, num segundo passo, consideramos ser
pertinente inferir que também o dano ecológico possa ser concebido como uma
externalidade negativa. Já do ponto de vista jurisprudencial, constatamos que a
jurisprudência nacional utiliza ou reproduz a definição de GOMES CANOTILHO
postulando que o dano ecológico corresponde a lesõesài te sasà ausadasàaoàsiste aà
ecológico natural sem que tenham sido violados direitos individuais. É uma lesão num
34
Note-se que tratamos de definições pela positiva, apesar de ser possível definir pela negativa como o
fazàCUNHáLà“ENDIMà ua doàafi aà ueà osàda osàe ológi osàs oàa uelesàda osà ausadosà àNatu ezaà
ueà oàseàt aduze àe àda osà sàpessoasàouàaosà e s .àCUNHAL SENDIM, José, Responsabilidade Civil
por Danos Ecológicos: da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora,
Coimbra,
,àp.
.àPo àfi ,àHELOI“áàOLIVEIRáàdizà ueàoàda oàe ológi oàseàpodeà o e e à o oà oà
dano ao recurso natural considerado em si mesmo .à OLIVEIRá,à Heloísa,à I st u e tosà deà Tutelaà doà
á ie te:àRespo sa ilidadeàpo àDa oàá ie tal/e ológi oàà … ,àp.à
.
35
GOMES CANOTILHO, José Joaquim, A Responsabilidade Por Danos Ambientais - Aproximação
Juspublicística, Direito do Ambiente, INA, Oeiras, 1992, p. 402.
36
AMADO GOMES, Carla, A Responsabilidade Civil por Dano Ecológico … , p. 2.
37
CUNHAL SENDIM, José, apud GOMES CANOTILHO, Joaquim, Actos Autorizativos Jurídico-públicos e
Responsabilidade por Danos Ambientais, in BFDUC, Vol. LXIX, Coimbra, 1993, p.13.
38
MONTI, Alberto, Environmental Risks and Insurance – A Comparative Analysis of The Role of Insurance
in the Management of Environment-related Risks, OECD, Paris, 2002, p. 7.
16
elemento natural, ou seja, é uma lesão causada a um recurso natural, susceptível de
causar uma afectação significativa do equilíbrio do bem jurídico ambiente ou
pat i ó ioà atu alà eà daà suaà i te aç o . Por fim, desde o ponto de vista do direito
comparado, podemos, quando falamos em e ologi alàha
seguindo o Environment
Act da Eslováquia onde este é tido como lossào à eake i gàofàtheà atu alàfu tio sàofà
ecosystems caused by damage of its individual elements or by infringement of their
i te alà o dsà a dà p o essesà asà aà esultà ofà hu a à a ti it
39
. Na legislação francesa,
precisamente no artigo art. 1247º, Code Civil, encontramos a expressão p judi eà
ologi ue ,à oàa tigo,àdo,à ueàestatuià ueàa ueleàda oàe ológi oà consistant en une
atteinte non négligeable aux éléments ou aux fonctions des écosystèmes ou aux
fi esà olle tifsàti sàpa àl’ho
eàdeàl’e i o
e e t 40. Em Itália, no artigo 300º,
[1], cuja epígrafe é precisamente danno ambientale à obtem-se a definição que diz
que este é qualsiasi deterioramento significativo e misurabile, diretto o indiretto, di
una risorsa naturale o dell'utilità assicurata daà uest'ulti a 41. Na Espanha, no art. 2º,
n.º1, da Ley 26/2007, de 23 de octubre, de Responsabilidade Medioambiental, diz-se
que a definição de Dañoà Medioà a
ie tal compreende Losà dañosà aà lasà espe iesà
silvestres y a los hábitat, es decir, cualquier daño que produzca efectos
adversossignificativos en la posibilidad de alcanzar o de mantenerel estado favorable
de conservación de esos hábitat oespecies. El carácter significativo de esos efectos se
e alua àe à ela ió à o àelàestadoà
si o .
1.2. Dano ambiental
Analisando a Diretiva 35/2004, concretamente o seu art. 2º, observamos que lá
consta a expressão da osà a
ie tais que, segundo TIAGO ANTUNES, integra três
modalidades: os danos causados às espécies e habitats naturais protegidos (ou danos à
biodiversidade), os danos causados à água e os danos causados ao solo42. Em seguida,
39
FOGLEMAN, Valerie, The Study on Analysis of Integrating the ELD into 11 National Legal Frameworks,
Final Report Prepared for the European Commission – DG Environment, 2013, p. 21.
40
Alterado pela LOI n° 20161087, du 8 août 2016, pour la reconquête de la biodiversité, de la nature et
des paysages, JORF n°0184, du 9 août 2016.
41
Decreto Legislativo, 3 aprile 200, n. 152 – Norme in matéria ambientale, Gazzetta Ufficiale n. 88 del
aprile 2006 – suppl. Ord. N. 96.
42
ANTUNES, Tiago, Da natureza jurídica da responsabilidade ambiental … , p. 129.
17
o nº1 do art. 2º contém várias alíneas43 nas quais se especifica melhor o que cabe
naquele conceito. Para além disso, tenha-se presente o facto de que a Diretiva 2004
autonomiza o dano ecológico, para além de que estatui que seja apenas aplicável a
este44. Na opinião de AMADO GOMES, a autonomização e esclarecimento do dano
ecológico em face do dano ambiental trata-se, inclusive, da
i t oduzidaà peloà RPRDE
45
aio à o idadeà
. Segundo GOMES CANOTILHO, podemos definir danos
ambientais como sendo os danos provocados a bens jurídicos concretos através de
emissões particulares ou através de um conjunto de emissões emanadas de um
o ju toà deà fo tesà e isso as
46
. De modo idêntico, MENEZES LEITÃO refere-se aos
danos ambientais o oà a uelesàe à ueàseà e ifi aàles oàdeà e sàju ídi osà o
etos,à
através de emissões particulares ou de um conjunto de emissões emanadas de um
o ju toà deà fo tesà e isso as
47
. Nesta linha, também HELOÍSA OLIVEIRA encara o
dano ambiental como oà da oà ueà à ausadoà di eta e teà sà pessoas
48
. A título de
direito comparado, é possível constatar que a opção do legislador foi a de positivar o
dano ambiental, o qual se define nos termos do art. 3º, n.º3, Umwelthaftungsgesetz49,
enquanto Da ageàisàdueàtoàa àe i o
e talài pa tà he àitàisà ausedà àsu sta es,à
vibrations, noises, pressure, radiation, gases, vapours, heat or other phenomena that
ha eàsp eadài àtheàsoil,àai ào à ate .
1.3. Distinção entre dano ambiental e dano ecológico
Em síntese, enquanto que o dano ambiental é aquele dano no meio ambiente que
tem repercussões na esfera patrimonial de um particular, ou seja, reflete uma lesão de
direitos e interesses legalmente protegidos na sequência da afetação de um
determinado componente ambiental, o dano ecológico é aquele afeta bens que não
43
Cfr. artigo 2.º, n.º 1, da Diretiva 2004.
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico …), p. 7.
45
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2012, p. 249.
46
GOMES CANOTILHO, José Joaquim, A Responsabilidade por Danos Ambientais - Aproximação
juspublicística, Direito do Ambiente, INA, Oeiras, 1992, p. 402
47
MENEZES LEITÃO, Luís, Actas do Colóquio – A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org. Carla
Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, FDUL, 2009, p. 26.
48
OLIVEIRA, Heloísa, Instrumentos de tutela do ambiente: responsabilidade por dano
ambiental/ecológico, Colóquio de Revisão da Lei de Bases do Ambiente (LBA), Org., Carla Amado Gomes
e Tiago Antunes, ICJP, FDUL, Lisboa, 2011, p. 171.
49
Environmental Liability Act of 10 December 1990 (Federal Law Gazette I p. 2634), as last amended by
Article 9 (5) of the Act of 23 November 2007 (Federal Law Gazette I p. 2631)
44
18
são apropriáveis. Em seguida, no plano legal, uma vez apreendida a noção de dano
ecológico e de dano ambiental, é tempo de proceder à sua destrinça, pelo que, da
análise da CRP, podemos constatar que o seu art. 66º, atinente ao ambiente e
qualidade de vida, não elucida qualquer diferença entre dano ambiental e dano
ecológico50. Do mesmo modo, também a Lei de Bases da Política do Ambiente51, lei de
valor reforçado, (parece) silente nesta matéria. Todavia, quanto a nós, consideramos
que, naquela Lei, se podem achar algumas referências a danos ao ambiente no seu
artigo 3.º, al. f) e, ainda, diretamente, ao dano ambiental no artigo 3.º, al. g)
52
.
Contudo, devemos precisar certas situações limite, sendo certo que, para tal,
acompanhamos ESTEVE PARDO quando aponta um conjunto de caraterísticas que
permitem individualizar o dano ecológico (daño medioambiental) em relação ao dano
ambiental:
laà di e io à e ológi aà oà
edioa
ie tal,à
asà all à delà det i e toà
pat i o ial ,à dañosà si à o po e teà pat i o ial à eà ai daà elà asoà deà losà g a desà
a ide tes
53
. Note-se que, no caso dos grandes acidentes, apesar de poder existir uma
sobreposição parcial de domínio (privado, público e não apropriável), consideramos
que o dano ecológico deve ser encarado como preferível54.
2. A imputação da responsabilidade civil por responsabilidade por danos ecológicos
2.1. O âmbito de aplicação do DL n.º 147/2008
2.1.1. Âmbito objetivo do DL n.º 147/2008
Primeiramente, devemos delimitar o âmbito objetivo de aplicação do DL
147/200855, utilizando os artigos 2º, nº 1 e 11º, al. e). Assim, o artigo 2º, nº 1
50
Também o artigo 9º, da CRP, na sua alínea e), nada diz acerca destes danos.
A Lei nº 19/2014, de 14 de abril.
52
De facto, parece-nos possível interpretar extensivamente e corretivamente no sentido de entender
aqueles danos ambientais em sentido lato, ou seja, tanto caberá na letra dos preceitos danos
ambientais como danos ecológicos. Fundamentamos esta interpretação com o art. 9.º do mesmo
diploma, uma vez que este refere claramente que para efeitos de realização da política do ambiente há
uma indissociabilidade dos componentes ambientais naturais e humanos.
53
ESTEVE PARDO, José, Derecho del Medio Ambiente, Marcial Pons, Barcelona, 2005, p. 107. Note-se
que em Espanha há uma grande consciencialização ecológica pelo facto de terem tido dois desastres
ambientais históricos: Prestige e Aználcollar.
54
Adiante, daremos nota do Princípio da prevalência do dano ecológico.
55
O Decreto-Leià
/
à deà à julhoà DLà n.º 147/2008) serviu para transpor para a ordem jurídica
nacional a Diretiva 2004 que tem como lógica de fundo, tal como consta expressamente do preâmbulo,
a autonomização do dano ambiental (rectius dano ecológico) e já não na perspetiva clássica (e obsoleta)
segundo a qual a responsabilidade ambiental se fundava sempre no dano causado às pessoas e às coisas
. Um aspeto importantíssimo a reter do DL 147/2008 é o facto de que, apesar de este se destinar a
51
19
determina que o DL 147/2008 se deverá aplicar quer aosàda osàa
a eaçasài i e tesàdessesàda os
56
ie tais , quer
sà
. Este, por sua vez, deve ser lido em conjunto com
o artigo 11º, nº 1, al. e), que, nas suas várias alíneas, abarca os danos causados às
espécies e habitats naturais protegidos, os danos causados à água e, ainda, os danos
causados ao solo57, isto é, danos às espécies protegidas, à água, e ao solo, quando tal
se reflita negativamente na saúde humana,
58
, sendo certo que, esta última expressão
faz toda a diferença no que se refere ao âmbito de aplicação. Desta feita, diga-se que,
em relação aos danos às espécies protegidas, merece destaque o facto de o legislador
ter previsto a imputação ao operador de quaisquer danos provocados às espécies de
zonas protegidas por legislação nacional e internacional59, ou seja, perpassa o âmbito
gizado pela diretiva, que apenas menciona as hipóteses das zonas da Rede Natura
200060. Em seguida, relativamente ao dano à água, embora seja certo que a Diretiva
transpor para a ordem jurídica interna a diretiva 35/2004, foi mais além, ou seja, regulou também a
responsabilidade por dano ambiental. TIAGO ANTUNES entende que a Diretiva 2004 se afasta, de modo
significativo, do modelo clássico civilístico da responsabilidade civil. Para fundamentar aquela afirmação,
afirma que já não existe uma relação de tipo ressarcitório entre lesante e lesado e, no seu lugar, existe
um regime assente na prevenção .
56
Tenha-se em atenção que apesar de se falar indistintamente em dano ambiental para abarcar o dano
ambiental e o dano ecológico, seguimos ALEXANDRA ARAGÃO, GOMES CANOTILHO, CUNHAL SENDIM.
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu, Actas do Colóquio – A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org.
Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, FDUL, 2009, p. 114.
57
i à Da osà ausadosà sà esp iesà eà ha itatsà atu aisà p otegidos;à s oà uais ue à da osà o à efeitosà
significativos adversos para a consecução ou a manutenção do estado de conservação favorável desses
habitats ou espécies, cuja avaliação tem que ter por base o estado inicial, nos termos dos critérios
o sta tesà oàa e oài àaoàp ese teàde eto‐lei,àdoà ualàfazàpa teài teg a te,à o àe epç oàdosàefeitos
adversos previamente identificados que resultem de um acto de um operador expressamente autorizado
pelasà auto idadesà o pete tes,à osà te osà daà legislaç oà apli el .à ii à Da osà ausadosà à guaà s oà
quaisquer danos que afectem adversa e significativamente, nos termos da legislação aplicável, o estado
ecológico ou o estado químico das águas de superfície, o potencial ecológico ou o estado químico das
massas de água artificiais ou fortemente modificadas, ou o estado quantitativo ou o estado químico das
águas su te
eas;àiii àDa osà ausadosàaoàsoloàs oà ual ue à o ta i aç oàdoàsoloà ueà ieàu à is oà
significativo para a saúde humana devido à introdução, directa ou indirecta, no solo ou à sua superfície,
de substâncias, preparações, organismos ou microrganis os .à
58
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito eu opeuàà … ,àp.à
59
Ca laà á adoà Go esà efe eà ueà osà e e pla esà deà fau aà eà flo aà p otegidosà s oà todosà a uelesà ueà
estiverem abrangidos por instrumentos de proteção inseridos no Sistema Nacional de Áreas
Classificadas, que compreende Rede Nacional de Áreas protegidas, as áreas classificadas da Rede Natura
2000 e outras áreas classificadas ao abrigo de instrumentos internacionais assumidos pelo Estado
português, nos termos do art. 9, n. º1 do DL 147/2008 .àáMáDOàGOME“,àCa la,àáà espo sa ilidadeà i ilà
por dano …), p. 12.
60
A Rede Natura 2000 foi criada pelo artigo 3.º da Diretiva 92/43/CEE de 21 de maio de 1992 quando
estatuiu que:
criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação
de o i adaà Natu aà
.à Estaà efe,à fo adaà po à sítiosà ueà aloja à tiposà deà ha itatsà atu aisà
20
/
à ape asà p e iaà todasà asà guasà a a gidasà pelaà Di e ti aà
efetivamente, o legislador nacional elencou
a tifi iaisà ouà fo te e teà
guasà deà supe fí ie ,
odifi adas à e, ainda,
guasà su te
/
/CE
61
,
assasà deà guaà
eas .à Talà fa to
permite-nos indagar sobre uma suposta incongruência entre afirmar que as águas
subterrâneas estão dentro do âmbito objetivo e afirmar (de modo incongruente
segundo nos parece) que o subsolo não está62. Depois, no concernente ao dano ao
solo, apesar de a Diretiva 2004 não o impor63, efetivamente, o legislador português
veio prever o dano ao solo quando afete um direito subjetivo. KRAMER critica a
ausência na Diretiva 2004, afirmando que theàsoil…à ouldà eà o side edà aàe e à o eà
i po ta tà u de l i gà e i o
e talà esou e
64
. Todavia, note-se que é criticável o
facto de o dano ao solo ser antropocêntrico, isto é, depender de uma lesão de um
direito subjetivo. Em seguida, cumpre mencionar ainda o (antigo) problema
constitucional da não consideração dos danos ao ar e ao subsolo como danos
ecológicos65. A título complementar, cumpre ainda dar nota do facto de que AMADO
GOME“à defe deà ueà po à de e à deà i te p etaç oà o fo
eà à LBPA, ao ar e solo e
subsolo de per se eà i depe de te e teà deà da osà à saúdeà hu a a
66
. Atualmente,
esta questão já não se coloca, pelo facto de a nova Lei de Bases da Política de
Ambiente (LBPA), Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, conter no seu artigo 10º um elenco
bastante grande e completo de componentes ambientais naturais. Neste sentido,
também KRAMER defende a restrição de aplicação de danos ao solo apenas quando
constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou,
se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado
deà o se aç oàfa o el,à aàsuaà eaàdeà epa tiç oà atu al.
61
Conforme consta do artigo 2º, nº 5.
62
A menos que seja possível afirmar que há águas subterrâneas que não estão no subsolo.
63
O artigo 2º, n.º 1, al.c) da Diretiva 2004/35 diz que Da osà ausadosà aoà solo,à istoà ,à ual ue à
contaminação do solo que crie um risco significativo de a saúde humana ser afetada adversamente
devido à introdução, direta ou indireta, no solo à sua superfície, de substancias, preparações,
o ga is osàouà i oo ga is os .
64
KRAMER, Ludwig, Weighing up the EC Environmental Liability Directive, Journal of Environmental Law,
Oxford University Press, Oxford, 2008, p. 174.
65
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico – Reflexões preliminares sobre o
novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho, O que há de novo no Direito do Ambiente?
Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, ICJP, FDUL, Lisboa, 2008, p. 13.
66
AMADO GOMES, Carla, De que falamos quando falamos de dano ambiental? – Direito, mentiras e
crítica, … , p. 163.
21
eati gà aà sig ifi a tà iskà toà hu a à health é ha dl à toà justif
67
. Por último,
aderimos à conclusão de AMADO GOMES quando afirma que oà ala ga e toà doà
universo de danos possíveis distende correlativamente o universo de operadores
pote ial e teà espo s eis
68
. Daí que nos permitamos concluir que o alargamento
objetivo implicou um alargamento subjetivo do âmbito de aplicação do DL 147/2008.
Por outro lado, procedendo a uma delimitação negativa, considera-se o artigo 2º, nº 2
que exclui os danos ambientais ou ameaças iminentes, causados por qualquer um dos
atos ou atividades aí elencados69. Não obstante, um outro parâmetro excludente pode
ser identificado por recurso às normas relativas à prescrição e à aplicação no tempo,
ou seja, conforme os artigos 33º e 35º do DL 147/2008. De facto, podemos ter dano
ecológico que poderá não ser ressarcido por força do decurso do tempo. Noutro plano,
a o pa ha osàáLEXáNDRáàáRáGÃOà ua doà efe eà ueà de fora ficam os danos ao
ar, ao clima, ao subsolo, à paisagem, à biodiversidade, quando as espécies não sejam
protegidas
70
. A título complementar, seria plausível admitir o ar71.
2.1.2. Âmbito subjetivo do DL n.º 147/2008
Passando agora à delimitação do âmbito subjetivo do DL 147/2008, devemos
começar por atentar no seu art. 11º, al. l), onde podemos entender o poluidor como
sendo os operadores-poluidores de quaisquer atividades ocupacionais e os
67
KRAMER, Ludwig, Weighing up the EC Environmental Liability Directive, Journal of Environmental Law,
Oxford University Press, Oxford, 2008, p. 173.
68
AMADO GOMES, Carla, De que falamos quando falamos de dano ambiental? – Direito, mentiras e
íti a,à … ,àp.à
.
69
Em primeiro lugar, se atentarmos na alínea a) do artigo 2, n.º 2, estes podem ser: 1) Atos de conflito
armado, hostilidades, guerra civil ou insurreição, 2) Fenómenos naturais de carácter totalmente
excecional, imprevisível ou que, ainda que previstos, sejam inevitáveis; 3) Atividades cujo principal
objetivo resida na defesa nacional ou na segurança internacional e 4) as atividades cujo único objetivo
resida na proteção contra catástrofes naturais. Em segundo lugar, tomando como base o artigo 2, nº2,
al. b), encontram-se excluídos da aplicação, os danos ambientais ou ameaças iminentes de que resultem
incidentes relativamente aos quais a responsabilidade seja abrangida pelo âmbito de aplicação (das
seguintes) convenções internacionais (Anexo I). Em terceiro lugar, nos termos do artigo 2, n.º 2, al. c)
estão fora do âmbito de aplicação do diploma, aqueles danos ambientais ou ameaças iminentes
decorrentes de riscos nucleares ou causados pelas atividades abrangidas pelo Tratado que institui a
Comunidade Europeia da Energia Atómica ou por incidentes ou atividades relativamente aos quais a
responsabilidade ou compensação seja abrangida pelo âmbito de algum dos instrumentos
internacionais enumerados no (Anexo II) ao presente DL e do qual faz parte integrante .
70
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu … , p.111.
71
BIO Intelligence Service, ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared for European
Comission – DG Environment, 2014, p. 84.
22
operadores-poluidores de atividades ocupacionais elencadas no anexo III72. Destarte,
podemos conceber o operador como
ualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou
privada, que execute ou controle a atividade profissional ou, quando a legislação
nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo
sobre o funcionamento técnico dessa atividade, incluindo o detentor de uma licença ou
auto izaç oà pa aà oà efeitoà ouà aà pessoaà ueà egisteà ouà otifi ueà essaà ati idade
73
. Em
seguida, relativamente à atividade profissional ou ocupacional, esta deverá ser
entendida como u aàati idadeàe o ó i a,àlu ati aàouà
o ,à pelo que, a contrario,
devem ter-se por excluídas do âmbito de aplicação objetivo, as atividades de lazer e
aquelas atividades cujo cariz é assistencial74.
3. Os tipos de responsabilidade civil
3.1. Responsabilidade subjetiva
O regime da responsabilidade subjetiva vem previsto no art. 13º do DL
147/2008 e determina que, em Portugal, os operadores de quaisquer atividades
ocupacionais fora do Anexo III – são subjetivamente responsáveis por danos à
natureza, à água ou ao solo, nos termos do art. 8º do DL 147/2008. Posto isto, para
que se possa acionar a responsabilidade civil subjetiva é necessário provar que certo
sujeito, rectius operador-poluidor, praticou certos atos, quebrou deveres de diligência
normal ou tenha atuado com dolo. Assim, por um lado, a diligência normal do sujeito
(operador-poluidor) determina-se em função do lote de deveres gerais que lhe são
fixados ou por força de uma autorização ou mercê de um ato normativo disciplinador
da sua conduta, sendo certo que, por outro lado, também é possível determinar alguns
deveres especiais quando haja uma situação de agravamento de risco ou uma situação
72
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu, … ,àp. 102. Apesar de a doutrina entender que indivíduos que não façam
quaisquer atividades ocupacionais devam estar fora do âmbito de aplicação do DL 147/2008,
consideramos não haver qualquer problema a que se admita a aplicação do diploma a indivíduos que
não desenvolvam uma atividade ocupacional económica. Em suma, quer por uma opção de proteção
maximalista, quer por uma questão de coerência teleológica.
73
Segundo a letra do art. 11º, n º1, al. l) do DL 147/2008. ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidorpagador como princípio nuclear da responsabilidade ambiental no direito europeu, Atas do Colóquio – A
Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, FDUL, 2009,
p. 102.
74
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2012, p. 257. O exemplo
dado por AMADO GOMES é relativo a escuteiros integrados em expedições, praticantes de desportos da
natureza, alunos que visitam uma área protegida.
23
em que há riscos cuja prevenção não foi precisamente acautelada ou não está a ser
devidamente acionada pelo operador75.
3.2. Responsabilidade objetiva
A responsabilidade objetiva acha o seu fundamento quer nas necessidades
sociais de segurança pessoal, quer nas exigências de justiça e solidariedade social76.
Pois bem, neste tipo de responsabilidade, cujo regime geral se acha no artigo 483º,
n.º2, CC77, para imputar a responsabilidade não é necessário que se verifique a
existência de dolo ou culpa, isto é, o sujeito lesante responde independentemente de
culpa78, divergindo, aqui, do mecanismo de imputação padrão que é a
responsabilidade subjetiva79.
3.3. Apreciação crítica
Depois de explanadas as vias pelas quais se poderá responsabilizar determinado
agente, iremos agora apreciar as suas vantagens e desvantagens, tendo como
efe e ialà oà fa toà deà ueà o regime de responsabilidade altera os incentivos de
agentes económicos racionais para desenvolverem as suas atividades
80
, na medida
em que altera a o seu comportamento. Assim, a primeira posição parte do pressuposto
de que a responsabilidade objetiva se deve utilizar como via imputacional, ao passo
que a segunda posição defende a p efe
iaà su jeti aà at a sà deà es ue asà deà
presunção de culpa idênticos ao consagrado no artigo 493, nº2, CC
81
. Ora, em
primeiro lugar e uma vez que decorre deste artigo, cabe ao presumível lesante
demonstrar a utilização da maior diligência com vista à evitação do dano que lhe é
75
Uma vez provada a existência de negligência ou de dolo, seria possível confirmar a existência de culpa,
concluindo-se como estando verificado, o quarto requisito clássico da responsabilidade civil. Se não se
conseguir provar a existência de negligência ou dano, deve operar uma exclusão da responsabilidade
por força do artigo 20º, nº 3, alíneas a) e b).
76
CALVÃO DA SILVA, João, A Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, Coimbra, 1999, p. 496.
77
adaà pessoaà si gula à ouà oleti a,à pública ou privada, deve responder pelos riscos e pelos danos
esulta tesàdasàati idadesàdeà ueàti aàp o eito .
78
CALVÃO DA SILVA, João, idem, p. 489.
79
AMADO GOMES defende uma p efe
iaàdaà espo sa ilidadeà ai daàsu jeti a,àat a sàdeàes ue asà
de presunção de culpa idênticos ao consagrado no art. 492, nº 2 CC no âmbito dos quais ao presumível
lesante caberá demonstrar a utilização da maior diligencia com vista à evitação do dano que lhe é
i putado p. 262.
80
RODRIGUES, Vasco, Análise Económica do Direito: uma Introdução, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra,
2016, p. 103.
81
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao estudo do ambiente, … p. 262.
24
imputado. AMADO GOMES afirma que a ausência (de tal prerrogativa ou faculdade)
determinaria um desincentivo aos operadores deàau e ta àosà í eisàdeàe ig
iaàdeà
desempenho, uma vez que, fazendo-o ou não, sempre seriam objetivamente
espo s eis
82
. Daqui, concluímos que um primeiro argumento que joga contra a
responsabilidade objetiva é precisamente o fenómeno que, segundo FAURE se designa
por
ha gesà i à theà le elà ofà a e , onde a responsabilidade objetiva faz com que o
operador diminua o seu cuidado. Toda ia,àoàauto àdefe deà ueà a liability regime for
risks which are not yet known today is not necessary ineficient
83
. Não a este propósito,
mas quanto a nós perfeitamente cabível, por identidade de razão, ANTUNES VARELA
defende que a responsabilidade objetiva
o stituià u à estí uloà efi azà aoà
aperfeiçoamento da empresa, tendente a diminuir o número e a gravidade dos riscos
daà p estaç oà deà t a alho
84
. Para além do autor citado, podemos ainda referir a
opinião da Comissão Europeia, que foi no sentido de considerar que a
responsabilidade objetiva para atividades perigosas é economicamente mais eficiente
do que a responsabilidade subjetiva85. Nesta sede, cumpre referir VASCO RODRIGUES
ua doà efe eà ueà se o causador suportar todos os custos da sua atividade, não há
externalidades ,àu aà ezà ueàoà bem-estar da sociedade coincide com o bem-estar do
causador .à á ui, importa percebe à ueà a responsabilidade subjetiva leva a um nível
excessivo de atividade ao passo que a responsabilidade objetiva leva a
comportamentos eficientes
86
, talvez por dissuadir a entrada de novos players, i.e.,
empresas que venham a ser um operador potencialmente poluidor. Em segundo lugar,
o argumento da e essi aào e aç oàdasàati idadesàe o ó i as
87
, que tem uma força
82
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao estudo do ambiente, … à p. 262. Todavia, note-se que, no
Direito Alemão existe uma norma que comina a obrigatoriedade de adotar as melhores técnicas
disponíveis – no domínio da prevenção do dano ecológico.
83
FAURE, Michael, Environmental Liability, Tort Law and Economics, Edwar Elgar, Cheltenham, 2009,
p.263.
84
ANTUNES VARELA, João, Das Obrigações em Geral, VOL I, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, p.
633.
85
COMMISSION STAFF WORKING DOCUMENT REFIT Evaluation of the Environmental Liability Directive
Accompanying the document, Brussels, 2016, p. 50. Tenha-se em atenção que o relatório alerta para o
facto de que, caso se admitam mais exceções ou defesas estar-se-á a reduzir a eficiência económica.
86
RODRIGUES, Vasco, Análise Económica do Direito: uma Introdução, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra,
2016, p.105. Fazemos notar que, do mesmo modo que as licenças do carbono 0, o bem-estar da
sociedade que idealizamos não é um trade-off entre poluir e bem-estar, mas antes um bem-estar onde
tendencialmente não existirá a permissão (licenciamento ou autorização) para polui .
87
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao estudo do ambiente, … , p. 262.
25
especial no panorama empresarial português, deve ser entendido como um risco
próprio do negócio88, que, acrescentamos nós, por ser obsoleto e potencialmente
poluente, deve ser desincentivado e, quando possível, erradicado. Em terceiro lugar,
um outro argumento que se aduz a este propósito tem que ver com o facto de haver
morosidade na resolução do litígio e o facto de que os montantes gastos no
contencioso, podem ser superiores aos montantes que iriam ser pagos a título
indemnizatório89. Em suma, considerando aquilo que foi dito até aqui, entendemos
que a política legislativa ambiental, assente quer num regime de prevenção, quer num
regime de precaução (ambiental), deve preferir a responsabilidade objetiva90 porque,
do ponto de vista económico, é superior à responsabilidade subjetiva91, porque, em
abstrato, tem maior probabilidade de efetivo ressarcimento de dano (ou medidas de
prevenção) e, ainda, porque é preferível pagar por uma indemnização do que em
custos de contencioso (mandatários, viagens, meios de prova, etc.). Quanto a nós, o
único argumento que teria algum peso, seria o da oneração para a atividade
económica, todavia, como não anuímos numa espécie de direito a explorar uma
atividade poluente e/ou obsoleta, também lhe retiramos qualquer força92. Posto isto,
podemos agora inferir que a conclusão que se retirou para a responsabilidade objetiva
pode
servir
para
a
obrigatoriedade
de
constituir
garantias
financeiras,
designadamente, o seguro. Nesta sede, tenha-se presente a posição de ALEXANDRA
ARAGÃO quando afirma que asàga a tiasàfi a ei asào igató iasàs oàu aàfo
manter a pressão sobre o poluidor, incitando-oà aà to a à edidasà p e e ti as
aàdeà
93
. Por
fim, no essencial, concordamos com a posição de MONTI segundo a qual toà p ote tà
88
Como vem sendo entendimento da jurisprudência comunitária na voz de Juliane Kokkot.
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities, AIDA XIth World
Congress, New York, 2002, p. 5.
90
Mutatis mutandis, por força do argumento de identidade de razão, devemos admitir que tal
raciocícino vale também em sede de dano ambiental. Para além de que, quando temos responsabilidade
objetiva, temos correspetivamente uma obrigatoriamente de constituir um seguro para cobrir eventuais
prejuízos resultantes da atividade coberta por essa mesma responsabilidade. Claro que a situação onera
em demasia os cidadãos e protege absolutamente a natureza.
91
Neste sentido MONTI, Alberto, Environmental Risks and Insurance – A Comparative Analysis of the
Role Insurance in the Management of Environment-related Risks, OECD, Paris, 2002, p. 8.
92
Mesmo que se admitisse algum peso a este argumento, perde claramente contra o argumento da
eficiência económica, o argumento dos custos de litigância,
93
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu … ,àp. 106.
89
26
the environment through an efficient level of deterrence, strict liability proves to be
o eàapp op iateàf o àaàla àa dàe o o i sàpoi tàofà ie
94
.
4. Os requisitos da responsabilidade civil por danos ambientais
Seguindo os ensinamentos de ANTUNES VARELA, para que se possa afirmar que há
uma obrigação para indemnizar, é necessária a verificação sucessiva de vários
requisitos da responsabilidade civil, ou seja, a ocorrência de um facto voluntário do
agente que infrinja objetivamente qualquer das regras disciplinadoras da vida social;
haver um nexo de imputação do facto ao lesante; que se haja produzido um dano. Por
fim, é mister que: haja um nexo de causalidade entre o facto e o dano95. Posto isto,
MENEZES CORDEIRO elenca as dificuldades técnicas e de fundo que se colocam à
aplicação da responsabilidade civil (em matéria ambiental) as quais podem
reconfigurar-se a questões atinentes ao facto, à ilicitude, à culpa, à causalidade e ao
dano96.
4.1. O facto voluntário do agente
O primeiro requisito imprescindível para que haja responsabilidade civil é a
produção de um facto voluntário por parte do agente ou lesante97;98. Atentando agora
sobre o DL 147/2008, tanto no que se refere à responsabilidade civil por danos
ambientais, como naquilo que diz respeito à responsabilidade civil por danos
ecológicos, podemos apontar os exemplos do art. 7º , contido quer na expressão
exercício de uma atividade , quer na expressão do art. 8º que fala em les oàdeàu à
o po e teàa
ie tal bem como, ainda, aqueles que constam do art. 12º, onde se lê
94
MONTI,àál e to,àE i o e talàRisksàa dàI su a eà … ,àp.à .
áNTUNE“àVáRELá,àJo o,àDasào igaçõesàe àge alà … ,àp.à
.
96
MENEZES CORDEIRO, António, Tutela do Ambiente e Direito Civil, Direito do Ambiente, Instituto
Nacional de Administração, Oeiras, p. 389.
97
A produção deste pode realizar-se por meio da prática de uma ação ou através de uma omissão. A
título de exemplo para ilustrar um facto derivado de uma ação aponte-se uma descarga num curso de
água superficial de um resíduo industrial líquido com uma elevada concentração de um composto
químico e altamente cancerígeno.
98
BARRETO ARCHER, António, Direito do Ambiente e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2009,
p.60. O autor, exemplifica com um facto resultante de uma omissão, serve a situação na qual não houve
verificação periódica das soldaduras da tubagem do circuito de arrefecimento de um reator nuclear.
Para além disso, com outro matiz, temos a hipótese de a Administração, designadamente alguma
entidade, poder praticar omissões ao nível do controlo e da fiscalização.
95
27
causar um dano em virtude do exercício de qualquer das atividades ocupacionais àe,
também, do art. 13º
ausa àu àda o .
4.2. A ilicitude
No que diz respeito à ilicitude, devemos, em primeiro lugar, defini-la como
sendo um juízo de desvalor atribuído pela ordem jurídica 99. Em segundo lugar,
podemos distinguir as formas pelas quais a ilicitude se pode manifestar, ou seja, a
ilicitude que surge da violação de um direito subjetivo, e aquele tipo de ilicitude que se
manifesta pela violação da lei que protege interesses alheios100. Ora bem, a violação de
um direito subjetivo tem como característica especial o facto de, ao se exigir uma lesão
de um direito subjetivo específico, se limitar a indemnização à frustração das utilidades
proporcionadas por esse direito, não se admitindo, assim, nesta sede, a tutela dos
danos puramente patrimoniais (pure economic loss)101. Já a ilicitude por violação de
normas de proteção consiste naquele tipo de ilicitude que se manifesta em virtude da
violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios102. Assim, no
plano do direito constituído, os artigos 7º e 8º do DL 147/2008 contêm a expressão
ofe sasà deà di eitosà ouà i te esses alheios por via da lesão de um componente
a
ie tal , donde se constata a divisão suprarreferida. Devendo, esta, completar-se
com recurso ao diploma da LBPA, em concreto, convocando os preceitos dos artigos 9º
a 11º, uma vez que lá se postula aquilo que se deve entender por componentes
ambientais, naturais ou associados a comportamentos humanos103. Por seu turno, os
componentes associados a comportamentos humanos vertidos no artigo 11º, são as
alterações climáticas, os resíduos, o ruído e os produtos químicos. Por último,
BARRETO ARCHER alerta para o facto de a prova da ilicitude da conduta do agente
responsável poder requerer, amiúde, a resolução de um problema de colisão de
direitos nos termos do artigo 335º, CC104.
99
MENEZES LEITÃO, Luís, Direito das Obrigações, VOL I, Almedina, Coimbra, 2016, p. 289.
ANTUNES VARELA, João, Das Obrigações em Geral, VOL I, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, p.
101
MENEZES LEITÃO, Luís, Direito das obrigações, … ,àp. 290.
102
MENEZES LEITÃO, Luís, Direito das obrigações, … àp. 294.
103
Resumidamente, nos termos do artigo 10º, os componentes ambientais naturais são o ar, a água, o
mar, a biodiversidade, o solo e o subsolo e por fim, a paisagem.
104
BARRETO ARCHER, António, Direito do Ambiente e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2009,
p. 61.
100
28
4.3. O nexo de imputação do facto ao agente
Na sequência do ponto anterior, o terceiro requisito trata-se do nexo de
imputação do facto ao lesante ou agente, ou culpa105, ou seja, para que o facto ilícito
gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. Atentando
agora na o eç oà deà áNTUNE“à VáRELá,à agir com culpa à sig ifi aà atua à e àte
osà
de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito106. No mesmo
sentido, MENEZES LEITÃO define a culpa como o juízo de censura ao agente por ter
adotado a conduta que adotou, quando, de acordo com o comando legal, estaria
obrigado a adotar conduta diferente
107
e FIGUEIREDO DIAS que entende que a
conceção dogmática da culpa assenta na bipartição desta em dolo e negligência, sendo
que, por sua vez, o dolo triparte-se em directo, necessário e eventual ao passo que a
negligência biparte-se em consciente e inconsciente
108
. Uma vez analisada a definição
e as modalidades da culpa, devemos recordar que o nosso sistema prevê duas vias de
imputação do facto ao agente109. A primeira via consiste na responsabilidade objetiva,
onde se prescinde da culpa, isto é, o lesado não necessita de provar que houve culpa
por parte do lesante, havendo uma inversão do ónus da prova. A segunda via consiste
na responsabilidade subjetiva, onde se exige a culpa, ou seja, o lesado necessita de
105
Atualmente, parece haver uma propensão doutrinária para a utilização do conceito culpa em
detrimento do conceito tradicional: nexo de imputação do facto ao lesante.
106
ANTUNES VARELA,àJo o,àDasào igaçõesàe àge alà … , p. 562.
107
MENEZES LEITÃO, Luís, Direito das Obrigações VOL I, Almedina, Coimbra, 2016, p. 311.
108
O dolo direto é o tipo de dolo em que a realização do tipo objetivo de ilícito surge como o verdadeiro
fim da conduta, no tipo de dolo necessário a realização do facto surge não como pressuposto ou degrau
intermédio para alcançar a finalidade da conduta, mas como sua consequência necessária, no preciso
sentido de consequência inevitável. Em terceiro lugar, o dolo eventual caracteriza-se pelo facto de a
ealizaç oàdoàtipoào jeti oàdeàilí itoàse à ep ese tadaàpeloàage teàape asà o oà o se u iaàpossí elà
daà o duta à Passa doà ago aà sà defi içõesà dosà dife e tesà g ausà deà egligência, temos por um lado, a
negligência consciente, que aparece definida no artigo 15.º, al. a), do Código Penal, consubstancia-se na
situaç oàe à ueàoàage teà ep ese taà o oàpossí elàaà ealizaç oàdeàu àfa toà ueàp ee heàu àtipoàdeà
crime mas actuar se à seà o fo a à o à essaà ealizaç o ,à po à out oà lado,à aà eglig iaà i o s ie teà
vem definida no artigo 15.º, al. b), do Código Pe alà o oàaàsituaç oà aà ualà oàage teà oà hegaàse ue à
aà ep ese ta à aà possi ilidadeà deà ealizaç oà doà fa to .à FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Direito Penal – Parte
Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 367.
109
cumpre dar nota do modo como se aprecia a culpa, sendo certo que, nesta sede, segundo os
parâmetros do nosso sistema legal, a culpa deve ser apreciada, ou aferida nos termos gerais, pelo
critério legal do bonus pater familias, cfr. Artigo 497º, nº 2, CC, tendo como referência as circunstâncias
do caso concreto. Contudo, no momento judicativo-decisório, deve ter-se em linha de conta o facto de
que a diligência que é passível de ser exigida a quem se trate de um profissional qualificado, ou tenha
especiais conhecimentos, não é a mesma que se pode exigir a alguém sem qualificações.
29
provar que houve culpa por parte do lesante conforme o art. 572º, CC, não operando
aqui qualquer inversão do ónus da prova.
4.4. O dano
Grosso modo, podemos conceber o dano como
u aà les oà ausadaà oà
interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma
destruição, subtração ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea
110
. Em
seguida, em sede de responsabilidade ambiental, podemos entender que o da oà à a
perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses
que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar
plano do direito constituído, o art. 11ºàdoàDLà
/
111
. Sendo certo que, no
àdefi eàoàda oà o oàse doà a
alteração adversa mensurável de um recurso natural ou a deterioração mensurável do
serviço de um recurso natural que ocorram direta ou indiretamente . Desta forma,
devemos agora elencar as modalidades do dano, pelo que, de uma banda, situa-se o
dano ou prejuízo emergente que corresponde à situação em que alguém vê frustrada
uma utilidade que já tinha adquirido, e, de outra banda, temos o lucro cessante, que
corresponde à situação em que é frustrada uma utilidade que o lesado iria adquirir se
não fosse a lesão. Quer um, quer outro, são abrangidos pela obrigação de indemnizar.
Tenha-se ainda em atenção uma outra distinção, que se faz entre danos patrimoniais e
danos não patrimoniais, sendo que os primeiros se traduzem numa f ust aç oà deà
utilidades suscetíveisà deà a aliaç oà pe u i ia
112
ao passo que os segundos se
o figu a à o oà uma frustração das utilidades não suscetíveis de avaliação
pecuniária
113
. Segundo MARTINS DA CRUZ, em sede do dano, os problemas podem
surgir em relação à determinação do autor do dano, relativamente à sua avaliação e,
ainda, por dificuldades atinentes à determinação do titular do direito à reparação114.
110
ANTUNES VARELA, João, Das Obrigações em Geral … , pag. 492
ANTUNES VARELA, João, idem, p. 591.
112
A título de exemplo, podemos referir a destruição de coisas.
113
A título de exemplo, podemos referir quer a saúde, quer o bem-estar.
114
MARTINS DA CRUZ, Branca, Responsabilidade civil pelo dano ecológico – Alguns problemas, Lusíada
Revista Ciência e Cultura, série de Direito, número especial, Actas do I Congresso Internacional de Direito
do Ambiente da Universidade Lusíada, Universidade Lusíada, Porto, 1996, p. 211.
111
30
4.4.1. A problemática do lesado do dano ecológico
A título de enquadramento, no que ao dano ecológico diz respeito, devemos
dar conta de que, ao contrário do que tradicionalmente sucede no dano em sede de
Direito Civil, isto é, existe, pelo menos, um lesado de certo dano, no campo do dano
ecológico pode não haver um concreto lesado. Tal problema pode resolver-se, a nível
legislativo, pela atribuição da titularidade do direito de ação a coletividades115, a entes
públicos ou, ainda, a um fundo criado para esse mesmo fim. A titularidade da ação
reparatória pode ser subjetiva ou pública, isto é, ou se atribui a todo e qualquer
cidadão, ou se atribui ao Estado e/ou associações de defesa do ambiente116.
4.4.2. Período de latência das causas dos danos ambientais e prescrição
O problema do período de latência das causas dos danos ambientais diz
respeito a uma situação em que um dano ecológico se manifesta muito depois da
produção do facto ou dos factos que estiveram na sua origem117. Em síntese,à Trata-se
de uma circunstância que dificulta tecnicamente a prova de que uma determinada
ausaà e a,à à pa tida,à aptaà aà p oduzi à oà da oà ueà seà e ifi ou , conforme resulta da
leitura do preâmbulo do DL 147/2008. Partindo do pressuposto acima apontado,
devemos, agora, relacioná-lo com o instituto da prescrição, isto é, a problemática
atinente ao prazo prescricional do dano ecológico. Como é consabido, a prescrição é
um instituto que tem o seu fundamento no princípio da segurança jurídica e tem o seu
o regime geral previsto no Código Civil, o qual comina um prazo ordinário de 20 anos
nos termos do seu artigo 309º. Ora, este prazo, mostra-se curto dadas as
especificidades atinentes ao dano ecológico. Foi precisamente por se apresentar como
um dano sui generis, que o legislador optou por lhe conferir um regime especial,
fixando o prazo prescricional do dano ecológico em sede de responsabilidade por dano
ambiental, em 30 anos. Tal extensão do prazo é aplaudida por AMADO GOMES118 e
criticada por MENEZES LEITÃO119, todavia, não conseguimos extrair o sentido da crítica
115
A título de exemplo, vide art. 2º, na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto.
MáRTIN“àDáàCRU),àB a a,àRespo sa ilidadeà i ilàpeloàda oàe ológi oà … ,àp.à
.
117
BARRETO ARCHER, António, Direito do Ambiente e responsabilidade civil, … , p. 62.
118
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, FDUL; Lisboa, 2012, p. 251.
119
MENEZES LEITÃO, Luís, Direito das obrigações … , p. 41.
116
31
deste autor, se entende que é um prazo curto ou se entende que é um prazo extenso
demais.
4.4.3. Danos futuros
Consideramos que o dano futuro pode ser concebido como sendo um prejuízo
que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é
considerado120. Dessa forma, diz-se que, nesse tempo, já existe um ofendido, mas não
existe um lesado. Sendo certo, ainda, afirmar que os danos futuros podem dividir-se
em previsíveis e imprevisíveis121. Ora, de harmonia com o disposto naquele preceito, o
dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, ou seja, de facto, o sujeito
titular do direito ofendido, só poderá pedir a correspondente indemnização depois de
o dano acontecer. Já quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os
certos e os eventuais, onde, de uma banda, o dano futuro certo é aquele cuja
produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível, ao
passo que, de outra banda, o dano futuro eventual é aquele cuja produção se
apresenta, no momento de acerca dele se formar um juízo, como meramente possível,
incerto, hipotético. Com efeito, de jure constituto os danos futuros vêm regulados no
artigo 564, nº 2, CC, mas não são regulados, de modo especial, pelo DL 147/2008122.
Ora, em face desta realidade normativa, pergunta-se se o artigo do regime civilístico
ampara estas situações, ou seja, se lhes é aplicável. A resposta terá que ser negativa na
ótica de MENEZES LEITÃO que alerta que, em virtude do facto de os principais lesados
por lesões ambientais, serem as gerações futuras, o âmbito de aplicação do artigo
562º, nº 2 é demasiado curto para cobrir as hipóteses de danos futuros123. Com efeito,
afirma que o Tribunal pode tomar em conta os danos futuros apenas se estes forem
previsíveis, ou seja, admite a indemnização de danos futuros cujo grau de
120
DGSI – Processo 084734; STJ; Relator: Sousa Inês
Por um lado, o dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação
ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
122
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico – Reflexões preliminares sobre o
novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho, O que há de novo no Direito do Ambiente?
Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, ICJP, FDUL, Lisboa, 2008, p. 167.
123
MENEZES LEITÃO, Luís, A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente, Actas do Colóquio –
A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, FDUL,
2009, p. 24.
121
32
probabilidade da sua verificação seja alto124. A contrario, note-se que os danos
meramente individuais não serão indemnizáveis no âmbito do artigo 564º, nº 2. De
esideà oà fa toà deà seà i po à aoà
facto, segundo AMADO GOMES, o grande problema
lesante uma obrigação de ressarcimento de um dano moral hipotético futuro, uma vez
que esta, por ter um cunho punitivo, dificilmente será oponível sem previsão legal
espe ifi a , pelo que, conclui que aàope a io alidadeàdaà oç oàdeàda oàa
ge açõesàfutu asàpa e eàesta ,àpo ào a,à o de ada
125
ie talà sà
. De jure condendo, entendemos
que um Estado soberano deve reunir dois requisitos para que o seu ordenamento
jurídico contenha comandos normativos que determinem a ressarcibilidade de danos
futuros. Em primeiro lugar, deverá ser um estado com alto índice de desenvolvimento
humano e, em segundo lugar, deverá ter um orçamento que o permita126. Ainda assim,
assinalamos uma exceção ao que foi dito supra, utilizando, para tal, um exemplo
jurisprudencial aventado por AMADO GOMES, que, na prática, contraria aquela
premissa127.
4.4.4. Avaliação do prejuízo resultante do dano
Efetivamente, já sabemos que a responsabilidade ambiental pode dar lugar a
uma sentença de reconstituição natural da situação anterior à lesão como pode dar
lugar a uma indemnização por sucedâneo128. Prima facie, diremos que a questão da
avaliação do prejuízo resultante do dano ecológico se mostra bastante difícil e
aparentemente impossível. Pois bem, começando pela última característica apontada,
somos obrigados a discordar de quem afirma que é impossível avaliar o dano ecológico
pelo facto de também ser possível avaliar o dano moral. MARTINS DA CRUZ aponta um
exemplo que, quanto a nós, fundamenta e/ou justifica integralmente o que atrás foi
124
MENEZES LEITÃO, Luís, A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente, … p. 28.
AMADO GOMES, Carla, De que falamos quando falamos de dano ambiental? – Direito, mentiras e
crítica, … , p. 168.
126
Daqui se inferirá a seguinte conclusão: quanto mais avançado um estado for, maior será a fatia do
seu orçamento que este afetará à prossecução do fim – política ambiental. No fundo, (ainda) é natural
que um Estado com poucos recursos e com um nível de desenvolvimento humano que não se situe num
patamar alto, considere impensável ressarcir as suas gerações futuras.
127
O Supreme Court das Filipinas aceitou uma demanda proposta por um grupo de menores que agia
em defesa das florestas do país por si e em representação das ge açõesàfutu as,àá tasà … ,àp.à
;à otaà
de rodapé 26.
128
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra,
2002, p. 261.
125
33
dito:à afigu a-se tão difícil avaliar a extinção de uma espécie como a dor provocada
pela perda de um ente querido ou po àu àate tadoà àsuaà e ó ia
129
. Assumindo que
a avaliação é difícil, mas não é impossível, quando se vise efetuar uma restauração
natural, o dano corresponderá à verba necessária a essa recuperação 130. Já quanto à
questão dos conhecimentos científicos, cumpre dar nota de a circunstância do
conhecimento científico atual não bastar para podermos definir um dano como
reversível ou irreversível131. Para além disto, diga-se, ainda, que, no direito alemão, o
critério passou pela ideia da suportabilidade ou insuportabilidade do dano, com o fim
de limitar o montante da indemnização aos danos razoáveis132. Por fim, concluindo,
devemos ter presente que esta é a solução adotada nos países europeus pelo que, terá
razão quem afirma que
aà epa aç oà i teg alà ede,à aà pa ià passu, o lugar à
indemnização razoável do prejuízo, conferindo assim enormes poderes de apreciação
aoàjuiz
133
.
4.5. O nexo de causalidade entre o facto e o dano
Efetivamente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser entendido
como o nexo objetivo entre a ação e o dano, necessário para fundamentar a
responsabilidade do autor desta ação pelos seus efeitos lesivos134. Com efeito, no
direito ambiental, fazem-se sentir, com especial intensidade, dificuldades no
estabelecimento do nexo causal com base nas teorias da causalidade. Seguimos a ideia
de MARTINS DA CRUZ quando refere que à verdade substitui-seàaà e osi ilha ça àeà
aà e tezaà d à luga à à p o a ilidade , de modo a que os juízos se fundem numa
probabilidade séria, apoiadas no conhecimento científico. Passando, agora, à análise
do DL 147/2008, constatamos que, no seu art. 5ºàseàdizà ueà a apreciação da prova do
nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o
facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada ,à ue,à segu doà a supracitada
auto a,à a lei optou por atenuar o grau de prova do nexo de causalidade .à Po à
conseguinte, o lesado deve provar a respetiva probabilidade da efetiva criação ou
129
MARTINS DA CRUZ, Branca, Responsabilidade civil pelo dano ecológico
MARTINS DA CRUZ, Branca, Responsabilidade civil pelo dano ecológico
131
MARTINS DA CRUZ, Branca, Responsabilidade civil pelo dano ecológico
132
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde Cor de Direito, … p. 260.
133
GILLES MARTIN, apud Vasco PEREIRáàDáà“ILVá,àVas o,àVe deàCo àdeàDi
134
MARTINS DA CRUZ, Branca, Responsabilidade civil pelo dano ecológico
130
… , p. 220.
… , p. 219.
… , p. 221.
eito,à … , p.261.
… ,àp. 216.
34
aumento do risco. Se tal for feito, a partir daí, presume-se a materialização do risco135.
Por fim, deve ter-se em consideração a posição de PERESTRELO OLIVEIRA que aponta
no sentido da defesa da teoria da conexão do risco136;137.
4.5.1. Responsabilidade plural
Em boa verdade, devemos assinalar que as situações de responsabilidade plural
não se reconduzem plenamente a situações de dificuldades de determinação do nexo
causal. Ainda assim, as situações de responsabilidade plural mais comuns são, a
responsabilidade de pessoas coletivas, cfr. artigo 3º, nº1, do DL 147/2008, a
responsabilidade de grupos sociais, cfr. artigo 3º, nº 2, a responsabilidade de várias
pessoas singulares , cfr. artigo 4º e ainda a responsabilidade de terceiros, cfr. artigo
20º, nº 2 138.
4.5.1.1.
Responsabilidade das pessoas coletivas
Dando seguimento ao ponto anterior, relativamente à responsabilidade das
pessoas coletivas, o artigo 3º, nº 1, DL 147/2008 diz respeito à responsabilidade plural
dentro de uma pessoa coletiva responsável, ou seja, existem aqui dois momentos
imputacionais distintos. Primeiro, teve que se imputar a certa pessoa coletiva
determinado dano. Segundo, depois de imputado esse dano, iremos imputar a cada
pessoa singular que ocupa uma posição na orgânica social da entidade empresarial. De
jure constituto seguimos o raciocínio de ALEXANDRA ARAGÃO quando refere que a aà
lei nacional optou por uma solução que é expressão perfeita do PPP, enquanto regra de
so ializaç oàdosàda os:àaà espo sa ilidadeàsolid ia,à o àe e tualàdi eitoàdeà eg esso
para além de que afirma que aquele tipo de responsabilidade pa e eà se à aà soluç oà
135
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, A responsabilidade civil por dano ecológico – Reflexões preliminares
sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de julho, O que há de novo no Direito do
Ambiente?, Actas da Jornadas de Direito do Ambiente, ICJP, Lisboa, 2008, p. 171. A mesma autora
refere que o fez, no entanto, de forma original, conjugando a redução do grau de prova – quanto à
criação ou aumento do risco pelo agente – com uma implícita inversão do ónus da prova, decorrente da
p esu ç o,àhe e uti a e teàdes o e ta,àdeà ate ializaç oàdoà is oà oà esultadoàlesi o,à … ,àp.à
.
136
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental, Almedina,
Coimbra, 2007, p. 70. u aàsoluç oàdog ti aàeàp ag ati a e teà o etaà oà a poàdaài putaç oàdosà
da osàa ie taisàde e,àaà ossoà e ,àpa ti àdoà o eitoàouàideiaà e t alàdeà is o
137
oà esultadoàde eàse ài putadoàaoàage teà ua doàaà o dutaàdoàautor tenha criado ou aumentado
u à is oàju idi a e teà oàpe itidoàeàesseà is oàseàte haà i doàaà ate ializa à oà esultadoàlesi o .à
138
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
a ie talà oàdi eitoàeu opeu,à … àp.à
.
35
aisà ade uada,à po à se à si ulta ea e teà aà
aisà justaà eà aà
aisà efi az
139
. Não
obstante, de jure condendo, podemos mencionar outras soluções a ter em atenção,
como as doutrinas de origem anglo-saxónica market-share liability140 – a qual
determina que se impute a responsabilidade segundo a quota de mercado de cada
operador e a doutrina da pollution-share liability141 – a qual determina que a
responsabilidade se impute conforme o nível das emissões poluentes de cada
operador142.
4.5.1.2.
Pluralidade de lesantes
Perante a situação em que há uma pluralidade de lesantes, devemos atentar na
norma vertida no artigo 4º, cuja epígrafe é Co pa ti ipaç o , em concreto no seu nº
2, pois, lá se estatui a presunção de que a responsabilidade se deverá repartir em
partes iguais quando não seja possível individualizar o grau de participação de cada
u àdosà espo s eisà peloàda o .àDe facto, numa situação em que houve pluralidade
de lesantes e um ou mais deles haja satisfeito a obrigação, a título solidário, em
momento posterior, quem tenha satisfeito a obrigação, poderá nos termos do artigo
4º, nº 1 exigir a título de direito de regresso aos outros lesantes que não pagaram.
Sendo deveras importante o facto de, nesta sede, o direito de regresso ser exercido
aà edidaàdasà espeti asà ulpasàeàdasà o se u
iasà ueàdelasàad ie a
, por força
do artigo 4º, nº 3. Não obstante, no caso de não se lograr quantificar ou diferenciar as
culpas dos sujeitos lesantes, o mesmo preceito 4º, nº 3 estabelece uma presunção,
idêntica à do seu nº ,àdize doà presumindo-seàiguaisàasà ulpasàdosà espo s eis .
4.5.2. Multicausalidade
A multicausalidade143 traduz-se na possibilidade de haver várias causas
concorrentes na produção dos danos144, sendo que, devemos ter em atenção o facto
de que no domínio ambiental, estes fenómenos têm especial relevo por força da
139
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito eu opeu,à … àp.à
.
140
Responsabilidade segundo a quota de mercado.
141
Responsabilidade segundo o nível das emissões poluentes.
142
Apesar de termos a plena noção de que estas teorias surgiram para dar resposta às dificuldades de
imputação do nexo causal em sede de responsabilidade plural, admitimos perfeitamente que se possam
utilizar para imputar a situações de responsabilidade unidimensional.
143
Que também pode ser designada como Concausalidade, Concurso de causas ou por Pluricausalidade.
144
BARRETO ARCHER, António, Direito do Ambiente e Responsabilidade Civil, … ,àp. 62.
36
complexidade dos mecanismos físicos, químicos e biológicos de produção de danos
ambientais. De uma banda, MIRANDA BARBOSA afirma que os vários tipos de
multicausalidade são a causalidade complementar, a causalidade cumulativa, a
causalidade alternativa incerta e a causalidade aditiva145. Em primeiro lugar, a
causalidade complementar146 é a situação na qual há duas causas reais, sendo ambas
necessárias para a produção do dano, porquanto só uma não teria tido eficácia causal.
Em segundo lugar, a causalidade cumulativa, ou causalidade cumulativa não
necessária147, causalidade plural, causalidade adicional, ou concurso cumulativo – na
qual há duas ações, mas cada uma delas, por si, teria sido bastante para causar o
dano148;149. PERE“TRELOà OLIVEIRáà afi
aà ueà esteà tipoà deà ausalidadeà consiste em
afirmar a responsabilidade de todos os agentes
150
. Quanto à interpretação a seguir
para a causalidade cumulativa, perante estas hipóteses, a doutrina tradicional, assente
na conditio sine qua non, apontaria a desresponsabilização dos agentes como solução
para uma situação deste género. Todavia, variadíssima doutrina portuguesa tem
defendido a aplicação analógica do art. 497º, CC que estabelece a responsabilidade
solidária de todos aqueles que contribuíram para a emergência do dano
PERESTRELO OLIVEIRA, dever-se-á i puta àoàda oàa
151
. Segundo
ie talàaàtodosàosàage tesà ueà
145
MIRANDA BARBOSA, Mafalda, Da causalidade à imputação objetiva na responsabilidade civil
ambiental, Risco Ambiental – Atas do Colóquio de homenagem ao Senhor Professor Doutor Adriano Vaz
Serra, realizado em 27 de fevereiro de 2015, Coord. Jorge Sinde Monteiro, Mafalda Miranda Barbosa,
Instituto Jurídico, Coimbra, 201, p.121.
146
Ou concausalidade necessária; ou concausalidade conjunta.
147
Duasàe p esas,ài depe de te e teàu aàdaàout a,àpolue àaoà es oàte poàu à ioàe,à o àisso,à
causam a morte de uma grande quantidade de peixes. A poluição de cada uma delas, isoladamente,
se iaà sufi ie teà pa aà ausa à a ueleà da o .à MIRáNDáà BáRBO“áà dizà ueà aà ausalidade cumulativa é a
situação em que há duas causas, mas cada uma delas, per se, seria bastante para causar o dano, ao
passo que PERESTRELO OLIVEIRA diz que o dano na causalidade cumulativa resulta das condutas, sendo
certo que, sem o contributo de um, o dano já não se produziria.
148
MIRANDA BARBOSA, Mafalda, idem, p. 121. E e plo:à a uelasà e à ueà di e sasà ausas,à algu asà
i depe de tesàe t eàsi,àeàsufi ie tesàpa a,àsozi has,à ausa e àoàda o,àge a àoà es oàp ejuízo.
149
PROBST, Thomas, apud MIRANDA BARBOSA, Mafalda, Da causalidade à imputação objetiva na
responsabilidade civil ambiental, p. 125. Exemplifica do seguinte modo: Exemplo: Duas fábricas,
independentemente uma da outra, poluem o mesmo rio, sendo que a quantidade de substancias tóxicas
emitidas po à adaàu aàdelasàse iaàsufi ie teàpa aà ausa àaàtotalidadeàdoàda o
150
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental, … ,à p.
104.
151
MIRANDA BARBOSA, Mafalda, Da causalidade à imputação objetiva na responsabilidade civil
ambientalà … , p. 125.
37
contribuíram para o facto, mesmo qua doà sóà pa ial e te
152
. Em terceiro lugar, a
causalidade alternativa (incerta) é a situação em que nenhum dos participantes é
totalmente causal. Pelo contrário, cada um apenas fornece uma contribuição
limitada
153
. De outra banda, damos conta da sistematização seguida por PERESTRELO
OLIVEIRA que distingue entre a causalidade cumulativa, a causalidade aditiva,
potenciada ou sinergética, e a causalidade alternativa. Pois bem, segundo esta autora,
a causalidade cumulativa ocorre quando o dano resulta da conjugação das condutas
separadamente levadas a cabo por vários agentes, sendo certo que sem o contributo
de um o dano já não se produziria154. Já na causalidade aditiva, verifica-se na hipótese
deste tipo quanto o dano já se produziria independentemente do contributo do agente
– ao contrário do que acontece na causalidade cumulativa – mas este cooperou
efetivamente para o dano155. Sendo que, por fim, para a causalidade aditiva, segundo
PERESTELO OLIVEIRA, se todos aumentam o dano, seja através da linear adição do
respetivo contributo, seja multiplicando ou acelerando o evento danoso, então, por
definição, todos aumentam o risco não permitido ou previsto pela norma legal. Logo,
todosà s oà espo s eis
156
. Por fim, a causalidade alternativa consubstancia as
situações em que várias instalações estão em condições de ter causado o dano e se
sabe que uma ou várias dessas instalações o causaram, mas não se sabe exatamente
qual ou quais157.
4.5.3. Poluição de carácter difuso
A poluição de carácter difuso é o tipo de poluição onde se verifica uma
impossibilidade de identificação do agente em virtude do facto de o dano resultar de
152
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental, … , p.
105.
153
E e plo:à ua doà iasài stalaçõesàest oàe à o diçõesàdeàte à ausadoàoàda o,àsa e-se que uma ou
várias dessas instalações o causaram, mas não se sabe exatamente qual ou quais Exemplo de
PERESTRELO OLIVEIRA apud áNTUNE“àVáRELá,àJo o,àDasào igaçõesàe àge al,àVOLàI,à … àp.à
.
154
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, idem, p. 102. Exemplo: A e B lançam simultaneamente despejos ou
substâncias corrosivas numa corrente, que provocaram a morte de grande quantidade de peixes. Ambas
as descargas provocaram a morte dos peixes, mas, mesmo sem uma delas, a morte ocorreria.
155
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, idem, p. 103 Exemplo: A empresa X polui com Y e provoca um dano de
grau 8. A empresa Y pode, simultânea ou posteriormente à ação de X, poluir com W e aumentar o dano
de grau 8 para grau 10.
156
PERESTRELO OLIVEIRA, Ana, idem, p. 107.
157
Exemplo: situação em que há uma descarga no rio, que mata toneladas de peixes, sendo que só uma
de duas fábricas o poderá ter feito, sem que, todavia, se saiba qual. PERESTRELO OLIVEIRA, idem, p. 103.
MENEZES CORDEIRO, António, Tutela do Ambiente e Direito Civil, INA, Oeiras, 1994, p. 396
38
comportamentos sociais massificados ou, noutros termos, do modus vivendi de toda a
comunidade158. Segundo KISS a poluição difusa é um problema temível para a
egulaç oà a
ie talà peloà fa toà deà p o i e à deà fo tesà
i po ta tesà ua doà o side adasài di idual e te
159
u e osasà eà pou oà
. Este tipo de poluição é passível
de ser inserido na categoria de situações de causalidade alternativa e tem a
caraterística de ser extremamente difícil de imputar a alguém, não obstante, in limine,
ser possível responsabilizar o Estado160. Outra grande dificuldade atinente ao dano
difuso reside no facto de, frequentemente, este se propagar para lá das fronteiras de
várias nações soberanas, fazendo com que se torne numa questão de Direito
Internacional Público. Logo, como é consabido, há um minúsculo ou quase inexistente
poder coercitivo para sancionar atividades lesivas cuja origem ou local de produção se
situa num território soberano diverso do território soberano a partir do qual se
pretende acionar a responsabilidade. Passando, agora, à análise do âmbito do DL
147/2008, concretamente o artigo 6º, constatamos que este estabelece um regime
especial no caso de poluição de carácter difuso. MENEZES LEITÃO entende que esta
disposição não permite responsabilizar todos os intervenientes em caso de causalidade
alternativa em relação à poluição de carácter difuso porque se exige a demonstração
de um nexo causal entre os danos e as atividades lesivas161. A Lei apenas prevê a
presunção do art. 4º, nº 2 quanto ao montante que cada lesante deve indemnizar. Ora,
nos termos desta presunção, opera uma presunção que reparte a responsabilidade em
partes iguais, ou seja, todos pagam o mesmo. Esta presunção é objeto de crítica pelo
facto de se mostrar injusta. Seria melhor adotar a presunção oriunda do direito anglosaxónico – market share liability162. AMADO GOMES entende que, em virtude do facto
de o artigo 6º efetuar uma remissão para o artigo 5º, que convoca a teoria da
causalidade adequada e da necessidade de se produzir uma prova científica do
percurso causal, há uma redução da margem de construção de situações de imputação
158
MARTINS DA CRUZ, Branca, Responsabilidade civil pelo dano ecológico, … p. 215.
KISS, Alexandre, Direito Internacional do Ambiente, INA, Oeiras, 1994, p. 5. Exemplo: situação em
que se verificou uma emanação generalizada de CFCd, chuvas ácidas, saturação atmosférica.
160
Claro que, esta possibilidade ainda não é comum, uma vez que subsistem grandes resistências
doutrinais à sua efetivação.
161
MENEZES LEITÃO, Luís, A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente, … p. 40.
162
Neste sentido, MENEZES LEITÃO, A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente, … p. 41.
159
39
menos firmes163. De facto, o artigo 6º prevê que
ua doàsejaàpossí elàesta ele e àu à
e oà ausalà e t eà osà da osà eà asà ati idadesà lesi as ,à ora, este nexo causal vem
justamente regulado no artigo 5º, que, por seu turno, diz que áàap e iaç oàdoà e oà
de causalidadeàasse taà u à it ioàdeà e osi ilha çaàeàdeàp o a ilidade… . Em face
do que foi dito supra, a mesma autora concorda com a sugestão de PERESTRELO DE
OLIVEIRA, colhendo o fundamento para tal concordância na lei positiva alemã, que se
materializa no estabelecimento de uma presunção de causalidade para casos de
responsabilidade alternativa. Assim, o fundamento da inversão do ónus da prova é o
princípio da prevenção. Não obstante, diga-se, a Diretiva 2004 postula, no seu
considerando nº 13, que
o igidasà peloà
e à todasà as formas de danos ambientais podem ser
e a is oà daà espo sa ilidadeà … . A responsabilidade não é um
instrumento adequado para tratar a poluição de caracter disseminado e difuso, em que
é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos com atos ou omissões de
dete
i adosàage tesài di iduais
164
. Contudo, aderimos às posições das duas autoras
e não partilhamos da visão que o legislador europeu positivou no texto preambular da
supracitada diretiva.
5. Causas de exclusão da responsabilidade objetiva
No plano doutrinário, acompanhamos GOMIS CATALÁ que sistematiza as causas de
exclusão da responsabilidade em cinco grandes agregados (ou categorias) das causas
que eximem o sujeito (operador-poluidor) da obrigação de indemnizar são: aà fo çaà
maior, as atividades concorrentes (facto de terceiro), cumprimento de normas,
autorizações
e
dese ol i e to
ordens
165
emanadas
da
autoridade
pública
e
o
risco
de
. Já no plano do direito positivo, depois de articular o artigo 12º
com o artigo 20º de molde a apurar o regime das exclusões à responsabilidade
objetiva, e por conseguinte, à obrigação de pagamento dos custos das medidas de
163
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico … , p. 33.
PERESTELO OLIVEIRA, Ana, A prova do nexo de causalidade na lei da responsabilidade ambiental,
Actas do Colóquio – A responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Org. Carla Amado Gomes e Tiago
Antunes, ICJP, FDUL, Lisboa, 2009, p. 172.
165
GOMIS CATALÁ, Lucia, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, ARANZADI, Barcelona, 1998,
pgs. 129 – 145. Em primeiro lugar, o conceito de força maior alberga quer atos de guerra quer atos da
natureza excecionais, rectius, catástrofes naturais. Em segundo lugar, as atividades concorrentes
dividem-se em situações em que há culpa da vítima, situações em que há a intervenção dolosa de um
terceiro e ainda as situações em que há uma atuação negligente da Administração Pública.
164
40
prevenção ou de reparação, consideramos o ensinamento de CARLA AMADO GOMES,
quando refere que oà a tigoà
.º comporta dois grandes grupos de situações, um
grupo que diz respeito a situações por facto de outrem, nos termos do art. 20º, n.º 1,
al. a) ou instrução administrativa, nos termos do art. 29º, 1, al. b) e um grupo relativo à
espo sa ilidadeào jeti a
166
.
5.1. Responsabilidade por facto de outrem – intervenção de terceiros
Começando pela causa de exclusão da responsabilidade por facto de outrem,
efetivamente, esta pode ser definida como sendo prevista em termos gerais no art.
505º, CC e tem a sua base jurídica, no concreto caso da responsabilidade por danos
ecológicos no artigo 20º, nº 1, al. a)167. Ora bem, primeiramente, devemos destrinçar
as situações, de uma ação dolosa ou de uma ação negligente. Pois bem, se estivermos
perante a hipótese de uma ação dolosa, a obrigação deve ter-se por excluída, de modo
integral168, ao invés, se estivermos perante a hipótese da prática de uma ação
negligente, o montante indemnizatório deverá ser reduzido. Em seguida, cumpre fazer
notar que a norma exige um outro requisito, que se consubstancia na exigência de
haverem sido adotadas as medidas de segurança adequadas, ou seja, em substância, a
lei exige que a entidade poluidora tenha cumprido os seus deveres de diligência. Desta
forma, admitindo, por hipótese, que houve uma ação dolosa de um terceiro, mas onde
não houve a adoção das medidas de segurança adequadas, deverá sobrepor-se o dever
de diligência da empresa em relação ao dever de abstenção de comportamento doloso
negligente de terceiro169. Explicando a situação supramencionada por outras palavras,
se não fosse a empresa a ter aumentado (ou até criado ex novo) o risco, o particular
não teria tido a hipótese (pelo menos fática) de, por meio de ação dolosa ou
negligente, ter provocado um dano ecológico. Contudo, não se pense que tal
configuração iria arredar por completo o particular de qualquer imputação de
responsabilidade, isto porque, primeiro, não excluímos a hipótese de haver
166
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico, … ,àp. 24.
o deà seà estatuià ueà oà ope ado à oà est à o igadoà aoà paga e toà dosà ustosà eà dasà edidasà deà
prevenção ou de reparação adotadas nos termos do presente DL, quando demonstre que o dano
ambiental ou a ameaça iminente desse dano tenha sido causado por terceiros e ocorrido apesar de
te e àsidoàadotadasàasà edidasàdeàsegu a çaàade uadas .
168
GOMI“àCáTáLã,àLú ia,àRespo sa ilidadàpo àdañosàalà edioàa ie te…,àp.à
.
169
Tal premissa ancora-se no facto de que a empresa terá maior responsabilidade (primeiro grau) do
que o particular (segundo grau) precisamente pelo facto de ter iniciado o risco da produção do dano.
167
41
solidariedade na responsabilidade170. Segundo, o particular pagará quando a empresa
demonstre que é a ele, mormente a uma sua ação ou omissão, que se deve o
surgimento do dano. Por fim, não raras vezes sucede que a empresa paga pelos custos
de reparação e prevenção, isto porque a tal se vê obrigada, por força do artigo 20º, nº
2171. Por fim, depois de pagar, poderá recuperar esse montante, pelo facto de a norma
postular que aquele operador goza deàdi eitoàdeà eg esso,à o fo
eàoà aso,àso eàoà
te ei oà espo s el .à
5.2. Responsabilidade por ordem ou instrução administrativa
Outra causa de exclusão da responsabilidade objetiva pode ocorrer nas
situações em que a Administração emana uma ordem ou uma instrução, ou seja,
trata-se de saber se certo agente pode ser declarado responsável quando exerce uma
atividade não culposa conforme à legislação ambiental ou ao abrigo de uma
autorização administrativa que tenha gerado um dano172. No plano do direito
constituído, ou seja, no DL 147/2008, atentando sobre o seu artigo 20º, nº 1, al. b),
esteàpostulaà ueà oàoperador não está obrigado ao pagamento dos custos das medidas
de prevenção ou de reparação adotadas nos termos do presente DL, quando
demonstre que o dano ambiental ou a ameaça iminente desse dano resulte do
cumprimento de uma ordem ou instrução emanadas de uma autoridade pública que
não seja uma ordem ou instrução resultante de uma emissão ou incidente causado
peloà ope ado .à Não obstante, à semelhança da causa de exclusão por facto de
terceiro, também nesta sede se deve mencionar que a obrigação de reparar e prevenir
recai, em primeira linha, sobre o operador, sendo que, num segundo momento, este
poderá ativar o seu direito de regresso, exigindo da Administração o montante que
haja pago173. Contrariamente ao que sucede em Portugal, GOMIS CATALÁ afirma que,
em
Espanha,
condicionamentos
i gu
à pode
regulamentares
escudar-se
para
nas
causar
licenças
dano
ou
administrativas
moléstias
e
sem
170
Claro que, achamos mais justo, o regime jurídico no qual figura na linha da frente o agente poluidor e
subsidiariamente o terceiro.
171
ueàestatuià ueà oàoperador fica obrigado a adotar e executar as medidas de prevenção e reparação
dos danos ambientais nos termos do presente decreto-lei .
172
GOMIS CATALÁ, Lucia, Responsabilidad por daños al medio ambiente (…), p. 139.
173
Cfr. Artigo 20.º, n. º2, DL 147/2008.
42
espo sa ilidade
174
. Em sentido inverso, foi a posição da Comissão Europeia que
entendeu que poderia haver razões para imputar à Administração Pública os danos,
sendo que o argumento expendido por esta foi de que haveria um incentivo ao sujeito
(agente) de comunicar todos os dados e a cumprir as disposições da autorização. Pelo
que, ainda nesta linha, surge um outro argumento de feição similar, que diz que se o
Estado for responsável, haverá um incentivo para que este tome decisões
responsáveis. Note-se que também o Reino Unido se mostrou a favor da translação da
responsabilidade para a Administração, sendo que o argumento aí aventado foi o de
que haveria uma maior cautela por parte da Administração, no caso de o dinheiro
p o i à di eta e teà doà e
ioà pú li o .à Ainda assim, este argumento não nos
convence.
5.3. Ato
autorizativo
da
Administração
pública
enquanto
exclusão
da
responsabilidade objetivo
O ato autorizativo jurídico-público é definido pela doutrina como sendo o ato
pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um direito ou
de uma competência preexistente175, sendo que, quanto à sua classificação, seguimos
FREITAS DO AMARAL que o carateriza como sendo uma espécie de ato permissivo cuja
natureza jurídica, é a de um direito que tem o exercício condicionado176. Vertendo
agora a nossa atenção sobre os casos em que este é praticado em sede de direito
ambiental, ou seja, quando se trate de uma autorização administrativa ambiental,
ade i osàaoàe te di e toàdeàáMáDOàGOME“,àsegu doàoà ualàaàauto izaç oà visa far
bene porque incorpora no seu seio a concretização de deveres de proteção do
ambiente acoplados à posição jurídica de vantagem, com base na norma habilitante e
osà li itesà o jeti osà p oteti osà e u iadosà po à esta
177
. Depois de analisado o seu
escopo, é altura de analisar os seus efeitos e alguns problemas que deles resultam. Em
primeiro lugar, na esteira de GOMES CANOTILHO, devemos dar conta do efeito
174
Tradução livre de GOMIS CATALÁ, Lucia, Responsabilidadàpo àdañosàalà edioàa ie teà … , p. 140.
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, VOL II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra,
2012, p. 290.
176
Segundo FREITAS DO AMARAL: osàa tosàpe issivos são aqueles que possibilitam a alguém a adoção
deà u aà o dutaà ouà aà o iss oà deà u à o po ta e toà ueà deà out oà odoà lheà esta ia à edados ,à
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, … p. 289.
177
AMADO GOMES, Carla, Risco e Modificação do Acto autorizativo Concretizador de Deveres de
Proteção do Ambiente, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 16.
175
43
preclusivo do ato autorizativo, que se traduz na ideia de que oà a toà ad i ist ati oà
autorizativo praticado em conformidade com as disposições legais tem uma intensa
eficácia conformadora das relações privadas, precludindo quaisquer pretensões
jurídicas de terceiros em termos jurídico-civilísti os
178
. Em segundo lugar, é acertado
afirmar que existe, rectius, se produz um efeito legalizador que não é mais do que
to a à lí itoà oà ueà seà ap ese ta aà o oà ilí ito
179
. Este, por sua vez, irradia efeitos
para o direito privado ao remover a qualidade de lesante ao particular poluidor 180. Por
conseguinte, devemos passar do campo da responsabilidade por atos ilícitos para o
campo da responsabilidade por atos lícitos, sendo que, esta última tem como base
axiológica a teoria do sacrifício privado181. De facto, em sede de responsabilidade por
dano ecológico de jure condendo, o que aqui se pretende saber é se o particular
causador do dano ecológico se pode furtar ao pagamento de uma indemnização182
num esquema de corresponsabilidade. Passando agora para o plano do Direito
positivo, constatamos que o DL 147/2008 contempla uma causa que exclui a
responsabilidade objetiva na letra do seu artigo 20º, nº3, a) e b), i) ,à o operador não
está ainda obrigado ao pagamento dos custos das medidas de prevenção ou de
reparação adotadas nos termos do presente DL se demonstrar cumulativamente que
não houve doloàouà eglig
iaàdaàsuaàpa te
183
, e na a), o dano ambiental foi causado
por uma emissão ou um facto expressamente permitido ao abrigo de um dos atos
autorizadores identificados no anexo III ao presente DL e que respeitou as condições
estabelecidas para o efeito nesse acto autorizador no regime jurídico aplicável no
momento da emissão ou facto causador do dano ao abrigo do qual o acato
administrativo é emitido ou conferido .à“u geàaàquestão deveras importante de saber
se a alínea referida anteriormente exclui a responsabilidade por danos/riscos
178
GOMES CANOTILHO, José, Actos Autorizativos Jurídico-públicos e Responsabilidade por Danos
Ambientais, BFDUC, Vol. LXIX, Coimbra,1993, p. 17.
179
GOMES CANOTILHO, José, Actos autorizativos jurídico-públicos e responsabilidade por danos
ambientais, BFDUC, Vol. LXIX, Coimbra, 1993, p. 6.
180
Sendo que tradicionalmente se fala num paralelismo entre este instituto e o do efeito de caso
decidido
181
A teoria do sacrifício privado ilustra as situações em que há um ressarcimento de sacrifícios impostos
diretamente pelas entidades públicas a particulares. Esta teoria foi modelada para se pode subsumir
numa situação em que há um sacrifício derivado de atividades de particulares.
182
GOMES CANOTILHO, Jos ,àá tosàauto izati osà à … , p.7.
183
O mesmo que dizer: provar que agiu sem culpa.
44
associados ao normal funcionamento da instalação, para a qual AMADO GOMES
reproduziu uma fórmula interpretativa (para o referido artigo) segundo a qual:
e iss o/fa toàe p essamente autorizado + respeito pelas condições estabelecidas no
a toà auto izado à =à is osà p e isí eisà +à fu io a e toà o
al
184
. A mesma autora
lança uma crítica a este comando normativo tendo por fundamento o facto de que o
operador não tem qualquer custo pela atividade poluente que desenvolve e,
correspetivamente, o facto de o Estado suportar esse custo. Nesta linha, diremos que
a plena assunção, por parte do Estado, do prejuízo resultante de atividades
económicas poluidoras alheias consubstancia-se num fenómeno de socialização do
risco185. Tal situação, deverá, no mínimo, ser mitigada, como acima defendemos, entre
o Estado e o operador. Para além disto, será ainda possível, a nosso ver, invocar o
princípio do poluidor-pagador para responsabilizar o operador-poluidor no sentido de
afirmar que Que àpoluiàpa aàl àda uiloàaà ueàest àauto izado,àpaga,àdoà es oà odoà
que deverá pagar por aquilo a que está autorizado a poluir .àRejeita àestaà a ei aàdeà
ver as coisas, é o mesmo que defender que o poluidor não pague pela poluição
autorizada, ou seja, é como anuir a uma transmutação do princípio do poluidorpagador para um princípio da Administração pagadora da poluição que autorizou 186.
Por fim, como argumentos em sentido inverso, devemos acrescentar que no relatório
de 2014, no essencial, a Comissão Europeia veio dizer que excluir a responsabilidade
por emissões, efetuadas de acordo com os parâmetros legais, de acordo com uma
licença teria duas grandes vantagens: por um lado, aà e lus oà pode iaà fo e e à u à
incentivo aos operadores para fornecer a totalidade de informação (data) e cumprir
com os standards previstos na licença (permit) . Por outro lado, a segunda grande
vantagem, residiria no facto de fo e e à u à i e ti oà sà autoridades competentes
184
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico … ,àp. 26.
Tal como o superfund americano.
186
GOMES CANOTILHO no mesmo sentido afirma que se houver uma deslo aç oà doà de e à deà
i de iza à doà pa ti ula à lesa teà pa aà oà Estadoà pe isso à dasà ati idadesà lesi as , tal implicará que oà
princípio do poluidor-pagador se transmutasse no princípio do Estado pagador de poluições
auto izadas .
185
45
para definir um preciso e claro limite de emissões bem como outras restrições na
li e ça
187
.
5.4. Risco de desenvolvimento, causa de exclusão por desconhecimento e cláusula
de Melhores técnicas disponíveis
5.4.1. A causa de exclusão por desconhecimento
Uma outra causa de exclusão da responsabilidade é a exclusão por
desconhecimento, a qual se designa por
state-of-a tà defe e
188
. Esta cláusula
relaciona-se com o que referimos anteriormente em relação ao risco do
desenvolvimento e, basicamente, funciona quando o operador, atuando sem culpa,
provoque uma lesão ambiental no âmbito de qualquer outra atividade não
tipicamente conotada como atividade de risco, com base no estado do conhecimento
técnico-científico à data da eclosão dos factos. O operador tem, dessa forma, a sua
responsabilidade excluída. Com efeito, no regime da responsabilidade ambiental
constanta no DL 147/2008, nos termos do seu artigo 20º, nº 3, al. a) e b) / II)189,
constata-se que há um fundamento que se acha no princípio de proibição de haver
consequências jurídicas por determinado facto que não era passível de ser qualificado
como ilícito ou, genericamente, contrário ao bloco legal. Em seguida, em consequência
do facto de não haver uma designação doutrinária para esta causa de exclusão, somos
levados a propor que se designe como causa de exclusão por desconhecimento190. Em
terceiro lugar, esta causa de exclusão tem como quid os riscos imprevisíveis191,
diversamente da norma patente no artigo 20º, nº 3, II) – que cobre riscos previsíveis.
Ou seja, nesta sede, porque aceitamos a premissa de que a ideia de imprevisibilidade
187
BIO Intelligence Service, ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared for European
Comission -DG Environment, 2014, p. 130
188
BIO Intelligence Service, ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared for European
Comission -DG Environment, 2014, p. 133.
189
oà ope ado à oà est à ai daà o igadoà aoà paga e toà dosà ustosà dasà edidasà deà p e e ç oà ouà deà
reparação adotadas nos termos do presente DL se demonstrar cumulativamente que não houve dolo ou
negligência da sua parte (a)) e o dano ambiental foi causado por uma emissão, atividade ou qualquer
forma de utilização de um produto no decurso de uma atividade que não sejam consideradas suscetíveis
de causar danos ambientais de acordo com estado do conhecimento cientifico e técnico em que se
p oduziuàoàda o .
190
Desconhecimento esse que diz respeito ao facto de (não se) estar munido do conhecimento
necessário para afirmar que certa atividade se pode catalogar como poluente.
191
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico, … p. 10.
46
está ligada à ideia de desconhecimento, concluímos ser lícito falar indistintamente
tanto de riscos imprevisíveis como de riscos desconhecidos192. Por fim, em quarto
lugar, outro fundamento radica no facto de entendermos que a defesa de que oà
p i ípioà deà ueà ue à iaàu à is o,àde eà espo de àpo àele obriga a considerarmos
que aquele risco – criado, mas não considerado como tal por desconhecimento
científico – gerador de danos ecológicos, deva ser ressarcido por quem leva a cabo
essa atividade193. Posto isto, damos nota da posição de ALEXANDRA ARAGÃO que
afirma que
à justoà ueà seja o Estado e, em última instância, toda a sociedade, a
supo ta àessesài ó odos
194
.
5.4.2. Risco de desenvolvimento
Partimos da premissa segundo a qual os riscos de desenvolvimento surgem por
causa ou no contexto da sociedade do risco195. Em boa verdade, de entre o conjunto
dos riscos de desenvolvimento que temos, é possível separá-los tendo por base um
critério de cognoscibilidade, isto é, podemos ter riscos que já conhecemos e riscos que
ainda não conhecemos. Ora, quanto aos primeiros, se os definirmos como aqueles que
são aptos a produzir danos ecológicos, podemos, em sentido inverso, relativamente
aos segundos, inferir que são aquele tipo de danos em relação aos quais oàestadoàeàaà
evolução da ciência e da técnica não permitiu nem ao poluidor nem às autoridades
o pete tes,à p e e à osà da os
196
. Destarte, podemos concluir que, por um lado, é
bem patente a ideia segundo a qual não é permitido considerar ilícito certo
comportamento quando, à data em que foi praticado, ainda não sabíamos que o era,
rectius que era passível de ser enquadrado como atividade poluente. Ou seja, se se
vier a demonstrar, em momento póstumo, que certa atividade é poluente, não
192
Todavia, se se quiser um maior rigor terminológico, da nossa parte entendemos ser mais adequado
convocar o termo riscos desconhecidos em vez de riscos imprevisíveis, cuja utilização se mostra mais
adequada aos fenómenos (catastróficos) naturais. Por fim, centrando a nossa atenção sobre a questão
de saber quem deverá pagar pelo risco do desenvolvimento. Ou seja, devemos considerar que a regra
deveria deixar de ser pagar para poluir, mas antes provar que determinada atividade não só não é
poluente como também é excecionalmente relevante para o interesse público.
193
Nesta sede, um regime com o princípio da precaução talvez exija a conceção de uma esfera de risco
que englobe quer riscos típicos quer riscos futuros.
194
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu … ,àp. 119.
195
Expressão do autor alemão BECK amplamente difundida pela Doutrina jus-ambientalista.
196
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu,à … àp.
.
47
operará retroativamente qualquer sanção ao particular, sendo que, por decorrência do
seu dever constitucional de proteção do ambiente, deverá assumir o encargo da
reparação ambiental, sendo que, no concreto caso português, tal incumbência foi
acometida ao superfundo português. Por um lado, da perspetiva do dano, ele não se
quedará sem ser ressarcido, sendo assumido pela comunidade. Por outro lado, da
perspetiva da comunidade, há aquilo a que se designa por fenómeno da socialização
do risco, ou seja, a situação onde aquela assume o dano feito por outrem197. Apesar de
que Pa e eà justoà ueà aà ati idadeà doà sujeitoà age teà sejaà julgadaà deà a o doà o à osà
parâmetros científicos e técnicos do momento em que se produz ,à ai da assim,
devemos ter cautela com o que se deve permitir a título de causa de exclusão da
responsabilidade.
5.4.3. A Cláusula Melhores Técnicas Disponíveis
Com efeito, quando falamos em as cláusulas Melhores Técnicas Disponíveis
(MTDS )198 estamos a idealizar a hipótese de Co sag a à u aà l usulaà ge alà ouà u à
conceito aberto que remete permanentemente para o estado atual da técnica ou para
oà últi oà dese ol i e toà ie tífi o
199
. Não obstante, em relação à sua definição,
podemos entender que se trata de cláusulas que permitem à Administração exigir do
operador-poluidor um comportamento adequado ao estado da ciência. Por outras
palavras, as cláusulas MTDS podem ser definidas como sendo uma exigência colocada
aos operadores económicos de instalações suscetíveis de produzirem efeitos
ambientais nocivos (producentes de danos ecológicos), de se
adapta e à
constantemente às inovações tecnológicas trazidas na criação de mecanismos e formas
mais efetivas de controlo e combate às diferentes formas de poluição – cada vez mais
frequente na sociedade do risco em que vivemos e particularmente no âmbito do
di eitoà doà a
ie te
200
. Estas diferem da causa de exclusão porque operam perante
situações distintas, essencialmente porque, ao passo que as cláusulas pressupõem que
já haja uma situação identificada como geradora de poluição, a causa de exclusão da
197
Note-se que, apesar de também integrar a comunidade, agiu pelo seu próprio interesse,
genericamente, por ser seu referencial axiológico, o escopo lucrativo.
198
Conhecidas na terminologia anglo-saxóni aà o oà BáTà=àBestàá aila leàTe h i ues .à“egu doàTIáGOà
ANTUNES, podemos utilizar standards e cláusulas do tipo MTDS.
199
ANTUNES, TIAGO, O Ambiente entre o Direito e a Técnica, AAFDL, FDUL, Lisboa, 2003, p. 72.
200
FIGUEIREDO DIAS, José, A licença ambiental no novo regime da PICP, CEDOUA, n. º7, p. 76.
48
responsabilidade por desconhecimento de que certa atividade é poluente. Não
obstante, estas situações estão inseridas no cenário do risco de desenvolvimento.
Passando agora à sua apreciação crítica, pesa em seu favor o facto de que se não se
utilizasse este mecanismo, os operadores-poluidores não teriam de se atualizar, isto é,
implementar técnicas que, a priori, possuem menor suscetibilidade de ferir o
ambiente201.
5.5. Força maior
A força maior é uma causa excludente de culpa que vem positivada em termos
gerais no artigo 505º, CC, que assenta nas ideias de imprevisibilidade e de
inevitabilidade202203. Destarte, integram-se neste macro conceito de força maior quer o
conceito de fe ó e osà atu aisàdeà a
te àtotal e teàexcecional i p e isí el quer
o de fe ó e osà atu aisàdeà a ate àexcecional p e isí eis,à asài e it eis , tal como
vertidos no artigo 2º, nº 2, ii). Este instituto distingue-se teoricamente do caso fortuito,
enquanto facto ou acontecimento não absolutamente insuperável204. Passando, agora,
à análise do plano normativo, podemos constatar que, apesar de o regime jurídico não
conter uma referência escrita a esta causa de exclusão da responsabilidade, é-nos
possível admitir o raciocínio de AMADO GOMES que entende que a força maior,
enquanto causa de exclusão da responsabilidade objetiva, deve ser considerada pelo
intérprete, fundamentando a sua posição com recurso à base jurídica do artigo 505º e
509º, n.º 2, CC para dela retirar
e lude te
205
u à p i ípioà ge alà deà p e al
iaà daà ausaà
. Da nossa parte, entendemos que, por força da exclusão determinada
pelo artigo 2º, nº2 do DL 147/2008, será possível obter o mesmo resultado que
obteríamos por meio da aplicação do instituto da força maior, uma vez que, se
admitirmos que as alíneas al. I) e al. II) do artigo 2º, nº 2 abarcam os casos de força
201
TIáGOà áNTUNE“à defe deà aà su stituiç oà po à Exigí eis à deà odoà aà ali ia à aà i dústria, atividade
e o ó i a.àQua toàaà ós,àoàp i ípioàdaàp e auç oào igaà à o sag aç oàdaàe p ess oà dispo í eis .àOuà
seja, o operador deve ter o melhor possível e não o melhor que lhe é possível (a nível de custo).
202
ANDRADE, Manuel, Teoria Geral das Obrigações, 2.ª Edição, Coimbra, 1963, p.421.
203
Exemplos de casos de força maior: os Actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas,
fogo, raio, ciclones, tornados, erupção vulcânica, terramoto, explosão de gás, a tempestade, a
inundação brusca, o golpe de vento brusco e violento, o choque de uma ave no para-brisas, a passagem
brusca do animal selvagem na faixa de rodagem.
204
Todavia, note-se que a distinção não é relevante para efeitos práticos pelo facto de que ambos
institutos despoletam os mesmos efeitos jurídicos.
205
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Estudo do Ambiente, Editora, AAFDL, Lisboa, 2012, p. 264.
49
maior e excluem a aplicação do capítulo da responsabilidade administrativa pela
prevenção e reparação dos danos ambientais, então, logramos o mesmo efeito de um
segmento normativo que previsse a força maior como causa excludente. Por fim, surge
a questão de saber quem irá indemnizar os danos resultantes de causas de força
maior206, pelo que, por conseguinte, nos remete para a área dos danos ambientais e
danos ecológicos resultantes, por exemplo, de catástrofes naturais207.
5.6. Apreciação crítica
Aqui chegados, quer a cláusula de exclusão da responsabilidade por facto de
terceiro, vertida no artigo 505º do Código Civil, quer a causa de exclusão relativa à
força maior, não levantam grandes questões, contrariamente à causa de exclusão por
desconhecimento (state of art defence), à causa de exclusão por ordem ou instrução
administrativa e ainda à causa de exclusão por ato autorizador. Pois bem, em primeiro
lugar, sobre a exclusão da responsabilidade objetiva por ordem ou instrução
(administrativa), consideramos que, pese embora o facto de existirem bons
argumentos para a sua manutenção, entendemos que o Estado não precisa de
incentivos para tomar decisões responsáveis, desde logo, por a sua ação se pautar pelo
parâmetro da juridicidade. Em seguida, no que diz respeito ao argumento do incentivo
ao cuidado, também somos levados a considerar que não é possível provar que
haveria maior cautela por parte da Administração se lhe for acometida a obrigação de
pagamento, rectius, aos cidadãos com capacidade contributiva208. Em segundo lugar, já
quanto à exclusão da responsabilidade objetiva por autorização administrativa, num
campo diametralmente oposto, podemos invocar que a Administração emite
autorizações em cenários de incerteza e, por isso, estará sempre sujeita a imprevisões
e fenómenos da vida com os quais não contava ou os quais não conhecia. Ora bem,
206
Imagine-se a situação em que houve um tornado que destruiu uma fábrica que operava junto ao rio
Tejo exponenciando um desastre ecológico. Doutra banda, podemos conceber outro caminho
hermenêutico, que se traduzirá na consideração de que a Administração não ficará isenta do pagamento
de custos de reparação e prevenção quando ocorra uma causa de força maior. Porém, devemos advertir
para o facto de que não se exclui toda e qualquer obrigação, desde logo pelo facto de que a
Administração não se vê livre (ou eximida) do pagamento dos custos, mais concretamente dos custos
de o e tesà dasà edidasà deà p e e ç oà eà epa aç o à ueà te haà ueà e e uta à osà te osà doà a tigoà
17.º/n. º1/al. C) lido aqui em conjugação com o artigo 2.º/n. º2/ii).
207
A título meramente sugestivo, é comum recorrer-se à utilização de fundos de compensação Ad-Hoc.
208
Embora não atribuamos qualquer força a este argumento, pelo menos, somos forçados a considerar
que tem a característica de ser engraçado.
50
uma vez analisados estes argumentos, devemos considerar que não é boa solução
legal aquela que exclui a responsabilidade ao operador, pelo que, talvez não seja
injusto, uma solução legal de mínimos: metade-metade209. Seguindo o nosso
raciocínio, podemos questionar-nos sobre a responsabilidade dos peritos que
ajudaram ou tiveram total responsabilidade na elaboração da ordem ou instrução da
Administração. Isto porque, a ser assim, seríamos levados a concluir que deverá haver
uma presunção de responsabilidade divida entre Administração e operador, podendo,
eventualmente, haver direito de regresso da Administração sobre os peritos que hajam
tido a responsabilidade de conformar as instruções ou ordens que serviram de suporte
a uma atuação provocadora de danos210. Quanto a nós, rejeitamos frontalmente uma
solução em que não haja corresponsabilidade do privado, desde logo, pelo facto de
que o Estado apenas autorizou certo tipo de atividade poluente, ou potencialmente
poluente, porque o privado assim o solicitou. Dito de outra forma, se não existisse
vontade do particular em exercer uma atividade que sabe de antemão que é
potencialmente lesiva do ambiente, o Estado nada autorizaria. Portanto, apesar de o
Estado poder emitir um atoà auto izati oà ueà e haà aà auto iza à e toà tipoà deà
comportamentos, este, no caso de haver danos ecológicos, deverá partilhar a
espo sa ilidadeà o à oà pa ti ula à deà fo
aà justa,à ouà seja,à peloà
e os,à
etade-
etade . Somos conscientes da (pretensa) força do argumento da iniciativa
económica, isto é, a ideia de que responsabilizar o privado, nestes termos, será um
entrave/barreira à liberdade económica e ao desenvolvimento económico. Todavia,
devemos acrescentar duas importantes notas. A primeira nota traduz-se na
e essidadeà deà apo à aà pala aà polue te à aà e p ess oà li e dadeà e o ó i a ,à
ficando então reformulada como:
est iç oà à li e dadeà e o ó i aà polue te
211
. A
segunda nota, que surge como decorrência ou corolário da primeira, funda-se na ideia
de que o desenvolvimento económico não se logrará pela delapidação de recursos sem
a sua consequente reposição. Em terceiro lugar, em relação à cláusula de
209
O cunho salomónico da sugestão funda-se no facto de não conseguirmos defender o que clara e
i du ita el e teà ueàaàád i ist aç oà oàte à ueàa a à o à ual ue à espo sa ilidade .à
210
Tenha-se em atenção quer a problemática quer da decisão em cenário de incerteza, quer aquela que
se prende com o défice de ponderação.
211
Se se quiser um maior grau de precisão: restrição à liberdade económica que se manifesta no mundo
fático através de ações poluentes .à
51
desconhecimento, a título de apreciação crítica, concordamos com FAURE e com
SMEDT quando dizem claramente que theà stateà ofà a tà pe
ità isà ou te à toà theà
economics approach in that it could deter an operator from obtaining information on
opti alàp e autio a à easu es
212
. Por fim, depois de analisadas as várias exceções e
se tivermos em conta que a sua ratio, segundo ALEXANDRA ARAGÃO,
àaàjustiçaà aà
repartição dos encargos e das medidas de proteção ambiental e a eficácia do efeito
dissuaso à p ete dido
213
, podemos considerar acertada a posição de GOMIS CATALÁ
quando alerta para o facto de que as exceções (cumprimento de normas ou
autorizações emanadas da autoridade pública, as circunstâncias locais, o risco de
desenvolvimento) de e àad iti -se com cautela com o objetivo de evitar o risco de as
converter, na prática, um sistema de responsabilidade objetiva num sistema de
espo sa ilidadeà aseadoà aà ulpa
214
.
6. A reparação do dano ecológico
6.1. Princípios orientadores da reparação do dano ecológico
No ordenamento jurídico português, a reparação do dano ecológico obedece
ao princípio da restitutio in integrum, ou seja, vigora a regra segundo a qual os danos
ecológicos devem ser ressarcidos através da restauração natural215, sendo que, tal
conclusão extrai-se, numa primeira linha, através da letra do artigo 3º, al. g) da Lei
19/2014 que contém o princípio da recuperação. Este, por sua vez, que obriga o
causador do dano ambiental216 à restauração do estado do ambiente tal como se
encontrava anteriormente à ocorrência do facto danoso e do facto de o anexo V do DL
147/2008 elencar um conjunto de medidas de reparação natural in situ que se
destinam à reconstituição da situação atual hipotética217. Numa segunda linha, não
menos importante, para corroborar o que foi dito supra, mediante uma análise do
212
FAURE, Michael, The White Paper on Environmental Liability: Efficiency and Insurability Analysis,
Environmental Liability, VOL 4, Maastricht, 2001, p. 188.
213
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu, … , p. 119.
214
GOMIS CATALÁ, Lúcia, Responsabilidad por daños al medio a ie te … ,àp.à
.
215
Neste sentido AMADO GOMES, Carla, De que falamos quando falamos de dano ambiental? … , p.
264.
216
Entendemos ser cabível uma interpretação extensiva na qual se subsumem os danos ecológicos neste
conceito de dano ambiental.
217
AMADO GOMES, Carla, De que falamos quando falamos de dano ambiental?à à… ,àpà.3.
52
anexo V, concretamente do seu nº 1, é-nos então possível afirmar que aí (também)
está ínsito um princípio de reconstituição natural218. Tal afirmação, quanto a nós,
fundamenta-seà peloà fa toà deà aà o
aà efe i à ueà a reparação de danos ambientais
causados à água, às espécies e habitats naturais protegidos é alcançada através da
restituição do ambiente ao seu estado inicial por via de reparação primária,
complementar e compensatória . Sendo que o mesmo preceito define que se deve
proceder
à epa aç oà o ple e ta ,àse p eà ueàaà epa aç oàp i
ria não resulte na
restituição ao ambiente aoà seuà estadoà i i ial .à Ou seja, também será possível
descortinar um princípio de preferência pela restauração natural, ficando, ad
contrarium, a compensação ecológica em segundo plano219. Pelo que foi dito até aqui,
podemos hierarquizar as formas de reparação do dano ecológico da seguinte forma:
em primeiro lugar, surge a restauração natural, em segundo lugar, figura a
compensação ecológica e, em terceiro lugar, consta a compensação pecuniária.
Ademais, se atentarmos sobre a ratio das modalidades de reparação, podemos ver que
no que se refere à reparação primária, esta tem por objetivo a restituição dos recursos
naturais e ou serviços danificados ao estado inicial, ou, no limite, aproximá-los desse
estado. Já no concernente à reparação complementar, o seu escopo é precisamente
p opo io a à u à í elà deà e u sosà aturais e ou serviços, incluindo, quando
apropriado, num sítio alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio
da ifi adoà ti esseà eg essadoà aoà seuà estadoà i i ial .à Por último, no tocante à
reparação compensatória, é lícito afirmar que esta serve pa aà o pe sa à aà pe daà
p o isó iaàdeà e u sosà atu aisàeàse içosàe
ua toàseàagua daàaà e upe aç o
sendo, por isso, correto seguir o entendimento de que
fi a ei aà pa aà osà e
220
, não
o sisteà u aà o pe saç oà
osà doà pú li o , conforme vem ressalvado no preceito. Um
outro ponto que merece destaque é precisamente o facto de, no anexo V, se prever a
eliminação de qualquer risco significativo de danos para a saúde humana.
Curiosamente, CUNHAL SENDIM justifica a opção por este tipo de reparação pelo facto
218
Nesteàse tido;àCa laàá adoàGo esàdefe deà ueà pe a teàu àda oàe ológi o,àouàh àaàpossi ilidadeà
de reparação primária ou há a reparação primária, sendo que, só na situação em que esta não seja
plenamente possível, se poderá avançar para uma indemnização complementar e/ou compensatória
isa doà aà e o stituiç oà atu alà ouà po à e ui ale te .à áMáDOà GOME“,à Ca la,à áà espo sa ilidade civil
po àda oàe ológi o,à … ,àp. 23.
219
Neste sentido: OLIVEIRA, Heloísa, Instrumentos de tutela do ambiente … , p. 264.
220
Ponto 1.1.3 do Anexo V do DL 147/2008.
53
de ser difícil realizar uma avaliação pecuniária integral dos danos ecológicos,
afirmando por isso que aà estau aç oà i teg alà à aà ú i aà fo
i teg alàdoàda o
221
aà deà i de
izaç oà
.
6.2. Modalidades de reparação do dano ecológico
No plano doutrinal, a reparação do dano ecológico pode efetivar-se através de
duas formas distintas, ou através da restauração natural, ou por meio de uma
compensação económica, rectius monetária. Por sua vez, a restauração natural
subdivide-se na restauração ecológica e na compensação ecológica. Seguindo esta
linha, destaque-se a jurisprudência do TCA que refere que aà epa aç oàpodeà e esti à
duas modalidades: a reparação in natura, que se subdivide em restauração ecológica e
compensação ecológica, e a compe saç oàpe u i iaà i de
Com efeito, GOMIS CATALÁ define a reparación in natura
izaç oàe àdi hei o
222
.
o oàse doà aà estituiç oà
doà e àda ifi adoàaoàestadoàe à ueàseàe o t a aàa tesàdeàsof e àaàag ess o
223
.A
restauração ecológica é aquele tipo de reparação que visa a reintegração ou
recuperação dos bens naturais afetados. Por sua vez, a compensação ecológica é
aquele tipo de reparação que tem por objetivo a substituição dos bens naturais
lesados por outros equivalentes. Ora, seguindo a dogmática elaborada por HELOÍSA
OLIVEIRA, podemos distinguir estas duas formas de reparação in natura através do
elemento natural afetado e/ou das suas funções ecológicas, isto é, na restauração
ecológica, existe a recuperação do elemento natural que foi concretamente afetado,
ao passo que na compensação ecológica, há o desiderato de aumentar a capacidade
funcional de outros elementos naturais, sendo, por isso, próxima de uma ideia de
substituição por equivalente funcional224. Por último, a indemnização pecuniária
traduz-se na situação em que o lesante entrega uma soma em dinheiro,
correspondente ao valor dos prejuízos sofridos225. Contudo, cumpre salientar que,
dada a especificidade do dano ecológico que reside no facto de não ter um lesado, mas
221
CUNHAL SENDIM, José, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos - Da Reparação do Dano Através
da Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p.262.
222
Processo 05849, TCA-S, Relator: Paulo Pereira Gouveia, 07/02/2013.
223
GOMIS CATALÁ, Lucia, Responsabilidad por daños al medio ambiente … , p. 249.
224
OLIVEIRA, Heloísa, Instrumentos de tutela do ambiente … ,àp. 254.
225
PESSOA JORGE, Fernando, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Reimpressão,
Almedina, Coimbra, 1995, p. 420. Segundo MENEZES LEITÃO, é um mecanismo reparatório que se
destina a indemnizar o dano pela atribuição ao lesado de uma quantia monetária.
54
a tesàu aà o u idadeàlesada ,àoàdesti oàdessaà ua tiaàe aàoàFu doàdeàI te e ç oà
Ambiental (= FIA)226 nos termos do (revogado) artigo 6º, nº 1, d) do DL 150/2008, de
30 de julho, agora é o Superfundo português227.
226
Nosàte osàdoàa tigoà .ºàdoàDLà .ºà
/
à oàFIáà àu àpat i ó ioàautó o oàse àpe so alidadeà
ju ídi a,à o à auto o iaà ad i ist ati aà eà fi a ei aà eà o à pe so alidadeà judi i ia à se doà ue,à osà
te osàdoàa tigoà .º/ .ຠà te àpo à iss oà fi a ia à iniciativas de prevenção e reparação de danos a
o po e tesàa ie taisà atu aisàouàhu a os .
227
Criado pelo Decreto-Lei n. º42-A/2016, de 12 de agosto. Apesar de ser designado no texto legal por
Fu doàá ie tal ,àp efe i osàdesig -lo como superfundo, não por reverencia ao CERCLA, mas antes
por considerarmos que o substantivo inculca a ideia de estarmos perante um fundo agregador de outros
fundos.
55
6.3. Limites à reparação in natura do dano ecológico
6.3.1. Princípio da proporcionalidade
Quando abordamos a questão dos limites à reparação in natura do dano
ecológico, devemos, desde logo, mencionar o princípio da proporcionalidade, que se
trate de um princípio geral de Direito consagrado na Constituição portuguesa (cfr. art.
18º, nº2, art. 19º, n.º 4 e ainda o art. 266º, nº 2, que se traduz numa diretiva
hermenêutica de carácter geral, que
isaàdete
i a àaàade uaç o,àaà e essidadeàeàaà
proporcionalidade (strictu sensu) de uma concreta decisão jurídica, tendo como ponto
de refe
iaà fi oà oà fi à daà o
a
228
. Com efeito, o princípio da proporcionalidade
assume uma configuração tríplice, desdobrando-se nas vertentes de adequação,
necessidade e proporcionalidade229. Desta feita, HELOÍSA OLIVEIRA entende que a
proporcionalidade em sentido estrito não é um critério para determinar a medida de
reparação a aplicar, mas antes um limite à aplicação da medida230. Ora, resta saber de
que forma aquele princípio limita ou exclui certa forma de reparação do dano
ecológico. Pois bem, em sede de reparação do dano ecológico, podemos afirmar que o
princípio da proporcionalidade limita o alcance das medidas de reparação às medidas
óti as à esulta tesàdoà o f o toàe t eàoà ustoàdasà es asàeàoà esultadoà a tajosoà
obtido231. Quanto a saber se o mesmo princípio exclui a reparação do dano ecológico
na sua vertente de reconstituição in natura, diremos que in extremis ou in limine
poderá haver uma situação onde se verifique uma exclusão tout court daquela e uma
adesão total pela via reparatória da indemnização pecuniária. Parece-nos acertado, no
plano dogmático, dividir esta limitação quanto aos seus efeitos, tendo, por um lado,
um efeito excludente quando obnubila a reparação in natura, por outro lado, um
efeito parametrizante quando serve para determinar a concreta medida da reparação
in natura.
228
CUNHAL SENDIM, José, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos - Da reparação do Dano Através
da Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 219.
229
GOMES CANOTILHO, José, MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos
1.º a 107.º, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, 2007, Coimbra, p. 392.
230
OLIVEIRA, Heloísa, Instrumentos de tutela do ambiente (…), p. 255; GOMIS CATALÁ, Lucia,
Respo sa ilidadàpo àdañosàalà edioàa ie te,à … ,àp.à
.
231
Tradução livre da obra de GOMIS CATALÁ, Lucia, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente,
ARANZADI, Barcelona, 1998, p. 261.
56
6.3.2. Limites de carácter técnico e científico
Para além do princípio da proporcionalidade, quando se pretende reparar o
dano ecológico por meio da reparação in natura, devemos ter em consideração o facto
de existirem amiúde variadas dificuldades técnicas e científicas motivadas pelo estado
da arte do conhecimento. Pelo que, CUNHAL SENDIM alerta para outra situação em
que se verifica a impossibilidade de efetuar a restauração natural, que se traduz no
facto de a p óp iaà atu ezaà dasà oisas constituir um entrave à efetivação daquela.
De facto, são também plausíveis, quer a hipótese de se desconhecer o estado inicial do
meio ambiente232, quer a hipótese de o dano ecológico não ser mensurável em virtude
do facto de não haver critérios científicos aptos para o efeito, ou seja, as legis artis não
se mostram bastantes para resolver o problema da quantificação do dano ecológico.
Ora, em face desta situação em que se verifica quer um desrespeito pelo princípio da
proporcionalidade, quer uma impossibilidade, diz a doutrina que é possível adotar
medidas de efeito equivalente à reparação in natura233.
6.4. A questão da compatibilização da indemnização de danos ecológicos com a
indemnização de danos ambientais
6.4.1. Da prevalência da indemnização dos danos ecológicos
Perante uma hipótese na qual uma infração ambiental afete quer bens
ecológicos quer danos ambientais em direitos privados, ou seja, dada lesão incide
sobre um bem natural que é simultaneamente um bem ambiental coletivo e um bem
objeto de direitos privados234, podemos considerar que estamos a lidar questão que
entrecruza o domínio público com o domínio privado. Ora, quando haja uma situação
na qual a indemnização pelo dano ecológico se mostre incompatível com uma decisão
proveniente de normas jurídico civis que regulem a indemnização do dano ambiental,
deve o intérprete atribuir prevalência, isto é, considerar aplicável, o regime especial da
norma jurídico-pública235, sendo decorrente deste regime o princípio da primazia da
232
GOMIS CATALÁ, Lucia, idem, p. 260.
GOMIS CATALÁ, Lucia, idem p. 264; contudo, devemos deixar a nota de que temos sérias dúvidas
quanto a poder afirmar perentoriamente que se trata de um limite e não de uma alternativa.
234
CUNHAL SENDIM, José, Responsabilidade civil por danos ecológicos … , p. 198.
235
Neste sentido: CUNHAL SENDIM, José, Responsabilidade civil por danos ecológicos … , p. 200.
233
57
reparação in natura236. Bem vistas as coisas, devemos destacar um outro aspeto
importante, que diz respeito à verificação/sucessão cronológica dos eventos. Diga-se
que o DL 147/2008 é omisso quanto a esta situação. No caso de a reparação do dano
ecológico se efetivar antes da reparação do dano ambiental, nada haverá a
acrescentar, pois, em regra, perante uma situação como essa, a primeira reparação
consome a segunda. Note-se que é plausível a hipótese de a reparação in natura do
dano ecológico não esgotar (consumir) a reparação do dano ambiental, por
conseguinte, obviar à aplicação do princípio da dupla reparação. Porém, quando a
situação é inversa, do ponto de vista cronológico, ou seja, quando se haja efetivado
primeiramente a reparação do dano ambiental, será de recusar uma hipotética
reparação do dano ecológico, desde logo por força de um princípio geral de direito que
determina a impossibilidade de certo sujeito ser ressarcido duas vezes em virtude de
certo dano. Ainda que se argumente no sentido de se estar perante dois tipos de dano,
a restauração feita por meio da reparação in natura, produz na esfera jurídica do
proprietário o efeito do duplo ressarcimento. O duplo ressarcimento origina um
locupletamento ilícito, proibido pelo ordenamento jurídico. Quanto à ratio desta
solução legal, deve ter-se em consideração que o facto de se preferir a reparação do
dano ecológico radica na natureza jurídico-pública do regime, ou seja, aquilata-se
superiormente o bem jurídico ambiente coletivo em prol do interesse individual, na
reparação de um dano a um direito subjetivo.
6.4.2. O princípio da proibição de dupla reparação
O artigo 10º, nº àdoàDLà
/
àestatuià ueà os lesados referidos nos artigos
anteriores não podem exigir reparação nem indemnização pelos danos que invoquem
na medida em que esses danos sejam reparados nos termos do capítulo seguinte ,à
sendo que tal segmento normativo se traduz no princípio da proibição de dupla
reparação. Efetivamente, MENEZES LEITÃO crítica a norma dizendo que é cabível uma
interpretação que vá no sentido de excluir uma responsabilidade civil sempre que as
situações sejam abrangidas pela responsabilidade administrativa
237
. De facto, o
es oàauto àdefe deà ueà as medidas de reparação determinadas pelas autoridades
236
237
Neste sentido: GOMIS CATALÁ, Lucia, Responsabilidad por daños al medio ambiente … , p.249.
MENEZES LEITÃO, Luís,àáà espo sa ilidadeà i ilàpo àda osà ausadosàaoàa ie teàà … ,ààp.à
58
administrativas não poderão excluir o direito à indemnização em relação aos titulares
de direitos privados"238. Concordamos com tal posição, designadamente, por não haver
uma sobreposição necessária. Quanto à aplicação deste princípio, dir-se-á que,
perante uma situação em que certa lesão a certo bem possa ser configurada como um
dano ecológico ou como um dano ambiental, a indemnização do dano ecológico
consome a indemnização do dano ambiental. Ou seja, quando se haja indemnizado o
dano ecológico, não se poderá indemnizar (paralelamente) o dano ambiental239. O
princípio da proibição de dupla reparação aplica-se quando se constatem situações de
necessidade de ressarcimento que vão para além das operações de reconstituição
natural ou complementar240. Pegando no exemplo de escola – O cidadão (A) tem vários
sobreiros que pereceram por causa da contaminação de lençóis freáticos efetuada
pelo lesante (B) – podemos afirmar que haverá lugar à reconstituição natural e ao
ressarcimento de danos patrimoniais de (A). Por último, tenha-se em atenção o facto
de que, para CARLA AMADO GOMES, o princípio da dupla reparação se resumirá a uma
concretização do princípio geral de proibição de abuso de direito postulado no artigo
334º do CC241. Em substância, não entendemos como errada, a conceção segundo a
qual este princípio pode ser encarado como atribuidor de preferência pela reparação
do bem público em detrimento da reparação do bem privado.
238
MENEZES LEITÃO, Luís, idem p. 41.
Exemplo: (A) tem sobreiros, mas não tem contrato de venda de cortiça e sofre um dano com isso em
virtude da ação do agente poluidor (B). Uma vez que os sobreiros constituem uma espécie protegida,
deverá considerar-se que a lesão a que foram sujeitos, em primeira linha, deverá ser reparada a título
de dano ecológico.
240
AMADO GOMES, Carla, A responsabilidade civil por dano ecológico … ,à p. 23.
241
AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2012, p. 248.
239
59
PARTE II – GARANTIAS FINANCEIRAS
1. Enquadramento legal
Por uma questão de simplificação e para seguir a terminologia da Lei, diremos
que a expressão garantias financeiras inclui as garantias especiais das obrigações – que
são reguladas no Código Civil - bem como os seguros que se acham regulados,
genericamente, pelo RGAS – Regime Geral da Atividade Seguradora DL nº 94-B/98, de
17 de abril – e, ainda, os
fu dosà oleti os . Em seguida, noutro patamar de
densificação jus-normativa, aparecem, por um lado, o DL nº 72/2008 que consagra o
Regime jurídico do contrato de seguro, por outro lado, o DL nº 105/2004, de 8 de maio
que estatui o Regime jurídico do contrato de garantias financeiras242. Seguidamente,
passando para um contexto mais circunscrito e específico, encontramos num plano
normativo superior, o direito europeu, em que a Diretiva 2004 prevê o artigo 14º cuja
epígrafe é Ga a tiaà Fi a ei a , que, por sua vez, determina que osà Estadosà
membros devem incentivar o desenvolvimento, pelos operadores económicos e
fi a ei osàde idos,àdeài st u e tosàeà e adosàdeàga a tiasàfi a ei as .
2. Noção e ratio de garantia financeira
Segundo PESTANA DE VASCONCELOS, aà ga a tiaà o sisteà u à efo çoà daà
posição de um credor face aos credores comuns que pode ser obtida de diversas
fo
as
243
. Portanto, se quisermos enunciar o seu desiderato, diremos que as
garantias financeiras244 são instrumentos jurídicos que têm como escopo ressarcir a
parte lesada pelo incumprimento de certa obrigação pelo lesante, podendo, contudo,
em sede de responsabilidade por dano ecológico, ser destinadas a ressarcir o Estado,
em especial o Superfundo Português, a título de direito de regresso, nas situações em
que tenha procedido a medidas de reparação e prevenção ex officio. Devemos fazer
notar que se torna infrutífero tentar perceber as garantias financeiras meramente
dentro do âmbito do direito positivo nacional. Logo, tentaremos elucidar e esclarecer a
terminologia anglo-saxónica que é adotada e que traduz significado comum dos tipos
242
I e osàda àp e al iaàaà policy considerations àdoà egi eàeà oà àpote ialàp o le ti aàati e teà
aos seus regimes.
243
PESTANA DE VASCONCELOS, Miguel, Direito das Garantias, Almedina, Coimbra, 2016, p. 627.
244
Co side a os,àdesig ada e te,àosàsegui tesàte os:à Fi a ialàgua a tees à
60
de garantias aqui tratados245. Depois de havermos definido e sistematizado
dogmaticamente o que são garantias financeiras, podemos afirmar que, em sede de
dano ecológico, estas tiveram o seu boom246 com o advento da Diretiva 2004, pois lá se
prevê, no artigo 8, nº 2, que aàauto idadeà o pete teàde eào te ài de
alia,à at a sà deà ga a tiasà doà ope ado à ueà hajaà ausadoà oà da o
artigo 14º, cujo nº 1 estatui que
247
izaç o,ài te à
bem como no
Os Estados-Membros devem tomar medidas
destinadas a incentivar o desenvolvimento, pelos operadores económicos e financeiros
devidos, de instrumentos e mercados de garantias financeiras, incluindo mecanismos
financeiros em caso de insolvência, a fim de permitir que os operadores utilizem
garantias financeiras para cobrir as responsabilidades que para eles decorrem da
presente directiva . De facto, as principais garantias são os fundos, garantias bancárias,
testes financeiros/technical reserves, corporate guarantees (vg. Aval) e o seguro248.
Devemos assinalar que a expressão e o aja
se mostra preponderante, desde logo
porque, a nosso ver, não determina que existam efetivamente, mas, antes, que se
devam empregar todos os meios para que os mecanismos de garantia existam249. Em
245
Seguindo MENEZES LEITÃO, devemos assinalar que no sistema inglês as garantias podem apresentarse sob quatro formas diferentes, que se organizam em dois grandes grupos por força do critério da
posse da coisa. De uma banda, temos aquele tipo de garantia que pressupõe a posse da coisa do qual
fazem parte quer o lien quer o pledge. De outra banda, temos o tipo de garantia que não pressupõe a
posse da coisa do qual são exemplo tanto a mortgage como o charge. MENEZES LEITÃO, Luís, Garantia
das Obrigações, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 38. Ainda na esteira de MENEZES LEITÃO,
atentando agora sobre o sistema norte-americano, constatamos que esteà te àu àsiste aàha ó i oà
deà ga a tiasà o siste teà oà le eà á t.à .ºà doà U ifo à Co e ialà Code .à Grosso modo, no sistema
estadunidense não há numerus clausus de garantias existentes nem tão pouco releva o facto de a
propriedade do bem não estar na posse do titular da garantia. Aquilo que existe nesse ordenamento
jurídico é uma formulação funcional cujo nome é security agreement. MENEZES LEITÃO, Luís, Garantia
das Obrigações, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 44
246
No Final Report da DG ENV diz-se que as garantias financeiras são consideradas como uma das
pedras angulares para a implementação da ELD (Diretiva 35/2004), European Commission, Financial
Security in Environmental Liability Directive, Final Report, August 2008, p. 19.
247
Tradução livre de theà o pete tàautho it àshallà e o e ,ài te àalia,à iaàse u it ào e àp ope t ào àothe à
appropriate guarantees from the operator who has caused the damage or the iminente threat of
da age…
248
BIO Intelligence Service et al. Study to explore the feasibility of creating a fund to cover
environmental liability and losses occurring from industrial accidents, Final Report Prepared for
European Comission, DG ENV, 2012, p. 34.
249
Note-se que no caso das garantias bancárias e dos fundos próprios não há necessidade de
encorajamento. A diretiva foca-se, quanto a nós, essencialmente, no mercado dos seguros.
61
seguida, também devemos mencionar BOCKEN uma vez que coloca enfase na questão
de saber o que se deve entender por ap op iada
250
.
3. Classificação dogmática
Embora estejamos conscientes do facto de ser admissível classificar as garantias de
várias formas possíveis, devemos esclarecer que optamos por resumir a três critérios –
porque os configuramos como os mais pertinentes em sede de responsabilidade por
dano ecológico.
3.1 Garantias pessoais e garantias reais
Seguindo a doutrina de ALMEIDA COSTA, as garantias pessoais das obrigações são
aquelas através das quais te ei osà ga a te à o à osà seusà pat i ó iosà dí idasà
alheias
251
. Na verdade, do que aqui se trata é de haver uma responsabilização, em
primeira linha, através do património do devedor e, em segunda linha, através do
património de um terceiro252. Já as garantias reais, caraterizam-se pelo facto de
incidirem sobre o valor ou os rendimentos de bens certos e determinados, do próprio
devedor ou de um terceiro253. Assim, nesta sede, dá-se uma afetação de bens do
de edo àouàdeàte ei oàaoàpaga e toàp efe e ialàdeàdete
i adasàdí idas
modo, diz-seà ue,à ua doà o pa adas,à asà ga a tiasà eaisà pa e e
254
. Grosso
à se à
aisà
eficientes - operando uma redução do risco -, ao passo que as garantias pessoais são
mais flexíveis no que tange à sua constituição, modificação e execução. Segundo
MENEZES LEITÃO, as garantias pessoais são a fiança, o mandato de crédito, o aval255, a
garantia autónoma, as cartas de conforto, a solidariedade passiva, a assunção
cumulativa de dívida, o seguro de créditos e o seguro-caução. Já as garantias reais, são
250
BOCKEN, Hubert, Financial guarantees in the environmental liability directive: next time better,
Environmental Law Review, n. º13, 2006, p. 13.
251
ALMEIDA COSTA, Mário, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1991, p. 744.
252
ROMANO MARTINEZ, Pedro, FUZETA DA PONTE, Pedro, Garantias de Cumprimento, 5.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2006, p. 85.
253
ALMEIDA COSTA, Mário, Direito das obrigações, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1991, p. 765
254
ROMANO MARTINEZ, Pedro, FUZETA DA PONTE, Pedro, Garantias de cumprimento, … , p. 167.
255
Note-se,à o tudo,à ue,à aà is oà deà ROMáNOà MáRTINE)à oà a te à autó o oà doà aval, de certo
modo, descaracteriza-o como uma verdadeira garantia pessoal, pois o avalista passa a responder
solidariamente com o avalizado – o oà de edo à deà u aà o igaç oà p óp ia ,à ROMáNOà MáRTINE),à
Pedro, FUZETA DA PONTE, Pedro, Garantias de cumprimento … ,àp. 119.
62
a consignação de rendimentos, o penhor de coisas, a hipoteca, os privilégios especiais,
o direito de retenção e a penhora256.
3.2 Garantia próprias ou garantias de terceiro
Em seguida, atentando, agora, sobre outro critério, observamos que, efetivamente,
de uma banda, quando nos referimos a uma garantia self demonstrated ou uma
garantia própria, estamos, com isso, a querer fazer menção ao tipo de garantias que
estão na esfera patrimonial do garantido, ou seja, certo quid próprio. De outra banda,
quando fazemos menção à garantia comprada, queremos fazer referencia ao tipo de
garantias que não estão na esfera patrimonial própria. Assim, como é facilmente
percetível, podemos inferir que a garantia self-demonstrated pode ser configurada
como uma garantia de património do próprio, ao passo que a purchased assurance,
por seu turno, pode ser tida como uma garantia de património de outrem257. Segundo
BOYD, podemos distinguir as garantias compradas das garantias self-demonstrated,
sendo que a diferença que ressalta, à primeira vista, é o facto de que o património
próprio é self demonstrated ao passo que na purchased assurance258, o património é
de um terceiro. Decorre deste critério uma presunção segundo a qual, quando é o
próprio património a responder, haverá sempre um maior cuidado em cumprir do que
quando o património é de um terceiro. Por conseguinte, devemos ter presente que a
vantagem de o património ser próprio é nitidamente o facto de se ter um maior
cuidado com o mesmo (isto é, presta-se um maior cuidado na evitação da sua
delapidação). Todavia, no específico caso do seguro, há, claramente, uma situação de
exceção pelo facto de se ter presente o encarecimento do custo associado a um
aumento do preço do prémio pago, ser um fator dissuasor de incumprimento
(negligente ou doloso). Pois bem, do lado da self-insurance podemos ter: reservas de
capital reservadas para o efeito, aval dado por companhia da mesma holding;
hipoteca; penhor de ativos; penhor de bens. Do lado da purchased assurance podemos
ter: os seguros (e suas submodalidades: co-seguro; re-seguro). Por fim, merece uma
256
MENEZES LEITÃO, Luís, Garantia das Obrigações, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 370.
Facilmente se percebe que a distinção radica na titularidade do património apto e destinado a servir
de garantia de dano ecológico.
258
Segundo BOYD, podemos distinguir entre: insurance e performance bonds e self-assurance de
assurance .
257
63
referência, a categoria híbrida onde inserimos figuras como a participação em fundos
privados reservados para o efeito, a captive insurance e ainda o risk sharing
agreement. Por fim, note-se que a distinção releva sobretudo para efeitos do cuidado
que é expectável ou que, presumivelmente, se espera de quem é titular da própria
garantia. Assim, não obstante não ser líquido que a pessoa titular do património
destinado a servir como garantia se preocupe mais com o que é seu do que com
pat i ó ioà ueà
oà à seu,à pa e eà se à azo elà afi
a à ueà o homem médio à seà
preocupa mais com o que é seu do que com aquilo que não é259.
3.3 Garantias ex ante ou post factum
Neste ponto, devemos começar por explicitar que uma garantia ex ante é
aquele tipo de garantia que é constituído antes de se verificar o facto que gera o dano,
ao passo que, inversamente, uma garantia ex post é o tipo de garantia que se constituí
em momento ulterior à verificação do facto gerador do dano ecológico. A distinção
aqui em causa assenta no momento em que é constituída a garantia. A primeira
presta-se em momento anterior a um facto danoso e a segunda presta-se em
momento ulterior ao dito facto. Não obstante, note-se que a Diretiva 2004, no seu
artigo 8, nº à
oàdefi eà ueàaàga a tiaàte haà ueàse à o stituídaà in anticipation of
a à i ide teà o à o l à postà fa tu
260
. Passando agora à arrumação das garantias
nestas categorias, do lado das garantias ex ante, podemos agrupar a apólice de seguro
(insurance policy), uma garantia prestada por instituição financeira261 (guarantee
provided by a financial institution), constituição de fundos próprios ,
depósito
bancário (cash deposit)262 bem como um fundo autónomo. Em suma julgamos que
também os seguros se poderão enquadrar na categoria das garantias ex post pelo
259
Portanto, haverá sempre uma vantagem (ao menos psicológica) de quem constitui património que
não é seu para responder perante uma dívida. Todavia, iremos falar do risco moral adiante, noutro
ponto, da presente dissertação.
260
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees for Environmental Liabilities under the ELD, EELR,
Kluwer Law International, New York, 2009, p. 157.
261
Inter alia, aval, letra de crédito, garantia bancária, garantia autónoma.
262
paidà à a àofàse u it ào àaàsepa ateàa ou tà ithàtheàe i o e talàgua a teeàa ou t à FAURE,
Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of Environmental Liability, Report, ECTIL –
European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht University, Maastricht, 2000, p. 188.
64
facto de o montante a ser pago pela seguradora ser realizado posteriormente à data
do dano263.
3.4 Critério da dispersão do risco
Com efeito, podemos definir a dispersão do risco (risk spreading) como sendo a
situação em que certo risco se pulveriza por várias entidades, isto é, achando o seu
fundamento na lei dos grandes números, diz-se que é menos custoso tirar um euro a
cada uma de cem entidades do que cem euros a uma entidade. Para além de que,
olhando para a dispersão, podemos subdividi-la, consoante a sua intensidade, em
fraca ou acentuada. Ora bem, pelo que foi dito, devemos esclarecer que há uma
diferença óbvia entre risk spreading em sede de garantia própria ou de terceiro e o risk
spreading dentro das garantias dadas por terceiros. Em substância, do que aqui se
trata é saber quais são os mecanismos que logram uma maior dispersão do risco e
quais aqueles que, ou têm uma menor dispersão ou, em boa verdade, nem chegam a
efetuar tal dispersão. Assim sendo, devemos advertir que é difícil ou mesmo
impossível copiar os efeitos de risk-reducing que tem um seguro por parte de um
fundo264. Em seguida, podemos concluir que os seguros e os fundos (trust funds) são os
exemplos proeminentes de mecanismos de dispersão do risco ao passo que o depósito
bancário first demand, entre outros, não se apresentam como mecanismos capazes de
prover a uma dispersão do risco. Daqui, inferimos que o critério que radica na
dispersão do risco poderá estar correspetivamente relacionado com a titularidade
unitária ou plural de certa garantia, ou seja, quanto maior for o número de titulares,
ou subscritores, de uma garantia, maior será a dispersão do risco efetuada265. Por
último, um outro critério a ter em consideração diz respeito ao facto de a
disseminação poder ser ao longo do tempo, ou por várias pessoas266.
263
Ou várias, no caso de se tratar de co-seguros ou pool de seguradoras.
Ad-Hoc INDUSTRY – Natural Resource Management Group, White Paper – Environmental liability
funds in the contexto of the European Union liability directive, Brussels, 2012, p. 5.
265
Contudo, como veremos adiante, entendemos ser correto afirmar que o aumento do spreading out
do risco poderá levar ao aumento do risco moral (v.g. fundos coletivos com muitos players
participantes).
266
BERGKAMP, Lucas, Environmental Risk Spreading and Insurance, RECIEL n. º12, Blackwell Publishing,
2003, p. 270. Define estas situações como spreading over time à i te temporal) e sp eadi gà o e à
pe so s (interpessoal).
264
65
4. Garantias positivadas no DL 147/2008
A título perfunctório, cumpre esclarecer que para facilitar a compreensão das
garantias financeiras tendo como referencial a legislação portuguesa, (v.g. DL
147/2008), optamos, justamente, por enquadrar as várias hipóteses em cinco
categorias nucleares:
apóli esà deà segu os ,
pa ti ipaç oàe àfu dosàa
ie tais ,
o te ç oà deà ga a tiasà a
ias ,
o stituiç oàdeàfu dosàp óp iosàpa aàoàefeito
e, ainda, outras formas de garantia financeira que não se enquadram diretamente nas
restantes categorias. MONTI constata que as empresas que fornecem os seguros
oferecem a possibilidade de combinar diferentes tipos de cobertura267. Em segundo
lugar, naquilo que concerne às garantias bancárias, distinguimos entre garantias on
first demand e surety bonds. Sendo que, por força do princípio da exclusividade,
optamos por excluir as segundas. Não obstante, nesta segunda categoria, caberá,
ainda, quer a letra de crédito (letter of credit), quer o aval (corporate guarantee),
quando haja sido dado por empresa fora do mesmo grupo empresarial
oà
fa ilia ). Em terceiro lugar, sobre a participação em fundos ambientais (cooperative
fund268), logicamente, admite-se a constituição de um fundo autónomo privado.
Depois, admitimos que se possa integrar o fundo português, o fundo ibérico, mas,
quiçá não seja o melhor para Portugal aderir a um fundo europeu. Em quarto lugar,
quando falamos em constituição de fundos próprios269, quanto a nós, são cabíveis na
letra do preceito, o penhor, nas suas modalidades possíveis: ativos e bens móveis, a
hipoteca (mortgage), o depósito bancário (cash deposits), as reservas de capital social,
o aval dado por empresa do mesmo grupo de empresas
a alà fa ilia ). Em quinto
lugar, apesar de não haver uma alínea do art. 22º, na qual entendamos que se possa
subsumir de modo incontestável certas figuras, podemos, mediante um processo de
interpretação extensiva, admitir as figuras do risk sharing agreement, o mecanismo da
captive insurance e as CAT bonds. Em sede de direito comparado, pudemos perceber
que, em Espanha, a Ley 26/2007 prevê três modalidades de garantias às quais os
operadores poderão recorrer, a saber, uma apólice de seguro, obter uma garantia
267
MONTI, Alberto, Environmental risks and insurance (…), p. 15.
Certa doutrina ainda se refere a eles como trust fund /à mutuals .
269
Grosso modo, quando nos referimos genericamente a um escrow agreement , estamos a pensar
num contrato de garantia. Por exemplo, tanto um contrato de depósito bancário, uma caução ou uma
letra de crédito podem ser considerados como sendo espécies de escrow agreement .
268
66
bancária e através da constituição de uma technical reserve270. Já no caso da
Alemanha, nos termos do §19271, Por fim, na Suécia272, o bloco legal determina que a
securitie possaàte àaàfo
aàdeà 1) deposit; 2) Bank Guarantee; 3) Insurance guarantee;
4) Insurance policy; .
4.1 A obrigatoriedade de constituir garantias
Nesta sede, cumpre frisar que o regime legal português à semelhança de outros
regimes legais europeus273 vai mais além da Diretiva num aspeto bastante importante,
precisamente porque a legislação europeia não impunha obrigatoriedade de
constituição de garantias. Certo é que analisando os dados legais, mormente o artigo
22º, nº1, que determina que os
osà ope ado esà
ueà e e ça à asà ati idadesà
ocupacionais enumeradas no Anexo III constituem obrigatoriamente uma ou mais
garantias financeiras próprias e autónomas, alternativas ou complementares entre si,
que lhes permitam assumir a responsabilidade ambiental inerente à atividade por si
dese ol ida
274
. Segundo BOCKEN, houve um número considerável de estados
membros275 que optaram por determinar a obrigatoriedade da constituição de
garantias276. Não obstante, devemos ainda mencionar o artigo 34º, cujo conteúdo
270
FAURE, Michael, DE SMEDT, Kristel, PEDRAZA, Julia, Compulsory Financial Guarantees for
Environmental Damage, What can we learn from Spain?, Journal Environmental Liability, VOL 20, n. º6,
Maastricht University, 2013, p. 8.
271
Cujaà epíg afeà :à P o isio à ofà o e age sendo certo que diz o seu nº 2 que a o e ageà a à eà
p o ided à ue à i àfo àofàlia ilit ài su a eàissued by an insurance company license to do business in
theàte ito ài à hi hàthisàa tàapplies; ,à ue à i àtheàfo àofàa ài de it àag ee e tào àgua a teeà adeà
à theà Fede alà Go e
e tà o à à aà state à ou, ainda, quer i à theà fo à ofà a à i de it à ag ee e t or
guarantee made by a credit institution licensed to do business in the territory in which act applies if such
ag ee e tào àgua a teeàp o idesàse u it à o pa a leàtoàthatàp o idedà àlia ilit ài su a e .
272
Cfr. chapter 16, section 3 Environmental Code.
273
Tais como a Suécia, a Espanha, a Holanda, a Bulgária e a Polónia (é um facto público e notório que é
um país com índices de poluição altíssimos).
274
Num plano prático, segundo a APA, deverão os operadores desenvolver os estudos necessários, que
permitam, de uma forma fundamentada, coincidente com a realidade da sua empresa e com as
características do meio envolvente, efetuar a caracterização da situação de referência e avaliar os riscos
ambientais por forma a determinar o tipo de garantia a constituir, designadamente mediante a: 1)
identificação dos cenários de risco ambiental; 2) estimativa dos custos de reparação associados a cada
cenário de risco; eà à a a te izaç oà estadoà i i ial à asà e te tesà a a gidasà po à esteà egi eà gua,à
solo e espécies e habitats protegidos).
275
Aponta a título de exemplo: Espanha; Holanda; Suécia;
276
BOCKEN, Hubert, Environmental Law Review, Financial Guarantees in environmental liability (…), p.
155.
67
estabeleceu a data a partir da qual estas se tornam obrigatórias277 no ordenamento
jurídico português.
4.2 Categorias de garantias financeiras
Posto isto, passamos à análise do nº 2 do artigo 22º onde constam as categorias
de garantias financeiras previstas na nossa lei portuguesa. Com efeito, a Diretiva
também não impunha aos legisladores nacionais uma lista taxativa de garantias
financeiras que estes deveriam incorporar no seu Direito nacional. No seu artigo 14, nº
2, in fine, prevê-se278 que a Comissão possa fazer, quando achar conveniente, uma
proposta para criar ou desenvolver um siste aàha
o izadoàdeàga a tiasàfi a ei asà
o igató ias . Até que tal suceda, temos as garantias financeiras que o legislador
português achou por bem prever no texto legal. Sendo que, in concretu, temos
elencados no artigo 22, nº 2, não hierárquica, a subscrição de apólices de seguro, a
obtenção de garantias bancárias, a participação em fundos ambientais e, por último, a
constituição de fundos próprios reservados para o efeito.
4.3 Princípio da exclusividade
Atentando agora sobre o artigo 22º, nº 3, constata-se a consagração do
princípio da exclusividade ueà dete
i aà ueà asà ga a tiasà não podem ser desviadas
para outro fim à e à pode à se à o je toà deà ual ue à o e aç o,à totalà ouà pa ial,à
o igi
iaà ouà supe e ie te . Com isto, pretendeu o legislador conferir uma maior
utilidade à garantia, pois pouco ou nada valeria, se estas pudessem ressarcir outros
credores que não a Agência Portuguesa do Ambiente, não cumprindo assim, o seu
desíg ioàdeà epa aç oàa
ie tal .à
5. Seguros
5.1 Noção
Pese, embora, o facto de o seguro (ou insurance279) se definir não por meio de
uma clássica noção, mas antes por meio da definição do seu contrato, seguimos
277
No caso português, a garantia financeira obrigatória é exigível a partir de 1 de janeiro de 2010 nos
termos do artigo 34.º do DL 147/2008.
278
Por referência à expressão: ifàapp op iate – na versão da diretiva em Inglês.
279
Para uma definição latu sensu anglo-sa ó i a,àsegu doàHáRDIàIVáNI,à a contract of insurance in the
idestà se seà ofà theà te à a à eà defi edà asà a o t a tà e e à o eà pe so ,à alledà theà I su e ,à
68
MOITINHO DE ALMEIDA, segundo o qual o contrato de seguro se define como sendo
a ueleà e à ueà u aà dasà pa tes, o segurador, compensando segundo as leis da
estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento
de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o
segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana,
entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites
convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratandoseà deà p estaçõesà aà ealiza à e à dataà i dete
i ada
280
. De facto, o esquema tipo do
seguro assenta no pagamento de um prémio281, por parte do tomador, ao qual
corresponderá a correspetiva assunção da obrigação de cobertura de risco 282, sendo
que, caso esse risco se venha a materializar, é designado na terminologia dos seguros
como um sinistro, que dará azo a que a obrigação de cobertura de risco se transmute
numa obrigação de indemnizar. Para além disto, devemos destacar certas
caraterísticas intrínsecas no contrato de seguro, designadamente, quer a
aleatoriedade283, quer a mensurabilidade, para além de perceber que, no que
concerne à sua ratio, segundo MENEZES CORDEIRO, oà segu oà te à u aà fu ç oà
financeira, prosseguida, no essencial, através de uma gestão científi aàdoà is o
284285
.
undertakes, in return for the agreed consideration, called theà P e iu ,à toà pa à toà a othe à pe so ,à
alledàtheàássu ed ,àaàsu àofàMo e ,ào àitsàe ui ale te,ào àtheàhappe i gàofàaàspe ifiedàe e t , HARDY
IVAMY, E. R. , General Principles of Insurance Law, 5.ª Edição, Butterworths Insurance Library, Londres ,
1986, p. 3.
280
MOITINHO DE ALMEIDA, Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa
Editora, Lisboa, 1971, p. 23. BRUCK / MOLLER, VVG i, §1, P. 96, apud Lima Rego, p. 65. Segundo MOLLER
oà o t atoàdeàsegu oà àu à o t atoàpeloà ualàu àdosàcontraentes assume o risco dos casos fortuitos a
que uma coisa se expõe, obrigando-se perante o outro contraente a indemniza-lo do prejuízo que esses
casos fortuitos lhe causarem, se acontecerem, por uma quantia que o outro contraente lhe dá, ou se
obriga a dar-lhe,à o oàp eçoàdoà is oà o à ueàoào e a .
281
O prémio é a contrapartida da cobertura acordada e inclui tudo o que seja contratualmente fixado
como devido pelo tomador do seguro: a cobertura do risco, os custos de aquisição, de gestão e de
cobrança e osàe a gosà o àaàe iss oàdaàapóli e à f .àá t.à / àRGá“.àMENE)E“àCORDEIRO,àá tó io,à
Direito dos Seguros, AAFDL, Lisboa, 2013, p. 518.
282
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros,àááFDL,àLis oa,à
,àp.à
.àE si aà ueà o i à
um risco é obrigar-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório
p e istoà oà o t ato,àistoà ,àpaga àaài de izaç o .à
283
A primeira, pode ser encarada como a ocorrência de um evento futuro e incerto. Segundo PAVELEK,
o eptoàfu da e talàdeàtodoàsegu oà ueàseàdefi eà o oàlaàp o a ilidadeàdeà ueàa aez aàu àhe hoà
i ie to .àPo àissoà es o,àoàauto àdefe deà ueà oàte d ia à a idaàlasà o ta i a io esàa tíguasàe àlasà
que el co eptoà aleató ioà seà h à pe dido , PAVELEK, Eduardo, Insurability of Environmental Risks,
Gerencia de riesgos, n.º 46, 2º trimestre, Madrid, 1994, p. 7.
284
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2013, p. 542.
69
Uma vez vista a definição e o escopo do seguro, devemos precisar que, de um ponto
de vista técnico, este não pode ser qualificado jurídico-dogmaticamente como sendo
uma garantia financeira286 strictu sensu, não obstante, ainda assim, para os efeitos de
simplificação, trataremos o seguro como uma garantia financeira latu sensu prevista
no DL 147/2008, isto, porque cumpre uma função idêntica às demais garantias strictu
sensu287, para além de ser prática comum entre a doutrina.
5.2 Caraterísticas e problemas dos seguros (ambientais)
Ora bem, sabendo que o seguro se presta genericamente a uma gestão científica
do risco, segundo ABRAHAM, concretamente, o seguro tem uma função de
transferência de risco i su a eàtransfers risk from parties who are comparatively risk
adverse to enterprises more willing to risk . Para além de uma função de dispersão do
risco ( spreads risks i à aà poolà eatedà
alocação do risco, pe fo
à theà i su e
, bem como de uma função de
sà aà risk-allocation function by charging premiums that
efle tà theà le elà ofà iskà posedà
à ea hà i di idualà o à e te p iseà thatà isà i su ed
288
.
Segundo FREEMAN e KUNREUTHER, os seguros têm cinco características que os
tornam eficientes em relação à gestão do risco (risk management): a capacidade para
disseminar o risco (risk spreading); a capacidade para reduzir a variabilidade do risco
(variance reduction), isto é, sucintamente, os mercados de seguros existem porque,
por norma, as companhias fornecem um grande número de apólices cujas perdas são
independentes umas das outras; a segregação do risco (risk segregation); o facto de
encorajar o fenómeno de lossà edu tio à easu es , bem como, ainda, o facto de se
285
A propósito do risco, a perspetiva económica utilitarista refere que o principal argumento para optar,
genericamente, por assegurar um risco, defende que thei à utilit à a à eà i easedà i à aseà ofà lossà
spreading or if the small probability of a large loss is taking away from the injurer in Exchange for the
e tai t àofàaàs allàloss ài à FAURE, 2001, p.4.
286
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities (…), p. 6.
287
E à se tidoà o t io,à i su a eà o t a tsà ustà eà disti guishedà f o à pe fo a e bonds and, in
particular, guarantee contracts, which may be contracts of indemnity but not insurance contracts à
segundo CLARKE, Malcom, The Law of Insurance Contracts, LLP – Llo d’sà ofà Lo do à P essà Ltd.,à
Cambridge, 1989, p.7.
288
ABRAHAM, Kenneth, Environmental liability and the limits of insurance, Columbia Law Review, 1988,
p. 946.
70
mostrar apto para (subrogar-se à Administração nas competências de) monitorizar e
controlar o comportamento do assegurado (monitoring and control)289.
5.3 Classificação
Em boa verdade é possível classificar os seguros de variadas formas, contudo,
vamos apenas distingui-los com os critérios que melhor servem o nosso objetivo. Em
primeiro lugar, diz a doutrina portuguesa que se agrupam genericamente em seguros
de danos e seguros de pessoas290 conforme consta da sistematização do DL 72/2008.
Em segundo lugar, quanto à faculdade em processar a seguradora diretamente, iremos
dividir os seguros em first party e third party (ou liability insurance) seguindo a
terminologia de doutrina estrangeira. Assim, genericamente, devemos esclarecer que,
quando se fala em first party, estamo-nos a referir à pessoa que compra o seguro, isto
é, o assegurado. Já a second party, i.e., a segunda parte, será a companhia de seguros
e, por fim, a third party (terceira parte) que é a pessoa/parte e/ou a propriedade da
mesma que foi danificada (sofreu um dano), que é ou são assegurados; depois de a
empresa seguradora haver verificado, irá compensar a terceira parte291. LIMA REGO
explica que o critério que preside a esta distinção é precisamente sa e à ue à à oà
desti at ioàúlti oàdaàp estaç oàe àdi hei o
292
. Pelo que, podemos ter uma ideia de
como se define o First party insurance293 (FPI), atentando sobre a noção de FAURE que
diz, a propósito daquele, que isàaàs ste à he e àtheài su a eà o e ageàisàp o idedà
and compensation is awarded directly by the insure àtoàtheà i ti
294
. Ora bem, neste
caso, a vítima procura indemnização diretamente ao segurador, ou seja, devemos ter
289
FREEMAN, Paul e KUNREUTHER, Howard, Managing Environmental Risk Through Insurance,
International yearbook of Environmental and Resource Economics, Edward Elgar Publishing Ltd.,
Londres, 2003, p. 8.
290
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, AAFDL, Lisboa, 2016, p. 793.
291
Pegando no exemplo de escola do seguro automóvel, diremos que, em sede de seguro automóvel, a
third party insurance cobre o dano causado pelo veículo a terceiros em caso de acidente. Não havendo
qualquer indemnização destinada ao assegurado, ou seja, este paga um premio menor ao qual
corresponderá um menor espetro de danos abrangidos.
292
LIMA REGO, Margarida, Contrato de Seguro e Terceiros, Almedina, Coimbra, 2010, p. 650.
293
PRIEST afirmou que a crise dos anos 80 no ramo dos seguros se deveu precisamente ao facto de que
se operou uma migração dos seguros first party para os seguros third party. theàá e i a àlia ilit àa dà
insurance crisis was caused by a shift from first party to third party insurance (FAURE FAURE, Michael,
The White Paper on Environmental Liability: Efficiency and Insurability Analysis, Environmental Liability,
VOl 4, 2001, p. 59. apud PRIEST, G, The current insurance crisis and modern tort law, Yale Law Journal,
VOL 420, 1987, 1521-1590.
294
FAURE, Michael, The White Paper on Environmental Liability: Efficiency and Insurability Analysis,
Environmental Liability, VOl 4, 2001, p. 16.
71
em atenção o facto de que o pagamento (por parte da seguradora) é feito a um
estranho, isto é, a um não segurado. A título de curiosidade, referimos o exemplo da
combinação daqueles dois tipos, isto é, um
i àdeàfi stàpa t à o àdi e tài su a e
295
.
De facto, na Holanda, os seguradores escolheram fornecer cobertura aos sítios
poluídos assente numa base de primeira pessoa (first party), tendo como fundamento,
a ideia de que este modelo substituiria o modelo tradicional de e i o
i su a e
296
e talàlia ilit à
. Em terceiro lugar, o contrato de seguro pode provir de uma parte
(seguros individuais), ou seja, surgir isoladamente, ou, de modo diverso, surgir
conjuntamente, sendo que, a este propósito LIMA REGO designa-as como relações
plúrimas de seguro297. Com efeito, a Doutrina arruma na supracitada categoria em que
há pluralidade de partes298, o cosseguro, o resseguro bem como o seguro de grupo,
sendo que, nesta gama, será ainda possível proceder à distinção entre contributivo e
não contributivo. Em relação ao cosseguro, que se encontra no nosso ordenamento
jurídico, por exemplo, no artigo 132.º, do Regime Geral Atividade Seguradora, que o
define como aà assu ç oà o ju taà deà u à is oà po à
iasà e p esasà deà segu os,à
denominadas seguradoras, de entre as quais uma é a líder, sem que haja solidariedade
entre elas, através de um contrato de seguro único, com as mesmas garantias e
período de duração e com um p
ioà glo al
299
, sendo que, genericamente, diz a
doutrina que a figura é admitida em todos os ramos300. Quanto a nós, entendemos que
o cosseguro reflete bem a ideia de risk pooling e correspetivo risk spreading, devendo
ser incentivado a nível de política legislativa. Por outras palavras, no dizer de MONTI, o
risk pooling é no fundo, theà pla e e tà ofà theà iskà i à aà poolà ofà ho oge eousà utà
independente risk allows the insurer to spread the risk and to benefit from the law of
295
FAURE, Michael, The White Paper on Environmental Liability (…), p. 32.
FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of Environmental Liability – Report,
ECTIL – European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht University, 2000, p. 181.
297
LIMA REGO, Margarida, Contrato de seguro e terceiros … , p. 778.
298
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos seguros, 2016, … ,àp. 777.
299
ou, se seguirmos a letra do preâmbulo do DL 301/85 de 29 de julho, constatamos que este define o
ossegu oà o oàse doà aàpa ti ipaç oàdeà iasàsegu ado asà aàga a tiaàdeàum mesmo risco, através de
um acordo prévio de vontade entre todas as partes intervenientes, assumindo cada uma das
seguradoras uma quota-pa teàdoà is oà o e toàouàdoà apitalàga a tido .
300
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos seguros,
,à … , p. 778.
296
72
la geà u
es
301
, logo, pela mesma ordem de razão, devemos preferir que haja este
fenómeno de risk spreading se e quando melhorar ou lograr a resposta ao problema
de ressarcir o dano ecológico. Quando se trate desta última forma, estaremos então a
fazer menção a uma situação em que há uma pluralidade de partes. Para além de que,
devemos salientar que se esta
o ju ç oàdeà
iosàsegu ado esà u à es oàsegu oà
dá azo a uma (pequena) o ga izaç o,àe t eàeles sendo que, no fundo, podemos dizer
que
ep ese taà u aà t
i aà deà f a io a e toà ouà epa tição dos riscos bastante
utilizadoà ua doàesteja àe à ausaàda osàdifusosàeàdeà o ta teàele ado
ainda mencionamos o cosseguro comunitário
303
302
. Por fim,
, definido legalmente no artigo 70º
LCS como sendo a situação onde h à aà o e tu aà o ju taà deà u à is oà por vários
seguradores estabelecidos em diferentes Estados membros da União Europeia,
denominados co-seguradores, de entre os quais um é o líder, sem solidariedade entre
eles, através de um contrato de seguro único, com as mesmas garantias e idêntico
períodoà deà du aç oà eà o à u à p
ioà glo al .à Em suma, é facilmente compreensível
que, em sede de responsabilidade ambiental, grosso modo, em virtude do facto de se
lida à o à valores particularmente elevados que a reparação dos danos ambientais
envolve
304
, ALBUQUERQUEàMáTO“àe te deà ueàte à g a deàutilidade ,àaoà ueà ósà
acrescentamos, devendo ser incentivado em sede de política-legislativa. No fundo, o
raciocínio em causa é bastante simples, quanto maior for o spread out do risco,
melhor, logo, o cosseguro, enquanto expoente máximo do spreading out, deverá ser
incentivado. Para além de que, não formulamos qualquer objeção ao facto de se
concatenar quer cosseguro, quer resseguro. Em segundo lugar, nos termos da lei
portuguesa, concretamente o artigo 72º da LCS define o resseguro como oà o t atoà
mediante o qual uma das partes, o ressegurador, cobre riscos de um segurador ou de
out aà essegu ado , sendo que, o próprio ressegurador pode ressegurar os riscos que
301
MONTI, Alberto, Environmental Risks and Insurance – A comparative analysis of the role of insurance
in the management of environment-related risks, OECD, Paris, 2002, p. 5.
302
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p.779.
303
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, AAFDL, Lisboa, 2016, p. 777.
304
ALBUQUERQUE MATOS, Filipe, Danos Ambientais / Danos Ecológicos, O Fundo de Intervenção
Ambiental, Risco Ambiental – Atas do colóquio de homenagem ao Senhor Professor Doutor Adriano Vaz
Serra, realizado em 27 de fevereiro de 2015, Coord., Jorge Sinde Monteiro, Mafalda Miranda Barbosa,
Instituto Jurídico, Coimbra, 2015, p. 78.
73
recebeu: trata-se de retrocessão305. Segundo MENEZES CORDEIRO, o resseguro é um
contrato de seguro pelo qual o segurador transfere para outro segurador – o
ressegurador – total ou parcialmente, o risco de ter que ressarcir um sinistro306. Em
boa verdade, os resseguradores estão muito próximos das seguradoras, fazendo uma
esp ieàdeà segu oàaoàsegu o .àDeàfa to,àj à ua toàaàsa er como se distingue entre um
cosseguro e um resseguro, podemos afirmar que o pool de cosseguro tem o escopo de
assumir a totalidade dos riscos colocadas pelas aderentes, enquanto o pool de
resseguro apenas assume determinada parcela do risco que pode, eventualmente,
chegar à totalidade, sendo que a cedente aderente assume a sua parte pelo risco. Ora
bem, salvo melhor opinião, desde o ponto de vista das seguradoras, é-lhes mais
conveniente assumir o risco de forma coletiva e não de forma individualizada, pelo
facto de que, deste modo, conseguem dividir (ou mitigar), entre si, riscos. Assim,
existirá aqui um spread out vertical em vez de horizontal, como sucede no caso do
cosseguro. Pelo que, anuímos com a posição de ALBUQUERQUE MATOS quando afirma
ueàseàt ataàdeàu aà a tage
àpa aàasàsegu ado asà e o e à àfigu aàdoà essegu o 307.
Em terceiro lugar, mencionaremos o contrato de seguro de grupo, cuja definição se
encontra na letra do art. 76º da LCS, onde se diz que é aquele que
o eàosà is osàdeà
um conjunto de pessoas, ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o
de segurar . Ora, segundo MENEZES CORDEIRO, quando há um seguro de grupo, existe
u aà elaç oàe t eàosàpa ti ipa tesà oàgrupo (os segurados) e o tomador: trata-se de
uma relação de natureza discutida, mas que desemboca na figura da prestação de
serviço e do mandato, por outro lado, uma relação de seguro entre o tomador e o
segurador
308
. Para além de que, em boa verdade, o seguro de grupo é um contrato e
305
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2013, p. 729.
Em termos simples: elà easegu a ie toà esà laà o t ata io à deà u à segu oà po à pa teà deà u aà
assegu ado a , VAZQUEZ, Mayela, CRUZ, Adán, Seguros y Fianzas Ambientales, Instituto Nacional de
Ecología, México, 2007, p.3.
307
ALBUQUERQUE MATOS, Filipe, Danos Ambientais/Danos Ecológicos, O Fundo de Intervenção
Ambiental, Risco Ambiental, Atas do colóquio de homenagem ao Senhor Professor Doutor Adriano Vaz
Serra, realizado em 27 de fevereiro de 2015, Coord. Jorge Sinde Monteiro, Mafalda Miranda Barbosa,
Instituto Jurídico, Coimbra, 2015, p. 79.
308
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 785.
Note-se que a nossa lei distingue na letra do artigo 77.º LCS entre as modalidades de seguro de grupo
contributivo e seguro de grupo não contributivo.
306
74
não uma união ou um agregado de contratos309. Segundo LIMA REGO, nos verdadeiros
seguros de grupo, resulta da lei que, oàde edo àdoàp mio do seguro será o tomador
doàsegu o
310
. Por fim, uma nota para o sobresseguro, que se encontra positivado na
LCS, concretamente no art. 132º. Todavia, note-se que,
e à
ueà oà alo à doà i te esseà segu oà
e te di e toàdaàju isp ud
oà àapli
oà sejaà aà p io ià dete
elàaosà o t atosà
i
el
311
. No
ia,à há situação de sobresseguro sempre que, ab initio,
ou no decurso do contrato, o objeto do seguro tenha um valor inferior ao declarado, ou
seja,àu à alo ài fe io à
ueleàpeloà ualàseàe o t aàsegu o
312
. Por outras palavras, a
doutrina trata o sobresseguro como sendo a regra segundo a qual, perante a
ocorrência de um sinistro, a prestação a cargo do segurador não pode exceder o valor
do interesse em causa313.
5.4 Questões
5.4.1 A questão da obrigatoriedade de fornecer produtos financeiros – seguros
ambientais
Nesta sede, em relação à questão de saber se, de facto, é possível obrigar as
seguradoras a fornecer seguros para dano ecológico, seguimos FAURE quando salienta
que theà poli à
ake à shouldà otà o l à i t odu eà aà dut à fo à i dust à toà takeà outà
mandatory liability coverage, but also a duty for insurance companies to ac ept
314
. Em
seguida, também em sede de Direito comparado, tomando por exemplo a legislação
finlandesa, em que existe um comando normativo que determina para o segurador a
obrigatoriedade de facultar, rectius, comerciar, um seguro do tipo EDI315. Daí que,
efetivamente, a nossa posição tenda no sentido de admitir que o Estado possa impor
legalmente a comercialização de seguros ambientais316. Apesar de que, na nossa
309
LIMA REGO, Margarida, Seguros coletivos e de grupo, Margarida Lima Rego, Coord., Temas de Direito
dos Seguros, 2.ª Edição (revista e aumentada), Almedina, Coimbra, 2016, p. 426.
310
LIMA REGO, Margarida, Seguros coletivos e de grupo … ,àp. 437.
311
Neste sentido, COSTA OLIVEIRA, Arnaldo, ROMANO MARTINEZ, Pedro, Lei do Contrato de Seguro
Anotada, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 450.
312
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 27/04/2015, Ref. Processo 249/14.9TJPRT.P1.
313
MENEZES CORDEIRO, António, Direito dos Seguros, AAFDL, Lisboa, 2016, p. 806.
314
FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of Environmental Liability, Report,
ECTIL – European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht University, 2000, p. 154.
315
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities (…), p. 22.
316
Tome-se como exemplo as seguradoras dos Estados Unidos que, durante o pós crise de 2008,
subiram para o Top 10 de empresas com maiores lucros.
75
realidade comercial já temos vários seguros de responsabilidade ambiental em
Portugal, caso não houvesse, de lege ferenda, assumíamos como válida e legítima essa
possibilidade317.
5.4.2 A questão das seguradoras enquanto policeman
Aqui chegados, cumpre indagar acerca do papel das seguradoras enquanto
vigilante ambiental, ou, se se preferir na terminologia anglo-saxónica, as situações em
que theà i su e à e o esà theà e i o
posição contrária dizendo que
e talà poli e a
theà i su a eà i dust à
uncomfortable and i app op iateà positio à ofà e i o
318
. MONTI mostra uma
ouldà eà pla edà i à theà
e talà poli e a
319
. Quanto a
nós, tendemos a não concordar com o autor pelo facto de acharmos que pode ser uma
posição bastante confortável e apropriada. Confortável porque a sociedade tem
apreço por empresas verdadeiramente ecofriendly, apropriada pelo facto de constituir
um nível primário ou complementar de vigilância. Uma vez admitida a execução destas
tarefas pelas seguradoras, parece-nos também admissível que esta possa atuar
sozinha ou em conjunto com uma entidade administrativa (v.g. APA) ou uma entidade
privada que realize monitorizações, inspeções ou auditorias320. Diga-se que,
genericamente, FREEMAN & KUNREUTHER falam a este propósito so eà i su a eà
oupledà ithà thi dà pa t à i spe tio s
321
.à Co à efeito,à under first party and direct
i su a e , o segurador pode utilizar todos os instrumentos de monitorização ex ante
e ex post para verificar a e ologi alà elia ilit
traria ou acarretaria
do operador particular – algo que já
opti alà i e ti esà fo à p e e tio
322323
. Noutro plano, se
admitimos supra que as seguradoras devem regular os operadores (players), também
nos parece lógico admitir que os operadores (aqui entendidos como players do
317
Em se tidoà o t io:à he eàtheà a ketàdoesà otàspo ta eousl àoffe ài su a e,àitàofte àdoesà otà
akeà se seà fo à theà go e
e tà toà e ui eà it .à ád-Hoc INDUSTRY – Natural Resource Management
Group, White Paper – Environmental liability funds in the contexto of the european union liability
directive, Brussels, 2012, p. 10.
318
FAURE, Michael, Managing environmental risk through insurance (…), p. 48.
319
MONTI, Alberto, Environmental risks and insurance (…), p. 17.
320
Quanto a nós, preferimos não complicar as questões técnicas de saber o alcance das tarefas de
inspecionar, monitorizar e auditar pelo que, grosso modo, equivalerão a inspecionar.
321
FREEMáN,àPaul,àKUNREUTHER,àHo a d,àMa agi gàE i o e talàRiskàTh oughàI su a e,à … ,àp.à .à
322
FAURE, Michael, The White Pape ào àE i o e talàLia ilit :àEffi ie àa dài su a ilit à … ,àp.à .
323
ABRAHAM, Kenneth, Environmental liability and the limits of insurance, Columbia Law Review, 1988,
p. 947. Refere que a classificação do risco, designadamente a outorga de um rating, é uma forma de
monitorização.
76
mercado) se devem regular (no sentido de partilhar informação ao segurador) todos os
players do mercado sabem que têm regulamentação X para cumprir, ora, quem não
cumpre terá menores custos de transação legais, logo, obterá melhores condições
para competir com os players cumpridores. A ser assim, fará todo o sentido que estes
se vigiem uns aos outros e controlem o cumprimento legal de todos os envolvidos324.
5.4.3 As seguradoras, o risco moral e o duplo controlo
Aqui chegados, colocamos uma maior ponderação sobre certos argumentos,
porque mais relevantes na nossa ótica para o bona publica ambiente, o risco moral do
segurado e o duplo controlo. De um lado, o problema do risco moral (moral hazard),
surge como a grande desvantagem do seguro (enquanto modalidade de garantia
financeira) ao passo que, de outro lado, o duplo controlo poderia ser a grande
vantagem da (preferência pela) utilização dos seguros ao nível da política legislativa.
De facto, BERGKAMP refere que as técnicas mais utilizadas para reduzir o risco moral,
sobretudo em sede de seguro contra todos os riscos (seguro first party), são os
dedutíveis, (deductibles), cosseguros (co-insurance), tectos indemnizatórios (caps),
exclusões
(exclusions),
diferenciações
no
montante
do
prémio
(premium
differentiation), bónus/malus mechanisms, uma vez que, como o mesmo autor refere,
nos third party, não pode utilizá-los contra as vítimas, mas apenas contra o ou os
segurados325. Na prática, seria acometida aos seguros, por lei, a incumbência de
vigiarem os seus segurados326. Daqui, diga-se que, se houver um pool nacional de
seguros, os custos iriam diluir-se (spreading out) por mais membros, do mesmo passo
que, por maioria de razão, caso houvesse um pool de seguros ibérico, ainda ganhariam
mais com isso, havendo também o expectável aumento de controlo. Claro que, tal
incumbência, não obnubila uma paralela ou conjunta vigilância com a APA (entidade
com a competência nesta matéria). Ora bem, um segundo argumento, que serve para
324
Contudo, como poderá haver uma tentação para práticas de conluio e/ou fraudulentas, devemos
fazer notar que será necessário um controlo estadual (por exemplo: recorrendo às agências – a nova
moda do Direito regulador administrativo.
325
BERGKAMP, Lucas, Environmental Risk Spreading and Insurance, RECIEL n. º12, Blackwell Publishing,
2003, p.273.
326
A questão das seguradoras enquanto policeman – é abordada por FREEMAN & KUNREUTHER onde
efe e à ueà i su e sà alsoà p o idesà aà aluable function by monitoring the activities of their
poli holde s à dize doà ai daà ue:à o ito i gà a à eà asà si pleà asà e f i gà d i i gà e o ds,à o à asà
o pli atedàasài spe ti gà a ufa tu i gàfa ilities àp.à .
77
reduzir a gravidade do fenómeno do risco moral, seria o facto de ser possível utilizar a
expropriação327 administrativa enquanto sanção a uma empresa incumpridora, logo, o
evitamento da extinção e (eventual) inibição de continuar atividades poluentes (anexo
III) e, quiçá outras (– não anexo III), seria o grande incentivo ao cuidado, ou seja, ou
tem cuidado, ou é extinta pela Administração328. Todavia, no caso dos seguros, existe
um mecanismo que poderia amenizar bastante a situação de risco moral, utilizando
u àes ue aàdeà self insurance as deductibles
329
.
5.4.4 As seguradoras e a política ambiental
Noutro prisma, em virtude do facto de haver uma consagração legal de um
regime de responsabilidade objetiva, há, também, lugar à obrigatoriedade de
constituir seguro330. Facto esse que conduz certa doutrina a alertar para o facto de que
oà segu oà podeà o e te -se num instrumento muito perigoso nas mãos das
companhias de seguros capazes de dirigir a política industrial de um Estado ao gozar
indiretamente do poder de autorização das atividades submetidas ao seguro
o igató io
331
. Para além de haver, ainda, outra doutrina que alerta para o faco de os
seguros obrigatórios
u aà se convertirán en una respuesta absoluta para hacer
frente a los desmanes medioambientales antíguos, la acumulación de produtos tóxicos
…
332
. Portanto, para evitar este fenómeno, deverá o Estado assumir um papel
regulador do mercado dos seguros, claro que não é o mesmo que afirmar que este
deva, de igual modo, assumir os custos administrativos de supervisão dos
operadores333. Ora bem, por um lado, podemos pensar que as seguradoras podem
querer mais players em jogo para pulverizar o risco, conferindo vários seguros, por
outro lado, podemos admitir a hipótese de quererem estancar o acesso à atividade e,
327
Ou posse administrativa.
Axiologicamente, talvez fosse adequado imbuir o sistema com o princípio da precaução. Ainda que
não seja desproporcional se se admitir o atual princípio da prevenção como base jurídica.
329
áà dedu ti leà isà a à i su a eà poli à isà aà su à thatà theà i su edà i di idualà ustà pa before being
o pe satedàfo àaà lai . KRUGMAN, Paul, Wells, Robin, Microeconomics, third edition, W.H. Freeman,
2012, p. 562. Também BERGKAMP dá conta de alguns mecanismos que podem atenuar o risco moral.
330
O que, por conseguinte, obriga também a que se admita que o Estado possa obrigar os seguradores a
comercializar estes seguros.
331
Tradução livre de GOMIS CATALÁ, … , p. 284.
332
PAVELEK, Eduardo, Insurability of Environmental Risks, Gerencia de riesgos, n.º 46, 2º trimestre,
Madrid, 1994, p. 6.
333
Não obstante, apesar de propormos competências autónomas, a colaboração entre Estado e
Seguradoras é essencial para que haja mais eficiência (vg. troca de informação).
328
78
assim, não ter qualquer probabilidade de pagar a mais um player potencialmente
poluidor334. Da nossa parte, entendemos que será aqui que a intervenção do Estado
poderá ajudar a suprir eventuais ineficiências do sistema de seguros obrigatório, ao
supervisionar a atividade seguradora e ao regular no sentido de ter um regime de
licenciamento
ambiental
tendencialmente
espartano
e
um
regime
de
contraordenações ambientais tendencialmente draconiano. Desta forma, concluímos
que os seguros devem ser de preferir pelo legislador por entendermos que o duplo
controlo335 (vg. fiscalização técnica de peritos a mando de seguradoras e fiscalização
técnica da APA), que, no nível de controlo das seguradoras, tanto pode ser uma
(hipótese académica) como podem ser, por exemplo, dez seguradoras (vg. pool). Neste
sentido, FAURE refere, lapidarmente, que
i su a eà isà lea l à theà p efe edà
inst u e tà o pa edàtoàtheàothe àgua a teesà hi hàtheàope ato à ouldàtake
336
.
6. Garantia bancária e outras figuras
6.1 Noção e ratio
Para definir o que é uma garantia bancária337 ou garantia autónoma338 podemos
recorrer à clássica definição de GALVÃO TELLES, segundo a qual, a garantia autónoma
àaàga a tiaàpelaà ualà oà a oà ueà aàp estaàseào igaàaà paga àaoà e efi i ioà e taà
quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado
contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de
defesaà ela io adosà o àesseà o t ato
339
. No mesmo sentido, aponta a definição da
autoria de ANTUNES VARELA quando diz que a garantia autónoma pode ser,
genericamente, definida como oà o t atoà o e osoà e à ueà algu
à oà ga a te,à
334
Numa situação falamos do controlo do acesso à atividade (Anexo III), ao passo que, na outra situação,
falamos do controlo sobre a atividade (Anexo III).
335
Aqui, por nós entendido como ultrapassando a mera sub-rogação no controlo.
336
FAURE, Michael, PEDRAZA, Julia, Compulsory Financial Guarantees for Environmental Damage … ,à
p.12.
337
A garantia autónoma é um negócio de garantia pessoal que, segundo MENEZES LEITÃO, à po à ezesà
desig adaà po à ga a tiaà a
iaà autó o a,à e à i tudeà deà se à f e ue te e teà p estadaà po à a os .
MENEZES LEITÃO, Luís, Garantia das Obrigações, 2.ª Edição, Coimbra, 2008, p. 140.
338
Devemos salientar o facto de que a garantia se diz autónoma por não depender de qualquer
contrato, rectius, do contrato-base. Ou seja, porque não lhe são oponíveis as exceções relativas à
relação principal. Para além disso, diz-se ainda que é bancária pelo facto de ser prestada por uma
instituição bancária. Não obstante, ser perfeitamente possível que a garantia seja prestada por uma
outra instituição financeira.
339
GALVÃO TELLES, Inocêncio, Garantia Bancária Autónoma, Edições COSMOS -Livraria Arco-Íris, Lisboa,
1991, p. 22.
79
geralmente a instituição bancária ou a seguradora de créditos) assume perante o
credor o dever de assegurar o pagamento da dívida de terceiro, independentemente da
alidadeà ouà efi
iaà daà elaç oà o t atualà ueà se eà deà fo teà aoà
dito
340
. Em
seguida, podemos afirmar que a ratio da figura consiste em garantir pessoalmente a
satisfação de uma obrigação assumida por terceiro341, independentemente da validade
ou eficácia desta obrigação e dos meios de defesa que a ela possam ser opostos,
assegurando assim que o credor obterá sempre o resultado do recebimento dessa
prestação342. Não obstante, a sua caraterística primacial reconduz-se ao facto de ser
automática343. Relativamente ao funcionamento da garantia bancária, podemos dizer
que esta representa uma relação jurídica contratual entre o banco e o devedor
principal cujo conteúdo se manifesta em três obrigações. Assim, a primeira obrigação
será emitir uma carta de garantia e está a cargo do banco, a segunda obrigação que se
traduzirá em pagar uma comissão ao banco está incumbida ao dador da ordem, sendo
que, por fim, a terceira obrigação consistirá em reembolsar o banco, o que,
naturalmente, é responsabilidade do devedor principal.
6.2 Espécies
Relativamente às espécies de garantias bancárias doutrinariamente consagradas,
temos, designadamente, a garantia bancária strictu sensu, a letra de crédito e o aval
dado por entidade que não seja parente344. Segundo BOCKEN, a maioria dos sistemas
legais reconhecem sobre o nome de guarantee, suretyship, indemnity, caution, aà
security mechanism consisting in a promise by a third party to assume certain
o ligatio sà i à theà e e tà ofà defaultà ofà theà de to
345
. Primeiro, na categoria das
garantias bancárias strictu sensu, podemos encontrar dois grandes tipos de garantias.
De um lado, temos a garantia autónoma simples, do outro lado, temos a garantia
autónoma à primeira solicitação346. Em relação à primeira, a quantia acordada é
340
Noção de ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações,àVOLàII,à … ,àp. 515.
À semelhança da fiança, a garantia autónoma tem natureza contratual, sendo um negócio causal na
medida em que comporta em si uma função económico-social própria: a função de garantia.
342
MENEZES LEITÃO, Luís, Direito das ga a tias,à … ,àp.à
.
343
GALVÃO TELLES, Inocêncio, Garantia Bancá iaàáutó o a,à … ,àp. 18.
344
Por exemplo, que não esteja na mesma holding que a empresa à qual vai prestar o aval.
345
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD (…), p. 162.
346
Garantia pessoal constituída por contrato celebrado entre uma pessoa (mandante) e um banco
(garante), a favor de um terceiro (beneficiário) na qual o banco obriga-se a pagar ao beneficiário um
341
80
imediatamente exigível com a simples interpelação pelo beneficiário, nesse sentido,
sem que o banco possa pedir qualquer prova. A garantia diz-se autónoma porque o
garante não pode opor ao beneficiário as exceções que derivem da relação principal
existente entre o banco e o mandante, mas, apenas as que constem do texto da
garantia. A garantia diz-se automática porque a entrega da soma pecuniária pelo
garante é imediata347. A este propósito, devemos fazer notar que, no direito anglosaxónico, esta figura tem uma outra feição dogmática, pelo que, genericamente, é
possível afirmar que existem quatro tipos348. Segundo BAXTER, na terminologia anglosaxónica, o cliente (customer) é tido como o applicant ao passo que a pessoa em
relação à qual / ou em favor da qual se estabelece a obrigação é tida ou referida como
beneficiário (beneficiary)349. Por fim, também BAXTER afirma que a garantia bancária
(bank guarantee) àtida,à o àoàse tidoà o u ,à o oàu aà first demand guarantee àeà
não deve ser confundida com uma surety bond350. Na verdade, da nossa parte,
consideramos que a surety bond351 não deve ser admissível à luz dos nossos dados
legais352. Para fundamentar a nossa posição, utilizaremos a letra do artigo 22, nº 3, do
DL 147/2008 onde se estatui um princípio da exclusividade. Segundo, temos ainda que
referir quer a letra de crédito (letter of credit), que pode ser definida como uma
determinado valor pecuniário, podendo convencionar-se que realiza esse pagamento à primeira
solicitação (por isso é também designada como garantia on first demand).
347
Ver: JARDIM, apud, Francisco Cortez, A garantia Bancária Autónoma, Almedina, Coimbra, 2002, p.
536.
348
Quanto aos tipos de bonds que existem: There are four types of surety bonds: a) Bid Bond: Ensures
the bidder on a contract will enter into the contract and furnish the required payment and performance
bonds if awarded the contract; b) Payment Bond: Ensures suppliers and subcontractors are paid for work
performed under the contract; c) Performance Bond: Ensures the contract will be completed in
accordance with the terms and conditions of the contract. D) Ancillary Bond: Ensures requirements
integral to the contract, but not directly performance related, are performed .
349
BAXTER, Ian, The Law of Banking, 4.ª Edição, Carswell -Thomson professional publishing, Toronto,
1992, p. 188.
350
hi hàhasàtheàpu poseàofài de if i g,àfo àe e ple,àagai stàtheà ostàofà o pletio àofàaà o t a tài à
the event that there has been a default in pe fo a e BAXTER, Ian, The Law of Banking,à … , p. 185.
351
Uma definição em inglês a título de exemplo: áàsu et à o dàe su esà o t a tà o pletio ài àtheàe e tà
of contractor default. A project owner (called an obligee) seeks a contractor (called a principal) to fulfill a
contract. The contractor obtains a surety bond from a surety company. If the contractor defaults, the
surety company is obligated to find another contractor to complete the contract or compensate the
project owner for theàfi a ialàlossài u ed.
352
BOCKEN,àHu e t,àálte ati eà o pe satio às ste sàfo àe i o e talàlia ilities,à … , p. 18 Segundo
BOCKEN, a garantia bancária ou a surety bond é uma forma informal e flexível de garantia (security).
81
garantia pessoal que é adquirida nos bancos353, quer o aval354 dado por entidade fora
da holding (Corporate guarantees). Relativamente à sua base jurídica, devemos dizer
que esta se acha no artigo 22º, nº 2 em termos gerais pelo facto da forma verbal
Pode
conferir à norma uma amplitude maior, isto é, as quatro garantias elencadas
são uma lista meramente exemplificativa. Não obstante, não nos parece errado
subsumir na categoria das garantias bancárias quando se trate de um aval prestado
por entidade bancária355 (1) bem como, de igual modo, quando se trate de um aval
prestado por companhia do mesmo grupo (2) (vg. Holding), consideramos que se
pode àsu su i à aà constituição de fundos p óp ios .àNo fundo, segundo BOCKEN, o
denominador comum a estas garantias é a regra segundo a qual theào ligatio sàofàtheà
financial institution are independent from those of the principal debtor and from the
defe esàheà a ài oke
356
.
7. A Constituição de fundos próprios
7.1 Noção e ratio
Prima facie, um fundo próprio (self insurance) é um instrumento financeiro
titulado através de um ativo de uma empresa357 pelo que a constituição de fundos
próprios358 deve ser definida como o ato ou situação através da qual certo operador
passa a colocar certo património seu adstrito ao eventual pagamento de um montante
a título indemnizatório. De facto, esta realidade aparece no art 22, nº 2 do DL
147/2008, sendo que, no fundo, o que aí está em causa é a afetação de certos fundos,
aqui entendidos, em sentido lato, como capital, bens móveis e bens imóveis, que
foram constituídos como garantes do pagamento de indemnizações resultantes da
353
BOYD, James, Financial Assurance for Environmental Obligations: An analysis of Environmental
Bonding and Assurance Rules, Resources for the Future, Washington DC, 2001, p. 18.
354
este define-se como sendo o ato pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um
signatário – art. 30º da LULL – garante, por algum dos coobrigados no título, o pagamento da obrigação
pecuniária que este incorpora. Pelo que, tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento, pode
ele opor ao portador as exceções que competiam ao avalizado se o título cambiário estiver no domínio
das relações imediatas.
355
Poderá ser uma instituição financeira latu sensu pelo facto de também uma seguradora poder
comerciar este tipo de garantia.
356
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD, European Energy and
Environmental Law Review, 2009, p. 162.
357
A Agência Portuguesa do Ambiente, Responsabilidade Ambiental – Perguntas Frequentes,
https://www.apambiente.pt/index.php?ref=pf , consultado a 1 de Dezembro de 2016. p.12.
358
Segundo a APA, U à fu doà p óp ioà à u à i st u e toà fi a ei oà tituladoà at a sà deà u à ati oà daà
e p esa .
82
prevenção e reparação do dano ecológico. Analisando o exemplo de Espanha, vemos
que o art. 26º, da Ley 26/2007 apenas estabelece três categorias: apólice de seguro;
garantia bancária ou constituição de uma te h i alà ese e
359
, sendo esta última uma
designação para fundos próprios.
7.2 Espécies
Neste ponto, que concerne a apurar a base jurídica de várias espécies de fundos
próprios, entendemos ser admissível, em sede de constituição de fundos próprios360: o
depósito bancário (diferente de garantia bancária), as reservas de capital social, o aval
prestado por empresa da família, a hipoteca e o penhor (nas suas várias modalidades:
de ativos e de bens móveis), bem como a consignação de rendimentos. Na verdade,
podem ser encaradas como tratando-se de t aditio alàse u it ài te estsài ài
oà
o a leà p ope t
361
o a leà
. Para FAURE e GRIMEAUD, o depósito é uma quantia
garantidora que p o idesà p o eedsà i à theà fo
à ofà i te està i hà a eà etu ed,à fo à
exemple, when an operation is terminated on a place where da ageàhasào u ed
362
.
Já segundo PESTANA DE VASCONCELOS, podemos conceber a o depósito como a figura
em que Oà de edo à ele aà o à u à a oà ouà e e tual e teà ju toà deà u à out oà
sujeito que não um banco), como forma de assegurar o cumprimento de uma
obrigação sua (ou eventualmente de um terceiro) perante um credor, um contrato de
depósito, nos termos do qual a instituição de crédito deverá a quantia ao credor
garantido, se o garante incumprir a sua obrigação, ou, caso cumpra, restituir-lha363 .à
Por fim, em regra, o depósito é feito à ordem de uma agência estatal state agency (v.g.
APA) ou uma instituição financeira independente364. Em segundo lugar, as reservas de
359
PEDRAZA, Julia, DE SMEDT, Kristel, FAURE, Michael, Compulsory Financial Guarantees for
environmental damage – What can we learn from Spain Journal Environmental Liability, VOL 20, n. º6,
Maastricht University, 2013, p. 8
360
Em seguida, devemos distinguir a constituição de fundos próprios da participação em fundos, em
primeiro lugar, pelo facto de que ao passo que na primeira modalidade o património pertence ao
próprio (inclusive de forma mediata – através da holding), na segunda, o património é conjunto, ou seja,
há uma comparticipação do financiamento.
361
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD … ,àp.à
362
FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of Environmental Liability, Report,
ECTIL – European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht University, 2000, p. 190.
363
PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, Almedina, Coimbra, 2016, p. 558.
364
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD, European Energy and
Environmental Law Review, 2009, p. 161.
83
capital social (reserve365) são uma massa monetária do capital social que está
destinado a servir de garantia à eventual produção de um dano. Em terceiro lugar, o
aval (guarantees by parent company), prestado por empresa do mesmo grupo
empresarial, pode ser definido como sendo uma garantia pessoal das obrigações366.
Ora, como a ratio não se afasta muito do aval prestado por empresa não parente, que
foi anteriormente explicitado367, não vamos duplicar a explicação. Em quarto lugar,
surge a hipoteca368, que, na ótica de PESTANA DE VASCONCELOS, consiste num di eitoà
real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas
imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre
os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo nos
termos do artigo 686º CC . Destarte, bem se percebe que esta tem como caraterística
definidora o facto de destacar certos ativos do património geral do emitente que
passam a constituir um património autónomo afeto à garantia dessas obrigações369.
Mais à frente, desenvolveremos a Ideia da hipoteca enquanto garantia-punição370. Em
quinto lugar, na categoria do penhor, podemos separar entre a figura do penhor de
bens móveis que é uma figura jurídica prevista no art. 666º, nº 1 do CC que se traduz,
grosso modo, em conferir ao seu titular uma preferência na satisfação do seu crédito
pelo produto da alienação da coisa móvel, direito ou outro bem sobre que incida 371, e
o penhor de ativos (pledge of assets) é uma modalidade de penhor de direitos previsto
no artigo 679º ss., do CC, de cuja interpretação do artigo 680º resulta que o objeto do
penhor de direitos tem que ser coisa móvel suscetível de transmissão 372. Em sexto
lugar, importa salientar que BOCKEN equipara o consignment of funds com os escrow
365
O termo reserve pode ser encarado como sendo uma saving, reserve ou reservation. Não obstante,
para aquilo que aqui nos interessa, escolhemos a reserva enquanto reserve – ou seja, enquanto fundo
instituído para atender a eventuais despesas.
366
ROMANO MARTINEZ, Pedro, Garantias de Cumprimento, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p.
117.
367
Ver ponto relativo ao aval dado por entidade fora da mesma holding.
368
PESTANA DE VASCONCELOS, Miguel, Direito das Garantias, Coimbra Editora, 2.ª Edição, Coimbra,
2013, p. 195.
369
PESTANA VASCONCELOS, Miguel, Direito das Garantias, 2.ª Edição, p. 607.
370
Isto é, o estado deve utilizar a hipoteca perante as situações de dolo ou negligência grosseira,
retirando ao prevaricador ambiental a possibilidade de voltar a acossar bens ecológicos e bens
ambientais.
371
PESTANA DE VASCONCELOS, Miguel, Direito das Garantias, … ,àp. 240.
372
Para além de que, também é possível classificar o penhor consoante haja ou não desapossamento.
84
ag
e ts
373
, sendo certo que, o primeiro é uma solução flexível especialmente no
que se refere a, por exemplo, garantir o custo de foreseeable safety or remedial
measures
374
ao passo que o último representa uma situação que se consubstancia
num negócio jurídico cujo objeto assenta numa garantia375. Por fim, a título
complementar, devemos dizer que, nesta sede, na nossa conceção, em razão de um
argumento de identidade de razão, o penhor surge ao lado da hipoteca enquanto
garantia-sancionatória-extintiva. Para além de que, quanto a nós, em sede de direito da
responsabilidade ambiental, quando uma empresa cometa certos danos ecológicos que
acumulem ou contenham, elementos de reiteração do comportamento / dolo / magnitude do
dano / entre outros, deverá ser suprida. Note-se que um Estado eficiente deve eliminar
rapidamente meios de produção daquele tipo. O que fazer com o produto desta alienação?
Depende da opção política, porém, é cabível que se destinasse ao FIA / ao FAP (Fundo
Ambiental Português) ou à criação de postos de trabalho numa empresa eco-friendly que
viesse substituir a obsoleta, nefasta e antiquada de modo a atenuar, dirimir ou inclusive
melhorar a situação socio-(eco)-laboral pretérita. A solução aqui apontada seria considerar a
hipoteca, o penhor (de ativos e de bens móveis) como garantia-sanção pois, a nosso ver, não
se alteraria muito o efeito jurídico obtido em virtude de um processo de expropriação por
motivo de interesse público.
7.3 Questões
Primeiro, sobre o modo como, atualmente, em Portugal, na prática, se procede à
constituição do fundo próprio que pode ser assegurada através de uma ata de reunião
ou declaração de constituição do mesmo, assinada pelo responsável com poderes para
obrigar a empresa, e através de declaração emitida pelo respetivo Revisor Oficial de
Contas (ROC) ou Técnico Oficial de Contas (TOC), conforme aplicável. Efetivamente, o
operador deve assegurar que o fundo tem solvabilidade suficiente para responder
perante o montante da responsabilidade que visa garantir. Daqui, devemos
373
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities, AIDA XIth World
Congress, New York, 2002, p. 17.
374
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities … , p. 17, Refere a
título de exemplo, na Bélgica, o Waloon waste decree.
375
Deà fa to,à o oà MÓNICáà JáRDIMà salie taà aà auto ati idadeà sóà i t oduzà alte açõesà aà est utu aà
tradicional da garantia autónoma ao nível da exigibilidade do cumprimento da obrigação do garante de
entregar a quantia pecuniáriaà a o dada à JáRDIM,à Mó i a,à A Garantia Autónoma, Almedina, Coimbra,
2002, p. 85.
85
compreender a figura da self-insurance376 (ou auto-seguro) como a situação onde os
potenciais poluidores (empresas) utilizam uma declaração de auto-seguro como
garantia financeira. A declaração de auto-seguro, quando a nós, é o resultado dos
testes financeiros. Segundo BOCKEN, o sistema de testes financeiros é uma forma
enfraquecida de controlo prudencial (ex ante) sobre seguradores e instituições
financeiras377. Em relação aos testes financeiros (financial tests), devemos alertar para
o facto de estes poderem ser (potencialmente) mecanismos altamente perniciosos,
com um alto grau de suscetibilidade de virem a existir práticas de conluio e de fraude
dos operadores e/ou agentes (peritos) que levem a cabo tais testes. Em jeito de
o lus o,à BOYDà efe eà
ueà ta toà aà self-demonstrated assurance à como as
corporate guarantees (v.g. Aval) permitem às empresas definir um conjunto de
testesà ueàsu stitue àaà purchased assurance
que
sta ilit
he à fi
379
378
. Nesta linha, o mesmo autor afirma
sà self-insure, they must possess demonstrable wealth and financial
.
8. Fundos coletivos
8.1 Noção e ratio
Quando falamos da participação em fundos (coletivos), estamos a reportar-nos,
genericamente, a um certo montante de dinheiro que é reservado (alocado) para fazer
face a certa situação, isto é,
e tai àa ou tàofàMo e àisàsetàasideà o à a à eàset aside
i àsho tào de àtoàad essàaà e tai àisssueàthatà e ui esàfu di g
380
. Por outras palavras,
seguindo BOYD, grosso modo, trust funds a eà ehi lesà fo à theà olle tio à ofà o iesà
376
“egu doà BOCKEN,à i à theà U“á,à theà useà ofà fi a ialà testsà a dà self insurance, however, is popular
u de à theà ajo à fede alà statutesà fo à la geà o pa ies à BOCKEN,à Hu e t,à álte ati eà Fi a ialà
Guarantees under the ELD, European Energy and Environmental Law Review, 2009, p. 160
377
BOCKEN, Hubert, BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities,
… , p. 15.
378
BOYD, James, Financial Responsability for Environmental Obligations: An analysis of environmental
bonding and assurance rules, 2001, p. 47.
379
BOYD, James, Financial Responsability for Environmental Obligations: An analysis of environmental
bonding and assurance rules, … , p. 7
380
Ad-Hoc INDUSTRY – Natural Resource Management Group. White paper: Financial Security and
Insurance aspects of the European Union Environmental Liability Directive, Brussels, 2012, p. 9.
86
dedi atedà toà aà spe ifi à pu pose
381
, sendo estes, por sua vez, ad i ist ated by an
i depe de tàt usteeà hoàisài à ha geàofà olle ti g,ài esti g,àa dàdis u si gàfu ds
382
.
8.2 Espécies
Seguindo a classificação dogmática de FAURE, podemos ter: fundos limitados
(limitation fund), fundos de avanço (advancement fund), fundos de garantia
(guarantee fund) e fundos de compensação genneral (compensation fund)383. Pois
bem, em primeiro lugar, os fundos limitados são aqueles em que, basicamente, a
empresa paga ex ante, uma quantia limitada, sendo que, pela nossa parte,
entendemos que a vantagem para a empresa é a previsibilidade do montante a
ressarcir o dano e o facto de poder recuperar o montante no caso de cessar a atividade
e não haver ocorrido qualquer dano. Segundo FAURE, o escopo destes fundos passará
mais por servir a situações de vítimas de casos de dano em série (serial damage)384.
Pelo que, são utilizados, por exemplo, quando haja o receio de haver dano (ecológico)
no futuro. Em seguida, em segundo lugar, os fundos em avanço, são aqueles que se
destinam sobretudo a ressarcir casos de lo g-lasti gà i ilàp o edu es à issuesàthatà a à
lastà u hàlo ge àthatàtheàlifeàofàtheà i ti
385
. Em terceiro lugar, os fundos de garantia
que são aquele tipo de fundo cujo desiderato é fornecer cobertura para os riscos
quando não haja seguros (mercado), para a situação de insolvência do operador e
ainda para a insolvência do segurador do operador386. Por último, em quarto lugar,
temos o fundo de compensação geral enquanto concreta alternativa ao seguro na
cobertura dos danos. Com efeito, também nos parece plausível classificar os fundos
381
BOYD, James, Financial Responsibility for Environmental Obligations: Are Bonding and Assurance
Rules Fulfilling Their Promise? UCL, London, 2001, p. 19.
382
Talvez seja possível inferir desta expressão a não oposição à capitalização dos fundos por parte de
BOYD, ao referir claramente i esti g no leque de opções a tomar em relação à massa monetária
contida em determinado fundo.
383
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability,
The Geneva Papers on risk and insurance, Vol. 29, n.º 3, Blackwell Publishing Ltd, 2004, p. 480 – 482. Na
mesma linha, aponta a classificação dogmática europeia, sendo certo que também se poderá designar
os compensation funds como sendo environmental fund. BIO Inteligence Service, Financial Security in
Environmental Liability Directive, Final Report, 2008, France, p. 101.
384
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability
(…), p. 480
385
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability
(…), p. 481.
386
BIO Intelligence Service, Study to explore the feasibility of creating a fund to cover environmental
liability and losses occurring from industrial accidents, Final report prepared for European Comission, DG
ENV, 2012, p. 49.
87
com base no critério de saber quem cria o fundo, por um lado, a via legal ou a via
voluntária consoante a iniciativa tenha tido origem por determinação da lei ou por
vontade das partes387, o que significa classificá-los consoante se tratem de fundos
privados ou de fundos públicos388. Destarte, BOCKEN define os fundos privados como
u à ag egadoà deà ati osà ujoà o jeti oà à assegu a à aà o pe saç oà ouà estau aç oà i à
natura do dano ecológico, não podendo servir para outro propósito, designadamente
para ressarcir outros pedidos
389
. Ou seja, estamos a evidenciar a questão da
proveniência do capital do fundo, ou seja, se o capital do fundo tem origem nas
empresas (potencialmente poluidoras porque desenvolvem as atividades do anexo III e
outras), e, neste caso, estamos perante um fundo privado. Diametralmente oposta
seria a situação na qual o capital proviesse integralmente de entidades públicas (v.g.
dinheiro proveniente de receita fiscal ou da aplicação de sanções), tratando-se,
portanto, de fundos públicos. Posto isto, em sede de fundos públicos, poderá o
legislador optar por consagrar um regime no qual estes se destinam a ressarcir os
custos da reparação em caso de insolvência do operador390 ou, de outra feição, caso se
destinem a ressarcir o dano sem mais, sendo que, no segundo caso, estaríamos
perante o fenómeno de socialização do risco mais o da distribuição de encargos pelos
contribuintes – vide. CERCLA391. Não obstante, por fim, note-se, ainda, que seria
possível combinar as classificações supramencionadas, por exemplo, entre fundos
públicos de garantia e fundos públicos de compensação392.
387
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD, European Energy and
Environmental Law Review, 2009, p. 167.
388
a à eàsetà àla àoe à a à eàtheà esultoàfà olu ta àp i ateài itiati es àBOCKEN,àHu e t,àálte ati eà
Financial Guarantees under the ELD, European Energy and Environmental Law Review, 2009, p. 163.
389
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities, AIDA XIth World
Congress, New York, 2002, p. 13.
390
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for e i o e talàlia ilities,à … ,àp.à11.
391
Oà Co p ehe si eàE i o e talàRespo se,àCo pe satio àa dàLia ilit àá t à do a a teàCERCLá àfoià
iadoàe à
à o àoàes opoàdeàpe iti à àEPáàli pa à haza dousà asteàsites àeà e upe a àosà ustosà
quando haja procedido a reparações de danos. Note-se que o mercado de seguros de responsabilidade
ambiental mais evoluído é o dos Estados Unidos. Podemos descrever brevemente a evolução do
mercado de seguros dos Estados Unidos. Todavia, devemos pôr em destaque o facto de que o CERCLA
terá como maior crítica o facto de que há um fenómeno de publicitação dos custos da poluição, isto é, a
massa monetária do fundo provém dos contribuintes americanos e não das empresas que originaram ou
agravaram o dano.
392
FAURE e GRIMEAUD referem que theà te à fu dà isà ofte à usedà fo à aà variety of private or public
fi a ialà a a ge e ts FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of
88
8.3 Questões
Primeiro, no que se refere à questão da política fiscal, acompanhando a
doutrina que defende que De e à se à iadasà o diçõesà fis aisà eà legislati asà pa aà oà
dese ol i e toàdosàfu dosà deposita àfu ds
393
, entedemos que estas possam, por
exemplo, ser objeto de dedução fiscal. Segundo, para além da questão da fiscalidade,
surge a questão da política de concorrência comunitária, que consiste no facto de que
certas imposições às empresas podem considerar-seàe àpesadosàfa dosàouà e t a es à
à sua atividade e, por conseguinte, à sua competitividade. Quanto a nós, trata-se de
uma janela de oportunidade para efetuar uma barreira a produtos provenientes de
empresas produtoras sem garantias obrigatórias, isto é, em substância, apelar ao
cumprimento das mesmas condicionantes legais que as nossas empresas394. Terceiro,
relativamente à questão do financiamento dos fundos, devemos esclarecer que,
genericamente, podemos elencar algumas fontes tais como impostos, quantias pagas a
título de meros ilícitos de ordenação social, contraordenacional ou outros MBI395
(market based instruments)396, sendo que, não obstante, o legislador poderá optar por
uma delas ou por ambas.
9. Outras formas de garantir o ressarcimento do dano ecológico
Aqui chegados, iremos analisar estas figuras de direito comparado que ainda não
existem no nosso ordenamento jurídico: Primeiro, a figura da captive insurance;
Segundo o risk sharing agreement / pool de empresas e, por fim, a utilização de CAT
BONDS (ou ECO BONDS).
9.1 Risk Sharing Agreement
Começando por definir contrato de partilha de risco (risk sharing agreeement)397,
efetivamente, esta figura pode ser entendida como sendo um método de
Environmental Liability Report, ECTIL, European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht
University, 2000, p. 198.
393
BOCKEN, Hubert, Financial Guarantees in environmental liability, Environmental Law Review, nº 13,
2006, p.32.
394
Julgamos ser adequado e bastante apoiar a conclusão no princípio de reciprocidade.
395
EUROPEAN COMMISSION, Financial Security in Environmental Liability Directive, Final Report, August
2008, p .99.
396
EUROPEAN COMMISSION, Financial Security in Environmental Liability Directive, Final Report, August
2008, p. 102.
397
Ou ainda pool de empresas (ou agentes potencialmente poluidores).
89
compensação alternativo que funciona como um pool ou, no dizer de BOCKEN, um ou
vários398 p ofessio alà isk-sha i gà g oups
399
. Diz-se que este mecanismo tem como
escopo aumentar a capacidade de cobrir o dano ecológico400, isto é, habilidade de
efetuar um spread out de riscos. Pelo que, no fundo, não se mostra errado afirmar que
se trata de um mecanismo que radica na autonomia privada401 das partes para efetuar
um acordo ex ante em relação ao dano, mas ex post no que tange ao momento da
constituição do montante indemnizatório (ie, constituído depois da consumação do
dano). Na prática, este contrato, que foi idealizado por FAURE e SKOGH, também tem
como desiderato, reunir o maior número de operadores para que partilhem os custos
dos acidentes que eventualmente ocorram402. Daqui se percebe que, quem celebra o
contrato são várias entidades potencialmente poluidoras. Assim, será possível a
celebração de acordos setoriais cujos signatários são empresas de um determinado
setor (v.g. Hidrocarbonetos)403 à semelhança daquilo que sucede em sede dos fundos
ambientais autónomos, ou seja, defendemos que deverá haver uma segmentação de
atividades. Seguindo na classificação dogmática, note-se que, se atentarmos no critério
da titularidade do património que subjaz à garantia, constatamos que é válido arrumar
o risk pool na secção das garantias do património que, apesar de pulverizado, é
aportado por cada empresa para além de ser igualmente válido arrumar o risk sharing
agreement na secção das garantias do património de terceira pessoa404. Posto isto, em
398
Talvez seja mais apropriado criar vários num Estado federal e criar o menor número possível em
estados unitários.
399
BOCKEN, Hu e t,àálte ati eà o pe satio às ste sàfo àe i o e talàlia ilitiesà … ,ààp.à
400
FAURE, Michael, VERHEJ, Albert, Tort and Insurance Law, Shifts in Compensation for Envionmental
Damage, Vol. 21, Springer, NewYork, 2007, p. 78.
401
Nos termos do princípio geral de direito da autonomia privada – vertido no código civil.
402
FAURE, M. and SKOGH, G., Co pe satio àfo àda agesà ausedà à u lea àa ide ts:àaà o e tio àasà
i su a e , The Geneva Papers on risk and insurance, 1992, pp. 499-513.
403
Ma i eà oilà pollutio à isà i su edà à theà so-called Protection and Indemnity Clubs (P&I Clubs). The
members of these clubs are the tanker owners. They provide insurance on a non-profit basis for the
members. At the beginning of each year a "call" is made which should cover the claims and
administrative costs. These P&I Clubs function as a mutual insurance company. Profits and losses are
shared amongst the members. If the receipts of a year were insufficient to cover the losses an additional
allà a à eà askedà f o à theà e e s ,à segu do:à EUROPEáNà COMMI““ION,à Financial Security in
Environmental Liability Directive, Final Report, August 2008, p. 97.
404
Sobre saber como se distingue um risk sharing agreement de um risk pool, entendemos que ambas
figuras têm como ponto comum assentarem numa pluralidade de signatários ou contratantes, todavia,
têm como ponto distintivo o facto de quem os celebra ser diferente. Dizemo-lo porque, no contrato de
partilha de risco (risk sharing agreement), temos várias empresas a celebrar um contrato, ao passo que
no risk pool (de seguradoras), temos várias seguradoras. Outra caraterística que tornas estas duas
90
relação à sua base jurídica, consideramos que não haverá um obstáculo legal à sua
utilização, todavia, não nos parece ser uma figura que vá ao encontro da ratio legis da
Diretiva 35/2004. Pelo que, como tal, não deverá, por exemplo, ser objeto de atenção
do legislador português (v.g. consagração de incentivos fiscais à sua utilização). Por
fim, a título de apreciação crítica, tenha-se em atenção que, segundo FAURE, a sua
utilização deverá ter lugar quando o mercado dos seguros seja insuficiente405. Não
o sta te,àta
àseàde e à ota à ue,à ua doàseàopteàpo à pe
iti à ueàseàutilizeà
este outro modo, estar-se-á, inversamente, a promover a protelação da ineficiência do
mercado (de seguros).
9.2 Captive insurance
Principiando pela noção de captive insurance, acompanhando FAURE e
GRIMEAUD, obser a osà ueà estesà auto esà aà defi e à o oà a reinsurance which
ouldà eà o
edà
à theà i su ed
406
. Já quanto ao seu modo de funcionamento, de
facto, este traduz-se na situação em que uma companhia (criada ad-hoc) fica com a
espo sa ilidadeàdeàsegu a àosàda os,àta
que podeà eassegu a à o à u à captive
à o he idaà o oàaà fronting company ,à
407
. Volvendo agora a nossa atenção sobre a
existência de base jurídica que, na nossa opinião, para fundamentar esta figura da
captive insurance, parece bastante a letra do artigo 22º, nº 2º, em termos genéricos,
com o argumento de aà o
aà o te à aà e p ess oà podem ,à fa toà ueà pe
iteà
subsumir outras garantias, por não ser taxativo. Efetivamente, parece-nos válido
afirmar que a captive insurance podeàse àsu su idaàta toà aà atego iaàdaà apólice de
seguro , caso se opte por atribuir predominância à natureza de contrato de seguro,
como na categoria da constituição de fundos próprios, no caso de se conferir
predominância à sua natureza de fundos próprios que as empresas afetam para
garantir eventuais danos ecológicos. Para além de se distinguir de outras figuras,
designadamente do fundo autónomo, precisamente pelo facto de o controlo pertencer
ao segurado (v.g. empresa potencialmente poluidora), ao passo que, neste último
figuras muito próximas é precisamente o facto de a sua ratio assentar na dispersão ou pulverização do
risco.
405
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability,
The Geneva Papers on Risk and Insurance, Vol. 29, n.º 3, Blackwell Publishing Ltd, 2004, p. 488.
406
FáURE,àMi hael,àGRIMEáUD,àDa id,àFi a ialàássu a eàIssuesàofàE i o e talà … ,àp.à
.
407
FáURE,àMi hael,àGRIMEáUD,àDa id,àFi a ialàássu a eàIssuesàofàE i o e talàLia ilit à … ,àp.à
.
91
deverá, a nosso ver, haver um controlo por um gestor de fundo autónomo, podendo,
inclusive, ser controlado por um conselho cuja composição poderá, por exemplo,
incluir representantes da APA e das empresas (stakeholders). Com efeito, dado como
assente a sua admissibilidade408, podemos entender o fronting como um instrumento
a que recorrem asà ha adasà segu ado asà ati as
409
. Contudo, a título de apreciação
crítica devemos alertar para vários problemas. Por um lado, o facto de as cativas
poderem ser controladas por uma empresa da mesma holding410, dará azo a uma
situação em que a garantia dependa da sua saúde financeira (funcionando como
reserva). A este propósito, em
apti esà a eà
holl à o
edà
,à theà I spe to à Ge e alà o
à theà o
e tedà thatà ostà
e ’sà o à ope ato ’sà pa e tà o pa à a d,à
therefore, depend on the continued financial viability of the parent 411. Por outro lado,
além deste argumento, posteriormente, em 2005, theà GáOà
iti isedà theà useà ofà
captive insurance companies due to the risk involved and the specialised expertise
eededà àgo e
e talàpe so
elàtoào e seeàthe
, ou seja, para além da dificuldade
intrínseca da função de controlo (v.g. monitorização, auditoria) gera enormes custos
administrativos412. Por fim, tenha-se ainda em atenção LIMA REGO e SEIXAS COSTA
quando afirmam que estaàp ti aàdesti a-se muitas vezes, simplesmente, a propiciar
cobertura de riscos por entidades não autorizadas a exercer a atividade seguradora na
408
MUNCHMEYER, Tanja, FOGLEMAN, Valerie , MAZZA, Leonardo,
MUDGAL Shailendra,
Implementation Effectiveness of the Environmental Liability Directive (ELD) and related Financial
Security Issues. Bio Intelligence Service, Report for the European Commission (DG Environment), 2009, p.
43.
409
LIMA REGO, Margarida, COSTA SEIXAS, Diogo, O contrato de resseguro, Margarida Lima Rego, Coord.,
Temas de Direito dos Seguros, 2.ª Edição (revista e aumentada), Almedina, Coimbra, 2016, p. 295.
410
MUNCHMEYER, Tanja, FOGLEMAN, Valerie, MAZZA, Leonardo, MUDGAL Shailen, DRA,
Implementation Effectiveness of the Environmental Liability Directive (ELD) and related Financial
Security Issues…, p.43.
411
Co eta e te:à TheàI spe to àGe e alà iti izedàtheàuseàofàf o ti g,à à hi hàaà o
e ialài su e à
issued a policy that was reinsured to the captive, with, in some cases, the captive agreeing to reimburse
the insurer for the full amount of claims paid by it ,àidem, p. 43.
412
“egu doà “HáVELL:à Theà ad i ist ati eà ostsà ofà theà lia ilit à s ste à a eà theà legalà a dà othe à ostsà
(notably the time of litigants à i ol edà i à i gi gà suità a dà esol i gà ità th oughà settle e tà o à t ial .à
These costs are substantial; a number of estimates suggest that, on average, administrative costs of a
dollar or more are incurred for every dollar that a victim receives through the liability system. In
contrast, the administrative cost of receiving a dollar through the insurance system is often below
fifteen cents 13 . SHAVELL, Steven, KAPLOW, Louis, Economic Analysis of Law, Handbook of Public
Economics, Alan Auerbach and Martin, Ed., VOL. 3, Elsevier Science, Amsterdam, 2002, p. 6273.
92
jurisdição em causa
413
. Ora bem, por força destes três argumentos, consideramos que
esta modalidade não deverá ser tida em conta pelo legislador português em sede de
política legislativa.
9.3 Da admissibilidade da utilização dos mercados de capitais
Neste ponto, iremos abordar a temática da utilização dos mercados de capitais
enquanto garantia ou enquanto mecanismo de extensão da cobertura das garantias.
Apesar de os mercados de capitais se utilizarem sobretudo para o risco nuclear, não
haverá, quanto a nós, razão para se impedir um raciocínio de identidade de razão
segundo o qual se admita414 a utilização destas em sede de dano ecológico (ECO
bonds). Destarte, a ratio desta figura passa por aumentar a disseminação do risco e
correspetivamente diminuir a probabilidade de não obter a justa indemnização
monetária. Note-se que esta faculdade de ir ao mercado de capitais poderá ser
concebida, quanto à sua natureza jurídica, como uma forma de resseguro415. A
doutrina refere que se um player comprar
ju kà
o ds , estará a arriscar;
inversamente, no caso de serem fundos (agregação de vários players), já se admitirá
que as companhias de maior risco vendam as suas ações e obrigações a certos
fundos416. Em seguida, em virtude do facto de havermos concordado com a sua
admissibilidade no plano dogmático, passamos, agora, à questão de saber se estas
encontram base jurídica no ordenamento jurídico nacional. Ora, em boa verdade,
apesar de não haver um regime legal consagrado, nada impedirá que, por força do
princípio da autonomia privada, se comecem a vender este tipo de produto financeiro
no mercado de capitais português ou que se adquiram em mercados estrangeiros.
Todavia, a título de apreciação crítica, devemos fazer notar que não há necessidade de
se socorrer a este tipo de solução, havendo seguro. Segundo, em Portugal seria difícil
existir este tipo de figura, pelo que, admitindo-se a busca lá fora, por não haver
controlo administrativo nacional, será de evitar. Para além de que, devemos, ainda,
413
LIMA REGO, Margarida, COSTA SEIXAS, Diogo, O contrato de resseguro, LIMA REGO, Margarida Lima
Rego, Coord., Temas de Direito dos Seguros, 2.ª Edição (revista e aumentada), Almedina, Coimbra, 2016,
p. 295.
414
Havendo mesmo economistas que o defendam: Tyran e Zweifel, apud FAURE, p. 456.
415
SMITH E. Richard, CANELO, A. Emily, DE DIO M. Anthony, Reiventing Reinsurance using Capital
Markets, Geneva Papers on Risk and Insurance, 1997, p. 27.
416
BAKER, Samuel, Risk Aversion- Economics Interactive Tutorial, University of South Carolina, 2007, p.
5.
93
mencionar o facto de FAURE defender que estes
e àfi a i gài st u e tsà asedào à
apitalà a kets à nunca poderão substituir os produtos tradicionais417. Pelo que, por
conseguinte, no plano das considerações político-normativas, esta será outra solução a
não ter em conta pelo legislador português.
10. O Superfundo Ambiental
O Superfundo Ambiental português foi criado pelo Decreto-Lei nº 42-A/2016, de 12
de agosto, e resulta da concentração dos recursos do Fundo Português do Carbono, do
Fundo de Intervenção Ambiental, do Fundo de Proteção dos Recurso Hídricos e do
Fundo para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade418, tendo como escopo,
como resulta do próprio artigo 3º, nº
,à apoiar políticas ambientais para a
prossecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável, contribuindo para o
u p i e toà dosà o jeti osà a io aisà eà i te a io aisà … . Em seguida, quanto à
natureza jurídica deste fundo, podemos afirmar que se trata de património autónomo,
sendo, por isso, qualificável como fundo autónomo sem personalidade jurídica, que
goza de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do art. 2º, nº
2. Sendo que, no âmbito do financiamento, relativamente às suas receitas (estas estão
elencadas no art. 4º de onde destacamos a al. a)): o montante das receitas nacionais
de leilões relativos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), várias taxas
(v.g. alíneas e), f) e g)) e, ainda, a taxa sobre as garantias financeiras constituídas para
assumir a responsabilidade ambiental inerente a uma atividade ocupacional do anexo
III do DL 147/2008 prevista na al. h). Já quanto às despesas, estas são, por um lado, os
custos de manutenção (administrative costs), por outro lado, os encargos decorrentes
dos regimes jurídicos do DL 147/2008, DL 245/2009, DL 29-A/2011, DL 60/2012 e DL
13/2016. Nesta sede, colocamos em evidência os custos decorrentes do Regime
Responsabilidade Ambiental (DL 147/2008), atinentes à reparação e prevenção do
417
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability,
The Geneva Papers on Risk and Insurance, Vol. 29, nº 3, Blackwell Publishing Ltd, Weinheim, 2004, p.
457.
418
Note-se que, esta alteração legislativa se enquadra no âmbito das políticas públicas ambientais
nacionais, que, por sua vez, estão alinhadas com as convenções internacionais. De facto, conforme
consta do preambulo do referido diploma, a política pública ambiental portuguesa segue os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 adotada ao nível das Nações Unidas em setembro de
2015.
94
dano ecológico, uma vez que nos termos do art. 4º, nº 1, al. k) deverá receber oà
montante das indemnizações e compensações que lhe sejam devidas em virtude do
financiamento de medidas ou ações de prevenção ou reparação de danos ou de perigos
de danos ambientais, incluindo o montante aos fundos extintos pelo presente decretolei .à Por fim, diga-se, ainda, que a al. q), que prevê como receita
uais ue à
contribuições do Estado, através de dotação que lhe seja atribuída por meio do
O ça e toà doà Estado , suscita alguma desconfiança pelo facto de se poder estar a
abrir a porta ao fenómeno de socialização do risco.
11. Do confronto entre as garantias do regime do DL 147/2008
11.1
Apreciação geral
A título preliminar, devemos deixar claro que não abordaremos a questão dos
custos do processo judicial e a hipotética incerteza do processo judicial, porque
entendemos que o regime que a Diretiva 2004 propugna, não se compadece com
garantias que não sejam automáticas. Posto isto, relativamente ao confronto entre os
seguros e as outras formas de garantia, podemos dizer, primeiramente, que, no que
concerne ao risco moral, o seguro perde, neste parâmetro, claramente, para as outras
garantias pelo facto de se verificar neste com menor intensidade419. Sendo que, a
intensidade será, correspetivamente, menor quando estejamos a falar dos fundos
conjuntos até aos fundos próprios, que serão o nível mínimode risco moral420. Em
seguida, relativamente ao montante coberto pela garantia, ou seja, a área coberta por
esta, onde podemos constatar que esta, nos seguros, será, em regra, muito maior que
a área coberta pelos fundos próprios, fundos em conjunto e pela garantia bancária.
Atentando agora sobre o parâmetro relativo aos custos administrativos421, diga-se que
a Administração tanto os terá no caso da supervisão dos seguros, como no caso das
garantias bancárias, bem como, ainda, na situação em que se trate de supervisionar a
419
Relevando nesta sede, a distinção entre a garantia ser própria ou ser de terceiro.
Não se exclui aqui o risco moral pelo facto de haver hipótese ténue da insolvência premeditada ou
negligente.
421
Neste ponto, devemos alertar para o facto de que podem existir custos administrativos quer no
controlo da garantia, quer na sua gestão operacional. Desta forma, diremos ainda que estes existem
quando se trate da supervisão do setor dos seguros, da supervisão das garantias constituídas (próprias).
420
95
existência de fundos próprios (v.g. o aval)422 ou de fundos coletivos. Depois, quanto à
capitalização da garantia (esta ser um mero custo ou ser um ativo capitalizável),
acreditamos que esta poderá considerar-se como a grande debilidade dos seguros,
quando comparado com um depósito bancário (fundo próprio) ou um fundo coletivo.
Ao invés, como anteriormente referido, parece-nos plausível e admissível a
capitalização do fundo coletivo bem como do depósito bancário (fundos próprios)
dado como garantia. Assim, no plano do interesse da empresa, apesar de ser certo que
a empresa vá pagar um prémio pelo seguro e não paga nada em relação à constituição
dos seus fundos próprios como garantia, também não é menos verdade que, na
primeira modalidade está privada de um ativo ao passo que na segunda não está.
Passando agora ao duplo controlo, na verdade, pese embora o facto de a doutrina falar
e à surrogate regulator ,à oà se tidoà deà ha e à u aà su stituiç o,à e à oaà e dade,à
consideramos que haverá sempre necessidade de existir um controlo da
Administração, ainda que não seja realizem monitorizações. Não obstante, quando o
segurador atuaà o oà surrogate regulator à est à aà eduzi à oà is oà deà u à e e toà ueà
causa poluição e força o cumprimento do assegurado das normas (latu sensu
423
. De
facto, aceitando que se trata de um argumento com uma força considerável424,
podemos referir que os seguros são a espécie de garantias financeiras onde este se
poderá manifestar, já os fundos coletivos, trazem um duplo controlo em menor grau,
uma vez que é prestado pelos membros e, por fim, as garantias bancárias e os fundos
próprios não acarretam ou suscitam um outro controlo. Analisando agora a questão da
perdurabilidade da garantia, consideramos que o seguro e a garantia bancária são
aqueles tipos de garantias (previstas no DL 147/2008) sobre os quais haverá uma
422
Neste sentido, BOYD adverte que self-demonstration instruments require more administrative
o e sightà tha ài su a eàa dàsu eties Responsibility for Environmental Obligations: Are Bonding and
Assurance Rules Fulfilling Their Promise?, … ,àp. 20. Note-se que, o termo sureties, deve ser entendido
como garantias autónomas. BOCKEN refere que e ui eàsupe isi gàautho itiesàtoà e if ,ài àge e alà … ,à
hete àsufi ie tàfi a ialàa dàte h i alà ea sàa eàa aila le , 2002, p. 15.
423
MONTI, Alberto, Environmental Risks and Insurance – A comparative analysis of the role of insurance
in the management of environment-related risks, OECD, Paris, 2002, p. 19.
424
Note-seà ueàsegu doàBOYDà aà i tueàofàfi a ialàassu a eà ulesàisàthat they create incentive for 3rd
part assurance providers to monitor the environmental safety and performance of the firms whose
o ligatio sàthe àgua a teeào àu de ite àse doà ueàesteàduploà o t oloàpode àliga -se à questão da
eduç oà dosà ustosà ad i ist ati os:à thisà a à elie eà so eà ofà theà e fo e ent burden on regulatory
age ies à BOYD, James, Financial Assurance for Environmental Obligations: An analysis of
Environmental Bonding and Assurance Rules, Resources for the Future, Washington DC, 2011, p. 36.
96
menor ideia de perdurabilidade quando comparados quer com o fundo coletivo, quer
com os fundos próprios. Finalmente, no que se refere à probabilidade de
cumprimento425, acompanhamos a advertência de BOYD qua doà efe eà ueà insurers,
banks issuing letters of credit and sureties issuing bonds can themselves become
insolvent, thus threatening the availability of assurance funds
426
. Todavia, devemos
ter presente o facto de haver uma distinta graduação da probabilidade de insolvência
doà assurance provider ,àpeloà ue,à esteàaspeto, o seguro ganha vantagem porque o
capital de uma seguradora será maior do que o montante dos fundos próprios e dos
fundos coletivos. Por fim, relativamente a garantias que provenham de bancos,
atentando ao caso específico de Portugal, uma vez que não é líquido que um banco
seja saudável427, a sua utilização (e quiçá previsão) não será de recomendar, quer ao
operador, quer ao legislador.
11.2
Seguros
Em jeito de enquadramento, cumpre dizer que os seguros são uma área onde
existem vários problemas de (assimetria da) informação, desde o fenómeno da
aversão ao risco428 (risk aversion)429, segundo o qual uma pessoa prefere um resultado
certo a um resultado arriscado430, passando pelo fenómeno da seleção adversa431
(adverse selection)432 que consiste na te d
iaà deà asà pessoasà ueà aisà p o u a à
segurar-seà se e à aisà at eitasà aoà is oà doà ueà aà
diaà daà populaç oà ge al
433
, bem
425
Note-se que o facto de a garantia funcionar de modo automático não obriga à inferência de que o
montante existe (vg. haver uma fraude que escape à monitorização ou supervisão (latu sensu).
426
BOYD, James, Financial Assurance for Environmental Obligations: An analysis of Environmental
Bonding and Assurance Rules, Resources for the Future, Washington DC, 2001, p. 39.
427
Ainda que se possa argumentar, no limite, que os contribuintes são sempre chamados a salvar os
a os…
428
A contrario, diz-se que uma pessoa é at eitaàaoà is oà ua doà a is a .à
429
FAURE, Riskàa e seà ea sà ei gà illi gàtoàpa à o e àtoàa oidàpla i gàaà isk àga e,àe e à he àtheà
expected value of the ga eàisài à ou àfa o ,à2001, p. 39. Riskàp efe i gà ifàso eo e àp efe sàtoà etai à
the risk of loss,à athe àtha àt a sfe i gàità àpa i gàupf o tà aàa ou tàe ualàtoàitsàa tualà alue àeà iskà
eut alà ifà so eo e à isà i dife e teà ithà espe tà toà theà alte ati eà et ee à etai i gà iskà a dà
transferring it to someone else by paying upfront na amount equal toàitsàa tualà alue àMONTI,àál e to,à
Environmental Risks and Insurance – A comparative analysis of the role of insurance in the management
of environment-related risks, OECD, 2002, p. 5
430
LIMA REGO, Margarida, Contrato de Seguro e Terceiros, Dissertação de doutoramento, Faculdade de
Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2008, p. 85.
431
Também designado como oàp o le aàdosàLi õesàdeàáke lof , 1970.
432
o u sà he àtheài su e à a otàdisti guishà et ee àtheà probabilities of a loss for good-and-pooriskà atego ies ,àFREEMáN,àPaulàeàKUNREUTHER,àHo a d,àá o??’ààp.à
433
LIMáàREGO,àMa ga ida,àCo t atoà … ,àp.à
.
97
como, ainda, pelo fenómeno do risco moral (moral hazard)434 que é a situação onde
algu
à ue àest àp otegidoàdasà o sequências negativas dos seus atos, tende a não
to a à asà p e auçõesà e ess iasà pa aà e ita à essasà o se u
ias
435
. Especialmente
no que concerne ao risco moral, entendemos que, no fundo, se trata de uma situação
ou circunstância onde o comprador do seguro sente um menor dever de cuidado
quando comparado com uma garantia onde o seu património responda (garantia
própria), ou seja, o facto de o seguro não ser uma garantia própria, nem ser prestada
ex ante (aditando-se ao facto de ser garantia própria), faz com que haja um menor
dever de cuidado por parte do segurado436, seguindo este uma inferência lógica em
relação à argumentação relativa à responsabilidade objetiva versus a responsabilidade
subjetiva. Em segundo lugar, o facto de a sua cobertura ter, por regra437, uma
amplitude muito maior do que as outras garantias, faz com que seja, a par da
participação em fundos, uma das duas garantias a preferir pelo legislador. Aqui,
cumpre fazer notar que o facto de poder haver um pool nacional português como
sucede em Espanha ou em França, ou, inclusive, haver lugar a um pool ibérico, pesa,
em muito, a favor do seguro. Nesta sede, cumpre dar nota do célebre problema
formulado por SHAVELL, conhecido como judge e tà p oof
438
, que poderá ser
sucintamente descrito como a situação onde o valor do dano produzido é superior a
todos os ativos do agente poluente, constituindo, dessa forma, algo que,
metaforicamente, podemos designar como um operador too big to fail. Desta feita,
cumpre, igualmente, mencionar que ainda seria possível o fenómeno do ash for cash
que se traduz por exemplo na situação onde o segurado pega fogo à própria casa para
receber o dinheiro. Em terceiro lugar, no que concerne aos custos administrativos, o
seguro tem esta importante vantagem, uma vez que apenas convocará, à partida,
434
Moral hazard refers to an increase in the probability of loss caused by the behaviour of the
poli holde isto porque, ità isà extremely difficult to monitor and control behaviour once a person is
i su ed FREEMAN, Paul e KUNREUTHER, Howard, Ma agi gàE i o e talàRiskàT oughàI su a e,à … ,à
p. 18.
435
RODRIGUES, Vasco, Análise Económica do Direito: uma Introdução, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra,
2016, p. 76.
436
No mesmo sentido FAURE refere-seàaà app op iateài e ti es à oà asoàdeàoà is oàesta à full à o e edà
u de ài su a e ,àFáURE, 2001, p. 21.
437
(vg. pool de seguros versus fundo conjunto de operadores).
438
SHAVELL, Steven, KAPLOW, Louis, Economic Analysis of Law, Handbook of Public Economics, Alan
Auerbach and Martin, Ed., VOl. 3, Elsevier Science , Amsterdam, 2002, p. 1679.
98
custos na supervisão por parte das seguradoras, sendo que, residualmente, haverá
custos na supervisão da atividade seguradora439. Em quarto lugar, relativamente à
capitalização, do ponto de vista do operador, o seguro é uma opção que se revela
estéril na obtenção de dividendos pelo decurso do tempo. Em quinto lugar,
relativamente ao duplo controlo, o controlo das seguradoras traduz-se na situação
onde seria acometida à seguradora ou ao pool de seguradores (ou no caso do fundo
conjunto) a missão de vigiar as atividades potencialmente causadoras de dano
ecológico. Em sexto lugar, relativamente à perdurabilidade, o seguro também tem esta
caraterística, boa, da perspetiva do bem pública, não tão boa, da perspetiva do
operador. Em sétimo lugar, a propósito da probabilidade de cumprimento, podemos
falar genericamente no risco da insolvência do operador poluidor ouà
underterrence as aà esultà ofà i sol e
iskà ofà
à e, ainda, na situação onde se concretizou
possibilidade e fatalidade de insolvência do segurador440.
11.3
Garantias bancárias
Primo, atentando agora sobre as garantias bancárias, devemos dizer que têm a seu
favor o facto de ter um baixo grau de risco moral associado e o facto de não ter
associada a incerteza de um processo judicial441 bem como os seus custos inerentes
(litigation costs). Porém, as desvantagens que esta garantia tem, quanto a nós,
começam, desde logo, no aspeto relativo à sua área de cobertura, muito diminuta,
passam pelos custos administrativos de supervisão do agente que presta a garantia
(v.g. instituição bancária), para além de se agravarem ainda mais pelo facto de ser um
custo para a empresa que não tem retorno, porque não se admite aqui a sua
capitalização. O facto de não ser possível a capitalização é visto pelos operadores
como sendo uma limitação severa à sua capacidade de investimento, e, não obstante,
439
Falaremos disto em secção autónoma por ser um grande argumento para a preferência pelo seguro.
BOYD, James, Assurance for Environmental Obligations: An analysis of Environmental Bonding and
Assurance Rules,à … ,àp.à .àO mesmo autor refere que, nos Estados Unidos, existe a obrigação de haver
u aà U.“.à T easu à e tifi atio à ofà o dà issue s .à Noà fu do trata-se de atribuir um rating à
probabilidade de cumprimento do segurador.
441
aàga a tiaàautó o aàdotadaàdeàauto ati idadeà àu aàga a tiaà aisàefi az,àe peditaàeàsegu aàpa aà
oà e efi i ioà eà asta teà aisà ope a io alà pa aà oà p óp ioà ga a te à JáRDIM,à Mónica, A garantia
autónoma, Almedina, Coimbra, 2002, p. 86.
440
99
referem ainda que os bancos a eà otà e àkee àtoà o e àlo gàte
sà isks
442
. Todavia,
ainda contra esta garantia, surge o facto de o fenómeno do duplo controlo não ter,
aqui, grande margem de manobra, desde logo pelo facto de não se acometer, à CMVM
ou ao Banco de Potugal, a incumbência de monitorizar os bancos nem tão pouco se
pretenderá colocar os bancos a monitorizar os operadores, contrariamente ao que se
defendeu anteriormente a propósito das seguradoras. Em seguida, relativamente à
perdurabilidade, porventura, até será um aspeto a favor deste tipo de garantia, pelo
facto de a sua constituição ter um período, em regra, curto. Por fim, no caso de
Portugal, no que se refere à probabilidade de cumprimento, atente-se que, não raras
vezes, os contribuintes são chamados (rectius, o seu contributo fiscal) a socorrer as
instituições bancárias. Ora, tal facto, deverá suscitar no legislador a prudência e a
cautela de não lhes confiar tamanha responsabilidade pelo facto de se poder dar azo
ao fenómeno da publicização do dano ecológico em caso de impossibilidade de
cumprimento ou prestação da garantia bancária. Portanto, pelo que constatamos,
concluímos que, efetivamente, esta garantia não será de preferir pelos operadores,
devendo, inclusive, a sua utilização ser relegada para uma posição subsidiária, tal como
sucedia em Espanha, em 2008443, ou, até, desconsiderada pelo legislador e,
eventualmente, suprimida do texto legal numa eventual revisão.
11.4
Fundos próprios
Em primeiro lugar, no que tange ao risco moral, este tipo de garantias é aquele que
se verificará com menor intensidade, sendo, inclusivamente, possível afirmar que,
tendencialmente, é nulo. Em segundo lugar, sobre o montante de cobertura, diga-se
que, à partida, uma PME não terá ativos suficientes para custear danos ecológicos
muito grandes, portanto, pesa em desfavor da proteção do ambiente. De facto, FAURE
e GRIMEAUD advertem que o principal problema deste tipo de garantia reside no facto
deà responsible parties may cause losses which can largely outweigh even the assets
442
BIO Inteligence Service, Financial Security in Environmental Liability Directive, Final Report, August
2008, France, p. 33.
443
i à “pai ,à a kà gua a teesà pla à aà i o à oleà a dà a eà ai l à usedà i à the case of mining or similar
a ti itiesà he eàda ageàisàgoi gàtoàtakeàpla eàdueàtoàtheà atu eàofàtheàati it à i àtheàUK,àthe eàisàso eà
e pe ie eàofà a kàgua a teesàth oughàtheà e ui e e tsào àla dfillàope ato s àBIOàI telige eà“e i e,à
Financial Security in Environmental Liability Directive, Final Report, August 2008, France, p. 33.
100
which they might have set aside for reserve
444
. Por outro lado, uma empresa maior já
terá mais ativos, sendo certo que, também poderá ter, por inferência de comparação
de escalas, uma tendencial maior dimensão do dano ecológico. Ainda que se admitam,
perfeitamente, situações em que uma PME pudesse, em teoria, fazer um dano
ecológico de maior dimensão do que uma grande empresa. Em terceiro lugar, sobre os
custos administrativos, seguindo a posição de BOYD segundo a qual este tipo de
ga a tiaà e ue à more administrative oversight than insurance and sureties
ezà ueà osà egulado esà
ustà
o ito à o plia eà a dà e fo eà theà ules
445
uma
446
. Em
quarto lugar, relativamente à possibilidade de capitalização (ou o facto de ser um
mero custo), devemos dizer que, ainda que não se possam desconsiderar eventuais
custos relacionados com compliance, não desconsideramos a hipótese onde haja
depósitos bancários a gerar dividendos447. Nesta linha, devemos dizer que esta
garantia, na perspetiva do operador, tem a vantagem de ser provavelmente menos
custosa do que sistemas de distribuição de risco448. Em quinto lugar, sobre o duplo ou
múltiplo controlo, diga-se que é uma grande desvantagem, do ponto de vista da
comunidade, deste tipo de garantia, uma vez que poderá não haver uma entidade
independente em relação ao operador que venha controlar a sua atividade. Em sexto
lugar, no que tange à ideia de perdurabilidade, devemos dizer que, provavelmente, a
garantia dura enquanto durar a empresa ou a atividade do anexo III que esta prossiga
ou desenvolva. Em sétimo lugar, respeitante à probabilidade de cumprimento, diga-se
que é a garantia onde há um maior risco de que tal aconteça, uma vez que, como bem
salie taà FáURE,à the fact that these reserves are made today does indeed not
necessarily mean that the amount will still be available at the moment the loss
occurs
449
. Nesta sede, cumpre destrinçar a situação onde a probabilidade de
cumprimento se refere à totalidade daquela onde a probabilidade de cumprimento se
444
FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of Environmental Liability, Report,
ECTIL – European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht University, 2000, p. 180.
445
BOYD,àJa es,àFi a ialàRespo sa ilit àfo àE i o e talàO ligatio s…,àp.à .
446
Idem, p. 23.
447
BOCKEN,à theàdeposità illà o all àge e ateà e e ues , 2009, p. 161.
448
Neste sentido FAURE GRIMEAUD, FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of
Environmental Liability, Report, ECTIL – European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht
University, 2000, p. 179.
449
FAURE, Michael, Alternative compensatio à e ha is sà … ,à2004, p. 459.
101
reconduz à capacidade de custear a totalidade do dano ou das medidas de prevenção
pelos ativos da empresa. Por fim, de um ponto de vista regulatório, consideramos que
estes instrumentos são os menos desejáveis450 ao nível da política legislativa. Não
obstante, apesar de se apresentarem, teoricamente, como a solução que,
supostamente, convocaria um maior nível de precaução por parte do agente,
reduzindo correspetivamente o risco moral associado à não detenção do património
garante, pelo facto de perspetivarmos a posse administrativa e consequente
dissipação ou reafectação451.
11.5
Fundos coletivos
Primeiro, os fundos conjuntos têm a vantagem de reduzir significativamente o
risco moral. Segundo, no que se refere ao montante de cobertura, dependendo do tipo
de fundo, entendemos que, caso seja um trust fund, apesar de não ser superior a um
pool de seguradoras, é bem maior do que uma garantia bancária ou os fundos próprios
da empresa. Terceiro, relativamente aos custos administrativos, devemos dizer que os
fundos conjuntos exigem supervisão estatal. Quarto, relativamente à possibilidade de
capitalização (a contrario: não ser um custo sem retorno ou uma indisponibilidade
temporária), os fundos conjuntos têm essa vantagem para os seus membros uma vez
lhes permite obter um retorno pelo seu capital investido. Quinto, sobre a possibilidade
de haver duplo controlo, nesta sede, cumpre afirmar que o fundo coletivo tem esta
grande vantagem, uma vez que os players pertencentes devem controlar-se
mutuamente de modo a prevenir a descapitalização do mesmo para pagar despesas
em medidas preventivas e medidas de reparação do dano452. Sexto, no que tange à
perdurabilidade, diremos que, do ponto de vista da comunidade, não é benéfica a
existência de um fundo, pois, não afasta a ideia da tolerabilidade de certos
comportamentos potencialmente nocivos do meio ambiente apesar de que, no final,
BOYDà defe daà ueà after obligations are fullfilled trust assets are returned to the
450
Neste sentido: BOYD, James, Financial Responsibility for Environmental Obligations: Are Bonding and
Assurance Rules Fulfilling Their Promise?, UCL, London, 2001, p. 20.
451
Imaginamos aqui, por exemplo, um regime que prevê a substituição de instalações de operadores
poluentes por arrendamento a start ups na área da inovação eco tecnológica.
452
Claro que, por sua vez, também os reguladores deverão ser controlados. Neste sentido BOYD afirma
ueà ità isà esse tialà thatà egulato sà o ito à pa e tsà i toà theà t ust à BOYD,à Ja es,à Financial
Responsibility for Environmental Obligations: Are Bonding and Assurance Rules Fulfilling Their Promise?,
UCL, London, 2001, p. 19.
102
firm
453
. Como exemplo: a existência do fundo das petrolíferas, faz com que não se
assuma uma política focada na utilização de energias renováveis. Sétimo, no que diz
respeito à probabilidade de cumprimento, diga-se que, a menos que tenha havido uma
fraude bem-sucedida à monitorização, não será expectável que não se venha a
verificar, efetivamente, a existência de fundos no pós-dano ecológico ou no pósadoção de medidas de prevenção. Todavia, como adverte BOYD, t ustàfu dsà a à otà
eàfull àfu dedàatàtheàti eàofàaà lai
454
. Aqui chegados, cumpre considerar que, do
ponto de vista dos operadores, estes poderão mostrar-se contra, por diversas razões:
pela possibilidade de poderem pagar por um erro de outra empresa, com as
agravantes de poderem pagar por danos ocorridos no passado que ainda persistem
(long tail risks), ou por danos realizados por empresas que se dissolveram ou entraram
em processo de insolvência (sins of the past). Contudo, devemos salientar que os
fundos de compensação devem ser incentivados pelo legislador para fazer face a
situações perante as quais os seguros não queiram cobrir ou por situações que não
possam, de todo, cobrir (v.g dano órfão).
Todavia, apesar de não ser a solução que concebemos como ideal para um
sistema jurídico jus-ambiental cujo alicerce axiológico é o princípio da precaução,
devemos dar conta de como se poderia arquitetar este tipo de fundo. Pois bem, do
mesmo modo que é plausível a existência de um pool se seguradoras, por identidade
de razão, será possível existir um pool ou trust fund onde entrem certos operadores.
Posto isto, o trust fund pode ter um âmbito nacional, ibérico ou mesmo europeu.
Começando pelo patamar nacional, o trust fund poderia ter um caracter provisório455
ou definitivo. Em seguida, parece-nos que o fundo ibérico seria a modalidade cuja
dimensão seria a mais adequada e proporcional à realidade portuguesa. Para além de
ser plausível, pelo facto de ser um mecanismo justo para as situações de danos
transfronteiriços e até de situações de autêntica solidariedade entre povos bem como
exequível porque há várias formas de se capitalizar um fundo. Por fim, na
453
BOYD, James, Financial Responsibility for Environmental Obligations (…), p. 19.
BOYD, James, Financial Responsibility for Environmental Obligations: Are Bonding and Assurance
Rules Fulfilling Their Promise?, UCL, London, 2001, p. 19.
455
Damos nota do exemplo da convenção MARPOL, sendo que, aqui, aquilo que defendemos passa por
utilizar seguros até que o fundo alcance o teto máximo (por exemplo: 100 milhões de euros).
454
103
eventualidade de se constituir um fundo europeu, por agora, a adesão por Portugal a
este fundo será de rejeitar no médio prazo. Desde logo, porque criaria (grosso modo)
uma forte desigualdade e injustiça entre países cumpridores e países não cumpridores.
Para além do risco moral evidente, acima exposto, também aqui, por identidade de
razão, ganha força o argumento da injustiça da publicização do risco ambiental (taxas
de países cumpridores poderem, por exemplo, financiar medidas de reparação de um
dano ecológico feito por um privado)456.
12. Da utilização das garantias em concreto
12.1
As Garantias Financeiras para as PME
Prima facie, convém esclarecer o facto de que quando falamos em PME, queremos
abordar a questão do peso que a garantia financeira pode representar para uma
empresa daquela dimensão. Desta feita, neste domínio, importará ter presente o facto
estatístico segundo o qual o tecido empresarial português é composto
aproximadamente por 99,9% de PME457, pelo que não seria, a nosso ver, justo ou pelo
menos correto, deixar de referir um regime apropriado a elas. Partimos da premissa
segu doàaà ualàaà o e tu aàdosàsegu osàpode àse à u sophisti ated para PME (SME)
e altamente sofisticada para grandes companhias multinacionais com instalações em
vários países458. Para além de que, nesta sede, como BOCKEN destaca que os
governos, geralmente,
“ME
459
a tàtoàa oidàfi a ialà u de sàfo àthei ài dust ies,àespe iall à
, todavia, tenha-se em atenção que, no limite, o mesmo autor avisa que thei à
attitude may, however, be diferent when faced with expensive clean ups or orphan
pollutio
460
. Não obstante, são precisamente as PME que têm um maior risco de
insolvência461 e, tendencialmente, não têm capacidade para realizar self insurance, ie,
456
Por fim, ainda podemos aduzir o argumento expendido a propósito da proposta Húngara.
Em 2013, segundo a PORDATA / INE, do total de 99,9% de PME, 95,4% eram micro-empresas, 3,2%
eram pequenas empresas e apenas 0,5 eram médias empresas.
458
BIO Intelligence Service, Study to explore the feasibility of creating a fund to cover environmental
liability and losses occurring from industrial accidents, Final Report Prepared for European Commission,
DG ENV, 2012, p. 33.
459
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD, EELR, 2009, p. 149.
460
Idem, p. 149. No nosso contexto atual, julgamos que a tendência deverá ser não permitir SME
poluentes nem aquelas cuja atividade seja de um risco menor, quer estejamos num sistema onde vigora
o princípio da prevenção, quer um sistema onde vigora o princípio da precaução.
461
BOYD, James, Financial Assurance for Environmental Obligations: An analysis of Environmental
Bonding and Assurance Rules, Resources for the Future, Washington DC, 2001, p. 27, refere que, em
457
104
constituir fundos próprios. BOYD defende que se utilize um fundo público para o hiato
entre a obrigação legal de constituição de garantia (no caso da PME, o seguro) até que
o mercado dos seguros se desenvolva462. Para além do que foi dito, não vislumbramos
qualquer argumento que se possa utilizar para defender que o legislador não possa
optar por uma graduação de garantias a exigir consoante a dimensão do operador ou
consoante a dimensão da atividade poluente. Pelo que, no caso de uma empresa
produzir um dano tão intolerável (pela magnitude, extensão ou intensidade), deva ser
extinta, ou seja, deve o Estado exigir todos os seus bens – a hipoteca dos bens imóveis;
os bens móveis penhorados e, também, os ativos financeiros. Lançando mão do
argumento de identidade de razão, também o aval e o depósito bancário poderiam
aparecer neste grau máximo de garantia-sanção. Quando falamos de garantia-sanção,
devemos assinalar que não há base jurídico-comunitária que obste a esta construção
normativo-dogmática. Finalmente, analisando o aspecto da dimensão dos custos
(financial burden) que representa para a empresa, diga-se que esta modalidade de
garantia financeira (fundos coletivos), apesar de poder ser dedutível em sede fiscal,
terá algum peso, quando relativizada com o seguro (custo menor) e com os fundos
próprios (custo maior).
12.2
As garantias para insolvência
Neste ponto, procuraremos abordar a questão da insolvência, na perspetiva de
uma PME e na perspetiva de um operador não PME. No fundo, iremos analisar a
pertinência dos fundos próprios, dos fundos em conjunto e ainda dos seguros,
excluindo as garantias bancárias, em coerência com o que defendemos infra463. Pois
bem, começando pelo confronto entre a self insurance e o seguro, segundo FAURE, a
insolvência consubstancia um argumento a favor do seguro obrigatório464, ao passo
que as reservas próprias não serão de aconselhar pelo facto de não termos a certeza
geral, as pequenas firmas são menos ricas e têm por isso, maior probabilidade de entrar em insolvência,
para além do argumento segundo o qual a monitorização das firmas menores é mais difícil do que a que
é feita em relação às grandes firmas, p.27.
462
BOYD, James, Financial Assurance for Environmental Obligations: An analysis of Environmental
Bonding and Assurance Rules, Resources for the Future, Washington DC, 2001, p. 27.
463
Fazer remissão para ponto em que defendemos a revogação das garantias bancárias.
464
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability,
The Geneva Papers on Risk and Insurance, Vol. 29, n.º 3, Blackwell Publishing, Weinheim , 2004, p. 460.
105
que vão existir aquando do momento da ativação da garantia465. Para além de que
FáUREà ai daà ad e teà ueà aà self insurance is not necessarily a watertight guarantee
against insolvency
466
. Passando agora ao confronto entre fundos (de compensação) e
o seguro, na situação de insolvência, ou dissolução prévia467, segundo FAURE e
GRIMEAUD,
i sol e
aà o pe satio à fu dà
à tha à theà p i ateà i su a eà
ouldà p o ideà ette à p ote tio à against the
a kets
468
. Com efeito, quer os fundos na
modalidade pool de operadores, quer os seguros bem como um pool de seguros), têm
a vantagem de serem mecanismos com um maior efeito de risk spreading, sendo certo
que, ao contrário, terão a principal desvantagem de aumentar o nível de moral hazard
do operador. Por último deve ter-se em conta os exemplos dos modelos Sueco e
Finlandês de EDI onde se estabeleceram mecanismos de cooperação, ou mutualistas,
para proteger terceiros nas situações de insolvência do operador. A solução é de
aplaudir, todavia note-se que deverá existir uma monitorização, designadamente que
vise controlar a atividade dos membros do fundo. Para além de que deveria estar
imbuído do princípio referencial de somente acudir perante situações de negligência
grave ou que configurem uma situação que configure a aplicação de uma causa de
exclusão de responsabilidade.
12.3
O sistema de garantias
Primeiramente, procuraremos responder à questão de saber se se deverá
promover uma utilização sectorial ou transversal das garantias, isto é, saber se as
garantias se devem utilizar num sector, ou, para vários, simultaneamente. Ora bem,
parece-nos que há vantagens na segmentação. De facto, podemos segmentar as
atividades, por exemplo, no transporte e extração de hidrocarbonetos, no transporte
de substâncias tóxicas, disposal of transportation of waste, transportation in
465
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability
(…), p. 459. Defende que theseà ese esà a eà adeà toda à doesà i deedà otà e essa il à ea à thatà theà
a ou tà illàstillà eàa aila leàatàtheà o e tàtheàlossào u s
466
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms (…), p. 459.
467
Segundo BOYD, trata-seà doà fe ó e oà o deà polulters can escape cost internalization via prior
dissolutio à o à a k upt ,à BOYD, James, Financial Responsibility for Environmental Obligations: Are
Bonding and Assurance Rules Fulfilling Their Promise?, UCL, 2001, London, p. 7.
468
FAURE, Michael, GRIMEAUD, David, Financial Assurance Issues of Environmental Liability , Report,
ECTIL – European Centre for Tort and Insurance Law, Maastricht University, 2000, p. 202.
106
general469. Em seguida, consoante o grau de ameaça da atividade em causa, poderá o
legislador exigir uma garantia ex ante ou ex post. A título de exemplo, segundo
BOCKEN, os security mechanisms que fornecem ao credor proteção antecipada em
relação ao momento em que o dano vem a ser feito é requisitada sobretudo para
regular atividades perigosas especificas470. Não se nos afigura errado, afirmar que, a
título subsidiário, naquilo que não possa ser desenvolvido pelas seguradoras, o sistema
jurídico deve preferir garantias ex ante e repudiar garantias ex post, por princípio. Por
outro lado, o mesmo autor refere que o segundo tipo de garantias, ou seja, as
garantias que operam post factum, têm a vantagem de que, pelo facto de serem um
custo muito menor e pelo facto de não gerarem o fenómeno de
Segundo BOYD,
he à o ligatio sà a eà full à k o
u de àofàassets
471
.
à e à a te,à the eà isà oà eedà fo à
i su a e , per se. Typically, bonds are used to guarantee performance of a known,
futu eào ligatio
472
. Devemos concluir que a segregação reduz quer custos associados
a um pool, quer os custos associados ao seguro, sendo, ainda, por conseguinte,
al a çadaàu aà i o aç oàdosàefeitosà efastosàdoàp o le aàouàfe ó e oàdaà adverse
selection .à Toda ia,à de e osà faze à ota à ueà e iste o problema dos parâmetros
concorrenciais europeus473, isto é, todo o regime jurídico concorrencial da União
Europeia. Se um Estado-membro obriga à obtenção de garantias financeiras aos seus
operadores, estará, por conseguinte, a constituir-lhes um ónus que constitui um custo
financeiro. Portanto, uma de duas, ou se dá primazia ao ambiente e se protegem as
indústrias que adotam estas medidas e têm estes custos da concorrência de empresas
que não o façam (fazendo assim dumping ecológico que surge, amiúde, acompanhado
do fenómeno dumping social) ou, pelo contrário, se dá primazia ao aparente progresso
tecnológico.
469
BOCKEN, Hubert, Alternative compensation systems for environmental liabilities, AIDA XIth World
Congress, New York, 2002, p. 9.
470
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD, European Energy and
Environmental Law Review, Kluwer Law International, New York , 2009, p. 149.
471
BOCKEN, Hubert, Alternative Financial Guarantees under the ELD (…), p. 149.
472
BOYD, James, Financial Responsability for Environmental Obligations: An analysis of environmental
bonding and assuranceà ules,à … àp.à .
473
Dout i aàespa holaàfalaà u sà possi leà egati eàeffe tsàthatà o pulso àfi a ialàgua a teesà ouldà
have with respect to the lack of competitiveness vis-à- isà Eu opea à eig ou s ,à FáURE,à Mi hael,à DEà
SMEDT, Kristel, PEDRAZA, Julia, Compulsory Financial Guarantees for Environmental Damage, What can
we learn from Spain?, Journal Environmental Liability, VOL 20, n.º6, Maastricht University, 2013, P.9.
107
Seguidamente, relativamente à questão de saber se, na perspetiva do operador, se
deverá utilizar uma garantia ou várias, podendo ou não ser complementares entre
si
474
. Para responder a esta questão seguimos FAURE que refere que in practice there
may be a combination of self-insurance and liability insurance
475
porque a inclusão da
self insurance reduz o risco moral. A solução que apresenta radica na constituição de
ativos próprios enquanto dedutíveis (deductibles). De facto, FAURE defende que a
utilização combinada de várias figuras (fundo, seguro, responsabilidade subjetiva) traz
a vantagem de não influenciar os incentivos (a não poluir) do sistema de
responsabilidade subjetiva, sendo que, por conseguinte, o fundo só se utiliza
subsidiariamente476. O que importa aqui esclarecer, quanto a nós, é o facto de haver
uma grande multiplicidade de combinações possíveis, quer quanto ao sector de
atividade, quer quanto à dimensão da empresa em causa477. Com base no sistema
legal existente, determinada indústria, sectorialmente, poderia criar um fundo (vg.
petrolíferas (caso Belga)). Porém, só se deverá preferir o fundo ao seguro em certos
casos, uma vez que os seguros desempenham melhor a função de controlo do risco do
que os fundos e pelo facto de ser bastante difícil encontrar o nível de contribuição
(taxa) de cada operador, isto é, determinar a parcela que corresponderá a cada. Não
obstante, os fundos são a resposta mais adequada para a situação de dano órfão478 e
para a situação de insolvência da seguradora (funcionando como backup do garante).
12.4
A portaria inexistente
Analisando agora o nº 4 do artigo 22º ueà defi eà ueà podem ser fixados
limites mínimos para efeito da constituição das garantias financeiras obrigatórias
mediante portaria a aprovar pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das
finanças, do ambiente e da economia
479
.à Naà e dade,à aà pala aà pode ,à la oà est ,à
474
Nos termos do artigo 22 Do DL 147/2008.
FAURE, Michael, Alternative compensation mechanisms (…), 2004, p. 459.
476
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability,
The Geneva Papers on Risk and Insurance, Vol. 29, n.º 3, Blackwell Publishing, Oxford, 2004, p. 485.
477
Em abstracto podemos esquematizar as hipóteses em: a) sectorial – Misto; b) sectorial – não misto;
c) Não sectorial – misto; d) Não sectorial – não misto.
478
FAURE, Michael, Alternative Compensation mechanisms as Remedies for Uninsurability of Liability
(…), p. 487.
479
o eada e teà elati osà alí eaàa àao âmbito de atividades cobertas, ao tipo de risco que deve ser
coberto c) ao período de vigência da garantia; d) ao âmbito temporal de aplicação da garantia e e) ao
valor mínimo que deve ser garantido.
475
108
tem a virtualidade de conceder e permitir uma margem discricionária (neste caso,
seria, salvo melhor opinião, tendencialmente dicotómica), ou seja, o que está aqui em
causa é fare ou non fare. No caso concreto, teríamos uma faculdade ou potestas
adstrita aos membros do governo480 de aprovar uma portaria cujo objeto consistisse
e àfi a à li itesà í i os
481
. Ora, uma vez constatado o facto de que, em Portugal,
ta daà e à apa e e à u aà po ta iaà egula e tado aà ueà esta eleçaà osà
i osà dasà ga a tiasà a
iasà eà dosà segu os
482
í i osà eà
, podemos questionar se a
publicação da supracitada portaria, seria benéfica para a comunidade em geral e/ou
para as seguradoras e, por fim, para os operadores. No fundo, tratar-se-ia de uma
Portaria que estabeleceria o valor limite dos danos (ecológicos) a ressarcir, conforme o
artigo 22º, nº 4). De facto, apesar de que os juízes, aquando do momento judicativodecisório, possam ter algum bom-senso ao ponderar o custo social da perda da
empresa versus o custo social de atividades poluentes, o argumento da segurança
jurídica tem a sua força, pois, acautela o interesse do segurador e, também, porque é
um limite, de mínimo, para certo montante ressarcitório483. Em sede de direito
comparado, podemos encontrar na legislação espanhola, a referência ao limite da
compensação que é designado também por fi a ialà ap
484
. Já em sede de direito
nacional, ALEXANDRA ARAGÃO constata a ausência na legislação nacional de um teto
máximo para os encargos que os operadores poderão vir a ter que assumir485. A
mesma autora lança duas críticas sobre esta ausência de teto ou limite máximo. Por
um lado, a primeira crítica diz respeito ao facto de que esta omissão gera uma enorme
i e tezaàe,àpo à o segui te,à faz impender um risco desmedido sobre os operadores e
480
Quanto a nós, salvo melhor opinião, entendemos que é um número mínimo e não taxativo de
ministros.
481
Claramente, não há fundamento para limitar, por via legal, o teto da indemnização.
482
BILHIM, João, A responsabilidade por danos ambientais e o seguro como instrumento de política: A
situação portuguesa, Revista Iberoamericana de Derecho Ambiental y Recursos Naturales, IJEditores,
2013, p. 5.
483
Note-se aqui que o facto de haver portaria a definir o montante não significa que haja uma
pet ifi aç oà doà o ta te.à áoà i s,à aà po ta iaà podeà se à su stituída à po à outra que defina outro
montante, maior ou menor, consoante a força da política ambiental que se adote.
484
FAURE, Michael, DE SMEDT, Kristel, PEDRAZA, Julia, Compulsory Financial Guarantees for
Environmental Damage, What can we learn from Spain?, Journal Environmental Liability, VOL 20, n.º6,
Maastricht University, 2013, p. 3.
485
Ao contrário do que se passa em sede de responsabilidade objetiva, onde, por força dos artigos 508 e
510 do Código Civil.
109
pode constituir um desincentivo ao exercício das atividades
486
. Sobre esta crítica,
diremos que é certo que há um risco, contudo, não entendemos que é desmedido,
pois, será sempre obrigatório parametrizar o montante indemnizatório com o princípio
da proporcionalidade. Depois, quanto ao facto de ser um desincentivo ao exercício das
atividades, na nossa conceção político-axiológica, parece-nos, pelo contrário, um
efeito excelente. Por outro lado, relativamente à segunda critica, que se consubstancia
no facto de que a omissão do teto dificulta o desenvolvimento de um mercado sólido e
robusto de seguros de responsabilidade ambiental487. Segundo BILHIM, Portugal deve
regulamentar o DL 147/2008 seguindo o exemplo da Alemanha, referindo que,
atualmente, pelo facto de se haver optado por não regulamentar – mediante
aprovação de portaria – asàsegu ado asàdispo i iliza a àsegu osàdeà
p
ioàdeà .
.
€à o àu à
€488. Em sentido inverso, poder-se-á argumentar que a falta de limite
poderá permitir um maior montante no caso de haver uma especial preocupação do
regime (princípio da precaução) acompanhada por uma especial consciência do juiz
aquando da determinação do montante devido pelo operador-poluidor, não
descurando, mas desconsiderando a ponderação do custo social489. Pelo que foi dito,
essencialmente por motivos de congruência com a opção defendida quanto à
notificação, consideramos que também não será má ideia consagrar um financial
CAP490 seguindo o exemplo de Espanha (harmonização legislativa Ibérica).
12.5
A falta de notificação
Atentando sobre a legislação europeia, podemos constatar que esta é silente no
que tange a obrigar uma entidade a notificar o facto de haver constituído uma garantia
obrigatória nos termos da lei. Ora, de facto, a lei portuguesa também não prevê
486
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu, … àp.à
.
487
ARAGÃO, Alexandra, O princípio do poluidor-pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu, … p. 147.
488
BILHIM, João, A responsabilidade por danos ambientais e o seguro como instrumento de política: A
situação Portuguesa, Revista Iberoamericana de Derecho Ambiental y Recursos Naturales, IJEditores,
2013, p. 6.
489
Não excluímos aqui o raciocínio segundo o qual, na hipótese de um regime onde vigore o princípio da
precaução, ser inadmissível a ausência de um limite.
490
FAURE, Michael, DE SMEDT, Kristel, PEDRAZA, Julia, Compulsory Financial Guarantees for
Environmental Damage, What can we learn from Spain?, Journal Environmental Liability, VOL 20, n.º6,
Maastricht University, 2013, p. 3.
110
expressamente tal comando, pelo que, seria deveras vantajoso que tal viesse a ser
previsto, isto é, que notificar a APA da garantia constituída bem como do seu teor
(rectius montante) se tornasse obrigatório. Dizemo-lo pelo facto de que tal obrigação
seria uma observância mais forte ou intensa dos princípios da segurança e da certeza
jurídicas numa aceção segundo a qual a entidade sobre a qual recaísse o direito de
recuperar esse montante, no caso concreto de 2016, a APA, poderia saber, de
antemão, qual seria o tipo e o montante da garantia constituída. Para além disto,
outras motivações de transparência e integridade se afiguram como razões
ponderosas e bastantes para que tal obrigação se venha a constituir. Sinceramente,
não vislumbramos quaisquer vantagens em não se adotar este preceito e podemos
mesmo dizer que, salvo melhor opinião, o custo da notificação (medida legal) seria
mínimo, consubstanciando-se quiçá numa mera transmissão de dados (v.g. e-mail). Por
fim, a introdução legislativa poderia materializar-se na aposição de um novo número
no artigo 22º, ou seja, um novo nº 5. Por último, se atentarmos na legislação
estrangeira, podemos ver, no caso espanhol, o artigo 24º, nº 3 a isso obriga porque
postula que
losà ope ado esà de e a à o u i a à aà laà auto idadeà o petente la
constitucion de la garantia financeira a la que vengan obligados de acuerdo com el
apa tadoàp i ei oàdeàesteàa ti ulo .
111
Conclusões
1. Logo no ínicio da presente obra, no ponto 1. da Parte I, concluímos que dano
ecológico se poderá definir como sendo aquele tipo de dano em que não se afetam
bens apropriáveis, ao passo que dano ambiental será aquele tipo de dano que tem
repercussões na esfera individual de um particular. A distinção realiza-se,
sobretudo, por meio de um critério de suscetibilidade de apropriação.
2. No ponto 2., relativo à imputação da responsabilidade civil por danos ecológicos,
pudemos analisar como se configura o âmbito de aplicação do DL 147/2008, de 29
de julho, e quais os tipos de responsabilidade que lá estão previstos. Efetivamente,
depois de sopesados vários argumentos, de onde se destaca o argumento da
racionalidade económica, consideramos não haver margem para duvidar que a
responsabilidade objetiva em sede de imputação de dano ecológico veio para ficar.
3. Em seguida, optamos por abordar os requisitos da responsabilidade civil por dano
ecológico bem como os seus problemas.
4. No que se refere à poluição de caracter difuso, atentando sobre o DL 147/2008,
que se insere na categoria da causalidade alternativa, constatamos que, por se
tratar de matéria do foro internacional, convoca barreiras de jurisdição e de
efetivação de responsabilidade.
5. Em relação ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, no ponto 4., pudemos
constatar que existem várias teorias para substituir a clássica e naturalista doutrina
da conditio sine qua non, bem como a teoria do fim da norma, de onde se
destacam as teorias assentes na probabilidade.
6. Ainda nesta área, analisamos as formas de imputar o nexo causal em situações em
que há mais do que um responsável, ou seja, tanto em situações de
responsabilidade
plural,
como
em
situações
de
multicausalidade.
Na
responsabilidade plural, vimos a responsabilidade das pessoas coletivas no direito
112
positivo, a pluralidade de lesantes (ou comparticipação), ao passo que na
multicausalidade, pese, embora, o facto de haver uma dissonância na doutrina,
dividimo-las em causalidade complementar, causalidade cumulativa e, ainda, em
causalidade alternativa incerta.
7. No ponto 5. do estudo das causas de exclusão da responsabilidade objetiva tiramse conclusões importantes sobre o facto de estas poderem ser demasiado
permissivas. Primeiro, a responsabilidade por facto de outrem, quando se trate de
uma situação em que haja concurso deste com uma quebra do dever de cuidado
do operador, deverá o segundo sobrepor-se ao primeiro. Segundo, na
responsabilidade por ordem ou instrução administrativa 5.3, em Portugal é
possível aos operadores utilizarem esta causa de exclusão, diversamente do que
sucede em Espanha. Terceiro, o ato autorizativo da Administração Pública
enquanto causa de exclusão (permit defense) é defendido pela Comissão Europeia,
todavia, depois de analisados os argumentos desta parte, não obstante,
defendemos que haja uma mitigação de responsabilidades. Quarto, sobre a causa
de exclusão por desconhecimento (state-of-art defence), concluímos que vigora um
princípio de proibição de retroatividade, quanto à responsabilidade do operador.
Contudo, consideramos que deve haver responsabilidade do fundo para atuar em
conformidade, v.g. medidas de prevenção e reparação (optando-se por socializar o
risco desconhecido do desenvolvimento). Quinto, a força maior, concluímos que se
pode extrair por vários modos e o seu ressarcimento entra na área das catástrofes
naturais.
8. Sobre o ponto 6. foi possível concluir que a reparação do dano ecológico obedece
ao princípio da restitutio in integrum ou princípio de preferência pela restauração
natural, cujos limites são dados quer pelo princípio da proporcionalidade, quer
pelos limites de caracter técnico e cientifico. Para além de concluirmos que, em
situação de conflito de dano ecológico e dano ambiental, deve prevalecer a
indemnização do dano ecológico, considerando que o intérprete deve dar primazia
ao regime especial da norma jurídico-pública para além de vigorar efetivamente
um princípio da proibição de dupla reparação.
113
9. Posteriormente, na Parte II, depois de classificar as garantias em sentido lato de
modo a albergar os seguros, optamos por classificar as garantias quanto ao facto
de serem pessoais ou reais, de serem self-demonstrated ou purchased, serem ex
ante ou ex pos e, ainda, pelo facto de se prestarem a dispersar o risco, i.e.,
disseminar).
10. Somoes da opinião que as garantias obrigatórias são economicamente mais
eficientes do que as garantias facultativas porque obrigam os operadores a
internalizarem os custos, que não há um princípio de taxatividade nas garantias e
que existe um princípio da exclusividade da garantia.
11. Primeiro, em relação aos seguros, pudemos concluir que são a principal forma de
garantir o ressarcimento do dano ecológico (reparação e prevenção), têm
importantes funções no âmbito da gestão do risco. Segundo, os seguros são a
modalidade principal de garantias financeiras, precisamente pelo facto de ser
possível fazer cosseguros comunitários e resseguros, de forma a criar pools que
cubram uma área maior de danos ecológicos.
12. Em seguida, abordamos certas questões relacionadas com os seguros, onde
concluímos ser possível obrigar as seguradoras a fornecer produtos, todavia, não é
possível obrigar a fornecer a extensão máxima de danos. Sobre a questão das
seguradoras enquanto policeman, concluímos que a sub-rogação deve ser
incentivada por uma questão de eficiência, diminuição de custos administrativos e
como forma de monitorizar. Por fim, ainda especificamente sobre as seguradoras,
concluímos que, ao nível da política ambiental, tanto será plausível pensar que as
seguradoras possam restringir o acesso de operadores a atividades, pela hipótese
da não concessão do seguro, como pensar no facto de que, pela lei dos grandes
números, lhes será conveniente ter mais players a operar.
13. Segundo, relativamente às garantias bancárias, pudemos concluir que são a
garantia mais fraca do ponto de vista da política legislativa pelo motivo de que,
114
quando confrontada com outras garantidas tomando por base certos parâmetros,
apresenta-se como aquela que tem menores vantagens, quer do ponto de vista do
Estado, quer do ponto de vista do operador. Apesar de não acharmos uma crítica
forte no sentido da sua supressão, também não consideramos haver bons
argumentos para a sua continuação. Daí que Portugal deva harmonizar o seu
sistema de garantias com Espanha (que tem uma forte consciência nesta área das
garantias).
14. Terceiro, sobre os fundos próprios enquanto garantia, pudemos enumerar algumas
espécies existentes e concluir que, nesta sede, os testes financeiros devem ser
analisados com muita cautela por parte do legislador uma vez que são mecanismos
que se prestam mais a fraudes.
15. Quarto, naquilo que concerne à utilização dos fundos coletivos, que são vistos pela
doutrina como a grande alternativa aos seguros, vimos as suas espécies mais
comuns e concluímos que é a modalidade de compensação geral que pode ser
utilizada para substituir o seguro. Não obstante, os fundos de garantia podem ser
constituídos para abranger as áreas que as apólices não cubram, tais como,
designadamente, o dano órfão, a insolvência do operador. Ainda neste âmbito,
concluímos que, em sede de política fiscal, as contribuições para estes fundos
possam ser, à semelhança dos prémios dos seguros, dedutíveis em sede fiscal. Já
em relação à concorrência, genericamente, devemos ter presente a ideia de que os
estados membros da União Europeia devem pugnar pelo princípio da
reciprocidade, sendo que, se impõem certas garantias às suas indústrias deverão
pretender que outros estados também o façam. Por fim, a questão do
financiamento resolve-se através de impostos (sobre poluição), receitas
provenientes de ilícitos de ordenação social ou ainda de market based instruments
(MBI).
16. Desta feita, no ponto 9., ainda analisamos outras formas de garantir a
indemnização do dano ecológico, tais como o contrato de partilha do risco (risk
sharing agreement), o seguro cativo (captive insurance) e ainda os mercados de
115
capitais (à semelhança das CAT bonds), sendo que, consideramos que quer o risk
sharing agreement quer a captive insurance não devem ser implementados pelo
legislador português. Já quanto às CAT bonds, consideramos que também não se
deverá optar por essa hipótese a menos que se trate, por exemplo, de um dano
ecológico provocado por uma força da natureza (força maior).
17. No ponto 10., abordamos o recém-criado superfundo ambiental apenas para dar
conta de que é este fundo que tem a incumbência de, em última ratio, proceder à
reparação e compensação pelo dano ecológico e que seria o gestor de um
potencial fundo para dano órfão que ficaria na sua órbita (ao lado de outros
fundos).
18. Depois de efetuado um confronto entre as garantias do regime constante do DL
147/2008 tendo em consideração aspetos como o risco moral, o montante coberto
pela garantia, os custos administrativos, a capitalização, o duplo controlo (ou subrogação do controlo), a perdurabilidade da garantia bem como a probabilidade de
cumprimento, pudemos constatar que o seguro é a melhor opção do ponto de
vista do legislador, não obstante, os seus grandes desafios podem ser minorados. O
risco moral, pode ser reduzido pela utilização de self insurance como dedutíveis e o
facto de poder haver expropriação administrativa.
19. Em seguida, o problema genérico da assimetria da informação é resolvido pela
cooperação entre os seguradores que, ao contrário de outras áreas (v.g. Saúde), já
podem cooperar legalmente e não à margem da lei.
20. A seleção adversa resolve-se pela obrigatoriedade de constituir seguro. Por fim,
defendemos que os seguradores se devem juntar ao pool espanhol, formando um
pool ibérico, ou, participar em cosseguros comunitários. Tal situação, quanto a nós,
corresponde à melhor forma de efetuar um spread out de riscos.
21. Depois de analisada a questão da dimensão do operador, atendendo ao específico
caso de Portugal, as pequenas e médias empresas (PME) devem adquirir garantias
116
financeiras, designadamente, seguros e participação em fundos. Todavia, devem
ser protegidas da concorrência de outras empresas que não tenham esta exigência
e devem ter benefícios fiscais pelas despesas que tiverem com elas.
22. Consideramos que a melhor resposta a dar à situação da insolvência se traduz em
obrigar à constituição de um seguro, à semelhança da resposta para o problema da
seleção adversa, não descurando, também, a obrigatoriedade de prever
legalmente uma monitorização dos membros dos fundos para evitar, por exemplo,
hit and run.
23. Em relação ao sistema de garantias, no ponto 12.3, consideramos que há uma
grande margem para configurar o sistema, designadamente, quanto à
segmentação e ao tipo de garantia que se exige. Contudo, a conclusão que se
retira, em abstrato, aponta para que o sistema deva ter, pelo menos, seguros e
fundos coletivos, onde, a self insurance apareça como dedutível do seguro. Sendo
o seguro a forma de garantir regra ao passo que o fundo coletivo seria
complementar.
24. Sobre a questão da existência de um limite definido pela portaria, pesados os
argumentos, damos prevalência à opção que vai no sentido da consagração do
limite, designadamente, por força do argumento da segurança jurídica.
25. Em relação à questão da notificação da constituição das garantias, não há qualquer
margem para dúvida de que o legislador deve apor essa alínea e, assim, impor esse
comportamento.
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