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E96
A expansão econômica e geopolítica da China no século XXI:
diferentes dimensões de um mesmo processo / organizador Javier
Vadell. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.
288 p.:il.
Bibliograia.
ISBN 978-85-8229-076-7
1. Geopolítica - China. 2. Planejamento regional. 3. Relações
internacionais - Aspectos sociais - China. I. Vadell, Javier. II. Título.
CDU:911.3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
7
Javier Vadell
1. A NOVA TEORIA DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS CHINESA E A ASCENSÃO DO
PAÍS: O CONCEITO DE TIANXIA
13
Marcos Costa Lima
2. O SONHO CHINÊS VERSUS O SONHO
AMERICANO NO REORDENAMENTO MUNDIAL:
MESMA CAMA?; SONHOS DISTINTOS?
43
Li Xing
Timothy Shaw
3. INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO CHINÊS
NA UNIÃO EUROPEIA
73
Yuan Ma
Henk Overbeek
4. EL PAPEL DE CHINA EN EL ACTUAL PROCESO
DE RECONFIGURACIÓN GEOECONÓMICA
Y GEOPOLÍTICA EN AMÉRICA LATINA. UN
ANÁLISIS DE SUS IMPLICACIONES EN LAS
DINÁMICAS DE LA COOPERACIÓN SUR-SUR 103
Giuseppe Lo Brutto
5. CHINA Y EL RENACIMIENTO DE ÁFRICA
139
Rafael Domínguez
6. A REEMERGÊNCIA CHINESA E OS CONFLITOS
TERRITORIAIS NO MAR DO SUL DA CHINA 185
Mariana Burger
7. O BRASIL E A CHINA
NA ATUALIDADE: PERSPECTIVAS SOBRE
O APROFUNDAMENTO DA COOPERAÇÃO
DESIGUAL A PARTIR DO COMÉRCIO,
DOS INVESTIMENTOS E DO CRÉDITO
205
Javier Vadell
Pedro Neves
8. A INTERNACIONALIZAÇÃO DO RENMINBI E A
ASCENSÃO DO PODER MONETÁRIO CHINÊS 235
Aline Regina Alves Martins
9. O ATUAL MOMENTO DO DESENVOLVIMENTO
CHINÊS: PLANEJAMENTO REGIONAL,
INVESTIMENTO E COMÉRCIO
INTERNACIONAL
259
Alexandre Cesar Cunha Leite
SOBRE OS AUTORES
285
INTRODUÇÃO
Javier Vadell
A edição do livro A expansão econômica e geopolítica da
China no século XXI: diferentes dimensões de um mesmo processo foi possível graças ao produtivo debate ocorrido no
III Seminário sobre as Potências Médias, organizado pelo
Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas
e pelo Instituto de Estudos da Ásia (IEA) da Universidade
Federal de Pernambuco, com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
em agosto de 2016, no Campus Coração Eucarístico da
PUC Minas. O Grupo de Pesquisa sobre as Potências Médias (GPPM) da PUC Minas vem organizando seminários
e participando de diversos eventos, encontros e simpósios
sobre essa temática. Nessa oportunidade, a jornada esteve
dedicada a um assunto da maior relevância nas relações
internacionais. Trata-se dos desdobramentos do processo
de ascensão da República Popular da China (RPC), especiicamente nas suas dimensões econômicas e políticas.
A ascensão, a emergência – ou reemergência – da
China na economia e na política internacional constituem
um dos maiores e mais importantes acontecimentos dos
últimos 15 anos nas relações internacionais e marcarão
deinitivamente o século XXI. Como destaca Li Xing
7
(LI, 2016), desde a chegada ao poder de Deng Xiaoping
em inais da década de 1970, o governo chinês sob a
sua liderança esteve determinado a promover o grande
objetivo de desenvolvimento nacional, resumido em: desenvolver a economia nacional, incrementar a produção
e a produtividade, elevar a qualidade e standard de vida
da população e promover a legitimidade da liderança do
Partido Comunista da China (PCC). A estratégia adotada
durante o período das reformas na década de 1980 até os
anos 2000 fundamentou-se no ditado de Deng Xiaoping:
“observe cautelosamente, mantenha o baixo peril, espere
seu momento, enquanto obtenha algo que foi realizado”1.
Como lembra Li Xing, a expressão idiomática é “Tao
Guang Yang Hui”, que signiica “oculte o brilho e cresça na
escuridão”2, que em outros termos seria manter um peril
baixo no decorrer do processo de reformas e crescimento,
uma escolha estratégica de “esperar o momento quando a
China estiver pronta para se airmar na esfera global e estar
preparada para realizar o desaio” (LI, 2016).
O debate a respeito do modelo de desenvolvimento da
RPC a partir do começo da liderança de Deng Xiaoping
é motivo de debates e controvérsias. Não obstante, ele não
seguiu os postulados neoliberais e não aderiu ao Consenso
de Washington. O modelo, denominado de “socialismo com
características chinesas”, seguiu uma trajetória sui generis,
produto de suas características territoriais, demográicas
e sociais, nunca renunciando à soberania no seu processo
de ascensão.
Após o fim da Guerra Fria, a grande expansão da
globalização neoliberal adquiriu duas características
essenciais: por um lado, como destaca Overbeek (2016,
1
2
“Watch cautiously, keep a low proile, bide your time, while also
get something accomplished.”
“To hide brightness, and to nourish obscurity.”
8
p. 311), uma acelerada expansão e intensificação da
acumulação capitalista. Com maior precisão, “expansão
refere à propagação espacial das relações capitalistas”,
que implica a incorporação de regiões aos “circuitos de
circulação de capital”. Por outro lado, a intensificação
significa o processo de aprofundamento da commodification das economias capitalistas mediante as quais
“novas esferas da existência humana estão sujeitas aos
propósitos do lucro privado e da disciplina das relações do mercado” (OVERBEEK, 2016, p. 311). Esse
processo de expansão e intensificação não é unívoco
nas diferentes geografias do globo, mas está atravessado e condicionado pelas contradições próprias do
processo de acumulação capitalista, pelas dinâmicas e
particularidades políticas regionais e nacionais e pelo
grau de aceitação e implementação nas sociedades.
Embora as reformas de abertura econômica terem
sido implementadas em grande parte dos países como
uma onda incontrolável, o caso da RPC surge como
um modelo de desenvolvimento muito peculiar nesse
cenário, condicionado pelos fatores apontados.
No ano de 2001, um ano após a RPC ter ingressado
à Organização Mundial do Comércio (OMC), o PCC
inaugurou oicialmente a sua política de going-out (PARELLO-PLESNER, 2016; FRIEDBERG, 2006; CUI,
2016), estimulando o comércio e os investimentos externos,
assim como a internacionalização de empresas chinesas.
Em 2009, a RPC formulou uma estratégia de política
externa que identiicava as relações com o Sul Global
como prioritárias (LEI, 2015), levando em consideração:
a) a prioridade de associações estratégicas com os países
do Sul Global (JIANG, 2015); b) a crescente importância
dos vínculos econômicos; e c) a possibilidade de alianças
com os países do Sul Global nas diferentes instituições e
organizações internacionais.
9
Nesse cenário de ascensão econômica e política,
este livro aborda algumas dimensões que valem a pena
salientar.
No Capítulo 1, o professor Marcos Costa Lima
explora o conceito chinês de Tianxia e suas implicações
para as relações internacionais. O texto apresenta uma
relexão a partir de um conceito que forma parte de uma
visão de mundo de um povo com uma história de mais
de 5.000 anos. Costa Lima salienta a tripla acepção da
expressão “Todos sob o Céu”, ou Tianxia: 1) a terra, ou
o mundo sob o céu; 2) “os corações de todas as pessoas”
(民心); e 3) “a vontade geral do povo” e suas complexas
imbricações com o pensamento ocidental e as relações
internacionais.
O Capítulo 2, de Li Xing e Timothy Shaw, foca na
complexa, interdependente e delicada relação entre os
Estados Unidos e a República Popular de China. O título remete ao imaginário, o “sonho” de ambas potências
mundiais em face das transformações no reordenamento
econômico e político global.
Yuan Ma e Henk Overbeek abordam, no Capítulo 3,
a crescente interdependência econômica entre a RPC e
a União Europeia, especiicamente nos novos padrões no
desenvolvimento do investimento externo direto (IED)
chinês na União Europeia. Examinam-se e analisam-se as
mudanças dos dados de fusões e aquisições (M&A) da base
de dados Thomas SDC no período 2002-2014.
O Capítulo 4 é dedicado às relações China com o
Sul Global. Giuseppe Lo Brutto explora as implicações das
condições atuais da relação RPC com a América Latina e
o Caribe e as suas consequências diretas nas dinâmicas da
Cooperação Regional Sul-Sul num cenário de crise na
região, recuo dos governos de esquerda e mudanças das
estratégias econômicas globais dos Estados Unidos sob a
presidência de Donald Trump.
10
O Capítulo 5 apresenta uma continuidade em
relação ao anterior, mas com foco nas relações China-África. Rafael Domínguez realiza um balanço do papel
da China no renascimento econômico e geoestratégico
da África Continental e Subsaariana no decorrer do
século XXI.
O Capítulo 6 apresenta uma problemática ríspida na
política exterior da RPC, o caso do Mar do Sul da China.
Mariana Burger analisa um dos maiores focos de tensão
regional e os desaios da potência asiática que, embora
apresente e desenvolva o discurso de desenvolvimento
pacíico, não renuncia à assertividade frente a essa questão
de soberania nacional.
Javier Vadell e Pedro Neves analisam, no Capítulo
7, a evolução do relacionamento econômico e seu aprofundamento entre Brasil e a RPC no século XXI a partir
do comércio bilateral, dos investimentos chineses e dos
empréstimos dos principais bancos da China.
O Capítulo 8 aborda o poder monetário global da
RPC e o processo gradual, embora irme de internacionalização do renmimbi.
Finalmente, o livro fecha com um capítulo dedicado
ao peculiar modelo de desenvolvimento chinês. Alexandre Cesar Cunha Leite descreve e analisa a condição atual
do desenvolvimento chinês, passando por alguns aspectos
considerados como essenciais, tomando fatores de ordem
interna da dinâmica do desenvolvimento para culminar
com algumas relexões sobre o transbordamento desse
processo para o cenário internacional.
REFERÊNCIAS
CUI, S. China’s New Commitments to LAC and its Geopolitical Implications. In: SHOUJUN, C.; PÉREZ-GARCÍA, M.
(Eds.). China and Latin America in Transition. New York: Palgrave
Macmillan, 2016.
11
FRIEDBERG, A. L. “Going out”: China’s Pursuit of Natural
Resources and iMPLICATIONS for the PRC’s Grand Strategy.
Seattle, Wash.: The National Bureau of Asian Research, 2006.
JIANG, S. China’s New Leadership and the New Development
of China-Latin America Relations. China Quarterly of International
Strategic Studies, v. 1, p. 133-153, 2015.
LEI,Y. China’s Strategic Partnership with Latin America: a Fulcrum in China’s rise. International Afairs, v. 91, p. 1047-1068, 2015.
LI, X. The Expansion of China’s Global Hegemonic Strategy:
Implications for Latin America. Journal of China and International
Relations, v. 4, p. 1-26, 2016.
OVERBEEK, H. Globalizing China: A Critical Political Economy Perspective on China’s Rise. In: CAFRUNY, A.;TALANI,
L. S.; POZO MARTIN, G. (Ed.). The The Palgrave Handbook of
Critical International Political Economy. London: Palgrave Macmillan, 2016.
PARELLO-PLESNER, J. China’s Risk Map in the South
Atlantic. Foreign and Security Policy Paper [online], p. 1-13, 2016.
Disponível em: <http://www.gmfus.org/ile/7799/download>.
Acesso em: 20 abr. 2018.
12
A NOVA TEORIA DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS CHINESA E A
ASCENSÃO DO PAÍS:
O CONCEITO DE TIANXIA
Marcos Costa Lima
INTRODUÇÃO
Reletir sobre uma sociedade como a chinesa, com
mais de 5.000 anos de história, é sempre um grande desaio.
Por mais que se queira ter um conhecimento abrangente
de sua história, de sua ilosoia, de sua cultura, a sensação é
quase sempre de incerteza ou de dúvida, ainda mais quando
não se domina a língua, quando, sendo orientado por uma
ontologia e epistemologia ocidentais, pode-se cometer uma
compreensão distorcida do país e de sua gente. Portanto,
iniciar estas relexões com esse alerta é uma tentativa de
aguçar o sentido crítico do leitor, mas também de uma
declaração de humildade do autor. Como disse Shakespeare
em Hamlet: “Há muito mais coisas entre o céu e a terra do
que imagina a nossa vã ilosoia”.
Este artigo tem a intenção de aprofundar o conceito
de Tianxia3, bastante discutido entre acadêmicos chineses
3
Tianxia é uma palavra chinesa e um conceito cultural chinês antigo que denota o mundo geográico em sua totalidade ou o reino
metafísico dos mortais e foi associado mais tarde com a soberania
política. Na China antiga, Tianxia denotou as terras, o espaço e a
área divinamente nomeados ao imperador por princípios de ordem
universais e bem deinidos. O centro desta terra foi distribuído
diretamente à corte imperial, formando o centro de uma visão de
13
1
das ciências humanas, e que volta à cena, sobretudo em
razão da ascensão do país4, agora como participante
decisivo e fundamental da nova ordem internacional. O
conceito de Tianxia, portanto, forma a base de uma visão
de mundo do povo chinês não só no passado, mas também
no presente. Embora os chineses estejam familiarizados
com o conceito, uma deinição clara para os ocidentais
não tem sido fácil de formular.
Para mim, é sem dúvidas que a ascensão chinesa e o
lugar que hoje a China ocupa no contexto internacional
têm levado os intelectuais chineses e suas lideranças políticas a discutirem com maior intensidade a política externa
chinesa vis-à-vis a comunidade internacional. Também, a
debaterem a necessidade de aiar seus instrumentos teóricos
de análise, de discutir e avaliar as abordagens ocidentais no
campo das relações internacionais que começaram a inluir
nos debates chineses desde a abertura.
4
mundo que centrou-se na corte imperial e foi concêntrica externamente a oiciais de mais alta patente e menores e então aos cidadãos
comuns, tidos como estados tributários e inalmente terminando
com a franja “bárbaros”.
A expressão “ascensão chinesa” ou “ascensão da China” foi primeiramente utilizada pelo renomado professor Yan Xuetong da
Universidade de Tsinghua, em seu controvertido livro que se intitula
International Environment of China’s Rise, publicado pela Tianjing
Renmin Chubanshe in 1998, e depois em seu artigo “The Rise
of China in Chinese Eyes”, publicado pelo Journal of Contemporary
China (v. 10, n. 26, p. 33-44, 2001). O conceito foi utilizado em
termos da história chinesa e de seu ambiente internacional, mas
também em termos de uma perspectiva de política internacional
da China e de suas estratégias estabelecidas por lideranças chinesas
para o presente e o futuro. A noção, contudo, de “ascensão chinesa,
causou debates internos no país após a publicação do livro em 1998.
O governo chinês de Jiang Zemin rejeitou o conceito e a palavra
“ascensão” (Jueqi) foi proibida de aparecer em documentos oiciais.
O conceito de “ascensão pacíica” foi posteriormente reintroduzido
em 2003 no Boao Forum por Zheng Bijian, chairman do Fórum de
Reforma da China.
14
Como foi sintetizado por Jabbour e De Paula (2017),
o processo de desenvolvimento econômico chinês é um
dos fenômenos mais impressionantes do mundo desde,
sobretudo, o início dos anos 1970. A China teve um
crescimento médio do PIB nos últimos 35 anos de 9,5%
ao ano, sendo que a renda per capita no período passou
de US$ 250, em 1980, para US$ 9.040, em 2014. A dimensão da relação investimento/PIB (45,6% em 2015)
foi espetacular. As reservas cambiais (US$ 3,1 trilhões
em dezembro de 2016) e o volume de comércio externo (35,9% do PIB) são feitos extraordinários e que têm
alterado a lógica da hegemonia dos Estados Unidos da
América, que evidentemente passam a pesar a ascensão
chinesa como uma forte possibilidade5.
Esse espetacular avanço chinês pode ser percebido nas
ilustrações que apresento a seguir:
Gráico 1 – Crescimento econômico médio
(2005-2011)
Fonte: COSTA LIMA, 2016.
5
Ver o debate estabelecido entre Mearsheimer (University of Chicago) e Yan Xiatong (Tsiang Hua University), disponível em <https://
youtu.be/wBrA2TDcNto> (“Pode a China crescer paciicamente?”,
novembro de 2013).
15
A força do Gráico 1 é evidenciar que o crescimento
mundial tem sido obtido, sobretudo, a partir da China e da
Índia entre 2005 e 2011 (COSTA LIMA, 2016).
A Tabela 1, extraída de Madison (mais abrangente
no tempo), apresenta o crescimento do PIB entre 1971 e
2008, por regiões e países em desenvolvimento e industrializados.Veriica-se o forte desempenho da Ásia, entre
os países em desenvolvimento, e uma queda acentuada
entre os países industrializados.
Tabela 1 – Crescimento do PIB 1971-2008
de regiões e países em desenvolvimento e
industrializados
Dados de 1971 a 2008
Países em desenvolvimento
Ásia
África
América Latina
Países industrializados
Mundo
19711980
5,23
5,31
4,01
5,57
3,34
3,82
19811990
4,07
5,60
2,22
1,34
2,89
3,08
19912000
4,93
5,76
2,67
3,19
2,58
3,06
20012008
6,41
7,26
5,01
3,52
1,91
4,20
Fonte: MADISON, 2007.
Retomando o io da argumentação, parece-nos evidente que a política externa chinesa não está alheia ao
vertiginoso crescimento econômico chinês, mas, ao contrário, produz um movimento no sentido de se ter maior
clareza sobre qual seria a melhor estratégia internacional
da China no contexto de sua emergência.
Se tomarmos os quatro pontos considerados como
estruturais por Susan Strange para a análise da construção
de um processo de hegemonia – i) segurança; ii) produção; iii) inanças; iv) conhecimento –, a China estaria bem
representada em todos eles.
16
A legitimidade do Partido Comunista é, em boa medida, pressionada pelo “rejuvenescimento da nação”, um
conceito que inclui a airmação chinesa sobre as ilhas em
disputa, mas também sobre o espaço aéreo e a expansão
sobre os mares do Sul e do Leste. Esse conceito contempla parte da estratégia militar chinesa e, em certa medida,
gera contradições internacionais, ao crescer a insegurança
de outros países na região e no mundo. E internamente
fragiliza o conceito de Tianxia e da busca da harmonia,
como veremos na sequência.
O presidente Xi Jiping tem amplamente demonstrado seu interesse em perseguir esses objetivos, em parte
acelerando a transformação do exército de liberação do
povo em uma força de padrão mundial com operações
muito além da Ásia. Em um ambiente econômico mundial
menos exuberante, deve também crescer em importância
a necessidade de Beijing manter em paz o seu ambiente
regional, expandindo seu comércio e investimentos com
os vizinhos e também com a África e a América Latina.
Ao mesmo tempo, o gigantesco projeto One Belt
One Road, estimado em mais de US$ 1 trilhão de investimentos em projetos de infraestrutura e que demandará
muitos anos para sua implementação, criará um cinturão
econômico poderoso na Eurásia, também articulado
com sua face marítima da Silk Road, que representará
uma forte alocação de mão de obra chinesa para o empreendimento.
Barry Buzan (2010) acredita, diferentemente de Mearsheimer, que a China poderá manter sua ascensão paciicamente, entendendo que a versão chinesa é viável, mas
que se tornará mais difícil quando o ritmo de crescimento
da China for diminuindo.
A China terá que pensar seriamente, tanto em seus
desaios internos quanto externos, em um mundo no qual
se tornou um dos grandes players. Esse processo, numa crise
17
sem perspectiva de terminar, criará fortes tensões, com os
Estados Unidos, o Japão, no momento em que não pode
repetir os seus feitos extraordinários desde 1978. Mas, se
há um país melhor posicionado entre as grandes potências
para enfrentar os desaios da contemporaneidade, é a China.
Contudo, ela não poderá manter uma distância confortável
dos problemas hoje enfrentados pelo Ocidente, pelo fato
de ter se tornado um grande poder.
Desde a vitória de 1949, o marxismo foi a escola
de pensamento dominante no país e só nos anos 1990 as
traduções de clássicos ocidentais passaram a constituir um
quadro de referência mais amplo, quando foram traduzidas
obras de Morgenthau, Waltz e Gilpin (QIN, 2009). Nessa
dinâmica, a academia chinesa acaba recorrendo a seus clássicos, pois, em se tratando de uma cultura mais que milenar,
retomam uma sabedoria internacionalista de rica e densa
raiz cultural chinesa.Assim, autores da dinastia pré-Qin (221
a. C.) foram revisitados (QIN, 2009). Como airmou Daniel
Bell (2011): “Yan (Xuetong) makes use of the analytical
tools of modern international relations theory to sharpen
understanding of the international political philosophy of
pre-Qin thinkers. But the pre-Qin thinkers can help to
improve modern theories”. E o próprio Yan Xuetong é
ainda mais assertivo quando airma:“What pre-Qin thinkers
have to say about international relations is all grounded in
policy, their thought is oriented toward practical political
policies” (YAN, 2011).
Assim, autores como Guanzi (645 a. C.), Lao Zi (604531 a. C.), Confúcio (551-479 a. C.), Mencius (372-289 a.
C.), Xunzi (310-220 a. C.), Hanfeizi (279-233 a. C.) têm
suas obras analisadas por Xuetong, evidentemente tendo
como parâmetro as teorias das relações internacionais do
Ocidente.Voltaremos a esses autores posteriormente.
Ren Xiao (2009) faz relexões importantes sobre o
tema, dizendo que a Academia Chinesa de Relações In18
ternacionais tem hoje uma maior autoconsciência e um
sentido crescente de autonomia e expressa que os novos
desenvolvimentos da matéria na China estão em explorar a construção de uma “Escola Chinesa” de estudos de
relações internacionais. O argumento vem somar a um
amplo e denso discurso internacional centrado nos estudos
pós-coloniais, com raízes na Índia, na América Latina, na
África. Para Xiao, em 1987, durante a primeira conferência nacional sobre teoria das relações internacionais
que houve em Shangai, Huan Xiang, então diretor-geral
do China Center for International Studies e, por longo
tempo, um consultor e orientador dos líderes chineses
na questão, colocou o problema da necessidade de que a
China tivesse sua própria teoria de relação internacional,
ou uma relação internacional com características chinesas
(XIAO, 2009, p. 293).
As relações internacionais surgiram na China como
uma disciplina acadêmica autônoma no início dos anos
1980. Nas últimas décadas, o campo se tornou vigoroso,
em que pesem diversas inibições e constrangimentos ideológicos. Mas o país pode hoje disputar como uma das
maiores comunidades epistêmicas no mundo em termos
de número de estudantes, faculdades e centros de pesquisa,
analistas políticos e praticantes. A década de 1990 também
assistiu à americanização dos estudos chineses em relações
internacionais, e muitas academias chinesas tomaram por
empréstimo conceitos desenvolvidos a partir de experiências ocidentais para desenvolver o campo na China. Muitas
delas acabaram por descobrir que a aplicação mecânica
desses conceitos não ajudaria na compreensão do comportamento chinês nas relações internacionais.
Yonghian Zheng (2010), em prefácio ao livro que edita
e homenageia a igura do historiador Wang Gungwu, lança
duas questões centrais, ou dois objetivos: 1) qual a extensão
na qual as teorias de relações internacionais existentes são
19
bem-sucedidas ou fracassam em lançar luz sobre o comportamento chinês?; 2º O segundo objetivo maior foi o de
explorar como a China se comportou e tem se comportado
diferentemente de outros poderes, ou seja, o que distingue
a China do Ocidente? Tem afetado os assuntos mundiais:
“A Comunidade internacional, especialmente os grandes
poderes como os EUA, o Japão e a União Europeia estão
ansiosos sobre a ascensão chinesa. Enquanto este ascenso
é inevitável, permanece incerto como uma China mais
forte se comportará nos assuntos mundiais” (ZHENG,
2010, p. XV).
Para ele, o estudo das relações internacionais na China
vive um ponto crítico, pois esse país está ascendendo muito
rapidamente para se tornar um grande poder mundial e
sua ascensão permanece uma incógnita. Ao mesmo tempo, entende que existem muitas inadequações na teoria
das relações internacionais que não ajudam a entender o
comportamento internacional da China – e sabe-se que os
parâmetros do liberalismo e do realismo não são capazes
de enquadrar o país em suas dimensões.
De todo modo, a China mantém irmemente o que
considera seus quatro pilares em matéria de política externa:
1) manutenção de sua integridade territorial; 2) reconhecimento pela comunidade internacional da política de “Uma
só China”; 3) propiciar o desenvolvimento econômico do
país; e 4) incrementar seu prestígio no âmbito internacional.
Esses pontos estariam concretizados na tese da ascensão
pacíica, de Hu Jintao (2015, p. 4).
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NA CHINA
Um dos mais prestigiados analistas de relações internacionais chinesas, Qin Yaqing, tem airmado que uma
das questões mais importantes para ele nos dias atuais é
20
se os chineses deveriam continuar aceitando a dominação
do discurso ocidental nas relações internacionais e, mais
particularmente, nas ciências sociais em geral.
Qin airmou em entrevista:
I think Chinese ideas, Chinese cultures, and
Chinese narratives can make contributions to
the knowledge ediice of IR and the social
sciences. So I think this is an important debate
to which the Chinese ideas and narratives can
contribute. That does not mean that they will
replace others, they simply add something new,
something non-Western, so that we can enrich the whole knowledge of IR and the social
sciences (REUTZFELDT, 2011).
Em seu estudo “Development of International Relations Theory in China: Progress Through Debates”
(QIN, 2011), Qin argumentou que o primeiro debate resolveu a questão sobre se a China se funda numa
revolução proletária ou é um estado-nação normal. O
segundo debate discutiu, sobretudo, se a China deveria
ser um ator hobbesiano ou lockiano, e o terceiro debate
tratou inalmente de uma questão fundamental sobre se o
rápido crescimento chinês produziria uma ascensão com
características violentas ou se seria um membro pacíico
da comunidade internacional.
Para Qin, os 30 anos de desenvolvimento das teorias
das relações internacionais também mostrou um fato, a
saber, que essas, especialmente as produzidas nos Estados
Unidos, eram dominantes em escala mundial. Os dados
estatísticos comprovavam que nesse período basicamente
foram utilizadas as três teorias mais reconhecidas nos Estados Unidos – o realismo, o liberalismo e o construtivismo –,
e que os debates ocorridos na China haviam sido moldados
por essas três teorias (QIN, 2009).
21
No início do século XXI, com a China ampliando sua
integração com o resto do mundo e passando a ocupar um
lugar central como segunda economia mundial, veriicouse um forte desenvolvimento da teoria das relações
internacionais no país, que estimulou os acadêmicos chineses
a criarem algo próprio, embora não substituindo a teoria
das relações internacionais ocidental, mas a enriquecendo-a
com a tradição e a história chinesa (ZI, 2003; XIAO, 2009;
QIN, 2004).
Para boa parte dos acadêmicos chineses em relações
internacionais, passa a ser razoável pensar que num mundo
em acelerada mudança na ordem mundial, nas instituições
e na cultura, o que a China e sua cultura poderiam contribuir teoricamente para construir essa nova ordem.Tanto o
conceito de harmonia quanto o de Tianxia são enraizados
na cultura chinesa por milênios.
Qin apresenta em detalhes o desenvolvimento da
teoria das relações internacionais através de debates na
China desde 1979. O primeiro girava em torno da abertura
chinesa para o mundo, consolidando a teoria da paz e do
desenvolvimento. O segundo, iniciado no princípio dos
anos 1990, centrou foco na melhor forma de realizar o
interesse nacional do país, caracterizando-se como uma
discussão entre realistas e liberais.Aqui, as discussões giravam
em torno das lógicas hobbesianas e aquelas do estado
liberal (Locke). Trabalhos como os de Keohane, Nye e
Rosenau foram traduzidos e tiveram muita aceitação.
Qin chega a dizer que, nos anos 1990, 37% dos artigos
relacionados às relações internacionais eram orientados
pelo realismo. Já o terceiro debate, quando, segundo Qin,
os acadêmicos chineses já dominam as três escolas teóricas,
ocorreu na virada do século XX para o XXI e tem seu
centro na questão do peaceful rise. Os realistas entendiam
que seria impossível para qualquer grande poder ascender
paciicamente, enquanto liberais e construtivistas admitiam
22
a ascensão pacíica, os primeiros centrados no papel das
instituições internacionais e os segundos na maior interação
com a sociedade internacional. Esse foi um período em que
a escola construtivista passa a ser considerada como uma
opção teórica, e, em 2003, aqueles adotaram essa corrente
já eram majoritários sobre os realistas e liberais.
Portanto, na direção de construir uma escola chinesa
da teoria das relações internacionais, os acadêmicos chineses
têm feito um grande esforço para o seu estabelecimento de
terem uma disciplina acadêmica independente.
Yan Xiatong, um dos acadêmicos mais respeitados no
campo, passou a classiicar os pensadores chineses clássicos
nas conigurações teóricas do Ocidente – por exemplo,
Mencius, discípulo de Confúcio, visto como um idealista;
Xunzi e Hanfeizi, como realistas (YAN, 2001).
Ainda sobre os debates que nortearam a academia chinesa e os ajustes que foram realizados na política externa do
país, está Xu Jin (2016). Pesquisador do World Economics
and Politics, da Chinese Academy of Social Sciences, ele é
mais detalhista que Qin no tocante às mudanças da diplomacia chinesa e aos debates internos que as provocaram o
que torna importante apresentar aqui sua argumentação.
Jin (2016) nos fala de que a política externa chinesa
sofreu cinco transições desde 1979. Ele aprofunda a questão
sobre qual seria o relacionamento entre a política externa
chinesa, endógena e exogenamente e, ainda, quais seriam as
inluências dessas mudanças sobre os acadêmicos chineses
e entre as propostas políticas governamentais, quais seriam
mais amplamente aceitas.
Para ele, a Academia Chinesa de Relações Internacionais não tem demonstrado uma visão uniicada ou
majoritária nos assuntos internacionais, ou com relação às
políticas exteriores do país. Como a política externa chinesa
é geralmente guiada por um conjunto de elites e de burocratas proissionais, ele cita Shambaugh e sua categorização
23
sobre a relação internacional chinesa, que se estruturaria
em sete escolas: i) nativista (a nova esquerda nos debates
políticos internos); ii) realista com características chinesas;
iii) a principal escola de poder; iv) Ásia em primeiro lugar;
v) a Escola do Sul Global; vi) multilateralismo seletivo; e
vii) globalismo.
De 1978 a 2012, conforme Jin (2016), as principais
ideias do governo chinês foram: 1) paz; 2) desenvolvimento;
3) cooperação; 4) de baixo peril; 5) prioridade à economia;
6) interesse nacional; 7) multipolarização; e 8) globalismo.
Por suposto, essas oito ideias não eram excludentes, mas
lideravam o processo.
Jin (2016) nos fala que os cinco ajustes diplomáticos
ocorridos corresponderam a cinco debates na academia
chinesa desde 1979. O primeiro deles se deu em meados
de 1980, quando Deng Xiaoping e o Comitê Central do
Partido Comunista julgaram que o tema do período seria
uma conjugação de paz e desenvolvimento. O segundo
deles entendeu que o “interesse nacional”, por si só, era
irrelevante para as classes sociais. Em meados dos anos 1990,
o governo chinês entendeu que a estrutura internacional
existente era de “um superpoder” e demais poderes com
hierarquias inferiores. No verão de 2004, ocorreu o quarto
debate, quando foi alterado o objetivo de “ascensão pacíica”
para o “desenvolvimento pacíico”. Em 2013, o presidente
Xi Jinping apresentou o lema “esforço para realização”
como o novo princípio básico da diplomacia chinesa. No
contexto da academia chinesa, os cinco debates diziam
respeito a: 1) se o tema do momento era de fato paz e
desenvolvimento; 2) se o “interesse nacional” estava interligado com a estrutura social de classe; 3) o debate sobre
a estrutura do sistema internacional após a Guerra Fria;
4) o debate sobre ascensão pacíica ou desenvolvimento
pacíico; e, inalmente, 5) o debate sobre se a China deveria ou não se colar ao princípio diplomático de “manter
24
um baixo peril” ou se deveria esperar os desdobramentos
internacionais no tempo.
Esses temas são resultantes das alterações da situação
internacional e de como os chineses as entendiam. Até
os anos 1980 pode-se dizer que a inluência de Mao
Tsé-Tung ainda se fazia notar, mas, no início dos anos
1990, com o im da União Soviética e a grande mudança
que ocorre no ambiente internacional, a China manteve
a ideia de Deng de peace (Oriente-Ocidente) e economic
development (Norte-Sul).
Esse debate voltou à cena entre 1990 e 2002, quando
a OTAN se lançou no Kosovo ameaçando a República
Federal da Iugoslávia, aliada chinesa, e quando os Estados
Unidos bombardearam neste país a embaixada chinesa.
Quando a Iugoslávia foi invadida pela OTAN, icou evidente para os chineses que paz e desenvolvimento eram
mais objetivos para se lutar do que uma realidade de fato.
O acadêmico Zhang Ruizhang, baseando-se em premissas
realistas, criticou asperamente aqueles que acreditavam
ser o tempo de paz e desenvolvimento. Para ele, quando
a balança de poder ou hegemonia estava para colapsar,
então era mais provável ocorrer guerra e turbulência.
Para He Fang, a escola pessimista estava superestimando
a guerra do Kosovo e seus impactos na situação mundial.
Em 2000 a revista World Afairs se reairmou enquanto
peace & development. Em 2002, no 16º Congresso Nacional
do CPC, reiterou esse julgamento. Dessa forma, chegou
ao im o debate acadêmico.
Diz Jin (2016) que, mesmo sendo o marxismo a
ideologia oicial da China desde 1949, o governo chinês
quase não implantou nenhuma política externa baseada
no marxismo desde 1978. Houve muitos desacordos entre
acadêmicos chineses em como entender a estrutura internacional pós-Guerra Fria (1991). Muitos disseram que
o mundo entraria num esquema multipolar e os Estados
25
Unidos em relativo declínio; poucos acreditavam numa
era unipolar.
Em 2008, com a crise inanceira, deu-se um novo
grande debate, em que a questão central da diplomacia chinesa girava entre desenvolvimento pacíico ou ascensão pacíica.
Jin (2016, p. 482-484) levanta seis questões para
futuros debates entre acadêmicos chineses e a diplomacia que são importantes, pois descortina o ambiente e
as dúvidas sobre o futuro lugar da China nas relações
internacionais.
A primeira delas pergunta “quanto tempo o princípio
de ‘manter um baixo peril’ permanecerá válido?”. Para Jin
(2016), os dois lemas conjuntos “manter o baixo peril” e
“lutar por realizações” têm permanecido válido por mais de
30 anos para diplomatas e acadêmicos. Porém, o governo
Xi Jinping tem dito que a diplomacia deve mudar para o
lema “lutar por realizações”.
A segunda dela pergunta “se o atual princípio de prioridade para as relações China-Estados Unidos prevalecerá?”.
O autor chama a atenção de que muito frequentemente
essas relações têm passado por fortes tensões e se não seria
importante dar maior prioridade às relações da China com
seus vizinhos. Esse seria um dos pontos mais sensíveis entre
os seis assinalados. Eu acrescentaria que, à medida que as
realizações chinesas ganharem projeção, as escaramuças
tenderão a se ampliar.
A terceira questão giraria em torno da pergunta:
“Quais seriam as perspectivas para o novo modelo de
relações entre a China e os Estados Unidos?”. Um desdobramento da segunda, pois há muitas controvérsias na academia chinesa a respeito que se pergunta sobre se a melhor
posição diplomática chinesa seria o “balanceamento” com
todos os grandes poderes.
A quarta questão é sobre o desenvolvimento da atual
estrutura internacional. Jin (2016) airma que é consenso
26
entre acadêmicos da área se a China só se tornará um
superpoder em 2049, quando atingir o the two strategic one
hundred year goals6. Outros acadêmicos acreditam que a
China atingirá a posição de grande potência já em 2023.
A quinta questão é sobre se a China renunciará a sua
política de “não alinhamento”. Questão mais que relevante,
pois a China, desde o período de Deng Xiaoping, tem
adotado este como um conceito-guia.
Finalmente,“deveria a diplomacia servir ao propósito
de construção econômica, ou se alinhar ao ‘grande rejuvenescimento’ do país?”.
Uma larga maioria de acadêmicos entende que a
diplomacia deve servir ao propósito da construção econômica. Contudo, Xi Jinping tem destacado que o objetivo
da diplomacia deveria ser aquele de servir e se submetes
aos “dois objetivos dos 100 anos” e atingir assim o “rejuvenescimento” do país.
Para Xi Jinping, a construção econômica não necessariamente atende aos pré-requisitos do “rejuvenescimento”,
que compreende uma melhoria substantiva e abrangente
na força nacional, em aspectos essenciais como políticos,
econômicos, militar e cultural, com o objetivo de ampliar
amizades e construir alianças e lealdades. Independente
do que venha a acontecer, esta última questão é decisiva,
pois nenhum país atingiu um lugar de grande potência ou
mesmo de hegemon sem aprofundar não apenas do softpower,
mas uma visão mais compreensiva da política internacional.
Essas questões revelam, a meu ver, duas coisas: primeiro,
que é a certeza e a determinação de que tanto a academia
de relações internacionais quanto diplomatas e governo já
entendem que a China, em médio prazo, ocupará a posição
de uma grande potência. Em segundo lugar, as inquietações
que permeiam os membros do governo e academia no
6
“As duas estratégias para os objetivos dos cem anos.”
27
sentido de acertar o discurso em torno das “duas estratégias
para atingir o objetivo dos cem anos”. Essa inquietação está
presente, como veremos, no esforço material e intelectual
do país em se mostrar como uma potência coniável aos
vizinhos e aos demais países, não mais como low proile,
mas como um país que pelo esforço coletivo alçou-se ao
lugar que hoje ocupa e de buscar, nos seus pensadores, a
continuidade de sua tradição, sem esquecer, como disse o
historiador Wang Gungwu:
What China is doing in foreign relations cannot
be separeted from two underlying factors. One is
that there has been a long tradition of thinking
strategically among both civil and military leaders that still guide the Chinese leaders and is
likely to continue to do so for a long while.The
other is a fundamental idea in Chinese thinking,
the prevalence and inevitability of change, something like, “the only proposition that does not
change is that everything is subject to change”.
(GUNGWU, 2009, p. 21)
O conceito de Tianxia responde à possibilidade de
a China vir a alterar os rumos da ordem mundial, num
sentido de justiça, civilização e de harmonia.
EM TORNO DO CONCEITO DE TIANXIA
O ilósofo contemporâneo Zhao Tingyang (2013)
tem, a meu ver, uma das mais consistentes interpretações
sobre Tianxia. Para ele, Tianxia foi um conceito político
nas dinastias Shang e Zho (1600 a. C.-256 a. C). Assim, no
período intitulado Primavera e Outono 770(a. C.-221 a.
C.), o confucionismo começou a enfatizar seu signiicado
moral, embora Tianxia ainda permanecesse um conceito
político. Do período da dinastia Qin em diante (221 a. C.),
o conceito moralmente orientado começou a se divorciar
28
de sua origem política, tornando-se um puro símbolo e
uma visão da moralidade.
Do ponto de vista de Zhao, o mundo ainda é um
não mundo ou é um mundo que fracassou politicamente.
Ainda não se tornou um mundo de unidade, mas permanece sendo um mundo conduzido pelo caos hobbesiano.
A idade moderna é uma idade de nações, na qual para o
entendimento de Zhao, Tianxia só pode ser entendida
como uma teoria internacional, e não uma teoria mundial.
Zhao utiliza as Nações Unidas como um exemplo dos
mais signiicativos para as relações internacionais na história moderna. Mas, ao mesmo tempo, vem demonstrar a
inabilidade das Nações Unidas para lidar efetivamente com
os conlitos mundiais. Como não há uma ilosoia política
que sirva de fundação para uma instituição mundializada,
Zhao argumenta que a teoria chinesa de Tianxia é a melhor
ilosoia para a governança global, assim ele vem detalhar
a interpretação de Tianxia.
A expressão “Todos sob o Céu” (Tianxia) representa,
em primeiro lugar, a terra, ou o mundo sob o céu. O segundo signiicado é “os corações de todas as pessoas” (民
心), ou ainda “a vontade geral do povo”. Um imperador
não aprecia realmente seu império de “Todos sob o Céu”,
mesmo que ele conquiste uma extraordinária vastidão
de domínios, a não ser que receba o sincero e verdadeiro apoio do povo dessas terras. O terceiro signiicado é
“ético e/ou político, é uma instituição mundial, é um
mundo ou um sistema universal, uma utopia do mundo
como uma família”.
O ilósofo chinês argumenta que a mais larga unidade
política no Ocidente é e tem sido o estado-nação, desde
Westfalia7, enquanto na teoria chinesa esta mesma unidade
7
O Tratado de Westfália designa uma série de tratados que encerraram a Guerra dos Trinta Anos que foi uma guerra, sobretudo, entre
29
é a estrutura do mundo ou da sociedade. Com base nessa
metodologia, o império de “Todos sob o Céu” não quer
dizer um país, mas sim um mundo institucional, uma
civilização. Portanto, o “Todos sob o Céu” é um mundo
amplamente deinido, com harmonia, comunicação e cooperação entre todas as nações, garantido por suas instituições em comum acordo. Com base nessa interpretação,
nada nem ninguém podem ser excluídos ou afastados por
causa de sua incompatibilidade com os outros, já que nada
é considerado como estrangeiro.
Zhao também aponta que essa política chinesa objetiva uma boa sociedade de ordem pacíica que requer uma
consistência ética e política e transitividade. Isto quer dizer
uma efetiva ordem política de Tianxia para os estados e,
por derivação, para as famílias, assim como para assegurar
a uniformidade da sociedade.
Inversamente, e mais baseado em Confúcio, é uma
ordem ética. Nessa perspectiva,Tianxia pode ser entendida
como uma família (家庭方式/家庭性), ou seja, nada mais
que uma grande família. O que indica integridade e harmonia, e nada que seja contrário a isso será politicamente
aceito. Além disso, esse sistema necessita ter legitimidade
ética e deve reletir a vontade geral do povo.
católicos e protestantes que marcou a Europa de 1618 a 1648 e que
buscava reduzir a força dos Habsburgos. O tratado também reconheceu oicialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça.
O Tratado Hispano-Neerlandês, que pôs im à Guerra dos Oitenta
Anos, foi assinado no dia 30 de janeiro de 1648 (em Münster). Já
o Tratado de Westfália, assinado em 24 de outubro de 1648, em
Osnabrück, foi assinado por Fernando III, sacro-imperador romano-germânico, e pelos demais príncipes alemães, de um lado, e a
França e a Suécia, de outro. Celebrou o im do conlito entre estas
duas últimas potências e o Sacro Império. O Tratado dos Pirineus
(1659), que encerrou a guerra entre França e Espanha, também
costuma ser considerado parte da Paz de Westfália.
30
Para Xu Bijun (2014), o conceito de Tianxia desenvolvido por Zhao não é igual ao antigo conceito cultural
chinês. Segundo ele,Tianxia forma a base de concepção de
mundo do povo chinês não apenas no passado, mas também nos tempos atuais. Embora não exista uma deinição
universal, ele nos apresenta duas versões em que é possível
identiicar alguns de seus elementos-chave. Corresponde
tanto ao “mundo” quanto à China. O professor Li Xiaiang
sumariza sua deinição e o núcleo duro do conceito em
quatro pontos: 1) é o mundo geográico; 2) os princípios
universais de ordem Tian (céu) e o povo – em que o povo
denota a terra ou os espaços do imperador, e este representa o elo de ligação entre o povo e o céu. Os corações
do povo representam o desejo do céu. Portanto, há um
provérbio chinês que diz: “Aquele que ganha o coração
do povo tem o direito de governar Tianxia”. 3) Existe um
centro neste mundo que caminha concentricamente para
fora, para outros lugares e povos; 4) Tianxia sempre esteve
associada com civilização (XU, 2014, p. 97).
Uma segunda deinição apresentada é a de Mou Fasong (XU, 2014). Ele considera que, além dos aspectos
geográicos, Tianxia também representa: 1) o coração de
todas as pessoas, um conceito que pode ser encontrado em
grandes obras da literatura clássica, como Lao Tzu, Chuang
Tzu, o Livro das Mutações, Xun Tzu e Mencius; 2) justiça e civilização. Tianxia precisa ter ritos comuns, cultura,
linguagem e estilo de vida.
Muito presente em Confúcio (apud XU, 2014, p. 97),
Anne Cheng (2008) detalha a noção de ritual no confucionismo a qual está muito próximo da acepção budista:“A
fórmula tornada célebre: ‘Vencer seu ego para reintegrar-se
no sentido dos ritos’, indica a necessidade de uma ascese para
disciplinar a tendência ao egocentrismo e para interiorizar
ritualmente a humanidade de suas relações com os outros”.
Portanto, bem distante da acepção ocidental dos ritos.
31
Embora Zhao Tingyang faça a sua leitura, os elementos que desenvolve estão próximos de uma citação
de Confúcio: “O bom mestre é aquele que, repetindo
embora o antigo, é capaz de ali encontrar algo novo”
(CHENG, 2008, p. 89). Assim, a ilosoia do Tianxia compreende, segundo ele, que o mundo em que vivemos está
à deriva e o conceito de mundo ocidental, nada mais é
que uma acepção geográica. Ele carece de uma identidade política por falta de unidade política. Ele airma que
o mundo não poderá ser ediicado, salvo se na condição
de ser organizado, regulado por uma instituição mundial
ela mesma fundada sobre uma nova visão de mundo,
sobre uma nova ilosoia política para o mundo. Em
termos históricos, a dinastia Zhou8, de grande valor – a
começar pelo Duque de Zhou –, legitimou seu domínio
invocando o Mandato do Céu – noção segundo a qual
o líder (o “ilho do céu”) governava por direito divino,
mas a perda do trono indicaria que ele havia perdido o
tal direito. O Mandato do Céu estabelecia que os Zhou
assumiam ascendência divina (Tian-Huang-Shangdi).
Baixo os Zhou, através da conquista e colonização,
gradualmente estenderam a cultura chinesa pelas terras
bárbaras das planíces centrais.
Para o ilósofo, essa dinastia havia desenvolvido um
certo número de ideias admiráveis, segundo ele, em matéria
de política. Os princípios essenciais são: i) as verdadeiras
soluções aos problemas de política mundial passam por um
sistema-mundo aceito universalmente e justiicado poli8
A dinastia Zhou, também conhecida como Chou, Chow e Jou, foi
uma das primeiras dinastias chinesas. Calcula-se que o início desta
dinastia tenha se dado com a queda da sinastia Shang, no inal do
século X a. C. ou século IX a. C., e seu término com a ascensão da
dinastia Qin (221 a. C.). A dinastia Zhou foi a dinastia com maior
duração em toda a história chinesa, e a tecnologia da Era do Ferro
foi introduzida na China neste período.
32
ticamente, muito mais do que pelo recurso a força; ii) um
sistema-mundo universal se justiica politicamente se ele
é dotado de uma instituição política que governe para o
benefício de todos os povos e de todas as nações e que seja
capaz de produzir a maior quantidade de bens partilhados;
iii) um sistema universal mundial funciona se ele permite
criar harmonia entre todas as nações e as culturas. Segura e
forte em seus princípios, a dinastia Zhou criou um sistema
de mundo sob o nome de “Todos sob o Céu”, ou Tianxia.
Anne Cheng (2008, p. 57), ao tratar da dinastia Zhou,
airma que a nova ordem que instaurou apoiou-se numa
mensagem político-religiosa bastante clara, a saber, recusar qualquer laço de parentesco entre a divindade e
uma família real especíica. O exercício do poder não
era mais o apanágio de uma e mesma linhagem, por
simples transmissão hereditária. O Mandato do Céu era
suscetível de ser modiicado, de passar de uma linhagem
a outra, considerada mais digna de governar. Não é por
nada que encontramos em Confúcio airmações do tipo:
“Trata o povo com consideração e serás venerado, bom
ilho para com teus pais, bom príncipe para com teus
súditos, e serás servido com lealdade, honra os homens
de valor, educa os menos competentes, e todos ver-se-ão
estimulados ao bem”.
Um outro conceito que vem associado à Tianxia, segundo Zhao (2008), é aquele de “relação” ou do relacional.
Do ponto de vista da relação, falar de uma coisa “tal qual
ela é” não possui nenhum sentido, porque uma coisa não
é jamais “tal qual ela é” por ela mesma, mas deve ser feita
tal ou qual em virtude de certas relações onde ela é implicada. A “coisa” não é mais que uma convenção linguística
para a comodidade da representação muito mais do que
uma presença real. As relações são condição ontológica
para que uma coisa se apresente enquanto tal, portanto
33
sua existência pressupõe a coexistência, em que o estatuto
da coexistência decide sobre a existência. Essa lógica ilosóica, de acordo com Zhao, é a chave que permite de
compreender a harmonia como princípio de relação entre
as coisas. A estratégia de busca da harmonia é, assim, muito
mais que uma simples cooperação. O jogo harmonioso
requer uma maneira harmoniosa de jogar muito mais do
que um simples respeito às regras9.
A concepção metafísica chinesa, centrada sobre as
relações, modiica o objetivo do jogo. Ele terá, doravante,
por objetivo de desenvolver relações harmoniosas entre
todos os jogadores, a im de maximizar os bens de todos,
muito mais do que os interesses de um só.
Portanto, muito mais do que pensam os realistas no
Ocidente, que estruturam seu pensamento a partir da
anarquia do sistema internacional,Tianxia, segundo Zhao
(2006; 2008; 2013), para além de signiicar a terra ou os
territórios situados sobre o céu, além de representar a
escolha comum de todos os povos do mundo, ou um acordo universal “do coração” de todos os povos, representa
um sistema político mundial dotado de uma instituição
mundial que permitiria e garantiria a ordem universal
se constituindo assim no objetivo maior da política. O
pensamento chinês considera que a harmonia é a condição ontológica necessária para que as coisas existam e se
9
Uma boa análise crítica do pensamento de Zhao está em Feng
(2010): “He is perhaps the irst modern Chinese scholar to have
systematically theorized the tianxia, without committing the fallacies
of Radical Confucianism, which wants to take China back into the
ancient society in toto, or those of New Confucianism, which claims
that Chinese culture has every ingredient of modernity already,
even liberal democracy. From Zhao’s works one can also glimpse
the rising intellectual tide among Chinese scholars in rethinking
China’s international role. Zhao’s project itself remains incomplete.
But it has at least succeeded in stirring up a Chinese imagining of
the future world order”.
34
desenvolvam: “criar a harmonia de todas as nações e de
todos os povos”, diz Zhao (2006).
Na mesma direção caminha James C. Hsiiung (2010),
ao desacreditar de visões unilaterais e as afasta como “universalidades falhas” do liberalismo ocidental. Ele contrasta
os valores abraâmicos (bíblicos/ocidentais ou judaicos-cristãos) com o confucionismo e resume os princípios
confucianos em quatro pontos: 1) uma abordagem peculiar sobre a natureza humana; 2) uma concepção sobre o
homem em sociedade como sendo de índole positiva e
sujeita ao aperfeiçoamento; 3) contrariamente à ideologia
abraâmica que está enraizada no pecado, a tradição confuciana está predicada na visão de que a natureza humana é
corrigível, ou potencialmente disposta para o bem; e 4) é
uma tradição que extrapola os ensinamentos de Confúcio
(551 a. C.-479 a. C).
Mencius (372-289 a. C.), herdeiro espiritual de Confúcio, por exemplo, desenvolveu uma elaborada teoria do
humanismo confuciano inspirada na noção de bondade
inata da natureza humana. Sua interpretação é consistente
com a de Confúcio de que aquilo que determina a natureza
humana é o efeito condicionante do ambiente humano (a
sociedade), incluindo a educação moral. Duas proposições
decorrem desse prognóstico da natureza humana: que a
sociedade pode gerar inluências corruptoras e que o homem encontra sua realização não no isolamento, mas no
seu ambiente social.
O conceito de “homem em sociedade” começa com
a premissa da igualdade humana natural e que a prescrição
de que uma boa educação (um valor agregado) ajudará os
indivíduos a atingir seus respectivos ideais.
Uma elite propriamente educada deve ser contemplada com um senso de missão, e seria uma incumbência do
governo intervir na ajuda do coletivo social em sua busca
de realização e de gerar o desenvolvimento macrossocial.
35
Para consegui-lo, o Estado precisa ser ao mesmo tempo
forte, eiciente e amigo dos cidadãos. O Estado tem que ser
benevolente. Só um governo assim pode transcender qualquer interesse particular e afastá-los, de modo que não deva
pensar apenas em si próprio, mas, sobretudo, em adiantar o
coletivo e o eu coletivo. A resultante dessa variável é uma
hierarquia de indivíduos de diversos potenciais e realizações
Essas diferenças alteram pontos de vista opostos entre
as visões hobbesiana e confuciana. A comparação entre
Hobbes e Confúcio sobre o Estado está em que, no Ocidente, a partir de Hobbes, o Estado não se engaja na educação moral como os gregos e os confuncianos advogavam.
Para Confúcio, o Estado tem que ser o agente cuja função
é manter a sociedade longe das inluências corruptoras.
Assim, o Estado busca a educação moral de suas pessoas
(por extensão da ênfase confuciana no familismo, na família extendida, que é frequentemente o agente prático
da educação moral).
Anne Cheng (2008) diz que Confúcio foi um fenômeno cultural chinês, surgido no século V a. C. e que
se manteve por mais de 2.500 anos e se confunde com o
destino de toda a civilização chinesa.
Trata-se de um pensamento que é uma aposta universal no homem. Para Confúcio, a vida do espírito e do
corpo constituem uma totalidade indissociável. A educação
não representa apenas o aspecto livresco, mas também a
experiência, e se aprende sobretudo no intercambio, na
relação. O objetivo prático da educação seria o de servir a
comunidade e de gerar homens bons. As elites instruídas
têm a responsabilidade de governar para o povo.A sabedoria
suprema (ren) ou o senso do humano é uma qualidade que
só se adquire em relação com os outros. A reciprocidade e
a solidariedade são a chave para o ren, que também representa
a consciência do outro, o respeito pelo outro e aquilo que garante a
harmonia das relações humanas. É necessária uma adequação
36
entre o que se diz e o que se faz. Essa integridade é que
torna o homem digno de coniança.
Para Confúcio, a relação pai-ilho fundamenta a relação política entre príncipe e súdito. O seu pensamento
sempre trabalhou no duplo registro da cultura moral pessoal
que visa à santidade interior e da missão de “organizar o
país”, um ideal institucional. Governar para ele é encarnar
o ren. O governante impõe-se pela benevolência e não
pela força. Há uma ordem de prioridade: velar para que
o povo tenha víveres suicientes, armas e coniança. Se
fosse necessário renunciar a uma dessas coisas, qual seria?
Confúcio diria as armas. E se fosse necessário renunciar às
duas coisas? Diz ele, os víveres. E, continua, desde sempre
os homens estão sujeitos à morte, mas um povo sem coniança será incapaz de sustentar-se.
Há uma passagem dos Analectos que dá bem a ideia
do que é governar:“Trata o povo com consideração e serás
venerado, ser bom ilho para com teus pais, bom príncipe
para com teus súditos, e serás servido com lealdade, honra
os homens de valor, educa os menos competentes, e todos
ver-se-ão estimulados ao bem” (CHENG, 2008, p. 86). Ou
seja, o soberano não está aí para coagir, mas para transformar
no sentido da harmonização e a educação dos súditos é
uma condição fundamental.
Essas passagens, tanto aquelas contemporâneas apresentadas pelo ilósofo Zhang Tingyang, quanto uma breve passagem pelo pensamento de Confúcio, nos fazem,
como ocidentais, estranhar as deinições da política, quer
como utopias, quer como ingenuidade, ou mesmo como
ausência de sentido pragmático e utilitário. São premissas
diametralmente opostas, mas que são recolocadas a partir
da ascensão chinesa e que, no mínimo, nos obriga a rever as
certezas ocidentais sobre o que deve ser a arte de governar
e que há outras construções do pensamento que não as
momentaneamente dominantes.
37
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo procurou, a partir da ideia e do conceito
de ascensão chinesa, indicar qual tem sido o debate que se
trava na Academia Chinesa de Relações Internacionais e
nas ciências sociais, seja pelos três debates (QIN, 2009) ou
os cinco ajustes realizados pela diplomacia daquele país, de
1978 ao período atual de Xi Jinping.
Também busquei aqui explicitar as discussões entre
acadêmicos e diplomatas chineses sobre a necessidade,
estimulada pelo processo de ascensão, de retomar os conceitos dos pensadores antigos chineses, veriicando-se uma
profunda e densa matriz cultural própria. Após 30 anos de
dominação por cânones das relações internacionais ocidentais, percebem uma inadequação com a sua tradição.
Daí o movimento de produzir uma teoria das relações
internacionais com característica chinesa.
O conceito de Tianxia, associado àquele de harmonia, está enraizado na cultura chinesa e pode trazer uma
imensa contribuição à maneira predominante, maquiavélica, hobbesiana e neorelista de pensar as relações políticas
internacionais. Aqui sobressai a contribuição do ilósofo
Zhao Tingyang de entender que o mundo, em seu caos e
crise atual, nunca esteve tão necessitado de uma compreensão de fato mundial, que para ele é inerente ao conceito
de Tianxia. Além disso, iz algumas breves incursões sobre
o pensamento de Confúcio, que, segundo Cheng (2008),
se confunde com o destino da civilização chinesa. A benevolência do imperador, o governar com legitimidade,
o atender às necessidades do povo é que o torna de fato
“um ilho dos céus”, é o que lhe dá o senso do justo e do
ren ou o senso do humano.
Finalmente, a certeza que transparece, seja no governo, seja na diplomacia e na academia chinesa, de que
a China está caminhando para se tornar uma grande
38
potência num prazo não superior a 50 anos. O fato de
o país estar buscando uma política internacional com
características próprias, baseada em premissas generosas
como a ilosoia política do Tianxia, associada a uma
visão de harmonia e de benevolência dos que governam, é
algo positivo. Essas premissas, não tomadas apenas como
ilosoia ou como devaneio romântico, podem vir a se
concretizarem ou a exercerem uma forte inluência sobre
a comunidade mundial. Seria uma boa perspectiva no
contexto de um mundo que tem dado sinais muito concretos de que estamos hoje muito próximos da barbárie
e da destruição física do planeta.
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41
O SONHO CHINÊS VERSUS
O SONHO AMERICANO NO
REORDENAMENTO MUNDIAL:
MESMA CAMA?;
SONHOS DISTINTOS?
Li Xing
Timothy Shaw
PERGUNTAS INICIAIS DA PESQUISA
Desde que a China adotou seu programa de reforma econômica em 1978, o país cresceu para tornar-se a
segunda maior economia mundial e a terceira potência
em termos militares. Durante muitos anos, formuladores
de política, acadêmicos, comentaristas e uma gama de
formadores de opinião estadunidenses envolveram-se em
um debate acalorado e interminável sobre se China, que,
em 2016, representaria uma ameaça ou uma oportunidade
para a ordem mundial liderada pelos Estados Unidos da.
Nos últimos anos, a antinomia “ameaça-oportunidade”
ganhou novo destaque com o alarme de ameaça por parte
do Pentágono (BRESLIN, 2007; JOHNSTONE, 2003).
Os alarmes de ameaça chinesa necessitam de uma boa
compreensão das dimensões complexas e implicações da
ascensão mundial da China. Qual tipo de nação a China
será em 2025 ou em 2050? Poderá ascender paciicamente
(MEARSHEIMER, 2014)? Será uma potência destrutiva
ou construtiva? Uma força de continuidade e/ou uma
força para a mudança? A ascensão chinesa como potência
regional e global será pacíica ou a emergência de nova
43
2
grande potência na Ásia levará inevitavelmente ao conlito? A urgência na relexão tentando encontrar algumas
respostas para essas questões é reforçada pela intensiicação
do conlito em andamento entre China e Estados Unidos
no Mar do Sul da China.
Existe alguma possibilidade de que os Estados Unidos e a China entrem em guerra nos próximos anos ou
na próxima década? Poderão escapar da “Armadilha de
Tucídides?” – uma metáfora da história da Grécia antiga
que nos lembra dos perigos envolvidos quando uma nova
potência desaia a potência dominante (como Atenas ameaçou Esparta na Grécia antiga, ou como a Alemanha o fez
com o Reino Unido no século passado)? Existem vários
problemas entre os dois países: questões não tradicionais de
segurança como acibernética, a propriedade intelectual, os
direitos humanos, a questão de Taiwan, Coreia do Norte,
as questões ambientais, as disputas comerciais, Hong Kong,
Tibete, o desaquecimento da economia chinesa etc. Atualmente, ambos os países estão exacerbados pelos conlitos
tradicionais em torno do Mar do Sul da China. Além disso,
a questão mais imediata é como Pequim e Washington podem evitar uma “colisão estratégica”, ou seja, uma situação
contraditória na qual o esforço de um Estado em reforçar
a própria segurança pode causar a insegurança do outro.
CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
E TEÓRICAS
Esta seção tem por objetivo fornecer uma estrutura
para a compreensão dos dilemas de segurança entre China e
Estados Unidos. Conceitualmente, ela tem como inspiração
dois provérbios chineses que denotam as complexas relações
entre a China e os Estados Unidos. “Dormindo na mesma
cama com sonhos distintos” é uma expressão idiomática
chinesa que descreve uma situação na qual uma relação
baseada em um “casamento de conveniência” é construída
44
no pragmatismo sem uma base de valores sólidos. A teoria
da transição de poder é normalmente associada à escola
realista, uma vez que tem como foco as relações de poder.
“Montar no Tigre” é uma outra expressão idiomática com
implicações dialéticas – empoderar-se ao montar nas costas
do tigre e ao mesmo tempo achar muito perigoso tentar
desmontar. As implicações dessas duas metáforas chinesas
pretendem denotar que tanto a China quanto os Estados
Unidos encontram-se em um período de transição entre
“dormir na mesma cama” (expansionismo antissoviético)
para “sonhos distintos” (o programa de modernização chinesa por meio da integração ao sistema mundial capitalista
comandado pelos Estados Unidos vis-à-vis o objetivo norte-americano de democratizar ou ocidentalizar a China),
e, posteriormente, ao estágio atual de “montar o tigre”, no
qual ambos os lados estão presos em uma relação complicada e complexa sem aparente saída.
Em segundo lugar, a teoria da transição de poder
(ORGANSKI; KUGLER, 1980) entende a política internacional como uma hierarquia de estados com graus
lutuantes e instáveis de cooperação e competição. Ela
pretende prever períodos de intensiicação de conlitos
dentro do sistema internacional ao diferenciar hegemonas
globais e potenciais desaiantes. Segundo essa teoria, a
possibilidade de conlito armado entre China e Estados
Unidos sofrerá uma escalada durante o período de transição,
que resulta de duas circunstâncias interrelacionadas: 1) a
grande potência ascendente passa a dominar e substituir
o papel dominante do hegemon em declínio porque está
insatisfeita com a ordem existente e está disposta a arriscar
a mudá-la; 2) o hegemon em declínio luta para conter a
potência em ascensão de todas as formas para enfraquecer
o oponente o máximo possível. No entanto, ao colocar a
China num contexto histórico/comparativo relacionado a
experiências passadas de transições pacíicas e violentas de
45
teorias pertinentes de relações internacionais, Steve Chan
(2007) argumenta de forma contrária à visão prevalecente
da transição de poder. A teoria da transição de poder é
intrinsecamente compartilhada pela teoria realista de relações internacionais representada por Mearsheimer (2010),
defensor do realismo, que descreveu o desaio chinês ao
poder norte-americano na Ásia como uma ilustração acurada da possibilidade de conlito militar devido ao alto grau
de incerteza e desconiança entre um estado revisionista e
uma potência de status quo.
No entanto, discordando tanto das hipóteses da teoria da transição de poder quanto do argumento realista,
acadêmicos liberais são geralmente otimistas em relação
à transição de poder em uma ordem mundial coninada
em um sistema baseado em regras com instituições internacionais bem desenvolvidas. O liberalismo percebe
a ordem mundial liberal liderada pela hegemonia norte-americana como benigna e globalmente benéica. A
ordem mundial liberal é percebida como integrativa e
expansiva por permitir a possibilidade de “mudança para
cima” e aumentar a “área de manobra” para retardatários. A ordem liberal pode ser caracterizada como um
sistema global aberto baseado em regras e instituições
que enfatiza normas de não discriminação e de abertura
de mercados (IKENBERRY, 2008; 2011). De acordo
com essa linha de entendimento, o sucesso econômico
da China é condicionado à expansão e intensiicação da
interação ao sistema capitalista global. O motivo pelo qual
a China é atualmente uma vencedora na era da globalização é exatamente porque seu crescimento econômico
e acumulação de riqueza foram gerados de dentro, não
de fora, do sistema capitalista mundial (IKENBERRY,
2008). Consequentemente, como potência emergente, o
interesse nacional e o comportamento da política externa
da China cada vez mais reletem e abraçam o status quo.
46
A teoria do sistema capitalista mundial apresenta outra interpretação para transição de poder na ordem global.
Conceitua a ordem capitalista mundial como imbuída de
características fundamentais especíicas, em primeiro lugar, por desigualdades intrínsecas nas quais os estados-nações
possuem diferentes estágios de desenvolvimento dentro de
uma economia global aparentemente uniicada. Hierarquias
distintas na divisão mundial de trabalho e alterações desiguais
nas vantagens comparativas de competição e competitividade
dotam o sistema de contradições e conlitos inerentes.Além
disso, o sistema é caracterizado por uma série histórica de
ciclos, ou seja, prosperidade econômica ou crise, mobilidade
para cima e para baixo.Ademais, essa série de ritmos cíclicos
é seguida pela ascensão de novos avalistas (novos hegemons)
no sistema mundial, cada um deles apresentando seu próprio
padrão de controle (WALLERSTEIN, 1997), por exemplo,
do império otomano ao colonialismo do raj britânico e,
posteriormente, o imperialismo estadunidense. Dessa forma, a ascensão da China como novo avalista não seria um
problema, uma vez que a ascensão e a queda de potências
emergentes são entendidas como parte de ritmos cíclicos do
sistema mundial e também condicionadas às características
fundamentais do sistema: modo de produção e lógica de acumulação de capital. Dessa maneira, o problema será quando
a “China governará o mundo” (JACQUES, 2012) com seu
próprio padrão de controle, que poderá desencadear conlitos
com o hegemon anterior (Estados Unidos), que moldou e
desenvolveu a ordem mundial da pós-guerra.
A “CAMA” HISTÓRICA DAS RELAÇÕES
CHINA-ESTADOS UNIDOS
ESTÁ MUDANDO
Os pilares que sustentaram a fundação das relações
China-Estados Unidos sofreram uma série de transformações
47
desde o im da Guerra Fria. Por um lado, o colapso da União
Soviética erodiu a aliança estratégica China-Estados Unidos.
Após o declínio da União Soviética e seu bloco “socialista
real”, ou o “Segundo Mundo”, a “carta chinesa” perdeu
seu valor estratégico de forma que qualquer reaproximação
dos Estados Unidos com a China deixou de ser uma
necessidade. A China não mais era vista como indispensável
na balança de poder da ordem bipolar da Guerra Fria.
Por outro lado, o desaparecimento da ameaça soviética,
juntamente à crescente multipolarização da economia
mundial, incluindo a ascensão das multinacionais de
mercados emergentes (NOLKE, 2014), reduziu o papel
vital do guarda-chuva de segurança sobre a Europa e a Ásia.
Como resultados desses acontecimentos, “a amálgama da
segurança que tradicionalmente estimulava os aliados do
pós-guerra a resolver suas divergências não mais existia”
(BERGSTEN, 2001, p. 21).
Desde o início do milênio as relações econômicas
entre China e Estados Unidos mudaram de tal forma que
o peso das relações bilaterais está pendendo em direção a
Pequim: hoje a China tornou-se o maior credor norte-americano, o segundo maior parceiro comercial, o terceiro
maior mercado de exportações e a maior fonte de importações. Além disso, durante as últimas três décadas, o rápido
crescimento da economia chinesa passou a causar impacto
mundial, no montante de IED, nos preços das commodities
e moedas, no comércio e na cadeia global de suprimentos,
na integração regional, nas relações internacionais que
destacam o meio ambiente, na ecologia e na segurança
energética. Nos últimos anos, a performance econômica
de Pequim e sua política em matéria inanceira, valor de
moeda, comércio, segurança, questões ambientais, gerenciamento de recursos, segurança alimentar, matérias-primas e
preços de commodities inevitavelmente apresentam implicações mundiais que estão ligadas às economias de milhões
48
de pessoas fora das fronteiras chinesas, especialmente do
resto do Sul Global.
O esforço da presença regional e global da China
é evidente na defesa chinesa da Iniciativa Chiang Mai
(CHIN, 2015), no Banco de Desenvolvimento dos BRICS,
no Banco de Investimento e Infraestrutura Asiático (BAII)
etc. e, recentemente, na revitalização da Nova Rota da Seda
por meio da estratégia One Belt, One Road (OBOR); e em
2016, ao desempenhar o papel da presidência do G20, o
que Gregory Chin e Hugo Dobson (2016) sugerem como
sendo o alvorecer da liderança mundial chinesa na Ásia,
seguindo papel similar desempenhado pela Coreia do Sul
em 2010.Além disso, o BAII passou a fornecer empréstimos
oicialmente em 2016, em cooperação com outros bancos
internacionais consolidados, como o Banco Mundial, ADB,
EBRD etc.: US$ 1,5 bilhões iniciais para infraestrutura na
Ásia Central e no Paquistão. Tais papéis podem ser contrastados com a construção de ilhas para defesa/ataque no
Mar do Sul da China. Além disso, a China, assim como os
Estados Unidos, não pode se eximir do nexo crescente de
“água-energia-alimento” (WEF) (DI MUZIO; OLVADIA,
2016), que inclui empresas estatais (XU, 2012), particularmente as petrolíferas estatais (TAYLOR, 2014).
Nessa direção, a China investiu US$ 40 bilhões no
Fundo da Rota da Seda, US$ 20 bilhões no Fundo de Investimentos China-CELAC para América Latina, bem como
US$ 10 bilhões no Fundo de Investimentos China-LAC.
Isso impulsionado pelos dois novos “bancos mundiais de
investimentos, o NDB e o AIIB” (KAMAL; GALLAGHER,
2016, p. 3) – ver mais no último parágrafo desta seção.
Kamal e Gallagher (2016, p. 4) entendem que:
Não há dúvida que a China aumentou de forma maciça a escala de inanciamento para o
desenvolvimento em países em todo o mundo.
49
Também, nota-se que os bancos de desenvolvimento apoiados pela China atribuem ênfase
diferente à política de desenvolvimento, com
foco em infraestrutura e transformações estruturais, daquelas apoiadas pelo sistema ocidental.
A escala das intervenções chinesas ofusca a dos demais BRICS, assim como os Estados do Golfo, Coreia do
Sul, Turquia etc., e o impacto no Sul Global, incluindo as
relações Sul-Sul, é problemático. Prates e Perufo (2016,
p. 4) indicam que o giro na arquitetura econômica global
não vai na direção das economias emergentes ou Sul-Sul,
mas só na direção da China:
[…] a inclusão doYuan na cesta da Direto Especial
de Saque (DES) do FMI simboliza a modiicação
mais signiicativa no cenário monetário internacional pós-crise: o reconhecimento do poder
monetário da China […] a maioria das novas
instituições inanceiras internacionais dependem
da China e majoritariamente reletem apenas o
poder da China mais do que a diversiicação de
poder das economias emergentes como um bloco.
A China, como uma economia bastante estatocêntrica, está limitada em relação aos “tipos de diplomacia” que
podem desenvolver sistemas menos estatizados, como os
Estados Unidos, que podem promover o soft power em uma
miríade de formas de diplomacia, não importando o quão
contraditórias possam ser: celebridade/cultural/guerrilha/
econômica/ajuda/tecnológica/track two, compatíveis com
outras “variedades de capitalismo” e inúmeras formas de
sociedade civil. A Índia também detém uma maior gama
de soft power que pode exercer, desde Bollywood à tecnologia global e às redes de negócios. Dessa forma, é mais
difícil para a China lidar com as crescentes questões não
tradicionais de segurança.
50
O SONHO AMERICANO
Internamente, o “sonho americano” representa ideais
de liberdade, igualdade e oportunidade, além da busca pela
felicidade pessoal e conforto material; externamente, ele
se idealiza na extensão dos seguintes princípios: promover
a paz, a ordem social e a prosperidade para toda a espécie
humana, o que é visto por Nicholas Hagger (2011) como
uma ordem mundial visionária liderada pelos Estados
Unidos, de pleno otimismo e esperança.
A China é imutável
Dessa forma, uma das percepções mais marcantes
na política estadunidense acerca das implicações da ascensão chinesa e seus objetivos políticos de longo prazo
no leste da Ásia é de que Pequim aspira à restauração da
ordem sinocêntrica na região, além de querer transformar
a ordem mundial liderada pelos Estado Unidos. Desde a
Guerra do Ópio, o governo dos Estados Unidos promoveu,
de fato, o status quo político, a fragmentação territorial e
estimulou lideranças autoritárias que pudessem proteger
seus interesses. Essa concepção pode ser encontrada em
um dos volumes da The Atlantic Monthly de 1899 (“The
Break-Up of China”) e levantou umas das questões cruciais para os Estados Unidos, que é também signiicativa
nos dias atuais: como desintegrar a China ou torná-la
um país ocidentalizado. Independentemente dos Estados
Unidos negarem ou reconhecerem essa política, a China
acredita nisso. Missionários pioneiros ocidentais, da Europa e dos Estados Unidos, fracassaram em seus esforços de
converter os chineses em cristãos. Na própria história e
civilização da China, o país foi conquistado e governado
por minorias como os mongóis e manchus, que tentaram
alterar características fundamentais da cultura chinesa, mas,
posteriormente, foram eles mesmos mudados e sinicizados.
51
Após os protestos estudantis de 4 de junho de 1989,
formuladores de política estadunidenses airmaram que a
causa do problema entre a China e os Estados Unidos era
a ausência de democracia e direitos humanos na China. No
entanto, desde o triunfo da Revolução Chinesa em 1949
até a normalização das relações entre a China e os Estados
Unidos, os confrontos entre ambos os países eram considerados um produto da “ameaça de segurança” chinesa. Após
tentarem isolar a China, os Estados Unidos enxergavam a
política externa chinesa, isto é, seu engajamento ativo na
arena internacional, exportadora da revolução comunista
e apoiadora dos movimentos de libertação nacional (na
África e Ásia, no Movimento dos Países Não Alinhados
e nas relações Sul-Sul) como uma ameaça a ser contida.
Tanto a Guerra da Coreia como a Guerra do Vietnã se
enquadram nessa dimensão da disputa. A alteração na política estadunidense, desde a ênfase colocada nos fatores
externos de segurança que condicionavam as relações China-Estados Unidos, até o foco atual nos fatores domésticos
(transformação do sistema político chinês), é a chave para
a compreensão do “problema” entre a China e os Estados
Unidos. No entanto, esses aspectos formam parte de uma
mesma estratégia estadunidense para a China.
Durante a era comunista e de socialismo maoísta,
a China adotou um caminho para o desenvolvimento
independente e autossuiciente. Isso foi visto pela aliança
capitalista liderada pelos Estados Unidos como uma ameaça,
tendo em vista sua projeção como potencial modelo econômico e ideológico. No passado, o principal objetivo da
política maoísta era desaiar e superar a hierarquia desigual
do sistema econômico mundial. Por ironia, o protocapitalismo de Deng, aliado ao autoritarismo político, passou
também a ser visto como ameaça por sua ambição em ter
acesso à parcela maior da riqueza mundial e aos recursos,
ser responsável de criar problemas ambientais e resistir às
52
demandas políticas estadunidenses. De fato, tal ameaça é
inerente ao funcionamento do capitalismo global!
Defendendo sua hegemonia na ordem capitalista global
A hegemonia da ordem mundial moldada pelos Estados Unidos tinha como principal objetivo manter padrões
de relacionamento global em um sistema capitalista global
que iria sempre produzir e reproduzir grandes desigualdades
e continuaria a gerar vantagens, benefícios e privilégios
dessa disparidade global em benefício dos Estados Unidps e de outros estados ocidentais centrais. Esse objetivo
oculto, porém central da arquitetura norte-americana no
pós-guerra, foi explicitado por George Kennan:10
Nós detemos o 50% da riqueza mundial mas
apenas 6,3 por cento da população […] Nesse
caso não podemos ser objeto de inveja e ressentimento […] nossa verdadeira tarefa para o
próximo período é criar um padrão de relacionamento que nos garanta manter essa posição
de disparidade. […] Nós deveríamos parar de
falar sobre melhoria dos padrões de vida, direitos humanos e democratização. Não está
distante o dia em que teremos que lidar com
conceitos honestos de poder. Quanto menos
formos diicultados por slogans idealistas, melhor. (KENNAN, 1976)
O memorando acima revela de forma clara que,
mesmo que não houvesse ameaça comunista, os Estados
Unidos enfrentariam um grande problema para sustentar
a ordem e a segurança globais. A principal característica
10
George Kennan foi chefe da Equipe de Planejamento de Políticas
do Departamento de Estado. Suas citações foram retiradas do texto
completo da seção Policu Planning Staf/23 (KENNAN, 1948). O
artigo completo foi publicado em 1976, na Foreign Relations of the
United States, v. 1, n. 2, 1948.
53
do objetivo estratégico de Washington, conforme indicado
pelo memorando, foi facilitar o acesso dos Estados Unidos
e aliados ocidentais aos mercados, mão de obra e matériaprima no Terceiro Mundo, objetivos anteriores à Guerra
Fria (MCSHERRY, 2000, p. 29).
O principal objetivo estratégico de Washington para
o século XXI é manter a ordem neoliberal internacional
e servir ao propósito de não esperar pela “chegada de uma
nova grande ameaça, mas moldar o ambiente internacional
para prioritariamente prevenir a chegada de uma nova ameaça” (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 61). Esse objetivo está
intimamente conectado a uma crença que há muito domina
a política externa de Washington: “os principais interesses
da nação são alcançados em um mundo relativamente
estável, abertamente hospitaleiro ao capital internacional
e geralmente predisposto a aderir às prioridades políticas
e estratégicas dos Estados Unidos” (KLARE, 2000, p. 9).
Montando o tigre do mercado chinês
Atualmente, a principal corrente de políticos e acadêmicos estadunidenses concorda que se deve conter a ascensão chinesa, enquanto a comunidade empresarial investe em
seu vasto mercado. Desse modo, como resultado percebe-se
que se, por um lado, os Estados Unidos empenham-se em
limitar o comportamento chinês ao conjunto de regras
estabelecidas, sem prejudicar seu acesso ao vasto mercado
potencial chinês, por outro, a acumulação de poder por
parte da China, devido à sua participação crescente no
mercado global, permite a ela desaiar a ordem mundial
liderada pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos alegam
ter derrotado o socialismo chinês, mas, ao mesmo tempo,
vêm reproduzindo intensas contradições no protocapitalismo chinês. Contrariando as expectativas estadunidenses
acerca das reformas no mercado chinês que tiveram início
há mais de 20 anos, a China, como força econômica em
54
ascensão, começa a inluenciar o mercado global. Além
disso, em alguns casos, vem tentando seguir seus próprios
interesses e ditar suas próprias regras, apresentando um grande desaio ao sistema internacional existente. É paradoxal
que o atual capitalismo chinês, comparado à anterior fase
socialista, resulta ser potencialmente mais “ameaçador” à
ordem dominada pelos Estados Unidos em termos realistas do que os anteriores desaios ideológicos. A ameaça da
população chinesa de 1,4 bilhões em termos de consumo
de recursos e acumulação de capital é mais real do que o
“choque de civilizações” de Samuel Huntignton.
Enquanto os Estados Unidos sonham com o poder
de compra de 1,4 bilhões de pessoas, esquece que um
capitalismo nascente e em ebulição assume formas selvagens e pode produzir resultados inesperados. A economia
de mercado aberta na China leva às pessoas a buscarem
todas as oportunidades possíveis de obter lucro ou apenas
sobreviver. Muito do “mau comportamento” do mercado
de Pequim é consequência do seu processo de reforma
econômica. Por exemplo, a “violação de regras” por Pequim
em propriedade intelectual é um exemplo típico da contradição de que, por um lado, os Estados Unidos desejam
ver a economia de mercado destruir o autoritarismo estatal
chinês, mas, por outro, práticas de busca de lucro de forma
irregular resultantes de economia capitalista prematura são
extremamente danosas aos interesses comerciais dos Estados
Unidos e devem ser impedidas por meio da intervenção
estatal. Fato é que os Estados Unidos vêm aumentando seu
poder de barganha, mas, ao mesmo tempo, vêm se tornando
dependente do mercado chinês, bem como do luxo de
exportações baratas para seus centros de compras.
A “síndrome” da China
Os Estados Unidos estão sofrendo atualmente a
“síndrome da China”, um sintoma caracterizado por
55
um misto de ansiedade psicológica, histeria emocional
e demonização empática. Durante as últimas décadas,
o fascínio ou a irritação inluenciaram as políticas dos
Estados Unidos em relação à China. A academia e o
jornalismo ocidentais sempre produziram sentimentos
ambivalentes que variavam de uma aprovação descomedida,
ou otimismo excessivo, a uma repulsa injustiicada e
pessimismo profundo. Houve análises que apresentavam
grandes expectativas acerca da “segunda revolução”
chinesa durante a maior parte da década de 1980; não
obstante, as fortes críticas surgem com o fracasso chinês na
liberalização política, após a queda do muro de Berlim e,
recentemente, notam-se inúmeras especulações que partem
da airmação do conceito de um “poder parcial” mundial
(SHAMBAUGH, 2013) até as projeções extremamente
exageradas, há 10 anos, da ascensão da ameaça chinesa ao
status de superpotência (FISHMAN, 2006). De tempos em
tempos, observadores e políticos ocidentais utilizam de
forma seletiva sucessos e fracassos chineses para justiicar
suas teorias e preconceitos preexistentes.
O discurso político estadunidense tem como certo
que a liberalização política e comercial trará liberdade e
pluralismo e, eventualmente, levará o país a uma democracia nos moldes ocidentais. No entanto, esse discurso é
baseado em percepções bastante equivocadas e supõe que
a liderança comunista chinesa será extinta pelas reformas
econômicas sem precedentes e pela integração à economia mundial. Porém, isso é um grande erro de cálculo,
já que ignora uma dialética fundamental: por um lado,
o progresso econômico afetou o poder e a inluência do
Partido Comunista, tornando-o politicamente vulnerável a
reveses econômicos. Por outro lado, no entanto, os ganhos
econômicos e o aumento no padrão de vida da população
diminuíram a demanda social por liberalização política e
criariam uma nova legitimidade para o partido e para o
56
Estado. A crescente classe média na China também é vulnerável a enfermidades não comunicáveis, como a diabetes.
O dilema essencial que os Estados Unidos enfrentam
é que Washington encontra diiculdades em aceitar o status
emergente da China, e em acomodá-la no sistema internacional vigente. Não obstante, os Estados Unidos estão
dispostos a envolver a China nas instituições internacionais
sem contrariar a ordem mundial vigente, na esperança de
que aceite as “regras internacionais”.
O sonho chinês
A busca existencial para se reairmar como nação e
entidade política forte e próspera tem sido a preocupação fundamental na história moderna da China. Desde a
derrota na Guerra do Ópio no início da década de 1840,
questões acerca de poder e riqueza nacionais, sobrevivência
da nação e identidade cultural tornaram-se preocupações
centrais de todos os chineses, especialmente dos intelectuais
e revolucionários pioneiros.
A China no século XX foi caracterizada por repetidas
mudanças, de crises até fracassos no seu rápido crescimento
e modernização. Desde o começo da reforma econômica,
na década de 1970, as políticas “pragmáticas” chinesas deram
grande ênfase ao comércio e à economia, mais do que na
política e na ideologia, o que se traduziu no fortalecimento de relações com todo o mundo capitalista, incluindo
os Estados vizinhos. O século XX foi marcado pela luta
ininterrupta da China para realizar o “sonho chinês”, isto
é, o grande rejuvenescimento histórico da nação chinesa.
Memória histórica vis-à-vis
pragmatismo econômico
Apesar da noção do “sonho chinês” ter se tornado
um slogan nacional na China, especialmente quando o
57
governo e o próprio presidente o promovem nacional e
globalmente, é historicamente reconhecido que o legado do conceito surgiu no inal do século XIX, quando
o “Reino do Meio” da dinastia Qing desintegrou-se de
maneira vergonhosa diante do poder militar dos invasores
europeus. A nostalgia histórica e cultural que envolve o
sonho chinês foi uma das forças motoras dos revolucionários pioneiros para a realização do rejuvenescimento
histórico da China (LI, 2015).
A dura realidade que a China terá que engolir é
que, após “o século de humilhações”11, e do sofrimento
inesquecível da sua “mentalidade de vítima”12, a liderança
pós-Mao teve que se voltar para o Ocidente em busca de
tecnologia, investimento e cooperação. Uma contradição
fundamental nota-se entre a desconiança que a China
tem do Ocidente e do Japão, devido às suas experiências
históricas, e o intenso desejo de fazer parte do clube dos
países ocidentais avançados, além de obter empréstimos,
aprender e participar de transações comerciais, transferência
de tecnologia etc. O grande avanço chinês em termos de
11
12
A noção do “século de humilhações” refere-se ao período entre
a Primeira Guerra do Ópio Sino-Britânica (1839) e o inal da
Guerra Civil Chinesa (1949), período em que a incursão política, a exploração econômica e a agressão militar por imperialistas
ocidentais estrangeiros são consideradas os principais fatores externos que destruíram a glória histórica da civilização chinesa e
humilharam a nação.
A noção de mentalidade de vítima está conectada à experiência
dolorosa durante o “século de humilhações” (ver nota 4) durante
o qual a China sofreu mais de um século de humilhações nas
mãos de potências ocidentais e do Japão. Desde então, a nação
chinesa ainda sente o peso desse legado histórico, que dominou a
mentalidade da China em suas relações com o mundo ocidental.
É um dos principais motivos que instigaram as revoluções no século XX, incluindo a revolução comunista, e formatou a política
externa e relações internacionais desde a fundação da República
Popular em 1949.
58
crescimento econômico foi possível devido ao seu maior
envolvimento no sistema capitalista global. Os ganhos econômicos de Pequim pela transformação econômica global
são inseparáveis da sua dependência do mercado global.
Montando no tigre da “lógica do capital”
e do “mecanismo de mercado”
A abordagem e o padrão do desenvolvimento econômico chinês assemelham-se, historicamente, ao modelo do
Japão e dos países asiáticos recentemente industrializados,
isto é, aprofundando as relações estruturais com países
industrializados ocidentais e dependência de comércio,
investimento e inanciamento externos. Ao analisarmos o
“sucesso” do crescimento econômico chinês, constataremos facilmente que investidores e empresários ocidentais
dominaram os setores mais dinâmicos da economia. Em
outras palavras, o rápido crescimento econômico chinês
foi conduzido com o apoio de investimento externo e
joint-ventures. A ascendência de um estrato neoliberal com
orientação externa aprofundará a dependência e reforçará
a dependência a grupos com vínculos externos enquanto
a inluência do sentimento nacionalista criará políticas
“intermediárias” que tenderão a deinir os termos e as
condições para associações entre capital público e privado,
investidores domésticos e estrangeiros, bem como formas
de inanciamento. O crescimento pró-mercado estimula
maiores concessões para induzir que luxos de capital
atendam a enorme demanda por recursos e a busca por
mercados externos. Ademais, a integração com o mercado
global signiica dependência excessiva de suas forças de
produção às lutuações do mercado global.
A hipótese da reforma econômica chinesa tomou
como certo que o vínculo externo da economia da China à economia global iria reforçar as elites governantes e
59
promoveria expansão interna. A rápida industrialização, sob
esse ponto de vista, deveria atrair investimento externo ao
reduzir custos de “bem-estar social” e apoiar-se na mão de
obra barata. Como consequência, as relações de poder entre
capital e trabalho tornaram-se cada vez mais desequilibradas, levando ao fato que o crescimento econômico está
intimamente conectado à legitimidade política e disputa
de poder. O papel positivo do Estado e a exploração da
mão de obra barata são, por um lado, um dos fatores que
levaram ao sucesso do crescimento econômico chinês;
enquanto, por outro lado, também são as raízes de sérios
problemas internos: corrupção e desigualdade, que causam
instabilidades políticas e sociais.
Dessa forma, o sucesso da reforma de mercado chinesa
não é objeto de dúvida, não obstante está levando ao surgimento de problemas sérios que anteriormente eram considerados “doenças ocidentais”. Muitos dos problemas sociais,
econômicos e políticos do país como corrupção, polarização,
divisão social, banditismo são, na verdade, consequências das
reformas de mercado. A China quer manter a estabilidade
social e resistir à interferência e inluência cultural estadunidense, ao mesmo tempo que cria forças de mercado que
se orientam na direção oposta. Enquanto importa produtos
e tecnologia norte-americanos, ao mesmo tempo luta para
impedir a “poluição espiritual” estadunidense. A China está
ganhando força econômica, mas perdendo independência.
A ascensão chinesa por meio da participação ativa na economia política global está, ao mesmo tempo, traduzindo-se
em maior vulnerabilidade e dependência.
Comercialização, globalização vis-à-vis
características chinesas
Muitas das contradições chinesas nas suas relações
exteriores, principalmente em relação aos Estados Unidos,
repousam na “política de portas abertas” de Pequim versus
60
a arraigada “identidade chinesa” que expõem duas facetas
contraditórias da China: entrar no mercado capitalista
global enquanto preserva suas “características chinesas”
e identidade política/nacional. A China quer que os
Estados Unidos entendam suas “características chinesas”
no atual processo de integração à ordem capitalista global
impulsionada por seu crescimento econômico sustentável
e o subsequente aumento de poder militar. A intenção
de Pequim é utilizar o poder estatal para acumular inluência suiciente visando alterar as regras existentes e
atender à direção desejada. No entanto, isso pode causar
sérias contradições no que se refere à estrutura política
e econômica chinesa e na sua interação com o mundo
capitalista externo. A combinação de “neoliberalismo” e
“nacionalismo” vem causando ambiguidades no planejamento político e ideológico da China.
A nova elite chinesa parece aceitar o neoliberalismo
estadunidense no que se refere ao papel do mercado e na
relação entre as forças produtivas e as relações de produção,
mas, ao mesmo tempo, busca preservar seu discurso político
e a sua “identidade” chinesa. A aceitação da ideologia da
economia de mercado capitalista é, em essência, contraditória à organização social e política chinesa. O resultado
é que o Partido Comunista e o governo debatem e engajam-se em um discurso político no nível da superestrutura,
nas suas relações internas e externas e se fundamentam em
uma ideologia de “características chinesas”. No entanto, essa
ideologia é constantemente desaiada pelas consequências
da adoção de uma estratégia de desenvolvimento orientada
para o mercado que afeta a legitimidade do establishment
político. Nesse sentido, parece que a situação que o Estado
autocrático chinês enfrenta é que a mudança não será fruto
apenas da determinação das lideranças, mas da interação da
sociedade como um todo, bem como as reações tanto da
liderança como da sociedade ao ambiente global.
61
O SONHO CHINÊS VERSUS O
SONHO AMERICANO
O núcleo do sonho chinês, como expresso pelo presidente chinês Xi Jinping, é conseguir o “rejuvenescimento
nacional”. De acordo com o proeminente acadêmico
chinês Ye Zicheng, que explicou a essência do sonho chinês: “se a China não se tornar uma potência mundial, o
rejuvenescimento da nação chinesa será incompleto.Apenas
quando se tornar uma potência mundial poderemos dizer
que o rejuvenescimento total da nação chinesa terá sido
conquistado” (WHYTE, 2015). A China entende que
as potências dominantes atuais distorceram e ignoraram
o papel histórico desempenhado por ela nos 15 séculos
durante os quais deteve superioridade econômica e tecnológica em relação à civilização ocidental antes da sua
conquista e declínio no século XIX. A superioridade e
os avanços chineses no decorrer da história, que desempenharam um papel indispensável na ascensão do capitalismo e na industrialização da Europa, foram estudados e
documentados no brilhante The Eastern Origins of Western
Civilization (2004), de John Hobson. Como Petras (2015)
salienta, “é especialmente importante enfatizar como a
China, a potência tecnológica mundial entre 1100 e 1800,
tornou possível a emergência do Ocidente. Foi apenas ao
tomar emprestado e assimilar as inovações chinesas que
o Ocidente pode realizar a transição para a o capitalismo
moderno e o imperialismo econômico”.
Em contrapartida ao nacionalismo chinês, o “excepcionalismo estadunidense”, autoidentiicado com as
suas várias expressões, como “o império de liberdade”,
“uma cidade brilhante na montanha”, “a última melhor
esperança da Terra”, “o líder do mundo livre” e “a nação
indispensável”, acredita que os Estados Unidos detêm um
lugar e papel únicos na história da humanidade (WALT,
62
2011). A essência por trás do “excepcionalismo estadunidense” pressupõe que seus valores, normas, sistema
sociopolítico, modelo de organização socioeconômica e
história são, ao mesmo tempo, únicos e universais, uma
vez que representam “o im da história” (FUKUYAMA,
1992). A noção também implica que os Estados Unidos
são predestinados e têm o direito a desempenhar o papel
de liderança no cenário mundial.
O sonho norte-americano é enraizado em uma forte
ideologia neoliberal que se consolida com fundação e
liderança da ordem mundial liberal. Com base na premissa de que tal ordem liberal é expansiva e integrativa,
abraçando a participação econômica global e a ascensão
de novas economias emergentes, ela se caracteriza como
um sistema internacional aberto baseado em normas e
instituições que enfatizam a não discriminação e abertura de mercado (IKENBERRY, 2008). A ordem liberal
é percebida como resiliente e capaz de acomodar novos
players. Portanto, conlitos ou guerras não são inevitáveis,
porque as potências emergentes também têm interesse
na condução do mundo de acordo com suas preferências
(GREEN; KLIMAN, 2011). Se a China for trazida para
essa ordem liberal, suas regras e instituições fundamentais
“modelarão Pequim mais do que serão modeladas por ela”
(FONTAINE, RAPP-HOOPER, 2016). Se Pequim não
for moldada e se tornar um desaiante revisionista, a ordem
liderada pelos Estados Unidos estará fadada ao colapso
(FONTAINE, RAPP-HOOPER, 2016).
A partir do novo milênio, a ascensão da China e seu
impacto na ordem existente liderada pelos Estados Unidos
têm sido o maior foco das ciências sociais em geral e dos
estudos sobre desenvolvimento, relações internacionais e
economia política internacional, em particular, contemplando as principais publicações nos últimos anos (LI, 2010;
LI; CHRISTENSEN, 2012; LI; FARAH, 2013; LI, 2014;
63
CHRISTENSEN; LI, 2016; LI; SHAW, 2013; 2014). Os
desaios chineses à ordem liberal existente são reais, tanto
em nível estrutural quanto ideológico. O modelo chinês,
conhecido normalmente como “consenso de Pequim”
(RAMO, 2004), fez com que muitas lideranças ocidentais,
formuladores de política e de opinião questionassem a
universalidade de seu próprio sistema. Thomas Friedman,
colunista de política internacional do New York Times, admitiu abertamente a efetividade do sistema político chinês
em que “um partido pode impor diiculdades política,
mas também políticas fundamentais necessárias para levar
uma sociedade adiante no século XXI” (FRIEDMAN,
2009). Até John Williamson, um dos principais arquitetos
do “Consenso de Washington”, admitiu em um artigo de
2012 que o Consenso de Pequim parece ter recebido reconhecimento global às custas do Consenso de Washington
(KURLANTZICK, 2013).
Uma montanha com ou sem dois tigres?
De que maneira esses sonhos distintos afetam ou aumentam a desconiança e as suspeitas nas relações China-Estados Unidos, especialmente em questões de segurança?
De acordo com a análise dos autores mencionados, os
confrontos por trás do “rejuvenescimento nacional” e do
“excepcionalismo estadunidense” de Washington levam à
“Armadilha de Tulcídides”13, um dilema de soma-zero, em
que os ganhos de um são considerados perdas para o outro.
De alguma forma, esse raciocínio coincide com a lógica da
teoria da transição de poder, ao supor que o crescimento do
13
No século V a. C., quando a rápida ascensão de Atenas foi percebida
como ameaça mortal à predominância centenária de Esparta no
Peloponeso, a consequência levou à guerra. O grande historiador
grego Tulcídides, notou heuristicamente: foi a ascensão de Atenas
e o medo que incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável.
64
poder econômico e militar da China provavelmente levará
à guerra, uma vez que essa desconiança estimula o temor e
o erro de cálculo por parte dos Estados Unidos (PEMPEL,
2015). Segundo essa perspectiva, ambos os atores calculam
maneiras de deixar o principal concorrente à margem.
Um exemplo resultante da falta de coniança estratégica entre as duas potências é o grande “entusiasmo” chinês
vis-à-vis o “cinismo” estadunidense acerca do conceito14
de “Novo Tipo de Relações entre Grandes Potências”, do
presidente chinês Xi Jingping (LI; XU, 2014). Segundo
essa perspectiva chinesa, a expressão “novo tipo” implica
um novo padrão histórico de rivalidade entre grandes potências, que não levaria às guerras mundiais. Em relação à
utilização da expressão “grandes potências”, esta serve para
enfatizar as relações de igualdade entre os dois Estados.
No entanto, visto a partir da dimensão estadunidense, as
diiculdades em aceitar a retórica chinesa envolvem: 1)
como os aliados regionais dos Estados Unidos interpretarão
a aceitação da doutrina chinesa; 2) a questão de potência
ativa ou passiva que deinirá a nova estrutura geopolítica;
3) a maneira chinesa de deinir “interesses fundamentais”
nacionais (LI; XU, 2014).
Essa situação é resumida por um provérbio chinês:
“uma montanha não pode ser ocupada simultaneamente por
dois tigres”, o que implica a impossibilidade de dois Estados
poderosos cooperarem entre sim, e a inevitabilidade da
14
O conceito foi promovido pelo presidente Xi Jiping em 2014, durante o Diálogo Econômico e Estratégico China-Estados Unidos,
em julho, e posteriormente na cúpula com Obama em meados de
novembro. Os princípios-chave da estrutura são: 1) ausência de
clonlitos ou confrontos, por meio da ênfase no diálogo e no tratamento das intenções estratégicas de cada um de forma objetiva; 2)
respeito mútuo, incluindo “os interesses nacionais fundamentais” e
preocupações vitais fundamentais de cada um; e 3) cooperação com
benefício mútuo ao abandonar a mentalidade de jogo de soma-zero
e promover áreas de interesse mútuo.
65
competição de soma-zero. Atualmente, os sonhos chineses
e estadunidenses empurram na direção de uma estratégia
em que os esforços de um em aumentar a própria segurança
leva à insegurança do outro. Ao rever a história mundial
dos últimos 500 anos, Allison (2015) constatou que em
12 de 16 casos15, guerras eram inevitáveis quando uma
potência em ascensão era percebida como ameaça pela
potência existente. Ele entende que, apesar de uma guerra
entre a China e os Estados Unidos parecer remota, as
lições vindas da Primeira Guerra Mundial nos lembram da
“capacidade humana para loucura” (ALLISON, 2015). De
acordo com a nossa argumentação, o dilema da “montanha
sem dois tigres” se desdobrará num confronto de longo
prazo entre a potência ascendente e a potência dominante.
Isso continuará representando uma variação periódica
nas relações China-Estados Unidos, na qual ambos
serão puxados e empurrados por restrições estruturais
como, por exemplo, a mudança na ordem material e as
relações de poder sobre as quais as relações China-Estados
Unidos foram fundadas e, em segundo lugar, pelo dilema
ideacional, isto é, as diferentes expectativas acerca das quais
cada lado deseja que as relações bilaterais se desenvolvam
em determinada direção.
Reletindo a partir dos debates apresentados, as relações da China com a ordem liderada pelos Estados Unidos têm sido controversas por décadas. O debate inicial
acerca do papel da China e sua posição como free rider,
que deveria ser transformada em stake-holder, passa a ser
a respeito da posição da China como potência de status
quo ou “revisionista” na ordem mundial. Por potência de
status quo entende-se até que ponto Pequim aceita a ordem
15
Pesquisadores da Harvard’s Kennedy School’s Belfer Center coletaram precedentes e analogias que levaram a ensinamentos históricos para entender o que cientistas políticos deinem por “desaio
hegemônico”.
66
mundial como um sistema de regras e normas e torna-se
um parceiro ao subscrever à ordem global. Por “revisionista”
denota-se o fato de que as instituições inanceiras lideradas
pela China – o Banco dos BRICS, o AIIB e o Fundo da
Nova Rota da Seda – são vistas como bons exemplos que
demonstram “o desaio de Pequim ao sistema Bretton
Woods” (FINANCIAL TIMES, 2014).
OBSERVAÇÕES FINAIS
Este artigo pretendeu analisar o nexo entre a ordem
mundial existente, liderada pelos Estados Unidos, e a ascensão
da China, interdependentemente entrelaçados na essência do relacionamento, embora periodicamente em conlito. As contradições
da interdependência sino-estadunidenses e suas interações
reforçam potenciais constrangimentos, bem como conlitos.
Ambos os lados aparentam estar montando o tigre em uma
situação típica de “dilema do prisioneiro”. Nossa conclusão
reforça o argumento de que as relações sino-estadunidenses
são e continuarão baseadas em um processo dialético de
fortalecimento e enfraquecimento, declínio e crescimento,
como compreendido pelo antigo conceito confuciano chinês de yin e yang.Vistas a partir dessa perspectiva, as relações
sino-estadunidenses continuarão em estado de movimento
de luxo e reluxo, mais do que avanços e retraídas propositais, como as posições deterministas tendem a sugerir.
A ordem mundial liderada pelos Estados Unidos deve
entender que a ascensão econômica chinesa tem como
premissa a expansão e integração com o sistema internacional, e que os fatores domésticos e externos de conquistas econômicas da China são interligados e mutuamente
dependentes. As oportunidades e os desaios trazidos pela
ascensão chinesa estão diretamente conectados ao nexo
entre externalidades e internalidades intrínsecas ao processo
de transformação histórica da China e seu ressurgimento
recente. Tanto a China como os Estados Unidos estão
67
presos ao vínculo interno-externo interconectado a uma
resposta desaiadora: lutas internas são iniciadas por desaios
externos, enquanto desaios internos são respondidos por
transformações externas.
Para que uma relação sólida entre a China e os Estados Unidos possa se desenvolver, visando a paz e à estabilidade global, os dois países necessitam um entendimento
claro e realista acerca da existência dessas contradições e
suas relações, tanto com o excepcionalismo estadunidense
como com o sonho chinês. Para que se possam evitar
potenciais confrontos, tanto Pequim como Washington
terão que moderar seus sonhos exclusivos, suas percepções
sobre segurança global e sobre a sociedade humana (LI,
2015; YU, 2015), para conviver num lugar comum. No
futuro próximo, cada um deles terá que encontrar seu
próprio papel regional e global onde possam se aceitar
e coexistir. Para que isso possa ser feito, ambas as nações
terão que enfrentar um período considerável de lutas,
ajustes e tensões que incluirão crescentes desigualdades
(BRESLIN, 2007).
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72
INVESTIMENTO EXTERNO
DIRETO CHINÊS NA
UNIÃO EUROPEIA 16-17
Yuan Ma
Henk Overbeek
INTRODUÇÃO
O investimento externo direto (IED) tem contribuído
grandemente para o milagre econômico da China. A China
se beneiciou do IED internamente desde 1978 com a
implementação da Reforma e da Política Aberta. O luxo
de capital estrangeiro acelerou fortemente desde o início da
década de 1990. Embora o IED externo tenha começado
muito mais cedo em quantidades muito pequenas, houve
um aumento dramático deste a partir do início dos anos
2000, coincidindo com a adesão da China à Organização
Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2001. A
adesão à OMC representou algo como um divisor de águas.
Nesse contexto, as empresas chinesas foram encorajadas a
investir no exterior para “promover as exportações de commodities e de serviços de trabalho” (HUANG; WILKES,
2011, p. 10; SALIDJANOVA, 2011)18. Para promover isso,
16
17
18
Este artigo é baseado, mas substancialmente revisado e atualizado, em
nosso artigo anterior sobre o mesmo assunto (MA; OVERBEEK, 2015).
Tradução de Bárbara Lopes Campos.
“promote commodities and labor services exports”.
73
3
e cumprir com as regras da OMC, o governo chinês
liberalizou os procedimentos de veriicação e aprovação
para o IED em 2004 com o desenvolvimento da política
Going Global. Essas políticas têm sido muito bem-sucedidas: a China tornou-se o terceiro maior investidor global
depois dos Estados Unidos e Japão (UNCTAD, 2013).
No início de 2015, a China tornou-se um exportador
de capital líquido pela primeira vez em sua história
(XINHUA, 2015).
Embora tenha havido uma atenção crescente na
literatura para o crescimento do IED chinês, até agora
tem tido relativamente pouco foco especiicamente na
análise dos padrões de investimento chineses na Europa.
Notavelmente depois de 2008, a Europa tornou-se o
destino de mais rápido crescimento para o investimento
externo chinês (MOFCOM; NBS; SAFE, 2014). Este
artigo, portanto, visa examinar as mudanças de padrões
do IED chinês na UE nos últimos anos e explorar possíveis explicações para os desenvolvimentos observados.
Examina primeiro os padrões do IED chinês na UE
desde 2002 em dois períodos, antes da crise inanceira
(2002-2008) e a após a crise inanceira (2009-2016).
Em seguida, tenta explicar os motivos que levaram a
essas mudanças, tanto da perspectiva doméstica chinesa
quanto de uma perspectiva internacional. Identiicamos
fatores de atração e impulso que contribuem para uma
mudança no padrão do IED chinês para a Europa. Os
dois principais fatores de atração são a subvalorização
de ativos privados fortes no contexto da crise da dívida
soberana da Zona do Euro e o ambiente de investimento
comparativamente amigável na UE quando comparado
com os Estados Unidos. Os fatores de impulsão são os
desejos chineses de reduzir a dependência das exportações e do dólar americano.
74
O PAPEL DA UE NO QUADRO GLOBAL
DOS IED DA CHINA
Os primeiros investimentos externos chineses foram
registrados em 1979. Durante a década de 1980, o luxo
anual de IED da China permaneceu muito baixo. Da década de 1990 ao ano de 2004, ele percorreu o nível de US$
2 bilhões, enquanto que desde 2004 houve um aumento
acentuado (Figura 1) (ver DE BUELE;VAN DEN BULCKE, 2010). No inal de 2015, os luxos de IED chineses
atingiram US$ 128 bilhões, representando 8,7% dos luxos
mundiais de IED e ocupando o terceiro lugar no mundo
depois dos EUA e Japão (UNCTAD, 2016).
Figura 1 – Fluxo externo de IED global
e da China, 1982-2016
Fonte: UNCTAD, 2013.
Em termos da distribuição geográica do IED chinês,
como mostra a Figura 2, a Ásia atraiu cerca de 70% do estoque de IED chinês, enquanto outras regiões juntas apenas
representam um quarto.As ações da África e da Oceania são
estáveis em 3-4% e 2-3%, respectivamente, enquanto a participação da América Latina caiu de 18% para 11% de 2008
a 2015. Enquanto a parcela da América do Norte aumentou
3%, a parcela da Europa aumentou 5%, ascendendo a 8% do
estoque total de IED chinês em 2015. Desde 2008, a Europa
tem sido o destino de maior crescimento.
75
Figura 2 – Estoque de IED da China por região,
2008/2015
Fonte: MOFCOM; NBS; SAFE, 2009; 2016.
Entre os países europeus, a UE foi o destino mais importante, representando 76% do estoque total de IED chinês
na Europa em 2015 (MOFCOM; NBS; SAFE, 2016). O
IED chinês na UE começou na década de 1980, desenvolvendo-se lentamente nos próximos 20 anos. No século XXI,
como mostra a Tabela 1, embora a UE tenha recebido uma
proporção modesta do IED externo global da China, o montante aumentou rapidamente entre 2004 e 2015, sendo que
o estoque de IED foi quase 120 vezes maior que em 2004.
Tabela 1 – Fluxos de IED chinês e estoques na
UE, 2004-2015 (USD bilhão e crescimento %)
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fluxo
Soma 0.073 0.185 0.129 1.044 0.467 2.966 5.963 7.561 6.120 4.524 9.789 5.480
Externo
YOY %
mu152.0 -30.3 711.1 -55.3 535.1 101.0 26.8 -19.1 -26.1 116.3 -44.0
dança
Ação
1.3
1.5
0.7
3.9
0.8
5.3
8.7 10.1 7.0
4.2
7.9
3.8
Estoque Soma 0.54 0.77 1.28 2.94 3.17 6.28 12.50 20.29 31.54 40.10 54.21 64.40
Ação 1.2 1.3 1.7 2.5 1.7 2.6 3.9 4.7 5.9 6.1 6.1 5.9
Nota:YOY – ano para ano.
Fonte: MOFCOM; NBS; SAFE, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012,
2013, 2014, 2015; MOFCOM; NBS; SAFE, 2016.
76
Embora os luxos chineses de IED para a UE lutuem
bastante de ano para ano, eles começaram a acelerar a partir
de 2005. Os luxos anuais para a UE foram inferiores a
US$ 1 bilhão antes de 2007 e diminuíram em 2008, mas
subiram para quase US$ 3 bilhões em 2009 e continuaram
a aumentar para US$ 7,5 bilhões em 2011. No entanto, eles
diminuíram 19,1% em 2012 e 26,1% em 2013, enquanto
houve um grande aumento em 2014 (116,3%), seguido de
uma queda de 44% em 2015. Em geral, tanto os luxos e os
estoques chineses de IED na UE aumentaram consideravelmente desde a crise inanceira global em 2008 (Figura 3),
mostrando a necessidade de analisar as novas características
do IED chinês na UE no período pós-crise inanceira.
Figura 3 – Fluxos e estoque de IED chinês na UE,
2004-2015
Fonte: MOFCOM; NBS; SAFE, 2005-2016.
IED CHINÊS NA UE:
PADRÕES EM MUDANÇA
As estatísticas de IED compreendem tanto greenield
investments e fusões e aquisições (M&A). Nesta seção, examinamos mais detalhadamente os dados disponíveis sobre
M&A. Este artigo explora as mudanças em termos das
tendências da distribuição geográica e setorial e do envolvimento de investidores com diferentes estruturas de
propriedade em dois períodos: 2002-2008 e 2009-2016.
77
M&A CHINESAS NA UE: CRESCIMENTO
RÁPIDO COM FLUTUAÇÕES
Foram registradas 440 operações completas de fusões e
aquisições no período 2002-2016 na base de dados Thomas
SDC. Como mostra a Figura 4, no período 2002-2007,
o número anual de negócios concluídos foi de cerca de
10, subindo para 16 nos anos de 2007 a 2010, enquanto
o período 2011-2016 viu um novo rápido aumento do
número de aquisições. Os negócios concluídos atingiram
34 em 2011, 43 e 44 em 2012 e 2013, respectivamente,
saltando para 72 em 2014, 80 em 2015 e 104 em 2016.
Ao mesmo tempo, o valor anual das fusões e aquisições
lutuou fortemente: no período 2002-2008 entre 0 e US$
6,0 bilhões; no período 2009-2016 lutuando a um nível
médio substancialmente maior, entre US$ 2,57 bilhões
em 2010 e um máximo de US$ 14,66 bilhões em 2014.
Figura 4 – M&A chinesas completadas na UE,
2002-2016
Fonte: Thomas SDC database.
DISTRIBUIÇÃO DE M&A CHINESAS NA UE:
CAMINHO VELHO E NOVAS ESTRATÉGIAS
A distribuição geográica das fusões e aquisições
chinesas na UE segue o mesmo caminho que os investidores
78
anteriores. Os investidores chineses concentraram-se
principalmente nos “Estados-membros principais”19,
como Reino Unido, Bélgica, Itália, Holanda, Alemanha
e França no período 2002-2008, dos quais o Reino
Unido atraiu mais de 60% das aquisições, seguido pela
Bélgica (27,6%). No entanto, como mostra a Tabela 2,
no período 2009-2016, as M&A chinesas tendem a se
espalhar mais amplamente.
Embora os principais Estados-membros tenham atraído mais de 60% do valor total das aquisições chinesas, a participação diminuiu acentuadamente. O Reino Unido ainda
é o destino número 1, com 77 negócios concluídos, atraindo
quase um terço do valor total das M&A chinesas. França,
Alemanha e Holanda começaram a alcançar, atraindo 15%,
12% e 8%, respectivamente, do valor total com um número
crescente de negócios. Dois novos recursos aparecem no
período pós-crise inanceira. Primeiro, o investimento em
Estados semiperiféricos aumentou rapidamente. Por exemplo, Itália, Irlanda, Espanha, Portugal e Grécia atraíram mais
de um quinto do valor total do investimento chinês com
um número crescente de negócios, logo após os principais
Estados-membros. Em segundo lugar, os Estados-membros
periféricos gradualmente também se tornaram um destino
popular. Por exemplo, sete aquisições no valor de US$ 2,1
bilhões foram concluídas na Hungria e um acordo avaliado
em US$ 0,4 bilhão foi realizado na Eslováquia. Enquanto
isso, República Tcheca, Polônia, Chipre, Estônia, Lituânia e
Romênia se tornaram novos destinos para M&A chineses.
19
Neste artigo, classiicamos os Estados-membros da UE como “Estados-membros principais” (EU-15, menos Irlanda), “Estados-membros semiperiféricos” (os chamados PIIGS, isto é, Portugal, Irlanda,
Itália, Grécia, Espanha) e “Estados-membros periféricos”, ou seja,
os que se juntaram à UE após 2004 (Bulgária, Croácia, Chipre, República Tcheca, Estónia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia,
Romênia, Eslováquia, Eslovênia).
79
Tabela 2 – Países de destino de M&A chinesas
completadas na UE, 2002-2008, 2009-2016
M&A chinesas na UE 2002-2008
M&A chinesas na UE 2009-2016
N.
Destino
Ação
Valor de
no
classiicamerção inc.
cado
Dívida
líquida
do alvo
($ mil)
1
Reino
Unido
7,107.00
62.2
17
Reino
Unido
15,339.90
28.5
77
2
Bélgica
3,152.90
27.6
3
França
8,279.10
15.4
61
6,304.10
11.7
90
4,427.40
8.2
24
Valor de
classiicação inc.
N. de
acordos
Destino
Alemanha
Holanda
Ação
no
mercado
N. de
acordos
Dívida
líquida
do alvo ($
mil)
3
Itália
770.4
6.7
6
4
Holanda
251
2.2
5
107.4
0.9
17
Itália
4,372.70
8.1
44
35.6
0.3
6
2,572.00
4.8
5
0
0
1
Irlanda
Espanha
Hungria
Suécia
Portugal
2,556.40
4.8
28
2,134.60
4
7
1,957.70
3.6
16
1,896.50
3.5
4
Bélgica
1,487.70
2.8
7
903.5
1.7
9
399.8
0.7
1
318
305.6
0.6
0.6
9
1
236.3
0.4
3
174.8
0.3
9
99.1
0.2
9
5
6
7
Alemanha
França
Dinamarca
8
Hungria
0
0
1
9
Portugal
0
0
1
10
Espanha
0
0
1
11
Luxemburgo
Eslováquia
Áustria
Grécia
Finlândia
República
Tcheca
Dinamarca
12
13
14
15
16
17
18
19
Polônia
59
0.1
1
20
Chipre
30
0.1
1
21
Estônia
0
0
1
80
M&A chinesas na UE 2002-2008
N.
Destino
Ação
Valor de
no
classiicamerção inc.
cado
Dívida
líquida
do alvo
($ mil)
M&A chinesas na UE 2009-2016
Valor de
classiicação inc.
N. de
acordos
Destino
Ação
no
mercado
N. de
acordos
Dívida
líquida
do alvo ($
mil)
22
Lituânia
0
0
2
23
Romênia
0
0
3
Total
da indústria
53,853.90
100
412
Total
11,424.30 100
58
Fonte: Thomas SDC database.
DISTRIBUIÇÃO SETORIAL: DE INDÚSTRIAS
FINANCEIRAS E DE RECURSOS NATURAIS
À DIVERSIDADE
Na Tabela 3 fornecemos uma visão geral das fusões e
aquisições chinesas na UE por setor em dois períodos. Isso
demonstra que as aquisições chinesas nas indústrias inanceiras e de recursos naturais representaram 85% do valor total
no período 2002-2008. No entanto, após a crise inanceira,
as aquisições se diversiicaram. Medido pelo valor total, a
infraestrutura foi a indústria mais atrativa, atraindo 13%
do investimento chinês, seguindo as indústrias de serviços
(serviços empresariais 8,8%, imóveis 7% e seguro 5,4%). As
menores ofertas foram concluídas na indústria de fabricação
(maquinário 54, equipamentos eletrônicos 33, e transporte
30), em que três indústrias representaram 8% do valor total
das M&A chinesas respectivamente.A indústria de alimentos
e a indústria química atraiu 7% e 6%, respectivamente, enquanto as aquisições no setor de petróleo e gás caíram para
pouco mais de 3%.Assim, após a crise inanceira, as empresas
chinesas começaram a investir em uma gama mais ampla e
diversiicada de indústrias do que antes.
81
Tabela 3 – Top 10 setores da M&A chinesas na
EU, 2002-2008, 2009-2006
Fonte: Thomas CDC database.
PAPEL DOS INVESTIDORES POR
PROPRIEDADE
As empresas chinesas com diferentes propriedades
revelam diferentes padrões de IED. Na Europa, os investidores chineses incluem empresas estatais (State-Owned
Enterprises, ou SOEs), o fundo estatal de riqueza soberana
(China Investment Corporation, ou CIC20), as empresas
20
A China estabeleceu a Corporação de Investimentos da China
(CIC) em 2007 para administrar parte de suas reservas cambiais.
Embora o status de um Fundo Soberano de Riqueza (SWF)
como agente do IED possa ser questionado (com o objetivo do
controle frequentemente estando ausente), seguimos a prática
estabelecida na maioria das bibliotecas para incluir o CIC em
visões gerais do IED.
82
com estruturas de propriedade híbridas e as empresas
totalmente privadas e individuais. Combinando as informações fornecidas pela Tabela 4 e pela Figura 5, consideramos que as entidades estatais não têm monopólio sobre
o envolvimento de IED na UE. No período 2002-2008,
as empresas não estatais se tornaram jogadoras cada vez
mais importantes com negócios concluídos, embora o
valor total desses negócios ainda é relativamente baixo. No
período 2009-2015, as entidades estatais continuam a ser
grandes investidores na UE devido a uma série de grandes
investimentos. Enquanto isso, inspirado na Going Global
Policy e pela nova iniciativa estratégica One Belt, One Road
(OBOR) lançada em 2013, o fundo de riqueza soberana
da China (CIC), os bancos de políticas da China e outras
entidades comerciais encontraram mais oportunidades
para injetar capital do Estado na Europa (HANEMAAN;
HUOTARI, 2016). Em suma, as empresas públicas estão
claramente envolvidas em negócios de maior valor, mas as
empresas não estatais, no entanto, se tornaram jogadores
importantes no IED chinês desde a proclamação da política
Global de Going e da iniciativa OBOR.
Tabela 4. IED da China na EU pela Propriedade
dos Investidores, 2000-2011
Número de acordos (USD milhão e número de acordos)
Todos os
Greenield
% ação
M&A
% ação
acordos
Controlado
pelo governo
Empresas
estatais
Fundos soberanos
Privado e
público
%
ação
148
35%
66
46%
214
37%
148
35%
64
44%
212
37%
0
0%
2
1%
2
0
280
65%
79
54%
359
63%
428
146
Total de investimento (USD mn)
83
573
Número de acordos (USD milhão e número de acordos)
Todos os
Greenield
& ação
M&A
% ação
acordos
Controlado
pelo governo
Empresas
estatais
Fundos soberanos
Privado e
público
%
ação
2,738
52%
12,413
79%
15,151
72%
2,738
52%
8,814
56%
11,552
55%
0
0%
3,599
23%
3,599
17%
2,569
48%
3,238
21%
5,807
28%
5,307
15,650
20,968
Fonte: ROSEN; HANEMANN, 2012, p. 46.
Figura 5 – Participação do IED chinês na UE pelo
tipo de investidor 2000-2015
Fonte: Rhodium Group (HANEMAAN; HUOTARI, 2016, p. 6).
EXPLICANDO PADRÕES DE MUDANÇA
O IED pode ser explicado por referência aos objetivos gerais perseguidos pelos agentes envolvidos, e o
IED chinês não é diferente: os principais fatores são o
acesso a matérias-primas e fontes de energia; aquisição
de tecnologia, know-how e nome de marcas; e a busca de
mercados – seja para evadir a concorrência doméstica ou
84
para contornar as barreiras internacionais ao comércio.
Além disso, muitas vezes é sugerido que considerações
geopolíticas e geoeconômicas por parte do Estado chinês
também desempenham um papel (ver SALIDJANOVA,
2011, p. 6-13 para uma visão geral).
No entanto, neste artigo, como dito anteriormente,
temos um objetivo mais modesto: nos concentramos na
crescente importância da Europa como destino de IED
chinês observada desde o início da crise inanceira global
em 2008. Na análise acima, mostramos que, no período
pós-crise inanceira, em primeiro lugar, as fusões e as aquisições chinesas na UE aumentaram mais rapidamente, mas
com menos lutuações; em segundo lugar, o “núcleo da
UE” continua a ser o principal destino, mas a “UE semiperiférica” é um novo alvo para o IED chinês; em terceiro
lugar, o investimento vai para setores mais diversiicados;
em quarto lugar, as empresas estatais ainda são signiicativas,
enquanto as empresas privadas estão desempenhando um
papel crescente, e a CIC é um novo investidor. Após um
exame mais minucioso, ica claro que fatores de atração e
fatores de impulsão desempenham um papel.
FATORES DE ATRAÇÃO
Privatização forçada na UE
Inluenciada pela crise das hipotecas sub-prime americanas, a UE sofreu uma crise da dívida soberana desde
2009, com a Grécia rebaixada para a classiicação de crédito
mais baixa do mundo pela Standard & Poor’s. Os mercados
de ações europeus entraram em queda, a economia europeia estagnou, o euro caiu fortemente em relação ao dólar
americano e, em geral, a Zona do Euro enfrentou o teste
mais severo desde a sua fundação em 1999.
Além disso, ao aceitar os pacotes de ajuda inanceira
da UE e do FMI, Chipre, Grécia, Irlanda e Portugal foram
85
obrigados a tomar medidas para reduzir substancialmente
os déicits orçamentários e a dívida pública. Condições
similares foram impostas à Espanha. A privatização das
empresas estatais constitui um componente chave comum
dos planos de recuperação para esses países. Os aeroportos
de Madri (Barajas) e Barcelona (El Prat) foram privatizados,
com a decisão do governo espanhol de derrubar os ativos
estatais para “reduzir a pesada lacuna orçamentária da Espanha” (DOMÍNGUEZ, 2011)21. O governo português
arrecadou € 3,3 bilhões através de privatizações até 2012
(COSTA, 2012). O governo grego acelerou planos para
vender ativos estatais sob pressão da Troika após os resgates
em 2010 e 2012 (POGGIOLI, 2013). Quando os governos
estão sob uma pressão tão intensa, os ativos para venda
provavelmente serão subvalorizados. Nos últimos anos,
tais circunstâncias atraíram claramente novos investidores
estrangeiros, inclusive chineses, para os países em questão.
Um quinto das aquisições chinesas foi, de fato, completado
em Estados semiperiféricos nos períodos pós-crise inanceira. Outro bom exemplo é a gigante chinesa do transporte
marítimo, a China Ocean Shipping Corporation (COSCO):
adquiriu os direitos de operar os dois principais terminais
de contêineres no porto do Piraeus, fora de Atenas, na
Grécia. Esse contrato de 35 anos foi adquirido por US$ 4,2
bilhões em 2009, o maior negócio até o momento no sul
da UE. Com um crescimento rápido nos primeiros dois
anos de operação, a COSCO e outras empresas chinesas
foram convidadas a assumir uma participação maior nos
planos globais de privatização do governo grego (então
previstos para € 50 bilhões) (FU, 2012). Em novembro de
2013, a COSCO assinou um contrato para investir mais
US$ 309 milhões no porto (XINHUA, 2013). Além disso,
ela tem demonstrado um grande interesse em licitação para
21
“narrow Spain’s hefty budget gap”.
86
a privatização da Autoridade Portuária do Pireu (67% das
ações) planejada pelo governo grego desde 2014. Essa oferta
continuou, mesmo quando o processo de privatização foi
suspenso pelo novo governo grego, baseado em Syriza (SHI,
2015). A COSCO inalmente conseguiu a participação de
controle com um investimento de € 368,5 milhões em 2016
(STAMOULI, 2016). Como resultado dessas consequências
da crise da dívida soberana da Zona do Euro, a Grécia, a
Irlanda, a Espanha e Portugal tornaram-se rapidamente
novos destinos para o IED chinês. Pode-se esperar que a
pressão para privatizar continuará a ser exercida em países
com alta dívida pública com em relação ao PIB, como a
Grécia e a Itália.
AMBIENTE DE INVESTIMENTO
RELATIVAMENTE AMIGÁVEL
Outra razão para aumentar o IED chinês na UE é o
ambiente de investimento relativamente amigável da Europa
em comparação com os Estados Unidos. Geralmente, as
aquisições globais chinesas concentram-se principalmente
nos recursos naturais. Após o fracasso em adquirir a Unocal
pela China National Ofshore Oil Company em 2005, os investidores chineses foram cautelosos em investir nos Estados
Unidos por causa de seu protecionismo político (ZHANG,
2014). Na UE, no entanto, as empresas chinesas têm permissão para adquirir recursos de petróleo e gás e US$ 5,7
bilhões foram gastos em aquisições no setor de petróleo e
gás de 2002 a 2014 (fonte: banco de dados Thomas SDC).
O investimento crescente na infraestrutura também indica
a atitude positiva para com os investidores chineses por
parte dos governos europeus. Mais de US$ 5 bilhões foram
gastos apenas em 2012 (HANEMANN; LYSENKO, 2013),
incluindo a aquisição pela China Investment Corporation
de uma participação de 10% no aeroporto de Heathrow
em Londres (BBC NEWS BUSINESS, 2012). Mais de
87
um quarto do investimento chinês no período pós-crise
passou para maquinário. As empresas chinesas precisam
urgentemente de ativos de fabricação avançados (como
habilidades de gerenciamento e tecnologia) para modernizar e internacionalizar. Por outro lado, as empresas da UE
acolheram os investidores chineses comprando tecnologia
e adquiriram experiência de gestão deles: seja bem-vindo
novo cliente em tempos de recessão. Por exemplo, a Geely
Automobile Corporation adquiriu com sucesso a Volvo e a
Beijing Automotive Company comprou ativos tecnológicos
da Saab em 2009.
A indústria de alta tecnologia é uma área recentemente emergente para o investimento estrangeiro chinês
na UE. As empresas chinesas de alta tecnologia, como a
Huawei Technology Corporation (Huawei) e Zhongxing (ZTE),
encontraram diiculdades severas de acesso ao mercado de
serviços de TI nos Estados Unidos, onde foram invocadas
considerações de segurança nacional (CHEN; ATHREYE,
2009). No entanto, eles foram recebidos mais calorosamente
na UE. Pegue a Huawei, por exemplo, que opera na Europa
através do investimento em fusões e aquisições e greenields.
Inspirado na declaração do governo britânico “aberto para
negócios”, Ren Zhengfei, fundador da Huawei, anunciou
um plano de investimento de £ 1,2 bilhão em uma reunião com o primeiro-ministro britânico David Cameron
(PFANNER, 2012).
Em 2016, a Huawei empregou mais de 10.000 funcionários, dos quais 1.570 estão trabalhando em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) em 18 sites de P&D em oito países
europeus (Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda,
Itália, Suécia e Reino Unido) (HUAWEI EUROPE, 2016).
Enquanto isso, a Huawei planeja dobrar as suas equipes de
P&D europeias e criar 5.500 postos de trabalho adicionais
na Europa até 2017 (HUAWEI, 2014). Além disso, a Huawei
enviará esforços para expandir o seu negócio de smartphones
88
na Europa. Em dezembro de 2016, no Nordeste europeu,
a cota de mercado é superior a 15% e superior a 10% na
Europa Ocidental. Em alguns países do norte da Europa, o
smartphone da Huawei tem mantido a liderança no mercado
(HUAWEI, 2017). A Europa tornou-se o maior mercado
estrangeiro da Huawei.
Resumindo, podemos ver que a crise na UE ofereceu
uma oportunidade atrativa para os investidores chineses;
enquanto isso, tanto os governos quanto as empresas da
UE apresentaram uma atitude relativamente positiva em
relação ao investimento chinês em comparação com os
Estados Unidos. Recentemente, no entanto, os sinais começaram a indicar que o clima acolhedor na Europa pode
estar esfriando. Na Alemanha, em particular, a tentativa
dos chineses de adquirir “algumas das tecnologias mais
valorizadas do país” levaram a uma reação (CHAZAN;
WAGSTYL, 2016; KYNGE, 2016).
FATORES DE IMPULSÃO
Going Global
A política Going Global foi o principal fator de impulso
que promoveu o IED chinês na Europa, especialmente
no período pós-crise inanceira (FREEMAN, 2013, p.
7-11). Em resposta à crise inanceira asiática em 1997
sobre as exportações da China, Going Global (zou chu
qu, 走出去) foi primeiramente mencionado em 1999:
pretendia que as empresas chinesas tivessem acesso a
recursos baratos no exterior para reduzir os custos de
produção e promover as exportações (HUANG;WILKES,
2011). Em 2001, a política Going Global foi incorporada
no 10º Plano Quinquenal (2000-2005) para incentivar
o investimento no exterior, a im de criar empresas
multinacionais competitivas e marcas internacionais e
ajustar a estrutura industrial doméstica (BERNASCONI89
OSTERWALDER; JOHNSON; ZHANG, 2013). Em
conexão com a adesão da China à OMC, a Going Global
foi oicialmente mencionada no 16º Congresso Nacional
do Partido Comunista Chinês em 2002.
Essa política foi aprovada pelo presidente Jiang Zemin
como uma nova fase signiicativa da Reforma e da Política Aberta. Geralmente, essa política tem como objetivo
incentivar a internacionalização das empresas nacionais e a
criação de marcas mundiais, com crédito, seguros e outros
serviços facilitadores de apoio do governo (JIANG, 2002).
Em 2004, o Conselho de Estado publicou a “Decisão
sobre a reforma do sistema de gestão de investimentos”.
Essa decisão dá às empresas mais liberdade na tomada de
decisões de investimento e estimula um aumento dramático do IED chinês. No período pós-crise inanceira, as
empresas chinesas foram encorajadas ainda mais fortemente
a realizar investimentos no exterior. No que diz respeito
ao IED na UE, três elementos da Going Global Policy são
de particular importância.
Papel de empresas privadas
Os principais atores do sistema econômico chinês são
empresas estatais (SOE), que também são proeminentes no
IED chinês. Elas foram pioneiras a investirem no exterior
para obter recursos, mercados e ativos estratégicos com
apoio inanceiro e através de processos administrativos
eicientes do governo (por exemplo, COSCO e China
Merchants Group). De acordo com estatísticas do Ministério
do Comércio da República Popular da China (MOFCOM),
mais de 60% dos negócios foram concluídos pelas empresas
estatais, especialmente aqueles que buscam recursos e ativos
estratégicos. No entanto, apesar do domínio das empresas
públicas no IED chinês, as empresas privadas se tornaram uma
força emergente devido ao procedimento de autorização
90
liberalizado, que permite e incentiva o investimento no
exterior das empresas privadas. Especialmente desde a crise
inanceira global, as empresas privadas tornaram-se muito
ativas e bem-sucedidas na realização de investimentos no
exterior e, às vezes, têm mais vantagens do que as empresas
públicas na obtenção de fundos estrangeiros.
A aquisição bem-sucedida da Volvo pela Zhejiang Geely
Holding Group (Geely) é um exemplo. Inligidos pela crise
inanceira, os ativos subavaliados na indústria automotiva
atraíram as empresas automotivas chinesas. Enquanto isso,
em 2009, com o “Programa de Reestruturação e Rejuvenescimento da Indústria Automotiva”, o governo chinês
promoveu a reestruturação da indústria automotiva incentivando as empresas chinesas a realizarem M&A de saída.
A Geely conquistou com sucesso 100% da Volvo Car, com
US$ 1,8 bilhão, permitindo adequar a tecnologia avançada
e a marca internacional da Volvo. A Geely recebeu apoio
administrativo e inanceiro completo do governo chinês e
dos bancos nacionais, como o Departamento de Zhejiang
do Banco da China e o Banco de Exportação e Importação
da China, concedendo empréstimos (WU, 2010). Por isso,
graças a políticas governamentais favoráveis e ao inanciamento lexível, as empresas privadas estão desempenhando
um papel cada vez mais importante no IED.
REDUZINDO DEPENDÊNCIA NO DÓLAR
ESTADUNIDENSE
A exportação tem sido uma trajetória signiicativa
para o crescimento do PIB chinês, especialmente porque
a China aderiu à OMC. De 2001 a 2007, a participação
das exportações aumentou de 22,6% para 38,4% do PIB
(Banco Mundial de Dados, 2015) e um excedente de
exportação surgiu após 2004, atingindo 7,4% do PIB em
2007 (ZHU; KOTZ, 2011). Em 2009, a China tornou-se
o maior exportador do mundo, superando a Alemanha.
91
A economia chinesa foi impulsionada pelo crescimento
liderado pelas exportações, sustentado pela política cambial
ixa do governo – mantendo o yuan vinculado ao dólar
americano (para a relação entre política cambial e investimento estrangeiro, ver: SAUVANT; DAVIES, 2010). Esse
modelo de crescimento liderado por exportações levou
a China a acumular enormes reservas cambiais. No inal
de 2014, estes ascenderam a US$ 3,8 trilhões, dos quais
aproximadamente dois terços foram detidos em dólares
americanos, o resto em outras moedas e em ouro. A maioria
das reservas em dólares americanos foi investida em títulos
do Tesouro dos Estados Unidos. Por exemplo, no inal de
junho de 2011, a China detinha US$ 1,3 trilhão de títulos
do Tesouro dos Estados Unidos (WANG; FREEMAN,
2013). Sustentando uma grande quantidade de reservas
em dólares americanos, a China é vulnerável ao risco de
depreciação do dólar americano e pressões inlacionárias
sobre sua economia doméstica.
Para reduzir a dependência do dólar americano, o
governo chinês toma diversas medidas para se diversiicar
em ativos não monetários. A Corporação de Investimento
da China (CIC) foi criada com US$ 200 bilhões do Ministério das Finanças em 2007, com o objetivo de diversiicar
“ambos fora dos ativos dos EUA (na Europa e na Ásia),
bem como dentro dos ativos denominados em dólares”
(OVERBEEK, 2012, p. 155)22. No contexto da crise da
dívida soberana europeia, o governo chinês indicou que
a CIC compraria títulos soberanos dos Estados-membros
semiperiféricos da União Econômica e Monetária (EMU)
(no valor de cerca de US$ 30 bilhões) (WEI, 2012). No
entanto, logo aconteceu que a CIC não tinha intenção de
comprar títulos do governo europeu, mas buscou outras
22
“both away from US assets (in Europe and Asia) as well as within
US dollar denominated assets”.
92
oportunidades de investimento (MARTINEZ, 2012). Por
um lado, a CIC ajudou as empresas chinesas a expandirem
seus investimentos na UE ao injetar capital em um fundo
mútuo China-Bélgica (CHEN, 2012). Por outro lado, é
ativa como um novo investidor na UE para realizar investimentos em projetos de construção de infraestrutura,
principalmente localizados no Reino Unido e na França.
Ao desempenhar um papel ativo na promoção do IED
chinês na Europa, a CIC contribui para uma maior diversiicação internacional dos negócios chineses e para reduzir
a dependência da China do dólar americano.
GANHANDO ACESSO AO MERCADO
Como discutimos anteriormente, o crescimento do
PIB chinês tem sido bastante dependente das exportações, o
que foi ativamente aprimorado pela política governamental.
As exportações da China para a UE, no entanto,
inevitavelmente sofreram um golpe da crise inanceira
e das subsequentes políticas de austeridade. Embora a
diminuição da demanda nos mercados europeus tenha
causado a queda das exportações em 6,2% da China para
a UE ano a ano em 2012, atingindo US$ 334 bilhões (LI,
2013), a China ainda correu um superávit comercial com
a UE. Como consequência, uma contração protecionista
surgiu na UE, impulsionada pelos temores de que a China
compre a Europa ou inveje seus mercados. A Comissão
Europeia cobrou direitos contra fabricantes chineses de
painéis solares e contra fabricantes de equipamentos de
telecomunicações Huawei e ZTE Corp., argumentando
que receberam subsídios ilegais do governo chinês (BILBY,
2013; STEARNS, 2013). Com essa resposta protecionista,
o investimento direto como uma forma alternativa de
acesso ao mercado da UE recebeu uma atenção crescente.
Assim, o 12º Plano Quinquenal (2011-2015) airmou
que o governo “apoiaria a realização de cooperação em
93
investimentos em tecnologia de pesquisa e desenvolvimento
no exterior e incentivaria as principais empresas da indústria
transformadora a realizar investimentos externos para criar
canais de marketing e vendas internacionalizados e famosas
marcas23” (BERNASCONI-OSTERWALDER et al., 2013,
p. 13). Com o apoio dessa política, a Huawei conseguiu obter
acesso ao mercado da UE através da criação dos centros de
P&D mencionados anteriormente.
NOVA INICIATIVA ESTRATÉGICA
ONE BELT, ONE ROAD
Em 2013, em parte em resposta à política do pivô para
a Ásia dos Estados Unidos, a nova administração chinesa
anunciou uma nova iniciativa importante, a chamada Nova
Rota da Seda ou a invenção de um One Belt, One Road
(OBOR) (WANG, 2016). Ela abrange investimentos maciços de infraestrutura na Ásia Central e Central, Oriente
Médio e África Oriental e potencialmente vinculados a iniciativas na Rússia e na Europa (Plano Juncker), onde estão
os mercados de exportação mais importantes da China. A
OBOR pretende oferecer oportunidades de investimento
para o capital chinês sobreacumulado, respondendo ao
déicit de investimentos em infraestrutura massiva geralmente reconhecido globalmente. O Banco de Investimento
Asiático de Infraestrutura (AIIB), iniciado pela China,
inanciado por mais de 50 países, também proporcionará
oportunidades de investimento para as corporações chinesas
em uma escala potencialmente muito grande.
Em suma, a maior liberalização da política Going Global, reforçada pelas novas iniciativas OBOR e AIIB, explica
23
“support the carrying out of technology R&D investment cooperation abroad and encourage leading enterprises in the manufacturing
industry to conduct outward investment to create internationalized
marketing and sales channels and famous brands”.
94
como as empresas estatais e privadas poderiam lucrar na
chance de investir na UE na busca de ativos estratégicos,
como tecnologia avançada e marcas valiosas. O fundo de
riqueza soberano chinês (CIC) apoia essa internacionalização das empresas chinesas, ajudando assim a reduzir a
dependência unilateral do mercado dos Estados Unidos e
dos ativos denominados em dólares americanos. Finalmente,
as empresas chinesas conseguem desenvolver alternativas
às exportações para os mercados europeus investindo diretamente em instalações produtivas e centros de pesquisa
na Europa. Estes três elementos empurram positivamente
as empresas chinesas a investir na UE.
CONCLUSÃO
Existem algumas novas características do IED chinês
no período pós-crise. Essas mudanças, que representam a
crescente popularidade da Europa como destino da IED
chinês, são causadas por fatores de atração e impulso. As
fusões e aquisições chinesas na UE cresceram rapidamente,
particularmente nos países semiperiféricos e periféricos da
UE, principalmente por causa da atração de ativos públicos
subvalorizados sendo privatizados devido à crise da Zona
do Euro. Enquanto isso, o ambiente de investimento relativamente amigável (em comparação com os Estados Unidos)
atrai o investimento chinês para uma variedade de setores
avançados. Em termos de fatores de impulso, indicamos que
a liberalização na Going Global Policy é a força motriz mais
sólida, enquanto a necessidade de reduzir a dependência
do dólar americano e dos mercados dos Estados Unidos
proporcionou outro poderoso estímulo ao IED chinês na
Europa. Apesar da contínua desaceleração econômica na
Europa e na China, portanto, a nossa previsão é que a UE
continue a ser um destino de rápido crescimento para o
IED chinês por alguns anos.
95
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101
EL PAPEL DE CHINA EN EL ACTUAL
PROCESO DE RECONFIGURACIÓN
GEOECONÓMICA Y GEOPOLÍTICA EN
AMÉRICA LATINA. UN ANÁLISIS DE SUS
IMPLICACIONES EN LAS DINÁMICAS
DE LA COOPERACIÓN SUR-SUR
Giuseppe Lo Brutto
COOPERACIÓN SUR-SUR EN AMÉRICA
LATINA, ASPECTOS DE SU
PANORAMA ACTUAL FRENTE A
LOS CAMBIOS EN LAS RELACIONES
POLÍTICAS Y ECONÓMICAS
INTERNACIONALES
Hacia el ocaso de la segunda década del siglo XXI,
América Latina (AL) se dirige precipitadamente hacia un
cambio en el mapa geopolítico experimentando una baja
en los ritmos de crecimiento medio a nivel del conjunto
de la región, mismos que se encontraron por debajo del
crecimiento promedio de los países de la Organización
para la Cooperación y el Desarrollo Ecónomico (OCDE)
en 201524 por segundo ão consecutivo (OCDE/CAF/
CEPAL, 2015).
24
Según los datos de la OCDE la tasa de crecimiento promedio de los
países pertenecientes a esta organización fue de 1.9% en 2014, 2.2%
en 2015 y 1.7% en 2016. http://www.oecd.org/centrodemexico/
estadisticas/
103
4
Tabla 1 – Tasa de crecimiento del Producto Interno
Bruto (PIB) total anual a precios constantes de los
principales países de América Latina
País
2014
2015
Argentina
-2.5%
2.5%
-3.8%
Brasil
0.1%
Bolivia
5.5%
4.8%
Chile
1.9%
2.3%
Colombia
4.4%
3.1%
Ecuador
4%
0.2%
Perú
2.4%
3.3%
Paraguay
4.7%
3.0%
Uruguay
3.2%
1%
Venezuela
-3.9%
-5.7%
América Latina
0.9%
-0.5%
Fuente: Elaboración propia partir de los datos de CEPAL, consultado el 6
de marzo de 2017, http://interwp.cepal.org/sisgen/ConsultaIntegrada.
asp?idIndicador=2207&idioma=e
Esto podría signiicar retrocesos con relación a las
conquistas que una década anterior le permitieran tener
la aspiración de concretar un modelo de desarrollo propio
y una mayor autonomía de inserción en los esquemas de
la economía mundial. En este sentido, el actual contexto
restringe las aspiraciones y posibilidades, por un lado, de
tener un papel importante en las relaciones y políticas internacionales y, por otro lado, en el ámbito de la Cooperación
Sur-Sur (CSS) regional para plantear una verdadera alternativa al ver reducidos sus alcances económicos y políticos.
Durante las pasadas dos décadas, los procesos integracionistas regionales se han caracterizado por el choque entre
aquellos que pugnaron por una alternativa a los modelos
tradicionales de integración y aquellos que buscaron su
continuidad. A tal propósito, los modelos de cooperación
regional basados en la búsqueda del establecimiento de
104
nuevas relaciones de poder, se distinguieron por su abierta
oposición al neoliberalismo y por ende a los Estados Unidos
(MORENO et al., 2014).
Como resultado de la superación del regionalismo
abierto25, que distinguió a las décadas de los ochenta y los
noventa, y de la implantación de un regionalismo estratégico en la región a través los procesos de integración como
la Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América – Tratado de Comercio de los Pueblos (ALBA-TCP),
la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR), la
Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribẽos
(CELAC) y el mayor impulso al Mercado Común del Sur
(MERCOSUR), los esquemas de Cooperación Sur-Sur
de principios de milenio representaron una experiencia
única.Todas estas expresiones de reconiguración regional
posibilitaron su reposicionamiento con un mayor protagonismo y autonomía para la construcción de un mundo
multipolar y pluricéntrico que ha planteado, como uno de
sus mayores retos, el eiciente control y gestión regional de
los recursos naturales. Sin embargo, no se podrían entender
estas dinámicas sin analizar el papel que China jugó en la
región ya que, como sẽala Fornillo, “…el ascenso chino
inaugura un deliberado pluricentrismo global en un entorno competitivo de escasez, de talante interimperial”.
(FORNILLO, 2016, p. 14)
No cabe duda que este panorama ha sido favorecido
por el impulso que la República Popular China (RPC)
ha dado hacia la construcción de un nuevo orden internacional, multipolar y multilateral. En este sentido, con el
ingreso de China a la Organización Mundial del Comercio
(OMC) en el ão 2001, se vio acelerado el proceso de
25
Favorece el libre mercado sin medidas proteccionistas, impulsando la
Inversión Extranjera Directa (IED) y la orientación al crecimiento
exógeno.
105
integración de este gigante asiático a los diversos estadios
del comercio internacional, lo que llevaría al aumento
de la demanda de materias primas y, al mismo tiempo, al
incremento de sus precios a nivel mundial –denominado
como Consenso de las Commodities (SVAMPA, 2013)–. Esta
situación propiciaría la captación de un importante lujo
de ingresos hacia la región latinoamericana, principalmente
en aquellos países con mayores reservas naturales a través
del denominado neoextractivismo26, que representaría
para los gobiernos de izquierda o progresistas la base de su
fortalecimiento económico y político regional, así como
la reducción de los índices de pobreza en sus territorios.
Sin embargo, se estaría también consolidando en palabras
de Svampa y Slipak un “Consenso de Beijing” que estructuraría una neodependencia (SVAMPA; SLIPAK, 2015),
mostrando a la vez un crecimiento muy dependiente de
las materias primas.
En este contexto, a lo largo de la primera década del
siglo XXI ha sido posible observar el posicionamiento de
un nuevo tipo de cooperación en contraposición al denominado mainstream eurocentrista (LO BRUTTO; GONZÁLEZ, 2015, p. 4) que, incluso inmerso en la mayor crisis
multidimensional de la economía mundial, incrementaría
los lujos de CSS en una multiplicidad de ámbitos involucrando a cada vez más actores. Esta cooperación Sur-Sur
estaría fundamentada básicamente en el diálogo político
y en los acuerdos comerciales. Tales elementos incidirían
26
Dentro de la gestión de los gobiernos progresistas latinoamericanos,
se ha consolidado la importancia de los sectores extractivistas como
un pilar de su desarrollo lo que ha llevado a nueva modalidad de
este, en donde la búsqueda de su inserción global subordinada al
capitalismo transnacional, ha fragmentando territorios, generado
impactos sociales y ambientales, orientando los procesos productivos a la eicacia, maximización de rentas y externalización de sus
impactos.
106
en una nueva inaciarización de las relaciones Sur-Sur. Por
ello, es primordial comprender que la CSS se ha caracterizado por realizarse entre los denominados países del Sur
Global27 con un objetivo político orientado a fortalecer su
autonomía, sus relaciones bilaterales y multilaterales con
la clara inalidad de lograr obtener un mayor protagonismo en la toma de decisiones en los diferentes escenarios
internacionales, reconociendo que es posible afrontar de
una manera más efectiva problemas comunes al cooperar.
Por lo anterior, puede considerarse que la CSS ha
sido un concepto clave de organización que engloba un
conjunto de prácticas en pos de los cambios históricos experimentados en la región, mismos que se han fomentado
desde la visión del beneicio mutuo y de la solidaridad
entre los desfavorecidos del sistema mundial. Es en este
contexto que el debate sobre la “decadencia de Occidente”
y el “ascenso del resto” así como del “papel histórico de las
potencias emergentes” toma un nuevo signiicado (GRAY;
GILLS, 2016, p. 557) derivado sobre todo del nuevo papel
que China juega en la economía mundial y de la conexión
que posee con los países del sur global, especialmente con
la región latinoamericana.
En ese sentido, la CSS es considerada para China
como el instrumento que puede contribuir a la transformación del orden internacional promoviendo la independencia económica, social y política de todos los
países involucrados (HARRIS; ARIAS, 2016, p. 520). En
cuanto a AL, el principal objetivo de dicha relación sería
aprovechar todo el potencial de la misma teniendo siempre
presente como principios ordenadores el beneicio mutuo
y el desarrollo común.
27
Concepto que se reiere a los países periféricos que se sitúan al Sur
de los países centrales o desarrollados geográicamente ubicados al
norte del globo.
107
Sin embargo, parece importante remarcar que pensar
en el papel de AL en esta reconiguración hegemónica
regional y global signiicaría también que, para comprender el rol que el gigante asiático juega en la región más
allá de las evidentes desigualdades que genera, es necesario considerar que “…el eje de acumulación radicado
en China se completa y estabiliza en el vínculo que traza
con Rusia y con el sudeste asiático” (FORNILLO, 2016,
p. 23) y, sobre todo, tener presente el lugar que la región
tendría en el nuevo proyecto chino denominado “Nueva
ruta de la seda”28. Por ello, parece cada vez más explícita
la manera en que esta CSS se relaciona directamente con
el comercio creciente y con el aumento en los lujos de
inversión extranjera directa (IED) así como en los términos
en que ambos factores están transformando la dinámica de
la economía mundial.
Por tanto, se vuelve necesario plantear que las relaciones Sur-Sur hoy en día se sustentan en la necesidad
de consolidar mecanismos e instrumentos que aseguren
la soberanía sobre la gestión, preservación y explotación
de los recursos naturales a través de acciones estratégicas
eicaces que formen parte de la geopolítica de las diversas
iniciativas de integración vigentes. Estas, sobre todo, serían
el medio principal que China utilizaría para impulsar su
propio proyecto de globalización Sur-Sur tal como ha
mostrado con mayor fuerza el presidente Xi en la última
reunión en el Word Economic Forum Annual Meeting en
Davos en enero de 2016, defendiendo la economía global y criticando el proteccionismo que encarna el nuevo
28
La Nueva Ruta de la Seda, se enfocará a reforzar las relaciones
con sus vecinos geográicos inmediatos, desplazando algunas de
las sinergias hasta ahora enfocadas en la región latinoamericana.
Representa un mercado de mayores alcances para el país asiático, y
a la vez ofrecerá un espacio económico ideal para la reproducción
del capital real y especulativo.
108
presidente de los Estados Unidos de América (EE.UU.), el
conservador Donald Trump. En este sentido, parece importante cerrar este apartado sẽalando que el papel de China,
como un importante proveedor mundial de ayuda exterior
y de inversión extranjera para los países en desarrollo, es
el producto del milagroso crecimiento económico de este
país durante un período de poco más de tres décadas que,
junto con el impulso de convertirse en un actor importante
en los asuntos mundiales y lograr esto a través de medios
económicos en lugar de militares (COPPER, 2016), ha
cambiado el escenario del actual modelo de globalización,
convirtiéndose en un actor fundamental en el ajedrez internacional. Para conseguir este objetivo, tal como sẽala
Lu (2014), China continuará aumentando la contribución
de la ayuda externa intentando optimizar la estructura de
su política de asistencia y ayudando de esta manera a los
países beneiciarios a mejorar el bienestar de sus pueblos
y su capacidad de desarrollo independiente.
CHINA EN EL PROCESO DE
RECONFIGURACIÓN
GEOPOLÍTICO Y GEOECONÓMICO
LATINOAMERICANO ACTUAL
China representa hoy el mayor consumidor mundial
de hidrocarburos. En este sentido, la región latinoamericana
ha constituido en los útlimos 15 ãos una fuente de recursos
muy importante para el gigante asiático. Durante la pasada
década, la RPC asumió un rol relevante e indiscutible en la
arquitectura de la economía y política mundial, resultado de las
dinámicas geopolíticas del sistema mundo capitalista que han
propiciado que el gran dragón se prospecte como una de las
principales potencias en este nuevo milenio. En este contexto,
AL asumió paralelamente un papel más dinámico derivado
del denominado “giro a la izquierda” que experimentó con
109
el inicio del nuevo siglo y que cuestionó el rol predominante
de la hegemonía estadounidense en la región; situación que le
permitió generar un acercamiento importante, incluso estando
inmersos en la más grande crisis multidimensional (2008) que
la economía mundial haya experimentado (LO BRUTTO;
SPATARO, 2016). Pero es, sobre todo, el ingreso de China a
la Organización Mundial del Comercio (OMC) en 2001 lo
que ha propiciado el incremento del comercio entre ambos
actores de manera exponencial.
Tabla 2 – Principales inversiones chinas en
América Latina 2005-2014 (en millones
de dólares)
País
Acción
Monto
Nicaragua
Construcción del canal interóceanico HKND
50,000
Costa Rica
China National Petroleum Company preveé
ampliar la única planta de reinación de
petróleo
1,300
Venezuela
China National Petroleum Company invierte
en la Faja Petrolifera del Orinoco
28,000
Perú
MMG LTD adquiere la mina de Cobre las
Bambas
7,000
Brasil
SINOPEC adquiere a la española REPSOL
en 2010
7,100
Argentina
China National Corporation compra la
petrolera Bridas
3,100
Fuente: Elaboración propia a partir de datos del FMI/BID/CEPAL
(2015).
China se ha transformado en un socio comercial clave
para América Latina, y si hace 15 ãos el comercio con el
Imperio del medio era prácticamente inexistente en 2009
ya suponía un 7,6% de las exportaciones y un 9,5% de las
importaciones de América Latina.
Es importante mencionar que el intercambio total
entre China y AL ascendió en 2013 a 292, 000 millones
110
de dólares y que la inversión por sector ha sido entre 2005
y 2014 un 84% en el sector primario; un 12% en el sector
manufacturero y un 4% en el sector servicios.
Tal como sẽala la CEPAL (2015) entre 2000 y 2014,
la proporción de China en las importaciones de la región
creció de un poco más del 2% a un 16%, mientras que su
participación en las exportaciones ascendió de un 1% a un
9%, alcanzando el 10% en 2013. En consecuencia, en 2014,
China y la Unión Europea (UE) tuvieron prácticamente la
misma participación en el comercio de bienes de la región
con el mundo, un 12.4% y un 12.5%, respectivamente.
(OCDE/CAF/CEPAL, 2015, p. 99)
Gracias a esta relación, AL ha encontrado las condiciones y recursos tanto económicos como políticos que
le han permitido sobrellevar los estragos que trajo consigo
el proceso de reconiguración geopolítico, geoestratégico
y geoeconómico (LO BRUTTO; GONZÁLEZ, 2014).
El continente latinoamericano se está enfrentando al reto
de superar la dependencia neoextractivista que, sin embargo, ha
también permitido que las relaciones Sur-Sur y los esquemas
de integración transformaran el panorama geopolítico regional
pasando de una fase de acumulación neoliberal basada en los
dictados del Consenso de Washington a una fase posneoliberal con todas las contradicciones que de ello derivan. En
ese sentido, “…el principal factor en la actual expansión del
capitalismo y del imperialismo hoy en día es la extraordinaria
ganancia acumulada en respuesta a la gran demanda de recursos
no renovables por parte de los mercados emergentes asiáticos,
(…) la enorme práctica extractiva permite crear las condiciones para otro largo periodo de acumulación a larga escala y
para inversiones de largo plazo que favorecen la desposesión”.
(VELTMEYER; PETRAS, 2014, p. 4-5)
Por lo tanto, el cambio del actual orden económico
mundial que está desplazando la hegemonía hacia el corazón de Asia representa para AL un gran desafío en términos
111
de la construcción de nuevas relaciones Sur-Sur y de su
inserción en la economía mundial.
China es hoy para la región uno de los socios comerciales más dinámicos que tiene como objetivo asegurar el
acceso a los recursos naturales, abrir nuevos mercados y
consolidar su inluencia geopolítica. La vinculación económica bilateral de China con América Latina en este
comienzo de milenio ha crecido a un ritmo del 30%
promedio anual (los 12, 600 millones de dólares del ão
2000 se multiplicaron por 20 transformándose en 261,
500 millones en 2013). Por tal motivo, “… el crecimiento
de la región en este nuevo siglo no se explica sin China”.
(FORNILLO, 2016, p. 50-51)
En ese sentido, el gigante asiático ha logrado consolidar
su presencia en AL al congregar inversiones multimillonarias con acuerdos bilaterales y multilaterales que lo hacen
uno de los partners comerciales más importantes de la
región permitiéndole, en esta reconiguración multipolar
de la economía mundial, consolidarse tanto en el plano
internacional como en el latinoamericano. Esta región se
beneicia así de manera directa al ver reforzada su capacidad de independencia en la arquitectura global, teniendo
acceso a una de sus principales fuentes de inanciamiento
y apoyo político, como parte de la estrategia china de internacionalización indiscriminante29.
El vínculo sino-latinoamericano ha despertado acercamientos elogiosos que lo han visto, en clave económica,
como un contexto de oportunidades para desarrollarse de
manera innovadora y competitiva (ROSALES, 2010; 2011),
o bien como la chance para conformar una relación estratégica sobre la base de la libertad de mercado. (CEPAL, 2010)
29
Estrategia que plantea el establecimiento de relaciones de intercambio y colaboración con cualquier país, independiente de la
existencia de ainidades o diferencias.
112
Con relación a la composición de los intercambios
comerciales entre ambas partes, estos se componen, para el
caso latinoamericano, principalmente de materias primas y
productos no manufacturados así como por la importación
de productos chinos de alta composición industrial y tecnológica, situación que no es beneiciosa en el largo plazo,
ya que si bien permite obtener importantes ingresos para
la continuidad de los proyectos nacionales, paralelamente
les condena a la reprimarización económica poniendo
en tensión su capacidad emancipadora. En ese sentido, tal
como sẽala Slipak (2014), la disparidad en los intercambios
entre AL y China corroe los intercambios interindustriales
regionales que habían crecido con fuerza desde la creación
del MERCOSUR, en particular entre Argentina y Brasil.
Empero, esta dinámica no ha logrado sostenerse constantemente a lo largo del tiempo, ya que si bien posterior
a la crisis del ão 2008 los intercambios comerciales entre
ambas partes lograrían presentar signos de recuperación, esto
no permitió alcanzar saldos positivos en la balanza comercial
latinoamericana a consecuencia de una notable reducción
del lujo de ingresos provenientes del dragón asiático. Esto
último, es resultado de la desaceleración económica china a
partir del ão 2013, de la caída de los precios internacionales
de las materias primas a partir del ão 2014 y de la caída de
los precios del petróleo en 2015 como consecuencia de su
sobreoferta30, así como del mayor desarrollo de la eiciencia
energética y de la contracción de la economía mundial (Graicos 1 y 2). De hecho, 2014 fue el primer ão de este siglo
en el que las exportaciones de América Latina y el Caribe a
China descendieron tras haber aumentado, incluso en 2009 y
2013, cuando los envíos al resto del mundo experimentaban
una caída (OCDE/CAF/CEPAL, 2015, p. 98).
30
Derivado del incremento de la producción de países como Estados
Unidos, Rusia, Libia, Nigeria, Sudan del Sur,Yemen e Irak.
113
Gráico 1 – América Latina y el Caribe: Comercio de
Bienes con China 2000-2014
(en millones de dólares)
Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL,
2015). Sobre la base de Naciones Unidas y la base de datos estadísticos
sobre el comercio de mercaderías (COMTRADE). Los datos para
2014 provienen de fuentes oiciales de 16 países: Argentina, Bolivia
(E.P.), Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Ecuador, El Salvador,
Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguay, Perú, Uruguay y
Venezuela (R.B.).
Gráico 2 – OPEP, Precio Promedio de Canasta de
Referencia (ORB) 2003-2015 (en dólares)
Fuente: Elaboración propia con base a los datos de la Organización de
Países Exportadores de Petróleo (OPEP). La Canasta de Referencia
fue introducida en 2005, actualmente considera para su cálculo:
114
Sahara Blend (Algeria), Girassol (Angola), Oriente (Ecuador), Iran
Heavy (Republica Islámica de Iran), Basra Light (Iraq), Kuwait Export
(Kuwait), Es Sider (Libia), Bonny Light (Nigeria), Qatar Marine (Qatar),
Arab Light (Arabia Saudita), Murban (EAU) and Merey (Venezuela).
http://www.opec.org/opec_web/en/data_graphs/40.htm
Según datos de la CEPAL (2015), América Latina
sólo creció el 1% en 2014, frente al 5% de la década del
2000, mostrando cómo la disminución del comercio con
China de estos últimos dos ãos afecta de manera importante el crecimiento económico regional, aunque también
es cierto que se constatan importantes diferencias entre
países. (OCDE/CAF/CEPAL, 2015, p. 17). Por lo tanto,
es imperante para AL plantearse la necesidad de generar y
establecer condiciones que le permitan transitar hacia un
estadio superior de desarrollo, es decir, hacia un Post Consenso de las Commodities, orientado a la superación de las
condiciones de subordinación de la producción primaria
y su comercialización, diversiicando y modernizando su
propia estructura productiva.
Con relación al peso que las relaciones sino-latinoamericanas representan en las dinámicas de la CSS regional,
a continuación se presentan una serie de elementos que se
consideran cardinales para lograr su comprensión.
Para el periodo 2006-2010, el gobierno chino, en su
Undécimo Plan Quinquenal, estableció como imperativo
el incremento de la ayuda a otros países en desarrollo. Ello,
como una forma de colaborar con la estrategia nacional
de going global, que principalmente tiene el objetivo de
garantizar el suministro de energía y recursos, así como
internacionalizar efectivamente a las empresas chinas. En
este sentido, es importante tener presente que la cooperación china se rige por la norma del beneicio mutuo y
la ganancia compartida hacia los destinatarios de la ayuda.
Otra estrategia de cooperación es la orientada a la
oferta de créditos a los países latinoamericanos, cuyo papel
115
es fundamental principalmente a partir de inales de la
primera década de este siglo cuando China aprovechó el
contexto internacional de contracción de recursos crediticios para aumentar su inluencia. Esto se tradujo en que
los bancos chinos prestarían, tan solo en 2008, alrededor
de 1, 000 millones de dólares a los países de América del
Sur, alcanzando en 2009 los 18, 000 millones de dólares
y llegando a los 36, 000 millones de dólares en 2010. Un
estudio del Instituto de Gobernanza Económica Global de
la Universidad de Boston, establece que durante los ãos
de 2005-2013, China otorgó 102, 000 millones de dólares
en préstamos a América Latina (NIETO, 2015) posicionándole por encima de los préstamos otorgados por el Fondo
Monetario Internacional (FMI) y el Banco Mundial (BM)
durante ese mismo periodo. Es importante destacar que el
grueso de los préstamos que actualmente China ofrece a los
países latinoamericanos se ha orientando a la inversión en
extracción de commodities agrícola, mineras y energéticas;
por lo que la RPC se presenta en la región como un riesgo
latente que amenaza mantener la continuidad del patrón
de producción primario y la consecuente desposesión de
las comunidades más vulnerables (NOYOLA, 2015, p. 2),
evidenciando las ambiciones de Pekín de incrementar su
inluencia global (DYER; ANDERLINI; SENDER, 2011).
Para 2016, Brasil se ha convertido en el país latinoamericano al que las entidades inancieras del gigante asiático
han concedido más créditos31, rebasando de esta manera a
Venezuela que había sido el país en el que más se habían
concentrado. Esto demuestra la gran capacidad estrátegica
que el dragón asiático tiene en la región. En tal sentido,
parece importante traer a colación cómo, el 16 de julio de
2014, el presidente Xi Jinping, en su discurso titulado “Dar
31
http://economia.elpais.com/economia/2017/03/03/actualidad/1488579001_928598.html, consultado el 4 de marzo de 2017.
116
mayor esplendor a la amistad tradicional para componer
una nueva página histórica de cooperación” ante el Senado
de Brasil, sẽalaba que: “…mirando al futuro, avancemos
tomados de la mano y codo a codo para crear conjuntamente un futuro más hermoso de la asociación estratégica
integral entre China y Brasil, componer conjuntamente una
magníica épica de la asociación de cooperación integral
China-América Latina”.
China ha irmado asociaciones estratégicas con Argentina, Brasil, Chile, México y Venezuela y tres Tratados
de Libre Comercio con Chile, Costa Rica y Perú, manteniendo de esta manera importantes superávits comerciales
con los países de la región e invirtiendo cuantiosas sumas
en la extracción de recursos naturales con el objetivo de
consolidar las inversiones y la integracion comercial.
El enfrentamiento entre EE.UU. y China en sus respectivas búsquedas para crear una red de integración regional que los favorezca, y sobre la cual el uno o el otro puedan
dominar la agenda sustantiva y controlar las adhesiones, ha
dejado a los forasteros peleando por encontrar un lugar en
este escenario de integración cambiante. (OCDE/CAF/
CEPAL, 2015, p. 133)
En términos de su participación en los acuerdos multilaterales de la región, China volvió un país activo en el
MERCOSUR desde el 2012, en la Alianza del Pacíico
desde el 2013 y en el Acuerdo sobre Comercio de Servicios
– o TISA (por su siglas en inglés) desde el 2014.
El comercio total (importaciones más exportaciones)
de bienes entre China y MERCOSUR pasó de 85, 136
millones dólares a 114, 499 millones de dólares entre el
2010 y el 201432. En ese sentido, China se ha convertido
en uno de los principales socios comerciales de los países
del MERCOSUR, incluso de Paraguay, que mantiene
32
Informe MERCOSUR n. 20, 2014/2015.
117
relaciones diplomáticas con Taiwán y como resultado se
encuentra políticamente aislado de la República Popular
de China.
Gráico 3 – Exportaciones e importaciones
MERCOSUR-China
Fuente: DNII con base a Trade Map.
Las exportaciones del MERCOSUR a China están
altamente concentradas en bienes primarios y manufacturas
basadas en recursos naturales. El 75% de estas exportaciones
se concentran en 4 productos:
Tabla 3 – Productos de exportación del
MERCOSUR a China
Producto
% de participación
en la exportación
Exportaciones
millones de US$
Frijol de soja
44%
25.4
Minerales metalíferos
22%
12.7
Aceite de crudo de petróleo
6%
3.6
Pasta de madera
3%
1.7
Fuente: IADB, 2014/15.
118
En cambio, las principales importaciones del MERCOSUR han sido productos industriales con alto contenido tecnológico y están más diversiicadas, destacandose en
2014 la importación de teléfonos celulares. (VALLE, 2016)
En cuanto a la participación de China como observador en un proyecto como la Alianza del Pacíico (AP),
organización ya a punto de desaparecer por la reciente salida
de los Estados Unidos del Trans Paciic Partnership (TPP),
podríamos decir que el gigante asiático demepẽó un papel
muy limitado debido a que su participación se redujo a la
actividad de coherencia regulatoria (DUSSEL-PETERS;
GALLAGHER, 2013). La relexión en torno a la participación en este organsimo, nos lleva a pensar el papel que
China ha jugado en los últimos ãos como socio comercial
de los EE.UU. tras su adhesión a la OMC, sugiriendo que
la presencia del dragón asiático en este organismo se ha
derivado basicamente de su estrategia comercial con los
Estados Unidos.
Tal como sẽala la CEPAL (2015), China ha incrementado recientemente su participación en acuerdos con
posibles efectos para AL, entre ellos se encuentra el Trade in
Service Agreement (TISA), acuerdo multilateral que reúne a
24 países miembros de la OMC. Los países participantes en
él concentran el 70% del comercio global de servicios (Estados Unidos y Unión Europea incluidos) y 8 de ellos son
latinoamericanos (Chile, Colombia, Costa Rica, México,
Panamá, Paraguay, Perú y Uruguay). Es importante sẽalar
que la RPC todavía no está participando formalmente en
las negociaciones aunque a mediados de 2014 informó
de su intención de unirse a ellas, ante lo que la UE la ha
respaldado. (OCDE/CAF/CEPAL, 2015, p. 136).
Desde la crisis inanciera del 2008, China se ha propuesto reestructurar su alcance inanciero global a través
de importantes iniciativas inancieras de ayuda e inversión así como mediante la internacionalización del yuan
119
renminbi (GAO; YU, 2011). En cuanto a AL en julio de
2015 el gigante asiático creó, junto a los otros miembros
de los BRICS33, el nuevo Banco de Desarrollo con sede
en Shanghaí. Con esto se ha pretendido asumir un papel
determinante en la economía mundial con el propósito de
revertir las dinámicas de la geopolítica y de las instituciones económicas y inancieras mundiales como el FMI y
el BM, y, al mismo tiempo, mejorar el comercio entre las
cinco potencias realizando las transacciones en monedas
locales y desarrollar mecanismos para acabar con el capital
especulativo y promover la inversión productiva. En este
sentido, es importante sẽalar cómo la RPC escogió a Chile
como su plataforma inanciera para expandir su moneda
en América Latina, en una búsqueda por incrementar su
cooperación e inversiones en toda la región. Esto demuestra
como los líderes chinos han apostado hacia la constitución
de nuevos organismos multilaterales en la región en su
afán de lograr su objetivo de consolidarse como la nueva
hegemonía a nivel global.
Uno de los países que ha recurrido de manera importante a los recursos crediticios chinos es Ecuador, el cual
recibió 2, 000 millones de dólares como pago anticipado
de envíos de petróleo en dos operaciones anunciadas en
2009 y 2010 ãadiendo uno por 3, 000 millones de dólares en 2011, convirtiéndole en un importante destino de
sus envíos de petróleo. Además, en noviembre de 2016,
ambos países irmaron 11 convenios de cooperación y
una declaración conjunta de 10 puntos34, teniendo a la
fecha más de 200 instrumentos bilaterales suscritos. En ese
mismo sentido, se sẽala el inanciamiento otorgado por el
gigante asiático hacia este país andino para la construcción
33
34
Brasil, Rusia, India, China y Sur África.
http://www.eltelegrafo.com.ec/noticias/politica/2/ecuador-y-china-irmaron-11-convenios-bilaterales-en-carondelet
120
de la hidroeléctrica Coca Coco Sinclair por 2, 200 millones
de dólares.
Otro país que ha recibido prestámos por parte del gigante asiático es Venezuela a quien el Banco de Desarrollo
de China, desde el ão 2007, ha otorgado préstamos por
aproximadamente 42, 500 millones de dólares; mismos que
han sido garantizados con las mayores reservas mundiales de
petróleo que equivalen a aproximadamente el 23% de todos
los préstamos concedidos por dicho banco al extranjero
(FUENTEALBA, 2013, p. 182-187).
En abril de 2011, China publicaría su Libro Blanco
sobre ayuda al extranjero en el que se contabilizaron los
lujos de ayuda al exterior por un total de 39, 300 millones
de dólares para el periodo que va de 1950 a 2009, correspondiendo un 45.7% a África, un 32.8% a Asia, un 12.7%
a Latinoamérica y un 4% a Oceanía.
En Junio 2012, el Primer Ministro de China Wen
Jiabao realizaría una de las más fructíferas giras de trabajo
por Brasil, Argentina, Uruguay y Chile, que contempló: i)
la propuesta para la creación de un Foro de Cooperación
Política de Alto Nivel con AL que vería su materialización
en un foro regular con la CELAC; ii) la oferta de un fondo
de cooperación por 5, 000 millones de dólares, y iii) una
línea de crédito por 10, 000 millones de dólares para el
desarrollo de infraestructura.
En Julio de 2014, el actual presidente chino Xi Jinping
realizó una gira de trabajo por latinoamérica durante la
cual visitó Brasil, Argentina,Venezuela y Cuba. En Brasil,
asistió a la Sexta Cumbre de Líderes de los BRICS celebrada en la ciudad de Fortaleza, posteriormente asistió a la
primera Cumbre de Líderes junto con Brasil y los líderes
de la CELAC.
Otros acuerdos celebrados durante dicha gira de trabajo fueron: la irma de 38 acuerdos con la República Bolivariana de Venezuela que ayudaría a consolidar su alianza
121
estratégica; con la ex presidenta de la Argentina, Cristina
Fernández de Kirchner, irmaría varios acuerdos por 7, 500
millones de dólares para la construcción de dos represas
hidroeléctricas y paa la renovación de su línea ferroviaría,
clave para el transporte de granos con el gobierno chino.
Este último, es un hecho de gran relevancia si se toma en
cuenta que esta nación argentina no poseía acceso al crédito externo y se encontraba al borde de una cesación de
pagos. De la misma manera, los bancos centrales de ambos
países cerrarían un acuerdo de tres ãos por el equivalente
a 11, 000 millones de dólares que permitirá “fortalecer el
nivel de reservas de la Republica de Argentina y facilitar
la inversión en moneda local al tiempo que promueve el
intercambio bilateral”. (LA JORNADA, 2014)
En enero de 2015, durante la primera reunión ministerial entre China y CELAC en Beijing, se establecieron
como principos de colaboración: la igualdad de trato y la
sólida cooperación para construir una fuerte base política;
el mutuo beneicio impulsando el principio del ganar-ganar; el uso de los esquemas bilaterales y multilaterales; y,
inalmente, tener una cooperación incluyente y abierta a
los distintos intereses de las partes. En ese sentido, el presidente Xi auspició que otros organizaciones multilaterales
de la región pudiesen sumarse a esta cooperación, lo que
hace visible cómo la CSS sería un objetivo estratégico
importante para el gigante asiático en su política de ayuda.
Durante el mismo Foro CELAC-China35 de 2015,
el presidente Xi Jinping se comprometería a realizar
35
Este Foro representa uno de los más importantes avances en materia
de cooperación integral entre China y la región latinoamericana,
principalmente no solo porque abarca al país asiático y a los 33
miembros latinoamericanos, sino también porque incluyen a otras
organizaciones regionales tales como: la Comisión Económica para
América Latina y el Caribe, el Banco Interamericano de Desarrollo
y el Banco de Desarrollo de América Latina.
122
inversiones por 250, 000 millones de dólares en AL durante
los próximos 10 ãos. Ellos se sumarían al incremento
en los intercambios comerciales experimentados durante
el mismo periodo, los cuales se prevé alcancen una cifra
cercana a los 500, 000 millones de dólares, como una
medida que potencialice el debilitamiento de la inluencia
norteamericana en la región (INFOLATAM, 2015);
también se realizaría la irma de tres documentos clave:
a) el Plan de Cooperación entre China y América Latina
(2015-2019) conocido como el 3x3 que comprende el
desarrollo de los rubros de logística, energía e informática,
considerando la participación de los sectores privados,
públicos y sociales, apoyándose para ello en la expansión
de tres canales inancieros que implican el acceso a fondos,
créditos y seguros, y que, además, contempla el desarrollo
de cadenas completas industriales –maquinaria, siderurgia,
química, alimentos y materiales de construcción–; b)
se establecieron los reglamentos de esta alianza, sus
mecanismos de coordinación y operación; y inalmente,
c) se irmaría la Declaración de Beijing que establece el
consenso político entre ambas partes y su dirección y
normativas de cooperación global (PUENTES, 2015).
Otro aspecto a considerar son las inversiones, las cuales
para el ão 2010 posicionaban a China como la tercera
fuente de IED en la región con aproximadamente 15, 251
millones de dólares frente a los 7, 336 millones de dólares
de las inversiones del periodo previo (1990-2009) –siendo los dos grandes receptores de estas inversiones Brasil
y Argentina–; dinámica que continuaría incrementándose
hasta llegar a un monto total de 98, 900 millones de dólares
para inales del ão 2014 (PUEBLO EN LÍNEA, 2015).
De las inversiones chinas conirmadas en América Latina
aproximadamente el 92% se ha dirigido a la extracción de
recursos naturales particularmente en los rubros de minería,
petróleo, gas y productos agrícolas (BRUCKMAN, 2012,
123
p. 125) y el 8% restante a infraestructura y manufacturas
(CEPAL, 2010).
Estos rubros, que sirven principalmente para el sector energía son fundamentales en la estrategia del dragón
asiático para suminsistrarse de recursos que le permitan
garantizar su continuo desarrollo y liderazgo a lo largo y
ancho del globo. Según los datos del Worldwide Chinese
Investments & Construction, AL ha recibido en este rubro
entre el 2005 y el 2016 una inversión de 83, 200 millones
dólares distribuidos de la siguiente manera:
Tabla 4 – Inversión china en América Latina en el
rubro energético (en millones de dólares)
País
Monto
Argentina
$15, 470
Brasil
$38, 150
Bolivia
$1, 230
Chile
$ 190
Colombia
$1, 650
Ecuador
$9, 790
Perú
$3, 790
Venezuela
$12, 420
Fuente: Elaboración propia a partir de los datos de Worldwide
Chinese Investments & Construction, https://www.aei.org/
china-global-investment-tracker/ , consultado el 6 de marzo
de 2017.
Las relaciones particularmente entre China y Venezuela han representado, desde el primer lustro del presente
siglo, una cooperación en materia de inversión ascendente
de carácter estratégico que se orientaba principalmente a
los sectores: energético, transportes (ferrocarriles), industria y agricultura. Sin embargo, la evidencia demuestra
que la rama energética era sin duda la más privilegiada
propiciando que Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) y
124
la China National Petroleum Corporation conformaran una
empresa mixta destinada al área de servicios petroleros de
exploración y a la construcción de pozos de producción
en el país; situación completamente comprensible cuando
se observa que el 12% del total del petróleo que importa
China proviene de América Latina, del cual aproximadamente el 46% proviene Venezuela (TERÁN, 2014, p. 6).
En el actual contexto de la caída de los precios del
petróleo y el relevo gubernamental en la nación bolivariana,
es imprescindible observar los giros que darán las relaciones
entre estos países ante el cambio en la dinámica en que se
venían desenvolviendo su relación.
Es importante sẽalar también cómo dentro de la Comunidad Andina, Perú es el país que más exporta a China,
seguido de Colombia, siendo los minerales de cobre, plomo,
hierro y sus concentrados, los más requeridos.
Tabla 5 – Exportaciones de la Comunidad Andina
hacia China (en millones de dólares)
País
Exportaciones (millones
de dólares)
Perú
6, 681
50.5%
Colombia
5,622
42.5%
% de participación
Ecuador
503
3.8%
Bolivia
423
3.2%
Fuente: COMUNIDAD ANDINA, 2014.
En cuanto a Argentina, tal como sẽala Valle (2016),
en 2004 ambas partes irmaron una asociación estratégica
sobre cooperación en materia de comercio e inversiones
y el dragón asiático se transformó en el segundo socio comercial de este país. Entre 2002 y 2010 las exportaciones
de Argentina hacia China se incrementaron en un 23,2%
(Secretaría de Economía Política, 2011). Entre 2001 y
125
2010 aumentó la producción de hidrocarburos exportados
a China de 9 a 18% (Embajada de China en Argentina,
2011). Las relaciones económicas y políticas crecieron de
manera muy fuerte partir de 2004 y en 2015 y en Beijing se irmaron 15 acuerdos bilaterales. En ese sentido,
se destaca el proyecto de construcción de dos reactores
nucleares. Se menciona también, que en 2016 el presidente
Macri se reunió con el presidente Xi Jinping y se planteó
la necesidad de evaluar acuerdos irmados con el gobierno anterior, entre ellos dos represas en Santa Cruz y dos
centrales nucleares. (VALLE, 2016)
En cuanto a Bolivia, se sẽala que el país andino dispone de importantes reservas certiicadas de gas natural y
petróleo. Empresas chinas explotan yacimientos petrolíferos
a cambio de un apoyo en infraestructura en la industria
petrolera. A partir del desgaste de las relaciones políticas
y diplomáticas entre Bolivia y Estados Unidos, este pais
andino enfocó su estrategia hacia China. En ese sentido,
el intercambio bilateral pasó de 736 a 2, 245 millones de
dólares de 2010 a 2015, periodo en el que las exportaciones bolivianas se duplicaron y las exportaciones de China
a Bolivia crecieron 3 veces y medio en el mismo tiempo.
En cuanto a la iteracción entre China y Brasil, en 2004
el primero ratiicó un acuerdo sobre energía de 10, 000
millones de dólares; en 2010 los entonces presidentes Hu
Jintao y Lula da Silva acordaron el Plan de Acción Conjunta
2010-2014 para el fortalecimiento de la asociación estratégica, irmada desde 1993; en 2011 las empresas SINOPEC
y PETROBRAS establecieron un acuerdo de desarrollo
estratégico; para 2012, China se convirtió no sólo en el
primer comprador de las exportaciones brasilẽas, sino
también en su principal proveedor. Finalmente, el comercio
bilateral total se incrementó de 2010 a 2015 pasando de
56, 380 a 78, 000 millones de dólares, representando de
esta manera un alza del 38%. (VALLE, 2016) Además, en
126
Brasil y Perú, China se encuentra inanciando el desarrollo
de una conexión ferroviara bioceánica entre ambos países.
Para los ines de esta importante relación, se sẽala
también la construcción de un puerto temporal en el Pacíico para permitir el paso de grandes buques en Nicaragua,
país que otorgó a la irma china HKND Group la concesión
del control del canal por 50 ãos, con la posibilidad de 50
más de prórroga.
Es pertinente resaltar que el limitado sector exportador
latinoamericano hacia China le ha llevado a afrontar las
consecuencias des-industrializadoras del llamado Efecto
China36, donde nueve de las diez principales importaciones
provenientes del país asiático hacia AL son manufacturadas,
principalmente de los sectores de electrónica y vehículos.
Por tanto, el crecimiento económico de las principales economías de la región ha dependido del boom de las
commodities impulsado por el incremento en la demanda
China en una fase especíica de su desarrollo. Sin embargo,
la sincronización de los ciclos económicos entre la economía china y las economías latinoamericanas, fruto de
los importantes nexos económicos y comerciales, puede
dejar de ser una oportunidad para convertirse en un riesgo.
Tal situación quedó evidenciada cuando, a partir del ão
2011, el crecimiento de este importante socio comercial y
inanciero asiático no mantuvo el rango de los dos dígitos.
(VERDES-MONTENEGRO, 2014, p. 8)
No cabe duda que el comercio y las inversiones juegan un papel determinante en el aprovechamiento de las
potencialidades de complementación económica entre
ambos espacios, mostrando, por un lado, el interés chino de
36
Entre los ãos 2002 y 2008, el auge de los precios de los productos
básicos hizo que aumentaran notablemente los ingresos derivados de
las exportaciones de América Latina, en parte debido al incremento
de la demanda china de esos productos.
127
asegurarse mercados y suministros crecientes de materias
primas y, por el otro, la necesidad de AL de expandir y
desarrollar nuevos espacios mercantiles para sus productos.
De esta manera, la región se insertaría en la dinámica del
Consenso Asiático37, al buscar desarrollar una relación de
poder entre ambas partes frente a los cambios económicos
globales, que les permitan aprovechar las ventajas de sus posibilidades de integración y de comercio complementario.
A MANERA DE CONCLUSIÓN
La presencia de China en AL responde a una reconiguración de la economía mundial que establece las bases
de un nuevo escenario multipolar, el cual pone en tela de
juicio la hegemonía estadounidense a nivel global y, particularmente, con relación al continente latinoamericano.
(LO BRUTTO; GONZALEZ, 2014)
Frente a un complejo escenario que se disputa entre la
multipolaridad y la centralidad, la reconiguración geopolítica y geoeconómica global juega un papel determinante
en el rumbo de las relaciones Sino-latinoamericanas, generando un profundo cuestionamiento sobre el futuro de
la estrategia de la CSS a nivel regional.
La nueva crisis y el in del ciclo político de la izquierda
a nivel regional, aunado a la nueva política de los Estados
Unidos del presidente Trump que ha, de hecho, dado
por terminado el TPP y la AP, afecta de manera directa a
las dinámicas de la CSS en las que el diálogo político y
los acuerdos comerciales tomarán cada vez más un papel
determinante en las futuras relaciones Sur-Sur y en los
37
Proceso dinámico comercial y de inversión que genera una red de
poder o coordinación global, orientada al extractivismo de materias
primas en las regiones del Sur y del Este económico geográico,
que representa un nuevo tipo de relaciones Norte-Sur y Sur-Sur.
(Vadell, Ramos, y Neves, 2014:97-98).
128
procesos de integración. Tras la euforia de comienzos del
milenio, la CSS no solo está en crisis sino, al mismo tiempo, se encuentra en una fase de estancamiento en la que
el papel económico y político del dragón asiático a nivel
regional no basta para darle un empuje capaz de revertir su
situación actual. Asimismo, el esquema neoextractivista que
acompãa a la CSS en AL hoy y los mecanismos de integración en los que se sustenta serían la prueba del fracaso
para superar el patrón de acumulación regional basado en
los recursos naturales que, al mismo tiempo y en palabras
de Zibechi (2015), dan mayor poder a las multinacionales.
Los objetivos a futuro de China están sentados en el
13 Five-year Plan que se centra en el reforzamiento de sus
inversiones en el extranjero y en la diversiicación de su
comercio con los países en desarrollo para apoyar la ampliación tecnológica de sus industrias y la de sus economías
(HARRIS; ARIAS, 2016, p. 544). La búsqueda de estos objetivos futuros podría fomentar la cooperación económica
Sur-Sur a largo plazo y la solidaridad política con los países
de AL, especialmente con aquellos que comparten intereses
económicos, sociales y políticos. Por lo que, será fundamental que los países de América Latina logren establecer
una estrategia común con el dragón asiático velando, de
esta manera, por el papel que la región podría desempẽar
en los esquemas de la economía mundial.
En ese sentido, se sẽalan a continuación algunas situaciones que la CSS regional deberá enfrentar en el marco
de su relación con China:
• La incapacidad de cumplimiento de compromisos por parte de los países latinoamericanos
que hace apenas un par de ãos se vieron altamente beneiciados por los recursos chinos,
vía préstamos garantizados con petróleo, pero
que por la situación actual han deteriorado su
capacidad de cumplimiento.
129
• La nueva dinámica de crecimiento “hacia dentro” de China, como una estrategia para enfrentar el actual contexto global fortaleciendo
su estructura económica interior, a través de
los planes “Sociedad Prospera 2020 y Made in
China”.
• La Nueva Ruta de la Seda que se enfocará en
reforzar las relaciones con sus vecinos geográicos inmediatos, desplazando algunas de las
sinergias hasta ahora enfocadas en la región
latinoamericana. Ésta, representa un mercado
de mayores alcances para el país asiático y a la
vez ofrecerá un espacio económico ideal para
la reproducción del capital real y especulativo.
Este proyecto involucraría a toda Asia, a los
países del Golfo y Medio Oriente, Norte de
África y la Unión Europea, conectándose con
el Pasillo de Transporte Euroasiático y el Plan
Juncker. Este último fenomeno será un gran
reto para la cooperación Sino-latinoamericana
sobre todo para entender el nuevo papel que
podría representar la región para la RPC.
De esta manera, frente a los cambios en el actual
proceso de globalización, una nueva relación de AL con
China que no se sustente solamente en el patrón primario-exportador podría ser una estrategia regional para dar
un nuevo contenido a la CSS. Por ello, una América del
Sur autónoma debería disẽar una estrategia de relación
con China que apunte a su inserción creativa en el concierto de la economía y de la política global a partir de un
modelo de desarrollo autocentrado, sustentable, alternativo
y de potencialidad local. (FORNILLO, 2016, p. 51-54);
y, al mismo tiempo, negociar como frente común con la
nueva administración Trump a través de los mecanismos
de integración existentes.
Por ende, la relación con China podría basarse en
esquemas de integración fuertes con un mayor y efectivo
130
principio en el que la solidaridad de la CSS sea una actitud
basada en los sentimientos y relaciones que persiguieran el
logro de ines comunes, el reconocimiento y consideración
de principios morales, así como el respeto a la soberanía,
la equidad y el mutuo beneicio.
Hoy es imposible desentenderse del descomunal poder
global de China. El dragón asiático se relaciona con una
AL que intenta insertarse de distintas manera en este tambaleante y obsoleto orden global. Por lo tanto, el problema
principal para América Latina en su relación con China
es que “…padece con el gigante asiático negociaciones
bilaterales y desiguales, y no posee un peso industrial capaz de negociar en términos igualitarios”. (FORNILLO,
2016, p. 51-54)
Para concluir, la alianza China-América Latina puede
ser vista como estratégica y complementaria por los gobiernos latinoamericanos que puede, al mismo tiempo, implicar
una relación de dependencia y de comercio desigual. Esta
relación, podría cambiar drásticamente las relaciones Norte-Sur dando un mayor peso político y económico a las
relaciones Sur-Sur que responden mayormente a principios
de solidaridad, aunque no por ello dejan de estar sujetas a
los patrones de acumulación capitalista en la arquitectura
internacional. En tal sentido, lo anterior puede entenderse
como expresión del nuevo multilateralismo estratégico.
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138
CHINA Y EL
RENACIMIENTO DE ÁFRICA
Rafael Domínguez
INTRODUCCIÓN
El presente ensayo plantea un balance del papel de
China en el renacimiento económico y geoestratégico de
África continental (54 países) y Subsahariana (48 países) en
lo que va del siglo XXI. Aunque África es la segunda más
baja prioridad internacional en la actual política exterior
de China, sólo por delante de América Latina, el continente “hermano” –con una participación en el comercio
exterior y en la cartera de inversión extranjera directa de
China del 5% y el 4% respectivamente– ha sido privilegiado en la diplomacia de prestigio de China desde 2000 –la
mitad de su ayuda va a parar a África–, atrayendo con ello
una atención desproporcionada y generalmente hostil por
parte del complejo occidental gobierno-empresas-medios
occidental38. En cambio, la importancia de China para
África, como principal socio comercial, y, según los cálculos expuestos más adelante, segunda fuente de inversión
extranjera, crédito público y ayuda al desarrollo, dibujan
38
Véase Sun (2014, p. 13-15), Junbo y Frasheri (2014, p. 187, 192),
Pigato y Tang (2015, p. 24), Campayo y Zhao (2016, p. 68-71) y
Wang y Miao (2016, p. 161). Un ejemplo patético de hostilidad en
Tifen (2014).
139
5
una relación desequilibrada que las autoridades chinas están
buscando compensar desde que se publicó el China’s second
Africa policy paper (CHINESE GOVERNMENT, 2015),
por medio de una nueva asociación estratégica integral
para promover la industrialización africana, que puede
convertirse en la gran oportunidad para sacar al continente
de su histórica dependencia estructural.
El capítulo parte de un marco teórico-conceptual
vigilante con los discursos autorreferenciales tanto de la
cooperación para el desarrollo (que enmarca a los países
africanos en la condición de subalternos) como de la
“amenaza china”, que, en realidad, es tal para los intereses
del binomio EEUU-UE39, sin caer en el extremo opuesto
del “sinocentrismo” (PARK, 2016, p. 630-632). A partir de
este planteo se atiende a las implicaciones geoestratégicas
de la relación sino-africana en el contexto de la “carrera
por África” como “última frontera del capitalismo” que
inició a ines de la década de 1990 y en la que se vieron
implicados, junto con China, EEUU, UE, Japón, los otros
BIC y varios emergentes más, buscando apalancar su inluencia en el contexto de una reconiguración del orden
económico y político mundial40.
El capítulo analiza la evolución estilizada del desarrollo
africano –entendido a la manera clásica, hoy heterodoxa,
como crecimiento económico sostenido con transformación productiva y elevación de los niveles de bienestar
(WHITFIELD, 2012, p. 241)– desde la independencia, y a
continuación repasa la relación estratégica de China con
39
40
Hirono y Suzuki (2014, p. 445-451, 455, 459),Visentini (2014, p. 42),
Corkin (2014, p. 51, 58), Junbo y Frasheri (2014, p. 199) y Zhang
et al. (2015, p. 7-9).
Power y Mohan (2010, p. 470-474, 488), Wang y Zou (2014, p.
1128-1130),Visentini (2014, p. 43-44), Abdenur (2015, p. 258-260),
Mouron et al. (2016, p. 28-34), Xing (2016, p. 78), Bradley (2016)
y Van der Merwe (2016).
140
África desde el lanzamiento del Foro de Cooperación China-África (FOCAC) en 2000 y su impacto en la geopolítica
mundial con respecto a EEUU, las potencias coloniales
(UE y Japón) y otras emergentes. El trabajo cierra con unas
relexiones inales sobre las esperanzadoras perspectivas de
la relación entre China y África.
ENTRE LA EMERGENCIA Y EL
CRECIMIENTO: AFRO-REALISMO
En lo que va del siglo XXI África ha pasado de ser el
continente sin esperanza del discurso del afro-pesimismo a
la nueva frontera del crecimiento mundial con el discurso
de la emergencia de África o sus “leones emergentes”41.
Pero teniendo en cuenta que el desarrollo económico tiene
tres elementos en su deinición (crecimiento económico
sostenido, transformación productiva estructural y mejora
de los niveles de bienestar), la trayectoria de África ofrece
una imagen matizada entre la emergencia, que implica
cambio estructural42, y el mero crecimiento del PIB per
cápita. El aumento del PIB per cápita sin cambio estructural (industrialización) no es sostenible y, por ello, puede
comprometer la consolidación futura de las mejoras del
nivel de bienestar (SYLLA, 2014, p. 13; TAYLOR, 2016a,
p. 11; TAYLOR, 2016c, p. 256).
En términos de crecimiento, la evolución de África
desde la década de 1960 se puede caracterizar por dos rasgos
principales: i) un cuarto de siglo perdido durante el período
41
42
Además de los trabajos de Radelet (2010) y MGI (2010), las
principales referencias están en Wang y Zhou (2014, p. 1124),
Mateos (2015, p. 5-11), Taylor (2016a, p. 8-9; 2016b, p. 40) y
Xing (2016, p. 89).
La emergencia es el “crecimiento sostenido de la producción industrial de un Estado y el fortalecimiento de la capacidad de esas
industrias de ser competitivas a escala global” (AMIN, 2014, p. 43).
141
de ajustes estructurales del Consenso de Washington, encajado
entre el crecimiento de los ãos 60 (lento en relación a la economía mundial y las regiones en desarrollo de Asia y América
Latina y el Caribe, pero más dinámico que el de China) y el
resurgir del continente en la primera década del siglo XXI; y
ii) una performance muy positiva durante este último período en
comparativa diacrónica (con la década de 1960) y sincrónica
(con la economía mundial y América Latina y el Caribe),
coincidiendo con la nueva relación con una China en plena
fase de aceleración de su desarrollo (Cuadro 1).
Cuadro 1 – Evolución del PIB per cápita de África
en comparativa histórica internacional, 1960-2010
($ internacionales de 1990)
PIB per cápita
1960
1970
1980
1990
2000
2010
América Latina y C.
3.018
3.985
5.437
5.065
5.873
6.767
Asia
1.026
1.530
2.030
2.783
3.788
6.307
China
662
778
1.061
1.871
3.421
8.032
África
1.055
1.335
1.515
1.425
1.509
2.034
Mundo
2.764
3.725
4.511
5.149
6.057
7.814
Tasa de variación
acumulativa anual
196070
197080
198090
199000
2000-10
América Latina y C.
2,82
3,16
-0,71
1,49
1,43
Asia
4,08
2,87
3,20
3,13
5,23
China
1,63
3,15
5,84
6,22
8,91
África
2,38
1,27
-0,61
0,57
3,03
Mundo
3,03
1,93
1,33
1,64
2,58
Fuente: elaboración propia a partir The Maddison-Project, http://
www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm, 2013 version.
Esa misma imagen se repite en el caso de África
Subsahariana con matizaciones temporales y espaciales
que: i) revelan la gravedad del cuarto de siglo perdido
142
durante el Consenso de Washington en el grupo de los
48 países frente a los del Norte de África (donde los
impactos de tales políticas fueron menos intensos); y ii)
acotan la buena perfomance del siglo XXI a un período
(2000-08) en que efectivamente África Subsahariana vivió su emergencia aparente (con crecimientos superiores
a la economía mundial y América Latina y el Caribe),
para desacelerarse a partir de la crisis inanciera mundial
y el in del boom de los commodities (2014), momento
en que la región vuelve a un crecimiento débil (por
debajo del registrado en la década de 1960 e inferior al
de la economía mundial), una pauta muy similar a la de
América Latina y el Caribe (la otra región afectada por
el in del boom), aunque algo más dinámica que Norte de
África y Oriente Medio (en proceso de descomposición
política y económica tras el estallido de la primavera
árabe) (Cuadro 2).
Cuadro 2 – Tasas de variación acumulativa anual
del PIB per cápita de las regiones en desarrollo
de la economía mundial
Tasas
196069
197079
198089
199099
200008
200916
América Latina y Caribe
2,4
3,1
-0,8
1,5
2,3
1,3
Asia del Sur
1,8
0,3
3,2
3,3
5,4
5,4
Asia del Este y Pacíico
1,3
4,4
6,1
7,1
8,0
6,6
N. de África y Oriente M.
-
2,8
-0,4
1,8
2,7
0,9
África Subsahariana
1,8
0,3
-1,0
-0,5
2,4
1,3
Mundo
3,4
2,1
1,4
1,2
1,7
2,5
Fuente: para 1960-2008 Sundaram et al. (2011, p. 2) y para 2009-16
elaboración propia a partir de World Development Indicators, http://
data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators (PIB
per cápita en PPP en $ constantes de 2011).
143
En términos de cambio estructural, las series históricas
son bastante deicientes, dependiendo de las fuentes usadas
para el período inicial. El VAB del sector manufacturero de
África habría aumentado del 6,3% al 15,3% entre 1970 y 1990
(UNCTAD, 2011, p. 15), para luego caer al 13,5% en 2000, en
el típico proceso de desindustrialización prematura (e incluso
negativa, al ir acompãada de reducciones del PIB per cápita)
resultante de las políticas de ajuste estructural, para bajar hasta
el 10% en 2015, a consecuencia del auge primario-exportador
del gran último ciclo de los commodities43. Para África Subsahariana, el VAB del sector manufacturero aumentó del 5% al
15% entre 1960 y 1975 (TIMMER et al., 2014, p. 9), pero
cayó al 13% en 2000 y de ahí al 10% en 2013 (UNDP, 2016,
p. 77). Sin embargo, los datos de UNIDO retrasan el inicio
de la caída (y de la desindustrialización prematura) al inicio
de los 2000 para todo el continente y al segundo lustro de la
década de 1990 para África Subsahariana, donde la desindustrialización tendría el agravante de ser negativa (Cuadro 3).
Cuadro 3 – VAB sobre PIB a precios corrientes,
1970-2013 (en %)
197074
197579
198084
198589
199094
199599
200004
200509
201013
África
12,2
10,8
10,5
13,8
15,2
15,1
12,5
11,2
10,7
ASS
11,7
10,7
11,2
12,9
14,2
13,2
11,8
9,9
9,1
Fuente: UNIDO, 2015, p. 33.
Aunque las cifras oiciales de la contabilidad nacional
africana se han visto cuestionadas en los últimos ãos por
43
Por eso en los países exportadores de petróleo de África-54, la caída fue mucho más pronunciada, con una media del 13% de VAB
manufacturero en la década de 1980, 8% en la de 1990 y 5% para
el período 2000-2008 (SUNDARAM et al., 2011, p. 6). Los datos
del texto en en AfDB/AU/UNECA (2009, p. 44; 2016, p. 54),
UNCTAD (2016, p. 64, 66, 76) y Asche y Grimm (2017, p. 1).
144
la mala calidad de los datos y la fragilidad de los cálculos
que supuestamente llevarían a la sobre-estimación del
crecimiento durante los 2000 (JERVEN, 2014, p. 9-10;
OBENG-ODOOM, 2017), y también se ha criticado
el propio discurso de la emergencia porque encubre una
realidad que es mayormente de reconstrucción y estabilización44, lo cierto es que a partir de indicadores de
nutrición, salud, educación y consumo de los hogares se
observa lo contrario: una mejora todavía mayor que la
que se deriva de la variación del PIB per cápita y que se
remonta a 1990 (YOUNG, 2012, p. 698), mejora que parece coherente con las problemáticas cifras de reducción
de pobreza (PINKOVSKIY; SALA-i-MARTIN, 2014, p.
330). A la vista de estos datos parecería que el proceso de
desarrollo que inició en la década de los 1960 al amparo
de las políticas de industrialización por sustitución de
importaciones ha vuelto a retomarse con fuerza desde
inicios del 2000, liderado ahora por las exportaciones; y
de la misma manera que el cuarto de siglo perdido se ha
atribuido a las políticas de ajuste estructural del Consenso
de Washington –que fueron particularmente virulentas y
deletéreas en África Subsahariana (HOOGVELT, 1987;
NYERERE, 1987, p. 151)-, el renacimiento de África ha
sido endosado al estrechamiento de la relación con China
vía comercio e inversiones, que habría contribuido hasta
44
A partir de una muestra de 49 países africanos, Sylla (2014, p.
10-12) ha calculado que: i) 19 países (9,4% del PIB total de la
muestra) estuvieron en reconstrucción entre 2000 y 2010 (no lograron superar en 2010 el PIB per cápita que habían alcanzado en
distintos momentos de las décadas de 1960 a 1990); ii) 16 (58,9%
del PIB) no superaron la tasa de variación del PIB per cápita del
1,5% acumulativo anual entre 1980 y 2010, cifra que se considera
como la norma de convergencia con el registro de los países de
Europa occidental entre 1820 y 1998; y iii) sólo 14 países (31,7%)
se pueden considerar en fase de emergencia, dado que su PIB per
cápita superó la tasa del 1,5% acumulativo anual entre 1980 y 2010.
145
un 20% al crecimiento económico africano tras la entrada
del gigante asiático en la OMC45.
Sin embargo, la desindustrialización prematura ha desatado un debate entre los que atribuyen a China el proceso
de reprimarización exportadora que reproduciría lógicas
dependentistas centro-periferia causantes de la maldición
de los recursos naturales (con desindustrialización, mala
gobernanza y acumulación por desposesión)46, y aquellos
que, por el contrario, consideran que África Subsahariana
está en plena transformación productiva, como muestra
la reducción del peso relativo del VAB y la población del
sector agrario, lo que ha generado incrementos importantes de la productividad laboral (DIAO, 2017, p. 6-7), y no
encuentran evidencia de que China propicie la maldición
de los recursos, constatando, en cambio, el impacto positivo,
aunque modesto, en el crecimiento africano toda vez que
los efectos favorables de las exportaciones de productos
primarios compensan los negativos de las importaciones
de productos manufacturados chinos47.
La buena recepción de la presencia de China entre la
opinión pública africana en los últimos ãos parece avalar
esta segunda posición (y, de paso, patentiza que el sesgo
sinófobo de los medios occidentales es más bien para consumo interno): el último Afrobarómetro para 36 países del
45
46
47
Véase Sundaram et al. (2011, p. 2-4), Ubi (2014, p. 264),Visentini
(2014, p. 47), Junbo y Frasheri (2014, p. 197), Pigato y Tang (2015,
p. 1-2); Doku et al. (2017, p. 170) y Mu et al. (2017, p. 21).
Dussort (2015, p. 25), Sylla (2014, p. 22), Fig (2015) y Taylor (2016a,
p. 9-10; 2016b, p. 39-43). La evolución de la participación de las
exportaciones de materias primas y productos agrícolas de África
Subsahariana a China pasó del 84% para el promedio 1996-2001 al
89% para el promedio 2002-2007 y 2008-2011 (PIGATO y TANG,
2015, p. 69).
Véase Busse et al. (2014, p. 23),Wang y Zou (2014, p. 1125), Dollar
(2016, p. 2), Su et al. (2016, p. 33) y Xing (2016, p. 100).
146
continente (que no incluye a países como Angola, República del África Central, Congo, República Democrática
del Congo, Guinea Ecuatorial o Etiopía, en los que la gran
inluencia de China probablemente mejoraría los resultados
obtenidos) muestra que China pisa los talones a EEUU
como modelo más popular de desarrollo (24% frente a
30%), sobrepasa a EEUU como poder más inluyente (23%
frente a 22%) y se acerca a la viejas potencias coloniales de
la UE (28%); la inluencia de China es netamente positiva
para casi dos tercios de los 54.000 entrevistados (63%) y
sólo para un 15% negativa, con un 56% que opinan que la
ayuda de China respondió a las necesidades de sus países
(19% que no), destacando muy favorablemente las inversiones en infraestructuras, desarrollo empresarial y la relación
calidad-precio de los productos chinos (LEKORWE et al.,
2106, p. 2, 14, 18). Con datos de 2015, la percepción más
favorable de China a nivel mundial, por detrás de Rusia
(79%), se dio en África Subsahariana (70%), frente al 57%
de la opinión de Asia-Pacíico y América Latina, 52% de
Oriente Medio, 41% de la UE (pero con 34% en Alemania)
y 38% de EEUU (WIKE et al., 2015, p. 28-29).
CHINA MARCANDO EL PASO EN LA
ÚLTIMA FRONTERA
La relación entre China y África tiene un antes y
un después de la celebración en 2000 del I FOCAC, de
cuyas implicaciones geoestratégicas se ha dicho que elevó
a África “a niveles comparables con los del Congreso de
Berlín (1884-1885)” (LECHINI, 2013, p. 118-119). Dicha
relación cabe entenderla, pues, en el contexto de la “carrera por África” entre China y otras potencias (POWER;
MOHAN, 2010, p. 488; XING, 2016, p. 78), relación que,
para su cabal entendimiento, hay que ver en perspectiva
histórica (HIRONO; SUZUKI, 2014, p. 548). En el discurso del presidente de Sudáfrica, Thabo Mbeki, sobre el
147
“renacimiento de África” no hubo ni una sola mención a
China en el mismo ão en el que ésta obtuvo su reconocimiento diplomático sudafricano (MBEKI, 1998), lo cual
es sólo una falsa pista sobre la verdadera intensidad de las
relaciones sino-africanas anteriores.
La presencia de la República Popular en África tiene
una larga data y se enmarca en la cooperación económica
de China (envuelta luego en la retórica de la Cooperación
Sur-Sur) con los países del Tercer Mundo. Primero en
alianza con la URSS de acuerdo a la estrategia del frente
unido contra el imperialismo48, y, desde 1960, de manera
autónoma, jugando al contrapeso y luego a la equidistancia entre el “imperialismo” (EEUU) y el “revisionismo”
soviético, a favor de los movimientos de liberación nacional. En el momento del cambio de orientación desde la
ideología revolucionaria de Mao Zedong (1949-1976) a
la de la modernización y la política exterior de apertura
impulsada por Deng Xiaoping desde 1978 con el binomio
paz-desarrollo, China tenía ya relaciones diplomáticas con
44 países africanos49. Para entonces China había desplegado
su cooperación económica en África ayudando a países
con un ingreso per cápita más alto que el suyo –y sin interrumpir esa ayuda ni siquiera en los momentos más críticos
(1959-1962)– como ayuda bilateral (donaciones a fondo
perdido y préstamos sin interés), atada para proyectos de
48
49
Ello explica que Egipto (entonces la República Árabe Unida con Siria)
fuera en 1956 el primer país africano con el que China estableció
relaciones diplomáticas, apoyando con 4,7$ millones su defensa del
control sobre el Canal de Suez.Véase Fernando (2007, p. 363).
Sobre estos aspectos véase Adie (1962, p. 202, 209-213), Roch (1980,
p. 518, 521, 534, 540-542, 559, 571; 1985, p. 111-112, 119), Connelly
(1991: 297, 303-304), Power y Mohan (2010, p. 478), Alden (2012,
p. 40), Fernando (2007, p. 363-368), Wang y Zhou (2014, p. 1117),
Ubi (2014, p. 245), Dreher y Fuchs (2015, p. 991-992), Sun (2014,
p. 4, 6), Hanauer y Morris (2015, p. 19) y Bradley (2016, p. 882).
148
resultados rápidos, y guiada por objetivos político-diplomáticos (romper primero el cerco internacional impuesto por
las potencias occidentales, y luego la política de reconocimiento de Una sola China para aislar a Taiwán) (ROCH,
1980, p. 534, 540-541; ZHAO, 2014, p. 1035; DREHER;
FUCHS, 2015, p. 91). Estos dos elementos (ayuda atada y
Una sola China) resultarían las características más estables
de la ayuda china hasta la actualidad.
China elaboró su doctrina de cooperación económica en el contexto de la Primera Conferencia de Países
Afroasiáticos (BANDUNG, 1955), a partir del acuerdo
sino-indio del ão anterior basado en los cinco principios
de la coexistencia pacíica de Zhou Enlai, y, tras participar
en la creación de la Organización de Solidaridad Afroasiática (1957), ratiicó el espíritu de Bandung durante la gira
del primer ministro Zhou Enlai por diez países africanos
en 1963-1964, en la que, desde Ghana, invocó los ocho
principios de la cooperación que todavía guían la cooperación china en la actualidad50. Si bien el enfrentamiento
de entonces con la URSS impidió la celebración de una
Segunda Conferencia de Países Afroasiáticos, la posterior
incorporación de China a Naciones Unidas (y al Consejo
de Seguridad como miembro permanente) en 1972, en
parte gracias al apoyo del grupo de países africanos recién
independizados (26 de los 76 votos que favorecieron a
China contra Taiwán fueron de países africanos), contribuyó
a conigurar el discurso de la teoría de los tres mundos de
1974 (el de las superpotencias-tigres-de-papel, sus aliados
desarrollados y los países en desarrollo de la periferia o
Tercer Mundo) y, para mediados de esa década, un tercio
50
Deshpande (1975, p. 93), Shinde (1978, p. 52-61), Roch (1980, p.
522, 524, 539-540), Power y Mohan (2010, p. 476-477), Sun (2014,
p. 3-4), Hanahuer y Morris (2015, p. 19), Zhang et al. (2015, p. 9)
y Dasgupta (2016).
149
(1.500$ millones) de la ayuda acumulada comprometida
por China (4.500$ millones) había sido destinada a África,
principalmente como ayuda económica y técnica51. El
proyecto estrella de la cooperación china de entonces fue
el ferrocarril Tanzania-Zambia, construido entre 1970 y
mediados de 1976, por valor de 500$ millones (3.200$
millones actualizados a 2017) y con un trazado de 1.860
km., que constituyó la vía de comunicación terrestre más
importante de África Subsahariana durante mucho tiempo
(FERNANDO, 2007, p. 365, 368; MOURON et al., 2016,
p. 31; ROCHA, 2016, p. 100)52.
China tuvo una activa participación en la agenda para
el establecimiento del Nuevo Orden Económico Internacional (NOEI) tanto en la III y IV UNCTAD (1972 y
1976) como en la Asamblea General de Naciones Unidas,
y, si bien no se incorporó al G77 (ROCH, 1980, p. 556;
CONNELLY, 1991, p. 309-311), siguió promoviendo
–durante los ãos más difíciles de la década de 1980– la
Cooperación Sur-Sur (CSS) como elemento cohesionador
para mantener viva la llama del NOEI y como aporte constitutivo al Principio de la política exterior independiente
(y anti-hegemónica) proclamado en 1982 y concretado
con la visita del ministro Zhao Ziyang a 11 países africanos
ese mismo ão (CONNELLY, 1991, p. 304, 31; POWER;
MOHAN, 2010, p. 477; UBI, 2014, p. 246). Como recogen
51
52
Roch (1980, p. 526, 528-529, 533, 538, 559; 1985, p. 114-115),
Connelly (1991, p. 302-303), Sun (2014, p. 4), Hanauer y Morris
(2014, p. 7).
La ayuda china para este proyecto estratégico llegó tras la negativa a inanciarlo por parte del Banco Mundial, Naciones Unidas,
EE.UU, el Reino Unido y la URSS, y se instrumentó mediante
un crédito a interés cero, pagable a 30 ãos (en dinero o especie) y
con un período de gracia de 15 ãos. El valor de esta ayuda resultó
equivalente al 0,44% del PIB de China en 1970 y con esa operación
China deinió su posición en África durante la Guerra Fría. Sobre
estos detalles véase la extraordinaria investigación de Wei (2015).
150
las conclusiones de la I Conferencia Sur-Sur de Beijing
(1983), promovida por la Academia China de Ciencias
Sociales y la Fundación del Tercer Mundo, el objetivo de
la CSS debía “ser liberarse gradualmente de la dependencia
económica respecto de los países desarrollados”, con una
llamada a los países del Sur a cerrar ilas y “permanecer
siempre vigilantes ante los intentos de socavar su unidad”,
así como a dar prioridad a la cooperación inanciera realizando los estudios de factibilidad para operar el Banco
para Países en Desarrollo propuesto por el G77 (MEDINA,
1983, p. 678, 680-683). Ni qué decir tiene que estos planteamientos fueron coincidentes con las demandas africanas
sobre “autodeterminación nacional y colectiva” que desde
la presidencia de la Comisión del Sur impulsó después Julius
Nyerere (1987, p. 151; TANDON, 2016, p. 257).
Tras los sucesos de Tiananmen (1989), China, a in de
resistir las sanciones occidentales y contrarrestar la diplomacia del dólar de Taiwán, inició una ofensiva diplomática
por los países del Tercer Mundo, dentro de los cuales los
africanos tuvieron un papel preponderante53, papel que se
reforzó a partir de 1993, ão en que China se convirtió en
importador neto de petróleo y Japón lanzó la Conferencia
Internacional de Desarrollo Africano de Tokio (TICAD por
su siglas en inglés) que después sería copiada por China
(ALDEN, 2012, p. 25; CÁCERES; EAR, 2012, p. 48). A
partir de 1995, China procedió a reformar su cooperación
económica, empaquetando las donaciones a fondo perdido
y los préstamos sin interés, junto con créditos concesionales, inversión extranjera directa (de su empresas estatales)
y acuerdos comerciales54, de manera que ya estaba muy
53
54
Véase Connelly (1991, p. 313), Alden (2012, p. 36), Sun (2014, p.
4-5), Zhao (2014, p. 1035) y Dreher y Fuchs (2015, p. 992-993).
Brautigam (2011, p. 205), Ubi (2014, p. 251), Sun (2014, p. 7-8),
Lin y Wang (2014, p. 7-8, 2015, p. 14-15) y Dreher y Fuchs (2015,
151
bien preparada para la nueva carrera por África que se iba
a desatar en el segundo lustro de la década de 1990, con
la visita de Jiang Zemin a la región en 1996 (donde lanzó
la idea del FOCAC) y la introducción a su regreso de esta
gira africana de la estrategia Going Out, estrategia que sería
deinitivamente aprobada por el Comité Central del PCC
en 2000 incorporándose al X Plan Quinquenal 2001-2005
para consolidarse como estrategia nacional permanente
de Going Global (SUN, 2014, p. 6; GU, 2016, p. 26). Entre tanto, en 1999 se celebró la Conferencia Ministerial
EEUU-África bajo el lema Asociación para el siglo XXI, que
el presidente Clinton había lanzado un ão antes durante
su gira por seis países africanos.
Pero, frente a EEUU o las antiguas potencias coloniales (UE y Japón), China sumaba, a las ventajas del
acervo histórico de su relacionamiento con el continente
“hermano”, cuatro insumos fundamentales en la competencia de la carrera por África. El primero son los valores
confucianos fuertemente desarrollistas de diligencia y disciplina colectivas, orientación a resultados, capacidad por
selección meritocrática, y austeridad del modo de vida
de sus gerentes y trabajadores expatriados (socializados en
“tragar amargura” frente a los cooperantes occidentales que
absorben gran parte del dinero de la ayuda en sus extravagancias lujosas), tendencia a privilegiar en los acuerdos las
relaciones personales sobre los contratos escritos y preferencia por la autonomía del autoempleo, aspectos estos dos
últimos muy bien adaptados a la informalidad institucional africana55. El segundo insumo es una historia común
de padecimientos de las agresiones y de la dominación
55
p. 993).
Véase Cornejo (1997, p. 524, 529-530), Corkin (2014, p. 54), Lee
(2014, p. 60-61), Hanauer y Morris (2014, p. 16), Zhao (2014, p.
1036) y Park (2015, p. 635-636).
152
imperiales de las potencias occidentales (y Japón) que ha
favorecido la solidaridad estratégica entre China y África
en la mayoría de asuntos internacionales (con énfasis en el
respeto a la soberanía nacional, los derechos económicos,
sociales y culturales y el derecho al desarrollo, y la democracia proyectada a las relaciones entre Estados), así como
la visión compartida del desarrollo como industrialización
y autodeterminación económica y como derecho humano
de tercera generación. El tercer insumo es una tradición
de cooperación sin condicionalidades políticas (cláusulas
democráticas), frente a la creciente injerencia en los asuntos
internos de los países del Comité de Ayuda al Desarrollo
(CAD) en África, vía imposición de recetas del Consenso de
Washington o de su sucesor Davos, que hicieron el trabajo
sucio para que luego las empresas chinas pudieran aprovecharse sin, lógicamente, ser responsables de semejantes
recetas. Por ultimo, el cuarto insumo es un nuevo modelo de
desarrollo o Consenso de Beijing, que, con su énfasis en el
papel del Estado, la inversión en infraestructuras y la mezcla
de autoritarismo y eicacia, facilitaría el éxito de muchos
de los llamados “Estados fallidos”, una vez que el éxito de
China demostró que la calidad institucional es producto,
no causa, del desarrollo, con el doble dividendo para China
de mejorar la legitimación exterior de su sistema político y
evidenciar, de paso, que los valores occidentales no tienen
el pretendido carácter universal que se les atribuye56.
56
Power y Mohan (2010, p. 475), Domínguez (2012, p. 261), Agaba y
Genyi (2013, p. 46-47, 50-51), Lechini (2013, p. 122), Lee (2014, p.
34), Zhao (2014, p. 1036), Corkin (2014, p. 54-56, 61-63), Wang y
Zou (2014, p. 1126), Xiaoyun (2014, p. 55-61), Sun (2014, p. 3, 6,
12), Hanauer y Morris (2014, p. 10, 23), Junbo y Frasheri (2014, p.
199), Zhang et al. (2015, p. 9-11, 23-24, 33) y Mason (2017, p. 86).
Sobre el tema especíico de los derechos humanos, véase Nathan
(1994, p. 623, 638-639), Zhishang (2011, p. 409), Zhengquing et
al. (2017, p. 37) y Domínguez (2017, p. 12-13)
153
La cooperación económica (CSS) de China fue así la
herramienta de poder blando que permitió participar en la
carrera por África. Para 2009, China había dirigido a África
el 46,7% de su ayuda contabilizada desde 1950 y en las cifras
de 2010-2012 África concentró el 51,8% (BRAUTIGAM,
2011, p. 207-208; DOMÍNGUEZ, 2015, p. 13; PIGATO;
TANG, 2015, p. 24). Esta carrera por África, en competencia
con otras potencias, se desató en un momento de inlexión
del unipolarismo de EEUU, simbolizado en el continente
africano por la Nueva Asociación por el Desarrollo de África (NEPAD, por sus siglas en inglés), iniciativa patrocinada
por Sudáfrica en 2000, que buscaba un relacionamiento
más equilibrado con los países desarrollados priorizando la
inversión en infraestructuras como cuello de botella crítico
para el desarrollo (AFRICAN UNION, 2001, p. 22-27;
AGABA; GENYI, 2013, p. 48). Como luego demostró
el FMI, esa inversión podría tener el mayor impacto en
el crecimiento potencial del comercio africano, con una
contribución del 42% frente a otras medidas asociadas a
la buena gobernanza, como el imperio de la ley, con una
contribución del 29% (DOLLAR, 2016, p. 27), y mientras
China entendió el mensaje africano (contribuyendo con
el 34% de la inanciación oicial para la construcción de
las infraestructuras de África Subsahariana) (LIN; WANG,
2015, p. 13), las potencias occidentales optaron por la buena
gobernanza –que les permitía seguir con sus políticas (neo)
colonialistas– y los sectores sociales que daban trabajo a su
industria de la ayuda.
El ão del lanzamiento del NEPAD (2000), el
Congreso de EEUU aprobó la AGOA (African Growth and
Oportunity Act), un programa de preferencias comerciales
no recíprocas, envuelto en la retórica del desarrollo por
medio de la expansión de la economía de mercado y
la democracia, y acompãado de ayuda para comercio
(trade capacity building) muy condicionada políticamente
154
(en términos de buena gobernanza y alineamiento a los
intereses económicos y de política exterior de EEUU),
así como un mecanismo de diálogo político anual (Foro
de Comercio y Cooperación Económica EEUU-África)
con el objetivo de profundizar las relaciones comerciales
y de inversión con el continente (WILLIAMS, 2015, p.
1, 5-6). A través de la Millenium Challenge Corporation
y USAID, EEUU canalizó para esta iniciativa unos 600$
millones anuales entre 2006 y 2011 (que después se vieron
drásticamente reducidos hasta 191$ millones en 2012),
para infraestructuras relacionadas al comercio (51% de
los fondos entre 2011 y 2013), proyectos de agricultura
comercial (15%) y facilitación de comercio (11%). Hasta
2011, más del 80% de las importaciones estadounidenses
sujetas a la AGOA y al Sistema Generalizado de Preferencias
de los países de África Subsahariana fueron petróleo57,
aunque esa cuota cayó al 69% en 2014 en paralelo al
descenso de más del 80% del valor de las importaciones
desde 2011. Para revertir esa tendencia y renovar la AGOA
(cuya autorización por el Congreso terminó en 2015,
ão en que se aprobó extenderla hasta 2025), el XIII
Foro de Comercio y Cooperación Económica EEUUÁfrica, celebrado en Washington en 2014, se envolvió en un
mecanismo de diálogo político de alto nivel, el US-Africa
Leaders Summit, con la presencia por primera vez de 50
jefes de Estado y de Gobierno africanos (WILLIAMS,
2015, p. 6-7, 9, 12; TIFFEN, 2014). En todo el período de
vigencia de la primera autorización de la AGOA (200057
En 2011, 33.000$ millones de los 57.000$ millones de stock de
inversión extranjera directa de EEUU en África estaban colocados
en recursos energéticos y minería (HANAUER y MORRIS, 2014,
p. 11). Ese mismo ão fue en el que la entonces Secretaria de Estado,
Hillary Clinton, denunció desde Zambia el “nuevo colonialismo” de
China en razón de que sólo buscaba extraer de África sus recursos
naturales (DOLLAR, 2016, p. 9).
155
2015), los presidentes de EEUU viajaron a África una vez
por cada uno de sus mandatos, lo que evidencia la baja –de
hecho, mínima– prioridad que representaba la región para
EEUU (SUN, 2014, p. 15), que restringió su cooperación
en el continente a los temas de sector privado y seguridad58.
En contraste, China lanzó el FOCAC (Beijing 2000)
como instrumento de diálogo político al máximo nivel y
concreción de su estrategia Going Out, instrumento que
fue elevado –con su correspondiente policy paper, el China’s
Africa Policy de 2006– a la categoría de Asociación Estratégica con la Unión Africana (UA) en Beijing 2006 (III
FOCAC)59, luego reforzado en sus elementos de soft power y
reorientado hacia el cambio estructural en Beijing 2012 (V
FOCAC), y, en último término, ampliado sustancialmente
en su enfoque (hacia la industrialización) y compromisos
58
59
Durante el inal del segundo mandato de Bush se aprobó el Comando Uniicado África (AFRICOM, por su siglas en inglés), con
capacidad operativa en todos los países africanos, excepto Egipto, y
base en Alemania; el AFRICOM incluyó dentro de sus operaciones
a la Asociación Contraterrorista Subsahariana, en la que se integran
países considerados no democráticos como Chad, Mali, Mauritania
y Argelia (HANAUER; MORRIS, 2014, p. 46-47; MATEOS, 2015,
p. 19-20).
En 2005, China envió representantes a la UA, la Comunidad para el
Desarrollo del África Austral (SADC por sus siglas en inglés), la Comunidad Económica de Estados de África Occidental (ECOWAS)
y el Mercado Común del África Oriental y Austral (COMESA)
(WANG; ZOU, 2014, p. 1119). Hasta ese momento China solo tenía
una asociación estratégica con Egipto (1999), Sudáfrica (2004) y
Nigeria (2005). A partir de 2008 celebraría anualmente el Diálogo
Estratégico UA-China y irmó acuerdos de asociación estratégica
con Angola (2010) y Argelia (2014). En 2010 la relación con Sudáfrica fue elevada a la categoría de asociación estratégica integral
para facilitar su incorporación al club de los BRIC(S), arrastrando
en realidad a los 15 países de la SADC, que en 2015 agrupaban a
277 millones de habitantes y el 38% del PIB de África Subsahariana (FERNANDO, 2007, p. 369; ZHONPING; JING, 2014, p. 19;
WANG; ZOU, 2014, p. 1119; BRADLEY, 2016, p. 882-883).
156
inancieros en Johannesburgo 2015 (VI FOCAC), previo
anuncio del China’s second Africa policy paper. El presidente
Hu Jintao visitó cuatro veces el continente africano en su
mandato (2003-2013) recorriendo 18 países; y su sucesor,
Xi Jinping, inauguró su primera gira internacional en 2013
visitando tres países africanos; y tras la visita de su primer
ministro Le Kekiang a la UA en 2014, Xi Jinping volvería a África en 2015 para el VI FOCAC, donde anunció
inanciación por 60.000$ millones y en 2016 para conmemorar el 50 aniversario de establecimiento de relaciones
diplomáticas con Egipto60. En cuanto a los compromisos
inancieros, el FOCAC pasó de la cancelación de una parte
de los créditos libres de interés para 31 países pobres altamente endeudados (HIPC por sus siglas en ingles) y menos
desarrollados (LDC) africanos en 2000, a su liquidación
en 2006, 2009 (IV FOCAC, Sharm el-Sheij) y 2015 de
los créditos libres de interés que expiraran el ão anterior
respectivo; los 3.000$ millones de crédito concesional y
2.000$ millones de crédito preferencial de 2006 aumentaron a 10.000$ millones de crédito concesional y 1.000$
millones de crédito preferencial para pymes en 2009; y se
creó una línea de crédito (que empaqueta donaciones y
crédito concesional y preferencial) de 20.000$ millones en
2012, ampliada a 35.000$ millones en 2015, con 5.000$
millones adicionales en subvenciones sin interés y otros
10.000$ de crédito concesional para pymes.
En el frente del comercio y la inversión, las primeras
promesas de otorgamiento de preferencias no recíprocas
a los LDC africanos de 2000 se concretaron para 190
productos libres de aranceles y cuotas en 2003 (III FOCAC,
Addis Abeba), 440 en 2006, 95% de los productos en 2009,
y 97% en 2012, con objetivos de incremento del comercio
60
http://english.mofcom.gov.cn/article/newsrelease/signiicantnews/201702/20170202515699.shtml.
157
sino-africano de 30.000$ millones en 2003 a 100.000$
en 2006 (que llegaron a 220.000$ millones en 2014 y se
pretenden elevar a los 400.000$ para 2020). El despliegue
de la institucionalidad en 2000 (Centros binacionales de
promoción de inversiones y comercio tanto en los países
africanos como en China y Consejo Empresarial ChinaÁfrica) continuó con la creación del Fondo de Desarrollo
China-África, con una dotación inicial de 5.000$ millones,
y el lanzamiento de cinco Zonas Económicas Especiales de
2006, la reposición de otros 5.000$ millones para el Fondo de
Desarrollo en 2012, y 10.000$ millones adicionales en 2015,
a los que ãadieron otros 10.000$ millones de un nuevo
Fondo de Cooperación Industrial para la construcción de
“capacidades de producción” (parques industriales y centros
regionales y nacionales de formación profesional); y también
en 2015 se adelantó la promesa de alcanzar para 2020 un
stock de inversión directa china en África de 100.000$
millones desde los 32.400$ millones de 2014.
Para la construcción de capacidades (desarrollo humano en la jerga del CAD), al Fondo Africano de Desarrollo
de Recursos Humanos creado en 2000 se unió el programa
de formación de 10.000 técnicos africanos de 2003, ampliado a 15.000, más el envío de 100 expertos agrícolas, la
creación de 10 Centros de Extensión Agrícola, 30 Centros
de Prevención de la Malaria, 100 escuelas rurales, el envío
de 300 jóvenes voluntarios y el incremento de las becas
anuales para estudiantes africanos de 2.000 a 4.000 en 2006.
En 2009 el programa de formación de técnicos africanos se
elevó a 20.000, se duplicó el número de Centros de Extensión Agrícola, se enviaron 50 equipos de técnicos agrícolas
para la formación de 2.000 expertos africanos, se amplió
el número de becas anuales hasta 5.500, se construyeron
50 Escuelas de Amistad China-África formándose 1.500
profesionales para su atención, y se lanzaron 100 proyectos
de ciencia y tecnología que recibieron otros tantos doctores
158
africanos en China. En 2012 continuó la extensión del programa de formación de técnicos africanos hasta los 30.000,
se prometió el envío de 1.500 médicos, se elevó el número
de becas a 18.000, se patrocinaron otros 100 programas
académicos y se lanzó el Programa de Talentos Africanos.
En 2015 se incluyó el objetivo de formar a 200.000 técnicos
y expertos africanos (40.000 con pasantías en China) y se
ampliaron las becas a 30.000 (2.000 para realizar estudios
universitarios). Dentro del proceso de reforzamiento de los
elementos de soft power, se pasó de los anuncios a favor de
la cooperación medioambiental de 2000 y la promoción
del turismo chino en África de 2003, a acciones muy concretas, entre las que destacan: la red de Institutos Confucio
(desde la apertura del primero en 2004, actualmente hay
46 en 32 países africanos de los 516 en 142 países a nivel
mundial); la construcción de la sede de la UA en 2006; la
Iniciativa de Asociación de Cooperación por la Paz y la
Seguridad China-África de 2012, que convirtió a la UA en
miembro permanente del FOCAC y responsable del diálogo estratégico entre las ocho Comunidades Económicas
Regionales Africanas y China (dotándola de 95$ millones
para operar en su nueva sede de 50.000 m2, construida a
fondo perdido por China), así como la donación de 60$
millones para una fuerza permanente africana de respuesta
a crisis y la formación de 1.000 especialistas africanos en
comunicación de 201561.
61
Los tres párrafos anteriores están basados en las declaraciones inales
y los planes de acción de los respectivos FOCAC (http://www.
focac.org/eng/), en los policy papers de 2006 y 2015, así como en
los balances y análisis de Eom et al. (2016, p. 1, 3-5), Carey et al.
(2016), Bradley (2016, p. 891), Zhang et al. (2015, p. 13), Pigato
y Tang (2015, p. 34), Ubi (2014, p. 247-249, 253-254, 261-262),
Zhonping y Jing (2014, p. 19), Zhao (2014, p. 1037-1038, 1046),
Wang y Zou (2014, p. 1117, 1119, 1125, 1131), Hanauer y Morris
(2014, p. 20-21, 39-40, 45, 75-85), Lechini (2013, p. 121-123), Alden
(2012, p. 36-38), Domínguez (2012, p. 267, 272-273) y Brautigam
159
China aprovechó muy bien en estos ãos el espacio
estratégico dejado por EEUU en África tras el atentado de
las Torres Gemelas a in de reforzar su “ascenso pacíico”
hacia la condición de superpotencia, a través de la adquisición de capital, tecnología y recursos por medios comerciales y no militares (BIJIAN, 2005, p. 20). De manera que
la carrera de China por África no solo estuvo motivada
por la búsqueda de fuentes de energía, recursos naturales
y materias primas, o la exploración de nuevos mercados
para sus empresas62, sino también por motivaciones defensivas frente a las críticas occidentales de violaciones
de derechos humanos y, sobre todo, por consideraciones
geopolíticas de mucho mayor alcance, vinculadas a la
estrategia de Una sola China, y la reconiguración del
orden económico y político mundiales sobre nuevas bases
multipolares, de ahí la creciente cooperación militar con
el bloque africano (que cuenta con 54 de los 193 miembros de la Asamblea General de Naciones Unidas) y de
ahí también el involucramiento chino en la resolución de
conlictos, las operaciones de paz y desminado, el combate
a la piratería o la reconstrucción posbélica63.
Todo este formidable despliegue diplomático convirtió
a China en el primer socio comercial de África Subsahariana
en 2012, con un 24% del comercio total ya en 2013,
partiendo del 2% en 1995: como fuente de importaciones
China desplazó a Alemania y EEUU en 2006, y como
destino de las exportaciones africanas desplazó a sus
62
63
et al. (2010). Para los Institutos Confucio, véase Akhataruzzaman y
Lien (2017) y van deer Heever (2017).
Véase Cáceres y Ear (2012, p. 48), Alden (2012, p. 23-30), Zhao
(2014, p. 1035), Wang y Zhou (2014, p. 1113-1115), Sun (2014, p.
6) y Hanauer y Morris (2014, p. 6).
Nathan (1994, p. 639-640),Wang y Zhou (2014, p. 1115-1123), Su
(2014, p. 3, 5, 9-11), Hanauer y Morris (2014, p. 6-9, 23, 41-44) y
Park (2016, p. 639).
160
competidores en 2013 pasando de una cuota de mercado
del 6% en 2003 al 27% en esa última fecha (la UE-25 cayó
del 37% al 23% y EEUU del 21% al 10%) (DOLLAR,
2016, p. 20, 22; PIGATO; TANG, 2015, p. 5-6). China
logró situarse por delante de Japón en términos de lujo
y stock de inversión extranjera directa en 2005 en África
Subsahariana y actualmente es el cuarto mayor inversor
por lujo y stock, por detrás de EEUU, Reino Unido y
Francia, si bien algunas fuentes multiplican su cifras de stock
(32.350$ millones en 2014) por un factor de 2,5, teniendo
en cuenta que una gran parte se hace desde centros ofshore,
de manera que por este cálculo China se situaría por delante
de EEUU y solo sería superada por el bloque de la UE
(PIGATO; TANG, 2015, p. 9, 12-13, 28-29; EOM et al.,
2016, p. 2-3). Además, China acumuló entre 2000 y 2014
una cartera de crédito público en África Subsahariana a
través del Exim Bank, el China Development Bank y otras
fuentes oiciales por valor de 86.269$ millones, frente a los
aproximadamente 105.000$ del Banco Mundial, que podría
quedar relegado a una segunda fuente de inanciación
pública en el futuro inmediato (HWANG et al., 2016).
Finalmente, con el aporte de 14.100$ millones en
ayuda (contando los créditos preferenciales a la exportación)
que le situarían al mismo nivel que el segundo donante
del CAD por detrás de EEUU (KITANO; HARADA,
2016, p. 1058), China se ha colocado en África como el
gran proveedor de CSS (sin condicionalidades), en directa
competencia con la cooperación condicionada de EEUU
y la viejas potencias coloniales64: proyectando la cifra del
64
Entre 1999 y 2014, se produjeron 239 suspensiones de la Ayuda
Oicial al Desarrollo en forma de apoyo presupuestario de 18
donantes del CAD (bilaterales y multilaterales) en 40 países; el
43% de las suspensiones fueron por casos de corrupción, 35% por
violaciones de los derechos humanos, fraudes electorales o golpes
de Estado, y el 22% por no cumplir condicionalidades de política
161
51,8% del total de la ayuda China a África del período
2010-2012 a las cifras asimilables a la Ayuda Oicial al Desarrollo (AOD) estimadas para 2013 de 7.092$ millones por
Kitano y Harada (2016, p. 1058), China habría otorgado
ayuda a los países de África por valor de 3.674$ millones
en esa fecha, lo que la convertiría en el sexto donante por
detrás de EEUU (8.979$ millones), la Asociación Internacional de Desarrollo (6.072$ millones), la Comisión Europea (5.973$ millones), Emiratos Árabes Unidos (4.761$
millones) y Reino Unido (3.922$ millones)65.
Pero si se contabilizan los créditos a la exportación
como ayuda, entonces China se situaría en el segundo lugar
muy cerca de EEUU. En este punto, la evidencia empírica
contradice las críticas occidentales de que China da preferencia a países especialmente ricos en recursos naturales,
con peor calidad institucional o regímenes autoritarios (lo
que conirma tanto el principio de no interferencia como
lo infundado de los temores de que China subvierta los supuestos esfuerzos de otros donantes a favor de la democracia
y la buena gobernanza), y, más bien parecería darse un comportamiento similar al de los grandes donantes del CAD en
cuanto a la asignación de la ayuda por intereses propios de
carácter comercial y político (DREHER; FUCHS, 2015, p.
1010, 1013, 1018-1019; AIDOO; HESS, 2015, p. 120-121;
BROICH, 2017, p. 3, 34). La gran diferencia es que la naturaleza atada de la ayuda china disminuye las posibilidades
de corrupción y favoritismo en comparación con la ayuda
occidental en las fases de implementación de los proyectos
65
económica impuestas por los donantes. Entre los países con más de
cinco sanciones (12), 10 fueron de África Subsahariana, y de los 12
países que incurrieron en múltiples infracciones (3 o más) 10 fueron
también subsaharianos (MOLENARES et al. 2017, p. 147, 150).
Los datos están disponibles en https://www.oecd.org/dac/stats/
documentupload/2%20Africa%20-%20Development%20Aid%20
at%20a%20Glance%202015.pdf.
162
(DREHER et al., 2014, p. 30; LIN; WANG, 2107, p. 91).
Quizá por ello, los mayores donantes del CAD en África asignaron para el período 2000-2011 mayores niveles de ayuda
programable en los países donde la inluencia de China fue
creciente, orientándose desde los sectores sociales hacia las
infraestructuras económicas a in de asimilarse al estilo chino
(KILAMA, 2016, p. 530, 541), en otra manifestación más de
la convergencia inversa del CAD con China que marca el
signo de los tiempos en el mundo de la cooperación66.
En el ão de inicio de la Agenda de Desarrollo Sostenible
2030, que estará operativa para el período 2016-2030, China
se ha convertido en “la inluencia principal en el mundo de
la arquitectura internacional del desarrollo” (CAREY et al.,
2016). Durante la aprobación de esa agenda en septiembre de
2015 China anunció un fondo de CSS de 2.000$ millones para
la implementación de los ODS, y otro especíico de 3.000$
millones para la la lucha contra el cambio climático. Con su
iniciativa The Belt and Road (BRI por sus siglas en inglés),
lanzada por Xi Jinping en 2013 y oicializada en 2015, y las
instituciones inancieras ya en operación para apoyarla67, China
pretende integrar verticalmente la Ruta terrestre de la Seda de
Eurasia con la nueva Ruta marítima de la Seda que conecta
el Mar de China con el Océano Índico, el Golfo Pérsico, el
Mar de Arabia y el Mediterráneo, con sendos brazos hacia el
Pacíico por Oriente y las regiones costeras con el Índico de
66
67
Domínguez (2013, p. 37-38), Murray y Overton (2016, p. 13-15),
Besharati (2017).
New Development Bank (con 50.000$ millones que esperan
duplicarse) y Asian Infrastructure Investment Bank (con 100.000
$ millones) de carácter multilateral, y el Fondo de la Ruta de la
Seda de 2014 (con 40$ mil millones) y los bancos de desarrollo
nacionales de China (que en 2013 hicieron préstamos internacionales por valor de 373.000$ millones) de carácter bilateral.Véase,
las cifras en Callaghan y Hubbard (2016, p. 118-119) y Domínguez
(2016, p. 78).
163
África, en las que se encuentran viejos aliados como Tanzania,
país con el que China cerró en 2015 acuerdos ferroviarios por
valor de 9.000$ millones para la exportación por el puerto de
Dar el Salam, a los que hay que sumar los 10.000$ millones del
acuerdo para la construcción del mayor puerto de la región
del África Austral en Bagamoyo y el megaproyecto del corredor LAPSSET (que une el puerto de Lamu en Kenya con
un ferrocarril que enlaza Etiopía y Sudán del Sur) valorado
en 25.500$ millones, así como el anuncio de ampliación del
nuevo Canal de Suez68.
El alcance transcontinental de la BRI muestra que
China, en esta segunda oleada de su desarrollo hacia el
exterior, pretende inluir de manera decisiva en la distribución del poder mundial (sin olvidar la presión sobre
Taiwán al que sólo le quedan dos aliados en el continente)
y que en ese propósito de carácter geoestratégico “África
en su totalidad” es la primera vez que resulta incluida en
un proyecto de integración megarregional (ROCHA et
al., 2016, p. 89, 94-97; SUN, 2014, p. 5).
Con esta última jugada del ajedrez mundial, como la
que en su momento resultó el FOCAC, China va a seguir
marcando el paso al resto de los operadores en el continente,
que desde 2000 han ido a remolque de China: EEUU con
la AGOA, que no se convirtió en diálogo político de alto
nivel hasta el US-Africa Leaders Summit de 2014, donde
Obama anunció compromisos por 33.000$ millones; la
UE, con la enmarãada institucionalidad del Acuerdo de
Cotonú (en crisis existencial ante su término en 2020),
no tuvo preparada su Estrategia Conjunta África-UE hasta
2007, y de cara a la V Conferencia UE-África de ines
de 2017 anunció un Plan Europeo de Inversión Exterior
68
Carey et al. (2106), Lehmacher (2016), Jiang (2016, p. 1), Domínguez
(2016, p. 78-79), Summers (2016, p. 1630-1631, 1638), Mouron et
al. (2016, p. 30), Rocha (2016, p. 96, 102) y UNECA (2014, p. 21).
164
que pretende movilizar, a partir del uso de la AOD para
apalancar otros fondos, unos 46.000$ millones para África
y otros países vecinos, aunque sujetos a todo tipo de
condicionalidades positivas y negativas a in de controlar
manu policial y militar las temidas migraciones; y Japón
elevó la categoría del TICAD a asociación estratégica
en 2008 después de que China, que había copiado ese
modelo para el FOCAC, lo hiciera en 2006, y prometió
en el V TICAD (Tokio 2013) 32.000$ millones de ayuda
para África en el siguiente quinquenio, que se quedaron
en 30.000$ millones en el VI TICAD (Nairobi 2016)
(MACKIE et al., 2017; WANG; ZOU, 2014, p. 1130).
Del grupo de los BIC, India simplemente “mimetizó
el comportamiento de China en relación a África”, con el
India-Africa Summit (“facsímil” del FOCAC) del que se
llevan realizadas tres ediciones desde 2008; mientras que
Brasil, que operó inicialmente desde la Comunidad de Países
de Lengua Portuguesa (1996), procuró envolverse en el
diálogo trilateral con la IBSA (2003) y birregional desde la
UNASUR –una vez que China lanzó dentro del III FOCAC
(2003) el Foro Macao para la Cooperación Económica y
Comercial entre China y los Países de Lengua Portuguesa–
con la Asociación Estratégica África-América del Sur y su
Foro de Cooperación correspondiente, que ha realizado
tres ediciones desde 2006. El panorama lo completan dos
emergentes: con la Iniciativa de Corea para el Desarrollo de
África (2006), que dio lugar al Foro Corea-África de Seúl
reconvertido luego en el Foro de Inversión Corea-África
(2015); y, de mucho más calado (que en parte explica la
limitada presencia de Rusia, con un solo viaje oicial del
presidente Mevdevev en 2006), la Conferencia TurquíaÁfrica, que se lanzó en 2008, reconvertida en Asociación con
la Unión Africana en 201469. China detonó, pues, la carrera
69
Véase Taylor et al. (2016, p. 107, 121),Visentini (2014, p. 50), Seifert
(2016, p. 136), Abdenur (2015, p. 261), Shamilov (2016, p. 202),Wang
165
por África con el resultado de ampliar el espacio político
y económico de maniobra para los países africanos frente
a las viejas potencias coloniales (UE y Japón) y EEUU: la
amenaza china es que China empoderó a África70.
REFLEXIONES FINALES POR
EL CAMBIO ESTRUCTURAL
Para integrar al continente africano en su proyecto
megarregional de la BRI, el primer ministro Li Kequiang
presentó la estrategia de industrialización como ventana de
oportunidad para África durante la visita que realizó a la
UA en 2014, en la que anticipó los lineamientos de la nueva
política de China en África, luego recogidos en el segundo
policy paper de 2015 previo a la celebración del VI FOCAC
de Johannesburgo. Una rápida comparativa entre los dos
documentos de 2006 y 2015 (Cuadro 4) permite deducir
que China respondió de manera proactiva a las demandas y
críticas que surgieron desde África a medida que se intensiicó la relación comercial y de inversión, como reconoce
tanto la literatura pro-occidental como la sinóila71.
Cuadro 4 – Frecuencias semánticas en los dos
policy papers sobre China en África
CONCEPTOS
70
71
características y objetivos del desarrollo
Policy paper
2006
Policy paper
2015
support (de demandas africanas e intereses chinos)
22
168
friends/friendly/friendship
13
38
y Zou (2014, p. 1128-1129), Ozkan (2016, p. 219-220), Elmorsy
(2016, p. 4-6) y Domínguez (2012, p. 253; 2015, p. 17).
Power y Mohan (2010, p. 489), Domínguez (2012, p. 273, 275),
Visentini (2014, p. 60), Xing (2016, p. 90-91, 100), Swelung (2017).
Para la primera véase Wang y Zou (2014, p. 1117-1124) y Hanauer y
Morris (2014, p. 73-86). Para la segunda Zhao (2014, p. 1044-1051)
y Campayo y Zao (2016, p. 71).
166
CONCEPTOS
características y objetivos del desarrollo
Policy paper
2006
Policy paper
2015
share/shared (intereses)
0
15
partner/partnership
2
14
trust
5
10
win-win
1
9
pragmatic cooperation
3
7
solidarity
1
5
peace/peacefull/peacekeeping
16
27
sustainable
2
20
características y objetivos del desarrollo
poverty
0
15
independent/independence
7
14
industrialization
0
10
stability
5
9
agricultural modernization
0
8
climate change
1
5
Y esa respuesta se basó no sólo en acentuar la retórica
performativa característica de la cooperación del CAD
(más apoyo, amistad, asociación, intereses más compartidos,
conianza, mutuo beneicio, solidaridad), sino con una
batería de nuevas propuestas a demanda de los africanos,
que incluye cosas más concretas que las narrativas occidentales de sostenibilidad y lucha contra la pobreza: si en
2000 el NEPAD reclamó inversión en infraestructuras, en
2013 la UA se planteó tímidamente el cambio estructural
(“transformación económica”) en la Agenda 2063 aprobada
en 2013, pero en el primer Plan de Acción decenal para
desarrollar esta agenda acordado en Addis Abeba antes
del VI FOCAC (2015) se habla de “transformar, crecer e
industrializar nuestras economías por medio del beneicio y la agregación de valor a los recursos naturales”, con
un “Plan de Acción de Desarrollo Industrial Africano” y
167
“políticas industriales” y “macroeconómicas” orientadas
a la “industrialización” (AFRICAN UNION, 2015, p. 6,
15). Fue este primer Plan de Acción decenal sobre el que
China construyó explícitamente su segundo policy paper y
el Plan de Acción de Johannesburgo (CAREY et al., 2016).
En este punto el contraste con el recién propuesto
Plan Marshall con África del Ministerio de Cooperación
Económica y Desarrollo de Alemania no puede ser más
ilustrativo: el documento no contiene mención alguna a la
industrialización (excepto una referencia a la “diversiicación económica”). Endosa la vieja retórica de “dejar atrás”
la relación donantes receptores, con algunas airmaciones
estupefacientes, como que África y Europa tienen “una
historia compartida”, eso sí, reconociendo a modo de mea
culpa, que “incluso hoy, la riqueza de los países industrializados se basa, en parte, en la explotación incontrolada
de los pueblos y recursos del continente africano”. Por
los demás, el Plan Marshall con África no tiene memoria presupuestaria (solo apela a que la AOD servirá para
apalancar fondos privados), y es el enésimo plan business
as usual descoordinado de la UE (con un Estado miembro
que sustituye la falta de liderazgo de la Comisión) y que
si bien plantea tres pilares72 anuncia que la V Conferencia
UE-África de ines de 2017 deberá concretarse en una
Nueva Asociación UE-África para la Paz y la Seguridad
(BMZ, 2017, p. 4, 6-7, 10-11, 14-15, 20).
Frente a esta incapacidad maniiesta de la UE para salir
de su jaula de hierro neocolonial y con la privatización y
militarización de su ayuda en ciernes (el control migratorio
y la lucha contra el terrorismo son las auténticas prioridades:
la última también compartida por EEUU, tras el anuncio
72
i) Actividad económica, comercio (que ahora ya no será “libre”
sino “justo”) y empleo; ii) Paz y seguridad; y iii) Democracia e
imperio de la ley (incluyendo la retirada de las leyes que prohíben
la operación de las ONG) (BMZ, 2017, 12-13, 22).
168
de Trump al Congreso de aumento del gasto militar “para
volver a ganar guerras”), el desarrollo pacíico de China
podría concretarse en un relacionamiento más equilibrado
con África. Ello sería el resultado de los cambios que están
teniendo en los dos lados de la relación: en la demanda
(África), la aparición del bono demográico al completarse
su primera transición, y una posición cada vez más asertiva
de la UA; en la oferta (China), la segunda transición demográica y los aumentos de los costes salariales que han llevado
a sus empresas a iniciar la deslocalización en lo que es un
proceso de internacionalización cada vez menos controlado
por el Estado (GU et al., 2016, p. 24-25). Se calcula que
2.200 empresas chinas están actualmente operando en África
Subsahariana, la gran mayoría privadas, y que hay más de 1
millón de trabajadores chinos en África (PIGATO; TANG,
2015, p. 1; SUN, 2014, p. 28; DOLLAR, 2016, p. xii, 72-76).
Ya en 2011, el 45% de la inversión extranjera china en África
era de carácter privado, de manera que muchas de las críticas
contra las prácticas laborales y ambientales chinas –que recientemente han mejorado a juicio de la crítica occidental y
serán más exigentes con la operación del Asian Infrastructure
Investment Bank (FUES; GRIMM, 2017; CALLAGHAN;
HUBBARD, 2016, p. 133-135; GABUSI, 2017, p. 30; LIN;
WANG, 2017, p. 153)– cabe atribuirlas al sector privado
que escapa a la supervisión del gobierno de la República
Popular: en 2013, el sector privado ya acumulaba el 53% de
los 1.217 proyectos de inversión de China identiicados en
bases de datos internacionales en África, con una elevada
concentración en la industria (31%) y los servicios (39%)
(SHEN, 2015, p. 84-85, 87-88; JIANG, 2016, p. 2).
La intensiicación de la relación económica China-África se aceleró después de 2001 cuando el modelo
de crecimiento de China (en pleno cambio estructural) se
volvió más intensivo en recursos naturales y el país entró
169
en la OMC. Con una economía relativamente pobre en
tales recursos y una población en edad de trabajar en plena
expansión, China contaba con una ventaja comparativa en
manufacturas, frente a África, relativamente rica en recursos
naturales y con una población en edad de trabajar (536
millones, el 54% de la población total) signiicativamente
menor que la China (927 millones, el 71% de la población
total), que es lo que determinó el patrón de comercio de
recursos naturales por productos manufacturados con una
notable mejora de los términos de intercambio para los
africanos (DOLLAR, 2016, p. xiii; LIN; WANG, 2014,
p. 7). Pero dado que en China la población en edad de
trabajar ha tocado techo, contribuyendo con ello a estrechar el mercado de trabajo y elevar los salarios, el viejo
modelo de crecimiento centrado en las exportaciones y la
inversión se está reorientando (es el llamado oicialmente
“reequilibrio”) hacia el consumo interno y las actividades
de servicios menos intensivas en naturaleza que la industria,
con una mayor internacionalización del capital chino, que
ya se encontró con los rendimientos decrecientes al interior
de su economía por la sobrecapacidad instalada tanto en
infraestructuras como en industria, sector este último que
ha empezado a deslocalizarse hacia países con menores
costes laborales73.
En este contexto, se estima que África doble su población actual de 1.200 millones para 2050, lo que signiica
que el 54% del crecimiento de la población mundial se
dará en este continente, que va demandar 20 millones de
puestos de trabajo anuales en los próximos 20 ãos, que
subirán a 30 millones anuales después: en 2055 África
tendrá 1.428 millones de personas en edad de trabajar y
China 667 millones (DOLLAR, 2016, p. xiv, 80-82; BMZ,
73
Véase Dollar (2016, p. xiii-xiv), Rocha (2016, p. 103), Jiang (2016,
p. 4), Pigato y Tang (2015, p. 2) y Mu et al. (2017, p. 22).
170
2017, p. 10)74. Si se dan las condiciones requeridas para el
acceso a la educación (superando el cuello de botella del
“personal profesional caliicado inadecuado” que correctamente identiica el policy paper de 2015), África podría
alcanzar, merced a su bono demográico, un crecimiento
potencial del 2,3% acumulativo anual entre 2010 y 2100
que permitiría multiplicar por 7,7 el PIB per cápita de
2010 (DRUMMOND et al., 2014, p. 18). Ello promete
para las empresas chinas un enorme mercado, no solo de
trabajo, que ya han empezado a explorar: si para los empresarios privados chinos en África el acceso al mercado
local ha sido un factor “predominante” de su decisión de
inversión, esta se contempla en muchos casos como una
segunda oportunidad ante la saturación del mercado chino
y los bajos costes salariales africanos, lo que se traduce en
beneicios de entre 25%-30% en África, 3 o 4 veces más
altos que en China (SHEN, 2015, p. 94, p. 102). No es de
extrãar que África sea el destino preferido de las empresas chinas para aventurarse por primera vez en el exterior,
con el 35% de los empresarios encuestados mostrando
esa preferencia por encima del resto de las localizaciones
(WANG; MIAO, 2016, p. 32).
La poética oicial dominante para envolver todo este
proceso ha sido bautizada con el lema “escalar la misma
montãa de la transformación estructural” (LIN; WANG,
2015, p. 20). La hipótesis de que las cadenas de valor más
intensivas en trabajo de baja cualiicación (la industria
textil) de China migrarán a África, como ya lo hicieron
74
Para 2100, el 80% del crecimiento demográico mundial entre 2010 y
2100: de los 4.000 millones de personas en que aumentará la población
entre esas fechas, 3.200 millones serán africanos, alcanzando el pico
de su dividendo demográico en 2090, cuando la participación de
la población africana en edad de trabajar alcanzará el 64% del total y
nada menos que el 41% de la población mundial en edad de trabajar
será africana (DRUMMOND et al., 2014, p. 4; TIFFEN, 2014).
171
antes a Vietnam y Bangladesh, abre una enorme ventana
de oportunidad para el continente africano, aunque solamente una pequẽa fracción de las cadenas lo haga, dado
el tamão gigante de la economía China, que sería, más
que un modelo, un gran catalizador para el desarrollo africano (SUN, 2014, p. 6; XING, 2016, p. 97; ZHAO, 2014,
p. 1048; ELMORSY, 2016, p. 15; MU et al. 2017, p. 22).
Se calcula que en los próximos ãos China, que en 2022
como máximo se graduará como país desarrollado (LIN,
2017, p. 117), va a exportar 85 millones de puestos de
trabajo: si solamente el 12% fuera hacia África, el impacto
en la industrialización del continente resultaría enorme
por ese efecto lying geese; es más, con que el 1% del VAB
de la industria textil de China fuera transferido a África se
produciría un 47% de aumento del empleo industrial africano75. Esto es lo que Lin y Wang (2015, p. 6) denominan
“aprendizaje conjunto y co-transformación”.
La pregunta es si la “globalización Sur-Sur” (MOHAN,
2013, p. 1268) que impulsa China en África, o la “globalización inclusiva” como algunos autores describen la BRI (LIU;
DUNFORD, 2016, p. 336), se concretará de esta manera tan
armoniosa e integradora o será simplemente una “diversiicación de la dependencia” que atrapará África en estructuras
de producción de bajo valor ãadido (TAYLOR, 2016c, p.
253). La respuesta a ese interrogante depende de muchos
factores, pero el empoderamiento que China ha introducido
en África, donde se celebrará (Sudáfrica) la próxima Cumbre
de los BRICS a ines de 2018, podría usarse por parte de
la élites de los países africanos para “encontrar en su interior
nuevas fuentes de desarrollo” (NYERERE, 1987, p. 151), o
dicho de otra manera, para propiciar el cambio estructural
sin el cual el desarrollo es imposible.
75
Xiaoyun (2014, p. 56), Zhao (2014, p. 1047-1048), Shen (2015, p.
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183
A REEMERGÊNCIA CHINESA
E OS CONFLITOS TERRITORIAIS
NO MAR DO SUL DA CHINA
Mariana Burger
INTRODUÇÃO
O discurso chinês baseia-se em conceitos como
harmonia e cooperação além do reforço da ideia de
que não há pretensões hegemônicas, apenas o reposicionamento da China no sistema internacional. A ideia
de ascensão pacíica, posteriormente desenvolvimento
pacíico, procura esclarecer para a sociedade internacional que o crescimento chinês, tanto em termos políticos
como em termos econômicos, não deve ser entendido
como ameaça aos demais estados, mas ocorrerá dentro
de um ambiente de paz e de estabilidade. Além disso, o
conceito de “sonho chinês” remete à busca do bem-estar
e prosperidade não só na China, mas também ao desejo
de levar a cooperação, a estabilidade e o desenvolvimento
a todos os povos (LI, 2015).
O novo papel a ser desempenhado pela China leva
ao temor de que seu reposicionamento seja associado a
conlitos, o que provoca a expectativa de grande alteração
na estrutura de poder mundial. Um dos possíveis cenários
aventados envolve a ocorrência de conlitos entre China e
seus vizinhos. O Mar do Sul da China é um dos principais
focos de atrito, uma vez que disputas territoriais marcam
185
6
o relacionamento entre os países da região. Até a década
de 1960 os conlitos estavam diretamente relacionados aos
direitos de pesca, que constitui a base alimentar da população local. A partir de então, com a descoberta de petróleo e
gás natural, as disputas acirraram, já que Estados da região
reclamam direitos territoriais sobre áreas que se sobrepõem.
Diante desse cenário, o presente estudo analisará de que
forma o reposicionamento da China repercute na situação
atual dos conlitos territoriais no Mar do Sul da China.
A REEMERGÊNCIA CHINESA NO
CENÁRIO INTERNACIONAL
O rápido crescimento econômico chinês durante as
últimas décadas e o reposicionamento da China na sociedade internacional despertaram uma série de preocupações
sobre a maneira como se portaria e quais seriam seus objetivos. Trata-se de civilização de mais de quatro mil anos
e que, durante a maior parte desse período, foi grande
potência asiática, em termos econômicos, populacionais e
tecnológicos. Durante os últimos dois mil anos, a China
usufruiu do status de superpotência por várias vezes, inclusive durante as dinastias Han,Tang e o início da dinastia
Ming (YAN, 2001).
Desde o Império Romano até o inal do século XVIII,
a China manteve constantes superávits nas relações comerciais com o continente Europeu (OVERBEEK, 2015) e,
por volta de 1820, detinha 30% do PIB mundial (YAN,
2001). Assim, considerar a retomada chinesa após o “século
de humilhações”76 um fenômeno de mera ascensão seria
analisar apenas um recorte histórico não representativo.
76
Para os chineses, o “século de humilhações” refere-se ao período
que se seguiu à Guerra do Ópio (1840) até a fundação da República
Popular da China em 1949, quando airmam terem sido oprimidos
pelas grandes potências.
186
Yan entende a atual retomada chinesa como um processo que vem desde o conceito de “rejuvenescimento da
China”, lançado por Sun Yatsen e que teve continuidade
com Mao Zedong, Deng Xiaoping e Jiang Zemin. Essa
formulação pode ser compreendida sob dois aspectos: o
primeiro seria o reposicionamento chinês em seu lugar
natural no sistema internacional, ou seja, voltar ao lugar de
grande potência; a segunda acepção está relacionada à ideia
de fazer jus ao que a China representa, o que não implica
retirar vantagens dos demais Estados (YAN, 2001, p. 1-2).
Kissinger reforça essa concepção ao qualiicar a China não como ascendente, mas como uma “potência que
retorna”77 após ter sido deslocada de sua posição natural
(KISSINGER, 2012, p. 546). Deve-se considerar também
que, para os chineses, a palavra rejuvenescimento tem conotação similar à ascensão (YAN, 2006, p. 13). O propósito
da política externa chinesa é fazer com o que o país retome
o seu lugar natural. Dessa forma, dentro da perspectiva chinesa, desde o início do século XX, ocorre um processo de
retomada de longo prazo, com foco no desenvolvimento,
que não deve ser percebido como ameaça.
O conceito de “ascensão pacíica” foi elaborado por
Zheng78 no intuito de demonstrar à sociedade internacional
que o efetivo crescimento chinês somente ocorreria em
um ambiente de estabilidade, cooperação e segurança. A
ideia era oferecer um contraponto à teoria ocidental da
77
78
Returning Power.
Zheng Bijian é acadêmico, foi membro do comitê central do
Partido Comunista e sempre teve acesso às lideranças do partido.
Trata-se de igura inluente no meio político chinês, foi responsável por escrever discursos fundamentais de Deng Xiaoping e foi
assessor de Hu Jintao. Como articulador político respeitado, foi
instrumental para que o conceito de “ascensão pacíica” tivesse
aceitação e passasse a ser diretriz da política externa da China
(GLASER; MEDEIROS, 2007).
187
“ameaça chinesa”79. Para tanto, airmava-se não só que a
China almejava a paz como oportunidade de ascensão
internacional, mas também deveria promover mudanças
internas que repercutiriam de forma positiva em termos
mundiais, tais como enfrentar questões ambientais,
manutenção da estabilidade política e promoção do
desenvolvimento social (THORNTON, 2005).
O discurso proferido por Zheng no Fórum de Bo’ao
para Ásia em 2003 foi o marco para incorporação da expressão ao discurso oicial chinês. Em sua fala, Zheng buscou
esclarecer como a ascensão chinesa deve ser entendida e
como interpretar essa ascensão dentro do ambiente de relações entre China e Ásia. Nesse contexto, a China procuraria
maior inserção na economia global, trabalharia para que
obtivesse desenvolvimento autônomo e a paz, sem jamais
almejar a hegemonia (ZHENG, 2003, p. 15).
Ocorre que o conceito de ascensão pacíica sofreu
uma série de ataques, uma vez que foi compreendido
como propósito chinês de crescimento e alteração da
ordem internacional que necessariamente conduziria
à instabilidade nas áreas econômica e de segurança.
Uma parte substantiva dos autores que sustentavam essa
posição associou imediatamente a ascensão chinesa ao
caminho percorrido pela Alemanha na Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
Apesar das intenções do governo chinês ao reforçar o conceito no discurso oicial, esse foi objeto de
críticas não só fora do país, mas também internamente.
Opositores internos airmavam que o conceito de ascensão pacíica (和平崛起)fazia com que a China se
apresentasse como fraca, outros entendiam ser o conceito muito simplista para um mundo complexo e havia
ainda os que airmavam ser impossível a ascensão, já que
79
China Threat.
188
seria impedida por demais potências e, mesmo se houvesse a possibilidade, não aconteceria de forma pacíica
(THONRTON, 2005, p. vi).
Críticos ao conceito, no exterior, airmavam ser impossível a ascensão pacíica de uma grande potência. Segundo Mearsheimer, a China tentará obter o domínio da
Ásia para tornar-se um hegemona local. No entanto, antes
mesmo que isso aconteça, os Estados Unidos, assim como
izeram com a ex-União Soviética, não medirão esforços
para conter a ascensão chinesa e a enfraquecerão (MEARSHEIMER, 2005, p. 9). Dessa forma, por mais que a
ascensão pacíica estivesse ocorrendo nos últimos 30 anos,
nos moldes explicitados pelo governo chinês, o conceito
foi objeto de suspeitas e críticas.
Em 2004, também no Fórum de Bo’ao para a Ásia,
a expressão desenvolvimento pacíico (和平发展) tomou
o lugar de ascensão pacíica e passou a ser adotada no
discurso oicial. Em 2005, em discurso proferido durante
60a AGNU, Hu Jintao reforçou o posicionamento chinês
em dar prioridade à paz, cooperação e desenvolvimento.
Airmou a necessidade de adoção de um novo conceito de
segurança “caracterizado pela coniança mútua, benefício
mútuo, igualdade e cooperação” (JINTAO, 2005).
Também no ano de 2005, o governo chinês divulgou
um white paper denominado “A rota do desenvolvimento
pacíico chinês”, no qual não mais havia menção à terminologia “ascensão pacíica” e explicitava as intenções do país
em sua trajetória em direção ao desenvolvimento. Segundo
o documento, o povo chinês trabalha para que a China
seja um país “próspero, poderoso, democrático, civilizado e
harmonioso” (STATE…, 2005). A China posiciona-se no
documento como o maior país em desenvolvimento do
mundo, que enfrenta uma série de diiculdades. Acredita
que o próprio crescimento acarretará um ambiente de
prosperidade e paz internacional.
189
O discurso chinês apoia o desenvolvimento pacíico
dentro de postura histórica e cultural. Assim, há ênfase no
confucionismo a partir da perspectiva de não agressão e
busca de harmonia. Hu Jintao airmou que a China, “desde os tempos antigos, tem tido uma excelente tradição
de sinceridade, benevolência, bondade e coniança para
com os vizinhos. O objetivo da política externa da China
é manter a paz mundial e promover o desenvolvimento
comum” (JINTAO, 2004). A perspectiva chinesa entende
a história como um contínuo de quedas e ajustes de forma
que a melhor postura a ser adotada é crescer em harmonia
(KISSINGER, 2012).
Ainda dentro do aspecto histórico, as comemorações
dos 600 anos das expedições de Zheng He estavam intrinsecamente ligadas à consolidação da ideia de paciismo chinês. Entre 1404 e 1433, a frota comandada por Zheng He,
composta por mais de 200 navios e quase 30 mil homens,
partiu do sudeste asiático e chegou à África, utilizando-se
de equipamentos com tecnologia mais avançada do que
disponível no continente europeu (CHENG, 2012). O governo chinês celebrou a bravura, a nobreza e o patriotismo
imbuídos nesses eventos e deu especial destaque ao fato de
que, em momento algum, havia o intuito de ocupação ou
exploração de outros territórios.
Como consta de documentos oiciais, o que Zheng
He “trouxe para o mundo exterior foi paz e civilização,
o que relete plenamente a boa-fé do antigo povo chinês
em reforçar os intercâmbios com os países relevantes e
seus povos” (STATE…, 2005). O intuito, além de salientar
a imagem de tradição paciista chinesa, foi de estabelecer
contraste com a expansão marítima europeia que subjugou
povos nativos e conquistou territórios. Há, portanto,
preocupação em enfatizar que o crescimento chinês não
levará à expansão territorial. O discurso chinês busca
reforçar, principalmente para os países vizinhos, que o
190
desenvolvimento acontecerá por meio de cooperação e que
eventuais disputas serão resolvidas por meio de negociação,
de forma amigável.
Outro conceito fundamental para o desenvolvimento
pacíico, com base no confucionismo, é o de “sociedade
harmoniosa”. Elaborado durante o governo Jiang Zemin
e implementado no governo Hu Jintao foi, a princípio,
utilizado para questões internas, reletindo a preocupação
como o aumento da desigualdade social que possivelmente
levaria à protestos e instabilidade política. A ideia foi transposta para o âmbito internacional ao abranger também o
intuito de promoção de paz e cooperação internacionais
e, dentro desse contexto passou a ser denominada “mundo
harmonioso”. A partir dessa perspectiva, o governo chinês
evitava tomar posicionamentos contundentes nas questões
internacionais, como o objetivo principal de garantir um
ambiente de estabilidade (KISSINGER, 2012).
O desenvolvimento pacíico tem ainda por base os
cinco princípios da coexistência pacíica: respeito à integridade territorial e soberania; não interferência nos assuntos
internos; igualdade e benefício mútuo; não agressão; e coexistência pacíica. Os princípios foram apresentados pela
primeira vez em 1953, quando uma delegação indiana foi a
Pequim para negociação acerca do Tibete (CHENG, 2012).
Os princípios foram incorporados ao acordo e desde então
servem de norte para a política externa chinesa. No mesmo
ano, por ocasião da visita de Zhou Enlai à India, os dois
primeiros-ministros airmaram que se aplicam não apenas
às relações China-Índia, mas se estendem a toda Ásia e ao
mundo (CHENG, 2012). Desde então, cinco princípios são
reairmados, individualmente ou em conjunto, para justiicar o posicionamento Chinês em questões internacionais.
Em junho de 2014, Xi Jinping proferiu discurso comemorativo aos 60 anos do estabelecimento dos cinco
princípios de cooperação pacíica intitulado “Levar adiante
191
os Cinco Princípios de Coexistência Pacíica para construir
um mundo melhor por meio da cooperação win-win”80 (XI,
2014, [s.p.], tradução nossa). Em sua mensagem, Xi Jinping
defende o desenvolvimento pacíico chinês ao airmar que:
A China não subscreve à noção de que um país
deve buscar a hegemonia quando cresce em força.
Hegemonia ou militarismo simplesmente não
estão nos genes dos chineses. China vai inabalavelmente perseguir o desenvolvimento pacíico,
porque é bom para a China, bom para a Ásia e
bom para o mundo. Nada pode enfraquecer o
compromisso da China para desenvolvimento
pacíico.A China defende irmemente seus interesses de soberania, segurança e desenvolvimento
e apoio a outros países, países em desenvolvimento
em particular, em fazer o mesmo. A China não
interfere nos assuntos internos de outros países,
nem impõe sua vontade aos outros. Nunca buscará a hegemonia, não importa o quão forte possa
tornar-se81 (XI, 2014, [s.p.], tradução nossa).
Existe, portanto, preocupação do governo em enfatizar
que o desenvolvimento não levará à busca de hegemonia
em rebater as teorias de “ameaça chinesa”. No white paper,
80
81
“Carry forward the Five Principles of Peaceful Coexistence to build
a better world through win-win cooperation”.
“China does not subscribe to the notion that a country is bound to
seek hegemony when it grows in strength. Hegemony or militarism
is simply not in the genes of the Chinese. China will unswervingly
pursue peaceful development, because it is good for China, good
for Asia and good for the world. Nothing can ever weaken China’s
commitment to peaceful development. China irmly upholds its
sovereignty, security and development interests and supports other
countries, developing countries in particular, in doing the same.
China neither interferes in other countries’ internal afairs nor
imposes its will on others. It will never seek hegemony no matter
how strong it may become.”
192
“o desenvolvimento pacíico chinês” publicado em 2011,
o governo mais uma vez reforça o conceito ao airmar que
o crescimento do país ocorrerá por recursos próprios e que
“nunca se envolve em agressões ou expansão, nunca busca a
hegemonia, e continua a ser uma força irme para defender
a paz e a estabilidade regional e mundial” (STATE…, 2011).
Yan salienta que existem duas possíveis consequências da
ascensão chinesa: a repetição de uma ordem hegemônica nos
termos criados pelos Estados Unidos ou o estabelecimento
de uma nova ordem. Para que isso aconteça, será necessária
não só a alteração da estrutura de poder, mas também das
normas internacionais (YAN, 2011). Em termos globais, o
comportamento da China pode ser observado na forma
como lida com mecanismos multilaterais: participação ativa
em organizações já estabelecidas onde enxerga a possibilidade
de defesa de seus interesses ou estímulo à criação de novas
organizações multilaterais em que possa, de fato, exercer
inluência para consecução de seus objetivos.
Apesar de manter política externa multidirecional, o
peso da atuação chinesa é voltado para questões regionais
(KAVALSKI, 2009). Uma das estratégias adotadas pode
ser resumida na seguinte postura: “participar ativamente, demonstrar limites, oferecer garantias, abrir mercados,
fomentar interdependência, criar interesses comuns e reduzir conlitos” (ZHANG; TANG, 2005). Dessa forma, a
participação mais ativa em fóruns regionais é uma maneira
eiciente de colocar em prática essas pretensões.
O regionalismo chinês desenvolve-se no contexto de
“comunidade de prática”82, em que um grupo de atores,
durante certo período, adota determinadas práticas, formais
ou informais, para atingir objetivos comuns. Nesse ambiente, a China adota o discurso de “harmonia na diversidade”83
82
83
“community of practice”.
“harmony in diversity”.
193
(KAVALSKI, 2009) que relete a percepção de respeito aos
demais atores e a busca pela solução pacíica de controvérsias. Além disso, há a recusa em participar de organizações
coletivas de segurança ou estabelecer alianças formais. Dessa
forma, reluta em participar de organizações com órgãos de
adjudicação independentes ou que tenham tribunais que
admitam como parte atores não estatais (PALTIEL, 2009).
A aspiração chinesa de reemergência paciica é reforçada no discurso aplicado às relações regionais no contexto
das disputas do Mar do Sul da China. No entanto, intensiicação de laços regionais não impediu que, nos anos de
2009 e 2010, a China se indispusesse com boa parte de
seus vizinhos e passasse a adotar posições mais “assertivas”
(SWAINE, 2010, p. 1-19). Assim, houve atritos com Vietnã e Filipinas, além das controversas construções de bases
aéreas em regiões disputadas. Apesar desses incidentes, a
China insiste na solução pacíica dos conlitos e utiliza-se
de foros regionais como mecanismo de pressão para assegurar seus interesses.
OS CONFLITOS NO MAR
DO SUL DA CHINA
O Mar do Sul da China é composto por mais de 200
ilhas, rochedos e recifes de corais agrupados principalmente
nos arquipélagos Paracels e Spratly. Essas formações são
objeto de disputas por parte da China, Vietnã, Filipinas,
Malásia e Brunei, uma vez que as supostas zonas contíguas
se sobrepõem. Na região em disputa estão aproximadamente 11 bilhões de barris de petróleo, 58 trilhões de metros
cúbicos de gás natural, onde, além de importantes reservas
de peixe, transitam 5,3 trilhões de dólares do comércio
mundial (SCHONHARDT; CHATURVEDI, 2016). A
China reivindica cerca de 90% da região e, na história recente, começou a demarcar seus limites em 1949, durante o
governo nacionalista do Kuomintang, ao inserir nos mapas
194
uma linha de 11 traços. Em 1953, houve uma reavaliação
da área e a linha passou a ter nove traços onde se localiza
o atual pleito chinês.
Na Convenção de São Francisco de 1951, que pôs
im à Segunda Guerra Mundial, o Japão renunciava toda
área em questão, que estava sob seu domínio. Ocorre, no
entanto, que não icou determinado a quem pertenceriam
as ilhas. Nesse momento, a China passava pelo caos interno,
com a derrota o Partido Nacionalista e tomada de poder
pelo Partido Comunista e, assim, não tinha condições de
agir para ocupar os territórios que julgava seus. Ao mesmo
tempo, os países da região, que também reivindicavam as
ilhas, movimentavam-se para tomar posse.
O pleito chinês baseia-se, principalmente no que entende ser o direito histórico sobre a região. Nesse sentido
utiliza-se de fatos como o protesto diplomático contra
os britânicos, que aportaram navios nas Ilhas Spratly em
1877 ou ainda o tratado de limites assinado com a França
em 1887, que designava a região como domínio chinês.
No entanto, as ilhas foram incorporadas à Indochina pela
França em 1933, e, em 1939, o Japão ocupou boa parte do
arquipélago (BUSZYNKI; SAZLAN, 2007, p. 145).
Ocorre que, com base no Direito Internacional, requer-se ocupação contínua e efetiva, e o pleito baseado em
fatos históricos não é o suiciente para que se determine a
posse do território. A China entende ainda que foi injustiçada quando da assinatura da Carta de São Francisco, uma
vez que a delegação dos Estados Unidos na Conferência
não permitiria a posse dos territórios por um Estado comunista (BUSZYNKI; SAZLAN, 2007, p. 147).
O Vietnã também pleiteia parte signiicativa da região
com base, principalmente, em direitos históricos. Assim,
airma que as Ilhas Paracels eram parte de seu território
do século XVI ao século XIX; além disso, airma que as
Ilhas Spratly foram incorporadas ao seu território em 1933,
195
pela França. Apesar do Vietnã do Norte ter declarado em
1958 que os territórios pertenciam à China, quando da
reuniicação do país, em 1975, repudiou a declaração anterior e ocupou 13 ilhas no arquipélago Spratly. Em 1977, o
Vietnã estabeleceu na região das ilhas ocupadas uma zona
econômica exclusiva de 200 milhas náuticas; além disso,
conseguiu comprovar ocupação efetiva de mais de 20 ilhas
no arquipélago de Spratly a partir de 1989 (BUSZYNKI;
SAZLAN, 2007, p. 146).
Os demais Estados envolvidos na disputa territorial
utilizam-se, principalmente, dos conceitos de plataforma
continental e áreas contíguas estabelecidas na Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar84 (UNCLOS) de
1982.Assim é o caso das Filipinas em relação a algumas ilhas
no arquipélago Spratly que são consideradas zonas contíguas
a seu território. Essas ilhas foram objeto de protesto quando
da incorporação francesa em 1933, com respaldo dos Estados
Unidos, que ocupavam as Filipinas à época. Em 1956, as
Ilhas Spratly foram ocupadas pelos Estados Unidos e designadas como território ilipino, passando a ser denominadas
Kalayaan. Em 1978, o governo ilipino publicou decreto
incorporando ilhas em Spratly/Kalayaan e estabelecendo, a
partir delas, zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas.
O pleito da Malásia também tem por base o direito
internacional. Em 1979 estendeu sua plataforma continental de forma que parte das Spratly fosse incorporada a seu
território. A partir de 1983 passou a ocupar recifes e suas
demandas territoriais passaram a se sobrepor às das Filipinas e tensões entre os dois Estados aumentaram. Os dois
Estados estabeleceram um fait accompli, mas, até o presente,
não há solução deinitiva sobre a controvérsia.
Apesar de não ter efetivado demanda formal, Brunei se encaixa na região em disputa pelo fato de que sua
84
Também denominada Convenção de Montego Bay.
196
zona econômica exclusiva, assim como determinada na
UNCLOS, adentra o arquipélago Spratly, em região reivindicada tanto pela Malásia como pelo Vietnã. A Malásia
iniciou exploração de petróleo na região que considera
de seu domínio, mas que adentrava a zona econômica exclusiva de Brunei e tensões escalaram na região. As partes
chegaram a um acordo em 2009.
As disputas territoriais entre a China e quatro Estados-membros da ASEAN levaram a que a associação se tornasse
palco de negociações e ao estabelecimento de acordos
acerca do Mar do Sul da China. A ASEAN buscava uma
aproximação com a China em uma relação de benefício
mútuo que, de alguma forma, controlasse o que julgavam
ser uma postura agressiva chinesa. A China, por sua vez,
buscava reforçar suas relações com os países da região e demonstrar suas pretensões pacíicas. Nesse sentido, o Fórum
Regional da ASEAN tornou-se o principal mecanismo de
diálogo acerca das questões que envolvem o Mar do Sul
da China (CHEN;YANG, 2013, p. 268).
Um dos principais documentos resultantes desse diálogo foi a Declaração de Conduta das Partes no Mar do
Sul da China (DOC). Nos termos da declaração, os países
da região reairmaram seu compromisso de respeitar a UNCLOS e o direito internacional. Além disso, asseguraram
que as eventuais controvérsias acerca dos limites territoriais
na região seriam resolvidas de forma pacíica,“por meio de
consultas e negociações amigáveis entre os Estados soberanos diretamente envolvidos, de acordo com os princípios
universalmente reconhecidos do direito internacional”
(DOC, 2002, [s.p.]), inclusive a UNCLOS.
Apesar dos esforços da ASEAN e China em manter
a estabilidade da região, tensões pontuais têm se tornado
frequentes. Além da diiculdade em deinir limites territoriais na região, considerando pleitos de direitos históricos
e ocupação efetiva, a UNCLOS apresenta alguns artigos
197
que tornam a questão ainda mais complexa. O artigo 121,
que trata do regime das ilhas, declara que “os rochedos, que
por si próprios não se prestam à habitação humana ou à
vida econômica, não devem ter zona econômica exclusiva
nem plataforma continental” (ONU, 1982). Ocorre, no
entanto, que parte substantiva das reivindicações territoriais
diz respeito a rochedos e recifes onde não há possibilidade
de subsistência humana.
Uma das principais controvérsias envolvendo a China
na região está na ocupação de formações rochosas a partir
de onde se constroem ilhas artiiciais. Ao agir dessa forma,
Pequim transforma esses territórios em ilhas, dentro do
disposto na UNCLOS. Assim, pretende garantir a comprovação de ocupação efetiva, a possibilidade de determinação
de mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma
continental, além de garantir a segurança em pontos estratégicos da região.
Apesar de veementes protestos de Vietnã e Filipinas, a
China prossegue com a construção de infraestrutura, que
inclui duas pistas de pouso e decolagem nos recifes Subi e
Mischief, no arquipélago Spratly. Pequim airma que o uso
das instalações é exclusivamente civil. Em fevereiro de 2016,
apesar da negativa da China, foi noticiada a instalação de
uma bateria de mísseis HQ-9 nas ilhas Woody/Yongxing
Dao, no arquipélago Paracels (BBC, 2016). Esses mísseis
têm a capacidade de atingir aeronaves, bem como mísseis
balísticos ainda em curso. A possível militarização da região
gerou protestos do Vietnã, Taiwan e Japão, apoiados pelos
Estados Unidos (FOREIGN POLICY, 2016).
Outra questão que recentemente elevou o nível de
tensão na região foi a controvérsia envolvendo a China
e as Filipinas. As tensões recentes entre os dois Estados
quanto aos limites territoriais tiveram origem em 1995,
quando a China iniciou construção no coral de Mischief.
Apesar de não chegarem a um acordo formal, as relações
198
se estabilizaram e ambas as partes assinaram a DOC da
ASEAN em 2002.
Em 2011, novos atritos ocorreram em virtude da
interferência de navios chineses em prospecção realizada
pelas Filipinas na região denominada Reed Bank, próxima à ilha ilipina da Palawan. Logo após o incidente, as
Filipinas abriram licitações para consórcios de exploração
de petróleo, o que gerou protestos chineses. As tensões
aumentaram e várias notas de protesto de ambas as partes
foram emitidas, até que a imprensa chinesa noticiou a
possibilidade de ação militar. Em 2012, navios chineses e
ilipinos se confrontaram na região do Atol de Scarborough.
Um acordo de retirada mútua foi realizado, mas, pouco
tempo depois, navios chineses retornaram à região, onde
continuam posicionados.
Em janeiro de 2013, as Filipinas decidiram dar
entrada no procedimento arbitral, junto à Corte Permanente de Arbitragem (CPA), conforme previsto na
UNCLOS. A China rejeitou o procedimento arbitral e
devolveu a notiicação feita para as Filipinas. Apesar dos
protestos chineses, o tribunal foi composto e as Filipinas
apresentaram memorial em 2014 após o aumento das
tensões entre os dois Estados na região denominada
Second Thomas Shoal. A China novamente rejeitou a
arbitragem e se recusou a apresentar seu memorial. A
decisão da CPA foi proferida em 12 de julho de 2016
e deu ganho de causa às Filipinas de forma unânime. A
Corte entendeu que a China não detém direito histórico
sobre o território compreendido nas nove linhas.
A decisão da Corte gerou veementes protestos por parte
da China, que prontamente repudiou a sentença. Pequim
segue no sentido de chamar ao diálogo e resolver a disputa
por meio de negociações e consultas, nos termos estabelecido
na DOC (ZHONG, 2016).Apesar da inquietação causada na
região logo após o anúncio da sentença, o posicionamento de
199
Manila evitou maiores desgastes. O novo presidente ilipino,
Rodrigo Duterte, que tomou posse em 30 de junho de 2016,
tem posição mais favorável e sinalizou mudanças nas relações
com Pequim. Duterte enviou o ex-presidente das Filipinas,
Fidel Ramos, a Hong Kong no início de agosto para iniciar
negociações a respeito das ilhas em disputa.
A China busca a solução dos conlitos por meio de
acordos bilaterais na região. Apesar das controversas construções, segue com discurso de não militarização da região
e reairma suas intenções pacíicas. Utiliza-se de foros regionais como a ASEAN para buscar apoio em suas pretensões ao mesmo tempo que bloqueia declarações conjuntas
contrárias a seus interesses. Por seu turno,Vietnã, Filipinas
e, em menor escala, Brunei e Malásia buscam, via ASEAN,
vincular a China a normas que limitariam, principalmente,
as construções nos arquipélagos da região. Essas tentativas
têm sido frustradas não só pela negativa de Pequim realizar
acordos multilaterais, mas também pelo desinteresse dos
demais membros em afrontar a China (HAYTON, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objeto a reemergência
chinesa na ordem internacional contemporânea e seus
desdobramentos na região do Mar do Sul da China. Para
que se possa compreender o reposicionamento da China,
faz-se necessário conhecer os conceitos da política externa,
que tem por base princípios como paz e harmonia, fundamentados no confucionismo. A evolução desses conceitos,
intimamente ligados à história chinesa, chega aos dias de
hoje com os cinco princípios da coexistência pacíica, a
ideia de ascensão/desenvolvimento pacíico com o propósito de alcançar o “sonho chinês”.
Tendo em vista a apreensão causada acerca de como a
China se reposicionará no sistema internacional, o discurso
do governo chinês coloca ênfase nas pretensões pacíicas
200
e no propósito de desenvolvimento. Dessa forma, Pequim
passa a tomar postura mais ativa em foros multilaterais ali
buscando suporte para a consecução de seus objetivos. Uma
vez que o principal foco de interesse chinês é regional, há
uma crescente participação em foros asiáticos.
A intensiicação do regionalismo chinês na Ásia está
diretamente ligada às disputas territoriais no Mar do Sul
da China. A região é alvo de disputa principalmente com
Vietnã, Filipinas, Malásia e Brunei e as tensões vêm aumentando nas últimas décadas. A China tornou-se mais atuante
nos foros regionais, em que busca impedir movimentações
contrárias a seus interesses, ao mesmo tempo que traça
alianças. Em termos dos conlitos na região, a ASEAN é o
principal organismo de articulação regional.
Episódios recentes na região disputada demonstram a
complexidade das questões envolvidas e a diiculdade em
solucioná-las. Apesar da postura assertiva na defesa de seus
interesses, que inclui construções de bases em arquipélagos
locais, Pequim mantém o discurso baseado em ideais pacíicos e a busca pelo diálogo e negociações para pôr im aos
conlitos. O Mar do Sul da China é diretamente impactado
pela reemergência chinesa. Ali a pretensão de alcançar o
desenvolvimento pacíico e, consequentemente, o “sonho
chinês” é constantemente colocada à prova.
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203
O BRASIL E A CHINA
NA ATUALIDADE:
PERSPECTIVAS SOBRE O
APROFUNDAMENTO DA COOPERAÇÃO
DESIGUAL A PARTIR DO COMÉRCIO,
DOS INVESTIMENTOS E DO CRÉDITO
Javier Vadell
Pedro Neves
INTRODUÇÃO
A China e o Brasil amparam-se em um novo arranjo sobre a economia política internacional. A partir das
primeiras discussões e construções políticas em torno das
ações voltadas para o Sul Global, ambos os Estados têm
aumentado os eixos de cooperação, os quais têm fortalecido
as suas relações econômicas na última década e meia. Sobre
os eixos de cooperação, presume-se uma série de formas
capazes que estreitar os Estados em um processo amplo de
coordenação de ações em setores especíicos. Essa consideração pode ser compreendida por um enquadramento dos
interesses dos Estados. Assim, esse enquadramento organiza-se pela economia (comércio, investimentos e crédito),
política internacional (inserção nas agendas multilaterais e
a conformidade com os temas de segurança) e pela política
regional (cooperação bilateral e agendas recortadas nos
fóruns BRICS e China-CELAC).
Esses enquadramentos são nortes de agenda política
entre os Estados e, ainda, podem ser reorganizados conforme a orientação da própria República Popular da China
(RPC) a partir do Fórum China-CELAC, como salientado
205
7
por Leite e Ramos (2017). Assim, os temas antes separados
convergem em uma agenda única: relações políticas, agenda de comércio e investimentos em infraestrutura, além
da multiplicação de ações para energia e mineração. Por
certo, os eixos do crescente vínculo se dão nas dimensões:
econômica (comércio, investimentos e crédito); política
(agenda multilateral, bilateral em segurança, cultura e educação); e regional (conforme o novo regionalismo a partir
dos estreitamentos cooperativos no marco do Sul Global).
Frente a essa breve observação acerca dos interesses
que unem o Brasil e a China na atualidade, o presente
capítulo tem como objetivo analisar esta construção em
dois grandes atos. Observa-se, logo, um aprofundamento
das relações materiais entre ambos os governos nos últimos 15 anos. Em segundo lugar, este capítulo avança em
uma discussão sobre a importância desse vínculo e suas
implicações regionais.
Nesses termos, a primeira seção faz uma discussão
sobre a importância da China para a América Latina na
atualidade. Pretende-se avaliar as condições de interdependência entre as econômicas a partir de um viés crítico que
possibilita compreender possíveis efeitos relacionados aos
avanços desta relação dentro do marco do go global/going out
da RPC. Por im, em referência ao movimento go global/
going out, a América Latina e o Caribe (ALC) entra no hall
das regiões de destaque ao interesse chinês em um amplo
processo, guiado pelo aprofundamento comercial. Como
destacado por Heidelberg e Sangmeister (2008), Medeiros
e Cintra (2015) e Strauss (2012), a ALC está no foco das
grandes buscas de China no mundo.
A segunda seção aborda a interação Brasil-China
como aprofundamento da cooperação chinesa no marco
do projeto go global/going out. A exposição desta relação
será guiada por três grandes eixos: o comércio, os investimentos e o crédito. O valor agregado dos três eixos indica
206
um saldo de US$ 450 bilhões para a economia brasileira.
Apesar de não se observar uma integração direta entre os
eixos, presume-se um incremento na cooperação político-econômica entre ambos os atores.
A AMÉRICA LATINA E O CARIBE
E O CAPITAL CHINÊS:
O EFEITO COMERCIAL
A ALC tem atravessado um novo paradigma político-econômico na história. Nascida em um contexto
de ordenamentos produtivos e inanceiros no cerne da
dinamização econômica europeia, a região se reorienta à
Ásia e, especiicamente, à condição político-econômica
chinesa. Em menos de duas décadas, a pujante economia
chinesa sai de uma condição secundária para ocupar uma
posição de destaque para a região. Apesar da relação chinesa no espaço latino-americano não pressupor os mesmos
mecanismos de inserção, a China é o principal ator para
inserção econômica internacional dos países da América
Latina. Nesse sentido, enquanto o nosso passado se remonta às demandas e às oportunidades advindas do eixo
norte do capitalismo global, o século XXI reorienta-nos,
seguindo uma lógica mais ampla, conforme indicado por
Gunder-Frank (1998).
A reorientação latino-americana precisa ser compreendida no cerne da economia global, ou, conforme airma
Gunder-Frank (1998), a partir da compreensão sobre como
os centros dinâmicos da economia alteram e determinam
a ordem da produção, do comércio, do crédito e dos investimos no sistema internacional. Por certo, no quadro
econômico proposto por Gunder-Frank há, logo, espaço
para Arrighi (1996) e as demais preocupações acerca das
transições hegemônicas históricas. Alterações que se organizam a partir das mudanças nas ordens de acumulação no
sistema internacional. Há diferenças entre ambos os autores,
207
mas a ascensão global chinesa, por certo, avalia-se com
prudência, sob o ângulo da defesa de um reordenamento
sistêmico, em favor de uma nova condição econômica
sinocêntrica na história. Entretanto, no Sul Global, há um
reordenamento político econômico de grande importância
para os diversos projetos de desenvolvimento e crescimento
das nações subdesenvolvidas e em desenvolvimento. E este
reordenamento passa pelas transformações asiáticas.
As décadas inais do século XX, e os principais eventos
globais atidos a este período, não indicaram a coniguração
sino-latino-americana da atualidade. Gálvez (2012) aponta
para a ausência da China na região nas décadas passadas.
Em pouco mais de uma década a China migra da quase
ausência para a posição principal nas relações econômicas
com a ALC. São os efeitos materiais do going out chinês
que determinam a pegada chinesa na região (ARMONY;
STRAUSS, 2012). Assim, é possível airmar que, após a
orientação acerca do desenvolvimento harmonioso, via
Jiang Zemin, na década de 1990, a América Latina estreita seu laços com o gigante asiático (ODGAARD, 2013;
SHIXUE, 2006).
Em caráter histórico, a proximidade chinesa representa
uma quarta etapa histórica de inserção da região no capitalismo global. Gallagher (2016), seguindo essa discussão,
identiica três grandes momentos da região no capitalismo
global. O primeiro, com o superciclo de crescimento da
Europa, a partir da segunda metade do século XIX. Nesse
momento, a elevada demanda por matéria-prima contribuiu
para a elevação dos preços das mercadorias. Nesse contexto,
a ALC se inseriu numa fase especíica de circulação e concentração do capital como produtora de matérias-primas.
A segunda etapa é demarcada pelas práticas voltadas para a
substituição de importações, erguidas no marco do Estado
de bem-estar social. É nesse período que nos países desenvolvidos se alterna a ordem liberal clássica para as linhas do
208
liberalismo controlado, em uma plataforma comercial-econômica multilateral, como defende Ruggie (1982).A terceira etapa representa a ordem via Consenso de Washington,
imbuída da ideologia neoliberal que constituiu os ajustes
após a crise da dívida externa, conforme o entendimento
dos credores e das organizações inanceiras internacionais.
Após cada uma dessas etapas, é possível avaliar alternâncias
na região que caminha conforme o paradigma econômico-político internacional. Nesse sentido, a ALC se insere nas
superestruturas institucionais do capitalismo global como
uma região agregada, a qual intercambia relações com os
centros da acumulação de capital, conforme os interesses
e demandas organizadas em cada período histórico. Essa
observação sobre a orientação secundária permite recuperar
a preocupação de Amin (1976) sobre as extroversões das
economias periféricas. Nesse sentido, avalia-se a extroversão
da ALC enquanto uma marca das nações subdesenvolvidas
com orientação produtiva primária como condição ixa
para participação dentro do capitalismo global.
A quarta etapa indica uma mudança de eixo de inserção. Todavia, a sua substância não permite defender que a
relação sino-latino-americana implica um rompimento das
estruturas históricas de atraso e de subdesenvolvimento. A
partir de Ferchen (2011, 2012), observa-se que em quatro
décadas de crescimento chinês os latino-americanos passam
a comungar da onda chinesa apenas nos últimas 15 anos.
Há um risco no envolvimento econômico com a China,
entretanto, na atualidade, este envolvimento implica uma
relação estratégica. Não Obstante, em um olhar mais amplo não se observa uma substituição quanto à forma de
envolvimento das nações latino-americanas no quadro do
capitalismo global. Altera-se o eixo, mas a substância político-econômica apresenta verossimilhanças, seja para o Brasil,
assim como para os demais Estados que têm na economia
chinesa um paradoxo. E por esse paradoxo une-se o salva209
mento das contas nacionais do presente com a reprodução
de uma nova escala de dependência em longo prazo.
A ordem deste paradoxo é irmada a partir das reformas que guiaram a China para um status socialista de
mercado.Vincula-se ao desenvolvimento pacíico a égide
da internacionalização do capitalismo chinês, o qual determina a promoção de um desenvolvimento e de uma
prosperidade conjunta aos Estados do Sul Global85:
O objetivo geral da China de prosseguir com o
desenvolvimento pacíico é promover o desenvolvimento e a harmonia no país e prosseguir a
cooperação e a paz internacionalmente. Especiicamente, isso signiica que a China se esforçará para
tornar a vida melhor para o seu povo e contribuir
para o progresso humano através do trabalho árduo, da inovação e da reforma realizada pelo povo
chinês e pelas crescentes relações de longo prazo
e promover a igualdade e cooperação mutuamente benéica com outros países. Isto se tornou
um compromisso nacional que se manifesta nas
estratégias de desenvolvimento nacional, e os progressos realizados no decurso do desenvolvimento
da China.86 (CHINA, 2011, p. 5, tradução nossa)
85
86
O Peaceful Development chinês é um argumento de resposta do
governo chinês às airmações sobre os demais termos sobre o crescimento da China, atidos em: peaceful rising, new rising/late rasing e
re-emergence
“China’s overall goal of pursuing peaceful development is to promote development and harmony domestically and pursue cooperation
and peace internationally. Speciically, this means that China will
endeavor to make life better for its people and contribute to human
progress through hard work, innovation and reform carried out
by the Chinese people and growing long term friendly relations
and promoting equality and mutually beneicial cooperation with
other countries.This has become a national commitment which is
manifest in strategies for national development, and progress made
in the course of China’s development.”
210
Em outro documento é pontuada a importância dada
pelo governo chinês ao quadro do desenvolvimento pacíico/harmonioso. Assim, via o Policy Paper de entendimento
da China sobre a América Latina e o Caribe, lançado em
2008 e atualizado em 2016, sela-se a unidade sino-latino-americana dos tempos atuais (CHINA, 2016; CREUTZFELDT, 2014). Nesses termos:
Como o maior país em desenvolvimento do
mundo, a China está empenhada no caminho
do desenvolvimento pacíico e na estratégia
de abertura de win-win. Está pronta a levar a
cabo uma cooperação amigável com todos
os países com base nos Cinco Princípios da
Coexistência Pacíica e construir um mundo
harmonioso de paz duradoura e prosperidade
comum. Os países da América Latina e do Caribe são uma parte importante do mundo em
desenvolvimento e uma força importante na
arena internacional. Sob novas circunstâncias,
o desenvolvimento das relações entre a China
e os países da América Latina e do Caribe
enfrenta novas oportunidades. Ao emitir este
documento de política sobre a América Latina e
o Caribe, o governo chinês pretende esclarecer
os objetivos da política da China nesta região,
esboçar os princípios orientadores para a cooperação futura entre os dois lados em vários
campos e sustentar o sólido, contínuo e global
das relações da China com a América Latina e
o Caribe87. (CHINA, 2008, p. 1)
87
“As the largest developing country in the world, China is committed to the path of peaceful development and the win-win
strategy of opening-up. It is ready to carry out friendly cooperation with all countries on the basis of the Five Principles of
Peaceful Coexistence and build a harmonious world of durable
peace and common prosperity. Latin American and Caribbean
countries are an important part of the developing world and a
211
É neste ritmo de argumentos que o governo lista as
cinco grandes áreas da cooperação de aproximação chinesa
à ALC. A proposta de um jogo de ganhos mútuos – win-win – se soma à lógica do desenvolvimento pacíico. Essa
união permite à China reorganizar a sua internacionalização. Essa reorganização apresenta um forte eixo de
integração entre os interesses domésticos e internacionais
chineses, criando no internacional o espaço para se lograr
os objetivos do Estado. Nesse arranjo, o aprofundamento
das relações com a ALC pode se dividir em cinco grandes
tópicos: a cooperação política, a cooperação econômica,
a cooperação intercultural, a cooperação sobre a paz, a
segurança e os assuntos judiciais e a cooperação para
relação com as organizações regionais latino-americanas.
Esses tópicos ainda se subdividem, mas todos presumem
um resultado voltado para o aprofundamento das relações
da China com a ampla região.
O Fundo para a Cooperação China, América Latina
e Caribe, no marco do Fórum China-CELAC, sedimenta esse aprofundamento. O Fundo, ainda, executado
com aporte de capital via as duas principais estruturas
bancárias chinesas frente à internacionalização: o China Development Bank (CDB) e o China Exim Bank
(CEXIM), com capital gerenciado pelo BID. É preciso
compreender que a relação comercial entre China e ALC
não se conigura como uma atividade isolada. Há outras
major force in the international arena. Under new circumstances,
the development of relations between China and Latin American
and Caribbean countries is faced with new opportunities. In issuing this policy paper on Latin America and the Caribbean, the
Chinese Government aims to further clarify the goals of China’s
policy in this region, outline the guiding principles for future
cooperation between the two sides in various ields and sustain
the sound, steady and all-round growth of China’s relations with
Latin America and the Caribbean.”
212
variáveis econômico-política entre os demais atores, o
que permite associar o comércio com os transbordamentos em outros cenários, como nos investimentos e
nos créditos chineses para a região.
Uma primeira observação sobre a relação comercial China-CELAC, conforme a CEPAL, indica uma
relação contínua na construção de uma densa interdependência. A despeito da relevante discussão acerca
da reprimarização das economias latino-americanas
(MOREIRA, 2005), há espaço para um posicionamento
que a antecede: o crescimento relativo das importações
chinesas sobre a ALC em referência ao mundo. No
quadro geral, a China apresenta uma baixa importação
dos produtos latino-americanos. Entre 2001 e 2017, a
ALC apresentou um média de 5,32% sobre as importações globais chinesas. Apesar de a região ter triplicado
a sua participação no hall das importações chinesas,
no período recortado (2001 – 2,74% / 2016 – 6,41%),
figuram-se incertezas sobre essa relação. Há um amplo
quadro de variáveis que intervém nesse processo, mas
o elemento que primeiro precisa ser observado no
âmbito da interveniência é o aumento da demanda
chinesa por commodities (JARAMILLO; LEHMANN;
MORENO, 2009). Apesar do aumento desta demanda, as perspectivas do Fórum China-CELAC indicam
outras possibilidades. Conforme o gráfico que segue,
entre 2001 e 2006 a ALC representa uma participação
reduzida nas importações chinesas. A partir do momento no qual a China aumenta a sua expansão creditícia
para a região, em 2005, a participação passa a ganhar
novos contornos. E essa nova etapa guia a ALC e a
China para um aprofundamento de relações, as quais
institucionalizam-se a partir do fórum de cooperação
China-CELAC em 2015 (DUSSEL PETERS, 2015).
213
Gráico 1 – Importações China-América Latina,
valores relativos (%)
Fonte: Elaborado pelos autores com base em ITC Trade (2017).
Ainda, no marco da apresentação da estrutura comercial, o estudo da CEPAL (2015), conforme quadro a seguir,
reúne a relação comercial dos países da região com a China.
À frente nessa relação,Argentina, Brasil, Chile, México, Peru
e Venezuela somam, entre 2012 e 2015, US$ 79 bilhões em
exportações para a China. É por via dessas construções que
neste século XXI a China se tornou a principal parceira
econômica da região. Em uma observação recortada ao
quadro comercial, a China, seguida por Estados Unidos,
Alemanha, Japão e Holanda, encabeçam a lista dos principais
destinos das exportações latino-americanas. Apesar deste
breve capítulo não aprofundar nos termos qualitativos da
estrutura de exportação, os dados comparados entre esses
países ajudam a tecer a importância chinesa para a região.
Conforme os dados apresentados pelo Comtrade (UN)
e pelo ITC Trade, a ALC apresenta um valor agregado
acima dos US$ 300 bilhões em exportação, no período
entre 2001 e 2016. Os cinco países listados representam
36% deste mercado. Logo, dos US$ 76 bilhões registrados
pelos líderes em exportação dos produtos chineses, a China
214
apresenta 29% deste mercado. Assumindo a liderança sobre
os destinos das exportações latino-americanas, a China indica relações distintas com cada um dos Estados da região.
Seguindo essa perspectiva, a próxima seção avança para
discutir a questão comercial, mas associadas a dois outros
grandes valores para compreender a presença da China na
América Latina, a partir do Brasil: investimentos e crédito.
Tabela 1 – Exportações América Latina-China
(milhões US$)
Fonte: Elaborada pelos autores com base em CEPAL (2015)
e COMTRADE (2017).
O BRASIL E A CHINA NA CONTEMPORANEIDADE
O Brasil é um espaço estratégico para o capital
chinês, constituindo o quarto destino dos investimentos
externos diretos (IED) da RPC (SCISSORS, 2017).
Com a maior estrutura produtiva, e líder na oferta de
commodities na região, o Brasil lidera os vínculos comerciais com a China. Além disso, o Brasil é o segundo
destino dos créditos chineses para a região (MYERS;
215
GALLAGHER, 2017). Créditos, em sua grande parte,
alocados pelo CDB, em projetos voltados para o quadro da infraestrutura. Nesse sentido, comércio, crédito
e investimentos são três eixos que permitem Brasil e a
China aprofundar uma relação estratégica.
Em uma breve síntese, o saldo positivo na balança
comercial agregada (2001-2016) aponta US$ 391 bilhões
de superávit para o Brasil; à ordem do crédito, US$ 36 bilhões com movimentações registradas entre 2007 e 2016,
com alocações em projetos de infraestrutura; e, por im,
quanto aos investimentos, uma alocação de capital somando
US$ 46 bilhões, entre 2009 e 2016, que transitam em três
grandes áreas: energia, minério e agricultura.
Frente ao quadro das exportações, o Brasil e a China
se diferenciam em um jogo de extrema complexidade. A
partir dos dados expostos no quadro que segue, observa-se um aumento signiicativo nas relações comerciais
entre ambos os atores às vésperas e a partir da crise
inanceira mundial de 2008. O aprofundamento dessas
relações não caminha sozinho, tendo em vista que os
luxos de crédito e os luxos de investimento seguem
uma verossimilhança e proporcionalidade. Frente aos
agregados comerciais expostos, a despeito de qualquer
implicação acerca das diferenças das pautas de exportação
de cada Estado, o Brasil apresenta um saldo positivo na
balança comercial. Entretanto, essa condição positiva
deve ser relativizada, tendo em vista que as participações
brasileiras, na ordem de importações globais da China,
não permitem airmar a existência de um equilíbrio
nas relações. As importações globais chinesas, em 2016,
compuseram US$ 1 trilhão e 500 bilhões. Nesse espaço, o Brasil ocupa a nona posição, no ranking global de
importações da China. Lideram o ranking a República
da Coreia, com US$ 159 bilhões, e o Japão, com US$
145 bilhões.
216
Tabela 2 – Balança comercial Brasil-China
(milhões US$)
Fonte: Elaborada pelos autores com base em MDIC (2017).
Os investimentos chineses para o Brasil, desde 2007,
indicam outro tipo de atividade de importância elevada
para o aprofundamento das relações entre ambos os países.
Antes de listar a ordens desses dados, é preciso compreender
a diferença entre os tipos de investimentos existentes na
contemporaneidade. Assim, a consideração sobre os investimentos é compartilhada pela UNCTAD e pelo FMI.Ambas
as organizações defendem o IED enquanto o movimento
de capital de uma nacionalidade a outra, com um im duradouro, e com interesse de participação em uma empresa
(IMF, 2004). Logo, equivale-se às alocações de capital em
nacionalidades distintas, que vem a se diferenciar na forma
na qual a propriedade do capital é apresentada. Para as OIs,
o IED equivale à ordem de investimento transfronteiriço
com o capital na ordem de propriedade direta; e o investimento externo indireto (IEI) equivale à mesma prática
de investimento, mas organizado/orientado por agentes
secundários e/ou subsidiários, que guiam o processo. Nesse
sentido, é possível compreender que as expressões sobre os
investimentos se norteiam quanto ao meio da propriedade.
217
Por uma outra perspectiva, os investimentos podem ser
redeinidos conforme o im. Essa organização metodológica
sobre os termos permite compreender a existência dos IEDs
com distinção aos IEIs. Ainda, é possível airmar que o capital
como um único elemento, mas esta divisão permite avaliar resultados distintos sobre o seu movimento global. Logo, o IED
indica o im do capital alocado em sua ordem produtiva; e o IEI
indica o im do capital alocado em sua ordem especulativa. Essa
primária distinção permite compreender que o capital vinculado a uma nação pode, em seu caráter de internacionalização
ou transnacionalização, gerar resultados distintos. Enquanto o
primeiro investimento presume a reprodução do capital produtivo, implicado em renda/consumo/tributações, o segundo
investimento presume a reprodução da renda, implicada em
uma perene condição para a expansão dos juros. Apesar de
ambas produzirem valor/riqueza, o fazem em tempos distintos
(CHESNAIS, 1995; BRUNHOFF, 1995). É por meio desta
consideração que a Tabela 2 ganha relevância. Em uma breve
observação, os investimentos de China nas IlhasVirgens Britânicas e nas Ilhas Cayman superam grande parte dos demais países
da América do Sul. Essa imagem é signiicativa, pois indica a
necessidade em se diferenciar os investimentos quanto ao im,
e não frente à observância da propriedade.
Tabela 3 – Investimentos China-América do Sul
(bilhões US$)
Fonte: Elaborada pelos autores com base em UNCTAD e
MOFCOM (2010).
218
Avaliando os movimentos do capital chinês para a
América Latina e, sobretudo, para o Brasil, há como avaliar
as diferenças entre ambas as categorias apresentadas. Os IED
de China para o Brasil reletem um resultado especíico do
capitalismo chinês. Conforme Leite e Ramos (2017), a presença da RPC, à frente das decisões e projeções das principais
empresas e bancos, ajuda a compreender essa ofensividade na
internacionalização do capital. Ainda, conforme Gallagher
(2016), o capital chinês na região em geral e no Brasil em
particular tem se multiplicado em aquisições de greenield,
desenvolvimento de projetos conjuntos e joint-ventures. Os
IED da China no Brasil, logo, traçam algumas especiicidades.
A chegada do capital chinês amplia as oportunidades
voltadas para a estrutura produtiva dentro do Brasil, como em
toda América Latina (CUNHA; XAVIER, 2010; GONZALEZ-VICENTE, 2012; HONGBO, 2014). Entretanto, em
uma primeira observação, a maior parte dos IED caminha
para os setores de commodities e de energia da economia
brasileira. Somente os setores de energia, metais e agricultura
equivalem a 85% do capital investido entre 2007 e 2016, em
um montante de 38 bilhões de dólares. A Tabela 4 lista os
projetos e os demais recortes de investimento. E na esteira
desses dados, Leite e Ramos (2017) são felizes em presumirem que a China não desassocia a arena político-econômica
internacional da nacional. De outra forma, a China tem
privilegiado os objetivos econômicos domésticos a partir
do palco internacional. Essa condição pragmática permite
que o Estado crie um projeto dual (nacional-internacional)
como uma plataforma integrada para o seu desenvolvimento.
Dessas aquisições, destacam-se os movimentos da Lenovo em 2012 sobre a Digibras/CCE, com mais de US$
100 milhões na aquisição. No palco dos automóveis, no
mesmo ano, há a entrada dos investimentos para abrir mercado para a JAC Motors. No quadro da agricultura, a aquisição da Noble Agri Limited, transformada em COFCO
219
Noble Agri, buscando liderar o mercado de processamento
de cana no marco dos biocombustíveis. Ainda no ramo da
agricultura e no marco dos biocombustíveis, a participação
e a combinação de capitais em 57% com compra parcial
da Fiagril. Esse movimento foi determinado pela Hunan
Dakang Pasture Farming Co. Ltd., empresa que é atualmente
controlada pelo Shanghai Pengxin Group. Esses e outros
exemplos, listados na tabela apresentada, se remetem ao
movimento em IED no quadro produtivo nacional.
Tabela 4 – Investimentos chineses – Brasil
(milhões US$)
Fonte: Elaborada pelos autores com base em AEI (2017).
220
Por im, as atividades que mais causam interesse partem
dos créditos da China para o Brasil. Como destacado, os
valores, até o momento, chegam a US$ 30 bilhões. E todos
os empréstimos caminham para espaços próximos atrelados
aos investimentos externos chineses. Assim, infraestrutura,
energia e metais são os destaques dos movimentos desse
crédito chinês.
O Brasil tem nos bancos chineses um suporte que
outrora fora ocupado pelo Banco Mundial. Na atualidade,
os bancos chineses e o Banco Mundial não rivalizam no
processo de alocação dos recursos. O Banco Mundial atua
em projetos voltados para as demandas dos governos estaduais, a atender objetivos especíicos para o bem-estar dos
grupos sociais em algumas regiões do Brasil. Assim, entre
os investimentos no setor hídrico em São Paulo, em 2010,
aos recursos destinados ao setor agrícola em Santa Catarina,
em 2011, o Banco Mundial reorganiza as suas ações junto
aos governos estaduais do Brasil. Outra característica desses
empréstimos da atualidade é em relação ao montante de
capital. Assim, entre 2001 e 2016, os empréstimos do Banco
Mundial ao Brasil foram US$ 10 bilhões, com uma taxa
agregada de 2% de juros (WORLD BANK, 2015).
Avaliando a ação chinesa para o Brasil, os créditos
compõem interesses mútuos frente a sua consolidação.
Pelo lado brasileiro, há uma alternativa para o capitalismo
nacional. Essa alternativa permite o Estado acessar montantes creditícios em condições distintas, as quais asseguram em energia e em mineração a celebração dos atos de
transferência. Essa estreiteza permite o Estado brasileiro e
o Estado chinês negociarem com um espaço de barganha
reduzido e voltado aos interesses de ambos os governos.
Sobre as atuações dos bancos chineses no Brasil, especiicamente o CDB e o CEXIM, há uma clara diferença na
condução dos empréstimos face às organizações internacionais inanceiras. A expansão creditícia, tanto para o Brasil
221
quanto para os demais países da América Latina, baseia-se
nas diretrizes do governo da RPC. Essa condução alinha
instituições domésticas, como a Comissão Reguladora Bancária, o Conselho de Estado e o Banco Popular da China.
Após esse alinhamento, observa-se uma coordenação de
atividades, as quais são executadas pelos braços inanceiros
para a internacionalização do capital chinês. São estruturas
políticas distintas que movem as OFIs e os Policys Banks
da China e, portanto, resulta em condições creditícias
diferenciadas. Frente a essas condições, a securitização das
commodities é algo que se apresenta como condição dupla
ao governo chinês. Em primeiro lugar, assegura os recursos
necessários para o desenvolvimento econômico do Estado;
em segundo lugar, permite manter um acesso direto para
a circulação do seu capital inanceiro com investimentos
em infraestrutura. Essa segunda condição importa, pois, a
partir das aplicações em infraestrutura, a China consegue
internacionalizar a construção de uma prática que foi relevante para a rolagem dos títulos podres gerados dentro
do setor bancário-inanceiro ao longo da década de 1990.
Em 2004, com a visita do ministro do Comércio da
RPC, Bo Xi Lai, a RPC e o Brasil celebraram um ato de
concordância e reconhecimento do status econômico da
China. Neste ato constitutivo dos interesses, os posicionamentos de ambos os governos indicam esta importância:
As Partes estimularão o comércio bilateral e
a cooperação no setor de investimentos. Os
Governos dos dois países e suas respectivas instituições facilitarão a cooperação nas seguintes
áreas: infraestrutura, energia, gás natural, proteção
ambiental, meios de transporte, biotecnologia e
mineração, entre outras áreas. Para isso, as Partes
deverão dar plena implementação a todos os
Memorandos de Entendimento de cooperação
assinados entre as instituições governamentais
dos dois países. (BRASIL, 2004, p. 2)
222
O documento de 2004 prepara o espaço para o volume
de capitais chineses que desembarcará no Brasil posteriormente.Apesar desse documento indicar um peril comercial,
aponta-se o movimento dos interesses para outros setores.
Assim, em função dessa construção, a partir de 2007, os
créditos chineses começam seu constante crescimento na
economia brasileira.
Tabela 5 – Empréstimos China-Brasil (bilhões US$)
Fonte: Elaborada pelos autores com base em Inter-American Dialogue
(2017).
No ano de 2006, ambos os governos irmaram o ato
para cooperação no setor de infraestrutura. Há um movimento para a elaboração de atividades, as quais conjugam
os campos de energia elétrica, recursos hídricos, petróleo e
gás natural (BRASIL, 2006). Esse importante movimento
antecede a recepção do primeiro crédito chinês no desenvolvimento do gasoduto GASENE.Vale lembrar que esse
desenvolvimento permitiu a união entre a região Nordeste
e a região Sudeste, frente o objetivo da produção e, principalmente, da distribuição do gás. Ainda, no marco dessa
atividade, os créditos permitiram a cooperação entre os
grandes bancos nacionais de desenvolvimento. O BNDES,
pelo Brasil, e o CDB, pela China. Esse acordo inicial também permitiu a criação de uma Subcomissão de Energia
223
e Recursos Minerais, a atuar como braço setorizado da
Comissão Sino-Brasileiro de Alto Nível e Concertação
e Cooperação. Há, nesse sentido, um estreitamento de
diversos eixos: o governamental, pelas celebrações de interesses mútuos; o inanceiro, entre as instituições inanceiras
nacionais, por meio da combinação de crédito; o técnico-institucional, por meio da criação da Subcomissão, voltada
para as organizações contratuais e operativas do processo
(BRASIL, 2006).
Frente ao capital voltado para o petróleo, em 2009,
acorda-se, por memorando de entendimento, a uniicação
dos interesses no entorno do pré-sal (BRASIL, 2009a). É
a partir desse documento que os interesses chineses sobre
o petróleo brasileiro são deinidos. Esse documento inicial
guia a um novo trato, que conduziu a organização de um
protocolo de exploração. E neste documento as partes selam
os seus interesses em:
a) expansão da comercialização de petróleo entre
Brasil e China, dando preferência ao fornecimento de petróleo de forma estável e de longo
prazo para a China de acordo com os contratos
pertinentes. A comercialização de petróleo será
executada pela SINOPEC e assegurada por um
compromisso de inanciamento à Petrobras pelo
Banco de Desenvolvimento da China (China
Development Bank Corporation);
b) cooperação entre as empresas brasileiras e chinesas, de acordo com as condições de mercado
e em conformidade com a legislação brasileira,
relativa à exploração e desenvolvimento dos
blocos de petróleo e gás no Brasil;
c) obtenção de bens e serviços, pelas empresas
brasileiras, de fornecedores de produtos e serviços chineses, de acordo com as condições de
mercado, e em conformidade com a legislação
brasileira. A compra de bens e serviços será as-
224
segurada pelo compromisso de inanciamento
à Petrobras pelo Banco de Desenvolvimento da
China (China Development Bank Corporation); e
d) promoção de investimentos chineses no Brasil,
incluindo a associação com companhias brasileiras com o objetivo de fornecer serviços e
mercadorias para o setor de petróleo (BRASIL,
2009b, p. 2-3).
Essa construção ainda é reforçada por um Comunicado Conjunto, elaborado e apresentado a partir da visita
do presidente Lula à China, sob Hu Jintao. Frente a esse
documento, ambos os presidentes saudaram o Protocolo
em Energia e Mineração. Além dessa celebração, reforçaram
a importância da cooperação inanceira entre os grandes
bancos dos Estados, principalmente nas estreitas relações
monetárias, além das ações conjuntas para o desenvolvimento (BRASIL, 2009c, p. 2).
Esses movimentos, aclarados por meio dos documentos citados, auxiliam os passos iniciais desse processo
de expansão creditícia para o Brasil a partir de 2007.
Apesar do período posterior a 2009 apresentar uma ação
mais ofensiva dos créditos chineses, é importante analisar investimentos, créditos e comércio para discutir essa
equivalência temporal para aprofundamento das relações
econômicas entre Brasil e China. Frente às novas características dos acordos pós-2009, percebe-se a composição de planos em longo prazo. Essa percepção indica o
início de uma longa jornada que ainda virá, a partir das
trajetórias apresentadas na atualidade. Há, por certo, uma
dependência de trajetória na relação econômica entre o
Brasil e a China. Essa dependência saltou aos passos de
uma leitura institucionalista das relações externas. Exige-se
avaliar um quadro mais amplo, o qual opera com múltiplas
variáveis para tratar da correlata interação econômica
entre os Estados.
225
Em suma, frente às indicações de longo prazo, quatro
planos apresentam a solidiicação da cooperação creditícia
entre ambos Estados: o Plano de Ação Conjunta entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo
da República Popular da China, 2010-2014; o Comunicado Conjunto entre a República Federativa do Brasil e
a República Popular da China, de abril de 2011; o Plano
Decenal de Cooperação entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo da República Popular
da China; e por im o Plano de Ação Conjunta entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo
da República Popular da China, 2015-2021.
Em caráter geral, cada um dos quatro documentos
permite avaliar uma evolução gradativa no aprofundamento
da cooperação econômica. Assim, o primeiro documento
reirma a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), tida como ponto de
comunicação direta entre os governos. É por meio desse
documento que se alinha a cooperação interministerial
das nações (BRASIL, 2010). Em um segundo momento,
o Comunicado Conjunto de 2011, entre Dilma Roussef
e Hu Jintao, aprofunda o entendimento monetário-inanceiro, elevado o renminbi (RBM) como ferramenta para
o equilíbrio iscal brasileiro. Mas a parte mais interessante
deste documento perpassa pelo alinhamento das nações para
cooperação conjunta no quadro inanceiro internacional. E
esta cooperação perpassa, ainda, pelo reconhecimento dos
esforços do Financial Stability Board (FSB) e da International
Organization of Security Comissions (IOSCO), nas construções políticas para o reforço do Regime da Basileia
(BRASIL, 2011). Já o terceiro documento listado aponta
para outro quadro da cooperação entre o Brasil e a China:
o Planto Decenal 2012-2021. Esta complementariedade
não presume uma ordem de dependência estrutural, mas
uma contingência material, jurídica na formação de um
226
ombudsman para reforçar a interação entre os atores. Este
ombudsman aloca-se em diversos setores, como: Ciência, Tecnologia, Inovação e Cooperação Espacial; Minas,
Energia, Infraestrutura e Transportes; Investimentos e
Cooperação Industrial e Financeira; Cooperação Econômica e Comercial; Cooperação Cultural, Educacional e Intercâmbio entre os povos (BRASIL, 2012). Por
im, o Projeto de Cooperação de 2015 renova o Plano
2010-2014. E por este novo documento é apresentada
a demanda para a construção de um planejamento estratégico, lançado para médio e longo prazo. Por isso é
possível avaliar que, no diálogo entre estes atos bilaterais
com os créditos listados, vive-se um primeiro momento
de cooperação inanceira entre o Brasil e a China. Presume-se essa condição e avalia-se a sua importância em
função dos interesses apresentados pelo Plano Decenal
2012-2021. Neste plano, almeja-se um alinhamento político que perpassaria tanto pelas posições conjuntas nos
fóruns multilaterais, como OMC, G20, BASIC, BRICS e
outros, quanto no aprofundamento das relações da China
com toda a região, no marco do Fórum China-CELAC.
Assim, observa-se que o Brasil é um ator política e economicamente para a RPC.
Frente aos elementos apresentados nesta seção, airma-se que a China e o Brasil não apresentam ações isoladas e
acidentais, no cerne das práticas creditícias, dos investimentos e das relações comerciais. Decerto, há uma pluralização
e uma maior complexidade dos interesses de ambos os
atores. Por meio dessa pluralização há um aprofundamento
da cooperação econômicas entre os governos que permite
indicar os caminhos para transbordamentos futuros..
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A recente chegada da China na América Latina e,
sobretudo, no Brasil indica a construção de um passo inicial
227
que tende a reservar grandes resultados para os atores nacionais
envolvidos nesse complexo ato de cooperação. O presente
capítulo almejou avançar com a discussão sobre as condições
materiais que tem guiado o aprofundamento da China com
a região e com o Brasil. O início deste processo perpassa pelas
transformações econômicas chinesas, as quais lançam, na virada
do século, a RPC em um forte projeto de internacionalização
do seu capital.A despeito dos investimentos e do crédito chinês
serem apresentados a partir de 2005/2006 para o Brasil e
para a região, a construção da ordem do going out/going global
institucionalizara seu processo de saída.
Ao se observar a relação de China com a região, este
capítulo buscou apresentar uma reorientação da América
Latina a partir das elevadas demandas chinesas pelas commodities, caras para o seu processo de desenvolvimento econômico. Esse novo envolvimento da região latino-americana
com a China permite, em caráter histórico, compreender
uma nova etapa de entrada e de participação das economias latino-americanas dentro do capitalismo global. Essa
observação foi realizada a partir dos argumentos de Gunder Frank, ainda no século XX, a destacar a importância
da China na organização dos centros dinâmicos em uma
economia mundial. A despeito dessa importante e nova
entrada da América Latina no capitalismo global, a partir
da via asiática, apresentou-se uma ordem crítica sobre esta
relação. A primeira consideração perpassa pela relação
desigual e a baixa participação da ALC no agregado das
importações chinesas. Apesar de se observar, a partir de
2009, um aumento relativo dessa participação, os produtos
latino-americanos não ocupam uma posição de destaque
no quadro de importações da China. Essa consideração
indica uma situação de interdependência assimétrica. Por
essa assimetria se observa um aumento da relevância da
China para região em caráter distinto da importância da
ALC para a China.
228
Aprofundando essa relação, a segunda seção permitiu
compreender uma condição equivalente. Nessa condição,
em termos comerciais, enquanto o Brasil tem na China
a principal parceria no comércio internacional, a China
tem no Brasil um importante parceiro, mas atrás de outros oito grandes países no sistema internacional.Todavia,
as questões comerciais precisam ser avaliadas em um
contexto mais amplo, o qual permite considerar outros
movimentos de capital como estruturas que tendem a
aprofundar o grau de interdependência entre ambas as
economias. Nesses termos, os IED e o crédito para os
projetos em infraestrutura reforçam a presença da China
na região e no Brasil de maneira bem destacada, e ainda
indicam, frente aos acordos apresentados, a construção de
um passo inicial e seguro entre ambos os governos. Por
certo, a pegada chinesa na região, assim como no Brasil,
indica uma relação estratégica, a qual permite pressupor
avanços para as próximas décadas. Todavia, a despeito de
o Brasil e da América Latina apresentarem os recursos demandados e os espaços para os investimentos e expansões
creditícias, os resultados sobre esta densa interação ainda
é incerta. Apesar dessa incerteza, o quarto movimento de
entrada do Brasil e da América Latina no capitalismo global tende a apresentar um revigoramento da extroversão
das economias da região. Mas essa conclusão exige décadas
de avanço da cooperação chinesa, por mais que os indícios da atualidade permitam avaliar, em termos críticos,
presentes ameaças como a reprimarizacão e o aumento
da vulnerabilidade das econômicas latino-americanas no
sistema internacional.
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A INTERNACIONALIZAÇÃO
DO RENMINBI E A ASCENSÃO
DO PODER MONETÁRIO CHINÊS
Aline Regina Alves Martins
Ao se debruçar sobre as transformações do sistema
monetário contemporâneo, não é possível desconsiderar
as ações chinesas em torno da política de internacionalização de sua moeda. A República Popular da China
(RPC) ascendeu na última década à condição de segunda
maior economia do mundo e maior país exportador do
planeta. Como o peso da moeda chinesa internacionalmente ainda não acompanha seu gigantismo econômico,
o país tem buscado a internacionalização gradual do
renminbi, sem que isso signiique uma abertura completa
de sua economia às instabilidades da economia internacional. Contudo, apesar das análises econômicas desse
processo, pouca atenção tem sido dada para a política das
relações monetárias chinesas. A internacionalização está
ocorrendo; as questões que aparecem são: o quanto está
internacionalizando, o quão rápido e em qual extensão
(HELLEINER; KIRSHNER, 2014).
Além do fato da sua moeda não refletir a importância da RPC na economia internacional, a crise de 2008
foi também um fator fundamental que demonstrou
ao Partido Comunista Chinês (PCC) as fragilidades
de um país que não possui uma moeda conversível,
235
8
bem como de uma nação muito dependente do dólar
americano para realizar qualquer transação econômica
internacional. A um país que tem seu desenvolvimento
fundamentado na capacidade de exportação, o uso de
uma outra moeda nacional para realizar trocas econômicas se torna pouco estratégico.
Com a crise de 2008, o papel do dólar como moeda-chave internacional passou a ser questionado. A
ampla dependência da economia internacional em relação à moeda estadunidense levou ao surgimento de
incertezas acerca do funcionamento da economia contemporânea, caso o Estado emissor da principal moeda
de transação internacional entrasse em uma profunda
recessão. Nesse contexto, portanto, despertou-se uma
preocupação generalizada com o intuito de controlar
os efeitos da crise e de proteger o sistema monetário e
inanceiro internacional contra novas recessões – talvez
mais profundas e desestabilizadoras. Logo, a RPC, que
desde o inal dos anos 1990 já apresentava insatisfação
perante a ordem monetária existente – destacando sua
preocupação com a volatilidade das taxas cambiais e a
instabilidade da moeda estadunidense –, ganhou espaço
para se posicionar de modo mais ativo frente à instabilidade da ordem econômica com o estouro da crise do
subprime em 2008 (CHIN, 2014).
Uma das ações mais importantes que o gigante asiático passou a adotar para diminuir sua vulnerabilidade
e dependência em relação à moeda-chave internacional
correspondeu ao processo, sem precedentes históricos,
de expansão gradual do uso de sua própria moeda internacionalmente.
Assim, este capítulo ter por objetivo principal apresentar algumas das principais políticas chinesas que visam à ampliação do uso internacional do renmimbi,
buscando compreender como os avanços no processo
236
de internacionalização de sua moeda podem representar
aumento de seu poder monetário nas relações monetárias internacionais. Neste capítulo, poder monetário é
pensado como “autonomia”, isto é, capacidade de agir
sem restrições, independentemente das inluências externas e como “inluência”, que se traduz na habilidade
de mudar o comportamento de outros atores (COHEN,
2008; 2009; 2015).
POLÍTICAS PARA INTERNACIONALIZAÇÃO
DO RENMINBI
O uso de uma moeda nas transações econômicas
internacionais se relaciona diretamente com seu grau de
conversibilidade. Esse conceito se associa à capacidade
que uma moeda tem de ser convertida (trocada) diretamente no exterior por bens, serviços ou outras moedas.
Obstáculos cambiais ou comerciais, variações nas taxas de
câmbio são elementos que fundamentalmente inluenciam
o grau de conversibilidade de uma dada moeda. Ciente das
limitações as quais a RPC possui quanto à conversibilidade
do renminbi, o país vem adotando ações no sentido de
aumentar gradativamente o uso de sua moeda internacionalmente. Dentre as vantagens de possuir uma moeda
conversível estão: diminuir a vulnerabilidade à variação
nas taxas de câmbio; reduzir os custos de transação e de
aquisição de capital; facilidade na emissão de títulos de
dívida aceitos internacionalmente (que pode se tornar
uma boa fonte de recursos internacional); adquirir maior
peso político (por exemplo, com a entrada do renminbi
na cesta de moedas que compõe os Direitos Especiais de
Saque – a “moeda” do FMI), dentre outros (IMF, 2013).
Logo, principalmente após a crise de 2008, a RPC passou a adotar diversas ações políticas para facilitar o uso
237
transfronteiriço do renminbi. Dentre elas, neste capítulo
destacamos as seguintes:
Programa-piloto de Liquidação do Comércio
Transfronteiriço em Renminbi:
expansão da moeda chinesa
no uso comercial
Uma das primeiras ações chinesa em torno da internacionalização do renminbi se dá com o “Programa-Piloto de Liquidação do Comércio Transfronteiriço em
Renminbi, lançado em 2009. Ele tem como objetivo
incentivar e ampliar o uso do renminbi em transações
comerciais internacionais, ou seja, usar a moeda chinesa para liquidação do comércio transfonteiriço sem
a intermediação do dólar. Dentre os objetivos a serem
alcançados com a internacionalização do renminbi nas
trocas comerciais, estão: otimização da gestão de risco
das taxas cambiais, não estando expostas às lutuações
na taxa de câmbio; economia de custos de conversão,
já que não será mais necessário converter duas moedas
em uma terceira (em geral, o dólar) para a realização
de trocas internacionais, o que poderia acarretar em
uma mudança no valor real da mercadoria; economia
de custos de origem cambial na transação de produtos,
já que sendo transacionados em uma única moeda, os
produtos não estarão sujeitos às lutuações cambiais do
mercado; benefícios ao comércio e aos investimentos em
renminbi, que serão por sua vez mais seguros – assegurados pelo Estado – podendo apresentar maior liquidez
(BANK OF CHINA, 2012, p. 12).
Sua expansão está se dando de forma gradual.
Inicialmente, Xangai, Guangzhou (Cantão), Shenzhen,
Dongguan e Zhuhai estavam autorizadas a atuarem no
programa. As contrapartes, por sua vez, se limitavam
238
aos países da ASEAN, Hong e Macau, e a expectativa
era de que o renminbi fosse usado em no máximo 28%
das exportações e 16,8% das importações chinesas. A
partir de 2011, a autorização foi ampliada para todas
as cidades da RPC, bem como qualquer país ou região
administrativa poderia ser a contraparte no comércio
liquidado em renminbi. Nesta ampliação, de 2011,
a expectativa é de que até 100% das exportações e
importações chinesas sejam liquidadas na moeda local
(CINTRA; MARTINS, 2013).
Em 2010, clientes coorporativos e institucionais
foram autorizados a conduzir, em Hong Kong, transações
em renminbi com qualquer propósito, sem limitações
de liquidações comerciais, transferências de fundos de
ofshore em renminbi entre bancos em contas mantidas
fora do território chinês, troca de serviços em renminbi que incluem “serviços de conversões comerciais”,
oferecidos por bancos, e “serviços de conversões não
comerciais”, oferecidos por bancos participantes com
posição suiciente de fundos em renminbi; recebimento
de cheques e cartões de créditos para serviços em Hong
Kong; transferências de fundos para dentro ou fora do
território chinês, que estejam em conformidade com as
regras e requerimentos da RPC (BANK OF CHINA,
2012, p. 4).
Em 2011, com o “Anúncio de Expansão da Lista
de Regiões para o Programa Piloto”, o acordo entrou
em sua terceira fase e foi expandido para incluir todas
as províncias e municípios na RPC. Em março de 2012,
inserido no programa, foi lançada a “Advertência sobre
Questões de Administração de Empresas Envolvidas em
Acordos Comerciais em Renmimbi para Exportação
de Mercadorias”, que estabeleceu que todas as empresas com direitos de importação-exportação tinham,
a partir daquele momento, permissão de liquidar as
239
exportações de mercadorias em renminbi (BANK OF
CHINA, 2012, p. 10). Dos resultados já possíveis de se
analisar, demonstra-se que quase 1/5 de todas as trocas
comerciais chinesas foram formalizadas em sua própria
moeda em 2014 (em 2009, quase 100% das operações de
comércio eram fechadas em dólar); houve um aumento
de 67 bilhões de iuanes em 2010 para 3,27 trilhões de
iuanes em 2014 na escala de liquidação de comércio
internacional em renminbi; um terço das instituições
inanceiras do mundo está ativamente usando esta moeda
para efetuar os pagamentos na RPC e em Hong Kong
– embora grande parte dos acordos comerciais tem sido
com Hong Kong (SWIFT, 2016).
Zona Piloto de Livre Comércio de Xangai
Em agosto de 2013, a RPC deu um importante passo
rumo à liberalização de sua economia e à internacionalização de sua moeda ao criar a Zona Piloto de Livre
Comércio de Xangai. A Zona Piloto visa à expansão da
abertura e à reforma inanceira interna, além de desenvolver um sistema convergente com as normas internacionais
para comércio e investimento (CHINA [SHANGUAI],
2016, p. 1): “a regulatory environment on cross border
investment and trading that is in line with international
practices, enhance China’s economic position globally,
and contribute to achieving the revival of the Chinese
People’s China Dream”.
Com a zona de livre comércio é possível lexibilizar,
a partir dela, algumas transações transfronteiriças denominadas em renminbi. Pretende-se que seja um centro
internacional para transações inanceiras, provendo serviços de compensação transfronteiriços em renminbi para
residentes da zona de livre comércio, funcionando para
empréstimos ofshore em renminbi pelos seus membros,
promovendo recolhimento e pagamento nesta moeda de
240
comércio e serviços entre membros e suas iliais onshore e
ofshore (Chan, 2014).
Empresas não inanceiras e instituições inanceiras não
bancárias estabelecidas nessa zona de livre comércio podem
também obter inanciamento em renminbi fora da RPC,
mesmo que dentro de certos limites. Ademais, empresas
chinesas com ligações internacionais que precisam mover
renminbi para e a partir de suas subsidiárias no exterior.
Sistema de pagamento internacional chinês
Em outubro de 2015, a RPC criou o Sistema de Pagamento Internacional Chinês (The China International
Payment System – CIPS) com o intuito de incentivar
ainda mais a internacionalização do renminbi, para além
dos mercados ofshore. Esse sistema de transferência de
dinheiro pretende ser um canal de pagamento eiciente e
seguro para serviços de compensação e liquidação para o
comércio, investimento, inanciamento e outros negócios
transfronteiriços em renminbi. Até o momento, 19 bancos
já foram autorizados a usarem esse sistema, dentre eles o
Citibank, Deutsche Bank e HSBC (SWIFT, 2016).
O CIPS, denominado em renminbi, nasce em paralelo à Sociedade para Transferências Financeiras Interbancárias Globais (SWIFT), em que ocorre a maioria
das transferências internacionais, sistema denominado
em dólares americanos. Para alguns especialistas, o CIPS
irá colaborar com o SWIFT. Já para outros representa
um sistema de pagamento que irá contrapor o SWIFT,
controlado pelos americanos, e auxiliar na diminuição da
preponderância do dólar.
Acordos bilaterais de swaps cambiais
Outra importante ferramenta para ampliar o uso
internacional de sua moeda corresponde aos acordos
241
de swaps cambiais. Com esses acordos, visa-se fornecer
às autoridades monetárias estrangeiras acesso à liquidez
em renminbi, permitindo-se, em alguns casos, que ele
seja a moeda de faturação e compensação das transações,
incentivando-os, por sua vez, a autorizar o uso da moeda
por bancos e empresas nacionais (EICHENGREEN;
KAWAI, 2014). Com esses mecanismos de pagamentos
em moedas locais, é possível oferecer mais segurança e
incentivar o comércio com essas nações ao resguardar os
agentes econômicos diante de grandes oscilações cambiais,
além de incentivar o uso do renminbi no lugar do dólar
americano (COHEN, 2014, p. 42).
Tabela 1 – Acordos bilaterais de swap de moeda com
o renminbi promovidos pelo
Banco Popular da China
Data do
acordo
Economia
Valor
Bilhões em CNY
(bilhões em dólar)
01/03/2009*
Belarus
20.0 (2.9)
01/04/2009*
Argentina
70.0 (10.2)
Abr. 2011
Nova Zelândia
25.0 (3.8)
Abr. 2011
Uzbequistão
7.0 (0.1)
Jun. 2011
Cazaquistão
6.5 (1.0)
Out. 2011
Coreia do Sul (acordo
estendido)
360.0 (56.6)
Nov. 2011
Hong Kong
(acordo estendido)
400.0 (63.0)
Dez. 2011
Tailândia
70.0 (11.0)
Dez. 2011
Paquistão
10.0 (1.6)
Jan. 2012
Emirados Árabes
35.0 (5.5)
242
Informação
extra
Acréscimo de
swap a partir
do valor de
CNY 180 bilhões de dez.
2008
Mar. 2012
Mongólia (acordo
estendido)
10.0 (1.6)
Mar. 2012
Austrália
200.0 (31.6)
Jun. 2012
Ucrânia
15.0 (2.3)
Mar. 2013
Brasil
190.0 (30.3)
Mar. 2013
Cingapura (acordo
estendido)
300.0 (47.8)
Jun. 2013
Reino Unido
200.0 (32.4)
Set. 2013
Hungria
10.0 (1.6)
Set. 2013
Albânia
2.0 (0.3)
Set. 2013
Islândia (acordo
estendido)
3.5 (0.6)
Out. 2013
Indonésia (acordo
estendido)
100.0 (16.3)
Out. 2013
Zona do Euro
350.0 (57.0)
Acréscimo de
swap a partir do
valor de CNY
200 bilhões de
jan. 2009
Acréscimo de
swap a partir do
valor de CNY
80 bilhões de
fev. 2009
Acréscimo de
swap a partir do
valor de CNY 5
bilhões de maio
2011
Acréscimo de
swap a partir do
valor de CNY
150 bilhões de
jul. 2010v
Fontes: EICHENGREEN; KAWAI, 2014, tradução livre.
Observações: (i) O gráico acima foi desenvolvido por Eichengreen
e Kawai (2014) com base nas informações disponíveis nos sites do
Banco Popular da China e do Asia Regional Integration Center
(ARIC). (ii) Os valores em dólar foram calculados com base
na cotação dólar-iuane/renminbi na época em que os acordos
foram assinados. (iii) Os asteriscos (*) indicam que esses acordos
provavelmente expiraram uma vez que eles têm duração de três
anos a não ser que eles tenham sido renovados.
Em 2014, acordos bilaterais de swap foram renovados
com: Nova Zelândia (CNY 25 bilhões); Coreia do Sul
(CNY 360 bilhões); Mongólia (CNY 15 bilhões); Cazaquistão (CNY 7 bilhões); Tailândia (CNY 70 bilhões);
Hong Kong (CNY 400 bilhões); Argentina (CNY 70
243
bilhões). Assinou novos acordos de swap: Suíça (CNY 150
bilhões); Sri Lanka (CNY 10 bilhões); Paquistão (CNY
10 bilhões); Catar (CNY 35 bilhões em acordo estendido); Canadá (CNY 200 bilhões em acordo estendido);
Rússia (CNY 150 bilhões); com Reino Unido renovou
por mais três anos CNY 350 bilhões. Até 2015, a RPC
havia assinado acordos de swap cambial com 31 países,
num total de mais de US$ 500 bilhões (Eichengreen,
Kawai, 2014; LI, 2015).
Entrada do renminbi na cesta dos
Direitos Especiais de Saque
Além desses fatores, no ano de 2015 ações importantes foram colocadas em prática que buscam consolidar o processo de internacionalização do renminbi.
Em agosto, a RPC modiicou as regras para determinar
o valor do renminbi, passando a considerar também as
forças de mercado – num sinal de uma maior abertura
econômica.
Essa alteração levou à desvalorização recorde da
moeda chinesa, que trouxe muitos alvoroços à economia internacional. Contudo, é preciso entender esse
fator não como um ponto de fragilidade da economia
chinesa (como muito foi colocado pela imprensa internacional), mas sim uma estratégia para uma maior
abertura econômica e ampliação do uso de sua moeda
internacionalmente.
Um dos motivos dessa mudança levou à outra importante decisão desejada pelos chineses: a entrada do renminbi
na cesta de moedas que compõem os Direitos Especiais de
Saque (DES), a “moeda” do FMI, tornando-se a primeira
moeda de um país emergente a integrar a cesta (já composta
pelo dólar, libra, iene e euro). Com esta última decisão, o
renminbi amplia as possibilidades de angariar maior poder
244
monetário no âmbito multilateral. Para o FMI, a decisão
relete o crescimento do uso e comercialização da moeda
chinesa internacionalmente. Ademais, Cristine Lagarde,
diretora-gerente do Fundo, aiança como a inclusão dará
suporte ao crescimento e à estabilidade da RPC e da economia global (FMI, 2015).
O ingresso do renminbi na cesta de moedas entrou
em vigor em outubro de 2016 e se tornou a terceira moeda com maior peso, com 10,92%. O dólar tem 41,73%;
o euro, 30,93%; o iene, 8,33%; e a libra, 8,09%. Com o
avanço do renminbi como moeda-reserva, a RPC ampliará
a integração de sua economia ao sistema inanceiro global
(FMI, 2015).
A entrada da RPC no rol das principais moedas do
mundo lhe dá mais peso nas decisões, na conformação
e mudanças das regras e normas do sistema monetário
internacional (como uma possível reforma do sistema)
incluso das principais instituições multilaterais da ordem
monetária global. Ao ter uma importante moeda-reserva,
a RPC terá mais benefícios nos mercados internacionais.
Ademais, segundo o diretor do Departamento de Finanças
do FMI, Andrew Tweedie, “a inclusão do renminbi também vai aumentar a atratividade dos DES como um ativo
de reserva internacional, diversiicando a cesta e tornar os
DES mais representativos das principais moedas do mundo”
(FMI, 2015, p. 1).
O FMI, ao aceitar a entrada do renminbi na cesta,
reconheceu a importância da RPC na economia global, mesmo que a moeda chinesa não atendesse a um
dos critérios para a inclusão de sua moeda, a saber: a
plena conversibilidade, já que a RPC adota um câmbio flutuante administrado. Dessa forma, admite-se a
decisão de cunho político da instituição. Contudo, essa
inclusão traz também responsabilidades aos chineses. A
entrada do renminbi na cesta levará o governo chinês
245
a perder capacidade de controle sobre sua moeda. O
Fundo aposta na continuidade das reformas que a RPC
vem fazendo em direção a uma economia cada vez
mais aberta e baseada nas regras de mercado e o que
inclui, especificamente, a transformação do renminbi
em uma moeda plenamente conversível, por meio
da abertura de sua conta capital – permitindo que o
mercado influencie de forma mais ativa o câmbio. A
recente reforma sobre o cálculo do valor do renminbi
citada acima caminha nesse sentido.
A longo prazo, essa inclusão poderá ter relexos na
inluência dos Estados Unidos sobre a RPC e poderá
diminuir a capacidade de os americanos em utilizarem o
dólar como instrumento de coerção (como a forma de
sanção econômica, por exemplo).
Esse importante apoio para a internacionalização do
renminbi poderá levar a médio prazo a uma diversiicação das reservas internacionais, o que por sua vez poderá
diminuir a competitividade internacional das instituições
inanceiras americanas, reduzir a demanda internacional
por ativos denominados em dólar e aumentar os custos de
se emprestar em dólar.
PODER MONETÁRIO CHINÊS
O governo chinês se tornou um importante ator nas
relações monetárias internacionais nos anos recentes, seja
pelo processo de internacionalização do renminbi, pelo
poder de voto da RPC após a reforma de quotas do FMI
(para terceira maior quota), seja pela quantidade de reservas
internacionais (estimada em US$ 4 trilhões) e outros fatores
(HELLEINER; KIRSHNER, 2014). Dados de junho de
2016 mostram que o renminbi foi a sexta moeda mais usada
como meio de pagamento; 40% das instituições inanceiras
(de 110 países) usaram renminbi para pagamentos com a
246
RPC e Hong Kong e mais de 160 países o utilizam em suas
transações comerciais. Ademais, é possível ver o aumento
da participação do renminbi ao analisarmos o mercado de
moedas. O renminbi tinha participação ínima no mercado
até 2007, com uma quota de 0,5 em 200% nas transações
(numa operação cambial há duas moedas; dessa forma, a
quota total é 200%) e ocupava o 17º lugar no ranking. Mas
em 2013 a moeda chinesa já ocupava a nona posição enquanto moeda mais transacionada (BIS, 2013). Dados do
SWIFT (2017a) mostram que em 2015 foi a sexta moeda
mais comercializada.
Dados de janeiro de 2017 também divulgados
pelo SWIFT mostram que a participação do renminbi
como moeda usada em pagamentos internacionais
caiu de 2,31% em dezembro de 2015 para 1,68% em
dezembro de 2016. Dessa forma, a moeda saiu de
quinto para sexto lugar como moeda mais utilizada
como meio de pagamento. O valor dos pagamentos
em renminbi decresceu 15,08% em dezembro de 2016,
comparando-se com novembro de 2016. Por seu turno, globalmente, o valor dos pagamentos nas demais
moedas aumentou 0,67% (SWIFT, 2017b). Algumas
das razões para esse decréscimo são a desaceleração da
economia chinesa, medidas regulatórias de fluxos de
capitais e a maior volatilidade da taxa de câmbio do
renminbi. Contudo, afirma Michael Moon do SWIFT,
o processo de internacionalização do renminbi continuará se beneficiando de importantes transformações
no sistema financeiro chinês, como o CIPS e outros
centros offshore de compensação em renminbi (SWIFT,
2017a). A Tabela 2 demonstra que a moeda chinesa,
enquanto meio de pagamento, manteve a sua posição
(de dezembro de 2016 a janeiro de 2017) como sexta
moeda mais usada como meio de pagamento internacional, com uma participação de 1,68%.
247
Tabela 2 – Participação do renminbi como moeda
de pagamento internacional
Dezembro de 2015
Dezembro de 2016
Janeiro de 2017
USD 1º
43,89%
USD 1º
42,09%
USD 1º
40,72%
EUR 2º
29,39%
EUR 2º
31,30%
EUR 2º
32,87%
GBP 3º
8,43%
GBP 3º
7,20%
GBP 3º
7,49%
JPY 4º
2,78%
JPY 4º
3,40%
JPY 4º
3,06%
CNY 5º
2,31%
CAD 5º
1,93%
CAD 5º
1,87%
CAD 6º
1,70%
CNY 6º
1,68%
CNY 6º
1,68%
CHF 7º
1,56%
AUD 7º
1,55%
CHF 7º
1,53%
AUD 8º
1,50%
CHF 8º
1,53%
AUD 8º
1,50%
HKD 9º
1,17%
HKD 9º
1,31%
HKD 9º
1,15%
SEK 10º
0,93%
SEK 10º
1,06%
SEK 10º
1,01%
SGD 11º
0,85%
THB 11º
0,93%
THB 11º
1,00%
THB 12º
0,81%
SGD 12º
0,85%
SGD 12º
0,89%
NOK 13º
0,66%
NOK 13º
0,64%
NOK 13º
0,67%
PLN 14º
0,51%
PLN 14º
0,51%
PLN 14º
0,50%
ZAR 15º
0,39%
MYR 15º
0,43%
DKK 15º
0,46%
MXN 16º
0,37%
DKK 16º
0,40%
MYR 16º
0,40%
DKK 17º
0,37%
ZAR 17º
0,38%
ZAR 17º
0,40%
NZD 18º
0,32%
MYN 18º
0,35%
NZD 18º
0,33%
TRY 19º
0,24%
NZD 19º
0,33%
MXN 19º
0,32%
HUF 20º
0,21%
RUB 20º
0,26%
TRY 20º
0,28%
Fonte: SWITF, 2017a; SWIFT, 2017b.
248
Ademais, dentre as 15 principais economias nas quais
foram realizados pagamentos em renminbi (sejam centros
ofshore ou não, como o caso do Japão, Holanda e Bélgica),
observa-se a busca pela RPC pela diversidade de regiões
do planeta. Embora Hong Kong seja disparadamente o
principal centro ofshore de compensação em renminbi,
há a busca pelo fortalecimento de demais centros, como
Reino Unido e Estados Unidos (Tabela 3).
Tabela 3 – Quinze maiores economias com
pagamentos em renminbi (jan. 2017)
Hong Kong
72,90%
Reino Unido
6,05%
Singapura
4,60%
Estados Unidos
2,94%
Taiwan
2,40%
França
1,71%
Rep. da Coreia
1,66%
Austrália
0,92%
Japão
0,81%
Alemanha
0,61%
Bélgica
0,31%
Macau
0,29%
Luxemburgo
0,28%
Holanda
0,26%
Canadá
0,25%
Fonte: SWITF, 2017b.
Como citado anteriormente, apesar dessa pequena
queda, a internacionalização do renminbi segue a passos
irmes, se consolidando por meio de políticas chinesas
249
que visam, dentre outros elementos, reformar e modernizar seu sistema inanceiro nacional. Dessa forma,
a RPC procura adquirir poder nas relações monetárias
internacionais.
Ao dar atenção para a política das relações monetárias internacionais chinesas, é importante compreender
como a internacionalização do renminbi se relete em
uma maior autonomia chinesa e como este país passa/ou
pode inluenciar mais a dinâmica da ordem monetária.
Essa maior autonomia e inluência nas relações monetárias
internacionais denomina-se “poder monetário” (COHEN,
2008; 2009; 2015).
A RPC se encontra cada vez mais na posição de
credora na economia internacional, o que faz com que
o país fortaleça seus laços inanceiros com diferentes
nações por meio de sua capacidade de crédito e amplie
seu poder frente a eles (ainal, não é recomendável disputas com credores). Ao mesmo tempo, com as políticas
de internacionalização do renminbi, o país incentiva
a demanda pela aquisição de sua moeda globalmente.
Neste contexto, a RPC vem angariando o que Cohen
(2008) chama de “poder como autonomia” (uma das
duas faces do poder monetário), pois, nesta posição
credora, desencorajam-se pressões externas sobre as
políticas monetárias, como, por exemplo, políticas de
gerenciamento das taxas cambiais internas. Ademais, sua
imensa reserva lhe permite adiar ou diminuir os custos
de ajustes de balanço de pagamentos. De fato, “não há
dúvida de que a RPC adquiriu um novo poder por conta
do seu status de credor e sua provisão de inanças no
balanço de pagamentos. Quando a [RPC] tem oferecido tais inanças diretamente aos países, a sua inluência
sobre estes países tem sido reforçada” (HELLEINER;
KIRSHNER, 2014, p. 3).
250
Como apontado no início deste capítulo, o uso
internacional de uma moeda nacional traz uma série
de vantagens para o país emissor, como, por exemplo, a
possibilidade de redução dos custos de transação e de
aquisição de capital. Isso ocorre porque grande parte
das transações internacionais ocorre em dólar americano (por ser a moeda-chave do sistema), mas, com a
possibilidade de se fazer e receber pagamentos internacionais na sua própria moeda, diminuem-se os custos de
convertê-la frente ao dólar e se perder recursos com as
variações cambiais. Como a RPC é o maior país exportador do mundo, o que lhe garante um grande número
de parceiros comerciais, a ampliação da demanda por sua
moeda como meio de pagamento também incentiva o
aumento do renminbi como moeda-reserva e unidade de
conta88. A partir do momento em que se torna viável o
pagamento em moeda local, a unidade monetária desses
contratos pode passar a ser em renminbi, da mesma forma que contratos denominados nesta moeda incentivam
o pagamento nela mesma. Assim, cria-se uma rede de
pagamentos internacional denominada em renminbi.
Investir e realizar grande parte dos pagamentos internacionais com a própria moeda que emite é um privilégio
restrito a poucos países.
Nesse contexto, por meio das reformas internas que
buscam a abertura de capital com a criação de mercados
ofshore de ativos inanceiros denominados em renminbi, a
entrada da moeda chinesa na cesta de moeda dos DES e,
entre outras medidas citadas neste capítulo, o país incrementa a demanda de sua moeda como reserva de valor.
Ou seja, os países passam a querer reter renminbi em suas
reservas internacionais como forma de diversiicar as suas
88
Uma moeda exerce tradicionalmente três funções: enquanto meio
de pagamento, reserva de valor e unidade de conta.
251
riquezas, o que amplia ainda mais o incentivo para o uso
desta moeda também como unidade de conta e meio de
pagamento internacional. Essa maior demanda do renminbi
como moeda-reserva, por sua vez, torna mais atrativo os
títulos de dívida chineses por parte de investidores (inclusive
países), o que facilita a captação de recursos internacionais
por parte da RPC.
Assim, um país, ao possuir grande parte de sua dívida
denominada em sua própria moeda, ao poder comprar,
vender e investir na moeda que ele mesmo emite, lhe dá
capacidade de exercer poder enquanto autonomia nas
relações monetárias internacionais.
Como as economias nacionais estão vinculadas financeiramente por meio de seus balanços de pagamentos, poder como autonomia se refere tanto à capacidade
de adiar quanto à capacidade de repassar para outros
atores os custos de ajustes de balanço de pagamentos89.
O superávit de um país representa o déficit de outro.
Logo, desequilíbrios excessivos automaticamente geram
pressões mútuas para ajustes a fim de ajudar a mover
o balanço de pagamentos de volta ao equilíbrio. Mas
nenhum governo quer ser forçado a se comprometer
com objetivos de políticas domésticas para o bem de se
restaurar o equilíbrio externo, ferindo sua autonomia
política (COHEN, 2009; 2015). Para restabelecer o
equilíbrio, países deficitários podem ser coagidos a desvalorizarem suas moedas e a reduzirem seus gastos, em
detrimento do crescimento econômico e do emprego.
Por outro lado, os países superavitários podem sofrer
pressão para aumento de suas taxas de câmbio, prejudicando sua competitividade internacional, além de
89
Meio de pagamento se refere aos luxos de capitais que entram e
saem de um país gerado por meio do comércio e investimentos
(COHEN, 2009).
252
poderem sofrer com uma inflação indesejada (COHEN,
2009). É preferível que se repassem aos demais países os
sacrifícios de um ajuste. Por isso, afirma Cohen (2015)
que o fundamento último do poder monetário está
na capacidade de evitar custos de ajuste, para manter
o espaço político do Estado o mais livre possível de
restrições estrangeiras. Logo, quanto maior esta capacidade de evitar custos de ajustes requeridos pelos
desequilíbrios globais, maior será o poder monetário. E
como a internacionalização de uma moeda representa
uma melhoria de acesso ao crédito externo, para os
países dos quais suas moedas nacionais exercem papel
de moeda internacional, o poder de atrasar o custo de
ajuste é ampliado (COHEN, 2015).
Ao mesmo tempo, Cohen (2009; 2015) afirma
que poder como autonomia é um pré-requisito para
a influência. Somente se um Estado é realmente hábil
em evitar o peso dos ajustes domesticamente ele estará
apto para exercer influência alhures. O que interessa
para exercer poder no exterior é a liberdade prática
de ação política domesticamente. Como as relações
monetárias são inerentemente recíprocas, um potencial
para influência é adquirido automaticamente sempre
que a independência política é alcançada (COHEN,
2009; 2015).
Poder como inluência se manifesta na habilidade
de mudar o comportamento de outros atores, fazendo
com que um país A faça com que B aja de acordo com
suas vontades. Ou seja, a capacidade de controle é explorada para adquirir diretamente objetivos políticos
ou econômicos. Para Cohen (2009), é fundamental a
diferença entre os dois tipos de poderes nas relações
monetárias internacionais.
Podemos notar que as políticas chinesas de internacionalização do renminbi vêm viabilizando a busca de
253
maior autonomia na ordem monetária internacional ao
diminuir sua dependência em relação ao dólar. É o que
faz por meio do programa-piloto, dos acordos de swaps
cambiais, do grande acúmulo de reservas cambiais, da
Zona Piloto de Livre Comércio de Xangai e do Sistema
de Pagamento Internacional Chinês, citados ao longo
deste capítulo. Ademais, as relações monetárias são intrinsicamente recíprocas, logo, poder como autonomia
pode se traduzir em poder como inluência, seja sobre
regulação inanceira e gerenciamento de crises nos mercados inanceiros, seja na habilidade de moldar preferências
de demais atores. Contudo, apesar de ser ainda menos
evidente como a ampliação da demanda pelo renminbi
vem proporcionando à RPC maior poder de inluência
nas demais economias, aposta-se que o gigante asiático
vem agindo neste sentido. Não somente pelas políticas
mencionadas, mas também pela inclusão do renminbi na
cesta de moedas dos DES, nota-se como o país intenta, por
meio do aumento da demanda por sua moeda, inluenciar
a ordem monetária internacional. Como já debatido, a
entrada do renminbi no rol das moedas mais inluentes não
só proporcionará mais coniança e espaço de aceitabilidade
para sua moeda, como poderá dar também maior poder
de decisão à RPC nos mais importantes fóruns decisórios
do regime monetário internacional.
É preciso acompanhar de perto as ações monetárias
chinesas no sentido de compreender as suas reais conquistas no campo monetário. Mas as políticas discutidas
neste capítulo apontam para a busca de uma maior
autonomia nas relações monetárias internacionais. O
quanto essa autonomia se traduzirá em maior inluência
nas relações monetárias internacionais – a outra face do
poder monetário – ainda demandará tempo. No entanto,
seja como ator mantenedor da ordem existente, como
254
reformador ou ainda como desaiador das regras basilares
da ordem monetária vigente, a RPC vem indubitavelmente adquirindo poder no regime monetário global
(Helleiner; Kirshner, 2014). E a ascensão do poderio
monetário chinês não vem sendo liderada pelas forças
de mercado, mas sim pelas políticas estatais.
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257
O ATUAL MOMENTO DO
DESENVOLVIMENTO CHINÊS:
PLANEJAMENTO REGIONAL,
INVESTIMENTO E COMÉRCIO
INTERNACIONAL
Alexandre Cesar Cunha Leite
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diferentemente da maioria dos textos que tratam
(e reletem a respeito) do avanço político e econômico
chinês nas últimas décadas, seja observando seus aspectos
internos e seu transbordamento para a política externa, seja
na descrição e análise das consequências de suas ações em
nível global, este texto não tem como frase de abertura a
expressão “após aproximadamente 30 anos de crescimento
econômico contínuo”.
Há motivos que sustentam esta opção e que sugerem
uma singela crítica à opção de vislumbrar exclusivamente o crescimento econômico de uma nação. O primeiro
motivo está relacionado ao objeto deste texto, a saber: o
desenvolvimento. Ao estabelecer que o objeto a ser tratado
é o desenvolvimento, parte-se do reconhecimento de que
o crescimento é um componente relevante90, porém não a
90
Deve-se entender que a taxa de crescimento econômico, mensurado
pelo PIB (GDP), não pode ser a medida exclusiva da evolução de
um país. Assim, entender os elementos que contribuem para o desenvolvimento, para além do crescimento do produto nacional. Logo,
a taxa de crescimento é um indicador relevante para desempenho,
mas não para avaliar o desenvolvimento econômico de uma nação.
259
9
essência e nem o im do que se propõe analisar. O segundo motivo é que, após este longo período de crescimento
econômico91, passa a ser relevante observar se (e como) o
crescimento econômico observado nas três décadas que
passaram gerou para a China a possibilidade de realizar
o salto qualitativo. Entende-se aqui por salto qualitativo a
passagem da consideração de indicadores quantitativos de
desempenho, tal como a taxa de crescimento do produto,
para indicadores qualitativos de desempenho que compreendem desde a melhoria na geração e distribuição de renda
(ADELMAN, 1972), modiicações no modo de produção,
com maior geração e absorção de tecnologia, introdução
de inovações (SCHUMPETER, 1982), de forma que haja
maior produtividade geral, maior (e mais acesso à) oferta
de bens e serviços à população, derivando em melhorias
nas estruturas e condições sociais (FURTADO, 1964).
Ainda, a forma de participação no luxo de mercadorias e
capitais no cenário internacional podem representar um
vetor mais relevante para se analisar a evolução da China
do que sua série histórica de crescimento econômico.
Por im, há indicadores sociais e esforço de planejamento
socioeconômico que podem dizer mais sobre o estado do
desenvolvimento chinês.
Isto posto, ica estabelecido o marco que dará norte ao texto. Trata-se de um texto que busca descrever e
analisar a condição atual do desenvolvimento chinês, passando por alguns aspectos considerados como essenciais,
91
É importante observar que o crescimento econômico chinês tem
arrefecido nos últimos anos. Segundo a Trading Economics (http://
www.tradingeconomics.com/china/gdp-growth-annual), consultada
em 2017, a taxa de crescimento do PIB chinês em 2015 foi de 6,9%,
enquanto a valor calculado para 2016 apresentou redução para 6,7%.
Cabe salientar que ainda se constitui em uma expressiva taxa de crescimento econômico. Porém, não é o comportamento deste indicador
que deine exclusivamente o estado do desenvolvimento chinês.
260
tomando fatores de ordem interna como princípio e base
da dinâmica do desenvolvimento. Posteriormente, em um
segundo momento, pretende-se expandir a leitura para o
transbordamento da dinâmica de desenvolvimento chinês
para o cenário internacional. E, assim, compreender como
na estratégia chinesa caminham pari passu os ambientes
doméstico e externo. Logo, parte-se aqui do pressuposto
de que o desenvolvimento chinês deriva de bases decisórias
domésticas que consideram a presença no cenário internacional imprescindível para sua continuidade. Assim sendo,
foca-se aqui em duas questões que irão nortear o texto: i)
qual a atual condição de desenvolvimento chinês, focado
em uma compreensão do seu desenvolvimento regional;
e ii) como as variáveis investimento e comércio externo
evoluíram para, atualmente, participar intensivamente da
dinâmica de desenvolvimento da China. Após esses dois
tópicos, encerra-se o texto com as considerações inais.
O DESENVOLVIMENTO INTERNO E
O PLANEJAMENTO REGIONAL
INTEGRADO: A CHINA
OBSERVADA POR DENTRO
É de conhecimento público que a China, a despeito do
signiicativo crescimento econômico observado nas últimas
três décadas, permanece como um país de base agrária.
Um dos pontos centrais na estratégia de progresso
nacional de Deng Xiaoping estava relacionado à percepção
da importância da zona rural e no seu crescimento, uma
vez que a China é um país de população rural, apesar de
possuir uma parcela relativamente pequena de área cultivável. Deve-se salientar que as reformas foram realizadas de
forma gradual e em etapas. A atividade rural e sua posterior
mecanização e desenvolvimento afetaram o crescimento da
China. Ademais, o tamanho e a relevância da população e
261
da produção rural chinesa têm peso suiciente para constranger o Partido Comunista Chinês (PCC) a ter atenção
a este grande grupo populacional.
Em outras palavras, o governo chinês teria
conseguido ceder, em algum grau, o controle
econômico para as localidades, sem recorrer às
privatizações. Este processo de descentralização,
todavia, não extingui a planiicação econômica,
comandada ainda pelo governo central. Assim,
enquanto o governo central manteve o controle
político e legal, os governos locais obtiveram a
liberdade de tomar decisões e fazer inovações
econômicas (LEITE, 2011, p. 30).
Contudo, a relevância do setor rural não pode conduzir a conclusão de que o crescimento econômico chinês
tem base produtiva no setor agrário e muito menos que o
desenvolvimento chinês seja sustentado pelo setor supracitado. Desenvolvimento faz-se com evolução. E a evolução
consiste no aprimoramento das condições de produção. No
caso chinês, a evolução produtiva passa pela mecanização e
industrialização da produção agrária, mas, simultaneamente,
no investimento de uma base produtiva industrial.
Faz toda diferença compreender que a China como
um país de base agrária obteve sucesso em complementar
sua estrutura produtiva, associando a gestão da capacidade de realizar investimentos (via participação efetiva
na geração e no movimento de capitais) e de alterar sua
posição no luxo do comércio internacional. São duas
bases internas relevantes para que se possa apreender o
desenvolvimento chinês.
O que atualmente pode ser observado na China
é resultado de um processo de criação das condições
básicas para que os ganhos acumulados ao longo destas
três décadas de crescimento transformassem o processo
262
produtivo, originando as condições para a passagem do
estágio tradicional e rudimentar (ROSTOW, 1978) para o
estágio no qual o crescimento das suas atividades em nível
acima da média dos demais países permite a passagem para
o estágio em que os obstáculos ao desenvolvimento são
gradualmente superados. É o momento em que o estoque
de capital acumulado associado à presença do Estadopromotor resulta em incentivos para o desenvolvimento dos
setores produtivos como um todo integrado. Assim, setor
agrícola e indústria estabelecem uma relação de unidade.
No caso chinês tal relação é dotada de grande importância
no processo de planejamento do desenvolvimento. Esta
importância está diretamente relacionada (entre outros
fatores que virão na sequência) à geograia e clima do
território chinês.
A China é dividida em quatro grandes macrorregiões
(conforme ilustra a Figura 1). Atualmente, as principais
atividades econômicas chinesas concentram-se na região
costeira (Eastern Coastal Region) e na região central (Central
Region). Os principais motivos dessa concentração são: i)
a concentração populacional; ii) as condições climáticas;
iii) as condições geográicas; e iv) a posição das duas
principais cidades que constituem os marcos políticos
e polos econômicos do país (Beijing e Shanghai). São
aspectos complementares que auxiliam a explicação da
concentração populacional e de atividades econômicas
mais dinâmicas nessas duas regiões o fato de boa parte
da região oeste da China ser imprópria para atividades
agrícolas (grande parte da região é desértica, logo encerra
uma grande demanda de capital investido) e a região norte
e extremo nordeste conter zonas restritas (de baixa condição econômica, reduzido volume de recursos naturais e
condições climáticas e geográicas desfavoráveis) e zonas
“proibidas” por ser áreas legais de proteção de reservas
naturais (IGSNRR, 2016).
263
Figura 1 – As quatro macrorregiões da China
Fonte: Institute of Geographic Sciences and Natural Resources
Research (IGSNRR), Chinese Academy of Sciences (CAS). Coletado
pessoalmente em 11/2015.
Há, contudo, um esforço de planejamento para o desenvolvimento das regiões oeste, norte e extremo nordeste. Esse
planejamento passa pela Academia Chinesa de Ciências92 que
aglutina conhecimento gerado nos seus diversos institutos
constituintes. Em linhas gerais (e tomando as três regiões
acima citadas), as ações direcionadas para estas regiões são:
i) implantar e desenvolver setores da indústria que possam
utilizar a mão de obra existente na região e os recursos naturais disponíveis; ii) manter o uso racional do espaço voltado
92
CAS – Chinese Academy of Sciences – é composto por um conjunto
de institutos de pesquisa nas mais diversas áreas cujo objetivo e dotar
a administração pública chinesa de conhecimento e informação que
possa balizar seu processo de planejamento, elaboração de projetos,
tomada de decisão e implementação de ações nas áreas de saúde
pública, meio ambiente, desenvolvimento regional, mobilidade
populacional entre outras.
264
a produção agrícola, realizando um processo de industrialização e modernização da produção agrícola (LEITE, 2013);
iii) criar uma infraestrutura básica de transporte (ferrovias e
rodovias) fazendo a ligação a rede de transporte das demais
regiões do país (LIU et al., 2009); iv) por meio das SOEs,
criar projetos-pilotos de transformação estrutural da base
produtiva integrada ao setor agrícola; v) para tanto, faz-se
necessário elaborar uma política de cuidado do solo de forma
que seja evitada a desertiicação desses espaços; vi) estimular
a produção de veículos e maquinário direcionada à produção
local (em primeiro lugar) e para exportação; e, por im, vii)
fornecer serviços básicos a população local (educação, saúde,
vocacional e treinamento técnico).
Cabe observar que, para que essas ações se tornem
concretas, deve haver um esforço de planejamento estrutural
que associa os objetivos nacionais e regionais internos e
estabelece a direção prioritária do investimento. Ou seja,
sem a participação ativa do Estado na atividade econômica
isto não seria possível.
Dai (2016, p. 265) denomina este processo como
“China-style inclusive development strategy”. Segundo
Dai (2016), a despeito do crescimento econômico expressivo ao longo das últimas três décadas (taxa média de
crescimento do PIB 1978-2013 de 9,9%), observou-se o
crescimento da desigualdade entre as regiões. É interessante
notar que ao longo dessas três décadas a renda das famílias
cresceu em média 7,0% a.a., resultando em uma redução
do número de habitantes em condição de pobreza (600
milhões de habitantes) segundo Dai (2016, p. 264). Mas esse
progresso alcançado ainda não foi suiciente para aliviar a
preocupação dos policy-makers chineses para a situação da
disparidade regional93.
93
Vale a indicação do artigo referenciado de Dai (2016). O texto
mostra a taxa de contribuição das regiões (via principais cidades e
265
Há, ainda hoje, uma signiicante disparidade entre as
regiões rural e urbana (investimento e geração de renda).
Conforme apresentado, existe um conjunto de medidas
de planejamento e investimento prioritário em regiões
especíicas para que se atenuem tais desigualdades. A preocupação nítida do governo chinês é que, mantida esta
relação desigual entre as regiões (e, consequentemente,
sua dinâmica econômica), ocorra um crescimento de
tensões políticas e sociais originadas em parcelas da sociedade chinesa, principalmente nas 56 minorias étnicas
espalhadas por essas regiões. O desaio que se coloca
diante do governo chinês é como tornar o crescimento
mais inclusivo e como “disparar” mecanismos de desenvolvimento que estejam em sintonia com a estratégia de
desenvolvimento inclusivo, por sequência, reduzindo as
disparidades regionais.
A literatura indica que a “construção de uma sociedade harmoniosa” (The 11th Five Year Plan) concedeu
prioridade a este objetivo. Ao passo que o 17º Congresso
do Partido Comunista Chinês (2007) elaborou o desenho
estratégico da ação pautada no discurso feito por Hu
Jintao em 200594. Fato é que a preocupação do governo
chinês não é infundada. A existência de disparidades
regionais além de causar um diferencial signiicativo de
renda obtida por parcelas da população e criar insatisfação popular contra o governo, deriva em problemas mais
concretos e imediatos como a mobilidade de pessoas das
94
províncias) para a composição do produto total chinês.
“A harmonious society should feature democracy, the rule of law,
equity, justice, sincerity, amity and vitality. Such a society will give
full scope to people’s capacity and creativity, enable all the people
to share the social wealth brought by reform and development, and
forge an ever closer relationship between the people and government. These things will thus result in China’s lasting stability and
unity.” (HU, 2005)
266
zonas rurais para os centros urbanos. Mesmo a existência
do sistema Hokou95 (e sua lexibilização em períodos mais
recentes) não tem sido suiciente para exercer o controle
da mobilidade da mão de obra (LI, 2014)96 causando o
inchaço em áreas urbanas (várias delas com populações
acima dos 20 milhões de habitantes).
Logo, é imprescindível ao governo chinês transformar as fontes do crescimento econômico em fontes de
desenvolvimento. A acumulação gerada em períodos de
crescimento elevado obrigatoriamente deve derivar em instrumentos estratégicos de desenvolvimento, na sua essência
investimento. Aqui opta-se por tratar de duas variáveis de
destaque na literatura econômica e, simultaneamente, chave
para o processo de desenvolvimento chinês: o investimento
e o comércio externo.
INVESTIMENTO E COMÉRCIO
INTERNACIONAL: DUAS
VARIÁVEIS-CHAVE PARA O
DESENVOLVIMENTO CHINÊS
Ao planejar sua estratégia de desenvolvimento,
o governo chinês estabelece eixos prioritários para a
95
96
O sistema Hokou consiste em um regime de controle da mobilidade
do trabalho na China. Sua origem está na estratégia que os governos
têm adotado desde os antigos regimes, como o da dinastia Qing
(1644-1911). Com a Revolução de 1949, um sistema similar foi
estabelecido, então denominado (sistema) Hukou. O sistema Hokou
tinha (na sua criação) três objetivos principais: 1) desencorajar a
movimentação dos habitantes do campo para as cidades; 2) ajudar
o governo a alocar a força de trabalho geograicamente; 3) facilitar
o controle sobre criminosos e inimigos do governo – como os
membros do Kuomingtang.
“‘three one hundred million people’ question: settle 100 million
farmers in cities and towns, transform living conditions of 100
million people living in shanty towns and urban villages, urbanize
100 million people in the Midwest.”
267
intervenção política. Assim, no que concernem às políticas
de desenvolvimento chinesas do período pós-1990, Leite
(2011, p. 86) aponta quatro grandes eixos: i) dado o
reconhecimento da força de uma economia global de
escala crescente, assim a China deveria mirar seu empenho
de crescimento em um modelo intensivo no lugar do
modelo extensivo de crescimento dos períodos precedentes.
Seguindo esse eixo, viu-se como primordial a participação
da China na economia global, consequentemente um
projeto de inserção internacional próprio, diferenciado
da recomendação liberal; ii) o entendimento de que a
população deveria ter um maior poder de compra, tal como
um padrão de vida melhor que seria resultado de uma maior
e mais eiciente produção de mercadorias somada a admissão
de princípios pragmáticos de planejamento econômico e
social; iii) a China deveria aderir as regras do PCC; IV) o
país deveria adotar e nutrir uma diplomacia de paz, além
de buscar uma inserção internacional pacíica. Conforme
sustenta Liseng (2004), Deng Xiaoping foi o responsável
por mudanças profundas nas esferas da sociedade chinesa,
entre elas economia, cultura e política.
O investimento é a variável chave do desenvolvimento. Contudo, o caso chinês reserva particularidades.
A primeira diz respeito a quem organiza e controla os
recursos destinados ao desenvolvimento. É a capacidade de governança do aparato estatal chinês que cria,
mobiliza e realiza a gestão dos recursos produtivos. O
processo de acumulação de capital tem uma intensiva participação do aparelho de Estado chinês, o que
também influencia significativamente o tipo de desenvolvimento obtido ao longo de anos de crescimento
econômico. As reformas colocadas em curso no projeto
de modernização chinês focaram, simultaneamente, na
criação de uma rede doméstica de ganhos (inclusão e
acesso a bens e serviços era essencial) e na adequação
268
da sua estrutura a existência de um mercado (doméstico e externo) como um mecanismo a ser usado a
favor dos objetivos políticos e econômicos chineses.
O estabelecimento de zonas econômicas especiais, o
direcionamento dos investimentos para setores estratégicos e a associação do Estado chinês a essas atividades
integradas sinalizam que o controle e, sobretudo, a
decisão política e econômica centralizada são fatores
distintivos do caso chinês.
A posse de recursos produtivos e a significativa
participação do governo no movimento de recursos
externos permite que este atue em espaços nos quais
as economias periféricas ocidentais confiaram à iniciativa privada (FURTADO, 1974; CHANG, 2004;
REINERT, 2016). O processo de desenvolvimento
chinês não segue os ditames propostos na virada neoliberal do Consenso de Washington. Em termos de
desenvolvimento, o governo chinês estabelece a estratégia, considera a existência do mercado, mas usa esta
estrutura a seu favor, tomando em conta seus objetivos.
Este comportamento pode indicar uma operação da
gestão pública mais adequada à proposta de crescer
e desenvolver, ultrapassando as barreiras e obstáculos
colocados pelas nações desenvolvidas (CHANG, 2004;
REINERT, 2016).
Os investimentos realizados, além de concentrarem-se
em áreas prioritárias e estratégicas delimitadas pelo governo chinês, não se restringiram ao ambiente doméstico.
Parcela signiicativa do investimento chinês é realizado
na criação de infraestrutura, capacidade produtiva, rede
logística doméstica e fornecimento de bens essenciais
para a população97. Contudo, outro montante relevante
97
Ainda assim, observa-se na China o problema de desigualdades
regionais e desvios na distribuição de renda almejada.
269
apresenta-se na forma de investimentos no exterior. Os
continentes africano e latino-americano (GALLAGHER,
2016)98 tornaram-se, principalmente após o marco de
2001, destino preferencial dos investimentos chineses.
Antes disto, na década de 1990, a China já expandia seus
investimentos no seu entorno regional, numa proposta
geoeconômica de integração regional. Consequência desse
movimento é a forte presença chinesa na região da Ásia
Pacíico e Ásia Central.
Ainda no que concerne à política de investimentos chinesa, é necessário abordar brevemente que os investimentos realizados internamente são diretamente inluenciados pela atração de capital estrangeiro. A China,
já ao inal dos anos 1980, estabelecia uma estrutura legal
para garantir e estimular a entrada de capital estrangeiro
(MANTZOPOULOS; SHEN, 2011). Com essa iniciativa, a
China torna-se polo atrativo de capital direcionado às suas
atividades produtivas. Mas a política chinesa guarda uma
distinção de outros casos de políticas de atração de capital
estrangeiro. Os denominados joint capital ventures (JCV)
constituíam concessões legais para empresas, indivíduos
e/ou grandes corporações internacionais para atuarem no
mercado chinês em atividades previamente delimitadas
pelo governo e com parceria nos ganhos proporcionados
pelo capital. A formação das joint-ventures99, aplicada de
98
99
Gallagher denomina de Latin America-China Boom.
Segundo o IPEA, as joint-ventures são que um tipo de associação
entre duas ou mais empresas que se associam em prol de adquirir
benefícios em determinado setor, mediante a alguma atividade.Vale
destacar que essa associação não afeta a identidade de ambas as empresas. Ainda segundo o IPEA, “A China facilita a entrada no país
para companhias que formem joint-ventures com empresas chinesas
do mesmo setor, de modo a facilitar a transferência de tecnologia.
Caso algum empreendedor queira se estabelecer na China sem se
associar a nenhuma companhia local, enfrentará barreiras quase in-
270
uma forma distinta, uma vez que o governo chinês, além
de ser a instituição reguladora, era uma parte interessada na
negociação e, atuando como agente econômico, constituiu
uma importante ferramenta para conversão e direcionamento do capital investido (LEITE, 2011)100.
O luxo inicial de investimentos externos recebidos
pela China concentrou-se nos setores de manufaturas e
construção civil. É compreensível a escolha do destino.
Um país com demanda reprimida por bens de consumo
duráveis e não duráveis, cujo setor industrial ainda se estabelecia, associado ao objetivo prioritário de uniformizar o
acesso a bens e serviços à população, tornar-se-ia atrativo
ao capital estrangeiro (e suas expectativas de retorno). No
que concerne ao setor de construção civil não é estranho
dado a sua elevada demanda de mão de obra e a vasta
disponibilidade desta no país. Gradualmente, a partir
dos anos 1990, o capital começa a luir para o setor de
serviços, principalmente os subsetores de comunicação,
transporte e inanceiro.
transponíveis”. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desaios/
index.php?option=com_content&id=2110:catid=28&Itemid=23>.
100
A primeira legislação relativa às joint ventures da gestão pós-Mao
é de 1979, debatida na Segunda Sessão do Fifth People’s Congress.
Esta legislação passou por diversas discussões e atualizações até a
18ª Sessão do Ninth People’s Congress no qual icou estabelecido
em prol de uma maior abertura à presença estrangeira nos processos de cooperação econômica e transferência de tecnologia,
assim como estimular o desenvolvimento econômico do país, a
República Popular da China permitiria empresas, indivíduos e
outras organizações estrangeira a estabelecer atividades no país.
Ainda, empresas de capital estrangeiro só poderiam estabelecer-se no país, se e somente se, suas atividades forem benéicas ao
desenvolvimento econômico da China, promovendo a evolução
do setor produtivo industrial, a indústria exportadora chinesa e
fortalecendo a geração e transferência de tecnologia avançada
(MANTZOPOULOS; SHEN, 2011, p. 62-63).
271
Segundo Mantzopoulos e Shen (2011), a China
obteve múltiplos ganhos com a entrada de capital
estrangeiro. O primeiro deles consiste na modernização
de equipamentos industriais, da disseminação de novas
técnicas de produção e no aprimoramento do setor
de produção de bens para exportação – voltarei a este
tópico mais adiante. Esse mesmo fluxo de investimento
estimulou (e complementou o esforço do governo
chinês) os setores no que concerne a adoção de maior
tecnologia no processo produtivo. Ganharam assim
a produção e, consequentemente, o setor produtor
de mercadorias voltadas ao mercado externo. Os
autores supracitados sugerem que os investimentos
realizados em pesquisa e desenvolvimento (R&D)
foram positivamente afetados pelo estímulo à presença
de capital estrangeiro. Qu et al. (2016) sugerem que
o efeito do crescimento do IDE afeta positivamente
o desempenho das empresas, principalmente em seu
esforço de inovação e desenvolvimento de novas
tecnologias. Os autores supracitados mostram que
há um vetor positivo na relação entrada de capital
estrangeiro e aumento de investimentos em pesquisa
e desenvolvimento (R&D). O resultado é uma gradual
mudança do perfil da produção chinesa. O made in
China que anteriormente conduzia à percepção de
um produto de baixa qualidade já não faz mais justiça
ao que é produzido na China atualmente. O próximo
passo do setor produtivo chinês é agregar ao made in
China o developed in China.
O segundo fator signiicativo para a distinção chinesa no atual cenário global e para seus propósitos de
desenvolvimento diz respeito ao tratamento das variáveis
relativas ao comércio internacional. A China tem logrado sucesso na evolução do seu padrão exportador. Ou
seja, a estratégia de exportação e o tipo de mercadoria
272
exportada pela China foi gradualmente progredindo.
Em sua fase inicial, sua importação caracterizava-se por
uma grande demanda de insumos importados (minério,
derivados agrícolas, bens alimentícios e óleo bruto) de
diversos mercados ao redor do globo. Adicionalmente,
a China era demandante de mercadorias manufaturadas
não produzidas internamente. Esta composição constituía-se em uma forma de compor a oferta interna e evitar
que o país passasse, novamente, por períodos de carestia
e que o custo da produção interna não fosse impactado
pela insuiciência de insumos produtivos. Consequentemente, a despeito de uma fase inicial de déicit comercial
contraído com os principais exportadores dos bens acima citados, a sequência dos acontecimentos leva a crer
que este período e o resultado inicial era parte de um
propósito maior (ver tabela com a evolução temporal
do luxo comercial chinês).
Esses insumos importados tornaram-se a base da
cadeia produtiva chinesa, portanto, essencial para seu
processo de produção, modernização e crescimento. De
certa maneira a China acabou tornando-se um consumidor contumaz de bens primários, principalmente de
países latino-americanos e de países africanos (LIMA,
2016;VADELL, 2013; GALLAGHER; PORZECANSKY,
2010; JENKINS, 2015), entre outros.
Simultaneamente, a China era tida como a grande
exportadora de produtos manufaturados de baixa intensidade em inovação e tecnologia. Consiste no aperfeiçoamento do seu setor produtivo, sustentado em uma
política de intervenção do Estado associado às estratégias
de desenvolvimento (hierarquia de setores, mobilidade
de mão de obra, gestão do custo de produção, criação
de infraestrutura produtiva, entre outras) à base da mudança no tipo de mercadorias produzidas, sua qualidade
e, portanto, no padrão do papel desempenhado pelas
273
variáveis comerciais. A exportação é uma fonte de geração de divisas e uma variável alternativa de impulso ao
crescimento econômico, sendo assim responsável pelo
processo de acumulação de capital (geração ex post de
capital para investimento). A importação permanece
com a função de complementar a oferta interna seja
de insumo (prioridade estratégica), seja de mercadorias
(não produzidas internamente).
A reforma da estrutura comercial chinesa data do
início dos anos 1980. Nesse período estava claro para os
tomadores de decisão estatais que a China necessitava
de reservas. Empresas estatais chinesas (SOEs) foram
então conduzidas pelo governo a destinar a produção
ao mercado externo101. Simultaneamente, a partir dos
anos de 1983 e 1984, o governo chinês permite que
as empresas exportadoras retivessem 50% de seus ganhos na forma de divisas conversíveis. Um outro instrumento relevante na alteração do perfil exportador
chinês foi o estabelecimento das agências de comércio
exterior (foreign trade agencies). Era responsabilidade
das agências representar, autorizar e assinar os acordos
de importação e exportação. Uma função importante,
porém pouco ressaltada, era a descentralização operacional relacionada ao comércio externo. Já ao final da
década de 1980 era possível observar uma fase adiante
da alteração do modus operandi comercial chinês. Segundo Mantzopoulos e Shen (2011), via as agências,
o governo descentralizava e dava agilidade financeira
ao fluxo comercial. Ainda, criava-se um link entre as
fases de produção e distribuição, tornando mais dinâmica e menos burocrática a relação entre produção e
exportação. E, por fim, liberava o governo central de
101
Naquelas cidades cuja produção/produtos tinha características
exportadoras.
274
decisões micro, permitindo que este concentrasse na
coordenação e regulação macro das atividades exportadores, principalmente.
Em 1988, o comércio exterior, sob gestão do Ministery
of Foreign Economic Relations and Trade (MOFERT) – o que
posteriormente passaria a ser conhecido como Ministery of
Foreign Trade and Economic Cooperation (MOFTEC) –, em
decreto, tornou universal o sistema de agências de comércio
por considerar que a descentralização e a universalização
do programa traria um forte impacto no luxo comercial
chinês. E de fato esse impacto foi observado. Percebe-se,
nos dados abaixo, a evolução do luxo comercial chinês
(Tabela 1). Esse luxo foi gradualmente crescendo, principalmente após o marco de 2001 e a aceitação da entrada
chinesa à OMC.
Tabela 1 – Fluxo total de comércio chinês
(em US$ bilhões)
Fluxo total de
comércio chinês
em US$ bi
1992
1998
2001
2009
2015
Importações
80,58
140,23
243,55
1.005,55
1.681,67
Exportações
84,94
183,80
266,09
1.201,64
2.281,85
Fonte: UN Comtrade Database, 2016.
Vale ressaltar, para além dos mecanismos operacionais,
a geograia do luxo comercial chinês. Atualmente a China
constitui-se como principal parceiro comercial regional. Sua
política de abertura comercial (open door policy) teve como
primeiro foco seu entorno regional. Num curto período
de tempo, a China já igurava como o principal parceiro
275
comercial do Japão. Em 2008, o montante negociado
entre a China e os países do continente asiático atingiam
53,3% do total. Neste mesmo ano, 40% das exportações
chinesas tinham como destino o continente asiático102.
Em 2013, segunda a mesma fonte, o montante exportado
pela China para este mesmo mercado já havia alcançado
o volume de 43%.
O mesmo roteiro serve para outros mercados. A
China tem atualmente (dados de 2013/2014) ampla
participação no mercado norte americano. Em 2013 a
China foi responsável por 24% do total de exportações
do continente norte americano. Os dados de 2014
indicam que o montante exportado permaneceu em
24% do total.
O foco chinês desde a sua aceitação na OMC são
os continentes africanos e latino-americano103. E nestes
continentes os dados de participação chinesa não fogem
do padrão. Contudo, é interessante retornar a uma questão
apresentada no início deste tópico. O tipo de mercadoria
exportada pela China para esses mercados tem relevância
na análise do desenvolvimento alcançado pelo país. Como
resultado de uma política de investimento direcionada estrategicamente pelos governos ao longo das últimas décadas,
a China hoje é exportadora de produtos de maior valor
agregado (Figura 1).
Dados retirados do Observatório de Complexidade Econômica
(<http://atlas.media.mit.edu/en/>).
103
Em 2001, a China exportava para a América do Sul e África, respectivamente, 1,5% e 1,4% do seu total de exportações. Em 2008,
estes mesmos atores regionais recebiam respectivamente, 3,3% e
3,1% do montante exportado pela China para o mundo. Em 2013
e 2014, mantendo os espaços, 4,4% e 3,9% e 4,2% e 4,2%. Fonte:
http://atlas.media.mit.edu/en/visualize/tree_map/hs92/export/
chn/show/all/2014/.
102
276
Figura 1 – Tipologia e participação de
mercadorias no total exportado pela China
2001-2014 (em %)
Fonte: The Observatory of Economic Complexity (2017)
Observa-se que houve uma alteração na tipologia
das mercadorias exportadas pela China. Ou seja, não foi
apenas uma expansão comercial. Consistiu em uma expansão comercial com agregação de valor às mercadorias
comercializadas. Não é de causar estranhamento o projeto
de expansão e diversiicação de suas redes de transporte.
Como se pode observar na Figura 2, o projeto logistico
chinês congrega os objetivos de expandir e diversiicar
suas redes de transporte e comerciais, com o objetivo de
levar desenvolvimento a certas regiões do país que constituem metas de desenvolvimento local. Um exemplo é
a região oeste da China, aqui exempliicada pela cidade
de Chongqing.
Com a consecução deste projeto, somado aos projetos
de infraestrutura direcionados à África e América Latina,
ambos com inanciamento chinês, o país expande sua
277
rede logistica, comercial e ainda garante investimentos em
infraestrutura local interna em regiões foco dos projeto
domésticos de desenvolvimento (como apresentado no
primeiro tópico).
Figura 2 – As redes de transporte
terrestres e marítimas.
Obs.: 1) em azul escuro duas linhas principais em direção à oeste – Chongqing
é um dos novos polos de desenvolvimento regional; 2) em roxo está delimitado
o projeto da ferrovia que fará a travessia pelo território chinês e a ligação com
a Europa; 3) uma outra rota terrestre chega até o litoral da Tailândia; e 4) em
cinza encontra-se demarcada a rota marítima.
Fonte: IGSNRR, 2016.
A observação do projeto das redes logísticas chinesas mostra um propósito de distribuição de mercadorias
que atenderiam a todos os mercados continentais. Rotas
terrestres e marítimas somadas atendem ao objetivo de
integrar e desenvolver as regiões oeste e extremo noroeste104 ao centro dinâmico do desenvolvimento chinês.
104
O desenvolvimento e maior integração da região noroeste chinesa
ainda atende ao objetivo de dirimir questões territoriais (inclusive
de cunho separatista) e questões relativas à segurança territorial. Já
rotas marítimas atendem às metas de defesa de espaços hoje palco
de disputas com países da região. São exemplos o Estreito de Malaca
278
Simultaneamente, permitiriam o transporte de mercadorias (e passageiros) aos mercados europeu (passando pela
Ásia Central) e africano. Projeto semelhante vem sendo
constituído para o mercado latino-americano (uma estrutura de transporte ferroviário que corta o continente
e um canal de passagem de embarcações que substituiria
o Canal do Panamá são exemplos).
Percebe-se, tomando por base as informações expostas, que o projeto chinês supera a manutenção da sua
taxa de crescimento econômico. A afirmação aqui não
atribui caráter secundário ao crescimento econômico.
Análises já foram realizadas (LEITE, 2011; LYRIO,
2010) mostrando o quão relevante é para a manutenção
do PCC no poder e para a estabilidade política chinesa
manter um crescimento econômico em um nível de
inclusão e acesso a bens e serviços pela população chinesa. Contudo, a inclusão e acesso ao consumo dá-se
no nível da expansão da renda que tem, entre outras
fontes, os ganhos gerados nos setores de produção para
exportação e na política de investimentos do Estado
chinês. Essas duas variáveis, juntas, respondem por
parcela significativa do atual desenvolvimento chinês,
sendo ambas foco da política participativa do governo
no planejamento e coordenação das decisões e ações
pública e privada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto que ora se encerra teve como foco o atual
estágio do desenvolvimento chinês à luz da observância
do seu planejamento doméstico regional e da análise de
duas variáveis chave para o desenvolvimento econômico
e as ilhas artiiciais do Mar do Sul da China (CÁCERES, 2014;
HAYTON, 2014).
279
chinês: o peril do investimento e a alteração no padrão do
comércio externo chinês.
Observou-se que (i) é parte do plano de ação chinês
levar desenvolvimento para áreas de menor dinamismo e
mais distantes dos polos de concentração de atividades industriais.A estratégia envolve o aprimoramento da atividade
agrícola via mecanização e/ou industrialização do processo
de produção agrária. Desenvolver áreas rurais é essencial
para o controle populacional nas grandes cidades e para a
manutenção de parcela da população em áreas rurais com
elevação da sua renda auferida. Percebe que tal estratégia
sugere ainda que o governo chinês está atento ao problema atual de desigualdade regional e de concentração de
renda. E (ii) ao fazer uso eiciente do montante de capital
acumulado (interno e na captação de capital estrangeiro)
na forma de investimento doméstico e de projeção para
mercados internacionais. Parte dessa estratégia é alcançada
via processo de inserção internacional chinesa. No bojo
desse movimento de inserção encontram-se a elevação do
luxo comercial e a mudança qualitativa no tipo de mercadoria exportada e o luxo de investimentos chineses em
mercados emergentes, tal como os continentes africano e
latino-americano.
Assim, pode-se observar que, para além da contabilidade do crescimento econômico chinês, há indicadores de
desenvolvimento consideráveis a ser analisados ao longo
das três décadas de crescimento econômico chinês. O país,
ainda de peril agrário, tem obtido sucesso, a despeito de
obstáculos consideráveis, atingindo níveis superiores de
desenvolvimento.
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Brazilian dilemma. Latin America Policy, v. 4, n. 1, p. 36-56, 2013.
283
SOBRE OS AUTORES
Javier Vadell (org.)
Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, líder do Grupo de Pesquisa sobre as
potências médias, editor da Revista Estudos Internacionais e
bolsista de produtividade de Pesquisa CNPQ – Nível 2.
E-mail: javier.vadell@pucminas/javier.vadell@gmail.com
Alexandre Cesar Cunha Leite
Docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual
da Paraíba (PPGRI/UEPB). Docente do Programa de
Pós-Graduação em Gestão Púbica e Cooperação Internacional da Universidade Federal da Paraíba (PGPCI/UFPB).
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ásia
Pacíico (GEPAP/UEPB/CNPq), pesquisador do Grupo
de Pesquisa em Potências Médias (GPPM/PUCMINAS/
CNPq) e do Instituto de Estudos Ásia (IEA/UFPE). E-mail:
alexccleite@gmail.com
Aline Regina Alves Martins
Professora do curso de Relações Internacionais e do
Programa de Pós-Graduação e Ciência Política da Universidade Federal de Goiás (UFG). A autora agradece ao
Núcleo de Estudos Globais (NEG) da UFG, em especial
aos bolsistas de iniciação cientíica Isaque Elias Portilho
285
e Letícia Rosa pela ajuda na aquisição de dados e fontes.
E-mail: alinemartins.ufg@gmail.com
Giuseppe Lo Brutto
PhD en Economía Política del Desarrollo. Profesor-investigador del Posgrado en Sociología del Instituto de
Ciencias Sociales y Humanidades “Alfonso Vélez Pliego”
(ICSyH) de la Benemérita Universidad Autónoma de
Puebla (BUAP). Miembro del Sistema Nacional de Investigadores de México (SNI). Coordinador del Grupo
de Investigación en Cooperación Sur-Sur e Integraciones
Regionales de la Red Espãola de Estudios del Desarrollo
(GICSS-REEDES). E-mail: giuseloby@msn.com
Henk Overbeek
Professor Emérito de Relações Internacionais do Departamento de Ciência Política e Administração Pública, da
Vrije Universiteit Amsterdam. E-mail: h.w.overbeek@vu.nl
Li Xing
Professor e diretor do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento e Relações Internacionais da Aalborg University, Dinamarca. É também editor-chefe do Journal of China
and International Relations. E-mail: xing@cgs.aau.dk
Marcos Costa Lima
Professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutor pela
Unicamp e pós-doutorado pela Université Paris VIII – Villetaneuse. Coordena na UFPE o Instituto de Estudos da
Ásia. E-mail: marcosfcostalima@gmail.com
Mariana Burger
Doutoranda em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Mestre em Relações Internacionais pela Tsinghua
University. Mestre em Direito Internacional pela UFMG.
286
Especialista em Global Afairs pela NYU. E-mail: burgermariana@gmail.com
Pedro Neves
Professor de Relações Internacionais do UNIBH.
E-mail: neveshpedro@gmail.com
Rafael Domínguez
Director de la Cátedra de Cooperación Internacional
y con Iberoamérica, Departamento de Economía, Universidad de Cantabria. ORCID: orcid.org/0000-0002-59380023. E-mail: rafael.dominguez@unican.es
Timothy Shaw
Professor da University of Massachusetts, Boston,
professor emérito da University of London e professor da
Aalborg University, Dinamarca. Editor da série de livros
de International Political Economy da editora Palgrave
Macmillan & Routledge. E-mail: timothy.shaw@umb.edu
Yuan Ma
Departamento de Ciência Política e Administração
Pública, da Vrije Universiteit Amsterdam. E-mail: yuan.
ma@vu.nl
287
Este livro foi impresso em papel Of-Set 75g,
pela Paulinelli Serviços Gráicos Ltda.