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MOTIVAÇÕES HODIERNAS PARA ENSINAR GEOGRAFIA

Sumário 1. Construindo conceitos do relevo terrestre Simone Ballmann de Campos, Kênya Naoe de Oliveira, 2. A cartografia escolar no ensino de geografia da 5° série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de geografia 4. Explorando o google earth e atlas eletrônico para o ensino de geografia: práticas em sala de aula 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 1. A importância do desenho para crianças cegas 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico de um estudante invisual 3. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 4. Acessar a cidade: imagens mentais de deficientes visuais sobre rotas urbanas 5. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 6. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos na internet para ensinar cartografia escolar e tátil. Ps. Financiado pelo CNPq, impresso em 2009.

MOTIVAÇÕES HODIERNAS PARA ENSINAR GEOGRAFIA Representações do espaço para visuais e invisuais Ruth E. Nogueira (org.) MOTIVAÇÕES HODIERNAS PARA ENSINAR GEOGRAFIA Representações do espaço para visuais e invisuais 1ª Edição Florianópolis, 2009 Copyright © 2009 Direitos Reservados Organização Ruth E. Nogueira Projeto Gráfico e Ilustrações da Capa Larissa Elena de Bittencourt Pavan Projeto da Capa Luisa Nogueira Loch Revisão Giovanni Secco Impressão Editora Nova Letra M918 Motivações hodiernas para ensinar geografia : representações do espaço para visuais e invisuais /Ruth E. Nogueira (org.). – Florianópolis : [s.n.], 2009. 100p. Inclui bibliografia 1. Geografia – Estudo e ensino. 2. Cartografia. 3. Crianças deficientes visuais. I. Nogueira, Ruth Emilia. CDU: 91:37 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 Agradecimentos É importante registrar nossos agradecimentos a todos os autores, tanto pela colaboração e compromisso na redação dos textos quanto pela realização das pesquisas e extensões que são aqui, em parte, relatadas. Agradecemos também às escolas, aos professores e estudantes do ensino básico que se dispuseram a compartilhar seu saber e permitiram nossa mediação para construirmos novos saberes. Aos membros da Associação para Integração do Cego de Santa Catarina, especialmente aos deficientes visuais que participaram de nossas pesquisas, nosso muito-obrigado, por permitirem que invadamos seu universo e por compreenderem o significado que damos ao termo “inclusão”. Agradecemos aos envolvidos na preparação do livro: à Kênya Naoe de Oliveira, pela leitura e acompanhamento dos textos revisados e suas sugestões para as correções necessárias; ao Giovanni Secco, pela valiosa revisão dos textos, incluindo uma avaliação do que foi comunicado e sugestões de aprimoramento; à Luisa Nogueira Loch, pela criação da capa; e à Larissa Pavan, pela diagramação do livro. Também queremos agradecer a colaboração de alunos bolsistas nas pesquisas e extensão universitárias, como o Rafael Ferreira, o Carlos Augusto Feller e o Robson Felipe Parucci dos Santos, e aos alunos de Geografia da UFSC que participaram de cursos em que aplicamos algumas das propostas aqui apresentadas. Gostaríamos de agradecer à Universidade Federal de Santa Catarina, especialmente à direção do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), pelo apoio incondicional na criação do LabTATE. Às nossas colegas e diretoras Prof.ª Maria Juracy Filgueiras Toneli e Prof.ª Agradecimentos 05 Roselane Neckel, incansáveis na busca do bem-estar ambiental e social como condição para acontecer o ensino e a pesquisa no CFH, nosso respeito e admiração. Finalmente, nossos agradecimentos especiais ao CNPq, que tornou possível a realização desta obra, com o projeto “Os mapas: como são concebidos e utilizados”. A organizadora 06 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Sumário Apresentação | 04 Sobre os Autores | 04 Propostas criativas no ensino de Geografia: calcanhares de Aquiles ou apolíneos? A escolha é sua, professor! 1. Construindo conceitos do relevo terrestre Simone B. de Campos, Kênya N. de Oliveira, Ruth E. Nogueira | 04 2. A cartografia escolar no ensino de Geografia da 5° série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos Raphaela Desiderio, Roberta Sumar, Rosemy da S. Nascimento | 04 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia Ana P. N. Chaves, Ruth E. Nogueira 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula Magnun S. Voges, Kênya N. de Oliveira, Ruth E. Nogueira, Rosemy da S. Nascimento 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? Marcus Fuckner | 04 | 04 | 04 Sumário 07 Experiências reveladoras: desenhos e representações gráficas bi e tridimensionais no ensino de invisuais 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais Luciana C. Almeida, Ruth E. Nogueira 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico de um estudante invisual Ruth E. Nogueira, Sara Andrade 3. Acessar a cidade: imagens mentais de deficientes visuais sobre rotas urbanas Geisa Golin, Ruth E. Nogueira, Gabriela A. Custódio, Felipe Mendes | 04 | 04 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis Rosemy da S. Nascimento, Gabriel Lima, Leonildo Lepre Filho 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos na internet para ensinar cartografia escolar e tátil Ruth E. Nogueira | 04 | 04 | 04 6. A importância do desenho para crianças cegas Maria de Lurdes Matzebat 08 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais | 04 Apresentação E sta obra marca um momento importante na trajetória da pesquisa em Cartografia Escolar e Ensino de Geografia de um grupo de aprendizes no mundo do trabalho que abraçamos, partilhamos e fazemos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estamos aqui transcrevendo caminhos trilhados com colegas e estudantes da graduação e da pós-graduação em Geografia e de outros que se engajaram conosco, como os professores e estudantes do ensino básico, deficientes visuais e instituições de educação especial. Os métodos e materiais didáticos apresentados nos textos deste livro foram organizados com o intuito de favorecer raciocínios para suscitar atitudes propositivas do professor perante os diferentes temas geográficos. As atividades propostas nos textos convocam o aluno a participar ativamente, discutindo, pesquisando, fazendo, descobrindo, comunicando... É lógico que a maioria daquilo que está aqui relatado já foi experimentada ou vivida de outras maneiras por diversos colegas em algum momento. Contudo, essas são as nossas recriações do ensino do espaço geográfico. Consideramos significativas as aprendizagens efetuadas a partir de outras fontes bibliográficas, de colegas do mesmo trilhar, por isso partilhamos aqui nossas experiências e os conhecimentos adquiridos ao ensinar. Atrevemo-nos a tornar público este material porque acreditamos na abordagem dada como um viés para ensinar Geografia; um jeito de fazer, algumas possibilidades e interpretações nesse afã. Como proposta, este trabalho está aberto a sugestões, colaborações e reconstruções ou desconstruções. Portanto, este livro mostra experiências e estudos de um grupo de trabalho no ensino da Geografia, e a representação do espaço que inclui também esse ensino aos deficientes visuais, denominados aqui, muitas vezes, de invisuais, na tentativa de Apresentação 09 minimizar alguns efeitos que a primeira expressão acarreta. Foi escrito a muitas mãos, que ensinam e aprendem e aprendem e ensinam... são muitas trocas. O local de apoio para a realização dos trabalhos do grupo de autores é o Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar da UFSC (LabTATE). Esse laboratório foi criado em 2006 como resultado das pesquisas que vinham sendo desenvolvidas desde o ano de 2002 nas áreas que emprestam o nome ao laboratório. Portanto, somos um grupo jovem, mas já conseguimos algumas transformações no ensino da Geografia na universidade e fora dela. Esperamos que esta obra, ao alcançar outras paragens do nosso país, consiga estimular companheiros nas searas de ensinar ou de escrever suas experiências no ensino. Na primeira parte do livro, instigamos o professor a reconhecer limitações ou desafios antigos e a conhecer novos limiares e metodologias auxiliares para a solução deles; por isso o título dado, “Propostas criativas no ensino de Geografia: calcanhares de Aquiles ou apolíneos? A escolha é sua, professor!”, dedicado ao ensino de Geografia e da Cartografia Escolar. Os capítulos, caracterizados por temas distintos, abarcam conteúdos geográficos tratados em diferentes séries do ensino fundamental. O relevo terrestre, as regiões do Brasil, a geografia urbana e a caracterização física e socioeconômica de municípios são assuntos ensinados com os mapas. No primeiro capítulo, os mapas pictóricos impressos são utilizados para construir conceitos de relevo terrestre em recriações tridimensionais (maquetes de argila), conduzidas pelo professor e executadas pelos alunos mediante atividades lúdicas. Ainda com o tema Cartografia, como conteúdo da Geografia da 5ª série, são mostradas atividades que auxiliam na construção de conceitos espaciais pelo aluno, de maneira muito particular, como se poderá constatar também com a leitura do segundo capítulo. Nos terceiro e quarto capítulos, os mapas aparecem na internet e nas geotecnologias como importantes instrumentos para ensinar o espaço geográfico. Algumas reflexões sobre a Cartografia Escolar apoiada em bibliografia estão presentes em todos esses capítulos, antes da apresentação da metodologia de ensino aplicada nas aulas propostas. 10 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Também não poderia ser esquecido um importante aliado no ensino da Geografia: os atlas escolares. Eles são abordados em meio eletrônico para construções dos saberes nas aulas de Geografia e abordados separadamente em um capítulo específico, refletindo-se sobre os conteúdos veiculados neles, a partir de estudos dos atlas escolares municipais no Brasil. Desse estudo são elencados quais os conteúdos que esse tipo de atlas poderá veicular. A segunda parte contém seis capítulos, que revelam resultados de pesquisa e ensino do microespaço geográfico para invisuais. O título dessa parte, “Experiências reveladoras: desenhos e representações gráficas bi e tridimensionais no ensino de invisuais”, revela o conteúdo dos capítulos apresentados. As atividades propostas em cada um deles abrangem desde a investigação de como o espaço geográfico é percebido pelos invisuais até as representações desse espaço em mapas táteis cognoscíveis para eles. A intenção é mostrar que é possível ensinar Geografia para invisuais, a partir da utilização de representações gráficas como mapas e maquetes táteis, desde que aqueles sejam motivados a fazer suas representações espaciais verbalmente ou com desenhos. Algumas experiências nesse sentido são mostradas e podem auxiliar professores que têm alunos com baixa visão ou cegos em sua sala de aula de Geografia. Pode-se alfabetizar cartograficamente o escolar dito normal no ensino da Geografia; então, também há condições de o professor de Geografia auxiliar o professor da Educação Especial a intermediar a apropriação do espaço pelo deficiente visual, pois o geógrafo conhece muito mais sobre as representações cartográficas que outros professores. Alfabetizar geograficamente inclui a leitura e o entendimento do conteúdo veiculado pelos mapas. Isso significa que os invisuais precisam ser ensinados a ler mapas para conceberem o espaço que não podem ver, mas que vivem e percebem; e os mapas são importantes instrumentos para essa aprendizagem. Por que os desenhos são importantes para os invisuais? Convidamos a professora Maria Lúcia a nos dar respostas a essa questão. Todavia, observamos na prática que, se os deficientes visuais não forem Apresentação 11 estimulados a desenhar objetos do cotidiano, jamais se sentirão confortáveis para representar o espaço vivido e, assim, apresentarão dificuldades em ler mapas táteis e entendê-los. Observamos isso em um deficiente visual que se sentiu intimidado quando perguntamos se gostaria de desenhar seu trajeto no interior de um edifício. Ele respondeu: “Eu nunca desenhei algo... não gosto disso...”. Em contrapartida, uma criança invisual altamente motivada pelos pais e professores sentiu-se à vontade para desenhar o que gosta, sentindo-se segura para comunicar com desenhos o que pensa, sente ou compreende a respeito de objetos e do espaço em que vive. Enfim, estamos chegando à escola, ao professor de Geografia, para compartilhar experiências vividas com alunos visuais e invisuais no que tange ao ensino do espaço geográfico. A organizadora 12 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais parte I Propostas criativas no ensino de Geografia: calcanhares de Aquiles ou apolíneos? A escolha é sua, professor! 1 Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre Simone B. de Campos Kênya N. de Oliveira Ruth E. Nogueira “Podem ter a certeza de que não foi quando descobriu a América, mas sim quando estava a descobri-la, que Colombo se sentiu feliz.” (Fiodor Dostoievski) O objetivo primordial deste artigo é apresentar algumas práticas na construção do conhecimento em Geografia e a representação do espaço geográfico para a 3ª série, ou 4º ano, do ensino fundamental. Para tanto, iniciamos fazendo uma rápida reflexão sobre a alfabetização cartográfica, objeto de investigação de grupos de pesquisadores e/ou professores de Geografia, que se preocupam com o ensino do mapa nas séries iniciais. Também discutimos as tendências no ensino da Geografia nessas séries com o intuito de permitir aos professores conhecê-las, questioná-las e, a partir de então, ressignificar sua prática, considerando a presença do movimento, da vida e dos grupos sociais na construção do espaço. Na seqüência mostramos duas práticas que podem ser desenvolvidas com alunos da 3ª série, que possibilitam uma aprendizagem mais profícua sobre as diferentes formas de relevo terrestre. 1. Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre 15 ALFABETIZAÇÃO CARTOGRÁFICA A alfabetização cartográfica nas séries iniciais permite e aponta diferentes práticas para que a criança aprenda simultaneamente a pensar e a ler o espaço. Para Castelar (2000, p. 30), tal alfabetização consiste num “processo que se inicia quando a criança reconhece os lugares, conseguindo identificar as paisagens", o que ocorre na primeira infância. Estimular a criança a ampliar o seu olhar sobre o espaço auxiliará no reconhecimento de si diante do que a circunda e na sua identificação como ser social. Em alfabetização cartográfica podem ser identificadas duas vertentes. Numa delas, o ensino vai do todo às partes; e, na outra, das partes ao todo. Em ambas, porém, alguns princípios colocam-se como necessários para que a criança consiga alfabetizar-se geograficamente, sendo o domínio do próprio corpo o marco inicial em uma e outra. Dessa forma, na primeira vertente, a criança relaciona-se com o domínio do seu corpo, com o espaço cósmico, com a natureza, com as noções temporais, com o Sistema Solar, com a Terra, com o lugar onde mora. Na outra vertente, que também tem como referência inicial o próprio corpo, estuda-se, na seqüência, a representação dos espaços conhecidos (por meio de maquetes e plantas da sala de aula), para, posteriormente, seguir aos mapas básicos, como o do caminho entre a casa e a escola e o do bairro, chegando aos mapas temáticos, e assim progressivamente. Helena Callai (2005), entretanto, critica a postura teórica que, ao abordar uma sucessão linear de conteúdos, do todo às partes ou viceversa, considera o espaço como fragmentado e isolado. Ao afirmar que “a dinâmica do mundo é dada por outros fatores”, Callai (2005, p. 230) corrobora com a perspectiva de autores como Deleuze e Guattari (1995), que, com a metáfora da árvore e do rizoma, comparam a perspectiva linear do conhecimento com a perspectiva em rede. Para estes autores, a imagem da árvore relaciona-se com um “conhecimento temporal e espacialmente articulado, estruturado em uma continuidade determinada e que, para ser compreendido, precisa respeitar os desdobramentos hierarquicamente estabelecidos nos campos específicos de cada ciência” 16 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais (KENSKI, 1997, p. 65). Já o conhecimento rizomático enseja como características os princípios de conexão, de heterogeneidade, de multiplicidade, de ruptura e de cartografia. No rizoma não existe ponto central; todos os tipos de associações são possíveis. Dessa forma, saberes que eram considerados específicos de certas ciências são ressignificados e utilizados em outros campos do conhecimento. Para Deleuze e Guattari (1995), da cartografia fazem parte o mapa e o hipertexto. Tais autores vêem a cartografia como um dos princípios do pensamento rizomático ao afirmarem que “o mapa não reproduz um inconsciente fechado nele mesmo, ele o constrói” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 22), já que é aberto e permite modificações constantes. No hipertexto, concomitantemente, há a possibilidade de movimento rápido de uma seção para outra, por meio de links, cujos conjuntos chamam-se nós e formam as redes. Atualmente, o acesso ao Google Earth, hipertexto cartográfico, permite o contato dos internautas com a cartografia. TRANSDISCIPLINARIDADE E ENSINO DA CARTOGRAFIA Concepções teóricas em consonância com práticas que propiciem a interlocução dos conhecimentos das várias ciências, numa perspectiva transdisciplinar, possibilitarão avanços na compreensão do desenvolvimento humano na sociedade hodierna. A transdisciplinaridade dos conteúdos deve ter como foco o desenvolvimento do aluno como ser integral. Ensinar a conceituar em cima, embaixo, ao lado, à direita, à esquerda, bases necessárias ao domínio espacial, é também objetivo de outras disciplinas, como a Psicomotricidade, uma ciência que contribui de maneira expressiva para a formação e estruturação do esquema corporal e para a compreensão da maneira como a criança toma consciência do seu corpo e das possibilidades de se expressar por meio dele, localizando-se no tempo e no espaço. Dessa forma, ao desenvolver habilidades necessárias para adquirir “conceitos que são requisitos para a análise dos fenômenos do ponto de vista geográfico" (CAVALCANTI, 1998, p. 88 apud CALLAI, 2005, p. 232), o professor tem a possibilidade de 1. Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre 17 interligar conteúdos de diversas áreas, otimizando a aprendizagem dos seus alunos. A lateralidade, por exemplo, é foco da Educação Física, da Psicomotricidade, da Arte e da Matemática, além da Geografia. Mesmo que no dizer de Callai (2005) haja “uma linguagem cartográfica” que perpassa a linguagem das palavras e dos números, tais linguagens podem ser adquiridas de maneira significativa pela criança por meio de projetos que integrem as diversas disciplinas, já que a alfabetização é permeada por inúmeras linguagens, como a midiática, que consiste na interação do sujeito com os diferentes meios de comunicação e divulgação do conhecimento. Perceber esse processo e atuar sobre ele é um desafio, mas compõe uma das funções sociais da escola. Sendo a integração do saber uma construção permanente, requer o diálogo constante, entre o corpo docente e o discente, com a natureza e com a sociedade. O conhecimento prévio do aluno também deve ser valorizado ao se identificar a função dos símbolos e dos signos criados socialmente, como a linguagem de um modo geral ou, no caso da Geografia, por meio da linguagem dos mapas. Simielli (1998) cita algumas habilidades específicas que a criança necessita desenvolver para interagir com as relações espaciais, entre as quais a observação e a representação de formas oblíquas e verticais, a comparação de tamanhos, a localização de posições, o uso de legendas nas representações, a noção de escala e a orientação espacial. A realização de atividades de mapeamento promoverá a capacidade de entender um espaço tridimensional representado de forma bidimensional, assim como o sentido de referência em relação a si próprio e em relação aos outros, e também o significado de distâncias e de tamanhos. Além desses domínios, a criança também deve reconhecer o espaço vivido e as relações que dele fazem parte. Por isso, se antes de ler o mapa, baseando-se na sua realidade concreta, a criança aprender a construir mapas adequados à sua faixa etária (croquis, maquetes, trajetos, percursos, plantas da sala de aula, da casa, do pátio da escola, mapas cognitivos), em consonância, conseguirá compreender, com o passar do tempo, “as relações espaciais topológicas, projetivas e euclidianas, para estruturar esquemas de ação” 18 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais (CASTELLAR, 2005, p. 214). Além disso, poderá entender que há distorções durante o processo de mapeamento, como, por exemplo, ao trabalhar com a escala, terá condições de perceber que ela não é algo determinado, mas fruto de opções ou de escolhas que ocorrem durante o processo de elaboração dos mapas. A realidade concreta do espaço em que vive cada criança e os seus “lugares de passagem”, conforme expressão de Virilio (1999), nos percursos que realiza habitual e esporadicamente, além de cartografados, podem servir de fundamento para discussões sobre as condições de vida da população. Perceber se a praça está sendo cuidada ou não, se há calçamento nas ruas, se o esgoto é tratado ampliará o rol de estranhamentos diante do que não é natural, ampliando a ótica do cidadão co-responsável pelo espaço que habita. Duas atividades que revelam articulação entre a cartografia e o espaço vivido são exemplificadas abaixo, em práticas realizadas com alunos do ensino fundamental de uma escola particular de Florianópolis, SC. COMPREENDENDO AS FORMAS DO RELEVO TERRESTRE Conteúdo: “O relevo de Santa Catarina na 3ª série do ensino fundamental”. Objetivos: a) identificar as principais formas de relevo terrestre; b) relacionar as formas de relevo terrestres com as existentes em Santa Catarina; c) observar, in loco e por meio de vídeo, algumas formas de relevo e compará-las com as experiências realizadas; d) construir conceitos bidimensionais sobre relevo a partir do uso de formas tridimensionais; e e) relacionar aspectos físicos com sociais. 1. Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre 19 Prática 1: Compreendendo as formas do relevo Participantes: 25 alunos da 3ª série Duração: 2 horas Material necessário: argila, recipiente de plástico (tabuleiro), água, palito de dente, papel, cola e caneta. Método Considerando o processo de alfabetização cartográfica, buscouse, primeiramente, adequar o conteúdo à faixa etária da referida série, em torno dos 9 anos. De acordo com Piaget (2003), a criança dessa idade encontra-se, geralmente, no nível das operações concretas, por isso, se a construção do conhecimento partir do real, do palpável, os conceitos serão adquiridos ou “acomodados“ com mais facilidade. Assim, se se trabalhar com o tridimensional, ao abstraí-lo, a compreensão do bidimensional ocorrerá com maior facilidade. Dessa forma, para compreender e identificar as formas de relevo terrestre, durante a aula as crianças foram reunidas em grupos de cinco alunos e distribuiu-se um recipiente de plástico (tabuleiro) para que elas construíssem com argila todas as formas de relevo dentro dele, de maneira tridimensional. Cada forma foi nomeada; por exemplo, montanha, planície, etc. Para dar mais dinamicidade ao experimento, usou-se água para representar a parte hidrográfica. Posteriormente, nominaram-se as formas de relevo e fez-se a relação com aquelas que eram percebidas pelas crianças no cotidiano e nos passeios realizados. Um vídeo intitulado “Santa Catarina de balão” também foi utilizado como recurso durante a discussão do grupo sobre o assunto estudado (SANTA CATARINA DE BALÃO, 2008). Resultados da prática As hipóteses e deduções dos alunos de 3ª série durante a realização do experimento com a argila enriqueceram a formulação de conceitos 20 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais por eles. O represamento da água na área mais baixa do relevo da maquete (Figuras 1 e 2), por exemplo, proporcionou a percepção de como se constitui uma ilha. Nesse ínterim, uma das crianças do grupo afirmou que “a água representava o mar, pois ilha só existia no mar”. Iniciou-se então o estudo das ilhas fluviais, como a do Bananal, que foi citada por outra criança ao refutar a hipótese do colega de classe sobre a existência de ilhas somente em ambiente marítimo. Nesse afã, com a utilização do vídeo foi possível discutir sobre outras formas de relevo e de vegetação e realizar conexões entre as formas construídas com argila ou percebidas nos espaços cotidianos. Essa prática mostra como é possível, com um material simples e acessível, favorecer um processo de aprendizagem significativo. A aprendizagem significativa não diz respeito apenas a aspectos cognitivos dos sujeitos envolvidos no processo, mas está intimamente relacionada com as suas referências pessoais, sociais e afetivas. Por isso, não ocorre da mesma forma e no mesmo momento para todos. Figura 1 – Descobrindo e construindo as formas do relevo Foto: Campos (2007) 1. Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre 21 Prática 2: Principais formas do relevo de Santa Catarina Participantes: 25 alunos da 3ª série Duração: 2 horas Material necessário: argila, mapa temático do relevo de Santa Catarina, pedaço de madeirite (30 cm x 40 cm), papel, palito e caneta. Método Como já se havia trabalhado o tridimensional anteriormente, na construção das formas de relevo no recipiente de plástico, nesta atividade, a partir de um mapa temático do relevo de Santa Catarina, as crianças construíram com argila, sobre um contorno do Estado feito em uma base de madeirite, as formas de relevo sobressalentes na região. Ao representar a Planície Costeira, as Serras Litorâneas e o Planalto Ocidental, cada grupo evidenciou uma maneira diferenciada de interpretar a realidade. Resultados da prática A discussão com o grupo sobre o tema em evidência possibilitou correlacionar os aspectos físicos do Estado de Santa Catarina entre si e com outros, de cunho social ou econômico. As crianças perceberam que as regiões mais frias do Estado ficavam nas áreas mais elevadas, que as serras interferem no direcionamento dos rios das duas principais vertentes catarinenses e que os imigrantes que colonizaram cada área influenciaram na economia e na cultura da região. As maquetes mostrando o relevo do Estado de Santa Catarina produzidas pelas diversas equipes foram comparadas entre si, pois, apesar de todos observarem mapas idênticos para realizar a tarefa, apresentaram óticas diferentes daquilo que viram (Figuras 2 e 3). Esse é um fato a ser considerado por todos os professores, independentemente da disciplina ou da faixa etária para a qual lecionam: a interpretação de fatos ou imagens feita pelo aluno traz, em seu âmago, as experiências anterio- 22 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais res de cada um, por isso não são idênticas. Ao considerar as vivências dos alunos, facilitam-se a ampliação e o enriquecimento da construção do conhecimento. Em termos piagetianos, poder-se-ia dizer que se constroem significados integrando o novo material de aprendizagem aos esquemas de compreensão da realidade que o indivíduo possui. Para Vygotsky, por sua vez, “o sujeito não imita os significados – como seria o caso do condutismo – nem os constrói, como em Piaget, mas literalmente os reconstrói” (POZO, 1998, p. 196). Figura 2 – Maquete do relevo de Santa Catarina produzida por uma equipe de alunos Foto: Campos (2007) Nas aulas de Geografia, as concepções de educação e de geografia que o professor possui podem fazer a diferença; por isso, o estímulo ao aperfeiçoamento docente deve ser constante. Paulo Freire, o grande educador brasileiro, lembra que “o professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso das vidas e da gente, o professor malamado, sempre com raiva do mundo e das pessoas..., nenhum desses passa pelo aluno sem deixar sua marca” (FREIRE, 1997, p. 73). Dessa 1. Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre 23 Figura 3 – Exemplares de maquetes do relevo de Santa Catarina produzidos pelos alunos Foto: Campos (2007) forma, o professor, ao deixar a sua marca, deve considerar que a aprendizagem e a auto-estima do aluno estão entrelaçadas. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Procurar compreender a forma como o aluno aprende, o contexto em que ele vive, é base primordial ao conceber-se cada aluno como ser integral, que “por meio e além” da linguagem cartográfica precisa de ferramentas para aprender a ler o mundo, para nele viver com dignidade. Ao possibilitar que, a partir das suas vivências, as crianças possam estabelecer relações com outros lugares e modos de viver, próximos ou distantes, dando espaço para o estabelecimento de hipóteses, para a construção da crítica e a identificação de possibilidades de mudança, a alfabetização cartográfica nas séries iniciais promove a educação num sentido amplo, associada a outras ciências. 24 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Entrementes, independentemente da ferramenta que o professor utilize no processo de ensino/aprendizagem dos conteúdos relacionados à sua disciplina, o ponto de partida de cada aula deveria ser norteado pela reflexão de Paulo Freire: que marca deixarei nos seus alunos? REFERÊNCIAS CALLAI, Helena C. Aprender a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Cad. CEDES, Campinas, v. 25, n. 66, p. 227-247, maio/ago. 2005. CARLOS, Ana Fani (Org.) et al. A geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. CASTELLAR, Sônia M. V. Educação geográfica: a psicogenética e o conhecimento escolar. Cad. CEDES, Campinas, v. 25, n. 66, p. 209-225, maio/ago. 2005. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. INSTITUTO PAULO FREIRE. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti/Artigos/Portugues/Filoso fia_da_Educacao/Interdisci_Atitude_Metodo_1999.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2007. KENSKI, Vani M. Novas tecnologias: o redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, n. 8, p. 58-71, maio/ago. 1998. PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. 1. Oficinas, Espaço do Saber: construindo conceitos do relevo terrestre 25 PONTUSCHKA, Nídia N.; OLIVEIRA, Ariovaldo (Org.). Geografia em perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2004. POZO, Juan. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SANTA CATARINA DE BALÃO. Florianópolis: Studio Clipagem, 2008. son/col. DVD, NTSC. VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. 26 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 2 A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos Raphaela Desiderio Roberta Sumar Rosemy da S. Nascimento “O essencial, com efeito, na educação, não é a doutrina ensinada, é o despertar.” (Ernest Renan) O conhecimento geográfico e a leitura dos mapas geram uma relação de intimidade espacial, com a qual a representação dos objetos de estudo podem ser analisados em diversos aspectos, principalmente quando se tem a prática escolar como proponente. No percurso histórico da cartografia na Geografia, há dois momentos que marcam essa relação. Num passado não muito remoto os mapas eram utilizados apenas para localizar os espaços e temas. Após a década de 1970, muitos geógrafos já começavam a se preocupar em como usar e como correlacionar esses mapas, e como construí-los por meio da comunicação cartográfica. Essas manifestações deram origem à atual aplicação dos mapas na Geografia, nos mais diversos meios de divulgação, seja nos livros, seja nas geotecnologias digitais, como os sistemas de informações geográficas (SIGs). 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 27 Este trabalho visa apresentar uma das experiências vividas em quatro oficinas apresentadas em “Cartografia escolar: noções básicas e considerações sobre a cartografia no ensino de Geografia na 5ª série do ensino fundamental”. Essa foi a segunda oficina realizada no Laboratório de Cartografia e Fotointerpretação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ministradas por acadêmicos do curso de PósGraduação em Geografia, as oficinas tinham como objetivo abordar temas da cartografia escolar, através da fundamentação teórica e de práticas experimentais. O bloco de quatro oficinas foi oferecido como um curso de extensão aos alunos da 2ª fase do Curso de Graduação em Geografia. Nessas oficinas, além da cartografia na 5ª série do ensino fundamental (ou 6° ano, conforme o novo currículo de 9 anos), foram abordados os temas de alfabetização cartográfica, cartografia digital e programas de mídia eletrônica, todos relacionados aos conteúdos do 4° Ciclo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Essas oficinas também tiveram como meta aproximar os alunos da Pós-Graduação e da Graduação, com o propósito de estimular a reflexão e a discussão sobre conteúdos e algumas ferramentas utilizadas no processo de ensino/aprendizagem da Geografia. Antes da descrição da experiência da oficina, é necessário fazer um breve histórico da trajetória da cartografia no Brasil, principalmente no processo de ensino/aprendizagem da Geografia. Nesse percurso, vários professores começaram a se preocupar como se dá a apreensão do conhecimento por meio dos mapas. UM BREVE HISTÓRICO DA CARTOGRAFIA NO PROCESSO DE ENSINO/APREDIZAGEM DA GEOGRAFIA O texto a seguir foi retirado da tese de Doutorado da Prof.ª Dr.ª Roseli Sampaio Archela, em que faz um recorte da cartografia brasileira na Geografia dos anos 1935 até 1997, apresentando com muita propriedade o processo histórico da construção e do uso dos mapas. Conforme Archela (2000), a cartografia conceituada como ciência e arte tem na sua história fatos marcantes da sua aplicação, conforme os 28 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais interesses das sociedades de cada época. Fazendo uma leitura no século XIX, a cartografia era voltada para a tecnologia de levantamentos e topografia militar. Na Geografia, os mapas eram estudados quanto às projeções, cores e representação de relevo, para a elaboração de atlas. No final da década de 30, começava a surgir a cartografia temática. Sob essa perspectiva, geógrafos ligados à pesquisa da geografia regional viam os mapas como um vasto campo de estudos. Já nas décadas de 40 e 50, discute-se a importância da impressão visual no design cartográfico e na clareza e legibilidade dos mapas, dando início a uma preocupação com o processo pelo qual as teorias de comunicação cartográficas eram idealizadas. Na década de 60, o conceito de Cartografia é definido pela Associação Cartográfica Internacional (ACI) como “o conjunto de estudos e operações científicas, artísticas e técnicas que intervêm a partir de resultados de observações diretas ou da exploração de uma documentação existente, tendo em vista a elaboração e a preparação de plantas, mapas e outras formas de expressão, assim como sua utilização”. Essa definição traz à luz, além da arte, a arquitetura, o design e a forma de comunicação visual. Nos anos 70, começam a surgir as teorias que explicam os diversos modelos de comunicação da informação cartográfica, como a Teoria da Comunicação Cartográfica, a Teoria da Modelização, a Semiologia e a Teoria da Cognição. Apesar de possuírem diferenças terminológicas entre elas, mantinham a mesma combinação: realidade/construtor de mapas/usuário/imagem materializada dessa realidade. Archela (2000), na sua escrita, enfoca que nessa época também surge a preocupação com o uso do mapa como leitura e meio de retorno à realidade. Entretanto, foi a partir de meados da década de 80 que a Prof.ª Dr.ª Simielli, da Universidade de São Paulo (USP), começou a analisar os mapas e verificou que serviam apenas como meio de transmissão de informações, fato que influenciou a produção dos livros didáticos de Geografia, atlas, dissertações, teses, entre outros. Também nessa época o Professor Libault, autor de Geocartografia, definiu “os quatro níveis da pesquisa geográfica”, em que correlacionou cartas de declividade e orientação de vertentes, procurando verificar quais as influências dessas variáveis no uso do solo agrícola de Jundiaí, SP. Com esse enfoque, organizou as cartas de hipsometria, declividade, isotermas anuais, solos, 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 29 geologia, formas e processos de erosão e uso do solo. Da análise e correlação dessas variáveis chegou a um documento cartográfico preliminar de síntese, elaborado pelo sistema convencional, “A carta de capacidade de uso da terra”, influenciando as produções do IBGE, da UNESP de Rio Claro e da UFRJ. Professor francês, Bertin fez surgir da Semiologia – a teoria geral dos signos – a Semiologia Gráfica. Os significantes são as variáveis visuais utilizadas para transcrever as relações entre os dados. As variáveis visuais são tamanho, valor, textura, cor, orientação e forma. Esse brilhante mestre foi o primeiro pesquisador a organizar um quadro de variáveis visuais com as propriedades perceptivas da linguagem gráfica. Ele enfatizou a transcrição da linguagem escrita para a visual, considerando as relações apresentadas entre os dados. Assim, a sistematização de tais relações e sua representação gráfica é o ponto de partida na caracterização da linguagem gráfica. Dessa forma, toda informação deve ser transcrita visualmente. Para isso, é importante observar cuidadosamente as propriedades significativas das variáveis visuais para representar as informações geográficas em um mapa. Nos anos 90, surgem outros trabalhos acadêmicos reforçando a semiologia gráfica como meio de representação geográfica, através de mapas e diagramas. A Teoria Cognitiva como método cartográfico envolve operações mentais lógicas, como a comparação, a análise, a síntese, a abstração, a generalização e a modelização cartográfica. Nessa corrente de pesquisa cartográfica, o mapa é considerado uma fonte variável de informações, dependendo das características do usuário. Peterson (1987 apud ARCHELA, 2000) estudou como as imagens mentais consideradas na Psicologia Cognitiva são aplicadas na Cartografia, principalmente no estudo da comunicação cartográfica. Salientou que muitos cartógrafos reconheciam a importância do processo cognitivo. Também nessa linha, Harley (1989) enfatizava que nunca se deve “subestimar o poder dos mapas para a imaginação, pensamento e consciência dos leitores”. No Brasil, segundo Archela (2000), o primeiro trabalho na linha da cognição dos mapas foi desenvolvido por Lívia de Oliveira (1978), na obra “Estudo metodológico e cognitivo do mapa”, com base na psicologia 30 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais do desenvolvimento de Piaget. Para a Prof.ª Dr.ª Lívia, havia dois pontos marcantes nesse processo: a capacitação do professor em como ensinar com mapas; e outro voltado para a cartografia para crianças. Pode-se dizer que este iniciou um processo na direção do ensino/aprendizagem do mapa no Brasil, dando origem a outras pesquisas em cartografia e cognição, semiologia gráfica e comunicação cartográfica, como as obras de Cartografia para o ensino fundamental. Segundo Taylor (1991 apud ARCHELA, 2000), o reflexo mais moderno da teoria da modelização está na introdução da tecnologia de SIGs, unindo métodos matemáticos e estatísticos, programas gráficos e não-gráficos da informática, o que resulta em bases cartográficas que interagem com bancos de dados alfanuméricos, visando à produção de documentos cartográficos para a análise espacial. Corroborando com os autores acima citados, pode-se dizer que o uso do mapa como objeto de pesquisa científica e também como recurso didático no ensino, associado ao avanço da informática, tem possibilitado novas formas de registro da informação geográfica. Esses mapas podem ser visualizados por meio dos diversos ramos tecnológicos do geoprocessamento, como na cartografia digital, em SIGs, sensoriamento remoto, fotogrametria digital e sistema de posicionamento global (GPS). Esses autores, além de mostrarem a evolução da construção e do uso dos mapas, também possibilitaram estimular uma reflexão continuada sobre a apreensão do conhecimento geográfico com base nas teorias da Psicologia, da Semiótica e da Cognição. ELABORAÇÃO DA OFICINA: ORIENTANDO UM “MAPA” DE POSSIBILIDADES Por que razão, então, o cidadão comum precisa saber o que são paralelos, meridianos, longitude e latitude? Penso que há apenas uma razão realmente pertinente para que alguém tenha que aprender esses conceitos: eles estão envolvidos no conceito de mapa. (ALMEIDA, 2004). 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 31 Como complementação da disciplina Tópicos Especiais – Cartografia para o Ensino de Geografia, foi proposta aos alunos da PósGraduação uma pesquisa bibliográfica sobre a cartografia escolar e a preparação de uma oficina. “Cartografia escolar: noções básicas e considerações sobre a cartografia no ensino de Geografia na 5ª série do ensino fundamental” foi o tema dessa oficina. Nessa linha de pensamento, remete-se à leitura de Santos (2002) a respeito do sentido metafórico dos mapas. Por isso, essa experiência “[...] permite a conversa sempre inacabada entre a representação do que somos e a orientação que buscamos” (SANTOS, 2002, p. 224). Representação e orientação são duas das noções básicas da cartografia que são trabalhadas no 3º Ciclo do Ensino Fundamental e estão diretamente envolvidas na construção e leitura de mapas. Ainda de acordo com Santos, “a incompletude estruturada dos mapas é a condição de criatividade com que nos movimentamos entre seus pontos fixos”. Os pontos fixos já estavam estabelecidos, mas precisava-se criar as ferramentas para que houvesse movimentação entre eles. Nosso objetivo era criar condições para que todos os envolvidos exercitassem habilidades em relação a noções básicas de cartografia, mediante a apresentação de materiais que facilitassem a abordagem dessas temáticas em sala de aula e a prática de conhecimentos de localização, lateralidade e orientação espacial. A oficina foi estruturada em dois momentos. No primeiro, houve a apresentação teórica de algumas ferramentas de apoio para o ensino de cartografia no 3° Ciclo do Ensino Fundamental. Durante essa exposição, foi apresentado um vídeo como complemento da teoria. Já num segundo momento, partiu-se para uma atividade prática, cujo tema foi a orientação espacial. 32 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais REALIZAÇÃO DA OFICINA “CARTOGRAFIA ESCOLAR: NOÇÕES BÁSICAS E CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARTOGRAFIA NO ENSINO DE GEOGRAFIA NA 5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL” O plano de ensino da oficina foi estruturado em dois momentos: uma parte teórica, pelo método expositivo-dialogado sobre aspectos da cartografia no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental, com apresentação de vídeo contendo um capítulo de um seriado nacional exibido em 2002 por um canal de TV aberta (disponível em DVD), cujos temas abordados foram formas de orientação e localização na atualidade, e noções básicas de escala, pontos cardeais, orientação, medição cartográfica, localização, representação, mapa e tipos de mapas. Na segunda parte, fez-se uma prática de orientação espacial no campus da UFSC e desenho do trajeto realizado através de um croqui. Primeira Parte: A Cartografia Escolar para a 5ª Série do Ensino Fundamental: Conteúdos e Abordagens A apresentação dos conteúdos de cartografia no ensino fundamental e a forma com que a cartografia está estruturada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) permitem ao educador um exercício reflexivo sobre a diferenciação dos usos de produtos cartográficos e suas abstrações nos diferentes níveis e faixas etárias. Na proposta de Simielli1, referência na cartografia escolar, a cartografia para a 5ª série em diante está estruturada em dois eixos. No primeiro eixo, o professor deve trabalhar com produtos cartográficos já elaborados (mapas, cartas, plantas), para que, ao final do processo, tenha-se um leitor crítico que simplesmente use o mapa para localizar as informações geográficas (SIMIELLI, 2001, p. 99). Já no segundo eixo, o aluno participa do processo, chegando-se ao “mapeador consciente”. Os dois eixos acima propostos 1 A cartografia para o ensino de Geografia trazida pelos PCNs é embasada na proposta dessa autora. 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 33 consideram que o educando já tenha passado pela fase de alfabetização cartográfica, ou pelo menos por parte dela. A cartografia é um instrumento essencial no ensino de Geografia. Para além das simples localizações, saber ler um mapa oferece muitas possibilidades de análises geográficas. Atualmente, os produtos cartográficos convencionais e os obtidos pelo geoprocessamento são ferramentas importantes no processo de ensino/aprendizagem. Através deles, é possível explorar uma série de conteúdos geográficos conectados às principais noções de cartografia escolar. Escala, coordenadas geográficas, projeções, orientação, localização e representação são noções fundamentais da cartografia no ensino de Geografia. Quando internalizadas desde o processo de alfabetização, facilitam o entendimento concreto de uma série de conteúdos geográficos. Nos PCNs, a cartografia é citada como instrumento de aproximação dos lugares e do mundo, que contribui não apenas para que os alunos venham a compreender e a utilizar uma ferramenta básica da Geografia, os mapas, como também para desenvolver capacidades relativas à representação, localizações e relações entre as temáticas e suas espacialidades. O estudo da linguagem cartográfica é importante e fundamental desde o início da escolaridade, pois com ele o aluno começa a desenvolver suas noções espaciais. Esse processo de aprendizagem acontece conforme os níveis de desenvolvimento e as etapas de aprendizagem. Uma proposta de abordagem da linguagem cartográfica nessa fase de escolaridade pode estar associada, por exemplo, ao uso de histórias em quadrinhos. Na oficina, utilizaram-se algumas tiras da revista em quadrinhos “Mafalda”, que podem auxiliar o professor no processo de ensino/aprendizagem da cartografia na escola. Com essa tira é possível trabalhar questões como localização, formas de representação da Terra, projeções, coordenadas geográficas, entre outras, relacionadas com o conteúdo programático da disciplina e com a criatividade do professor. 34 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 1 – Tiras dos quadrinhos Mafalda. Sugestão de ferramenta para abordagem da cartografia escolar Fonte: Quino (1993) 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 35 Das histórias em quadrinhas à favela carioca: cartografias do cotidiano no vídeo “Correio” da série “Cidade dos Homens” A exibição do episódio “Correio”2, da série “Cidade dos Homens”, mostrou com muita descontração elementos de orientação espacial utilizados na prática, em nosso cotidiano, como o que é uma representação da realidade através de um croqui que eles chamavam de mapa, suas possíveis finalidades, o ato de ler e a confecção de um croqui, endereços residenciais e formas de orientação na favela e na cidade. É interessante destacar que, no caso desse episódio, o autor chama a atenção ao fato de que em um mapa oficial da cidade as favelas aparecem como áreas verdes, como se não existissem no contexto da cidade. O episódio também foi uma ferramenta importante para a discussão da cartografia no cotidiano da cidade. Na sala de aula, o vídeo se tornaria um misto de discussões entre a serventia de mapas para cidadãos comuns e a discussão de temas geográficos tão atuais como as segregações espaciais, a violência urbana, o tráfico de drogas e todo um mundo paralelo que existe no universo das favelas brasileiras, nesse caso as cariocas. Os participantes da oficina acharam uma ótima idéia o uso desse recurso, pois utiliza uma linguagem simples, tratando-se de duas crianças que se depararam com questões de localização e orientação, além de outras que podem e devem ser aproveitadas pelo ensino de Geografia, como as semelhanças e diferenças que existem entre os mapas e a realidade espacial. Também foi discutido e questionado acerca da possibilidade da proibição desse vídeo por algumas instituições escolares e o cuidado no tratamento das questões que envolvem o tráfico, porte de armas, enfim, toda situação que envolve as comunidades que estão inseridas nessa dinâmica espacial. 2 Sinopse: “Na favela não há correio. Para evitar as confusões rotineiras na associação dos moradores, onde todas as cartas são entregues, Laranjinha e Acerola são escalados pelo tráfico para trabalhar como carteiros. O problema é que com esta missão vem junto uma ameaça: nenhuma carta pode deixar de ser entregue. Se isto acontecer, eles terão que se entender com o dono do morro. Para se livrarem deste problema, resolvem fazer um mapa da favela para que os carteiros profissionais possam fazer o trabalho. Descobrem que esta atividade pode até ser muito rentável. Mas um mapa identificando ruas e vielas não é exatamente a melhor notícia para os traficantes”. (Roteiro: Kátia Lund e Paulo Lins. Direção: Kátia Lund e Paulo Lins. Argumento: Kátia Lund). Disponível em: <http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=17560&id_serie=5735>. 36 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Segunda Parte: Oriente-se entre Teoria e Prática Para a compreensão do espaço geográfico é necessário que o aluno, desde o início de sua formação escolar, exercite e aprenda conceitos relativos a noções espaciais, como, por exemplo, lateralidade, relações entre os elementos, proporção, perspectivas, tamanhos, escalas, localização e distribuição, entre outros. Segundo Almeida (2004, p. 18), “geralmente, o aluno não tem domínio do todo espacial e usa pontos de referência elementares para localização e orientação. A passagem para o domínio de referenciais geográficos e a elaboração de mapas iniciais deve ser gradativa e pode realizar-se por meio de atividades que o levem a vivenciar técnicas de representação espacial”. A partir da característica acima, citada por Almeida, foi elaborado um roteiro para facilitar o desenho do croqui do trajeto, utilizando-se instrumentos de orientação espacial como bússola e GPS. No roteiro havia itens de orientação espacial, cuja execução sempre partiu de referenciais espaciais para sua determinação. Assim, havia diversas maneiras de orientação, dependendo do instrumento e dos elementos, ou melhor, dos referenciais utilizados. Antes de seguir o roteiro, foi feita uma breve apresentação sobre os primeiros contatos do aluno no estudo do espaço, com noções de lateralidade, a história e as finalidades de instrumentos clássicos como a bússola e a rosa-dos-ventos, a constelação do Cruzeiro do Sul e o Sol, até elementos mais modernos e de alta precisão, como os aparelhos de GPS. Na seqüência, deu-se início ao uso do roteiro para a realização de um trajeto no próprio campus da UFSC, para a prática de orientação espacial. Foram utilizados passos dados como referência de medida, bússola, GPS e trena. Durante o trajeto, os participantes surpreendiam-se com as informações e faziam questionamentos. Uma surpresa foi que achavam que certa direção seria num sentido, enquanto a bússola afirmava ser em outro, admitindo-se a falta de treino e de uso desse tipo de informação. Mesmo com as dificuldades, os acadêmicos mostraram-se entusiasmados com a prática. 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 37 Figura 2 – Roteiro do trajeto realizado na prática de orientação espacial Fonte: Desiderio e Sumar (2007) 38 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais No fim da atividade, cada aluno fez seu croqui (desenho) do trajeto realizado. Figura 3 – Fotos dos instrumentos como bússola e GPS utilizados durante o percurso Fotos: Sumar (2007) Figura 4 – Exemplo de croqui dos trajetos Foto: Sumar (2007) 2. A Cartografia Escolar no ensino de Geografia da 5ª série do ensino fundamental: praticando a orientação e desenhando trajetos 39 Após a prática, conversou-se sobre a aplicabilidade da atividade numa turma de 5ª série, quando todos concordaram ser uma atividade lúdica ideal para a faixa etária dos alunos, pois eles se adaptam a atividades que envolvem aventura dentro e fora da sala de aula. CONCLUSÃO Todo o processo envolvido na realização dessa oficina configurou-se como um exercício de formação, além de se confirmar a necessidade de articulação do ensino à pesquisa e extensão. Também permitiu aos futuros profissionais de Geografia experimentar as possibilidades de refletir sobre os conteúdos da Geografia no ensino superior e formas de aplicá-los no contexto da geografia escolar em todos os níveis. Nas reformas curriculares dos cursos de licenciatura, já é possível observar a crescente preocupação com o ensino da geografia escolar, como, por exemplo, na Universidade Federal de Santa Catarina, com a inserção da disciplina Cartografia Escolar na 5ª fase do Curso de Geografia. Essas iniciativas fazem com que o educando e futuro educador estejam em contato permanente com questões relativas à educação geocartográfica. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, P. C. G. Trabalhando com mediadas e medições expeditas no terreno e no mapa. São José dos Campos: INPE, 2003. Disponível em: <http://mtc-m12.sid.inpe.br/col/sid.inpe.br/jeferson/ 2003/09.02.08.55/doc/publicacao.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2006. ALMEIDA, R. D. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2004. ALMEIDA, R. D.; SANCHEZ, M. C.; PICARELLI, A. Atividades cartográficas: ensino de mapas para jovens. São Paulo: Atual, 1996. 4 v. 40 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais ARCHELA, Roseli S. Análise da cartografia brasileira: bibliografia da cartografia na geografia no período de 1935-1997. 2000. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. BARCELOS, V. Educação ambiental e formação de professores(as): contribuições filosóficas da antropofagia cultural. In: ZAKRZEVSKI, S. B.; BARCELOS, V. (Org.). Educação ambiental e compromisso social: pensamentos e ações. Erechim: Edifapes, 2002. (Pensamento Acadêmico, 33). BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Geografia. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. CALLAI, H. C. A formação do profissional da Geografia. 2. ed. Ijuí: Ed. da Unijuí, 2003. (Coleção Livros de Bolsa). CASTELLAR, S. (Org.). Educação Geografia: teorias e práticas docentes. São Paulo: Contexto, 2005. (Novas Abordagens. GEOUSP). 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A Geografia como ciência social procura estabelecer relações entre a sociedade e a natureza, com o objetivo de estudar, analisar e tentar explicar o espaço produzido pelo homem, ou seja, o espaço geográfico. Nesse sentido, a Geografia em sala de aula deve fornecer instrumentos e capacitar estudantes e professores na tentativa de proporcionar condições para que eles tenham uma visão crítica, sistêmica e cidadã a respeito do ambiente em que vivem. No universo escolar, o espaço geográfico e suas relações – objetos essenciais nas aulas de Geografia – são comumente apresentados e ilustrados por meio de mapas, fotografias aéreas e imagens de satélites. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 43 Entretanto isso não ocorre só nas salas de aula e em livros didáticos, mas também em meios de comunicação como os jornais, as revistas, a televisão, a rede mundial de computadores, etc. Mesmo que os estudantes não usem diretamente os mapas e as imagens de satélites, são muitas vezes estimulados a localizar algum lugar ou fenômeno específico, como os climáticos e meteorológicos. Portanto, para eles, tais instrumentos já não são novidades. As imagens de satélites podem de fato auxiliar o professor na abordagem e apresentação de conceitos que com mapas geralmente não se mostram tão evidentes, tais como as feições do relevo, as regiões conurbadas, os reflorestamentos, o adensamento populacional, a distribuição da vegetação e as diversas formas de cultivo. Como bem pontua Florenzano (2002), enquanto as imagens e fotografias são retratos fiéis da superfície terrestre em um dado instante, os mapas são representações daquilo que observamos na superfície, utilizando uma linguagem simbólica própria para tal finalidade. Sendo assim, a análise de produtos oriundos do sensoriamento remoto permite ao educando desenvolver capacidades interpretativas que podem facilitar posteriormente a utilização de mapas e, conseqüentemente, a espacialização no espaço que habita. A compreensão espacial traz uma mudança qualitativa superior na capacidade do estudante de pensar o espaço. Porém, muitas vezes os conceitos cartográficos1, indispensáveis para a compreensão e análise dos dados apresentados em imagens de satélites e fotografias aéreas, são vistos por grande parte dos estudantes como “bichos-de-sete-cabeças”. Por que então não tornar o aprendizado mais próximo, atraente e esclarecedor? Ao contrário, apesar de os estudantes demonstrarem-se atraídos pelos mapas, especialmente aqueles que, de alguma forma, os relacionam com suas vidas, as atividades que envolvem a utilização de mapas geralmente geram descontentamento e dificuldades. 1 Orientação espacial, escala, projeção cartográfica, representação e simbologia. 44 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Segundo Moraes (2002), o não-entendimento dos mapas e do seu importante papel na compreensão da organização espacial é um dos principais fatores que fazem os estudantes rejeitá-los. Por isso, a autora considera que a elaboração de metodologias e materiais mais eficientes, adequados à faixa etária e adaptados à realidade dos discentes, parece ser o melhor caminho para a formação em Geografia. Nesse sentido, Loch e Fuckner (2005) consideram fundamental para o estudante ter um professor que, em sua prática pedagógica, introduza a alfabetização cartográfica nas séries iniciais, para nas séries seguintes, sem grandes dificuldades, ensinar geografia com o mapa. Recursos como o sensoriamento remoto podem ser excelentes aliados para essa finalidade, contribuindo para o sucesso no ensino do mapa e com o mapa. AMPLIANDO O HORIZONTE DE LINGUAGENS NO DIA-A-DIA DA SALA DE AULA A comunicação articulácia e a literácia2 são as mais presentes atualmente no ambiente escolar, visto que a linguagem oral se dá a todo o momento mediante diálogos entre estudantes, professores e funcionários. Observa-se também que o desenvolvimento da linguagem literácia dar-seá a partir de reflexões que o educando poderá ter sobre determinado assunto proposto pelo professor. Contudo, é preciso que o professor exercite a análise e a reflexão do educando a partir de diferentes linguagens. Apesar de essas duas categorias apresentarem-se mais evidenciadas no dia-a-dia da sala de aula, outras formas de compreensão e de interpretação do mundo também possuem seus valores. 2 Oliveira (1977) cita Balchin ao apontar quatro modos básicos de comunicação entre os seres humanos: a graficácia, que consiste na habilidade espacial, o que permite ao ser humano a leitura dos mapas, incluindo a codificação e a decodificação do processo geográfico; a articulácia, que aparece nos animais mais evoluídos e é o que permite a comunicação por ruídos sociais – no caso do homem, a linguagem oral civilizada; a literácia, que é a comunicação escrita; e a numerácia, que envolve a capacidade humana de manipular os símbolos numéricos, que crescem e se desenvolvem no campo da matemática, e todas as suas aplicações práticas (VOGES; CHAVES, 2007). 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 45 A primeira leitura que fazemos é a do ambiente, a decodificação de signos. Freire (1981) afirma que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. O autor também acredita que a leitura e a escrita das palavras passam pela leitura do mundo. Ler o mundo é um ato anterior à leitura da palavra. A literatura demonstra a importância da realização de atividades que propiciem ao educando uma leitura de mundo, que possibilite a capacidade de elaboração dos seus próprios conceitos e da concretização de suas interpretações. Tal afirmação pode ser observada em trabalhos apresentados por Callai (2000), Eitler (2000) e Santos (2007). Acreditando nisso, ao permitir que o estudante decodifique este mundo através de mapas, imagens de satélite e fotografias aéreas, possibilitamos o despertar da construção do conhecimento, porém com linguagens diferenciadas das habitualmente utilizadas na sala de aula. Simielli (2004) ratifica que o desenvolvimento da capacidade de leitura e de comunicação oral e escrita através de fotos, desenhos, plantas, maquetes e mapas permite a percepção do domínio do espaço e é considerado importante para o estudo do espaço concreto dos estudantes do ensino fundamental. O primeiro espaço observado pode ser o mais próximo dele, como o espaço da sala de aula, da escola e do bairro, para posteriormente se falar em espaços maiores, como o município, o país e o planisfério. Ensinar cartografia e utilizar mapas, fotografias aéreas e imagens de satélites no ensino de Geografia vem sendo, aos poucos, influenciado por avanços teóricos e metodológicos, que são criados e recriados constantemente pela academia, pela pesquisa e análise de fatos e de experiências, sejam elas de campo (sala de aula, em especial) ou produzidas em laboratórios e em disciplinas específicas de graduação e pós-graduação. Os avanços metodológicos têm como principal ator o educador, que, mediante os devidos elementos materiais em mãos e munido de sua criatividade – fator essencial para se trabalhar com diferencial em sala de aula –, pode tornar suas aulas mais atrativas do que as habitualmente trabalhadas. 46 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A cartografia, atualmente, está comprometida com as novas correntes do pensamento de uma geografia da percepção e fenomenológica (CHAVES; LOCH, 2007). O estudante passou a ser orientado a desenvolver uma consciência crítica em relação ao mapeamento que realiza em sala de aula. Isso significa dizer que existe sempre uma perspectiva subjetiva na escolha do fato a ser cartografado, marcado por um juízo de valor. O estudante deixou de ser visto como um mapeador mecânico, para ser um mapeador consciente, de leitor passivo passa para um leitor crítico dos mapas. De acordo com Bettega (2004), mudar paradigmas é a chave para acompanhar tantas transformações, que exigem da sociedade o desenvolvimento de uma nova mentalidade e de um novo olhar ao se interpretar o mundo digital. Schäffer (2003), inclusive, afirma que nas escolas ainda vigoram estratégias de ensino centradas na voz do professor e na passividade do estudante e que o livro didático ainda direciona o andamento das aulas. Em tais estratégias verifica-se que recursos atuais de excepcional importância – entre eles as imagens de satélites e as fotografias aéreas – acabam sendo subutilizados em sala de aula. Faz-se necessário salientar que muitas vezes esse instrumental é proscrito em decorrência do desconhecimento por parte do professor. Em uma tentativa de minimizar essa situação, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por meio do Programa Educa 3 SeRe , e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com a coleção Brasil visto do espaço4, disponibilizam gratuitamente imagens de satélites e cadernos educativos, os quais podem ser empregados por professores no desenvolvimento de suas atividades. Vale lembrar que muitos docentes acreditam ainda que aerofotografias e imagens de satélite sejam muito onerosas em termos monetários. Mas isso já não é regra, pois, além do argumento citado, existem outras 3 O programa pode ser encontrado no sítio eletrônico http://www.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/. 4 A coleção pode ser encontrada no sítio eletrônico http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 47 fontes, como o programa interativo desenvolvido pelo sítio eletrônico de busca Google, o Google Earth (2005)5, e outro da NASA, o The Vision for Space Exploration (2004)6. Esses organismos internacionais desenvolveram programas interativos que possibilitam ao observador uma viagem virtual por praticamente todo o planeta Terra e o Sistema Solar, através de um mosaico de imagens de satélites, aerofotos e mapas. Com esse mais novo instrumental, os professores podem melhorar suas aulas, ao contar com um recurso que poderá tanto facilitar a apropriação de conteúdos cartográficos como promover o interesse e o encantamento dos estudantes numa viagem lúdica através das imagens de satélite. A IMPORTÂNCIA DO SENSORIAMENTO REMOTO COMO RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE GEOGRAFIA O sensoriamento remoto é um conjunto de técnicas que permite ao usuário a obtenção de informações da superfície terrestre a distância, ou seja, sem haver contato entre o alvo e o sensor. As informações são obtidas utilizando-se a radiação eletromagnética, gerada por fontes naturais, como o Sol, ou por fontes artificiais, como o radar (SAUSSEN apud ROSA, 1998). Por sua vez, esses sensores ou câmaras são colocados a bordo de aeronaves ou de satélites de sensoriamento remoto – também chamados de satélites de observação da Terra. Um sensor a bordo do satélite gera um produto de sensoriamento remoto denominado de imagem, ao passo que uma câmara aerofotográfica a bordo de uma aeronave gera um produto de sensoriamento remoto denominado de fotografia aérea. As informações captadas por esses sensores são transmitidas a microcomputadores localizados em estações de recepção, para posteriormente serem compiladas e decodificadas em imagens, gráficos e tabelas. Segundo Steffen (2001), antes do advento dos satélites de sensoriamento remoto, na década de 70 do século passado, o uso de fotografias aéreas era muito comum, e até hoje essas fotografias são insubstituíveis 5 O programa pode ser encontrado no sítio eletrônico http://earth.google.com/intl/pt/. 6 O programa pode ser encontrado no sítio eletrônico http://www.nasa.gov/. 48 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais para muitas aplicações. Entretanto, notamos que, com o avanço tecnológico, as imagens dos sensores de satélites de sensoriamento remoto estão se aproximando da qualidade das fotografias aéreas. Atualmente, novos sensores a bordo de satélites como o SPOT-5, o IKONOS-2 e o QuickBird proporcionam a captação de imagens de alta resolução, semelhantes às fotografias aéreas, o que facilita a leitura de objetos representados e dinamiza o aprendizado, contribuindo para a difusão do uso dessa tecnologia como recurso didático. Ao utilizar tais instrumentos, o professor pode sugerir aos educandos a elaboração de diversos mapas temáticos. Os estudantes são capazes de identificar as feições imageadas, dando a elas um significado. Conforme afirmam Piaget (1993) e Almeida (2001), a representação espacial é verdadeiramente uma ação interiorizada, ou seja, no plano representativo, a expressão do estudante adquire o poder de funcionar em prolongado, interiorizando-se por meio das atividades. Diante desse panorama de descobertas e possibilidades, objetivase sugerir novos recursos didático-pedagógicos e utilizar a tecnologia, sem submeter mecanicística e tecnicamente o aprendizado, além de buscar dinamizar a aula e romper com práticas corriqueiras, as quais simplesmente reproduzem o mapa pela cópia. As atividades propostas pelo professor, a partir de imagens de satélite e fotografias aéreas, podem conduzir os estudantes na construção do conhecimento e, conseqüentemente, na criação de mapas que tenham significado para eles. Dessa maneira, é possível conduzir o estudante ao raciocínio de diferentes questionamentos, análises, comparações, organizações e correlações de dados que permitam compreender e explicar as constantes modificações no espaço em que vivemos. UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA É consensual entre diversos educadores a necessidade de mudança e da implementação de novas práticas no cotidiano escolar. A formalidade ainda arraigada em muitas escolas inibe o desenvolver de múltiplas linguagens. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 49 Permitir que o educando expresse seus conhecimentos e observações do espaço geográfico, analisando fotografias aéreas e imagens de satélites, facilita a aprendizagem de conceitos e os enriquece, tendo em vista que os educandos são atraídos pelo novo, por visualizações de determinados materiais não vistos antes, e também que muitos conceitos explanados da forma tradicional são abstratos para crianças e adolescentes. O desenvolvimento de projetos pedagógicos e/ou de extensão universitária permite evidenciar o sucesso da utilização de produtos oriundos do sensoriamento remoto na prática escolar. Experiências realizadas em diferentes momentos e turmas ao longo de quatro anos enfatizam a facilidade na compreensão e apreensão de conteúdos geográficos e cartográficos por parte dos estudantes. Os projetos destacados a seguir comungavam os mesmos objetivos e anseios, apesar de as atividades realizadas terem sido desenvolvidas com turmas de diferentes séries e idades, em momentos e locais diferentes, com profissionais e propostas de trabalho diferenciados: a) permitir que estudantes utilizem recursos cartográficos e de sensoriamento remoto no processo de aprendizagem, partindo da observação de imagens de satélite, fotografias aéreas e mapas diversos; b) introduzir novos instrumentais pedagógicos no cotidiano escolar; c) aprimorar junto a professores e estudantes conhecimentos que enfatizem a ciência tecnológica atual; e, por fim, d) proporcionar ao educador múltiplas alternativas para a elaboração e apresentação de conteúdos no uso de diferentes disciplinas. A primeira experiência de introdução de produtos de geotecnologias na prática escolar foi realizada com estudantes do 7º ano do ensino fundamental do Colégio Ilhéu, uma escola privada do município de Florianópolis. A proposta de projeto foi realizada durante o segundo semestre de 2005 e baseava-se em utilizar tais recursos para estudar as 50 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Regiões do Brasil, partindo da observação de imagens de satélites, fotografias aéreas e diversos mapas de cidades brasileiras7. Para facilitar o entendimento dos estudantes quanto aos recursos e materiais utilizados no projeto, primeiramente foi feita a explanação de cada um deles, assim como de sua importância para o ensino de Geografia. Em seguida, os estudantes receberam fotografias aéreas dos bairros onde cada um residia e também do local onde se encontra a escola. Os estudantes tiveram a oportunidade de manusear imagens de satélite do município de Florianópolis e dos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, bem como estudá-las em formato digital e pela internet, tanto no laboratório de informática da escola quanto em casa. Após o primeiro contato com as fotografias e imagens em sala de aula, os estudantes visitaram o Laboratório de Análise de Imagens da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No laboratório, observaram os bairros onde residiam por meio de estereoscópios e tiveram uma pequena demonstração da utilidade e da importância do sensoriamento remoto. De volta à sala de aula, à medida que as regiões brasileiras eram estudadas, apresentávamos aos estudantes novas imagens e conduzíamos a análise multitemporal de alguns ambientes, levando-os, assim, a reflexões acerca da transformação do espaço geográfico, como é demonstrado em imagens que ilustram a cidade de Remanso antes e depois da construção da represa de Sobradinho, na Bahia. Para auxiliar na identificação de determinados atributos, como cursos d'água e municípios, a observação e a interpretação das representações eram feitas a partir das imagens, com o auxílio de um atlas geográfico escolar. A relação constante e contínua que os estudantes estabeleciam com as imagens de satélite facilitou a realização das atividades subseqüentes. Mediante o estudo das regiões, novamente com o auxílio das imagens e do atlas, os estudantes confeccionaram em grupo mapas, grá- 7 A descrição das etapas percorridas na construção do conhecimento por parte dos estudantes foi apresentada durante o XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto e está disponível em: http://marte.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2006/11.13.20.13/doc/1435-1442.pdf. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 51 Figura 1 - Fotografia de mapa temático elaborado a partir do estudo da hidrografia nas regiões brasileiras. Fonte: Chaves (2006) Figura 2 - Mapa confeccionado a partir das imagens CBERS e do atlas geográfico escolar ficos e tabelas para ilustrar o aprendizado (Figuras 1 e 2). Durante o desenvolvimento das atividades em sala de aula e no laboratório de informática, era notável a descontração do grupo e a facilidade no processamento das tarefas propostas. Ao final do projeto, os estudantes demonstraram seus conhecimentos sobre sensoriamento remoto e apresentaram os resultados dos trabalhos à comunidade escolar (Figura 3). Ao longo dos últimos dois anos, a experiência do projeto precursor serviu de alicerce para a realização de mais dois projetos que utilizavam os fundamentos e os produtos do sensoriamento remoto: O uso de produtos de sensoriamento remoto no ensino de Geografia e O uso de diferentes linguagens no ensino de Geografia. O projeto intitulado O uso de produtos de sensoriamento remoto no 8 ensino de Geografia foi desenvolvido durante o ano de 2006 na Escola de 8 O projeto de extensão contou com o apoio do Pró-Extensão 2006, e seu relatório final encontra-se disponível para consulta no Departamento de Apoio à Extensão (DAEx), vinculado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCE) da UFSC. 52 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 3 - Fotografia da apresentação de trabalhos durante a Mostra Cultural Fonte: Chaves (2006) Educação Básica Ildefonso Linhares. O projeto contou com o apoio da UFSC, por meio da realização de um projeto de extensão, para subsidiar gastos com bolsistas e materiais. O objetivo principal era auxiliar professores e estudantes do 6º ano do ensino fundamental no ensino de Geografia com mapas e produtos da geotecnologia: imagens de satélite, fotografias aéreas e dados de equipamento GPS (Sistema de Posicionamento Global). Inicialmente foi apresentada a proposta de projeto ao professor e, em seguida, adequado ao projeto de extensão o cronograma de estudos que iria ser desenvolvido ao longo do primeiro semestre. Assim, o professor conheceu diversas possibilidades de inserir produtos da geoteconologia nos conteúdos de Geografia trabalhados com o 6º ano. Para dar início ao projeto em sala de aula foram retomados os conteúdos acerca dos movimentos de rotação e translação do planeta Terra. A partir de então, professor e bolsista revezavam-se na apresentação dos conceitos cartográficos voltados à orientação e à localização no espaço geográfico. Para tanto, foram realizadas atividades em sala de aula que evidenciavam os pontos cardeais e colaterais, a orientação pelo 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 53 Sol, pela bússola e por outros astros, por radares e pelo GPS. Em seguida, as atividades realizadas voltavam-se à apresentação e à localização dos meridianos, paralelos, linha do equador e coordenadas geográficas. Figura 4 - Fotografia da realização de atividades com imagens de satélite Fonte: Chaves (2006) O segundo passo foi a demonstração da carta-imagem do município de Florianópolis e do mosaico do estado de Santa Catarina. Após o contato com o material, o professor e o bolsista utilizaram um mapa, fotografia aérea e imagens de satélite, em momentos subseqüentes e nessa ordem, para o reconhecimento e a interpretação da paisagem local (Figura 4). As atividades realizadas com as imagens e as fotografias aéreas tinham o propósito de identificar as feições geográficas do ambiente onde está localizada a escola e definir a orientação dela. Após a realização de atividades na sala de aula, realizou-se uma caminhada orientada pelo bairro em que se localiza a escola, com a aplicação de três ferramentas de orientação: o Sol, a bússola e o aparelho GPS. Nessa oportunidade, os estudantes exercitaram os conhecimentos cartográficos adquiridos em sala de aula e vivenciaram atividades fazendo uso da bússola e do aparelho GPS (Figura 5). A partir da experiência da saída de campo, os estudantes descreveram a atividade por meio de um relatório sobre o trajeto percorrido e elaboraram um mapa contendo as informações da região. 54 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Além das atividades que evidenciavam o ensino da cartografia, os bolsistas apresentaram à turma e ao professor a história dos satélites artificiais, cujo funcionamento, finalidades e produtos decorrentes de seu Figura 5 - Fotografia da realização de saída de estudos com o auxílio de fotografias aéreas e GPS Fonte: Chaves (2006) desenvolvimento foram explanados durante as aulas. Como as imagens de satélite e as fotografias aéreas já haviam sido apresentadas à turma, os estudantes demonstraram facilidade na compreensão dos termos e conteúdos trabalhados, pois a aula era conduzida pelo fascínio e curiosidade dos estudantes ao descobrir o processo de criação do material que tinham em mãos. Para finalizar, apresentou-se o Projeto Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS), e cada estudante foi presenteado com uma dobradura do satélite. Essas dobraduras foram transformadas em móbiles, que decoraram a sala de aula juntamente com os trabalhos realizados ao longo do projeto. Já o projeto intitulado O uso de diferentes linguagens no ensino de 9 Geografia foi realizado durante o ano de 2007 com professores e estudan- 9 O projeto deu origem a trabalho de conclusão de curso defendido em julho de 2007, que se encontra disponível para consulta na Biblioteca Setorial (Sala de Leitura Saramago) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da UFSC. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 55 tes do 5º ano do ensino fundamental. As atividades desenvolveram-se na Escola da Ilha e na Escola Desdobrada Retiro da Lagoa, ambas localizadas no município de Florianópolis. O projeto objetivava auxiliar e orientar estudantes e professores quanto à observação e leitura da paisagem para a produção de conhecimento do espaço em estudo. Além de procurar reforçar conceitos cartográficos – escala, orientação espacial, localização e simbologia –, estudou-se o ambiente em que as escolas estão inseridas. Para tanto, foram utilizados ao longo de todo o projeto produtos oriundos da geotecnologia. Após a apresentação da proposta de projeto às professoras, realizou-se conjuntamente o cronograma das atividades que seriam desenvolvidas durante um semestre. De acordo com o plano de aula de cada escola, procurou-se inserir múltiplas linguagens durante as atividades voltadas ao estudo do ambiente: as linguagens espacial e cartográfica, oral, escrita e plástica. Para iniciar o projeto, as professoras apresentaram aos estudantes imagens de satélite e fotografias aéreas do local onde as escolas estão loca-lizadas e, posteriormente, o mosaico do município de Florianópolis. Em seguida, mediaram atividades de identificação e reconhecimento da es-cola nos materiais distribuídos. O primeiro contato com as imagens e fotografias gerou grande interesse por parte dos estudantes, pois era a primeira vez que se utilizavam tais materiais em sala de aula. Depois, para aprimorar os conteúdos voltados à alfabetização cartográfica e ao desenvolvimento da linguagem espacial, foram realizadas atividades descritivas que enfatizavam a localização do estado de Santa Catarina e sua capital, Florianópolis, e também dos estados que fazem limite a norte, sul e oeste, mediante o uso do atlas e de mapas do município, do estado e de toda a Região Sul do Brasil. A idéia central da atividade era apresentar aos estudantes a localização do município, a simbologia dos mapas e diferentes grandezas de escalas. Para tanto, apresentou-se ainda o mapa do Brasil, do continente americano e do planisfério. 56 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais O estudo feito a partir das atividades enfatizava a localização do município de Florianópolis no estado de Santa Catarina, do estado de Santa Catarina no Brasil, do Brasil no continente americano e, em seguida, no planisfério. Simultaneamente, as professoras auxiliavam os estudantes a identificar diversos elementos presentes nos mapas, nas fotografias aéreas e nas imagens de satélite, como o norte geográfico e a legenda. À medida que os estudantes familiarizavam-se com os materiais distribuídos, as professoras os conduziam ao reconhecimento e à identificação de corpos d'água e do adensamento populacional do município nas imagens de satélites, nas fotografias aéreas e, logo após, nos mapas. Para ilustrar o aprendizado da sala de aula, os estudantes conheceram um pouco mais do ambiente no entorno da escola mediante uma saída de estudos. Durante esse evento, as professoras apresentaram aspectos naturais e culturais, e conduziram os estudantes ao reconhecimento das características presentes no espaço, exercitando os estudantes na elaboração de questionamentos, análises e reflexões acerca do que era observado. As professoras procuraram ainda provocar o olhar atento dos estudantes sobre a paisagem e suas alterações em função das ações antrópicas, conduzindo-os à reflexão a respeito do espaço geográfico e levando-os a vivenciar in loco os conteúdos apresentados em sala de aula. Ao retornar para a escola, os estudantes produziram mapas do caminho percorrido e maquetes para demonstrar o que foi vivenciado, destacando a ocupação do espaço e a alteração da paisagem. Finalizando o projeto, os trabalhos elaborados foram apresentados à comunidade escolar durante a Semana do Meio Ambiente. Todas as três experiências realizadas demonstraram que a curiosidade e o crescente interesse dos estudantes pela utilização de novos recursos didático-pedagógicos no processo de ensino/aprendizagem contribuíram para que esses discentes compreendessem melhor e interiorizassem com mais facilidade os diversos conhecimentos geográficos apresentados. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 57 Portanto, o leque de oportunidades para realizarem-se atividades pedagógicas com tais instrumentais é multivariado. Para introduzir produtos do sensoriamento remoto em sala de aula e extraclasse, o professor dispõe de inúmeras metodologias, descritas hoje em variadas bibliografias10, em que encontra suporte para realizar exercícios que elucidem noções de perspectiva, orientação, representação espacial e conscientização ambiental, os quais podem ser trabalhados desde as séries iniciais até o ensino médio. Os caminhos percorridos na realização dos projetos apresentados são descritos sucintamente nos planos de aula a seguir. DESVENDANDO O BRASIL COM A AJUDA DE GEOTECNOLOGIAS11 Atividade 1 1. Projeto: Regiões do Brasil 2. Objetivo: Permitir que o estudante utilize recursos cartográficos e de sensoriamento remoto no processo de aprendizagem, partindo da observação de imagens de satélites, fotografias aéreas e diversos mapas de cidades brasileiras. 3. Público-alvo: Estudantes do 7º ano (correspondente à 6ª série). 4. Duração prevista: 1 (um) semestre. 10 Atividades que elucidam o conceito de sensoriamento remoto em ambiente escolar podem ser verificadas em: FLORENZANO, T. G. Imagens de satélite para estudos ambientais. São Paulo: Oficina de Textos, 2002; SANTOS, Vânia M. N. dos. O uso escolar de dados de sensoriamento remoto como recurso didáticopedagógico. VI Curso de Uso Escolar do Sensoriamento Remoto no Estudo do Meio Ambiente. São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2003; SAUSSEN, T. M. (Coord.). Cadernos didáticos: Projeto Educa SeRe – Elaboração de Material Didático para o Ensino de Sensoriamento Remoto. nº I. São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/SELPER, 1998; e SANTOS, V. M. N. dos. Escola, cidadania e novas tecnologias: o sensoriamento remoto no ensino. São Paulo: Paulinas, 2002. 11 As descrições das atividades 1, 2 e 3 dizem respeito aos projetos citados e desenvolvidos durante os anos de 2005, 2006 e 2007 respectivamente. 58 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 5. Materiais utilizados: a) cartas-imagem e mosaicos produzidos e fornecidos pelo Projeto Educa SeRe (INPE); b) fotografias aéreas do bairro onde se localiza a escola e dos bairros onde residem os estudantes; c) mapa do estado; d) Atlas Geográfico Escolar, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e) internet (www.ibge.gov.br e www.inpe.br); e f) dobraduras de satélites produzidas e fornecidas pelo Projeto Educa SeRe (INPE). 6. Caminhos percorridos: a) apresentação da idéia de projeto para a sala de aula; b) apresentação de conteúdos cartográficos e de sensoriamento remoto; c) demonstração de cartas-imagem e mosaico para o reconhecimento e interpretação de atributos (cores, homogeneidade, padrão e resolução espacial, etc.) nas observações de alvos, tais como rios e estradas, represas, mancha urbana, áreas de cultivo, de relevo acidentado, utilizando primeiramente um mapa, posteriormente fotografia aérea e, em seguida, imagens de satélite; d) saída de estudos para o laboratório de análise de imagens da Universidade Federal de Santa Catarina para observação dos bairros onde residem os estudantes; e) análise multitemporal de imagens na internet (www.inpe.br); f) observação, comparação e interpretação de representações utilizando as imagens e o Atlas Geográfico Escolar; g) confecção de mapa e elaboração de gráficos e tabelas; e 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 59 h) montagem de dobraduras de satélites e apresentação dos resultados dos trabalhos à comunidade escolar. Atividade 2 1. Projeto: O uso de produtos de sensoriamento remoto no ensino de Geografia. 2. Objetivo: Auxiliar professores e estudantes no processo de ensino de Geografia com mapas e produtos da geotecnologia, como imagens de satélite, fotografias aéreas e dados de equipamento GPS. 3. Público-alvo: Estudantes do 6º ano (correspondente à 5ª série). 4. Duração prevista: 1 (um) semestre. 5. Materiais utilizados: a) cartas-imagem e mosaicos produzidos e fornecidos pelo Projeto Educa SeRe (INPE) e pelo Google Earth; b) fotografias aéreas do bairro onde se localiza a escola; c) mapa do estado; d) Atlas Geográfico Escolar, do IBGE; e e) Equipamento GPS. 6. Caminhos percorridos: a) apresentação da idéia de projeto para a sala de aula; b) apresentação de conteúdos relacionados aos movimentos da Terra; c) orientação no espaço geográfico utilizando atividades que evidenciem os pontos cardeais e colaterais, o Sol, a bússola, outros astros, os radares e o GPS; d) apresentação e localização de meridianos, paralelos, linha do equador e coordenadas geográficas; 60 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais e) demonstração de cartas-imagem e mosaico para o reconhecimento e a interpretação da paisagem, utilizando primeiramente um mapa, posteriormente fotografia aérea e, em seguida, imagens de satélite; f) realização de atividades com imagens e fotografias aéreas, com o propósito de identificar as feições geográficas do local onde está localizada a escola e definição da orientação dela; g) caminhada orientada pelo bairro em que se localiza a escola, fazendo uso de três ferramentas de orientação: o Sol, a bússola e o aparelho GPS; h) descrição da caminhada em um relatório sobre o trajeto percorrido e elaboração de mapa contendo as informações da região; i) apresentação da história dos satélites artificiais: o que são, como funcionam, quais as suas finalidades e quais os produtos decorrentes de seu desenvolvimento; j) apresentação do Projeto Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS); e k) montagem de dobraduras e exposição dos resultados dos trabalhos à comunidade escolar. Atividade 3 1. Projeto: O uso de diferentes linguagens no ensino de Geografia 2. Objetivo: Auxiliar e orientar estudantes e professores quanto à observação e leitura da paisagem para produção de conhecimento do espaço em estudo. Além de reforçar conceitos cartográficos – escala, orientação espacial, localização e simbologia –, estudar o ambiente no qual as escolas estão inseridas a partir de produtos oriundos da geotecnologia. 3. Público-alvo: Estudantes do 5º ano (correspondente à 4ª série). 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 61 4. Duração prevista: 1 (um) semestre. 5. Materiais utilizados: a) cartas-imagem e mosaicos produzidos e fornecidos pelo Projeto Educa SeRe (INPE); b) fotografias aéreas do bairro onde se localiza a escola; c) mapa do estado e do Brasil; e d) Atlas Geográfico Escolar, do IBGE. 6. Caminhos percorridos: a) apresentação da idéia de projeto para a sala de aula; b) apresentação de imagens de satélite e fotografias aéreas do local onde a escola está inserida e posteriormente o mosaico do município; c) identificação e reconhecimento da escola nos materiais distribuídos; d) realização de atividades descritivas que enfatizem a localização do estado e sua capital, e dos estados que fazem limite a norte, sul e oeste, fazendo uso do Atlas e de mapas do município, do estado e da Região Sul; e) apresentação de mapas do Brasil, do continente americano e do planisfério; f) realização de atividades descritivas que enfatizem a localização do Brasil no continente americano e, em seguida, do continente no planisfério; g) apresentação e identificação dos diversos elementos de mapas, fotografias aéreas e imagens de satélite; h) orientação quanto ao reconhecimento e identificação de corpos d'água e do adensamento populacional do município nas imagens de satélite e fotografias aéreas, e em seguida nos mapas; 62 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais i) descrição das características do bairro e do entorno da escola mediante a observação das imagens e das fotografias; j) saída de estudos no entorno da escola para reconhecimento de características naturais e culturais presentes no espaço; k) apresentação dos aspectos naturais e culturais e suas relações dinâmicas, do meio ambiente e do ser humano como transformador da paisagem; l) produção de mapas e maquetes em grupo para demonstração do que foi vivenciado, enfatizando a ocupação do espaço e a alteração da paisagem; e m) apresentação dos trabalhos à comunidade escolar durante a Semana do Meio Ambiente. CONCLUSÕES Tendo em vista o cenário educacional permeado por novas tecnologias, é cada vez mais evidenciada a implementação e divulgação fundamental de novas metodologias e formas de auxiliar os trabalhos com a Ciência Geográfica, objetivando desenvolver a capacidade de leitura do educando, para permitir que este formule hipóteses e extraia informações relevantes do material a ser observado, seja um mapa, uma fotografia aérea ou uma imagem de satélite. O uso de geotecnologias em sala de aula contribuiu para que estudantes e professores passassem de simples observadores da paisagem a observadores críticos e conscientes das ações antrópicas no ambiente em que vivem. As reflexões e práticas trazidas neste texto tiveram a intenção de mostrar caminhos percorridos que podem ajudar a diminuir distâncias entre educadores e novas tecnologias. Para tanto, consideramos importante o conhecimento de geotecnologias e evidenciamos que não somente o referencial teórico mas também o conhecimento emanado pela prática e 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 63 pelas descobertas conduzem o conhecimento geográfico ao cotidiano do estudante. Nesse contexto de atividades integradas, o professor passou a ser sujeito, interagindo com os estudantes, de forma a facilitar as experiências educativas e instigar a imaginação destes, por meio de projetos que possibilitaram um arranjo diferente nas dinâmicas de aprendizagem, pressupondo a busca e a seleção de informações e experiências por parte do educando. O ensino de Geografia muito tem a contribuir para a disseminação de inovações tecnológicas, visto que o caráter multidisciplinar da disciplina, aliado aos recursos visuais, mostra-se indispensável e fornece subsídios para a atuação e dinamização do profissional em sala de aula. Por outro lado, vale lembrar que a incorporação das inovações tecnológicas só tem sentido se contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, pensando na união entre a criatividade do professor em relação às suas práticas e a interação e estímulo do estudante. Além disso, é preciso que estejamos cientes de nossa prática educativa e que compreendamos o poder de transgredir. Essa transformação dar-se-á a partir da oportunidade oferecida aos estudantes e a cada um de nós de mudar, ao permitir que renasçamos e renovemos tal prática. Sendo assim, acreditamos que a missão do educador é auxiliar os estudantes a experimentar a variedade do mundo, sair da forma tradicional12 e igualitária de ser, além de procurar demonstrar que o mais importante na educação é simplesmente aprender e ensinar a ver. A educação deixa, portanto, de ter meramente como único objetivo o desenvolvimento da leitura e da escrita. O professor, ao mediar o conhecimento advindo da análise e interpretação de imagens de satélites e fotografias, corrobora para a formação de estudantes conscientes, que compreendem e buscam soluções para problemas socioambientais, além de contribuir, sobretudo, para a construção e a formação de sujeitos cidadãos. 12 Entenda-se a palavra “tradicional” no sentido de antigo, obsoleto. 64 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela D. de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. São Paulo: Contexto, 2001. 115 p. BETTEGA, Maria Helena. Educação continuada na era digital. São Paulo: Cortez, 2004. 99 p. CALLAI, H. C. Estudar o lugar para compreender o mundo. In: CASTROGIOVANNI, A. C. (Org.). Ensino de geografia: práticas e textualizações no cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2000. p. 83-134. CHAVES, A. P. N.; LOCH, R. E. N. 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Tese (Livre-docência) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 1977. 3. Sensoriamento remoto em sala de aula: descobertas e possibilidades no ensino de Geografia 65 PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A representação do espaço na criança. Tradução de Bernardina M. de Albuquerque. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 507 p. SANTOS, C. O desenho da paisagem feito por estudantes do ensino fundamental. 2000. 104 f. Dissertação (Mestrado em Geociências) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/ ?view=vtls000195805>. Acesso em: 30 mar. 2007. SAUSSEN, T. M. (Coord.). Cadernos didáticos: Projeto Educa SeRe – Elaboração de Material Didático para o Ensino de Sensoriamento Remoto. n. I. São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais/SELPER, 1998. SCHÄFFER, Neiva Otero et al. Um globo em suas mãos: práticas para a sala de aula. 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Campus Francisco Beltrão: UNIOESTE, 2007. 66 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 4 Explorando o Google Earth e Atlas Eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula Magnun S. Voges Kênya N. de Oliveira Ruth E. Nogueira Rosemy da S. Nascimento “Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles.” (Richard Bach) O educador em Geografia necessita passar os conhecimentos para seus alunos a partir dos contextos. Essa ação requer transpor o saber aprendido na universidade para aquele a ser ensinado na educação básica. Nesse contexto, o professor de Geografia deve procurar manter-se atualizado, mediante formação constante, tanto na sua área do conhecimento quanto a respeito das novidades que a tecnologia proporciona ao educador. Um exemplo disso é o uso da internet para as aulas de Geografia. Muitos conteúdos que parecem complexos ou mesmo cansativos e sem atrativos para serem ensinados, ao serem abordados em conjunto por professor e alunos com o apoio de alguns endereços na World Wide Web (www) específicos, que trazem imagens, fotografias aéreas ou mapas e bancos de dados, tornam-se mais interessantes e podem ser mais facilmente compreendidos. Nesse contexto, 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 67 apresentamos aqui dois exemplos de aplicação de software no ensino de Geografia. O primeiro é o Google Earth, um programa de visualização de imagens de satélite de várias partes do planeta. O segundo é o Atlas do IDH no Brasil, que contém um banco de dados sobre os índices da qualidade social do nosso país. O USO DE MAPAS A alfabetização cartográfica está inserida como um dos subitens no Eixo 4 (A Cartografia como instrumento na aproximação dos lugares e do mundo) dos Parâmetros Curriculares de Geografia do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998), que define que a alfabetização cartográfica compreende uma série de aprendizagens necessárias para que os alunos possam continuar sua formação nos elementos da representação gráfica iniciada nos dois primeiros ciclos, para posteriormente trabalhar com a representação cartográfica. A Professora e Geógrafa Lívia de Oliveira (1977), considerada a matriarca das pesquisas no ensino de Cartografia no Brasil, destaca que o aluno vai à escola para aprender a escrever, a ler e a fazer contas. E por que não para saber ler o espaço, os mapas? A partir de sua tese de doutorado, que recebeu o título de “Estudo metodológico e cognitivo do mapa”, outros acadêmicos começaram a desenvolver pesquisas nessa área. Um dos destaques nacionais no ensino de Cartografia na escola é Simielli (2003), que cita as fases do processo de alfabetização cartográfica. A primeira fase, segundo Simielli (2003), é aquela que vai de 1ª a 4ª (para alguns alunos até a 5ª ou 6ª) série, na qual a criança é alfabetizada cartograficamente, através, por exemplo, de atividades de orientação geográfica, desenhos e rabiscos, lateralidade e compreensão dos signos cartográficos. Eventualmente, na 6ª série o aluno terá as condições de trabalhar com as análises/localizações e com a correlação dos dados geográficos (leitor crítico de mapas). Por fim, no ensino médio, o aluno passa a ser um confeccionador de mapas. Naturalmente, um aluno de 8ª série, por exemplo, pode ter uma dúvida em relação à alfabetização cartográfica, ao 68 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais mesmo tempo que um aluno de 4ª série já pode trabalhar com localização e correlação simples de mapas. Almeida (2001) e Almeida e Passini (2002) mostram que na alfabetização cartográfica podem ser utilizadas diversas metodologias, respeitando faixas etárias e proporcionando a interação da criança com os seus próprios desenhos, como maquetes e planta da sala de aula. Francischett (2007) salienta que a cartografia no ensino/aprendizagem da Geografia, com a observação, a percepção, a análise conceitual e a síntese através das representações cartográficas, possibilita pensar significativamente o conhecimento do espaço geográfico. VISUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA: USO DE MÍDIA ELETRÔNICA Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia de 5ª a 8ª série, a escola deve possibilitar e incentivar que os alunos usem seus conhecimentos em tecnologias para os mais diversos fins pedagógicos. Isso inclui a produção de imagens e texto eletrônicos, comunicação e mapas eletrônicos, devendo essas atividades ser planejadas pelo professor (BRASIL, 1998). Pereira e Freitas (2007) destacam o fato de a tecnologia fazer parte de nossas vidas, inclusive na educação. Considerando que a informática ainda é uma novidade para milhões de pessoas, os autores descrevem que se precisa pontuar que ela ainda traz consigo inúmeros aspectos que necessitam de uma maior reflexão, como, por exemplo, a disponibilidade dos recursos, inclusive nas escolas públicas. Além disso, práticas com o uso de informática na Geografia, por exemplo, dependerão muito da vontade do educador e da motivação dos educandos. Godinho, Falcade e Ahlert (2007) descreveram uma aplicação para o ensino de Geografia. Eles utilizaram, com alunos de 7ª e 8ª série, imagens de satélite do município de Bento Gonçalves (RS) do Google Earth de 2006 e um mapa do uso do solo de 1994. Confrontaram os dois meios de comunicação da informação espacial e, em trabalho de campo, 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 69 os alunos puderam verificar as causas das modificações do espaço nesse intervalo de 12 anos. Práticas desse tipo são de grande valia para o ensino de Geografia, pois os alunos motivam-se para explorar sua localidade, seu espaço local e um mais abrangente, com novas possibilidades de visualização, que, no caso do Google Earth, ocorre nas perspectivas vertical e oblíqua. Soares (2001) enfatiza que o mundo de hoje está cada vez mais ligado a mapas, códigos, legendas, referido a diversas escalas geográficas e cartográficas, como fotografia ao nível do solo, fotografias aéreas e imagens orbitais, como também à grande evolução da Informática. Ramos (2005) cita algumas mídias encontradas no mercado que podem ser trabalhadas no uso de mapas, como o Atlas Geográfico Universal, da ATR, explicitando constantemente os termos “visualização geográfica” ou “geovisualização”. Visualização geográfica, segundo Ramos e Gerardi (2002), consiste em fornecer ao usuário de mapas a possibilidade de explorar informações, estabelecer análises e, dessa forma, obter um conhecimento novo auxiliado pelo mapa, e nas aulas de Geografia ela pode servir como um novo meio de aprendizagem, como veremos a seguir. PLANO DE AULA PARA UTILIZAR O GOOGLE EARTH Apresentação do Google Earth O Google Earth é um programa que possibilita a visualização geográfica por meio de imagens de satélite, fotos, informações dos limites políticos e dados geográficos e ambientais (previsão do tempo, estado de nebulosidade, etc.) mediante a simbologia cartográfica (como áreas, pontos e linhas). Ao acessar a mídia, é possível visualizar o planeta Terra (Figura 1) e observar os limites territoriais dos países. As ferramentas do programa também são visíveis: uma responsável pelo nível da escala de visualização da imagem da área desejada; uma espécie de “rosa-dos-ventos”, pela qual é possível orientar-se geograficamente; uma que possibilita transformar a imagem de satélite de 2D para 3D, ou seja, para visualizar de forma oblíqua. 70 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A atividade realizada com o Google Earth foi a de procurar elementos relacionados à geografia física e à geografia humana, para um breve comentário de como se trabalhar a compreensão desses temas em sala de aula. Segue o plano de ensino detalhado. Figura 1 – Imagem inicial do Google Earth Fonte: Google Earth (2007) Plano de ensino para o Google Earth A prática com esse programa seguiu o plano a seguir. Tema: identificar elementos da geografia urbana, tais como avenidas e edificações, e elementos da geografia física, estes ligados ao relevo e à hidrografia, por exemplo. Carga horária: em torno de duas horas e meia. Público-alvo dessa prática: alunos de graduação em Geografia e áreas afins. Objetivo: identificar e analisar os elementos visualizados nas imagens, abrindo até para discussão da organização espacial. Conteúdo: introdução à leitura cartográfica e aos novos ferramen- 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 71 tais no ensino (em especial, a informática), e caracterização do programa a ser utilizado. Metodologia de ensino: após a explanação teórica, a utilização do programa é realizada de forma simultânea entre todos. Inicialmente, procuram-se elementos urbanos (ruas, edifícios, incluindo o fenômeno de favelização nos morros de grandes centros urbanos, como na Figura 2), para realizar uma discussão sobre sua visualização e a caracterização visual ao redor desse elemento. Após, procura-se identificar elementos naturais e analisá-los (rios, lagos, montanhas), discutindo-se sobre sua espacialização e caracterização física. Avaliação: explanação da turma sobre toda a atividade efetuada e sua validade para o ensino de Geografia. Para procurar as imagens de interesse nessa mídia, o uso da orientação é constante (a seta norte, que simboliza a rosa-dos-ventos, localiza-se acima e à direita da janela do programa). Além disso, a escala é visível abaixo da janela do programa (Figura 2) e muda constantemente, fazendo com que o aluno tenha uma compreensão do que ela significa: a redução do espaço representado. Figura 2 – Favela carioca visualizada de forma oblíqua Fonte: Google Earth (2007) 72 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A partir dessa imagem relacionaram-se os temas ligados ao processo de formação de favelas e de territórios urbanos segregados. Foram elaboradas, assim, algumas indagações a respeito: “Por que essas favelas estão no morro?”; “Por que essas pessoas foram para lá?”; e “O que havia ali antes e quais são as conseqüências socioambientais da ida deles para o local?”. A visualização da imagem desperta também essas indagações e ajuda na formação de respostas, fazendo, assim, uma construção de conhecimento na sala de aula. Outra parte da metodologia era procurar e analisar elementos da geografia física. Nesse caso, tem-se como exemplo os meandros de um rio no Norte do país. Nessa imagem visualizou-se que os meandros ocorrem em áreas de planície. Embora essa informação possa ser obtida em livros de Geografia, a visualização e um passeio pela imagem de um rio e seus meandros só têm a acrescentar no processo de fixação do conceito pelo aluno. Por fim, observou-se também na imagem a presença de meandros “inativos”, que consistem em meandros antigos que não fazem mais ligação com o curso do rio. Figura 3 – Meandros visualizados na mídia interativa Fonte: Google Earth (2007) 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 73 PLANO DE AULA PARA UTILIZAR O ATLAS DO IDH NO BRASIL Apresentação do Atlas do IDH no Brasil O Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil representa uma gama de ferramentas informativas – e interativas, pois o usuário percorre à sua escolha os diversos vieses informativos que lhe são fornecidos – para a compreensão da qualidade de vida de todos os municípios do Brasil. A partir dele é possível obter diversas informações de forma interativa. Cabe ao professor de Geografia a explicação e a relação dos dados apresentados pelo programa para que este tenha um significado para o aluno. Entre as ferramentas informativas que se encontram no programa, pode-se citar, juntamente com uma contextualização de seu uso na sala de aula, a elaboração de mapas temáticos, nos quais se representam dados como a taxa de urbanização, a estrutura etária, a taxa de fecundidade e indicadores de pobreza, todos referentes aos anos de 1991 e 2000. Plano de ensino para o Atlas do IDH no Brasil Tema: confeccionar e analisar mapas a partir de dados disponíveis no software, além de trabalhar a localização e a caracterização dos municípios de interesse. Carga horária: em torno de duas horas. Público-alvo dessa prática: alunos de graduação em Geografia e áreas afins. Objetivo: analisar os elementos visualizados nos mapas e as características sociais que configuram o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local. Conteúdo: introdução à temática do que é IDH, caracterização do programa a ser utilizado e temas a serem pesquisados para a confecção dos mapas, como, por exemplo, a taxa de alfabetização. 74 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Metodologia de ensino: após a explanação teórica, a utilização do programa é realizada de forma simultânea entre todos. Depois de baixada da internet e instalada no computador, essa mídia possui a janela de boas-vindas apresentada na Figura 4. Figura 4 – Janela de boas-vindas do Atlas do IDH no Brasil Fonte: PNUD, IPEA e FJP (2000) Observam-se os seguintes botões na tela inicial: “Consulta Simples”, que apresenta tabelas predefinidas com as unidades geográficas nas linhas da tabela e os indicadores selecionados (pelo usuário) nas colunas; “Consulta Avançada”, que consiste também de uma tabela com as unidades geográficas e com seus indicadores selecionados, sendo que este tem a imposição de condições a estes indicadores, como limites de valores, além da inserção de vários indicadores numa mesma tabela; “Maiores e Menores”, que apresenta uma tabela predefinida de ranking de unidades geográficas conforme o indicador selecionado; “Perfil”, que apresenta uma espécie de relatório contendo os principais indicadores socioeconômicos de cada um dos 5.507 municípios brasileiros ou das 27 Unidades Federativas; “Mapa Temático”, que gera mapas temáticos de tabelas de indicadores selecionados; e “Histograma”, que gera um gráfico de barras com a distribuição das freqüências para qualquer uma 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 75 das variáveis. Com um clique duplo aparece um mapa com a localização dos municípios de determinada faixa de freqüência. Por fim, o botão “Diagrama de Dispersão” gera um gráfico de dispersão para saber o grau de correlação de duas variáveis. Para a prática da Oficina, foi selecionado um possível uso didático a partir da confecção de mapas com os dados sociais. Portanto, foi trabalhado o botão da tela de boas-vindas “Mapa Temático”. Uma das práticas foi confeccionar e analisar um mapa sobre a taxa de alfabetização dos municípios do estado de Santa Catarina. Para isso, clicou-se em “Mapa Temático” na tela de boas-vindas. Em seguida, clicou-se em “Por Unidade de Federação” e em “Santa Catarina”. Clicando em “Avançar”, selecionou-se “Analfabetismo” (como na Figura 5) e após “Percentual de pessoas de 25 anos ou mais analfabetas, 2000”. Figura 5 – Escolha do tema, após a escolha da UF Fonte: PNUD, IPEA e FJP (2000). Para finalizar, clicou-se em “Avançar” e depois em “Finalizar”. Pode-se perceber mediante a visualização cartográfica onde estão localizados, no estado de Santa Catarina, os municípios com as melhores e as piores taxas de analfabetismo. As cores dos mapas podem ser configuradas em um sistema degradé, na escala de harmonia monocromática, em 76 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais que se usa uma cor e se faz a variação de brilho, do mais forte ao mais fraco, usando a barra de ferramenta “Opções” e clicando em “Configurar Mapa”. Pode-se discutir com esse mapa o percentual de analfabetismo da população dos municípios do Estado, associando temas econômicos, já que os municípios onde a taxa é menor são municípios onde a participação industrial na economia é maior (municípios do Vale do Itajaí, Norte e Nordeste catarinenses). Um dos defeitos encontrados nessa mídia é a ausência de escala cartográfica. Figura 6 – Mapa temático sobre a taxa de analfabetismo Fonte: PNUD, IPEA e FJP (2000). Na avaliação, há a explanação da turma sobre toda a atividade exercida e sua validade para o ensino de Geografia, levando-se em conta os requisitos tecnológicos do programa e a visualização dos mapas confeccionados. CONSIDERAÇÕES FINAIS As práticas propostas neste texto foram aplicadas a alunos que estudam no curso de graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 77 Verificou-se que o grande sucesso das aulas é devido à disponibilidade gratuita dessas mídias interativas e às mudanças que elas podem causar como ferramentas didáticas de ensino de Geografia. As mídias eletrônicas interativas podem ser utilizadas tanto para temas da geografia humana quanto para temas da geografia física, ou mesmo na junção de tais temas, como apresentado na prática realizada com o Google Earth. Considera-se que as mídias eletrônicas, além de proporcionar diversas atividades didáticas, fazem com que as aulas sejam mais interessantes para os alunos, o que otimiza o processo de ensino/aprendizagem. Observa-se que as mídias eletrônicas interativas podem ser utilizadas no ensino do meio ambiente, como no caso do Google Earth, que apresenta uma potencialidade de junção entre ensino e temática, em que não só os conteúdos ambientais como os demais da Geografia tendem a diversificar as atividades didáticas e fazem com que as aulas sejam mais interessantes para os alunos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela D. Do desenho ao mapa. São Paulo: Contexto, 2001. 115 p. ALMEIDA, Rosângela D.; PASSINI, Elza Yasuko. O espaço geográfico: ensino e representação. 12. ed. 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RAMOS, Cristhiane da Silva; GERARDI, Lúcia Helena de Oliveira. Cartografia interativa e multimídia: situação atual e perspectivas. In: GERARDI, L. H. de O.; MENDES, I. (Org.). Do natural, do social e de suas interações: visões geográficas. Rio Claro: PPGGEO-UNESP/ AGETEO, 2002. p. 239-247. PEREIRA, Eliana da Costa; FREITAS, Soraia Napoleão. Informática e educação inclusiva: desafios para a qualidade na educação. Disponível em: <http://www.ufsm.br/ce/revista/ceesp/2004/01/a4.htm>. Acesso em: 11 ago. 2007. PNUD; IPEA; FJP. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil: Relatório de Desenvolvimento Humano. AtlasIDH2000.exe. Brasília, dez. 2000. 1 arquivo (8,507 MB). SIMIELLI, Maria Elena Ramos. Cartografia no ensino fundamental e médio. In: CARLOS, Ana Fanni Alessandri et al. (Org.). A Geografia na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2003. SOARES, Maria do Carmo S. Iniciação cartográfica para jovens: a Cartografia e o sensoriamento remoto. In: SBSR, 10., Foz do Iguaçu, 21-26 abr. 2001. Anais... Foz do Iguaçu, INPE, 2001. p. 221-232. 4. Explorando o Google Earth e atlas eletrônico para o ensino de Geografia: práticas em sala de aula 79 5 Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? Marcus Andre Fuckner “Não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele.” (Fiodor Dostoievski) D esde as civilizações antigas até os tempos modernos, dados referenciados a localidades da superfície terrestre têm sido coletados por navegadores, geógrafos e outros estudiosos, e organizados na forma de desenhos, mapas, imagens e textos. Embora hoje já se saiba da existência de toda e qualquer localidade na superfície terrestre, ainda há muita informação geográfica a ser conhecida. Existem, na atualidade, materiais desenvolvidos para a aplicação em sala de aula como recurso didático ao estudo da Geografia das localidades. Entre eles podem ser citadas as maquetes, os vídeos, os livros-texto específicos e os atlas. Aguiar (2002) explica que, embora sejam antigas, as coletâneas de mapas sob a forma de atlas popularizaram-se na Europa somente no século XIX, com o propósito de atender um público específico, os alunos da atual educação básica. Na última década do século XX, com o 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 81 mesmo propósito, só que considerando o espaço geográfico de vivência da criança, começaram a ser elaborados atlas escolares municipais. O atlas escolar municipal é um material didático que vem sendo elaborado no Brasil e em outros países do mundo como fruto do avanço nas pesquisas voltadas à Cartografia Escolar. É senso comum entre os grupos de pesquisadores em Cartografia Escolar que o ensino com esses atlas é um dos possíveis caminhos para a concretização da alfabetização cartográfica. No estado de Santa Catarina o grupo de pesquisa ligado ao Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE) abordou o assunto “atlas escolar” em 2004, mediante pesquisa efetuada em trabalho de conclusão de curso em Geografia, desenvolvido dentro de um projeto maior, no qual o autor, na época, era bolsista de iniciação científica. Com base naquele trabalho foi escrito este capítulo. Existem dois modelos básicos de atlas municipais: aqueles que recomendam atividades de pesquisa e apresentam exercícios propostos, de forma a permitir a intervenção do usuário sobre o que é apresentado; e os que priorizam a autonomia do professor na definição de estratégias de interação com o material. Conforme atesta Le Sann (2002), a elaboração de atlas escolares municipais, que representa um avanço teóricometodológico do ensino, está em moda no mundo inteiro. Sabe-se que no Brasil um grupo de pesquisa preocupado com a elaboração de atlas escolares municipais foi formado no início da década de 1990, sob a coordenação da Prof.ª Janine Le Sann, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. O primeiro atlas publicado foi o de Contagem (MG), em 1996. Esse grupo criou um modelo de atlas que foi empregado para a elaboração de atlas de outros municípios mineiros. Além do grupo da UFMG, outros grupos de pesquisa foram formados, destacando-se o Grupo Atlas, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), de Rio Claro, coordenado pela Prof.ª Rosângela Doin de Almeida. Participantes desses dois grupos de pesquisa elaboraram outros atlas, e pesquisadores independentes também realizaram projetos desse tipo, trazendo novos olhares sobre a geografia dos municípios. Como exemplo de atlas municipais elaborados em outros países, pode-se citar o Atlas Municipal de Oeiras, em Portugal, concluído em 1999. 82 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A HISTÓRIA DOS ATLAS: “CARREGANDO” O MUNDO Como todos os mapas mostram determinada visão de mundo, que é resultado do olhar daquele que o elaborou, seja ele cartógrafo, geógrafo ou outro profissional (LE SANN, 1997), ao longo da história da humanidade o mundo foi visto de diferentes formas. Na Idade Antiga, a Cartografia teve seu auge com os trabalhos do astrônomo, geógrafo e matemático grego Cláudio Ptomoleu (90-169 d.C.), que viveu em Alexandria, no Egito. O primeiro atlas conhecido estava contido na obra Geographia, de sua autoria. Durante a Idade Média (476-1453 d.C.), a elaboração de atlas, assim como todo o conhecimento, evoluiu de maneira descendente. Foi apenas no período do Renascimento europeu que a confecção dos atlas foi retomada, inclusive com reedições de Geographia. Para tanto, um fator decisivo foi a invenção da imprensa, no século XV, por Johann Gutemberg, o que permitiu a impressão das coleções de mapas. Na Idade Moderna, a produção de atlas teve início com o Theatrum Orbis Terrarum (1570), elaborado por Abraão Ortélio, sob influência de seu amigo Gerhard Mercator (RAISZ, 1969). Mercator, conhecido pela famosa projeção que levou seu nome, teve seu principal atlas – Atlas sive Cosmographicae Meditatione de Fabrica Mundi et Fabricati Figura – publicado por seu filho em 1595, quando já havia falecido (OLIVEIRA, 1993). Com o advento da chamada geografia moderna – ou segunda gênese dessa ciência –, houve uma renovação na produção de atlas. O Atlas Général, do francês Paul Vidal de La Blache, publicado em 1894, foi o precursor. A organização de seu atlas demonstrava uma proposta inédita, influenciada pelo encaminhamento indutivo da análise geográfica – do particular para o geral –, proposto pelo professor alemão Karl Ritter. As inovações na organização do atlas traduziram-se pelo recurso à estatística para elaboração de gráficos, apresentação de encartes e textos explicativos, além do aumento no número de mapas. Entretanto, apesar dessas inovações, o maior reconhecimento deste atlas veio pela forma como ele integrou os elementos físicos e humanos do espaço geográfico. 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 83 Até então os atlas voltavam-se somente à representação dos aspectos físicos do território e tinham como objetivo representar o maior número possível de topônimos. Enquanto na Idade Média a produção de atlas dos povos ocidentais entrou em decadência, os árabes, ao desenvolverem conceitos de Astronomia e Matemática, tornaram-se hábeis geógrafos e cartógrafos. No mundo ocidental a obra de Ptolomeu jazia no esquecimento, mas no Oriente ela era uma valiosa fonte de pesquisa. Tanto é que os principais resultados da produção cartográfica árabe foram obtidos seguindo diretrizes traçadas pelos gregos. Os árabes utilizavam os mapas de maneira regular nas escolas e elaboraram os primeiros atlas escolares dos quais se tem notícia, por volta do ano 1000 d.C. (RAISZ, 1969). No Brasil, conforme Oliveira (1993), o primeiro atlas, o Atlas do Império do Brasil, foi elaborado por Cândido Mendes de Almeida em 1868. Esse atlas era utilizado pelos alunos do Colégio Imperial de Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Outros atlas produzidos foram o Atlas do Barão do Rio Branco (1900), o Atlas dos Estados Unidos do Brasil (1908), de Teodoro Sampaio, e o Atlas do Brasil (1909), do Barão Homem de Mello. Em 1966, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fundado em 1936, publicou o Atlas Nacional do Brasil. Mais recentemente, em 2002, um atlas do IBGE voltado para o ensino foi lançado, o Atlas Geográfico Escolar, que apresenta, além de uma grande diversidade de mapas temáticos do mundo e do Brasil, diversas páginas de introdução ao conteúdo cartográfico, enriquecidas por ilustrações elucidativas. O ESTUDO DO MUNICÍPIO NA EDUCAÇÃO FORMAL A origem do conceito de município deriva de sua instituição pelo Império Romano, na Antiguidade. O Brasil recebeu a instituição de municípios na qualidade de colônia de Portugal, sendo o primeiro município instalado São Vicente, em 1532. No Brasil, município é definido a partir de critérios político-administrativos, sendo o núcleo hierarquicamente menor dentro da estrutura política brasileira, e abrange um ou mais distritos. Cidade, por sua vez, vem a ser toda sede de município. 84 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Propostas para o estudo do município são apresentadas por Almeida e Passini (1989), Antunes et al. (1993), Callai e Zarth (1988), Kozel e Filizola (1996) e Penteado (1994), entre outros autores. Kozel e Filizola (1996) recomendam que tal estudo seja trabalhado na 3ª série (atual 4º ano1). Almeida e Passini (1989) ressaltam, para o desenvolvimento do domínio espacial, a importância de partir do espaço próximo para o distante, não de forma concêntrica. O trabalho com uma abordagem concêntrica tende a isolar a escala geográfica, pois pode conduzir a uma análise de espaços distantes, sem conexões com o local, ou o local a par do mundo. O Currículo Prescrito, que representa uma coletânea de orientações que organizam os sistemas de ensino e atua como referência para a organização dos currículos específicos de cada unidade escolar, também contempla o ensino do município. Os PCNs recomendam o trabalho com o espaço local para o primeiro e o segundo ciclos do ensino fundamental (BRASIL, 1997), ou seja, até o atual 5º ano. Recomendam também que sejam problematizados os eventos ou situações que ocorrem no lugar onde os alunos estão inseridos, permitindo, dessa forma, discutir o comportamento social e suas relações com a natureza. No ensino da Geografia é necessário produzir e organizar materiais didáticos que abordem a realidade local. Conhecer e compreender o local constitui uma forma de exercício de cidadania. No entanto, as crianças, na maioria das vezes, estudam o município nas escolas sem terem contato com a representação dos lugares estudados. É comum no Brasil prefeituras sequer terem um mapa do município. Em alguns casos, possuem apenas uma cópia da carta topográfica que abrange o território municipal ou de um mosaico de cartas, quando a área do município encontra-se em mais de uma folha. Se com as prefeituras isso ocorre, o que se dirá a respeito das escolas? 1 O ensino fundamental passa a ter nove anos, sendo o 1º ano correspondente à pré-escola, a 1ª série, ao 2º ano e assim sucessivamente, a partir de 6 de fevereiro de 2006, com a aprovação da Lei nº 11.274, que altera o artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 85 O ensino do município não pode se resumir a simples descrições de classificações climáticas, geológicas ou geomorfológicas. Além disso, como atesta Le Sann (2001), não deve ater-se apenas a mostrar datas comemorativas e nomes de políticos ilustres. Quando em bibliotecas consultam-se livros e/ou outros materiais sobre o município, os quais organizam os aspectos geográficos, históricos, sociais, econômicos e políticos deste, conclui-se que, em geral, são inadequados à faixa etária dos alunos do ensino fundamental. Ademais, deixam de estabelecer relações entre os aspectos que foram enumerados na obra. Estes são considerados particularmente, de forma fragmentada, sem conexão e não subsidiam uma interação do indivíduo com o espaço no qual está inserido. Um atlas escolar municipal no qual a geografia do município não é apresentada de forma fragmentada, mas, sim, sob uma visão integradora da realidade, pode ser um instrumento condutor dessa interação. OS ATLAS ESCOLARES MUNICIPAIS NO BRASIL Efetuando um levantamento dos municípios brasileiros com atlas publicados até o ano de 2007 em anais de congressos científicos, em periódicos e na rede mundial de computadores, foram encontrados diversos atlas (Figura 1). Alguns atlas não são voltados diretamente para o uso dos alunos na educação básica. Analisando a distribuição dos atlas municipais pelo Brasil, observa-se que ela se concentra nos estados de São Paulo e Minas Gerais, resultado da produção de dois dos principais grupos dessa linha de pesquisa, o da UFMG e o da UNESP/Rio Claro. Esses atlas possuem diversas particularidades, destacando-se as seguintes: a) há concentração nas Regiões Sul e Sudeste; b) foram elaborados por diferentes grupos de pesquisa e/ou pesquisadores; c) existem atlas de municípios com grande número de habitantes e atlas de municípios “pequenos”; 86 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 1 – Atlas elaborados para municípios do Brasil Fonte: Fuckner (2004) e pesquisa na Internet d) alguns atlas são de mais fácil obtenção e/ou disponibilidade de acesso; e) alguns estão voltados para o uso em sala de aula e outros são de caráter informativo; f) alguns atlas abrangem todo o território municipal e outros apenas a cidade; e g) são disponibilizados tanto em meio impresso quanto digital ou eletrônico. 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 87 A pesquisa efetuada por Fuckner (2004) selecionou uma amostra de cinco atlas para a análise de seu conteúdo (dados populacionais referentes a IBGE, 2000): a) Atlas Geográfico Escolar de Juiz de Fora – 456.432 habitantes (AGUIAR, 2000); b) Atlas Escolar de Lagoa da Prata – 38.737 habitantes (LE SANN et al., 2002); c) Atlas Escolar do Município de Quissamã – 13.668 habitantes (RUA; MARAFON, 2002); d) Atlas Municipal Escolar de Rio Claro: Geográfico, Histórico e Ambiental – 168.067 habitantes (NICOLETTI; ALMEIDA, 2002); e e) Atlas Municipal Escolar Geográfico de Santa Maria – 243.396 habitantes (VIERO, 2003). A análise dos atlas foi realizada tendo como parâmetros os conteúdos gerais apresentados, o conteúdo cartográfico, os procedimentos metodológicos empregados e a representação cartográfica. Esses parâmetros foram definidos a partir da observação dos atlas escolares, que contemplam determinados conteúdos, procuram ensiná-los e constroem seus mapas sob metodologias específicas, tudo organizado com uma diagramação própria. Os critérios de análise foram subdivididos em 88 itens. A análise procurou definir os aspectos bem trabalhados e os aspectos que precisam ser readequados nos atlas escolares analisados. A discussão foi efetuada à luz da bibliografia estudada, bem como do conhecimento empírico proveniente da prática docente de Geografia e coleta de dados com professores da área. RECOMENDAÇÕES PARA A ELABORAÇÃO DE UM ATLAS ESCOLAR MUNICIPAL Os atlas escolares municipais têm sido elaborados por pesquisadores ou grupos de pesquisa isolados, ou com a participação de professores de escolas do município, por meio de uma pesquisa em colaboração, 88 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais inserida em um projeto de formação continuada (ALMEIDA, 2003). Os projetos que incluem a participação dos professores têm sido, conforme os resultados de sua aplicação em sala de aula, as melhores propostas, como consideram Almeida (2001) e Le Sann (2001). Além disso, Le Sann (2001) relata, a partir de sua experiência, que, quando o contato é feito somente com as prefeituras, ao ocorrerem mudanças no governo municipal, o atlas é deixado de lado por parte dos docentes. Portanto, a participação de professores é fundamental tanto na criação quanto no uso dos atlas municipais. Conteúdo geral Uma série de considerações e recomendações para a elaboração de atlas escolares municipais pode ser listada. Quanto aos conteúdos gerais apresentados, além dos conteúdos próprios da Geografia, o atlas é um material propício à inclusão de outros conteúdos, como da História ou de Ciências, disciplinas que apresentam grande ligação com os temas ensinados na disciplina de Geografia. A partir dessa idéia, o atlas pode conter temas curriculares do ensino fundamental. Os mapas podem ser organizados a partir de eixos norteadores, tais como Aspectos Naturais, População, Economia, História, Cultura, Aspectos Político-Administrativos e Questões Ambientais. Não há a intenção de supor que todos esses temas devam ser incluídos em um atlas escolar municipal. A seleção dos conteúdos faz parte do planejamento de um atlas e deve respeitar as características geográficas do município. A inclusão dos conteúdos nos atlas pode estar relacionada à sua relevância ou então, no caso dos conteúdos que não foram incluídos, à falta de espaço devido ao limite de páginas predeterminado, à falta de informações a respeito ou a dificuldades de acesso às fontes. Uma proposta básica de atlas escolar municipal pode abranger os conteúdos listados no Quadro 1. Na seleção de conteúdos é importante dar atenção à cultura local. A cultura do município pode ser trabalhada apresentando-se as principais religiões, os meios de comunicação e as festividades. 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 89 Aspectos Naturais Geologia Relevo Hidrografia Clima Vegetação Solos População Formação da População Estrutura da População Movimentos Populacionais Urbanização Economia Setor Primário (Agricultura, Pecuária e Extrativismo) Setor Secundário (Indústria) Setor Terciário (Comércio e Prestação de Serviços) Vias de Transporte Meios de Comunicação História Colonização Personagens Históricos Marcos Históricos (Datas Importantes) Estrutura Fundiária Cultura Centros Culturais Eventos e/ou Festividades Importantes Tradições Locais Atividades Religiosas Aspectos Político-Administrativos Localização do Município Limites Municipais Inserção do Município no Estado Inserção do Município na Região Organização Administrativa Divisão Administrativa (Distritos, Bairros ou Localidades) Assistência de Saúde Educação Questões Ambientais Recursos Hídricos Saneamento Básico Desmatamento Lixo Unidades de Conservação Áreas de Preservação Permanente Quadro 1 – Proposta de eixos norteadores e conteúdos para inclusão em atlas escolares municipais 90 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A evolução político-administrativa pode ser explorada a partir de mapas históricos. O destaque para a história da região e do município pode ser apresentado por meio de uma linha do tempo. Levar em conta a história do município no ensino tem a seu favor a facilidade do recurso às fontes históricas, sejam elas documentais, orais, imagens ou de outra natureza. Quanto às questões ambientais, a abordagem pode incluir textos e fotografias sobre poluição visual, pichações, abandono do patrimônio público, terrenos baldios, transporte urbano, áreas de preservação e o problema do trânsito. A discussão de temas como os recursos hídricos, o saneamento básico, o lixo e as áreas de preservação deve ser rica e complementada por mapas elucidativos. Ao se trabalhar o tema uso da terra, podem ser integrados conteúdos como vegetação, hidrografia, setor primário da economia, áreas de preservação, desmatamento e estrutura fundiária. Pode ser destacada também a inserção econômica do município nos quadros nacional e mundial. Em casos específicos pode ser trabalhada a questão da agricultura, relacionando-a com a história local, os movimentos populacionais e a estrutura fundiária. Conteúdos de Cartografia Apesar de incluírem diversos mapas, poucos atlas escolares municipais trabalham os conteúdos de Cartografia. É recomendada a inclusão dos conteúdos específicos de Cartografia porque boa parte dos professores apresenta dificuldades em ensiná-los da forma como são apresentados nos livros didáticos, materiais que lhes são de mais fácil acesso, tal como apontaram os resultados de pesquisa elaborada por Fuckner e Loch (2005) com 450 professores do estado de Santa Catarina. A inclusão dos conteúdos de Cartografia permite que, ao estudar os mapas que o atlas contém, o aluno compreenda de que modo estes foram gerados e interprete a representação. Para Oliveira (1978), tais conteúdos devem ser apresentados de forma bem acessível às crianças e 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 91 adolescentes. Entre os conteúdos de Cartografia importantes para a inclusão, destacamos orientação e localização, escala, projeção, simbologia, fotografias aéreas e imagens de satélite. As fotografias aéreas e as imagens de satélite podem ser incluídas retratando o município e/ou a cidade e arredores, e também com uma linha do tempo, evidenciando a evolução histórica do município. Poderão ser ilustrados e explicados os pontos de vista na obtenção de uma fotografia aérea. O conteúdo imagens de satélite pode ser aprofundado ao se discutir sobre diferentes bandas ou canais que podem ser utilizados para compor uma imagem colorida, de acordo com os objetivos do estudo, bem como sobre os tipos de imagens que podem ser obtidos. É também importante fazer uma distinção entre imagem e mapa. A abordagem do conteúdo de orientação e localização pode ser feita utilizando-se a rosa-dos-ventos para determinar os municípios limítrofes e para encontrar a posição geográfica do município. Quanto à simbologia, os alunos poderão ser motivados a pintar, com cores diferenciadas, os elementos reconhecidos. Procedimentos metodológicos As metodologias são formuladas mediante uma concepção de homem, de mundo e de educação; portanto, veiculam teoria. Elas se concretizam nos procedimentos metodológicos ou pedagógicos, no caso do ensino. Algumas recomendações gerais quanto aos procedimentos metodológicos que podem ser adotados pelos atlas são apresentadas no Quadro 2. É relevante que os atlas façam de modo adequado a ligação entre as ilustrações do trabalho: fotografias, mapas, tabelas, gráficos e/ou outras ilustrações, e os conteúdos apresentados nos textos. A “amarração” das ilustrações com o texto não pode deixar a desejar, não devendo haver ilustrações “sobrando” no meio do trabalho, o que pode conduzir a estranhamentos sobre sua função dentro do atlas. Em algumas propostas de atlas também é importante a apresentação de recursos auxiliares aos professores e atividades propostas a partir 92 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Incluir introdução ou apresentação Incluir recursos da literatura local Apresentar textos complementares Relacionar as ilustrações com o texto Incluir glossário ou vocabulário Conter referências bibliográficas Recomendar bibliografias auxiliares Trabalhar com diferentes pontos de vista de uma paisagem Explicar como são feitos os mapas Trabalhar com a evolução temporal Conter fotografias Conter tabelas ou quadros Conter gráficos Citar créditos das fotografias Citar fonte dos dados estatísticos Conter fotografias aéreas verticais Conter imagens de satélite Apresentar orientações metodológicas Explorar as vivências dos alunos, seus conhecimentos adquiridos no cotidiano Incluir exercícios do tipo questionário Propor atividades de aprendizagem a partir dos mapas Incentivar a construção coletiva do conhecimento através de pesquisa em grupo Recomendar saídas a campo Propor a realização de entrevistas e/ou a aplicação de questionários Recomendar pesquisa em outros materiais Propor a elaboração de tabelas ou gráficos Recomendar a coleta de dados Propor a elaboração de mapas Propor a confecção de legendas Quadro 2 – Procedimentos metodológicos recomendados para os atlas escolares municipais dos conteúdos contemplados. A abordagem introdutória à Cartografia pode recomendar bibliografias auxiliares. A inclusão de textos complementares nos atlas é tarefa a ser pensada cuidadosamente, pois ocupa espaço, acarreta aumento no custo da publicação e reprodução, ou pode ser considerada desnecessária. Além disso, a inclusão de textos pode “quebrar” a seqüência do trabalho, tendo em vista que não é um livro didático. Apresentar um glossário ou vocabulário pode ser muito útil; os vocábulos poderão ser “chamados” ou não no 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 93 decorrer do texto. A listagem de vocabulário no final do trabalho poderá incluir os topônimos, para a interpretação de seu significado. Conforme o adotado pelos atlas escolares analisados, a evolução temporal do município pode ser apresentada por meio de recursos variados: série temporal de imagens de satélite; coleções de mapas, aliadas à representação na solução exaustiva; fotografias; evolução da produção de diferentes gêneros agrícolas por gráficos, etc. Para informar seus respectivos conteúdos, os atlas devem utilizar largamente fotografias, fotografias aéreas verticais, imagens de satélite, tabelas, quadros e gráficos. Uma das metodologias de análise multitemporal desenvolvidas em atlas pode ser observada na Figura 2. Dois pontos positivos da solução pela coleção de mapas podem ser destacados. Além de permitir a compa- Figura 2 – Apresentação dos tipos de vegetação e culturas de Lagoa da Prata através de coleção de mapas Fonte: Le Sann et al. (2002, prancha 23) 94 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais ração entre a área do município ocupada por cada classe em um mesmo período em virtude do emprego da mesma escala nos mapas, por tratar-se de uma série temporal, podem ser analisadas tanto a expansão quanto a retração de determinados cultivos e/ou tipos de vegetação. A aquisição e o tratamento dos dados apresentados nos atlas por parte de seus usuários, se assim o desejarem, devem ser permitidos. Quanto aos procedimentos metodológicos, podem ser incluídas atividades ou não. As atividades propostas e a recomendação da coleta de dados em diversas fontes devem problematizar o cotidiano dos alunos, possibilitando a interação entre o aprendiz e o meio que ele utiliza para a aprendizagem, que, nesse caso, é o atlas. Propor atividades de ensino é responsabilidade do professor. Um atlas local não deveria destinar-se ao ensino dos conteúdos de Cartografia, pois outros livros já o fazem. Todavia, para professores que não acompanharam as etapas da elaboração do material, o que propor de atividades com o atlas pode ser uma incógnita. Como conseqüência disso, o atlas pode tornar-se o que chama Aguiar (1997) de mais um peso na mochila do aluno. Portanto, ressalta-se a necessidade de capacitar os professores. Como exercícios propostos, os alunos podem ser convidados à elaboração de croquis, à construção da pirâmide etária da turma de alunos, à elaboração de legendas para os mapas dos bairros, ao registro das condições de tempo, à confecção de um “mapa” a partir de uma fotografia aérea oblíqua (inclinada) recoberta por uma folha de papel vegetal (sobre essa folha devem ser identificados os elementos que aparecem na fotografia). É importante esclarecer aos alunos que o ponto de partida para a elaboração de um mapa deve ser a fotografia aérea vertical. Mesmo da forma mais simples possível, não é adequado propor a elaboração de um mapa a partir de uma fotografia oblíqua. Dessa forma, o resultado será apenas um desenho, e não um mapa. Também pode ser proposta a elaboração de um mapa temático pontual quantitativo, registrando-se a quantidade de viagens rodoviárias intermunicipais que partem da cidade, como é proposta no Atlas de Lagoa 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 95 da Prata (LE SANN et al., 2002), levando os alunos a compreenderem as relações econômicas existentes entre os municípios daquela região, e até em âmbito extra-regional. Representação Cartográfica Em um atlas deve-se tomar cuidado com o tratamento gráfico da informação apresentada aos leitores, no caso crianças e adolescentes, visando garantir legibilidade. Os mapas nos atlas escolares municipais podem estar associados a uma série de outras figuras, tais como diagramas e fotografias. Pela natureza do trabalho, o destaque deve ser dado aos mapas, que devem estar adequados segundo os princípios da Cartografia Geral e da Cartografia Temática. O uso adequado dos elementos da representação cartográfica pode dar respaldo à obra. É importante a apresentação de diversos mapas, tais como os mapas listados no Quadro 3. Mapa de localização com os limites municipais Mapa com a divisão administrativa (distritos, bairros ou localidades) Mapas temáticos de aspectos físicos do município Mapas temáticos de aspectos humanos ou econômicos Mapa de uso do solo Mapas históricos Diagramas geográficos Mapas do município em diferentes escalas Carta-imagem multitemporal Perfil topográfico Quadro 3 – Mapas sugeridos para inclusão nos atlas escolares municipais Os atlas devem conceder espaço para representar o mapa “básico” de localização do município e sua divisão administrativa. A subdivisão do município permite que o aluno trabalhe com o mapa de seu próprio bairro, distrito ou setor, em páginas específicas, o que é importante para que o aluno localize sua escola e a própria residência, sentindo-se participante da construção do conhecimento geográfico promovida durante as aulas. 96 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Os mapas temáticos dos aspectos físicos dos municípios devem ser apresentados de acordo com os conteúdos que cada atlas inclui, assim como os mapas dos aspectos humanos ou econômicos, que representam a localização das escolas, indústrias, uso da terra ou outro fenômeno geográfico. Os mapas de aspectos humanos ou econômicos podem incluir representações através de fluxos, figuras proporcionais e símbolos pontuais, nos modos qualitativo e/ou quantitativo. A inserção de mapas históricos é importante, cuja contribuição é maior ao estudo da evolução urbana do município. Os atlas podem representar a hipsometria do município aliada à construção de um perfil topográfico. A exceção ocorre em municípios de pequena amplitude topográfica, o que poderia justificar a ausência. Os atlas podem apresentar mapas do município em diferentes escalas, sendo permitida sua comparação quanto ao nível de detalhamento por meio da escala cartográfica, gráfica ou numérica. As representações cartográficas devem ser elaboradas por aqueles que conhecem o assunto, pois um mapa é mais que uma simples figura; a escala, a orientação geográfica, as coordenadas e a projeção cartográfica utilizadas devem sempre estar presentes, mas nunca em evidência, pois são elementos auxiliares à leitura do mapa. É igualmente importante escolher os métodos de mapeamento adequados ao tema e saber empregar a simbologia de maneira que seja visualmente perceptível, assim como os textos sobre o mapa e os dados auxiliares na legenda, no título, etc. O uso adequado de cores é fundamental; os mapas de crianças devem apresentar cores saturadas para serem mais facilmente percebidos, lembrando que as cores da legenda devem ser as mesmas que o mapa mostra. Mais recomendações sobre como fazer mapas são encontradas em Loch (2006). Meio de Divulgação A maior evolução em termos de produção de atlas na atualidade está ligada à informática. Conforme Borchert (1999), o primeiro protótipo de atlas eletrônicos (dispostos na World Wide Web) foi desenvolvido em 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 97 1981, no Canadá. Em seguida, o interesse na produção desse tipo de atlas cresceu devido a diversos fatores. Cartwright (1999) cita os seguintes: a) desenvolvimento dos microcomputadores; b) criação de bases de dados geográficos que contêm mapas-base digitais ou dados temáticos georreferenciados; c) renovação na concepção e produção de atlas, assim como da comunicação da informação geográfica em geral; d) integração da informação geográfica com os sistemas de informação; e e) expansão mundial da internet. O trabalho com atlas multimídia, se comparado com os impressos, apresenta diversas vantagens, como (BORCHERT, 1999; LOCH, 2006): a) velocidade de pesquisa; b) mudanças de escala do mapa; c) facilidade de transferência do usuário de um lugar para outro no espaço geográfico em foco; d) facilidade na procura da toponímia; e) liberdade do usuário para fazer suas escolhas de visualização de segmentos de seu interesse; f) não há limitação ao formato apresentado (folhas padrão); g) integração de vários produtos – atlas, textos de livros, sons, vídeos; h) cobertura abrangente – depende da capacidade de estocagem do CD-ROM e servidor da internet; i) facilidade de transporte – para o caso dos CD-ROM; e j) aumento do prestígio do editor e do usuário. Entretanto, há também desvantagens. No caso do Brasil, algumas delas são apresentadas por Loch (2006): 98 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais a) um público ainda limitado da população tem acesso a computador; b) dificuldade de uso dos softwares – ainda não há cultura de uso de programas de sistemas de informações geográficas para a população em geral; c) problemas relacionados à construção do atlas, como falta de dados, o que implica aumento dos custos na construção da base de dados; d) ausência de profissionais especializados em representação cartográfica com conhecimento em mídia e comunicação; e e) falta de cultura na área da Cartografia – visão do mapa como um poderoso meio de comunicação e informação (tanto para quem faz como para quem usa mapas). No Brasil, o acesso a um microcomputador qualquer nas unidades escolares ainda é restrito, principalmente nas cidades menores e mais isoladas; daí a importância dos atlas impressos. Isso se agrava ao levarmos em conta o fato de que, apesar de o atlas ser escolar, sua utilização não deve estar restrita ao espaço da escola. A função de um atlas deve ser a de instruir toda a população, levando-a a aprender sobre seu local de moradia. Ademais, há de se convir que um material impresso é mais confortável para a leitura, além de permitir uma visão de conjunto. Dessa forma, o atlas “tátil”, aquele que pode ser manuseado, se possível preenchido com anotações, rabiscado, continua sendo adequado à realidade brasileira. Concorda-se com Le Sann (2002) quando afirma que materiais didáticos, tais como os atlas, também podem ser interativos, apesar de não estarem disponíveis na internet ou em CD-ROM. Muitos atlas impressos em papel simplesmente são repassados para o meio digital e, dessa forma, passam a ser chamados de interativos. Entretanto, isso “não significa que haja interatividade entre o usuário e esses mapas” (LE SANN, 2002, p. 17). Da mesma forma, os atlas podem ser “visualmente agradáveis e tecnicamente corretos, mas estranhos à sala de aula e inadequados para o uso escolar” (ALMEIDA, 2001, p. 142). 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 99 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo foi elaborado com o intuito de ampliar o conhecimento dos educadores sobre o assunto e de incentivá-los à elaboração de outros atlas escolares municipais. Procurou-se apresentar algumas recomendações, a partir de uma análise de atlas escolares municipais efetuada em um trabalho de conclusão de curso em Geografia, sob orientação da professora Ruth E. Nogueira. Espera-se que se consiga com essas recomendações orientar os interessados na elaboração de atlas quanto aos conteúdos que podem ser apresentados, aos mapas, aos exercícios propostos e a outros recursos didáticos possíveis de ser considerados em conjunto. Incluindo atividades em sua proposta ou não, os atlas são fontes riquíssimas de informação geográfica. Assim, são poderosos elos de ligação entre duas ciências: a Geografia e a Cartografia. Os resultados de sua aplicação em sala de aula requerem acompanhamento da evolução da aprendizagem dos alunos na seqüência de sua escolarização em uma pesquisa de caráter experimental. De qualquer forma, é importante que professores estejam conscientes do papel que os atlas têm, pois todo atlas, seja múndi ou municipal, é, acima de tudo, um instrumento de informação e de comunicação. REFERÊNCIAS AGUIAR, Valéria T. B. Os atlas de geografia: peso na mochila do aluno. Geografia e Ensino, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 39-42, 1997. AGUIAR, Valéria T. B. Atlas Geográfico Escolar de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG: Ed. da UFJF, 2000. 46 p. AGUIAR, Valéria T. B. Atlas: concepção histórica e metodológica. In: SIMPÓSIO IBERO-AMERICANO DE CARTOGRAFIA PARA CRIANÇA, 1., Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2002. 100 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais ALMEIDA, Rosângela D. Desenvolvimento de atlas municipais escolares. Boletim de Geografia, Maringá, PR, v. 19, n. 2, p. 139-143, 2001. ALMEIDA, Rosângela D. Atlas municipais elaborados por professores: a experiência conjunta de Limeira, Rio Claro e Ipeúna. Cadernos CEDES, Campinas, SP, v. 23, n. 60, p. 149-168, 2003. ALMEIDA, Rosângela D.; PASSINI, Elza Y. Espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 1989. 90 p. ANTUNES, Aracy R.; MENANDRO, Heloísa F.; PAGANELLI, Tomoko I. Estudos sociais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Access, 1993. 178 p. BORCHERT, Axel. Multimedia Atlas Concepts. In: CARTWRIGHT, William; PETERSON, Michael; GARTNER, Georg (Ed.). Multimedia Cartography. New York: Springer, 1999. p. 75-86. BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 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NICOLETTI, Fabiana; ALMEIDA, Rosângela D. (Coord.). Atlas Municipal Escolar de Rio Claro: geográfico, histórico e ambiental. Rio Claro, SP: FAPESP; Prefeitura Municipal; UNESP, 2002. 113 p. OLIVEIRA, Cêurio. Curso de Cartografia moderna. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1993. 152 p. 102 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais OLIVEIRA, Lívia. Estudo metodológico e cognitivo do mapa. 1978. Tese (Livre-docência) – UNESP/Rio Claro, IG/USP, São Paulo, 1978. PENTEADO, Heloísa D. Metodologia do ensino de História e Geografia. São Paulo: Cortez, 1994. 187 p. RAISZ, Erwin. Cartografia geral. Rio de Janeiro: Científica, 1969. 414 p. RUA, João; MARAFON, Gláucio J. (Org.). Atlas Escolar do Município de Quissamã. Quissamã, RJ/Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal de Quissamã; UERJ, 2002. 66 p. VIERO, Lia M. D. Atlas Municipal Escolar Geográfico de Santa Maria. Santa Maria, RS: Diário de Santa Maria, 2003. 14 fascículos, 56 p. 5. Elaboração de atlas escolares municipais: o que é importante saber? 103 parte II Experiências reveladoras: desenhos e representações gráficas bi e tridimensionais no ensino de invisuais 1 Iniciação cartográfica de adultos invisuais Luciana C. de Almeida Ruth E. Nogueira “Um bom mestre tem sempre esta preocupação: ensinar o aluno a desenvencilhar-se sozinho.” (André Gide) D e acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% da população mundial possui alguma deficiência. No Brasil, conforme os dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2000, aproximadamente 14,5% da população – mais de 24,5 milhões de brasileiros – possuía pelo menos uma deficiência. Ainda de acordo com esse censo, 16,6 milhões de brasileiros possuem alguma ou grande dificuldade de enxergar. Entre os que se declararam ser incapazes de enxergar, 620 mil têm menos de 40 anos. Tais dados justificam o empenho da sociedade em geral e principalmente do setor da educação na criação e na disposição de meios que possibilitem a inclusão dessas pessoas na sociedade. No que concerne à Geografia, acreditamos que os educadores e pesquisadores podem colaborar na inclusão ao proporem metodologias e materiais didáticos para auxiliar a apreensão do conhecimento geográfico e 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 107 espacial dessas pessoas, ou que as auxiliem na sua orientação e independência de mobilidade. É fácil concluir que o sentido da visão é o mais importante canal para a aquisição da informação espacial e por isso mesmo ela é tão requisitada na busca de reconhecimento das diferentes paisagens, lugares e análises na Geografia. Também sabemos que os mapas na Geografia configuram a representação do espaço estudado; são modelos da realidade concebidos para veicular dados ou a informação espacial apreendida. Para lerem-se mapas também se faz necessário usar o sentido da visão. Então, como seria possível ensinar Geografia e tornar os mapas “visíveis” a pessoas com deficiência visual? Por que precisam de mapas? Ora, os mapas para as pessoas, de forma geral, são meios de comunicação da informação espacial; eles servem, sobretudo, para localizar lugares e mostrar a organização do espaço nos seus aspectos naturais e sociais. Portanto, é fácil perceber que as informações geográficas veiculadas por eles são extremamente importantes para as mais variadas atividades humanas. Se, de fato, se quer uma inclusão social e educacional para pessoas com deficiência, há que se pensar que os invisuais1 devem ter oportunidades de acessar mapas. Além disso, o artigo 59 da LDB afirma que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização peculiar para atender às suas necessidades. Tais considerações, aliadas à experiência obtida com representações cartográficas no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE), da UFSC, conduziram à realização de uma pesquisa de mestrado cujo objetivo era desenvolver uma metodologia para mediar a apropriação do espaço e auxiliar no treinamento de orientação e mobilidade de pessoas com deficiência visual. Essa pesquisa foi conduzida em mais ou menos um ano, mas os encontros com as quatro pessoas que participaram como voluntários do estudo aconteceram no período de três meses. 1 Invisual é um vocábulo utilizado principalmente na Arte para designar pessoas deficientes visuais. A cegueira é constada no indivíduo que apresenta acuidade visual menor que 0,05 no seu melhor olho sem equipamento auxiliar, o que significa que poderá ver a 3 metros aquilo que um indivíduo sem problemas de visão enxerga a 60 metros. Quanto à baixa visão, existem muitos e distintos tipos que impedem, mesmo com o auxílio de dispositivos tecnológicos, que o indivíduo responda a testes de acuidade visual com símbolos (LOCH, 2008). 108 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Neste texto relatamos uma parte do trabalho efetuado2 com os voluntários invisuais da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC), mostrando os resultados alcançados por dois deles. Contudo, antes de iniciarmos o relato do trabalho desenvolvido, consideramos importante caracterizar os dois voluntários que participaram do projeto, cujas atividades são a seguir detalhadas. Fredy (codinome) tem 26 anos, cresceu com baixa visão e ficou cego aos 21 por motivo de doença. Nunca havia tido acesso a mapas ou plantas táteis, porém conheceu mapas quando enxergava. Completou o ensino médio em escola regular, sem acesso a material específico para pessoas com baixa visão. Alega ter grande dificuldade com a leitura braile. Davi (codinome), de 35 anos, tinha baixa visão (20% de acuidade visual) e ficou cego há dois anos, quando foi atropelado por um caminhão. Nesse acidente perdeu também parte dos movimentos corporais do lado esquerdo e apresenta deficiência auditiva leve. Ele não lê braile e nunca teve acesso a mapas ou plantas táteis, entretanto se lembra de ter visto alguns mapas quando ainda tinha um pouco de visão. Completou o ensino fundamental sempre com baixa visão, sem, no entanto, ter acesso a materiais didáticos específicos para pessoas com deficiência visual. PERCEPÇÃO E REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO POR DEFICIENTES VISUAIS A percepção que temos do mundo é constituída por imagens mentais adquiridas por meio do intercâmbio com o ambiente. Para conhecer ou adquirir percepção acerca de um objeto, é necessário vê-lo ou manter contato físico com ele. Para representar ou compreender a representação de um objeto, é essencial recriá-lo mentalmente a partir do conhecimento adquirido do objeto em questão. 2 A dissertação foi desenvolvida no ano de 2008, no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina, por Luciana Cristina de Almeida, sob a orientação da professora Ruth Emilia Nogueira. 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 109 O processo de aquisição de conhecimento espacial se dá numa sucessão ininterrupta de estágios. É um processo lento, gradual, progressivo. A percepção resultante desse processo dependerá das características do mundo físico, das particularidades dos órgãos sensoriais de cada indivíduo e da motivação deste para tal. Estudar o espaço é uma tarefa que compete à Geografia. Castelar (2000), ao falar sobre o ensino da Geografia, salienta que deve ser dada prioridade à construção dos conceitos espaciais pela ação do educando, tomando como referência as suas observações do lugar de vivência, para conduzi-lo a formalizar conceitos geográficos por meio da linguagem cartográfica. A tradução das informações espaciais, por meio da linguagem cartográfica, desenvolve o raciocínio lógico do educando e facilita a memorização das distribuições espaciais (LE SANN, 1997). Almeida (2001) completa essa idéia ao afirmar que o indivíduo que não consegue usar um mapa está impedido de pensar sobre aspectos do território que não estejam registrados em sua memória. Está limitado apenas aos registros de imagens do espaço vivido, o que o impossibilita de realizar a operação elementar de situar localidades desconhecidas. Simielle (1993) propõe dois eixos para trabalhar o mapa no ensino: no primeiro eixo, o aluno é participante do processo ou participante efetivo, resultando num mapeador consciente; no segundo eixo, trabalha-se com o produto cartográfico já elaborado, que permita formar um leitor crítico. Para a autora, o que importa é desenvolver a capacidade de leitura e comunicação de desenhos, plantas, maquetes e mapas, e assim permitir ao aluno a percepção e o domínio do espaço. As práticas nos projetos de extensão que temos desenvolvido na UFSC são concordantes com os eixos propostos por Simielle e adotados por Callai (2005) e outros estudiosos do ensino/aprendizagem da Cartografia. Consideram que, para o sujeito ser capaz de ler de forma crítica o espaço, é necessário que ele saiba fazer a leitura do espaço real e que ele seja capaz de fazer a leitura desse espaço representado no mapa. Considera, inclusive, que quem sabe fazer mapas tem melhores condi- 110 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais ções para ler mapas. Desenhar trajetos, percursos, plantas da sala de aula, da casa, do pátio da escola pode ser o início do trabalho com as diferentes maneiras de representação do espaço. Todas as pessoas reconstroem o espaço mediante a atividade representativa exercida sobre a atividade perceptiva. No caso da pessoa com deficiência visual – cego congênito ou não –, a ausência do estímulo visual impõe restrições ao processo de aquisição de conhecimento espacial. Tais restrições afetam a percepção espacial, a representação do espaço e, obviamente, as operações espaciais. Para quem enxerga, em geral, os objetos, as pessoas e os lugares são apresentados na visão oblíqua e na visão vertical. Para ensinar o mapa, o educador deve trabalhar as questões referentes ao ponto de vista do observador. Na visão oblíqua, a pessoa é capaz de reconhecer os elementos, pois eles mostram volume; já a visão vertical mostra os elementos em um plano, de onde só poderão ser extraídas informações bidimensionais. Simielli (1993) argumenta que somente depois da compreensão do conceito de tridimensionalidade é que o mapa deve ser trabalhado, uma vez que ele é uma representação gráfica feita a partir da visão vertical. APLICAÇÃO E ANÁLISE DAS TAREFAS DE INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA Considerando as rápidas reflexões efetuadas no item anterior, verificamos que a ausência da visão é um obstáculo que limita e restringe a obtenção de conceitos espaciais, todavia a pessoa com deficiência visual também configura uma percepção do espaço e, a partir dela, realiza atividades espaciais operatórias. Evidentemente, tais operações dão-se de maneira diferenciada daquelas dos que enxergam, pois, para a pessoa com deficiência visual, a apreensão do espaço estabelecer-se-á de acordo com a relação que cada um estabelece com o ambiente, limitada pela sua capacidade sensório-motora. Dessa forma, as atividades propostas em dois eixos, denominados de tarefas, tiveram o objetivo de conduzir a iniciação cartográfica de 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 111 adultos invisuais, o que corresponderia para muitos autores à “alfabetização cartográfica”. A tarefa 1 trabalhou os conceitos de “tridimensionalidade” e de “visão vertical”, procurando reproduzir situações reais do cotidiano (o quarto de dormir), um espaço que é real e comum para todos. Nesse espaço foram trabalhadas questões como localização, orientação, perspectiva e representação. A metodologia para a realização dessa tarefa teve como base Almeida e Passini (2001), sobre a organização espacial do adulto envolver perspectiva e coordenadas para a localização baseadas em relações espaciais topológicas elementares, relações projetivas e relações euclidianas3. Mesmo que nessa tarefa não tenhamos explicitado as coordenadas, exploramos os limites, a forma do espaço representado e a localização do observador para fazer a leitura dos espaços tridimensionais e bidimensionais. A tarefa 2 teve o objetivo de incentivar os deficientes visuais (DVs) a lerem mapas para ampliar sua percepção espacial acerca do espaço em que vivem. A representação do espaço escolhida foi a do prédio da administração (que todos conheciam). Vale destacar que as atividades foram mediadas de forma individual com os DVs pela primeira autora deste texto. A socialização do conhecimento só aconteceu nos primeiros encontros, devido à dificuldade de atender a todos em conjunto. Tarefa 1 – Para compreender a “vista de cima” Para mediar a compreensão do mapa, é importante esclarecer o conceito de espaço tridimensional e de “ponto de vista” antes de inserir outros conceitos espaciais. Isso pode ser feito com atividades lúdicas e auxílio de material didático apropriado. Após tal esclarecimento, podemos, então, introduzir o conceito de “visão vertical” utilizada na confecção de mapas convencionais, que considera a “vista de cima”. Desenvol- 3 Para saber mais sobre as relações espaciais, consultar Almeida e Passini (2001). 112 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais vemos algumas atividades que fariam parte dessa tarefa: a) demonstrar a perspectiva espacial de quem observa os elementos do alto, ou seja, como se enxergam os objetos do alto, e explicar ao deficiente visual que é a partir desse enfoque que os mapas convencionais são delineados; b) trabalhar com o espaço percebido (aquele que ele conhece e que lembra – por exemplo, seu quarto de dormir) para selecionar o que será representado (cama, berço, cadeira) dentro de certa organização espacial; e c) a abstração necessária para fazer representações dos objetos vistos de cima. a) Materiais criados para realizar as atividades Maquete: Criamos uma maquete estilizada de um ambiente doméstico com o qual todos estamos habituados; ela serviu como modelo para mostrar o ponto de vista de cima. Para tanto, foram utilizadas uma caixa de papelão de tamanho aproximado de 50 cm x 35 cm e miniaturas de móveis em plástico duro representando cadeira, cama e berço (brinquedos de casa de bonecas), conforme mostra a Figura 1. Os móveis de plástico podem ser substituídos por móveis feitos com caixa de fósforos, se não se tem acesso a miniaturas de móveis. Figura 1 – Móveis de plástico, caixa de papelão e placa de metal Fonte: Almeida (2008) 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 113 Placa de metal, ímãs e material emborrachado: Utilizamos uma placa de metal quadrada de aproximadamente 30 cm de lado, semelhante àquelas usadas para fixar fotos e outros papéis, constituídas de pequenos imãs (sucesso de vendas entre os adolescentes). Qualquer placa de metal serve, contanto que não ofereça perigo ao tato dos usuários. Figura 2 – Placa de metal e material emborrachado Fonte: Almeida (2008) O ímã foi colado no verso do material emborrachado, e este foi utilizado para representar os objetos vistos do alto quando dispostos sobre a placa. O ímã é o mesmo utilizado por artesãos e empresas de marketing para elaborar materiais decorativos para portas de geladeira. Figura 3 – Semelhança entre o formato do material emborrachado e os móveis Fonte: Almeida (2008) 114 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Ele é vendido a granel, por metro linear. Alguns tipos, inclusive, já vêm com cola. O material emborrachado foi cortado em formatos e tamanhos semelhantes aos dos móveis de plástico quando observados do alto, verticalmente; dessa maneira eles podem ser utilizados para representar esses objetos no plano da placa. Note a semelhança deles na Figura 3. b) Procedimentos didáticos Ao propormos a metodologia descrita a seguir para iniciar adultos invisuais na representação do espaço, consideramos a opinião de Almeida e Passini (2001), que afirmam que esse tipo de representação não pode ser tratado de modo abstrato e que se deveria evitar o uso de produtos prontos, acabados e veiculados em diferentes materiais didáticos. Também foram importantes as considerações de que: a) o modo de ensinar não pode ser o discurso – devem ocorrer diferentes situações que instiguem o aluno, desafiem suas estruturas de pensamento; b) a afetividade e a socialização do conhecimento têm grande importância nas relações de aprendizagem (cuidado ao elaborar atividades); e c) não há erro, pois ele é ponto da reflexão a ser feita. Antes de iniciar a atividade, foi explicado ao DV como se dá o processo de elaboração de mapas a partir de fotografias aéreas. No caso das atividades realizadas com os voluntários envolvidos na nossa pesquisa, uma foto aérea do bairro em que se encontra a instituição (Bairro Saco Grande) foi apresentada para ser escrutinada pelas mãos dos DVs, no intento de evidenciar que é possível abranger todo o bairro em uma folha de papel comum. Em seguida, os móveis de plástico foram apresentados aos DVs para que eles tivessem contato com os objetos, explorando sua forma, textura, temperatura, dureza e cheiro. Chamamos a atenção deles para que observassem as diferenças entre as formas desses objetos. Depois perguntamos quais seriam as formas desses objetos se tocadas do alto quando em repouso sobre a mesa, por exemplo. Eles compreenderam que as formas eram geométricas, como retângulos de tamanhos diferentes. 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 115 Noutro encontro retomamos essa atividade, dessa vez arranjando as miniaturas dos móveis dentro da caixa de papelão, simulando a disposição de móveis em um dormitório. Deixamos os DVs explorarem esse arranjo, conduzindo o tato para a forma dos móveis tocados de cima. Mostramos em seguida o material emborrachado cortado no formato e no tamanho semelhantes aos diferentes móveis em miniatura, e explicamos que cada um representava um móvel. Novamente conduzimos essa atividade com calma, deixando cada pessoa explorar os retângulos emborrachados para que, no seu tempo, internalizasse o conhecimento que, esperávamos, fosse adquirido. Ao finalizar essa atividade, a caixa de papelão com os móveis de plástico dispostos de maneira a simular a posição dos móveis em um dormitório foi novamente entregue a cada DV para análise tátil. A seguir, foi solicitado ao DV que tomasse os retângulos de material emborrachado para reproduzir, na placa de metal, o arranjo espacial dos móveis que ele percebeu dentro da caixa de papelão. Consideramos essa prática uma maneira de instigar o invisual na observação do espaço percebido real (seu quarto) reduzido, conservando a tridimensionalidade (maquete) e a sua representação (orientação e organização do espaço) no plano. Depois de completada essa atividade, outra foi proposta, utilizando ainda esses materiais. Nessa nova atividade, a placa de metal foi utilizada como suporte para fazer a representação dos móveis de plástico (brinquedos) – retângulos de material emborrachado na mesma dimensão de cada objeto. Foi considerado que o invisual já tinha abstraído a representação espacial do espaço percebido (seu quarto). Foi solicitado que ele explorasse na placa de metal a organização espacial dos móveis representados (retângulos de borracha) e depois disso fizesse a reprodução do que percebera utilizando o mobiliário correspondente (brinquedos de plástico), na caixa de papelão. O objetivo dessa tarefa era avaliar a compreensão da representação espacial, uma maneira de iniciar a leitura de “mapas”. c) Resultados alcançados Cada um de nós tem características próprias, habilidades desenvolvidas ou não, e tempos diferentes para internalizar conceitos. Assim, 116 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais as atividades realizadas de forma individual com cada um dos voluntários foi conduzida respeitando-se tais premissas. A título de ilustração, mostramos a seguir os resultados alcançados com dois DVs nessas atividades. Verificamos que Fredy tinha um raciocínio rápido; assim, a compreensão da seqüência espacial dos objetos e a identificação dos retângulos com os móveis foi efetuada com rapidez espantosa. Contudo, depois de memorizar a disposição dos móveis na caixa, ele os ordenou de maneira diferente na placa. Analisando a disposição dos móveis dada por ele, consideramos que Fredy estabeleceu as relações de vizinhança dos objetos, mas não os situou corretamente no espaço considerando a posição dele em relação à caixa; ou então ele, deliberadamente, quis demonstrar à mediadora que entendeu o arranjo, convertendo a representação como se fosse a observação da mediadora em relação à caixa. Veja na Figura 4 a representação de Fredy. Figura 4 – Resultados de Fredy em relação à representação dos objetos da maquete Fonte Almeida (2008) Na atividade de examinar a disposição dos móveis representados na placa de metal e depois arranjar as miniaturas deles na caixa de papelão, de acordo com sua organização na placa, Fredy não mostrou dificuldades. Observe na Figura 5 o resultado dessa atividade. 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 117 Figura 5 – Resultados de Fredy na disposição dos objetos após sua leitura na representação deles, efetuada na placa de metal Fonte: Almeida (2008) Davi é uma pessoa muito cuidadosa ao tatear objetos, criterioso e delicado. Pareceu-nos que essas características interferiram no desenrolar de sua atividade, pois manteve o foco em não derrubar os objetos. Mostrou compreender a localização dos objetos na caixa, mas, ao tentar representá-los na placa de metal, não conseguiu reproduzir a mesma situação. Contudo, na situação inversa, de verificar o local dos móveis na placa e reproduzir sua localização na caixa, ele conseguiu reproduzir espacialmente o arranjo dos objetos. Figura 6 – Arranjo espacial de objetos na caixa a partir da leitura de Davi da representação deles na placa de metal Fonte: Almeida (2008) 118 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Consideramos que a prática repetida pode auxiliar a desenvolver habilidades adormecidas na pessoa e que pode ser necessário refazer a mesma atividade algumas vezes, até que o conceito seja internalizado. Observe na Figura 6 como ficou essa representação de Davi, elaborada a partir da investigação da placa e da montagem dos móveis na caixa. Tarefa 2 – Leitura e elaboração de mapas e plantas táteis Sabemos que a leitura de mapas não é uma habilidade natural das pessoas. Independentemente do impedimento sensório-motor que possam ter, é preciso desenvolver essa habilidade na criança na educação escolar, em um processo denominado alfabetização cartográfica. Nas escolas, muitos professores não utilizam os mapas táteis com estudantes que apresentam restrições visuais severas ou cegueira, por falta de iniciativa ou porque desconhecem esses mapas, ou, ainda, pelo despreparo em ensinar o mapa ou com o mapa até mesmo para os estudantes sem restrições sensoriais. Outro motivo de os professores não utilizarem mapas é porque muitos vêem a pessoa com deficiência visual como incapaz de entender mapas, esquemas e figuras táteis. Tais constatações explicam por que nossos DVs voluntários nunca tiveram contato com mapas durante sua vida escolar. Dessa forma, dando seguimento à nossa proposta, depois de preparar os DVs para a leitura de mapas nas atividades desenvolvidas na tarefa 1, já conhecendo as diferentes habilidades de cada participante, seguimos para a segunda etapa, denominada de tarefa 2. Para desenvolver esta tarefa foi necessário lembrar o DV sobre a maquete do quarto e sua representação na placa da tarefa anterior. a) Materiais criados Para o desenvolvimento dessa tarefa, foram utilizados os materiais a seguir. Prancheta para desenho tátil : A prancheta para desenho tátil é um 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 119 Figura 7 – Prancheta tátil e detalhe da tela mosquiteira Fonte: Almeida (2008) recurso simples que permite ao invisual fazer desenhos. Para o nosso caso, resolvemos construí-la artesanalmente, recobrindo uma folha de papelão com tela mosquiteira. Para fazer desenhos utilizando a prancheta, coloca-se sobre ela uma folha de papel sulfite e criam-se desenhos táteis com giz de cera. A textura produzida nos desenhos elaborados pode ser sentida com os dedos. Observe a tela no detalhe na Figura 7. Foi sobre essa prancheta tátil que conduzimos as representações espaciais dos participantes do projeto. Planta baixa tátil do prédio da administração da ACIC: A planta baixa (escala 1:50) do prédio da administração da ACIC, executada pela empresa de engenharia responsável pela construção do prédio, serviu como referência para a elaboração da planta baixa tátil. Essa planta foi fotografada com câmara digital e, em seguida, desenhada em software de desenho (Corel Draw®) e impressa em duas folhas A4 de gramatura 250 g/m² (semelhante à cartolina). As duas folhas em que o mapa foi impresso foram coladas para formar uma folha única de tamanho 31,5 cm x 40,5 cm. A planta tátil foi criada colando-se ao papel barbante encerado do tipo cordonê (linha Urso®), de duas espessuras distintas (número 0 e número 000). O braile não foi utilizado, por isso não havia identificação das salas. Veja na Figura 8 o mapa preparado em cordonê. 120 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 8 – Mapa tátil preparado com papel-cartão e cordonê Fonte: Almeida (2008) 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 121 b) Procedimentos didáticos Partimos da compreensão do espaço vivido pelos DVs na ACIC, isto é, como cada um deles configura mentalmente o espaço em que vive. Para tanto, decidimos, antes de apresentar um mapa tátil do ambiente interno do prédio da administração da ACIC, mostrar a prancheta para desenho tátil aos DVs. Mostramos como desenhar sobre a prancheta, e alguns deles fizeram livremente alguns desenhos e depois os examinaram. Noutro encontro, após o deficiente visual familiarizar-se com a prancheta tátil e com o ato de desenhar, explicamos que seria importante ele se lembrar do prédio da administração e nos explicar verbalmente e por desenhos na prancheta como ele lembrava o espaço que freqüentava regularmente. Cada participante fez suas representações e interações com o que desenhara, verbalizando ou não cada local representado. Depois de concluído o desenho do mapa na prancheta, mostramos a planta tátil elaborada com barbante para uma análise detalhada com nosso auxílio. Em seguida, solicitamos que eles desenhassem um novo mapa na prancheta. Conduzimos essas duas atividades, a de representar o mapa mental que tinham do prédio antes da leitura da planta tátil e, depois, a de explorá-la, no intuito de observar se realmente a planta tátil foi entendida e se ela agregou algum conhecimento do espaço em questão para cada DV. c) Resultados alcançados O conhecimento espacial do ser humano consiste, sobretudo, em imagens mentais construídas na trajetória de sua vivência a partir da percepção. Essas imagens mentais não são formadas unicamente a partir da visão, apesar de ela possibilitar uma percepção global, facilitando a análise de objetos que compõem o ambiente. Oliveira (2004) lembra que é preciso considerar os processos cognitivos superiores na compreensão dos significados das palavras, no conhecimento de objetos, das coisas, das organizações simbólicas. Esse processo se realiza em estágios denominados de percepção, mapeamento, avaliação, conduta e ação. 122 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Sendo assim, a despeito da limitação restritiva oriunda da ausência do sentido da visão, é importante considerar o deficiente visual como detentor de conhecimentos e da compreensão da organização espacial. Vejamos os resultados obtidos com dois DVs voluntários deste estudo, Davi e Fredy. Davi não quis experimentar a prancheta, nem fazer desenhos livres. Decidiu desenhar de imediato o prédio da administração, em silêncio e compenetrado – talvez pelo ineditismo do ato de desenhar. Fez um primeiro traço de tamanho pequeno e parou um instante, como se estivesse recordando algo, ou então examinando o que fez como teste de Figura 9 – Seqüência do desenho de Davi e seus significados funcionamento da prancheta tátil. É importante o mediador que quer entender o desenho espacial de um cego observar em qual seqüência este desenha. Isso facilitará o entendimento da disposição dos elementos e objetos que ele memorizou e agora representa. Depois dessa “parada estratégica”, Davi continuou a desenhar linhas seqüenciais, pausando depois de algumas, como se estivesse recordando algo. Assim, observamos que precisou quatro tempos para representar o prédio, conforme mostramos na Figura 9. Durante o ato de desenhar, ele repetia constantemente o nome de cada sala e sua função. Ao concluir o 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 123 desenho, tateou o que havia representado, verbalizando passo a passo o que pretendeu representar e repetindo o nome das salas e sua função (veja na Figura 9 os significados). Pode-se concluir, pela explicação detalhada de Davi, que seus traços representavam o percurso comumente rastreado pela bengala, ou seja, as paredes que a bengala tocam. Após Davi desenhar o que sabia do prédio, conduzimo-lo na leitura da planta tátil, guiando seus dedos pela superfície da planta e verbalizando os significados de cada local, para que ele pudesse compreender a ordenação dos elementos. Isso fez com que ele se sentisse mais confortável (apresentava-se tenso, provavelmente devido à carência de prática em tarefas semelhantes); em seguida, repetiu sozinho várias vezes essa leitura, verbalizando a função de cada sala explorada tatilmente no mapa. Figura 10 – Primeira e segunda plantas elaboradas por Davi e os significados da segunda Fonte: Almeida (2008) Quando ele já estava satisfeito com a sua leitura da planta, solicitamos que desenhasse nova planta, que ele fez com habilidade e rapidez. Cada sala foi traçada em um movimento único, e as linhas retas, riscadas entre uma sala e outra (as paredes), foram elaboradas com cuidado, no intento de lhes graduar o tamanho. Todas as salas representadas na planta foram representadas por ele em seu desenho, conforme pode ser observado na Figura 10. 124 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Comparando os dois desenhos que Davi fez do prédio, antes de ler a planta tátil e depois, constatamos que, apesar das suas dificuldades iniciais para ler mapas, ele compreendeu a representação tátil do prédio. Podemos verificar que a planta tátil influenciou de maneira positiva na representação do espaço do DV , isto é, permitiu ampliar a sua memória do lugar. Houve uma assimilação mental, agregando algo novo ao seu mapa mental. Apesar de outros dois colegas seus terem experimentado desenhos na prancheta, Fredy, a exemplo de Davi, não quis fazer nenhum desenho livre. Segurou o giz de cera e traçou o que considerava ser a planta do prédio da administração, verbalizando que o local era quadrado, repetindo constantemente “Lá é quadrado. Quadrado”. Essa era a imagem mental que ele tinha do prédio: dois retângulos. O segundo retângulo é apenas a reafirmação de que o prédio é quadrado. Com o desenho elaborado, passamos à atividade de conduzir Fredy na leitura da planta tátil do prédio. Ele analisou atentamente cada detalhe e verbalizou a função de cada sala. Disse que compreendeu a planta. Mesmo sem saber ler em braile, verificamos que a exploração do mapa feita por ele ocorreu com a destreza de quem conhece muito bem esse alfabeto: primeiro examinado todo o desenho, no sentido horário e de cima para baixo; e depois voltando aos detalhes. Após a análise da planta tátil, solicitamos que Fredy desenhasse novamente a planta tátil na prancheta. Verificamos que dessa vez ele desenhava cada traço cuidadosamente. A cada risco fazia uma pausa para conferir a feição representada, e no final fez uma revisão para checar se havia esquecido algo. Ele seguiu o sentido horário para desenhar, começando pelo hall e passando às salas. Os desenhos de Davi mostram que, após a leitura da planta tátil, a sua memória acerca do prédio representado foi ampliada e uma relação de ordem entre os elementos foi estabelecida. Observe as diferenças entre os dois desenhos elaborados por Fredy na Figura 11. Ele relatou o significado de cada linha desenhada e já não afirmava mais que o local era quadrado. Essa imagem foi substituída por outras, mais complexas. Também ele aportou algo novo à sua mente após ler a planta. Observamos diversos lugares nessa sua segunda representação; eles estão 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 125 Figura 11 – Primeira e segunda plantas elaboradas por Fredy Fonte: Almeida (2008) ordenados e há uma tentativa de simbolizar cada lugar com um signo diferente (veja a Figura 12). Conforme atestado por Oliveira (2004), verificamos o processo cognitivo de apreensão do espaço por Davi acontecendo primeiro com a percepção individual (sujeita aos seus valores, experiências e memória). O mapeamento mental efetuado foi influenciado por diversos fatores, como a sua idade, grau de escolaridade e aspectos socioeconômicos. Em seguida, na sua ação, quando solicitado a desenhar, verificamos a sua conduta e o processamento mental das informações recebidas através da leitura da planta do espaço vivido por ele. Figura 12 – O significado dos lugares na segunda planta elaborada por Fredy 126 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho, na sua íntegra, foi desenvolvido com quatro deficientes visuais voluntários, de forma individual, considerando as particularidades e peculiaridades dos indivíduos envolvidos nas tarefas. Aqui relatamos o resultado de apenas dois deles. Por serem pessoas muito diferentes em todos os aspectos e na sua história de vida, incluindo a da cegueira, têm diferentes percepções do espaço em que vivem e, logicamente, do prédio da ACIC, em análise. Por isso, durante toda a pesquisa, houve o cuidado de buscar respostas às questões relativas à representação espacial da pessoa com deficiência visual, sem permitir que nossa perspectiva visual prevalecesse na avaliação das atividades e sem estabelecer comparações entre eles, mas sim analisando os resultados alcançados individualmente. A seqüência das tarefas descritas foi pensada de maneira a introduzir os conceitos de representação do espaço gradativamente, iniciando-se com o conceito de tridimensionalidade do espaço e dos objetos e a representação gráfica em duas dimensões. Conduzimos nessa tarefa atividades para desenvolver e avaliar relações topológicas elementares, relações euclidianas e relações projetivas. As atividades realizadas na tarefa 1 com os associados da ACIC propiciaram ilustrar para a pessoa invisual como é a perspectiva de quem observa e retrata um objeto de cima. Todos compreenderam com facilidade a relação entre a localização dos objetos na caixa de papelão e a representação com os ímãs na placa de metal. Os materiais utilizados na tarefa 1 podem ser também válidos para ensinar conceitos espaciais para crianças invisuais, ou mesmo àquelas que enxergam, iniciando representações cartográficas do espaço vivido. Na tarefa 2 concentramo-nos em conhecer as imagens mentais que cada DV tinha do espaço vivido por eles na ACIC antes e depois de eles “lerem” a planta tátil desse lugar. A análise dos desenhos elaborados antes e depois da leitura da planta baixa permite inferir que a metodologia aplicada contribuiu significativamente para a compreensão do espaço vivido, especialmente no que tange à organização dos lugares. 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 127 Para dar seguimento à iniciação cartográfica de DVs, uma próxima tarefa seria conduzir os DVs para a compreensão da redução do espaço quando representado, isto é, da escala cartográfica. Uma sugestão é aquela que aplicamos com o adolescente invisual Caio, ao medir os seus passos e relacionando-os com o metro4. Vale ressaltar mais uma vez que o empenho dos profissionais da área de Geografia, em particular dos educadores, é imprescindível para minimizar as dificuldades impostas pela limitação visual na apreensão e na construção do espaço. Uma integração entre o professor da educação especial e o de Geografia seria muito importante para minimizar o desconhecimento da representação espacial por parte desses educadores. A metodologia adotada para iniciar adultos DVs na representação do espaço e leitura de mapas pode ser adaptada para a alfabetização cartográfica de deficientes visuais ou mesmo para aqueles que enxergam quando em classe de aula. Se for conduzida com grupos de alunos, aquele que tem restrições visuais pode ser incluído e auxiliado pelos colegas. Pesquisar como a imagem mental do espaço é construída sem a perspectiva visual fornece dados preciosos sobre a mnemônica e a construção do espaço. Isso deve ser mais bem explorado por todos que se debruçam sobre o tema. REFERÊNCIAS ALMEIDA, R. D. de; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 2001. ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. São Paulo: Contexto, 2001. 4 Ver NOGUEIRA; ANDRADE. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego, neste livro. 128 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais CALLAI, Helena Copetti. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Cad. CEDES, Campinas, v. 25, n. 66, maio/ago. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 20 jan. 2008. CASTELLAR, S. M. V. A alfabetização em Geografia. Espaços da Escola, Ijuí, v. 10, n. 37, p. 29-46, jul./set. 2000. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia E Estatística. Censo Demográfico 2000. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/ cd/cd2000cgp.asp?o=7&i=P>. Acesso em: 10 ago. 2004. LE SANN, Janine G. Dar o peixe ou ensinar a pescar?: o papel do atlas no ensino fundamental. Revista Geografia e Ensino, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, mar. 1997. LOCH, Ruth E. Nogueira. Cartografia tátil: mapas para deficientes visuais. Portal da Cartografia, n. 1, 2008. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/portalcartografia/index>. Acesso em: 15 abr. 2008. OMS – Organização Mundial da Saúde, 1990. Disponível em: <http://www.who.org/>. Acesso em: 10 maio 2005. SIMIELLI, Maria H. Primeiros mapas: como entender o construir. São Paulo: Ática, 1993. v. 1, 2, 3 e 4 e Manual do Professor. 1. Iniciação cartográfica de adultos invisuais 129 2 Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego Ruth E. Nogueira Sarah Andrade “Todo homem, por natureza, quer saber.” (Aristóteles) Q uando há mais ou menos um ano e meio uma professora da sala de apoio de uma escola pública procurou o Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE) para que fizéssemos uma planta tátil da escola onde trabalha, para auxiliar um aluno cego a “conhecer” a escola, vimos nessa ajuda uma oportunidade e um desafio. Nossa contraproposta foi a de, além de fazer a planta tátil da escola, mediar a compreensão da planta pelo aluno. Convidamos para participar desse desafio uma aluna que estava concluindo o curso de bacharelado em Geografia, a qual se mostrou entusiasmada a desenvolver um trabalho mais direto com o aluno cego, incluindo a alfabetização cartográfica, pois ele não havia sido iniciado em mapas. Assim sendo, esse texto relata a intervenção e reflexões da universitária em seu trabalho de conclusão de curso (ANDRADE, 2008), 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 131 sob a orientação da professora, que buscaram auxiliar um estudante deficiente visual de 13 anos a reconhecer o espaço que vivencia na sua escola. Na tentativa de intermediar a apropriação desse lugar pelo discente, a partir da sua iniciação no mundo dos mapas, ou seja, da alfabetização cartográfica, desenvolvemos uma metodologia especial. Aqui é relatada parte do trabalho desenvolvido por Andrade (2008). O Caio é um aluno da 7ª série de uma escola pública regular, muito inteligente, apaixonado pelos animais e, principalmente, pelo filme do Homem Aranha. Em todos os encontros (cerca de doze práticas), ele sempre relatava passagens dos filmes do Homem Aranha, descrevendo os seus personagens com os mínimos detalhes, como cores, desenvolvimento de cenas e ações dos vilões, tudo isso como se enxergasse. A sua maior paixão são os insetos e os animais de forma geral, por isso os desenha com uma perfeição talvez maior que aquela de um menino que enxerga. Ele é curioso sobre tudo que o cerca e sente necessidade de entender o seu espaço escolar e a sua vizinhança, para poder ter mais autonomia e independência, o que nos parece uma necessidade de adolescentes como ele, mas atípico de uma pessoa cega com essa idade. O Caio é muito incentivado pelos pais, que procuram atender da melhor maneira possível às suas necessidades e estimular as curiosidades do menino. Segundo relatos da sua mãe, desde bebê ele recebe um aparato pedagógico em casa, com vários brinquedos em miniatura, para que explore formas, texturas e outras características, e reproduza-as em desenhos, os quais ele “adora” fazer. Assim, Caio desenha desde pequeno o que “vê”, principalmente bichos e carros. Também é estimulado com jogos educacionais. As informações sobre o aluno dizem que ele ficou cego quando tinha aproximadamente 1 ano, devido a um câncer nos olhos. Segundo a professora da sala multimeios, o educando possui uma visão residual, com a qual enxerga vultos sem definição de formas. Devido aos estímulos do meio social recebidos, tanto da família quanto da escola, o Caio é um educando exemplar, com notas altas e inserido na classe regular de ensino, de acordo com a sua idade, 13 anos. 132 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Antes de relatarmos a nossa experiência em mediar a compreensão do espaço vivido pelo Caio na sua escola, consideramos ser necessário fazer algumas reflexões apoiadas em autores de temas como inclusão escolar e ensino e representação do espaço geográfico. Consideramos importantes tais reflexões devido ao pouco contato que professores de Geografia têm com ambas as temáticas, principalmente com a questão do ensino de pessoas com deficiência visual, por isso essa parece ser uma oportunidade de introduzir os assuntos. Além disso, essas reflexões e várias fontes bibliográficas foram muito úteis como apoio no desenvolvimento da metodologia que conduziu o nosso trabalho com o Caio. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR As pessoas com restrições são olhadas em nossa sociedade como seres incapazes, fora do padrão; padrão tanto de beleza, de consumo, de conhecimento quanto de outras “n” possibilidades. O modelo ou padrão está tão enraizado em nosso cotidiano que, quando é vivenciado o “diferente”, a primeira reação é a estranheza ou até mesmo a exclusão. É assim que as pessoas com “deficiência” são encaradas, como seres diferentes, que não se encaixam no padrão ou são vistas como pessoas defeituosas, incapazes de contribuir na sociedade. Até mesmo os termos “deficiente” e “pessoa com deficiência” são de caráter pejorativo, utilizados para referir-se não só ao problema de origem do indivíduo como também às noções de incapacidade. Todas as relações estabelecidas entre a sociedade e o deficiente é que determinam a incapacitação, a desvalorização e a exclusão das pessoas ditas deficientes. Muitas pessoas são excluídas: a pessoa muito alta, o obeso, o ser abandonado, o pobre, o presidiário, o homossexual e o deficiente. Há um grande despreparo da sociedade para lidar com o deficiente, e a escola também não está preparada. O indivíduo cego deve ser estimulado em todos os seus sentidos, para despertar as suas potencialidades e para que possa “absorver” as informações, com o objetivo de ter uma aprendizagem rica de acontecimentos e experiências. Freire (2000) afirma que a criança cega é, acima de 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 133 tudo, uma criança. A ausência de um órgão sensorial não é um fator determinante para o seu desenvolvimento. No entanto, é necessário um meio propício para que ela se desenvolva. Vygotsky (1997) afirma que não existe diferença de princípio na educação de crianças cegas e das videntes, pois as relações condicionadas acontecem da mesma maneira, sendo as influências do meio organizado a força determinante da educação. Quando a criança deficiente entra em contato com o meio externo, ocorre um conflito pela falta de correspondência de um órgão, mas esse “defeito” deve ser entendido como uma forma de reorganizar todo o organismo. Então, diz o autor: “[...] o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função, uma superestrutura psíquica que tende a garantir o funcionamento do organismo no ponto fraco ameaçado” (VYGOTSKY, 1997, p. 58). Segundo Freire (2000), os conceitos formados pelas crianças cegas, ou seja, sua simbologia para lidarem com o mundo, dependerão da relação que esses indivíduos têm com a sociedade e se suas potencialidades forem estimuladas. Embora a criança possa ser privada de um elemento biológico físico e sensorial, a necessidade de apropriar-se da realidade não só é síntese de uma atividade real e de uma capacidade desenvolvida mas também produto social e histórico. A escola deve estar apta a trabalhar as diferentes potencialidades individuais como fator de crescimento para todos os educandos. Segundo Booth (2000, p. 45), a escola deve: [...] assegurar que a inclusão esteja presente no bojo do desenvolvimento da Escola, permeando todas as políticas, de forma que estas aumentem a aprendizagem e a participação de todos os alunos. Considera-se apoio àquelas atividades que aumentem a capacidade de uma escola em responder a diversidade dos alunos. Todas as formas de apoio são consideradas juntas em uma estrutura única, e são vistas a partir da perspectiva dos alunos e seu desenvolvimento, ao invés de serem vistas da perspectiva da escola ou das estruturas administrativas do órgão responsável pela organização da educação. 134 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Os termos “integração” e “inclusão” estão presentes em muitas literaturas que analisam a questão da escola e da educação de deficientes. No processo de integração o “problema” centra-se na criança deixando claro a posição acrítica da escola, enquanto no processo de inclusão as diferenças passam a ser vistas como normais, em relação às quais a escola deve encontrar alternativas para as necessidades específicas de cada educando. Por outro lado, aumentar a participação das pessoas com restrições sensório-visuais na vida escolar não significa simplesmente remover obstáculos ou colocar os pisos podotáteis1 na escola, mas principalmente permitir que os estudantes cegos estejam inseridos no contexto escolar de maneira igualitária, tendo acesso ao conhecimento tal qual os estudantes ditos “normais”. Esse acesso ao conhecimento é beneficiado pela capacitação dos professores e pela instrumentalização das chamadas salas multimeios, visto que serão os “mediadores” no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, a sociedade e a escola devem oferecer condições de aprendizado e oportunidades para que todos os alunos possam desenvolver as suas habilidades, como se locomover sozinho, estudar, trabalhar e participar da vida social, econômica, cultural e política da sociedade. Para que ocorra efetivamente a inclusão, deve-se olhar para a diversidade não como um problema, e sim como uma riqueza de oportunidades de aprendizado, de somas e de igualdades. Impõe-se a necessidade de uma redefinição em todas as dimensões: individual, política, social, educacional, econômica e familiar. Só assim os anseios de uma educação igualitária podem concretizar-se. ESPAÇO GEOGRÁFICO: ENSINO E REPRESENTAÇÃO A Geografia como ciência social procura estabelecer relações entre a sociedade e a natureza, com o objetivo de estudar, analisar e tentar 1 Os pisos podotáteis foram criados na tentativa de possibilitar a melhor orientação e mobilidade no trajeto para as pessoas desprovidas de visão, conforme as leis municipais de acessibilidade. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 135 explicar o espaço produzido pelo homem, ou seja, o espaço geográfico. Nesse sentido, a Geografia em sala de aula deve fornecer instrumentos e capacitar os alunos na tentativa de proporcionar condições para que eles tenham uma visão crítica, sistêmica e cidadã a respeito do ambiente em que vivem. Já o ensino da Geografia, lembra Castrogiovanni (2002), preocupa-se com espaço, e este é tudo e de todos, compreendendo todas as estruturas e formas de organização e interações. É necessário fazer a “alfabetização geográfica”, isto é, mostrar ao educando a formação dos grupos sociais, a diversidade social e cultural, assim como a apropriação da natureza por parte dos homens. Para uma pessoa ser alfabetizada em Geografia, não significa que ela deva ser um geógrafo. Na visão de Kaecher (1998), a pessoa deve conseguir relacionar espaço com natureza, espaço com sociedade, perceber o mundo, situando-se nele, isto é, localizar-se, descrever e posicionar-se criticamente com relação às desigualdades socioespaciais. Alfabetizar geograficamente significa guiar o “olhar”, despertar curiosidades do espaço que cerca o educando, ampliando essa percepção à medida que ele cresce em idade e em conhecimento. É estimular percepções e representações do espaço, onde a criança coloca-se como cidadão, ou seja, aquele que é parte do mundo que o cerca ou que desconhece, ainda. E como fazer essa alfabetização geográfica de pessoas deficientes visuais, uma vez que a Geografia é uma ciência em que o olhar é requisitado para perceber e conhecer o espaço? Como despertar e mediar a percepção do espaço vivido por uma criança cega? Nossa resposta a essa questão é simples: da mesma maneira que se faz com aquelas que enxergam, apenas com algumas especificidades para que essa criança possa sentir-se parte do mundo que habita. Para Le Sann (2007, p. 103): “A percepção é o primeiro meio mobilizado pela criança para aprender o mundo. Inconsciente, no início, a percepção, com o pensamento lógico, constitui para ela o instrumento de aproximação da realidade e lhe possibilita o entendimento do meio no qual vive e age”. De acordo com Castellar (2006), a noção de espaço não deriva somente da percepção; há também a inteligência do sujeito, que atribui significado aos objetos percebidos. A criança aprende de acordo 136 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais com as suas necessidades, desejos de buscar, de aprender, de compreender as coisas. É nesse processo que se dá a educação, aprendendo a partir das suas experiências: “Conhecimento e a aprendizagem não constituem uma cópia da realidade, mas sim uma construção ativa do sujeito em interação com o entorno sociocultural” (CASTELLAR, 2006). O papel do educador é o de despertar no educando formas de compreender o mundo como um todo, facilitando o entendimento da realidade em que ele vive. É necessário que o aluno faça a sua leitura de mundo para que possa exercer a sua cidadania, ou seja, deixar as suas marcas no mundo. Mediar o conhecimento significa “intervir” nos processos de aprendizagem do educando; o “educador-informador-formador” é o responsável na organização da aprendizagem, da socialização e do comportamento da criança. Este deve maximizar todas as potencialidades de aprendizagem do educando. Tal mediação ocorre mediante trocas entre o conhecimento científico e o conhecimento cotidiano, desencadeando processos de aprendizagem para ambas as áreas. A noção de espaço vai sendo construída socialmente pela criança, por meio da sua curiosidade ao procurar entender o que ocorre ao seu redor, nas brincadeiras ao delimitar a sua “casinha”, ao organizar os brinquedos... Ao representar o espaço do seu cotidiano, a criança cria as suas noções espaciais, percebendo o seu espaço de ação antes de representá-lo; e quando representa, utiliza símbolos, ou seja, antes de ler mapas, a criança deve agir como mapeadora do seu espaço conhecido. O espaço vivido é, então, segundo Almeida e Passini (2002), aquele onde ocorrem todas as relações que o educando estabelece com o mundo, através do movimento e do deslocamento (dentro da escola, por exemplo). O espaço percebido é aquele experimentado fisicamente e presente na lembrança, como, por exemplo, o caminho da escola até a casa. Já o espaço concebido é aquele que, sem nunca ter “sido visto”, é passível de raciocínio, tendo como base a sua representação. As representações do espaço vivido, percebido e concebido são expressões de diferentes modos de pensar, viver e agir sobre os diversos territórios que fazem parte da vida cotidiana. As representações podem ser explicitadas a partir de diferentes linguagens: escrita, artística, oral, gráfica, cartográ- 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 137 fica, entre outras (ALMEIDA; PASSINI, 2002). Mas, para que o educando construa a sua noção de espaço e possa com este interagir, é necessário ocorrer a alfabetização geográfica e cartográfica. Esta última, de acordo com Simielli (1996), supõe construir noções de alfabeto cartográfico (ponto, linha e área), de legenda, de proporção e escala; de lateralidade, de referenciais e de orientação. CRIANDO UMA METODOLOGIA PARA ENSINAR O ESPAÇO VIVIDO Considerando ser de relevante importância estabelecer relações sociais iniciais agradáveis entre criança e mediador, conduzimos a linguagem falada adequadamente para que houvesse entendimentos acerca do que se queria conduzir com o nosso aluno e para que estabelecêssemos um nível de confiança recíproca. Além disso, pensamos na linguagem falada considerando o significado que o Caio daria a ela ao ser pronunciada pela mediadora, pois compreendemos Amiralian (1997, p. 63) quando diz que “a falta da visão torna muitas palavras sem significado ou lhes atribui um significado diverso”. Ela sublinha que há atrasos por parte da criança cega na aquisição do conceito de objetos, e que esse atraso está relacionado à aquisição mão/ouvido, porque o som por si só não confere substancialidade aos objetos. Também consideramos os ensinamentos de Fontana (1995 apud VENTORINI, 2007) sobre a importância da não-interpretação das experiências diversificadas (que faltam ao cego) como treinamento dos sentidos, principalmente se dissociados dos processos mentais superiores2. Dessa forma, tomamos a decisão de iniciar a alfabetização espacial a partir de objetos concretos e formas geométricas conhecidas universalmente, pois na idade do Caio ele já teria vivido e processado mentalmente esse tipo de 2 Batista (2005 apud VENTORINI, 2007) atesta que podemos ocorrer em erros ao supervalorizar a função da visão na aquisição de conceitos, apesar de ela possibilitar percepção global, facilitando a análise de objetos que compõem o ambiente. Podemos confundir a percepção visual com os processos cognitivos superiores na compreensão dos significados das palavras. Um gato é diferenciado de um cachorro pela criança não só por têlos visto, mas por tratar os dados obtidos sensorialmente com processos cognitivos, especialmente a linguagem e o pensamento. 138 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais experiência. Então, cubos, bolas, objetos retangulares e outros cilíndricos possibilitariam que ele estabelecesse relações com os objetos espaciais ou não, presentes no seu cotidiano. Também foi importante saber da total falta de experiências do Caio em ler mapas ou gráficos táteis e a grande facilidade que já sabíamos que ele tinha em fazer desenhos de objetos reconhecidos por ele. Faltava verificar como ele construía esses desenhos e os conceitos que a eles atribuía. O fator mais importante a ser considerado era a motivação do Caio. Ele queria aprender a se deslocar pelo seu ambiente tendo informações sobre o meio que ele não conseguia obter por não ter visão. Ele precisava formar esquemas mentais do espaço em que vivia, precisava de treinamento de experiências em orientação e mobilidade. Então sabíamos que ele precisaria de mapas que o auxiliassem a elaborar esquemas espaciais precisos, que o auxiliassem a tomar decisões e a minimizar complexidades do espaço vivido por ele. Nossa experiência no LabTATE já havia indicado que o tamanho dos gráficos ou mapas não deveriam passar de dois palmos, ou seja, do tamanho das mãos de uma pessoa, de forma a permitir que se tateasse o todo e se pudesse conceber formas, relacionar os lugares representados ou objetos de referência espacial para o deslocamento. Sabíamos que: a) o mapa tátil contribui para a locomoção e para a mobilidade de pessoas com deficiência visual e serve como instrumento de orientação e localização de objetos e lugares (entre outras coisas); b) o mapa, em geral, é importante para cegos e videntes. Para o cego, a utilização maior se dá em situações de ensino; enquanto, na mobilidade, o uso do mapa tátil ainda é incipiente; e c) a leitura de mapas não é uma habilidade natural das pessoas; é preciso preparação, é necessário alfabetização cartográfica. Nas escolas, muitos professores não utilizam os mapas táteis com os alunos por falta de iniciativa e preparo, e, também, porque muitos vêem a pessoa com deficiência visual como incapaz de entender mapas, esquemas e figuras táteis. Assim, idealizamos a seqüência a seguir para ser desenvolvida em encontros semanais, com duração aproximada de uma hora e meia. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 139 Não limitamos a quantidade de aulas ou número de encontros, pois seguiríamos o ritmo do Caio, tentando fazer das aulas encontros de trocas e descobertas para ambos, educador e aluno. O trabalho foi desenvolvido como segue: a) investigando como o estudante entendia o espaço em que vive e preparando-o para explorar representações tridimensionais e bidimensionais do espaço; b) conhecendo a sala de aula: o que ele sabia; o que ele reconhecia (na maquete da sala quando fosse apresentada a ele e na planta dela); e o que ele percebeu ou ampliou na sua concepção da sala; e c) representando a escola e a mobilidade nesse espaço: o que ele sabia; o que ele reconhecia na planta baixa da escola; e o que ele percebeu ou ampliou na sua concepção de escola depois das práticas. Os materiais a serem elaborados para uso nas tarefas propostas e no ensino foram os seguintes: a) objetos tridimensionais com formas geométricas; b) representações bidimensionais de figuras geométricas básicas – foram confeccionadas com papel-cartão e cordonê (cordão de algodão encerado); c) maquete da sala multimeios – foi elaborada numa caixa de papelão, e os objetos da sala, em papel-cartão; d) régua tátil – foi construída com um pedaço de cortiça; e e) planta baixa da escola – foi elaborada segundo os métodos desenvolvidos no LabTATE, ou seja, primeiro elaborou-se uma matriz das plantas baixas de forma artesanal com cordões e colagens sobre o papel-cartão e depois se fez a reprodução em plástico aquecido em máquina de calor; a legenda em braile foi feita em uma folha à parte. 140 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais APLICAÇÃO DA METODOLOGIA PARA MEDIAR A COMPREENSÃO DA SALA DE AULA E DA ESCOLA Os encontros com o Caio aconteceram na sala multimeios, sendo todos eles acompanhados pela professora. O nosso primeiro encontro foi informal; a intenção era conhecer o menino e perceber a sua postura perante a escola e a vida, e dar-se a conhecer por ele próprio. Como se fala popularmente, “batemos um papo”. Ficamos sabendo que o menino reside próximo à escola, tem dois irmãos e sua mãe é professora de educação especial da mesma escola em que o menino estuda. Soubemos pela professora dele que ele sustenta uma postura de “querer se isolar”, fazer os trabalhos sempre individualmente, e no recreio costuma ficar com os professores ou com a sua mãe. Desde muito cedo recebeu estímulos para desenhar e por isso desenvolveu uma técnica peculiar de desenhar, diferente de outros cegos, que usam giz de cera sobre tela mosqueteira. Ao desenhar, o Caio coloca sobre uma mesa uma pilha de aproximadamente três revistas e sobre elas uma folha; com uma caneta desenha pressionando-a sobre o papel. Com isso a ponta da caneta cria uma textura no lado inverso da folha, onde ele toca para “ver” o desenho. Essa técnica foi desenvolvida pelo próprio educando. Segundo o Caio, na Figura 1, ele desenhou um gato e um cachorro. Observamos o rabo do gato como referência desse animal; a cabeça está voltada ao observador, mas o corpo em perfil. O cachorro foi representado com o corpo retangular e está em perfil. Verificamos detalhes como olhos, boca e orelhas bem visíveis. É importante informar que o menino convive com um cachorro, o seu animal de estimação. Conforme acentua Amiralian (1997, p. 86), “[...] os desenhos (de animais, casas, ou qualquer outro objeto) servem aos sujeitos cegos como elementos para o conhecimento ou reconhecimento dos objetos, ajudando-os na representação mental e conceituação do mundo externo”. Verificamos isso acontecer com o Caio, que desenha os objetos e animais que fazem parte da sua vida; e desenhar foi uma forma que a sua mãe viu, como professora de educação especial, de estimular a sua interação com o mundo. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 141 Figura 1 – Desenhos elaborados pelo Carlos: gato e cachorro, homem, águia e sala de aula No segundo encontro iniciamos a nossa averiguação sobre o conhecimento do educando com relação às formas geométricas básicas (triângulo, retângulo, quadrado e círculo), se ele as conhecia ou associava às formas dos objetos construídos pelo homem, como prédios, casas, portas e ruas, ou objetos naturais, como tronco de árvore, riacho. Ele expôs conhecer as formas geométricas e as associava às formas do mundo real. Interagiu com elas no plano tridimensional, ou seja, tateou objetos que lhe foram apresentados com diferentes formas – triangular, esférica e quadrangular – e depois com as mesmas formas no plano bidimensional que lhe apresentamos, representadas com cordão sobre um papel-cartão. A seguir, ele se propôs a desenhar essas formas em uma folha A4 (Figura 2). O Caio relatou que a sua sala possui forma retangular, que, para locomover-se pela escola, usa como referencial a sua sala de aula e utiliza as paredes como apoio, e quando anda pela escola acaba se esbarrando nos bebedouros e nas lixeiras. Disse ele: “Saindo da minha sala posso ir para qualquer lugar da escola”. Essa afirmação mostra que o referencial espacial do menino é externo ao seu corpo, tendo um objeto fixo, a sala, 142 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 2 – Formas geométricas desenhadas em relevo com cordão e, pelo aluno, com caneta como referência. Então, pode-se dizer que os esquemas mentais espaciais da escola estão centrados na sala de aula, espaço retangular e rotas3 como sala/banheiro, sala/portão, sala/laboratório de ciências, sala/laboratório de informática, sala/biblioteca, etc. Se ele estiver no portão da escola e quiser ir ao banheiro, precisa ir à sala de aula primeiro. VOCÊ SABE O QUE SIGNIFICA UM METRO? VOCÊ JÁ VIU UMA PLANTA BAIXA? A noção de escala foi trabalhada com o intuito de desenvolver estruturas mentais do educando, utilizando o sentido do tato, da audição e da memória, além de “explorar” a sua curiosidade e motivação. Para introduzir o conceito de escala, optamos por iniciar com a questão das distâncias que o menino concebia, isto é, se ele tinha noção do tamanho dos objetos e das distâncias entre eles. Para tanto, foram necessários três encontros, com duração de cinco horas ao todo. Nossa tentativa de proporcionar o entendimento de escala teria que passar pela matemática, ou seja, uma medida em metros na realidade, teria que ser transformada em centímetros na representação gráfica. Optamos por utilizar a técnica da contagem dos passos para medir uma sala. Pintamos o solado do 3 Rotas: são caminhos que têm um ponto de partida e um ponto de chegada. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 143 calçado do aluno para fazer uma brincadeira com ele; usamos uma tinta lavável, com a qual ele brincou antes de iniciar o exercício. Em seguida solicitamos que andasse pela quadra de esportes deixando suas pegadas pela quadra. O menino ficou entusiasmado. Depois disso usamos a régua tátil para medir a distância entre uma pegada e outra (marcamos com fitacrepe as pegadas inicial e final, de forma que o Caio pudesse ajudar a medir), chegando a uma média de 40 cm para cada passo. Com o auxílio de uma trena e de uma régua tátil, conduzimos o aluno a medir vários objetos na escola e distâncias. Andamos na quadra esportiva contando os passos e transpondo-os para metros. Ao medir o armário da sala multimeios, com os seus passos, ele chegou à conclusão do que seria um metro. Disse muito surpreso: “Isso é um metro!”. Verificamos nessa afirmação do Caio que só então ele, de fato, internalizou o conceito de metro. De acordo com Ventorini (2007), o conceito de distância para as pessoas cegas é adquirido através da experiência, considerando o tempo e os desvios encontrados em um trajeto de um ponto ao outro. Ela também indica que a informação que é importante para uma pessoa que enxerga pode não ser relevante a uma pessoa cega. No caso do Caio, observamos que ele até então não fora estimulado a observar distâncias ou medidas, apesar de já estar na 7ª série. Consideramos que esse processo de estimar distâncias começa a ocorrer por necessidade, quando a pessoa começa a se locomover sozinha pelo bairro ou pelo centro da cidade, ou mesmo dentro de ambientes públicos. Na continuidade das vivências com o meio para conduzir o menino no entendimento de que podemos desenhar os objetos reais em escala, perguntamos se ele sabia qual era a forma e o tamanho do planeta Terra e como ele a conhecia representada. Ele disse saber que o globo era utilizado para representar a Terra e que tinha a forma de uma bola (mas nunca havia utilizado um globo tátil). Evidenciamos duas representações com a redução em escala da Terra em globos terrestres, sendo um deles tátil. Tornar concretos conceitos abstratos como o tamanho da Terra, quantas vezes ela (espaço real) sofreu redução na sua representação, e observar o tamanho diferenciado dos globos e suas respectivas escalas poderiam auxiliar na compreensão do significado de escala, ou seja, 144 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 3 – Explorando o globo tátil e sua representação no plano e a representação da sala multimeios Foto: Andrade (2008) redução de tamanhos e distâncias. Explicamos que o planeta Terra tem um raio de 6.378.100 m e perguntamos quanto mede o “globinho”. Ajudamos o Caio a medi-lo com a régua tátil, verificando que o raio era de quase 8 cm, então foi fácil explicar que a escala do globinho era de aproximadamente 1:80.000 000 (para tanto, usamos o conceito de escala em que E =d/D). O menino explicou-nos que entendeu o conceito de raio e, aparentemente, compreendeu o que é escala, ao dizer: “A escala é uma explicação de uma redução de alguma coisa”. Observe na Figura 3 como ele fez a representação do raio da Terra: uma roda com raios e mais dois círculos lembrando a forma do globo. Em um desses círculos tentou marcar o centro e um raio na direção norte, e outro, à direita, na direção leste. Verificamos a sua tentativa de demonstrar a sua compreensão do que foi ensinado a partir da concretização dos objetos percebidos/concebidos e o significado para ele. Para verificar como o Caio de fato concebia escala, migramos para o espaço geográfico real vivenciado pelo aluno. Solicitamos que desenhasse a sala multimeios. Ele prontamente afirmou que não conseguiria representar a sala naquele papel por ela ser muito grande. Insistimos para ele lembrar o que precisávamos saber para representar em escala. Então ele a representou como mostra a Figura 3. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 145 Apesar de ter trabalhado tamanho, redução e escala, o desenho mostra que é preciso trabalhar mais para internalizar esses conceitos. Assim, demos seguimento ao nosso trabalho com o menino, usando representação tridimensional para depois partir para o bidimensional, como a planta. Antes de trabalhar com as representações espaciais da sala utilizando maquete e mapa, consideramos necessário investigar como o Caio percebia a sala. Para isso, conduzimos o menino a interagir com ela, tateando os objetos. Depois, solicitamos que a representasse em uma folha de papel (Figura 4); ao fazer, trocou a posição de alguns objetos e desenhou alguns objetos com outras formas. Figura 4 – Desenhando objetos da sala multimeios Foto: Andrade (2007) Em outro encontro utilizamos a maquete tátil da sala multimeios (Figura 5) para que ele fizesse as interações sozinho; ele reconheceu a sala e os seus objetos. Então mostramos a planta baixa da sala (Figura 6), explicando-lhe que a representação do espaço pode ser dada tanto no plano bidimensional quanto no tridimensional. Após essas interações, e observação das formas dos objetos “vistos de cima”, solicitamos que ele desenhasse a sala com seus objetos, o que foi realizado de acordo com a realidade (Figura 6). O educando fez várias explorações orientadas sobre o mapa da sala multimeios, onde nos mostrou a parede norte da sala após localizar a 146 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 5 – (a) Explorando a maquete. (b) Maquete tátil da sala multimeios Foto: Andrade (2007) parede onde o sol bate. Ele constatou sozinho que o sol “nasce” numa das janelas. Explorou tanto a maquete como o planta tátil da sala observando as seqüências dos objetos nela contidos, mas não demos continuidade na questão da escala, pois consideramos que essa questão precisaria de mais tempo. A maquete tátil da sala multimeios foi elaborada na escala de 1:20, medindo 23 cm por 15 cm. A sua planta (Figura 6), na escala de 1:10, tem o comprimento de 45 cm e largura de 30 cm. A planta foi feita em plástico, a partir de uma matriz, conforme explicado na metodologia. Os resultados dessas práticas podem ser avaliados pelos desenhos do Caio, que mostram o seu avanço na elaboração de esquemas mentais acerca do espaço em que vive. Quando solicitamos que desenhasse pela primeira vez a sala, como mostra a Figura 3, ele representou apenas um pequeno quadrado no canto da folha; depois ele a representou com detalhes. Mesmo nos desenhos que elaborou quando ainda estava no processo de aprendizagem (Figura 4), verificamos que ele começava a entender o que seria uma representação espacial de um lugar. Ele começava a elaborar esquemas mentais seqüenciais de onde estavam os objetos uns em relação aos outros, mas ainda estava no processo de aprender. No último desenho, depois de três encontros, o menino representou a sala com todos os objetos, inclusive indicando os pontos cardeais dela. Isso nos remete à questão da importância de treinamento, repetição de experiências, para que a pessoa desprovida de visão consiga 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 147 Figura 6 – Planta baixa da sala multimeios, desenho da sala elaborado pelo aluno e fotos mostrando a exploração tátil da planta por ele Fotos: Andrade (2007) elaborar raciocínios, conceitos espaciais e esquemas mentais do espaço, pois ela não vê esse espaço. Nossa experiência permite reafirmar a importância dos mapas e gráficos nessa questão e a necessidade do constante acesso dessas pessoas a eles. ONDE ESTÃO OS LUGARES NA ESCOLA? Foram realizados cerca de quatro encontros com duração de duas horas cada para ensinar como era a escola, que ele conhecia parcialmente. Tivemos um intervalo de duas semanas sem encontros. Quando voltamos a nos encontrar, falamos que o Carlos já sabia como era a sua sala e como representá-la. Iríamos representar a escola e, para isso, precisávamos da ajuda dele. Iniciamos solicitando ao educando que representasse o que lembrava da escola. Ele disse que a escola era muito 148 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais grande e não conseguiria representá-la numa folha. Novamente nos deparamos com o “problema” de intermediar a redução da realidade para representá-la. Como se haviam passado alguns dias do último encontro, foi necessário lembrar ao menino que ele conseguiu representar a sala multimeios. Depois, com o auxílio da bengala, recurso utilizado por pessoas cegas para orientação e mobilidade, iniciou-se a exploração do seu espaço escolar, utilizando os pontos cardeais para a orientação. “O espaço é experimentado quando há lugar para se mover. Ainda mais, mudando, de um lugar para outro, a pessoa adquire um sentido de direção” (TUAN, 1983, p. 13). Para o Caio, a experimentação da escola era muito limitada e efetuada por rotas que ele iria nos mostrar. Essas rotas eram seguras, mas ele queria tentar outras que não conhecia. Segundo Almeida e Passini (2002), a conquista do espaço pela criança ocorre conforme ela for tendo alterações quantitativas na sua percepção espacial e uma conseqüente transformação qualitativa na sua percepção. O Caio, com 13 anos e por não enxergar, sente-se muito inseguro na exploração do espaço em que vive e que compartilha com seus colegas; ele quer adquirir conhecimento desse espaço a priori para então explorá-lo, primeiro com ajuda, depois, quiçá, sozinho! Esse foi o seu desejo explícito. Ao caminhar pela escola conosco, o Caio selecionou alguns referenciais como a sala de aula, a sala multimeios, as lixeiras, os bebedouros e bancos na parte exterior da escola, ou seja, os espaços e objetos que ele vivenciava. Com esses referenciais internalizados, o educando pode se locomover sozinho e com certa segurança, tateando as paredes. Lembra Melo (1991, p. 38): A movimentação através do ambiente requer não só a compreensão do corpo e conceitos básicos espaciais, como também uma avaliação do que existe no ambiente e como este pode ser dominado. Pistas e pontos de referência devem ser ressaltados, procurando fazer com que haja memorização suficiente para proporcionar ao deficiente visual condições de orientar-se no novo ambiente e nele locomover-se com desenvoltura e segurança. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 149 Figura 7 – Caio tateando a planta baixa tátil da escola Fotos: Andrade (2007) Perguntado sobre o que ele queria que constasse na planta da escola, apontou: a horta, as quadras de esporte, a sua sala, a sala multimeios, a cozinha, os banheiros, a biblioteca, a secretaria, o laboratório de ciências e o laboratório de informática. A professora da sala multimeios solicitou que fossem representados outros locais da escola, como a sala dos professores, a sala de orientação e supervisão pedagógica, a sala de artes, o “xerox”, os bebedouros e as lixeiras. Na planta os objetos foram representados com as formas das figuras geométricas, e novamente foi explicado ao educando que podemos representar a realidade em um mapa fazendo a redução desta e que os objetos e outros elementos de interesse são projetados sobre o papel, como se fossem vistos de cima. O educando mostrou-se motivado para compreender a sua escola, ficou surpreso e feliz ao descobrir alguns locais como a horta, a cozinha, os banheiros e outras salas de aula ao tatear a planta baixa da escola (Figura 7). Identificou primeiro os bebedouros e as lixeiras; para localizar qualquer lugar na planta, sempre partia da sala multimeios ou da sua sala de aula. Descrevia animado o que “lia” na planta e o que significava o norte (Figura 7). Foi com ênfase que disse: “Este mapa é superútil!” Percebeu-se que, após de ter feito a leitura das plantas táteis, o menino sentia-se mais seguro para se locomover na sua escola. 150 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Provavelmente a planta elaborada não é exatamente um mapa para a mobilidade, mas sim uma planta baixa tátil4, conforme solicitado pelo aluno e seu professor. Concordamos com a ABNT (2003) ao apontar que, na preparação para o uso do mapa na mobilidade (e em situação de ensino também), pode-se começar pelo espaço vivido, passando pela maquete e chegando aos mapas. O mapa para a mobilidade do Caio na escola poderá ser mais um passo nessa direção. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa proposta de trabalho era apreender como uma criança cega concebia seu espaço vivido e procurar ajudá-la a ampliar o seu conhecimento desse espaço usando plantas baixas táteis e maquetes táteis, de forma que ela pudesse conquistar a sua independência, autonomia de mobilidade e locomoção. Para tanto, foi necessário iniciar o educando em alfabetização cartográfica. Conceitos de escala e investigação de como ele se orientava no espaço foram recursos utilizados para atingir a nossa meta. Observamos que a metodologia utilizada partindo de reconhecimento de figuras geométricas tridimensionais, depois representadas bidimensionalmente, a investigação de como ele concebia imagens do espaço vivido, foi uma escolha acertada para conduzir o trabalho de mediação do “ensino” do espaço vivido/percebido. Consideramos que há necessidade de um tempo maior que esse da pesquisa para trabalhar o conceito de escala e de representação, pois os deficientes visuais não “vêem” mapas e plantas todos os dias. Por isso, é preciso que a escola reforce o contato desse tipo de material para o deficiente visual. Apesar de o menino estar altamente motivado, verificamos que é necessária uma intermediação na apropriação do espaço pela criança cega, feita especialmente para deficientes visuais. Como seria essa 4 O trabalho de conclusão de curso na íntegra está no site do LabTATE. Nele também se encontra o modelo em tinta da planta confeccionada em plástico termoform. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 151 intermediação? A resposta deve ser construída e reconstruída a partir de referenciais teóricos e de experiências no processo prático do ensino/ aprendizagem. A experiência nesse trabalho de conclusão de curso mostrou que é necessário continuar as pesquisas e, principalmente, que as representações gráficas táteis e o uso de maquetes são importantes materiais didáticos para auxiliar as crianças cegas na compreensão do espaço vivido. Também mostrou a enorme lacuna, ou melhor, desconhecimento ou despreparo dos professores de sala de aula ou daqueles de multimeios para conduzir o processo de ensino do espaço geográfico para discentes deficientes visuais. Como podemos perceber, o educando construiu alguns referenciais e ampliou a sua percepção da escola, o que representa uma evolução no seu conhecimento sobre o espaço cotidiano, com o qual mantém relações sociais e afetivas. Percebemos uma evolução na apropriação do espaço pelo Carlos; no entanto, ele passa por certas dificuldades em relação à bengala, não querendo usá-la, mesmo sabendo que ela é mola propulsora para a sua mobilidade independente. Nesse texto relatamos somente parte do trabalho efetuado com o Caio; deixamos de mencionar os trabalhos com lateralidade e a seqüência de atividades que aconteceram para mapear o caminho entre casa e escola. Essas são questões interessantes, que demandariam outro capítulo. Nosso objetivo aqui era mostrar aos professores de Geografia as possibilidades de ensinar o espaço geográfico a um deficiente visual, acaso se deparem com um aluno com essa característica na sua sala. Consideramos que a metodologia adotada pode e deve ser adaptada ao educando, conforme a sua idade e desenvolvimento intelectual. Também deve ser observada a motivação do aluno e as suas habilidades em desenhar, pois cada ser humano é único e tem características próprias a serem estimuladas, além do seu tempo para aprender. 152 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais REFERÊNCIAS ALMEIDA, R. D.; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 2002. 89 p. AMIRALIAN, Maria Lúcia. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio do Desenho-Estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. 321 p. ANDRADE, Sarah. Mediando a percepção e compreensão do espaço vivido com criança cega. Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia. Universidade Federal de Santa Catarina. 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. Resumo da apresentação do tema mapas e planos táteis. In: Ata da 3ª Reunião da Comissão de Acessibilidade da ABNT. Disponível em: <http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=384>. Acesso em: 29 jul. 2008. CASTELLAR, Sonia. Educação geográfica: teorias e práticas docentes. São Paulo: Contexto, 2006. 167 p. CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. Ensino de geografia: práticas e textualizações no cotidiano. Porto Alegre: Mediação, 2002. 169 p. CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. 4. ed Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003. 199 p. FREIRE, Ida Mara. Um olhar sobre a criança: interações e experiências dos adultos com criança não-visual. In: BIANCHETTI, Lucídio; FREIRE, Ida Mara. Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. 3. ed. Campinas: Papirus, 2000. 223 p. KAERCHER, Nestor André. Ler e escrever a Geografia para dizer a sua palavra e construir seu espaço. In: ENCONTRO ESTADUAL DE GEOGRAFIA; SCHAFFER, Neiva Otero. Ensinar e aprender Geografia. Porto Alegre: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1998. 189 p. 2. Mediando a compreensão do espaço microgeográfico: uma experiência com aluno cego 153 LE SANN, Janine G. Metodologia para introduzir a geografia no ensino fundamental. In: Cartografia Escolar/Rosângela Doin de Almeida (Org.). São Paulo: Contexto, 2007. MELO, Helena Flavia R. (Helena Flavia de Rezende). Deficiência visual: lições práticas de orientação e mobilidade. Campinas: Unicamp, c1991. 158 p. SIMIELLI, Maria Elena Ramos. Cartografia e ensino: proposta e contraponto de uma obra. São Paulo: Didática, 1996. TUAN, Yi-Fu. Espaco e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983. 250 p. VENTORINI, Silvia Elena. A experiência como fator determinante na representação espacial do deficiente visual. 2007. 142 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Ciências Exatas, Rio Claro, 2007. VYGOTSKY, L. S. Fundamentos de defectologia. Havana: Puebo y Educación, 1997. (Obras completas. Tomo V). 154 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais 3 Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas Geisa Golin Ruth E. Nogueira Gabriela A. Custódio Felipe M. Silva “Todo o nosso conhecimento se inicia com sentimentos.” (Leonardo da Vinci) H á muito tempo pessoas ditas “cegas” não são mais confundidas com mendigos, ou consideradas doentes; elas fazem parte da cidade, ao menos da nossa. Elas participam da vida urbana, produzindo e desfrutando da vida social nos seus diferentes aspectos: andando pelas ruas, estudando em escolas regulares, trabalhando e pagando as suas contas. A não ser pela bengala, em muitos momentos em nada percebemos a sua cegueira física. Esse, talvez, seja um “ponto de vista” de alguém próximo ao universo de quem não enxerga. Contudo, a população em geral sabe que a abordagem com relação às minorias, assim como em relação às (d)eficiências humanas, está mudando dia a dia, seja por força de lei, seja porque o homem da era da informação e do mundo globalizado precisa sentir-se humanizado. Tal mudança vem acontecendo de forma lenta e gradativa, mas firme. 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 155 Do que nós gostaríamos para a nossa cidade? E do que você gostaria? Viver na cidade significa buscar trabalho, lazer, instrução e benefícios que no campo são, em sua maioria, mais difíceis de ser obtidos. A cidade é construída para atender às necessidades das maiorias, ou seja, de pessoas ditas normais, então, segundo esse raciocínio, como poderá a cidade ser acessível às pessoas com necessidades especiais como os cegos ou como os de baixa visão? Como a cidade pode ser de todos? Não há como entender as necessidades de uma minoria sem escutá-la, sem de fato reconhecer que se trata de cidadãos com deveres e direitos. Então, das muitas formas de conhecer quais são as reais necessidades das minorias no meio urbano, optamos por investigar alguns deficientes visuais (tratados doravante como invisuais), questionando-os sobre a sua relação com o espaço onde vivem. Obtendo o entendimento de como se dá a mobilidade desses cidadãos no meio urbano, poder-se-á, de alguma maneira, auxiliá-los nesse afã e, quem sabe, mostrar outros aspectos do espaço urbano que eles desconhecem. Acreditamos que representações gráficas táteis e sonoras podem ser muito úteis como meio de informação de “como sair daqui e chegar lá”. Foi com esse pressuposto que desenvolvemos um projeto com deficientes visuais que circulam pelo centro de Florianópolis. Primeiro investigamos junto a eles quais os referenciais que utilizam para se locomoverem na cidade e como criam mapas mentais de rotas urbanas específicas, ouvindo seus relatos e analisando seus desenhos ilustrativos. Com esse conhecimento, propusemos alternativas gráficas sonoras para representar tais rotas, considerando que, uma vez compreendidos por eles, esses mapas táteis de rotas poderiam servir para ajudar outros deficientes visuais a aprender esses caminhos. O trabalho desenvolvido com um grupo de cinco voluntários da Associação Catarinense para a Integração do Cego (ACIC) é relatado neste texto, na parte que trata da investigação de o que é a cidade para eles, como constroem seus mapas mentais de rotas urbanas, até chegarmos às representações gráficas e sonoras. Uma segunda parte do trabalho 156 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais ainda está em execução1 e diz respeito a colocar essas e outras informações urbanas na internet (no endereço www.floripacessivel.com), para que qualquer usuário invisual possa ter acesso a elas e, quem sabe, locomover-se com mais autonomia na cidade. Nosso relato aqui tem como objetivo mostrar ao professor de Geografia que ele pode, ao se deparar com um estudante cego na sua sala de aula, auxiliá-lo no entendimento da cidade e na sua independência e mobilidade. Nossa metodologia de trabalho pode servir de orientação para essa tarefa, pois ela apresentou resultados muito positivos com adultos que nunca tinham utilizado um mapa tátil de rota urbana. CIDADE E MOBILIDADE Sempre que se pensa no contexto de uma cidade é comum ter em mente um grande amontoado de casas, pessoas, animais domésticos, automóveis. Se pudéssemos dar um zoom nessa nossa imagem recriada na mente, conseguiríamos detalhar nosso pensamento e, a partir de casas, pessoas, automóveis, veríamos ruas, estradas, grandes avenidas, para, em seguida, escutarmos os ruídos dessa cidade. Ruídos graves, ruídos agudos, ruídos ensurdecedores, ruídos produzidos por máquinas e uma imensidão de seres que convivem em sociedade. A Cidade não pode, pois, ser concebida, como uma forma que se produz simplesmente pela contigüidade das moradias ou pelos simples adensamento de população. Ela é, antes de qualquer coisa, um tipo de associação entre pessoas, associação esta que é uma forma física e um conteúdo. [...] A cidade é uma forma necessária a um certo gênero de associação humana, e suas mudanças morfológicas são condições para que esta associação se transforme. (GOMES, 2002, p. 20). 1 O trabalho tem como base a dissertação da primeira autora, com a orientação da segunda, que está em desenvolvimento na UFSC. A parte relatada aqui foi conduzida como projeto de extensão universitária em 2008, com os bolsistas co-autores. 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 157 As imagens e representações que cada um de nós faz da nossa própria cidade leva consigo toda a nossa experiência vivida nesse espaço. São percepções, análises, significações e lembranças do nosso repertório cotidiano. São ainda mais: são nossos alicerces para viver e progredir em comunidade. Essa primeira imagem aglomerada de habitações, seres, movimento e vida em desenvolvimento pode significar cidade, porém de forma muito genérica e muito global. O detalhamento dessa reflexão de cidade, entretanto, faz com que a homogeneidade de uma grande massa seja diluída em partes, para dar espaço à história de cada pedaço dessa cidade, de cada ser humano que dela faz parte, de um lugar, que ali está por uma razão específica de ser. Quando entramos na individualidade do que pode vir a ser uma cidade, entramos também na individualidade do cidadão que habita o lugar. É ele que constrói e dá forma à cidade. É o cidadão que, utilizando ou não a sua cidadania, molda o espaço convivido para chamá-lo de “seu lugar”. Por isso é possível olhar para uma cidade e descrever quem nela vive. Mas cidade não é apenas isso. Cidade tem um conceito diferente para nós e para você, para o nosso vizinho. Alguns estabelecem relações topofílicas com a cidade, vindo à tona sentimentos positivos em relação a ela. Outros, ao contrário, não se identificam com ela, nutrem sentimentos contraditórios ou ressentimentos, isto é, apresentam uma reação topofóbica2. Nesses sentimentos, além dos valores de juízo particular do indivíduo, influi fortemente o jogo das forças socioeconômicas e os diferentes interesses conjugados para produzir espaços e objetos acessíveis para cada citadino. Entre o conjunto de serviços públicos que devem ser oferecidos pelo poder público na cidade está o que chamamos de mobilidade. A mobilidade urbana é muito mais que deslocamento, significa dar acesso aos diferentes lugares de uma cidade. De nada adianta construir um grande parque público se o governo não disponibilizar vias de acesso a 2 Para conhecer mais sobre Topofilia e Topofobia ver Tuan, Yi-fu (1980). 158 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais esse espaço, ou então transporte público que viabilize aos cidadãos chegar ao parque. “Uma boa acupuntura é permitir que o som natural das cidades possa ser ouvido. Fazer silêncio para depurar o verdadeiro som. Afinar o som da cidade” são sábias palavras de Jaime Lerner (2005), que evidenciam a cura da cidade, o seu planejamento e o seu repaginamento para o acesso de todos. Mobilidade é simples de ser explicada e difícil de ser concebida. Talvez porque as pessoas que dela fazem uso tenham particularidades distintas e necessidades diversas. Para um deficiente visual, por exemplo, não basta apenas pensar no transporte público de qualidade; é preciso ter consciência para cuidar das calçadas por onde circula a multidão. De nada adianta colocar pisos-guias em uma parte da cidade, se as calçadas são esburacadas. Melhor seria se as calçadas comuns estivessem bem cuidadas. A atenção com a instalação de rampas, placas de trânsito e janelas que não abram para fora no meio das calçadas é extremamente importante para a mobilidade dos invisuais (não videntes). Em muitas situações, o recuo de alguns centímetros de uma placa de trânsito evitaria para essas pessoas ter um obstáculo perigoso na sua mobilidade. As faixas para pedestres também significam dificuldade para quem não enxerga, isso porque elas são representadas apenas por sinais visuais. Em muitos países europeus elas não são mais um problema, pois um sinal sonoro instalado em frente às faixas indica o momento em que a pessoa pode fazer a travessia. Um tipo de freqüência sonora informa que não se deve atravessar, e uma segunda freqüência de som indica que é possível atravessar. O MUNDO VIVIDO: UM ESPAÇO SOCIAL O ato de perceber o nosso vizinho pode ser consciente ou inconsciente. Podemos gostar ou não de compartilhar os mesmos espaços com pessoas de outras famílias, cores, religiões. O gostar ou não, entretanto, 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 159 pouco importa, já que muitas vezes não temos a possibilidade de escolher com quem gostaríamos de conviver. É nesse momento que as peculiaridades de cada indivíduo, que muito perto vivem uns dos outros, em algum momento, acabam se cruzando. Pode ser numa esquina, no portão de entrada, no elevador, na fila do supermercado e até mesmo na faixa de pedestres. Em todos os lugares de uma cidade estamos condicionados a cruzar com pessoas diferentes. As diferenças podem ser grandes ou pequenas, dependendo do ponto de vista e da história de vida de cada indivíduo. Diferenciar um ser humano do outro requer atenção às particularidades, o que está longe de ser um rápido olhar ou ainda um olhar indiferente. Quando nos deparamos com pessoas invisuais, levamos conosco um olhar muitas vezes angustiado ou aflito, advindo de um contexto histórico inerente à nossa sociedade. É comum ficarmos tristes e pensativos nesse momento. Talvez devido ao fato de que, por muito tempo, eles foram considerados habitantes de um mundo de trevas e de escuridão; eram pessoas renegadas perante a sociedade, quase não saíam das suas casas sozinhos, e suas famílias, na maioria, pouco entendiam as suas necessidades. Hoje as mudanças são evidentes, leis asseguram o direito ao trabalho, à acessibilidade, à cidadania, e pouco a pouco o indivíduo passa a ter novas ponderações sobre as deficiências. A transformação do pensamento sobre a deficiência está intimamente ligada à freqüência com que vimos e tratamos os indivíduos com necessidades especiais. Quanto mais a população deparar-se com a diferença, mais ela a tornará algo corriqueiro. Pensar de forma diferente acerca da deficiência é um passo grande contra o preconceito e a desinformação, mas o que conta em uma sociedade não são os pensamentos, mas sim as atitudes. Dar o braço no momento em que um deficiente visual for atravessar uma rua pode significar um gesto de compreensão entre habitantes de uma mesma cidade, pode mudar o curso de como esse deficiente prosseguirá o seu dia e mostrará de que forma todos nós estamos interligados por meio do espaço onde vivemos. 160 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais MAPAS MENTAIS O reconhecimento do lugar onde vivemos nos influencia diante dos nossos atos, das nossas ambições, do nosso comportamento. É o espaço do qual fazemos uso que condiciona os desejos e as intenções de todos nós. Se habitamos uma cidade com muitas praias, parques ou serviços culturais, é inevitável que, como cidadãos dessa cidade, como parte dela, queiramos estar nesses lugares, mesmo que poucas vezes durante o ano. Os lugares por onde passamos, as ruas pelas quais andamos, o caminho que fazemos todos os dias até o trabalho, ou a estrada percorrida no final de semana, são os nossos referenciais na “nossa cidade”. Tais referências são acumuladas em nossa mente e guardadas para que tenhamos uma solução quando necessitarmos de uma indicação, de um nome de rua, de uma referência de caminho mais rápido e viável, ou apenas para reconhecermos um lugar e demarcarmos nosso espaço. Conforme explicado por Rocha (2008), cada indivíduo tem armazenadas em sua mente informações espaciais organizadas de acordo com suas experiências e percepção de determinado lugar, ou de informações chegadas através de algum meio de informação disponível. A essa organização mental da informação espacial dá-se o nome de mapa mental. A forma como organizamos os pensamentos e informações é única para cada sujeito. Mesmo que não pensemos nessa organização, de alguma forma ela existe e pode ser investigada. Uma das maneiras de se estudar a organização espacial de cada um de nós se dá por meio de mapas mentais, os quais são considerados por Rocha (2008) como signos, linguagens que transmitem uma mensagem, através de forma verbal e/ou gráfica. Kozel (2006) diz que na Geografia os mapas mentais estão relacionados às características percebidas pelo sujeito no mundo real, por intermédio de processos oriundos da percepção, das lembranças do consciente e do inconsciente, assim como do contexto sociocultural a que o indivíduo pertence. 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 161 Mapas mentais, quando concretizados verbal ou graficamente, servem como meio de se conhecerem conceitos de determinado indivíduo sobre um assunto em questão. Eles são construídos individualmente e têm como objetivo auxiliar a própria pessoa que o organizou mentalmente, ou então algum pesquisador que tenha necessidade de conhecer as informações organizadas na mente de uma pessoa. Eles podem ser úteis quando a investigação é com relação ao espaço vivido e percebido. Através dele, e dos relatos verbais ou escritos do sujeito, pode-se verificar quais elementos do espaço lhe dizem alguma coisa (obstáculos, facilidades, referenciais) ou de quais faz mais uso no seu dia-a-dia. Cremonini (1998) afiança que os mapas mentais na Geografia são concretizados pela obtenção de informações verbais e gráficas. Para tanto, o pesquisador solicita que o usuário de determinado local desenhe o espaço, associando esse tipo de dados àqueles adquiridos por meio de entrevistas ou mesmo de conversas informais. Rocha (2008) vai além ao dizer que o mapa mental pode ser usado como um recurso para se chegar à elaboração de mapas cartográficos nos ensinos fundamental e médio. Se aplicarmos a técnica dos mapas mentais para usuários visuais e invisuais, poderemos analisar e entender diferenças notáveis quanto à disposição de obstáculos urbanísticos e rotas urbanas que, em princípio, são projetados para todos. No mapa mental de um invisual, por exemplo, verificamos que é comum, ao relatar uma rota urbana, ele enfatizar a disposição de orelhões pelas ruas. Esse fato se dá não porque os orelhões sejam importantes para os deficientes visuais, mas porque são barreiras urbanas que ameaçam a sua integridade física durante a sua mobilidade. Por isso, em vez de o usuário relatar como referência de rota a padaria da esquina, é muito comum que ele relate o orelhão da esquina. O mapa mental de uma pessoa deficiente visual sobre uma rota urbana pode ser concebido de forma gráfica e tátil, conservando os níveis hierárquicos relatados para as informações [lugares] mais importantes, como veremos adiante. 162 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais DESVENDANDO A CIDADE DOS INVISUAIS A cidade relatada nesta experiência é a capital do estado de Santa Catarina, Florianópolis, uma cidade com muitas características incomuns, pois se assenta, na sua maior parte, em uma ilha circundada por 42 praias e duas lagoas, com o relevo composto de um maciço central, com configuração descontínua de vários morros, e a linha de costa composta de restingas, mangues e praias, o que proporciona grande contato com a natureza. As áreas urbanizadas estão dispersas pelas várias praias, contudo existem dois centros principais, um na ilha e outro no continente, ligados por três pontes. Cada uma dessas áreas possui características específicas quanto à geografia, à urbanização e à mobilidade. Figura 1 – Imagem de satélite de Florianópolis. Fonte: Google Earth 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 163 Segundo informações do IPUF (2004), a colonização de Florianópolis foi realizada principalmente pelos portugueses, em especial pelos açorianos que colonizaram essa região, deixando marcas culturais que são reconhecidas até os dias de hoje. Após anos de vida provincial, a partir dos descendentes de açorianos, a cidade começou a passar por um processo de ocupação e reorganização nunca antes experimentado. As comunidades multiplicaram-se, e a população expandiu-se, espacial e numericamente. As mudanças socioeconômicas, espaciais e tecnológicas passaram a impor uma nova organização dos espaços locais. Florianópolis – Ilha de Santa Catarina e seu entorno continental – registra nos dias de hoje o resultado inerente à ocupação de espaços privilegiados pela natureza, atraindo aqueles que buscam assentar-se para fins residenciais e de trabalho. A cidade tem recebido centenas de novos moradores a cada ano, em busca da tão propagada qualidade de vida. O centro urbano e histórico da cidade destaca-se por apresentar edificações com significativo valor histórico preservado. Mantém uma concentração de atividades comerciais e de serviços. A economia da cidade gira em torno principalmente das atividades turísticas, das atividades do funcionalismo público e, mais recentemente, do surgimento de empresas de tecnologia. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO A possibilidade de desvendar a cidade percebida por um grupo de invisuais causou ansiedade ao grupo de pesquisadores, isso porque não se imaginava o limiar entre o que seria a cidade para quem enxerga e o que seria a cidade para o grupo que não enxerga. O grupo de pessoas que participou voluntariamente dessa experiência foi composto de uma orientadora de mestrado, uma mestranda, dois acadêmicos do curso de Geografia e cinco colaboradores da ACIC, considerada a maior associação do Sul do país, referência no ensino a cegos. 164 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Os colaboradores invisuais são de uma faixa etária de 25 a 43 anos, entre eles uma apenas do sexo feminino. O grau de instrução do grupo é alto; todos eles terminaram o ensino médio e trabalham. Dois possuem graduação e pós-graduação. Entre os participantes um deles possui cegueira congênita, um ficou cego aos 7 anos, outro aos 18 anos, outro aos 35 anos, e o último possui baixa-visão. O grupo formado foi bastante conciso, pois os integrantes já possuíam uma relação de amizade. A sua relação com a cegueira, por outro lado, impressionou os pesquisadores, por encontrar um grupo ciente da sua situação na sociedade, ciente das suas necessidades e, principalmente, ciente dos seus direitos. As reuniões programadas foram estendidas a dez encontros, sendo o penúltimo uma saída de campo individual, com cada um dos participantes, e o último, uma análise da rota urbana criada pelo grupo. O método empregado com o grupo foi, primeiramente, não transparecer que ali se fazia uma pesquisa científica. Com essa intenção, abordou-se o discurso de equipe, e não do grupo de pesquisa. A equipe estava consciente de que juntos investigaríamos com o objetivo de disponibilizar um sítio na internet com informações da cidade. Para isso, precisaríamos ter claro o que era a cidade de Florianópolis e quais serviços seriam importantes para serem informados pela internet para os invisuais. As reuniões aconteceram em uma sala de aula da ACIC, com portas fechadas, sob a mediação da primeira autora deste capítulo. As perguntas e indagações foram feitas algumas vezes de forma frontal, a algum dos participantes, e algumas vezes de forma geral, a todos. Cada reunião foi documentada em uma ficha previamente preparada, com os assuntos pertinentes àquela reunião para cada participante. Conforme os assuntos eram abordados, a equipe de pesquisadores tomava nota dos dados fornecidos, bem como de expressões verbais, trejeitos, pensamentos e idéias de cada um deles. Os assuntos tratados inicialmente foram a cidade de Florianópolis, os serviços públicos e os serviços públicos referenciados 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 165 por eles. Tais assuntos foram tratados primeiro de forma genérica e depois específica, isto é, abrangiam a cidade como um todo, até chegar às particularidades dela. Indagamos o que seria um serviço público e quais os serviços públicos mais conhecidos e os mais utilizados por cada participante dessa equipe. O “PONTO DE VISTA” DE QUEM NÃO “ENXERGA” FLORIANÓPOLIS No primeiro encontro foi exposta aos colaboradores a proposta da pesquisa, que seria uma investigação da cidade com o objetivo de criar rotas urbanas de serviços públicos, para serem disponibilizadas na internet. Quando indagados sobre a relevância desse serviço para a pessoa com deficiência visual, o grupo foi unânime em aprovar a idéia e em entender que esse pode ser um marco na mudança da qualidade de vida de um invisual na cidade. As reuniões aconteceram dentro de em um período de 45 dias e foram muito ricas para que os pesquisadores pudessem aproximar-se do grupo, entender a rotina de vida de cada um deles, observar que todos eles possuem consciência das suas reais necessidades e que, principalmente, sabem apontar os grandes problemas relacionados à acessibilidade dentro da cidade. Para alguns dos invisuais, a cidade de Florianópolis é hospitaleira. “[...] ao chegar em Florianópolis, peça ajuda, as pessoas já estão habituadas a lidar com os deficientes visuais”, disse um dos participantes da pesquisa. Outro colaborador afirmou: “Florianópolis é sinônimo de dificuldade”. E outro ainda afirmou: “[...] fizeram mudanças para deficientes visuais, mas fizeram de forma errada”, ao se referir aos pisosguias mal colocados na parte central da cidade. Outro participante resume seu depoimento dizendo: “[...] Florianópolis, comparada com a minha cidade [em Angola], é mais evoluída, a pessoa transita nas ruas”, ao se referir à pessoa cega. Quanto aos serviços públicos, um dos participantes participa de forma enfática: “[...] serviço público são sistemas que todos têm o direito 166 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais de acessar”. Para esse mesmo participante, “[...] sem educação, não há saúde!” Outro participante, ao ser indagado sobre os serviços públicos de Florianópolis, completa: “[...] a falcatrua é grande!” Este se refere à burocracia enfrentada pelos deficientes visuais no momento em que encontram dificuldade no acesso a informações e acessibilidade aos serviços. Quanto às iniciativas que visam à acessibilidade da cidade aos deficientes visuais, um depoente diz: “[...] incluir todo mundo de qualquer jeito não funciona!”. Nas conversas francas das reuniões, foram apontadas zonas da cidade nas quais a população é mais gentil e cortês, como, por exemplo, no centro da cidade, onde as pessoas estão acostumadas a ajudar e a dar informações aos invisuais. Entre as agências bancárias que possuem um atendimento ou instrumentos especiais para que os invisuais possam fazer transações bancárias, foram citadas o Besc e a Caixa Econômica Federal; já o Banco Banespa foi mencionado por ter um atendimento “horrível”, mas por ter tido boa intenção em colocar pisos-guias até a pessoa chegar ao caixa. Como ponto de lazer, o Floripa Shopping foi unânime em bom atendimento aos deficientes visuais, “[...] os funcionários nos levam até a loja procurada”, diz um participante do grupo. Na sexta reunião, a equipe escolheu um dos serviços públicos mais comentados como importante para fazer a investigação in loco das percepções dos participantes invisuais. O lugar escolhido foi o Terminal Rodoviário Interurbano de Florianópolis (a rodoviária), que foi apontado como um dos serviços mais freqüentados por eles e com dificuldade de acesso. A rodoviária da cidade de Florianópolis é o lugar de onde partem e aonde chegam todos os ônibus intermunicipais, interestaduais e internacionais. São cerca de 12 mil metros quadrados repletos de pessoas atrasadas, e bem e mal-intencionadas. Trata-se de um lugar necessário à vida desse grupo, que também depende de transporte e que enfrenta muitos desafios ao acessá-lo. As primeiras conversas foram acerca do que era a rodoviária, sempre com o objetivo de compreender se os invisuais tinham conhecimento de tudo que funcionava ali dentro. Eles se mostravam ansiosos ao 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 167 falar da rodoviária e, contudo, desafiados. Observamos, por outro lado, receios deles ao comentar a atividade de ir à rodoviária e sobre o que lá havia, talvez pelo simples motivo de que iriam aprender algo ou, ainda, por poderem ajudar alguém com tal experiência. Alguns dos participantes disseram: “[...] ir à rodoviária significa um desafio para mim”. A palavra “desafio” ressoou forte nos ouvidos dos pesquisadores, trazendo um interesse ainda maior por compreender a dificuldade e necessidade desse grupo perante aquele serviço público da cidade de Florianópolis. ACESSAR A RODOVIÁRIA: UM DESAFIO Para ajudar os deficientes visuais a acessarem a rodoviária com menos estresse, definimos três etapas: mapa mental oral de cada participante; saída de campo ao local; e representação gráfica tátil do percurso. Em um encontro foi solicitado, de forma individual, que cada participante, depois de já ter relatado genericamente as suas experiências de deslocamento na cidade até esse local, tentasse contar com detalhes como era possível acessar a rodoviária; como ele chegava lá e o que acessava naquele lugar. Esse encontro foi, com certeza, um dos mais tensos até então concebidos. Talvez porque tivesse um caráter mais sério ou talvez porque as reuniões estariam perto do seu fim. Cada participante, entretanto, fez o seu relato, descrevendo o seu caminho preferido para acessar o lugar, descrevendo de que forma chegava lá, com quem ia, se fazia uso de algum serviço, se conhecia ou não a redondeza. Ainda descreveram onde e em que contexto urbano localizavam esse equipamento público. Alguns declararam não conhecer a região em sua totalidade, conhecendo apenas os pontos por onde passavam, por onde a bengala tocava ou por onde precisavam cruzar, devido a alguma necessidade específica do dia. “Eu vou só até a rodoviária; que já é bastante coisa”, disse um dos entrevistados. Uma das participantes disse ir até a loja de doces que se localiza dentro da rodoviária e, quando ficou sabendo que lá 168 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais dentro havia uma lotérica, lastimou não saber antes dessa informação, pois “Ali seria possível pagar algumas contas”. Todos eles disseram que no dia em que vão à rodoviária é um dia único e que não aproveitam esse momento para utilizar/passar em nenhum serviço dos arredores. Um dos participantes avisa: “Banheiros são difíceis de usar”; e outro, ao ser perguntado sobre a sensação de estar dentro da rodoviária, respondeu: “Sinto felicidade por conseguir chegar e achar o que queria”. Após o relato oral dos participantes, partimos para a prática de mobilidade: uma saída de campo com o objetivo de que o participante invisual levasse o participante pesquisador até a rodoviária. Aproveitamos essa oportunidade para lhes mostrar um pouco mais da rodoviária e, ao mesmo tempo, vivenciar o modo como acontecia o seu percurso até ela. A primeira observação verificada é que nenhum dos cinco invisuais fazia o mesmo trajeto. Todos possuíam mapas mentais diferentes acerca do caminho. Alguns se sentiram inseguros, pois, sobre aquela experiência, disseram ser a primeira em que percorreriam o trajeto completamente sozinhos. As declarações dos invisuais permitiram verificar que, além de conhecerem os pontos de referência principais da cidade, eles necessitam ter na mente pontos principais que assegurem a sua mobilidade, como estilos de pisos de calçadas, rampas, grades, faixas de pedestres, sinaleiras, muros, carros, etc. Por exemplo, no caso em foco, eles precisam saber que, para chegar à rodoviária, terão que passar por um estacionamento de carros e, ainda, que esse estacionamento é circundado por grades. Saber que naquele local funciona um estacionamento de carros é uma referência global para quem enxerga. Saber que ele é circundado por grandes é uma referência – informação – particular, que assegura a mobilidade e a acessibilidade dos invisuais, e que é intrínseca ao mapa mental daquela rota. A segunda etapa era ir com os deficientes visuais até a rodoviária. Isso foi feito com cada um dos participantes, partindo sempre do TICEN. Essa atividade ampliou as informações colhidas dos relatos feitos 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 169 verbalmente em reunião, pois o caminho percorrido sinalizou outros referenciais mentais de cada um deles, além de enfatizar a dificuldade enfrentada em alguns momentos. Observamos que a travessia de ruas é sempre uma grande aventura para eles. Os cruzamentos principais são bem identificados por todos; eles sabem que ali existe faixa de pedestres com semáforo, seja pelo hábito, seja pela quantidade grande de pessoas que atravessam as ruas nessa região. Em outros pontos ou ruas menores, eles não têm certeza se há ou não uma faixa de pedestres ou um semáforo, e em alguns instantes eles param e esperam ajuda para atravessar. Outros, pela audição, sabem que não há carros passando e aventuram-se a fazer a travessia. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO CONHECIMENTO ESPACIAL Depois da ida à rodoviária, no encontro seguinte, foi dado início à terceira etapa do processo: fazer a planta da rota TICEN–Rodoviária. Foi proposto ao grupo, sem aviso prévio, que fizessem um desenho do trajeto percorrido do terminal de ônibus urbano (TICEN) até a rodoviária. Os pesquisadores optaram pelo desenho como forma de reafirmar os conceitos espaciais mostrados verbal e fisicamente. Além disso, o conhecimento espacial de uma pessoa (mapa mental), ao ser expresso em um desenho, torna-se concreto, o que ajuda no entendimento da informação que ele tenta comunicar. Em uma primeira instância, o grupo mostrou-se reticente e avesso à experiência, muito provavelmente por não ter recebido estímulos para desenhar anteriormente. Também no mundo dos visuais muitas pessoas param de desenhar após a pré-escola, e o ato imaginativo gráfico fica esquecido. O mesmo aconteceu para esses participantes. O participante que nunca enxergou relatou que não foi estimulado e que não gostava das aulas de artes, bem como de desenhar. O participante que perdeu a visão aos 7 anos de idade comentou que já conhecia o método de desenhar em giz de cera sobre papel e uma superfície rugosa; animou-se ao tocar na pasta de plástico com textura com no papel sobreposto e logo começou a desenhar. Os participantes que ficaram cegos já adultos e o 170 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais participante com baixa visão não contestaram a tarefa, talvez porque o uso de um material diferente para desenho, e tátil, não necessariamente exigisse um desenho perfeito. A tarefa pedida ao grupo foi que desenhassem o caminho do terminal de ônibus urbano até a rodoviária. Poucas perguntas foram feitas, entre elas de que forma deveriam desenhar. A eles foi dito que o importante era acentuar o mapa mental do espaço percorrido. Uma das representações efetuadas é mostrada na Figura 2, a título de exemplo do que foi desenhado. Figura 2 – Representação da rota terminal urbano até a rodoviária feita por um dos participantes invisuais – os textos das caixas são as explicações verbalizadas por quem desenhou. Na reunião seguinte foram apresentados os mapas mentais da rota de cada um do grupo, representados no desenho, e as observações verificadas pelos pesquisadores. Por exemplo, verificou-se que cada um desenhara um caminho diferente para acessar a rodoviária. Foi uma grande descoberta para eles. Agitados, perguntavam aos colegas como 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 171 era o caminho de cada um. Nessa conversa informal muitos deles descobriram caminhos desconhecidos e puderam entender o mapa mental espacial do colega. Outros, por meio da imaginação, já sabiam como percorrer aquele caminho, apenas não o faziam por não acreditarem ser o mais adequado. Verificamos assim a grande utilidade dos mapas mentais desenhados por eles, ajudando na comunicação da informação espacial e também para discutir o percurso mais seguro, mais acessível e mais reconhecido pelos cidadãos, sejam visuais ou invisuais. Depois de intensa discussão, entrou-se em acordo e todos escolheram juntos o caminho mais adequado para um invisual chegar à rodoviária da cidade. A partir dessa escolha, o grupo de pesquisadores, com base em todas as experiências já realizadas, descreveu verbalmente o caminho percorrido, bem como a região e os serviços que na rodoviária estavam disponíveis para que outros deficientes visuais tivessem acesso por meio de informações na internet. Essa descrição enfatizou todos os referenciais espaciais apontados pelo grupo, de forma a priorizar uma melhor mobilidade e acessibilidade ao lugar. Na reunião seguinte os pesquisadores levaram aos participantes uma representação gráfica espacial tátil da rodoviária. Trata-se de uma planta tátil da rota do terminal de ônibus urbano (TICEN) até a rodoviária, um esboço gráfico do caminho a ser efetuado, salientando-se os principais referenciais espaciais apontados. Observe essa planta e a imagem usada como referência para sua execução na Figura 3. A representação gráfica tátil foi distribuída para cada participante, acompanhada de uma descrição do trajeto em áudio (feita pelos pesquisadores). Nesse encontro pediu-se que os participantes “olhassem” a planta tátil fornecida, para, em seguida, reconhecer os lugares nela sinalizados. A planta tátil do percurso eleito como o mais acessível e seguro para se chegar à rodoviária foi rapidamente reconhecida por todos os participantes. O primeiro contato com o material tátil foi feito de forma aleatória. Quando o participante não entendia algum sinal, o pesquisador 172 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 3 – Representação Gráfica tátil da rota TICEN–rodoviária e imagem demarcando o trajeto representado. Fonte: Golin (2007) estimulava-o a compreendê-lo por meio de assimilações. É importante destacar que os signos usados nessa planta tátil fazem correlações táteis com o objeto nela simbolizado. Por exemplo, uma rampa muito alta, que deve ser sinalizada com um obstáculo ou referência importante, foi destacada na planta tátil com um signo pontual triangular. Tal destaque é 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 173 necessário para lembrar ao invisual que o relevo alto do ponto remete ao perigo que a rampa oferece. O segundo contato com a planta foi guiado por um áudio exclusivo que descrevia o caminho já conhecido por todos eles. Logo que o áudio foi ligado, pediu-se que eles acompanhassem, com as mãos junto à planta tátil, o caminho descrito pelo áudio. O contentamento de todos foi imediato: localizaram de forma tátil os pontos simbolizados e conseguiram acompanhar a rota descrita pelo áudio. Um participante expressou: “Assim ficou bem fácil de entender”. Por fim, um dos participantes que não fazia esse trajeto disse: “Agora eu vou fazer este caminho”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este ensaio científico mostrou-se muito satisfatório não apenas no reconhecimento do espaço percebido e percorrido pelos invisuais como também no ensino de novos trajetos, pois verificamos que um grande rol de novidades foi acrescido ao mapa mental de cada um dos participantes. Essas novidades vieram a estimular novas possibilidades na mobilidade urbana, possibilidades verificadas não apenas no meio invisual, mas que também surtiram efeito no mapa mental de todos os participantes visuais que, pouco a pouco, compreenderam melhor o seu espaço percebido e o do seu colega invisual. Verificamos que as representações gráficas táteis, sonoras ou não, foram muito úteis para invisuais como meio de informação de “como sair daqui e chegar lá”, validando assim a nossa hipótese inicial. Além disso, sinalizamos a importância da investigação com eles, para descobrir quais referenciais utilizam para locomoverem-se na cidade e como criam mapas mentais de rotas urbanas específicas. Com esse conhecimento pudemos propor uma alternativa gráfica e sonora cognoscível para eles. Uma vez compreendidos, esses mapas táteis de rotas poderão servir para ajudar outros deficientes visuais a aprender esse caminho. 174 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Finalmente, reafirmamos o que foi colocado no início. A metodologia de trabalho aplicada aqui pode ser replicada ou servir de orientação ao professor de Geografia, ao se deparar com um estudante invisual na sua sala de aula. Aquele poderá auxiliar o professor de educação especial na mediação da apropriação do espaço urbano por esse estudante. O entendimento da cidade e a localização de rotas urbanas são extremamente importantes para a independência e mobilidade de invisuais. Também é importante apontar que a metodologia empregada para investigar como pessoas deficientes visuais “vêem a cidade” apresentou resultados muito positivos. Os colaboradores invisuais, todos adultos, que nunca tinham utilizado, de fato, um mapa tátil de rota (alguns já tinham tocado alguns mapas táteis para a educação anteriormente), ajudaram verbalmente na sua construção e depois compreenderam a representação efetuada. Os pesquisadores conseguiram entender quais são os referenciais e obstáculos urbanos que auxiliam ou impedem a mobilidade desses cidadãos na cidade e como criar mapas táteis de rotas urbanas, com a descrição sonora desse caminho, para que sejam cognoscíveis para deficientes visuais. REFERÊNCIAS CREMONINI, R. S. C. A percepção do espaço físico pelo usuário: uma compreensão através de mapas mentais. 1998. Universidade Federal de Santa Catarina. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. GOMES, Paulo César da Costa. Condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002. IPUF – Instituto de Planejamento Urbanos de Florianópolis. Atlas do Município de Florianópolis. 2004. 3. Acessar a cidade: mapas mentais de pessoas com deficiência visual sobre rotas urbanas 175 KOZEL, S. Comunicando e representando: mapas como construções socioculturais. In: SEEMANN, Jorn (Org.). A aventura cartográfica: perspectivas, pesquisas e reflexões sobre a cartografia humana. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006. LERNER, J. Acupuntura urbana. Rio de Janeiro: Record, 2005. ROCHA, Lurdes, B. Mapa mental: forma de comunicação espacial. In: TRINDADE, Gilmar A.; CHIAPETTI, Rita J. N. (Org.). Discutindo Geografia: doze razões para se (re)pensar a formação do professor. lhéus: Editora da UESC, 2008. p.159 -178. TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção e valor do meio ambiente. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: Difel, 1980. 176 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 6 Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis Rosemy da S. Nascimento Gabriel Lima Leonildo Lepre Filho “A desproporção do mundo, parece ser, de modo consolador, apenas uma questão quantitativa.” (Franz Kafka) O que é paisagem? Conforme alguns conceitos, paisagem pode ser uma imagem da natureza, das pessoas ou imagens de coisas interagindo em determinado ambiente. E como registramos uma paisagem? Para as pessoas que possuem um sistema visual normal, a imagem é formada no cérebro através da visão. Os elementos constituintes dessa paisagem são um universo de objetos com vários signos, e a visão, quase na sua totalidade, consegue decifrar seus significados e funções. E quando não se tem a visão! A máquina cérebro consegue fazer com que outras áreas adaptem-se e supram essa carência, mediante o aprimoramento dos demais sentidos. O tato é um dos sentidos que conseguem também proporcionar informação de objetos de um ambiente, através dos tamanhos, formas, texturas e temperaturas. Há inúmeros tipos e causas de cegueira ou deficiência visual, mas, em geral, dividem-se em cegueira total e baixa visão. A primeira é a ausência total 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 177 de visão e percepção luminosa. Nesse caso, o processo de aprendizagem buscará outros sentidos, como o tato na leitura e na escrita em braille, pegando objetos do dia-a-dia, sentindo o espaço pelos passos, sons, cheiros, temperaturas e outras sensações. O outro estágio de deficiência visual é chamado de baixa visão: percebe-se a luminosidade, vultos e formas, entre outros estímulos. Neste caso, os deficientes visuais (DVs) buscarão outras formas de estímulo do resíduo visual, que poderão ser através de cores fortes, como o amarelo em oposição ao roxo, entre outros recursos específicos. Mas como um DV poderá contemplar uma paisagem quando for um lindo pôr-do-sol, o mar, gaivotas, morros entre morros, prédios com torres? Como exercer a sua cidadania quando se fala em plano diretor participativo, se o DV nem sequer conhece a sua cidade na sua totalidade; apenas percorre trajetos, labirintos que sobem e descem. Lugar é aquele em que o indivíduo se encontra ambientado, ao qual está integrado. Faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeições; é o “centro de significância ou um foco de ação emocional do homem”. O lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas (RELPH, 1976 apud NASCIMENTO, 2003). Para Boff (2003), além de sentirem-se pertencentes, os indivíduos e grupos sociais devem desenvolver suas práticas diárias a partir da percepção e dos sentimentos que têm acerca do ambiente e tornar-se hábeis para cuidar desse ambiente. Também para o DV, “estar” na paisagem passa pelo processo de conhecer e sentir-se pertencente também exercendo a sua cidadania, ou seja, sentindo-se como ente do lugar, com os seus direitos e deveres sociais. Haja vista toda essa argumentação, somente há 20 anos que a educação e a função social da cidade vêm buscando a inserção do deficiente visual na sociedade e promovendo a acessibilidade e a mobilidade no espaço urbano, seja pela Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, ou pela Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas e critérios para as pessoas portadoras de deficiência. A pessoa que nasce cega necessita de muita atenção e ajuda para aprender sobre as coisas que fazem parte do seu cotidiano e assim ter uma vida independente. A pessoa que já enxergou algum dia tem lembranças que a ajudam a perceber o ambiente e a identificar as coisas, conseqüentemente tem uma facilidade muito maior para tornar-se uma pessoa 178 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais independente. Quando a criança nasce cega, a educação torna-se especial, estimulando-a a fazer novas descobertas e desafios. O apoio da família é imprescindível. O ideal é que familiares ou responsáveis estejam sempre presentes ao lado da criança, narrando todas as ações que estão sendo realizadas na casa e ensinando-a a realizá-las. Os significados das coisas e das ações também são muito importantes, assim como as formas das coisas. É importante que a família promova o contato da criança com o seu ambiente: os objetos e lugares da casa, as árvores do jardim, os animais, os frutos, as flores, os equipamentos da cidade, etc., facilitando o seu entrosamento para uma vida em sociedade. Especificamente na disseminação de conhecimentos por meio da educação, os processos pedagógicos e andragógicos de ensino e aprendizagem passam por constantes desafios quando se deparam com a deficiência visual. Na Geografia não é diferente, uma vez que os conteúdos estão repletos de paisagens nos seus conceitos, escalas e derivações. Para os alunos com deficiência visual, a compreensão do ambiente tornase mais demorada e dificultosa, por não possuírem a visão que em instantes decodifica vários significados, como objetos que estão à frente, ao lado, tamanhos, distâncias e obstáculos. Atualmente, além das metodologias tradicionais de ensino e aprendizagem do espaço geográfico, como o uso do sistema braille, mapas táteis em papel, maquetes geográficas, entre outras, há diversas propostas de otimizar o processo com a tecnologia disponível, com o auxílio da informática, de sons e de bengalas inteligentes, que detectam obstáculos a distância. Porém, há um momento do conteúdo geográfico que a noção de distribuição dos lugares através da escala torna-se necessária para explicarem-se conceitos de unidades físicas, como planalto, planícies, bacias hidrográficas, vertentes, etc., e também de unidades políticas, como continentes, países, estados, territórios, lugares, entre outras. Este trabalho tem por objetivo apresentar uma metodologia de ensino e aprendizagem da paisagem mediante a construção de maquetes geográficas com informações táteis, conforme os preceitos da Geografia e da Cartografia voltados para o ensino/aprendizagem para deficientes visuais, incluindo os com baixa visão, que está sendo desenvolvido no 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 179 projeto “Maquete Geográfica Visual e Tátil”, com sede no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE), na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). MÃOS E CÉREBRO NO APRENDIZADO E ENTENDIMENTO DA PAISAGEM PELOS Dvs Entender algo ou algum conceito é o sucesso da aprendizagem. Para isso ocorrer, as funções das células nervosas ou neurônios deverão estar conectadas para receber outras informações de outras células e depois transmiti-las de volta para as partes do corpo que interagem com o ambiente, como os músculos. Essa afirmativa, descrita em Bransford (2007), pôde ser percebida quando uma das colaboradoras desta pesquisa, que possui apenas 10% da visão, declarou que a experiência com a deficiência visual oferece uma capacidade melhor de utilizar o resíduo visual. Nos DVs totalmente cegos, esse processo não tem o sistema visual como o conector das informações visuais para o sistema nervoso central, mas outras células nervosas, de outros sentidos, transmitirão e usarão as suas células nervosas ou neurônios para atender a uma necessidade do organismo. O desafio: compreender para ensinar sobre paisagens do local para o global a partir dos limites e das competências dos DVs Iniciar esta pesquisa foi um grande desafio para a equipe, pois as maquetes são produtos derivados da ciência geográfica e da cartográfica. Os “fonemas” da linguagem cartográfica são visuais. O DV usa outros sentidos, como o tato, para obter conhecimento. Então, como transformar informações visuais cartográficas como cores, formas e relevo em informações táteis? Como ensinar sobre paisagens aos cegos? Muitos deles nunca tiveram contato com representações que possibilitassem essa compreensão e muitos têm medo ou são inibidos a aventurar-se a buscar essa experimentação. Um exemplo surgiu quando um membro da equipe perguntou o que era paisagem para um DV, e este respondeu que paisagem tinha a ver com paz. 180 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Conjuntamente a esta pesquisa, desenvolve-se também outra, que busca encontrar uma metodologia para a confecção de mapas para DVs, chamada “Mapas táteis como instrumentos de inclusão social de portadores de deficiência visual”, desenvolvida também no LabTATE. Assim, a pesquisa dos mapas táteis e a das maquetes táteis buscam as diversas experiências da educação para DVs, que se utiliza de vários materiais para construir uma linguagem cartográfica tátil. Acredita-se que tanto o uso dos mapas como o das maquetes possibilitarão apresentar um mundo totalmente novo para o DV, pois a representação tridimensional possibilitará auxiliar nas representações bidimensionais dos mapas, uma vez que as maquetes aproximam a tridimensionalidade da realidade. Entretanto, antes de planejar a construção das maquetes geográficas táteis, houve a curiosidade de saber como as pessoas que não possuem deficiência visual desenham mapas de memória. Optou-se em fazer um exercício diagnóstico com 127 alunos, sendo 67 do curso de Geografia e 60 do curso de Filosofia, ambos da UFSC. A seleção desses alunos foi proposital, pois se esperava observar que os alunos de Filosofia, por não terem contato com mapas, teriam dificuldades em expressá-los, e que os alunos de Geografia teriam mais facilidade. O resultado foi a confecção de 381 desenhos, nos quais cada aluno desenhou como concebia o Município de Florianópolis, o Estado de Santa Catarina, o Brasil e o mapa-múndi. A conclusão foi que todos os desenhos generalizam a forma, simplificando e aproximando-a de uma forma geométrica regular. Enfim, se as pessoas que enxergam resumem ou generalizam a forma de qualquer elemento visual, por que haveria de se construírem maquetes geográficas táteis conforme os preceitos cartográficos em relação a escala e informações morfológicas? Concluiu-se que, para a confecção de maquetes táteis, usar-se-iam escalas pequenas, ou seja, que a forma fosse generalizada, com poucas curvas e elevações, ampliando-se para o tamanho com o qual os DVs conseguissem tatear. A seguir, são apresentados alguns exemplos de desenhos feitos pelos alunos de Filosofia e de Geografia. Depois de sanada a curiosidade sobre os videntes, buscou-se entender como os DVs descrevem a forma e as paisagens do Município de Florianópolis, do estado de Santa Catarina, do Brasil e do mundo. 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 181 Figura 1 – Desenhos de mapas elaborados por pessoas que enxergam O diagnóstico: como os DVs enxergam as paisagens que não tocam Nesta pesquisa, o diagnóstico foi realizado por meio de entrevista com quatro colaboradores DVs totais da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC), sobre o conhecimento que tinham dos mesmos lugares que descreveram os videntes: Florianópolis, Santa Catarina, Brasil e Mundo. A escolha dos DVs totais deve-se à possibilidade de que a maquete seja acessível a todo tipo de DV. O método utilizado inicialmente foi que desenhassem, mas observou-se que as pessoas que possuem cegueira de nascença, muitas vezes, têm aversão ao desenho. Esse fato fez com que o método fosse mudado para a descrição oral dos lugares. A primeira colaboradora, com 37 anos e cega de nascença, declarou que imaginava a forma do Município de Florianópolis como 182 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais redonda e com água ao redor, correlacionado-a a uma ilha típica, o que é justificado pelo município ser em grande parte insular. Além de ser redonda, a Ilha seria um labirinto. Já Santa Catarina seria pequena, um pouco maior que Florianópolis; o Brasil, um triângulo de ponta para baixo; e o mundo, uma bola. O segundo, de 30 anos, que nasceu com 50% da visão e perdeu-a totalmente aos 19 anos, teve dificuldades por não ter tido a oportunidade de estudar. Lembrava só de imagens da previsão do tempo na televisão, a que assistia na época em que ainda enxergava um pouco. O terceiro colaborador, de 33 anos, que é totalmente cego, descreveu Florianópolis como oval; o mundo com uma bola de jogo de bingo; e não conseguiu descrever os demais espaços. A quarta colaboradora, de 26 anos, com cegueira total, declarou que Florianópolis seria muito pequena e retangular; o Brasil, retangular também; e o mundo, redondo. A maioria dos entrevistados não tem muita informação quanto ao formato dos lugares. Os cegos que nunca enxergaram formam imagens em sua mente a partir do que lhes é passado oralmente e/ou pelo toque. Como eles não podem tocar uma cidade ou um país e pouco lhes é Foto 1 – Entrevista com a Sra. Maristela, com a Prof.ª Dra. Rosemy Nascimento e com o acadêmico Gabriel Lima na ACIC, em Florianópolis, SC Foto: Nascimento (2007) 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 183 transmitido verbalmente quanto à forma deles, constroem imagens equivocadas. Uma das colaboradoras da pesquisa mostrou-se entusiasmada com a idéia de ter contato com maquetes, pois alguns mapas com que ela trabalhou não davam a noção da realidade, e a maquete poderia ser mais fácil de entender, pois está mais próxima dela. Concomitantemente a esse diagnóstico, foi necessário conversar com professores que atuam com os DVs sobre os materiais e métodos utilizados para ensinar espaços geográficos ou até mesmo mobilidade urbana. Na ocasião, havia uma maquete geográfica do centro da Ilha, no Município de Florianópolis, confeccionada por Dvs. Observa-se que os prédios e árvores são exagerados, quase do tamanho dos morros, e o espaço entre eles também, o que significa que o interesse é saber o que há, onde está e se se consegue “caminhar com as mãos”. A partir desse momento, elucidaram-se quais maquetes iriam ser construídas, pois, quanto mais simples é a maquete, melhor é o seu entendimento. Esse fato foi detectado por Lowenfeld e Millar (apud AMIRALIAN, 1997), que em suas pesquisas verificaram que os DVs “conseguem transmitir a impressão de unidade em seus desenhos por meio de uma síntese construtiva de impressões parciais”. Foto 2 – Maquete geográfica tátil de parte do centro, na porção insular do Município de Florianópolis Foto: Nascimento (2007) 184 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Usando o resultado desse diagnóstico e de outras pesquisas, conseguiu-se elaborar a metodologia “Do meu passo para o espaço”, que proporcionará o ensinamento e a aprendizagem sobre paisagens por meio das maquetes geográficas táteis para os DVs, pois para eles o mais importante é que as informações geográficas sejam transmitidas de forma clara e objetiva, mediante um relevo com poucas irregularidades e legendas simples, para que possam servir para uma melhor mobilidade, tanto na realidade como na imaginação, podendo-se “viajar” para vários lugares a partir de um ponto de referência, ou seja, do passo para o espaço. CONSTRUÇÃO DE MAQUETES GEOGRÁFICAS TÁTEIS: METODOLOGIA “DO MEU PASSO PARA O ESPAÇO” Meu passo e um fusquinha A idéia surgiu em encontrar algum equipamento urbano pelo qual o DV pudesse se deparar e correlacionar com algum objeto, que poderia ser um brinquedo com seu passo, desde uma boneca até um carrinho. Sendo assim, a metodologia “Do meu passo para o espaço” visa permitir uma viagem imaginária, começando com um passo da pessoa, depois correlacionando a quantidade de passos do DV e o comprimento de um carro como um fusca, que mede em torno de 4 m. Depois passa-se para fuscas em miniatura, de 10 cm, 6 cm, 3 cm e 1,5 cm. No fim, o fusquinha de 1,5 cm pode migrar para qualquer rua, ponte, praça, etc., mas deve ser algum lugar conhecido. Depois se migra para os outros lugares. E por que um fusca? Esse gracioso carrinho é fácil de achar em tamanho real e em vários tamanhos em miniatura, como brinquedos. Como esta pesquisa desenvolve-se em Florianópolis, e as instituições que dão assistência aos DVs tinham interesse por maquetes da cidade, optou-se em construir a Maquete Geográfica Tátil do Centro do Município de Florianópolis, para auxiliar na localização e na orientação. Como o município está parte em uma ilha e parte no continente, optou-se 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 185 em ter as pontes que ligam a ilha ao continente como referência para começar a introduzir a educação cartográfica, ou seja, o fusquinha começa a andar pelas pontes da maquete do centro urbano do Município de Florianópolis. Depois, o professor junto com o DV migram para a maquete completa do Município, correlacionando as pontes. Passa-se, então, para a maquete do Estado de Santa Catarina, localizando o Município de Florianópolis, e finaliza-se com a maquete do Brasil, mostrando o estado de Santa Catarina, na Região Sul, e comparando-o com outros estados brasileiros. Tendo a maquete da América do Sul, localiza-se o Brasil, depois migra-se para o globo terrestre tátil e, por fim, constrói-se o sistema solar, configurando os planetas e permitindo localizar a Terra no espaço sideral. Por isso o nome dessa metodologia, do meu passo (local) para além do global (espaço sideral). Foto 3 – Os carrinhos do tipo fusca, de 10 cm, 6 cm, 3 cm e 1,5 cm, como auxiliares em um primeiro contato do DV com as maquetes geográficas Foto: Nascimento (2007) Maquetes geográficas táteis Com base na metodologia de Nascimento (2003) para a construção de maquetes geográficas, que pode ser encontrada em http://www.tede.ufsc.br/teses/PEPS3789.pdf, na página 85 da tese de doutora- 186 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais do “Instrumentos para prática de educação ambiental formal com foco nos recursos hídricos”, cujo orientador foi Carlos Loch, adaptaram-se os mapas de uso comum para a forma tátil, com a necessidade de algumas considerações, como uma generalização cartográfica para que as formas das unidades geográficas sejam mais simples, sem muito detalhe nas curvas e formas. Essa adaptação foi feita para suavizar as formas e o relevo, visando facilitar a leitura tátil. Nessa etapa, concluiu-se que as maquetes terão a proposta de ensinar apenas a noção de forma do espaço geográfico preterido, proporcionalidades, localizações e distâncias, pois, futuramente, outros temas serão incorporados pensandose em alternativas de materiais com texturas, formas, tamanhos, sons, temperatura, entre outros, conforme a representação tátil que se queira materializar. Com o desenvolvimento da pesquisa, pensava-se que, quanto maior fosse a maquete, mais fácil seria a compreensão pelos DVs, pois o objetivo era aproximá-la da realidade, mas também se verificou que seria difícil para os DVs no momento da leitura tátil, quando as mãos poderiam ter dificuldades em percorrer a maquete e conseqüentemente haver problemas de aprendizado. Então, conclui-se que, para ensinar sobre o espaço geográfico do local para o global, deve-se construir uma maquete geográfica tátil do centro urbano ou de qualquer lugarejo em que haja uma rua ou ponte, ou qualquer equipamento urbano que os DVs saibam que existe, e que se possa fazer a correlação com um carro e seus passos. O título da maquete, a legenda, os nomes dos lugares ou siglas e outras informações devem estar na linguagem escrita em braille. Nesta pesquisa, foram confeccionadas quatro maquetes até o momento: a) Centro do Município de Florianópolis (porções insular e continental) e parte do município de São José: Mapa-base – 1:50.000 Escala horizontal – 1:17.000 Escala vertical – 1:5.000 Foto 4 – Maquete Geográfica Tátil do Centro Urbano do Município de Florianópolis Foto: Nascimento (2007) 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 187 b) Município de Florianópolis com as ilhas Mapa-base – 1:50.000 Escala horizontal – 1:50.000 Escala vertical – 1:15.000, pela qual cada 60 m de altitude corresponde a 4 mm Foto 5 – Maquete Geográfica Tátil do Município de Florianópolis Foto: Nascimento (2007) c) Estado de Santa Catarina Mapa-base – 1:5.000.000 Escala horizontal – 1:1.000.000 Escala vertical – 1:44.000 Foto 6 – Maquete Geográfica Tátil do estado de Santa Catarina Foto: Nascimento (2007) d) Brasil Mapa-base – 1:25.000.000 Escala Horizontal – 1:7.000.000 Escala Vertical – 1:28.500 Foto 7 – Maquete Geográfica Tátil do Brasil Foto: Nascimento (2007) 188 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Resumindo, a aplicação da metodologia “Do meu passo para o espaço” para o Município de Florianópolis teve o objetivo de proporcionar uma viagem imaginária, começando com um passo da pessoa e chegando ao espaço sideral. LEITURA E ENTENDIMENTO DE PAISAGENS ATRAVÉS DAS MAQUETES GEOGRÁFICAS TÁTEIS A primeira ação nesta etapa foi colocar uma maquete ao lado da outra, conforme a hierarquia política, ou seja, primeiro a maquete do centro de Florianópolis, depois do Município de Florianópolis, do estado de Santa Catarina e, por fim, do Brasil. Em seguida, apresentou-se a metodologia para os DVs em grupo, lembrando que a noção de tamanho dos lugares parte dos passos de cada um, comparados com o comprimento de um fusca. A média foi de 5 passos para os 4 m do fusca. Foto 8 – Apresentação do fusca de brinquedo com 10 cm, antes de partir para o fusquinha menor, na ponte da Maquete Geográfica Tátil do Centro Urbano do Município de Florianópolis Foto: Ribeiro (2007) 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 189 A partir dessa relação real, inicia-se a relação de proporcionalidade ou escalar com o fusca de tamanho real para um fusca de brinquedo com 10 cm, informando que este é 40 vezes menor que o automóvel. Em seguida, passa-se para outros menores, de 6,0 cm, 3,0 cm e 1,5 cm. A relação de proporcionalidade com a maquete inicia-se a partir do fusca de 1,5 cm na ponte. Observam-se na maquete três pontes, que ligam a parte insular à continental. As pontes trafegáveis têm em média 750 m de comprimento, e a outra é a Ponte Hercílio Luz, mais estreita e acima na foto, símbolo de Florianópolis, que está em fase de reforma para apenas tráfego de pedestres. É fato que, se o fusca fosse em escala para a ponte nessa maquete, ele seria um grão de areia, sendo inviável para trabalhar com os DVs. A noção de proporcionalidade é ensinada, mas com tolerâncias. Foto 9 – Detalhe da ponte com o fusquinha na Maquete Geográfica Tátil do Centro Urbano do Município de Florianópolis Foto: Nascimento (2007) Em todas as maquetes os relevos foram generalizados na modelagem. Porém, na construção da estrutura, seguiram-se os preceitos cartográficos, conforme Nascimento (2003). 190 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Na Maquete do Centro do Município de Florianópolis e de parte do Município de São José, houve um recorte pelo qual a parte insular foi do Morro da Cruz até o bairro João Paulo, onde está localizada a ACIC. Destaca-se que todas as escalas horizontais e verticais foram alteradas, a fim de generalizar a forma da unidade política e o relevo, visando facilitar a leitura tátil. Em seguida, o DV é estimulado a iniciar um “passeio” de reconhecimento da localização da ponte e de outros elementos, conforme pode ser observado na foto a seguir. Foto 10 – Passeio tátil guiado pela Maquete Geográfica Tátil do Centro Urbano do Município de Florianópolis Foto: Ribeiro (2007) Foto 11 – Passeio tátil pela Maquete Geográfica Tátil do Município de Florianópolis Foto: Nascimento (2007) Foto 12 – Passeio tátil pela Maquete Geográfica Tátil do Estado de Santa Catarina Foto: Nascimento (2007) Foto 13 – Passeio tátil pela Maquete Geográfica Tátil do Brasil Foto: Nascimento (2007) 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 191 Ao final, todos conseguiram entender o que é escala a partir do ensino sobre a proporcionalidade, correlacionando os passos, o fusca, a ponte e as outras maquetes. O passeio pelas principais vias de acesso deu uma noção da localidade de vários lugares, como praias do norte da Ilha, Lagoa da Conceição, etc. Uma das observações de uma colaboradora foi a irregularidade dos morros, diferenças de tamanho, forma da Ilha, com uma comparação com os seios de mulher. Nesse momento a professora que aplicava a atividade pôde explicar a formação geológica de algumas localidades que são chamadas de meia-laranja. Na maquete de Santa Catarina, um dos DVs conseguiu localizar a sua cidade natal, que se localiza no extremo oeste do estado. Na maquete do Brasil, viajou de norte a sul, fazendo inferências a vários lugares e ao relevo. Observou que Santa Catarina é um estado pequeno em área em relação aos demais. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta da metodologia “Do meu passo para o espaço” permite que demais informações temáticas, como a cobertura e o uso do solo, possam ser incorporadas, porém só depois que o DV conseguir entender a noção de proporcionalidade (escalas), localizar-se e localizar outros lugares (orientação), e entender o relevo. Como esta pesquisa está em andamento, falta a etapa da experimentação de outros materiais perceptivos dos sentidos humanos, como texturas, temperaturas, cores, som, luz e odores. É necessária também a aplicação da metodologia a outros DVs e a avaliação por parte de todos os envolvidos, para que ela possa proporcionar aos DVs o entendimento cada vez maior dos diversos espaços. 192 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais NOTA: Primeiramente agradecemos a Deus, por nos dar a oportunidade de realizar uma educação em situação tão especial. Em seguida, aos alunos que se envolveram com esse fascinante projeto do LabTATE, como o Gabriel, o Robson, o Leonildo, o José Augusto “Pirra”, a Geisa, a Sarah e a Carolina. À Maristela e a todos os colaboradores e professores da ACIC. E, finalmente, à Prof.ª Dra. Ruth Emilia Nogueira, por ter aceitado o desafio da pesquisa e a disseminação da Educação Cartográfica Tátil e Escolar. REFERÊNCIAS AMIRALIAN, Maria L. T. M. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo; Fapesp, 1997. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano: compaixão pela terra. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. BRANSFORD, John et al. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. Tradução de Carlos D. Szlak. São Paulo: Ed. do Senac, 2007. KOZEL, Salete. Produção e reprodução do espaço na escola: o uso da maquete ambiental. Disponível em: <www.geografiafernando.hpg.ig.com.br>. Acesso em: 23 out. 2002. LE SANN, Janine. A noção de escala em cartografia. Revista Geografia e Ensino, UFMG, Belo Horizonte, v. 5, p. 56-66, 2 jun.1984. LIBAULT, A. Geocartografia. São Paulo: Ed. da USP, 1975. MARTINELLI, M. Curso de cartografia temática. São Paulo: Contexto, 1991. 4. Mãos, cérebro e paisagem: tríade do conhecimento para deficientes visuais através de maquetes geográficas táteis 193 NASCIMENTO, Rosemy da S. Atlas Ambiental de Florianópolis. Florianópolis: Instituto Larus, 2001. NASCIMENTO, Rosemy da Silva. Instrumentos para prática de educação ambiental formal com foco nos recursos hídricos. 2003. 239 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003 NASCIMENTO, R. da S.; OLIVEIRA, K.; KHALIL, Z. Maquete ambiental do Município de Florianópolis-SC. In: SIMPÓSIO IBEROAMERICANO DE CARTOGRAFIA PARA CRIANÇA, 1., Rio de Janeiro. Anais..., Rio de Janeiro, 2002. OLIVEIRA, Cêurio de. Dicionário cartográfico. 4. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1993. RAISZ, Erwin. Cartografia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Científica, 1969. 194 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 5 Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil Ruth E. Nogueira “Nunca te é concedido um desejo sem que te seja concedida também a facilidade de torná-lo realidade. Entretanto, é possível que tenhas que lutar por ele.” (Richard Bach) C omo seres humanos, agimos conforme nos é solicitado em determinado momento. Na verdade somos indivíduos que se moldam às necessidades construídas pela sociedade e por nós mesmos. Nosso agir pode acontecer ora como aprendiz, ora como mestre, ora como filho, ora como pai, ora como platéia, ora como profissional... Pois bem! Foi do agir como mestre, sendo professora de Cartografia em um Curso de Geografia, que começaram as inquietações com o ensino tanto na universidade quanto na educação básica. Dessas inquietações nasceram sonhos, ideais a serem alcançados. Deles nasceram projetos e depois os planos: o que fazer, como fazer para atingir uma meta – o ensino do mapa. Acreditem! Quando se deseja e se abre a mente para a realização do desejo, as forças do universo conspiram a favor. Ter receios é natural. O importante é vencê-los para poder concretizar os planos. Pois bem! Essas 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 195 forças começaram a fluir ao participar do primeiro Colóquio de Cartografia para Crianças, que se realizou em Rio Claro, em 1995. Estava entre nomes expoentes dessa área do conhecimento, e o que lá vivenciamos mostrou que seria possível iniciar estudos no tema Cartografia Escolar em Santa Catarina e trazer à tona o ensino da Cartografia na universidade e também no ensino fundamental. Contudo, o doutoramento adiou essa intenção. No ano de 2000, ao voltar do doutorado, reassumimos sonhos na questão do ensino da Cartografia. Escrevemos em conjunto com alunos monitores dois artigos sobre o ensino dessa disciplina na nossa universidade e fomos apresentá-los no I Simpósio Ibero-Americano de Cartografia para crianças e escolares, que aconteceu no Rio de Janeiro, em 2001. Foi mais uma oportunidade de encontrar iminentes pesquisadores na área de Cartografia escolar e reanimar-me. Em seguida a esse evento, escrevemos um projeto com o tema “Linguagem Cartográfica...”, para buscar financiamento do Fundo para Pesquisa da UFSC – Funpesquisa. Também recrutamos bolsistas de iniciação científica para esse projeto, que durou 5 anos e que teve a colaboração de três bolsistas. Nesse ínterim, desenvolvemos projetos de extensão para ajudar na parte prática da execução da pesquisa, ministramos cursos para reciclagem de professores da rede estadual e municipal e mais outros cursos paralelos nas semanas de Geografia da UFSC. Também orientamos alguns trabalhos de conclusão de curso com a temática de ensino de Cartografia. De todo esse trabalho, conseguimos em 2006 criar a disciplina de Cartografia Escolar no novo currículo do Curso de Geografia e uma linha de pesquisa com o tema Geografia em Processos Educativos na PósGraduação em Geografia, que abarca também essa temática. Com isso, já ministramos um Tópico Especial na Pós-Graduação com o nome de Cartografia para o Ensino da Geografia. Temos observado uma procura significativa de professores interessados em ingressar no mestrado nessa linha de pesquisa, que faz uma interface com as duas áreas de concentração que temos no programa. Isso nos diz que estamos colaborando para um futuro melhor para muitos que virão e se multiplicarão! 196 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Paralelamente a tudo isso surgiu a necessidade de atender a uma demanda da sociedade. A Fundação Catarinense de Educação Especial (um organismo do governo estadual) veio até o Departamento de Geociências solicitar ajuda para fazer a transformação dos mapas de livros didáticos em mapas de livros didáticos para cegos. Foi uma surpresa para nós da área da Cartografia, que nos motivou a estudar e a conhecer o que essa Fundação já fazia nesse sentido. Aprendemos bastante, repassamos o conhecimento necessário de Cartografia à equipe de técnicos que fazia esse serviço, mas percebemos que seria muito difícil e improvável que só aquela assessoria resolvesse os problemas que eles tinham com os mapas. Mais uma vez observamos a falta que o ensino do mapa faz, pois essas pessoas, por mais boa vontade que tivessem, nunca haviam trabalhado com escala, projeção, representação, ou sabiam o que teria significado no mapa para a discriminação tátil e para a compreensão de um deficiente visual. Essa experiência motivou-nos a buscar meios para melhorar a questão dos mapas táteis para o ensino de deficientes visuais. Encaminhamos um projeto de extensão e, com os recursos desse projeto, criamos, junto com uma bolsista, o primeiro mapa tátil do centro de Florianópolis, em 2005 (ALMEIDA; LOCH, 2005). Esse mapa foi colocado a serviço dos cidadãos no terminal de ônibus urbano central de Florianópolis. Contudo, pouco durou, pois vândalos o destruíram em dois anos, e assim foi retirado de lá. Foi então que surgiram as oportunidades de fomento para avançar no nosso trabalho. A seguir, relataremos por que pensamos esses projetos, o que aprendemos com eles e como disponibilizamos os produtos deles para o público escolar, seja para os professores, seja para os alunos ou para os que têm interesse nessa temática. PARA QUEM FORAM PENSADOS ESSES PROJETOS Quando em 2005 escrevemos o projeto “Mapas táteis como instrumento de inclusão de portadores de deficiência visual”, pensamos na imensidão de crianças e adolescentes com severa restrição visual ou cegueira que freqüentam as escolas do nosso país. Pensamos o quanto os 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 197 mapas, maquetes e globos táteis poderiam ser úteis para o ensino de Geografia e História, ampliando a comunicação para além da linguagem oral e escrita, para a graficacia, aquela que permite a leitura de mapas. Imaginávamos o que significaria disponibilizar na internet padrões de mapas táteis que pudessem ser acessados em qualquer lugar do país e que fossem reproduzidos para as escolas e os alunos que deles precisassem. Quanta informação espacial essas crianças finalmente observariam pelo tato discriminativo, vasculhando os mapas táteis, podendo compreender com mais facilidade do que apenas com palavras a informação espacial que eles veiculam. Pensamos o quanto poderíamos auxiliar o Centro de Apoio Pedagógico Especial (CAPE) nas suas tarefas de produzir mapas táteis; naquele professor da sala de recursos e nos professores de Geografia que têm alunos invisuais em sua sala de aula e que, geralmente, não têm esse tipo de material didático disponível. Hoje conhecemos os números de crianças deficientes visuais apontados pelo censo escolar de 2006 (MEC/INEP, 2007), mostrando que as deficiências estão assim distribuídas: cegueira: total de 9.206 matrículas, sendo 5.207 (56,5%) em escolas e classes especiais e 3.999 (43,5%) em escolas regulares/classes comuns; e baixa visão: total de 60.632 matrículas, sendo 7.101 (11,7%) em escolas e classes especiais e 53.531 (88,3%) em escolas regulares/classes comuns. Além do público escolar, pensamos em outras pessoas desprovidas de visão que poderiam acessar esses mapas na internet e ampliar seu horizonte de conhecimento por intermédio de um atlas para baixa visão e para invisuais. Portanto, recomendo que os professores acessem a página virtual do laboratório mesmo que não tenham uma intenção latente em ensinar deficientes visuais. Lima (2008), assim como outros educadores, atesta que sua experiência na educação permitiu observar que uma maquete, um mapa tátil, um globo com relevo produzem um grande efeito e alcançam o objetivo da Geografia muito mais rápido. Também pensamos em desenvolver padrões de mapas táteis para orientação e mobilidade de pessoas cegas em áreas internas de edifícios públicos e nos grandes centros urbanos. Imaginamos que esses mapas ou plantas em escala muito grande poderiam trazer mais independência de 198 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais mobilidade para essas pessoas, as quais têm o direito de circular pelo ambiente urbano, escolhendo caminhos e fazendo rotas que desejarem, se souberem a priori onde estão os serviços que desejam. Conforme observa Lima (2008), nosso objetivo era levar a Geografia e a Cartografia a uma parcela da população que necessita conhecer seu espaço, não apenas como estudo ou vivência, mas como sobrevivência. Então, com esses pensamentos em foco, elaboramos um projeto inédito no Brasil, para submetê-lo a uma agência financiadora, pois continha dois objetivos básicos: a) desenvolver padrões de produtos cartográficos táteis em escala pequena para atender às necessidades do ensino de Geografia nos ensinos fundamental e médio, como forma de promover o acesso do cidadão com deficiência visual à informação espacial; e b) desenvolver padrões cartográficos táteis para a elaboração de produtos em escala grande, referente a ambientes públicos internos de grande circulação e centros urbanos. O segundo projeto, “Os mapas: como são produzidos e utilizados”, foi apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2006, com dois principais objetivos: a) criar um site para educação que mostrasse como são feitos os mapas na Cartografia, isto é, apresentar a tecnologia disponível, desde sensores remotos a bordo de satélites artificiais e em aeronaves até levantamentos terrestres, assim como a demanda por mapas nas mais diferentes atividades da sociedade contemporânea; e b) organizar e publicar um livro impresso para divulgar os resultados de pesquisas e extensão desenvolvidas na Universidade Federal de Santa Catarina sobre a Cartografia Escolar e a Cartografia Tátil. Portanto, os objetivos conduziam ao nosso público-alvo: os estudantes e os professores da educação básica, considerada os ensinos fundamental e médio. O porquê de propormos esse projeto para um organismo de fomento tem fundamento na nossa experiência de mais de 25 anos trabalhando com mapas, na produção como engenheira cartógrafa, no ensino de Cartografia na universidade como professora, no ensino formal como pesquisadora e na utilização de mapas para a gestão ambiental e territorial como consultora. Percebeu-se que esse importante instrumen- 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 199 to de comunicação, análise espacial e visualização do espaço geográfico é desconhecido pela maioria dos cidadãos. Além de uma grande parte da população, inclusive muitos professores de Geografia, não saber ler mapas, sequer faz idéia de como eles são produzidos e de sua importância nas atividades do mundo hodierno. Nas escolas, os mapas são mais decorativos do que instrumentos para o ensino da Geografia e da História, sendo raro encontrar professores que ensinem como eles são produzidos ou ensinem as crianças a produzi-los. Então, você, professor, pode estar curioso para saber por que isso acontece no nosso país. Muitas respostas nos foram dadas nas pesquisas que efetuamos com professores da rede pública de ensino. Entre elas, as que mais chamaram a atenção foram: a) falta de conhecimento de alguns conteúdos relativos à Cartografia e desconhecimento de como são feitos os mapas; b) falta de livros didáticos sobre Cartografia em uma linguagem menos científica, e poucos livros que ensinam a ensinar Cartografia para crianças; e c) falta de material didático na internet para apoiar o ensino e os conteúdos sobre mapas e Cartografia (LOCH; FUCKNER, 2005). Nos cursos que temos ministrado para os professores da rede pública na tentativa de suprir as lacunas citadas, perceberam-se outras necessidades além de cursos de reciclagem. Popularizar o mapa em sala de aula depende fundamentalmente do professor e cabe a ele ensinar o mapa e com o mapa. Então, esse projeto seria uma oportunidade de concretizar um desejo que vinha sendo acalentado nos últimos anos: criar um sítio na internet para mostrar como são feitos os mapas que pudesse servir como fonte de material didático em multimídia para apoiar professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem da Cartografia. O segundo objetivo desse projeto seria o de produzir um livro para divulgar os resultados das pesquisas em Cartografia Escolar e Cartografia Tátil que foram ou vinham sendo desenvolvidas na UFSC. Também esse objetivo tinha como meta apoiar o processo de ensino e aprendizagem de Cartografia nas escolas brasileiras, visando contribuir para o ensino do mapa tanto para crianças que enxergam quanto para aquelas que têm baixa visão ou são invisuais. 200 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A academia pesquisa, desenvolve métodos, aplica-os experimentalmente e obtém resultados que precisam ser divulgados para serem úteis à sociedade. No caso das pesquisas desenvolvidas na UFSC, assim como nas outras universidades, os meios de divulgação dos resultados obtidos têm sido em anais de congressos científicos ou em periódicos especializados. Portanto, acreditamos justificar a produção deste livro que você está lendo, por divulgar tais resultados usando uma linguagem mais adequada aos professores que não estão ligados diretamente à academia ou que não têm familiaridade com a linguagem científica. Também é preciso salientar a carência de literatura sobre Cartografia Tátil ou Mapas Táteis; existem poucas publicações no Brasil e no exterior sobre o assunto, e esse tipo de produção parece ter-se estagnado nos últimos dez anos. APRENDENDO A CRIAR MAPAS TÁTEIS COGNOSCÍVEIS A realização do projeto Mapas Táteis contou com a ajuda fundamental de pessoas com diversos graus de deficiência visual, principalmente de cegos da Fundação Catarinense de Educação Especial de Santa Catarina (FCEE) e da Associação para a Integração do Cego de Santa Catarina (ACIC). Foram eles que nos conduziram na elaboração dos mapas, dizendo o que “dava leitura”, quando se tratava de discriminar os conteúdos apresentados nos mapas. Afinal, os mapas seriam elaborados para eles os utilizarem, portanto não seria uma simples transcrição da simbologia visual para a simbologia tátil1. Além disso, estávamos desenvolvendo estudos para soluções a partir de dois métodos de reprodução de mapas táteis: um em acetato, uma espécie de plástico semitransparente; e outro em papel microcapsulado, um papel especial que reproduz em relevo as linhas negras impressas nele. Nos testes cognitivos efetuados com Dvs, percebemos que a diferenciação daquilo que está representado em um mapa como ponto ou 1 Símbolos táteis são aqueles que aparecem em um mapa como ponto, linha ou área, construídos com textura ou relevo, que são identificados e diferenciados pela discriminação tátil. 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 201 linha pode ser utilizado em até três tamanhos bem distintos - mais que isso eles apresentaram dificuldades para fazer associações ou detectar diferenças. O menor tamanho de ponto é de 0,2 cm, e o maior é em torno de 1,2 cm de diâmetro; a partir daí o ponto pode ser confundido como área. Para um DV distinguir uma feição linear (rio ou estrada), o menor tamanho é em torno de 1,3 cm; menor que isso, ela pode ser interpretada como símbolo pontual. Segundo o que se concebe como a forma de algo representado como ponto em um mapa tátil, é preciso empregarem-se as mais variadas formas para as bordas externas; deve-se ir além daquelas geométricas, como círculo, quadrado e triângulo. Verificou-se que alguns símbolos do zodíaco e letras do alfabeto grego são alternativas interpretadas pelos DVs como símbolos pontuais diferentes, por causa das variações na forma. Esses, ao serem utilizados em um mapa em conjunto com as formas geométricas, facilitam a discriminação de pontos diferentes ou mesmo aludem a diferentes áreas. Veja na Figura 1 exemplos desses símbolos que empregamos para substituir o nome dos oceanos nos mapas, e para algumas linhas imaginárias como a do equador e as dos trópicos. Figura 1 – Alguns símbolos padrão para mapas táteis em escala pequena. O mapa foi produzido automaticamente em papel microcapsulado, em folha A4. 202 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Quanto à representação de áreas, verificou-se nos testes efetuados que a forma, o tamanho e a orientação devem compor texturas diferenciadas em um mesmo mapa, para facilitar a discriminação tátil. Quanto mais diferenciados forem os padrões formados pelos pontos ou linhas que preenchem as diferentes áreas, mais facilmente eles serão reconhecidos pelo tato. Se um mapa tátil apresentar áreas muito pequenas ou estreitas, será muito difícil para um DV discriminá-las ou reconhecê-las; por isso, deve ser buscado outro meio de fazer a representação dessas áreas. Uma solução é utilizar uma letra em braile para identificá-la. Foi verificado nos testes táteis que os DVs entendem mais facilmente um mapa, ou seja, fazem a discriminação das diferentes classes (ou atributos) apresentadas em áreas, se em vez de texturas for utilizado o braile (letras ou números) para identificar cada uma delas, fazendo-se uso da legenda para decodificá-las. Compare na Figura 2 um mapa tátil elaborado com texturas e o mesmo construído somente com limites de áreas e identificador em braile. Para quem enxerga, parece ser Figura 2 – (a) Mapa tátil em acetato elaborado com variáveis táteis; e (b) o mesmo mapa apenas com linhas e identificador em braile para cada área. Os mapas originais têm formato de folha 37 cm x 48 cm. Fonte: LabTATE (2008) 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 203 mais fácil identificar variações no mapa com texturas táteis, porque elas são mais visíveis; mas, para os DVs, a segunda opção foi mais cognoscível. A determinação do layout e do texto sobre o mapa é tão importante na cartografia tátil quanto na cartografia convencional, pois um mapa deve ser compreendido a partir dos textos que ele traz no seu corpo e na legenda. A orientação geográfica (marcação da direção norte) é muito importante para o posicionamento de leitura de um mapa tátil em escala pequena, assim como a escala gráfica, que auxilia o DV a imaginar as dimensões ou extensões na realidade. Tais afirmações têm como base os diversos testes cognitivos de mapas táteis que efetuamos com DVs. A escolha dos lugares desses elementos e a importância deles em um mapa também foram apontadas pelos DVs, para então propormos um padrão. Legenda Figura 3 – Layout padrão desenvolvido no projeto Mapas Táteis Fonte: LabTATE (2008) 204 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Outro importante fator a ser considerado na concepção de mapas táteis diz respeito à quantidade de atributos ou classes que um mapa pode conter. Verificou-se nos testes táteis efetuados que, para ser entendido pelo DV, não deve haver mais de dois atributos em cada mapa temático físico se forem usadas texturas. Uma coleção de mapas seria uma solução para o problema de muitos atributos, mas constatou-se que os cegos têm dificuldades em “juntá-los” mentalmente para entender sua distribuição espacial e compor o todo em análise. Para os mapas construídos somente com linhas limítrofes de áreas e identificador em braile (decodificação na legenda), a quantidade de atributos ou classes não deve exceder a sete, exceto para o mapa político; para tanto, deve ser observado o tamanho das áreas representadas. Na Figura 3 mostramos um mapa tátil do Brasil com os tipos de climas. Cada área de ocorrência de um clima é identificada no mapa por uma letra em braile e na legenda, que pode estar na parte superior quando couber, ou então em outra folha, em que são decodificadas essas letras, mostrando o que significam. Os mapas em escala muito grande e plantas têm a função de auxiliar na orientação e na mobilidade; utilizam pouca simbologia quando se trata de mapas convencionais. No entanto, para esses tipos de mapas na versão tátil, é necessário incorporar simbologias principalmente pontuais para marcar lugares importantes para a locomoção e a orientação no espaço de interesse, sejam eles um edifício público ou um centro urbano. Veja exemplo na Figura 4. O que deveria ser representado nos mapas para a mobilidade foi definido em conjunto, trabalhando nessa definição a equipe do projeto e os cegos voluntários. Muitas experimentações foram efetuadas para chegarmos até os modelos desenvolvidos, mas acreditamos que as novas pesquisas realizadas depois disso devem conduzir a novos modelos, mais cognoscíveis ao tato discriminativo. Analisando o método adotado para a realização da pesquisa e os resultados conseguidos com esse projeto, observamos que ele responde à maioria dos questionamentos levantados pela Comissão de Acessibilidade da ABNT em 2002 (ABNT, 2008), que apresenta os pontos a seguir: 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 205 Figura 4 – Alguns símbolos padrão para mapas táteis em escala grande Fonte: LabTATE (2008) a) Para a produção de Mapas Táteis, há necessidade de se discutir sobre a seleção de materiais e de informações, como: · · · · · · · · · 206 Que tipo de mapa será produzido? Qual método de produção será adotado? Qual o objetivo do mapa? Que tipo de informação deve ser colocada? Qual a escala mais adequada? Qual a simbologia mais adequada a ser utilizada? Qual o conhecimento prévio do usuário? Quais as necessidades do usuário? O usuário com deficiência visual terá auxílio de uma pessoa vidente na leitura do mapa? Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais b) Quanto às orientações para a produção, é importante: · · · · · · · selecionar a informação; verificar o método de produção e a escala mais adequados; selecionar e limitar o número de símbolos; limitar as informações escritas, usar legenda; usar símbolos contrastantes na textura, forma, altura e cor; representar a escala e o norte; e utilizar informações gravadas e sons; c) Não há convenções internacionais para a produção de mapas táteis. Muitos pesquisadores de diversos países concordam que deva haver uma restrição em relação ao número máximo (7 ou 8) de símbolos utilizados nas representações gráficas táteis. Além do braille, é possível associar também a informação sonora. d) Em relação ao uso dos mapas tanto para cegos quanto para pessoas com baixa visão, há controvérsias. Muitos pesquisadores e produtores preparam matrizes e cópias que podem ser utilizadas por esses dois tipos de usuários, desconsiderando as especificidades de percepção de um indivíduo cego e de um indivíduo com baixa visão. Todos esses itens foram observados na nossa proposta (mesmo que, quando da realização do projeto, não soubéssemos das prerrogativas levantadas nessa reunião) e continuam sendo observados nas pesquisas e nos trabalhos que continuamos desenvolvendo no LabTATE, considerando também a questão de pessoas com baixa visão. APRENDIZAGENS NA ELABORAÇÃO DO PROJETO “OS MAPAS: COMO SÃO PRODUZIDOS E UTILIZADOS” O projeto que possibilitou também produzir este livro funcionou como uma sala de aula para os participantes, que são três alunos bolsistas e dois professores. Para os alunos tratou-se de um processo de aprendizagem do universo da produção cartográfica. Percebeu-se que, apesar de dois desses bolsistas serem geógrafos e terem estudado Cartografia na universidade, ainda não haviam conseguido sistematizar o conhecimen- 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 207 to, de forma que pudessem eles mesmos se sentir seguros quanto ao assunto. Por outro lado, havia um bolsista que tinha a formação de designer e nada conhecia de Cartografia. Foram suas palavras: “Eu não fazia idéia de como eram produzidos os mapas... nem sabia que serviam para tantas coisas”. Lembro-me que, ao sentar para explicar a idéia do que seria o site, fui estabanadamente falando da produção cartográfica, das suas mais diversas tecnologias, como se toda a equipe soubesse do que eu estava falando. Lá pelas tantas percebi pelo olhar da bolsista designer que ela não estava entendendo nada. Então lembrei que precisava ser professora primeiro, para depois poder trocar idéias com a equipe e estudar formas de disponibilizar esse conhecimento na Web para o público escolar. Confesso que também foi uma aprendizagem pessoal, pois tive que, além de sistematizar todas as etapas da produção cartográfica, criar uma linguagem visual e gráfica atrativa para adolescentes e jovens, sem perder o conteúdo. E isso foi um desafio, pois não é fácil criar edutenimentos3 com um assunto árduo como o da ciência cartográfica e da tecnologia atual para a produção de mapas. Veja na Figura 5 as nossas mascotes, o Globinho e a Rosa dos Ventos, que recriamos a partir de outro projeto desenvolvido e que integramos ao site. Elas ajudam a navegar pelas páginas e fazem observações importantes ao internauta. Nosso projeto teve que ser repensado quanto à interatividade. Estava previsto que o usuário pudesse atingir um alto grau de interação na visualização da informação e na produção de seus próprios mapas. O recurso para um bolsista da engenharia que fizesse as programações necessárias para essas interações não foi fornecido pelo CNPq. Então, do muito que havíamos pensado, ficamos com a parte possível. Isso também consideramos uma aprendizagem: trabalhar com imprevistos e não desanimar: acreditar, recriar e fazer. 3 Edutenimento é um processo pelo qual a tecnologia interativa é usada para promover a educação e o entretenimento ao mesmo tempo (TAYLOR, 1999 citado por NOGUEIRA, 2008). 208 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 5 – Mascotes do site Mapas da Cartografia Fonte: LabTATE (2008) A particularidade desse projeto consistiu em aprender a fazer a transposição de conteúdos científicos, aqueles que são ensinados na universidade, geralmente em um curso que dura cinco anos, denominado Engenharia Cartográfica, ou na Geografia, em seis disciplinas, para conteúdos entendíveis na educação básica. Segundo os nossos avaliadores – os professores que levaram o projeto, executado em um CD-ROM, para a sala de aula e submeteram-no à avaliação dos seus alunos –, atingimos o objetivo. Isso nos deixou bastante satisfeitos, mas você, professor, pode fazer a sua própria avaliação. O QUE DISPONIBILIZAMOS AO PÚBLICO NO PROJETO “MAPAS TÁTEIS” Desde o início do projeto “Mapas Táteis”, tinha-se como uma das metas disponibilizar os resultados ao público por meio de um endereço na internet, para que os mapas e outros produtos cartográficos gerados pudessem ser replicados em qualquer lugar do país. Para tanto, colocamos 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 209 no site uma seqüência de botões e de hipertextos para dar acesso aos mapas que disponibilizamos. Também é bom lembrar que a Fundação Catarinense de Educação Especial, como co-participante no projeto, recebeu uma cópia de cada protótipo desenvolvido, exceto das maquetes táteis. E mais importante ainda é que o site é acessível também aos deficientes visuais mediante o recurso de voz sintetizada. Assim, no endereço www.labtate.ufsc.br pode-se acessar a página mostrada na Figura 6. Clicando em Cartografia Tátil, encontramse os conteúdos do projeto “Mapas Táteis” (Figura 7). Na janela mostrada na Figura 7 há quatro botões-caixa superiores, que, ao serem clicados, abrem menus laterais, com assuntos relativos a cada um dos conteúdos apontados nos botões. Assim, se o usuário quiser conhecer o que são mapas táteis, clicará sobre o primeiro botão, “Mapas Táteis”, o que vai levar à janela representada pela Figura 8. Para ter acesso a cada um dos conteúdos listados, deve clicar neles. Outra possibilidade é obter os mapas que foram criados pelo projeto, para poder reproduzi-los. Para isso, é só clicar sobre o botão “Clique para BAIXAR Arquivos”. Vai aparecer outra janela, com a configuração mostrada na Figura 9. Na Figura 9, no lado esquerdo, aparecem escritos os conteúdos dos arquivos que podem ser baixados. Por exemplo, ao clicar no segundo, Mapas Táteis para o Ensino, vai aparecer no centro da janela uma listagem grande com os mapas disponíveis, como mostra a Figura 10. É só escolher pelo título o mapa que deseja e clicar nele. Para ilustrar, em “Planisfério – recomendado para 2ª e 3ª séries”, vão aparecer três mapas-múndi disponíveis em três formatos de papel, conforme mostra a Figura 11. Clicando sobre o formato desejado para o mapa-múndi escolhido, o usuário poderá visualizá-lo, imprimi-lo ou salvar o arquivo em seu computador (Figura 12). Não se deve esquecer de imprimir também a legenda do mapa. Todos os arquivos estão em formato .jpg e podem ser visualizados em qualquer programa que abra imagens. Para escolher outro mapa, é só clicar na seta do canto superior esquerdo da janela e, então, clicar em “VOLTAR À LISTAGEM DOS MAPAS”, que está logo acima dos mapas, como mostra a Figura 11. 210 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 6 – Início do site LabTATE Figura 7 – Botões para acessar os conteúdos do site 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 211 Figura 8 – Conteúdos sobre cartografia tátil, em cinza, no lado esquerdo Figura 9 – Conteúdos que podem ser baixados, escritos do lado esquerdo da janela 212 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais A receita para reproduzir os mapas está guardada no botão cinza Como se faz um Mapa Tátil, no lado direito da tela. Clique nele e veja o que aparece a janela (Figura 13). Como pode ser visto, há oito botões coloridos, que mostram a seqüência de como se pode copiar e reproduzir os mapas de duas formas diferentes. Basta clicar sobre cada um deles para saber como proceder. Para voltar aos botões, torna-se a clicar no botão “Como se faz um Mapa Tátil”. Para saber sobre os materiais a serem empregados na confecção dos mapas, deve ser acessado o “Catálogo de Símbolos e Materiais”, na listagem à esquerda (em texto cinza), mostrado na Figura 10. Clique sobre esse texto para baixar o catálogo em formato .pdf. Nesse site estão disponíveis até o momento para baixar e reproduzir: a) trinta mapas para a educação, de temas diferentes, com três tamanhos distintos de saídas e duas formas de reprodução (em plástico e papel microcapsualdo); Figura 10 – Parte da listagem dos mapas disponíveis para download 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 213 Figura 11 – Disposição dos mapas em formatos diferentes e suas legendas para escolha do usuário, antes de baixar o arquivo para impressão Figura 12 – Planisfério para ser impresso ou para salvar como arquivo .jpg 214 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais b) o Atlas Escolar para baixa visão e tátil – composto de 34 mapas, todos em plástico e papel brailex, no formato desse último papel; c) o globo tátil – desenhado em partes, de forma a cobrir um globo de 16 centímetros de diâmetro; depois de impresso em papel comum, pode ser colado em bola de isopor com essas dimensões; d) quatro mapas para a mobilidade, sendo um do terminal urbano central de Florianópolis, TICEN, um do Terminal Rodoviário Interurbano, um do Aeroporto Hercílio Luz e um do centro da cidade de Florianópolis; e) o Catálogo de Símbolos e Materiais para baixar em formato .pdf – permite que se conheçam os materiais utilizados na produção e na reprodução dos mapas e detalhes sobre a simbologia; e f) artigos científicos – permitem que o usuário conheça a produção científica dos integrantes do LabTATE, podendo salvar os arquivos em seu computador. Figura 13 – Seqüência de botões para instruir o usuário na confecção de mapas táteis 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 215 Há muito mais informações disponíveis no site para os visitantes. Há, inclusive, ferramentas para esclarecer dúvidas e fazer críticas e sugestões. O QUE DISPONIBILIZAMOS AO PÚBLICO NO PROJETO “OS MAPAS: COMO SÃO PRODUZIDOS E UTILIZADOS” Um dos objetivos do projeto “Os mapas: como são produzidos e utilizados” era a criação de um site que disponibilizasse informações sobre como se produzem mapas hoje e onde eles são utilizados, tudo isso com multimídia para os desenhos, animações e textos, que pudessem ser entendidos pelo público escolar. O resultado dessa aventura está no mesmo site do LabTATE, www.labtate.ufsc.br, e também pode ser acessado em www.cartografiaescolar.ufsc.br. Para explicar como os mapas são feitos, seria preciso encontrar uma maneira de agrupá-los segundo algumas características em comum, ou talvez segundo a escala de representação, ou ainda segundo o tema que apresentam, ou de acordo com o fim a que se destinam. Essa necessidade de agrupamento facilita o entendimento e decorre dos objetivos propostos nesse endereço eletrônico, que são explicar como são feitos e para que são utilizados os mapas nos dias de hoje. É evidente que nós professores sabemos a aplicação dos mapas. Eles fazem parte do cotidiano de todos: encontramos mapas nas escolas, nos livros de Geografia e História, nas bibliotecas, nas livrarias, nas bancas de jornais e revistas, no noticiário da televisão, nas repartições públicas, nas agências de viagens e revistas dessa categoria, em todo lugar. A Cartografia é essencial ao planejamento das obras de engenharia, no planejamento urbano e ambiental, no controle da poluição, da vida selvagem, nas operações de busca e salvamento, no controle de áreas florestais, no gerenciamento da zona costeira, na definição das reservas indígenas, constituindo-se numa componente importantíssima da segurança e da política nacional de qualquer país. 216 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Como dizem Erling e Paganelli (2008), a Cartografia [...] permite a ação fiscalizadora e tributária do Governo, a definição do Plano Diretor, a segurança jurídica das propriedades imobiliárias, o traçado das redes de esgoto, de energia elétrica, a definição dos itinerários dos ônibus, da localização dos equipamentos sociais. Bem empregada, a Cartografia constitui não somente um dado cultural e histórico, não apenas uma ferramenta indispensável ao planejamento e ao progresso, mas também um instrumento de justiça social. Certamente ninguém pensará em reforma agrária, ou em urbanização de favela, sem pensar em Cartografia. Dessa gama de usos da Cartografia, pode-se imaginar a variedade de tipos de mapas gerados para atender a tantas necessidades. Então, optou-se por mostrar como os mapas são feitos hoje segundo a tecnologia utilizada para a captura de dados do meio ambiente ou das feições da superfície. Para qualquer tipo de mapa que se precise, a tecnologia de produção atual é uma das apresentadas no site. Reservamos um tópico especial para a questão do uso dos mapas nas diferentes atividades humanas atualmente. Para tanto, foram utilizados pequenos textos, que acompanham os mapas, e vídeos de entrevistas com diferentes profissionais, que falam sobre a finalidade dos mapas nas suas atividades. Também são encontrados outros assuntos relativos à Cartografia, como noções de Cartografia, evolução da Cartografia, jogos e brincadeiras, glossário e links interessantes. Um esquema geral do que contém o site é mostrado na Figura 14. No site do LabTATE, o visitante terá duas opções de entrada: para os Mapas Táteis e para a Cartografia Escolar (Figura 15). Então é só clicar no botão “Cartografia Escolar” que aparecerá uma nova página com a configuração mostrada na Figura 16. O internauta entrará na página inicial do projeto “Como são feitos os mapas” e poderá mergulhar em um conteúdo fantástico, preparado em multimídia para fornecer muitas informações ao público escolar. 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 217 Para demonstrar o grau de interatividade existente nesses conteúdos, apresentamos um exemplo de escolha do usuário. Assim que um usuário se deparar com o mapa esquemático que abre a página inicial, observará diversos conteúdos registrados em placas informativas ao longo de caminhos; estas estão assim dispostas porque guardam nossa intenção de mostrar um caminho para a aprendizagem autônoma do internauta (vide o mapa da página inicial na Figura 16). As mascotes Glo- Figura 14 – Esquema geral da página do projeto “Os mapas: como são construídos e utilizados” binho e Rosa dos Ventos, que denominamos de Rosinha aparecem para incentivar e, algumas vezes, guiar o internauta pelo conteúdo do sítio. Se o usuário decidir escolher, por exemplo, a placa “Mapeamento Hoje”, que está à direita, na parte de cima do mapa, vai ter novas opções à sua disposição. O Globinho e Rosinha ajudarão a fazer as escolhas. Clicando na opção “Imagem de Satélite”, o usuário vai ter acesso a muitas informações, conforme mostra a Figura 17. Pode querer conhecer o que é o sensoriamento remoto, então terá acesso a conteúdos escritos no quadro básico; poderá ver um videoclip (que tem duração de 3 minutos aproximadamente) sobre esse assunto acessando o “Assista a animação” 218 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 15 – Página inicial do site www.labtate.ufsc.br Figura 16 – Mapa esquemático figurativo com as placas de conteúdos do site para a escolha do usuário 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 219 mostrado pelo Globinho; pode querer conhecer mais, aprofundando o assunto, ao clicar na lupa “Saiba mais”, e pode imprimir um conteúdo apresentado. O internauta poderá navegar livremente no site, contudo no início de cada conteúdo principal vão parecer o Globinho e a Rosinha introduzindo o assunto e incentivando o usuário a buscar mais conteúdos. As personagens ajudam, mas, se o usuário quiser pode escolher no menu localizado na parte inferior da página, outra forma de navegar pelos mesmos conteúdos. O internauta poderá navegar livremente no site, contudo no início de cada conteúdo principal vão parecer o Globinho e a Rosinha introduzindo o assunto e incentivando o usuário a buscar mais conteúdos. As personagens ajudam, mas se o usuário quiser pode escolher no menu localizado na parte inferior da página outra forma de navegar pelos mesmos conteúdos. É preciso dizer que os mapas, na sua maioria, são gerados mediante processos padronizados do tipo “receita de bolo”. Por exemplo, para a produção de mapas a partir de fotografias aéreas, uma figura que representa um filme (Figura 18) mostra a seqüência dos procedimentos desse tipo de produção cartográfica. Então, para entender o processo, é preciso vencer todas as etapas mostradas no filme, clicando em cada uma delas. Existem também janelas automáticas temporárias, que aparecem quando o internauta passa o mouse sobre palavras técnicas desconhecidas; sua função é dizer o significado dessas palavras. Outro endereço para a cartografia escolar é www.cartografiaescolar.ufsc.br. O internauta entrará na mesma página acessada através do site doLabTATE, como mostra a Figura 16. Estando na página de cartografia escolar, ele pode, se quiser, acessar a página do LabTATE, clicando na marca do laboratório, que aparece na parte de cima da página. Conforme já mencionado, no site do LabTATE, o internauta poderá acessar tanto os mapas táteis como o projeto “Como os mapas são feitos” e poderá ir e vir de uma página para outra só clicando nos botões com os respectivos nomes. 220 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 17 – Aspecto da página sobre sensoriamento remoto Figura 18 – Passos seqüenciais para conhecer a produção de mapas a partir de aerofotos 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 221 CONSIDERAÇÕES FINAIS Começamos este capítulo falando de ousar, de acreditar e de realizar. Descrevemos a trajetória de determinado período de nosso trabalho, que partiu de um desejo de contribuir para a educação no nosso país. Não temos a ilusão de que isso que estamos fazendo seja unanimidade quanto à importância que poderá ter para a formação de crianças, no entanto temos a certeza de que muitos comungam de nossas idéias. Seguimos acreditando que, quando podemos, devemos fazer, e que muitos fazendo podem colaborar para uma alfabetização cartográfica e para o uso dos mapas na sala de aula e fora dela. Nosso trabalho, veiculado aqui e na internet, não pretende apresentar ou defender ideologias. Não cremos ser pertinente discutir nosso ponto de vista sobre os mapas e a Cartografia como o fazem, com muita propriedade, os autores do livro “A Aventura Cartográfica”, organizado por Seemann (2006), ou “Cartografia Escolar”, organizado por Almeida (2007). Estamos disponibilizando um serviço e produtos cartográficos especiais, serviço e produtos estes que, almejamos, sejam úteis aos professores e alunos para compreender o processo cartográfico científico do mundo hodierno. O domínio das técnicas e da tecnologia para a produção cartográfica propiciou tal contribuição para a disseminação desse conhecimento para o público escolar. Tentamos fazer de maneira simples, mas sem perder o rigor científico necessário. Esse “simples” foi bem difícil de realizar, fato que corrobora o ditado “Nem sempre o mais simples é o mais fácil”. Não temos encontrado em nenhum endereço eletrônico conteúdos de Cartografia que apareçam sistematizados de forma a serem entendidos por esse público. Tampouco temos visto em livros impressos ou outros sites uma sistematização do conhecimento abrangendo todas as geotecnologias disponíveis para a produção de mapas. Quando encontramos, geralmente são tópicos de uma ou outra geotecnologia, da história da Cartografia, ou atlas geográficos, quase todos aprofundados nos assuntos e, na sua maioria, com uma linguagem muito científica, muito além daquela que um público escolar pode compreender. 222 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais No que diz respeito aos mapas táteis, conforme observado por Lima (2008) ao comentar o site do LabTATE, não queremos apenas oportunizar a alfabetização cartográfica; queremos levar Cartografia e Geografia para uma parcela da população que necessita conhecer seu espaço, não apenas como estudo ou vivência, mas como sobrevivência. Por outro lado, desconhecemos um endereço eletrônico que disponibilize mapas para a educação e outros produtos cartográficos táteis que possam ser reproduzidos pelo usuário e, ao mesmo tempo, que esse endereço seja acessível para deficientes visuais. Existem alguns endereços interessantes nessa área, mas os mapas dispostos neles são específicos para algumas cidades de um país. Dessa forma, consideramos que nosso trabalho deve servir a muitos, especialmente a partir dos sites www.labtate.ufsc.br e www.cartografiaescolar.ufsc.br. REFERÊNCIAS ABNT. Ata da 3ª Reunião da Comissão de Acessibilidade da ABNT. Disponível em: <http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi& parametro=384>. Acesso em: 29 jul. 2008 ALMEIDA, Luciana, C. de; LOCH, Ruth E. Nogueira. Mapa tátil: passaporte para a inclusão social. Extensio, Florianópolis, v. 2, 2005. Disponível em: <http://www.extensio.ufsc.br/20052/ Direitos_Humanos_CFH_147.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2008. ALMEIDA, Rosângela, D. de (Org.). Cartografia escolar. São Paulo: Contexto, 2007. 224 p. ERLING, Nei; PAGANELLI, Tomoko I. Concurso Cartografia para Crianças. Sociedade Brasileira de Cartografia, Geodésia, Fotogrametria e Sensoriamento Remoto. Texto recebido em 07/08/08 via correspondência eletrônica. 5. Trajetórias e realizações possíveis: recursos didáticos para ensinar cartografia escolar e tátil 223 LabTATE. Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar. Acervo de mapas e figuras criados nos projetos desenvolvidos no LabTATE. Florianópolis, UFSC, 2008. LIMA, Fabrício de. Por uma geografia além da visão. Disponível em: <http://portaberta.net/educar/>. Acesso em: 22 jul. 2008. LOCH, Ruth E. Nogueira; FUKNER, Marcus A. Panorama do ensino de cartografia em Santa Catarina: os saberes e as dificuldades dos professores de Geografia. Geosul, Florianópolis, v. 20, n. 40, p. 105-128, 2005. MEC/INEP. Censo escolar: sinopse estatística da educação básica – 2006. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007. NOGUEIRA, Ruth E. Cartografia: representação, comunicação e visualização de dados espaciais. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008. v. 1. 313 p. SEEMANN, Jörn (Org.). A aventura cartográfica: perspectivas, pesquisas e reflexões sobre a cartografia humana. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2006. 224 p. 224 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 6 A importância do desenho para crianças cegas Maria Lúcia Batezat Duarte “A vantagem é recíproca, pois os homens, enquanto ensinam, aprendem.” (Sêneca) A inda que aborde o desenho infantil, este texto não se refere à arte ou à capacidade expressiva e criativa na produção gráfica. A importância do desenho, nesse caso, refere-se ao conhecimento de mundo que ele pode proporcionar a quem desenha e a quem vê, pensa e se comunica por meio de desenhos. Considera-se o desenhar um recurso cognitivo, mental, compreendendo-se que ao desenho corresponde uma imagem mental visual que nos permite pensar e que nos apresenta os objetos do mundo de modo plano e bidimensional. As crianças que nascem cegas ou ficam cegas muito precocemente não podem pensar o mundo por meio de imagens visuais. O desafio que este texto enfrenta é considerar o desenho um recurso capaz de minimizar a ausência de visão. 6. A importância do desenho para crianças cegas 225 Na primeira parte do texto são apresentados alguns aspectos fundamentais do desenho infantil. Na segunda parte, busca-se justificar e incentivar o ensino do desenho às crianças cegas apresentando um caso vivenciado. DESENHO E INFÂNCIA Pais, cuidadores e professores atentos admiram o visível esforço dos bebês ao imitar gestos e ações dos mais velhos. Imitando, o bebê aprende os primeiros sons e as primeiras palavras; quer sentar-se, ficar em pé, aprende a andar. Mais tarde, quer grafar o nome dos objetos conhecidos e começa a traçar uma estranha escritura iconográfica que nós denominamos desenho1. O desenho infantil é resultado, como a fala, de um processo imitativo. Figura 1 – Bruna, 2a2m 1 Todas as fotografias e todos os desenhos apresentados aqui fazem parte dos arquivos do LabDIA, Laboratório de Pesquisa em Desenho Infantil e Adolescente, por mim coordenado no CEART/UDESC 226 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Como o balbucio na fala, os primeiros traços de desenho são descontrolados. São realizadas muitas tentativas até que a criança passe a controlar o seu gesto e possa integrar uma vontade (uma intenção) e uma conquista, isto é, possa dirigir o traço que realiza no papel para que ele adquira o tamanho, a direção e a forma desejados. Apenas em torno dos 36 meses de vida a criança é capaz de executar graficamente as primeiras figuras. Como na fala, os primeiros nomes pronunciados e “escritos” pelo desenho são, não raro, “bebê” (nenê), mamãe, papai ou, como realizou Thaís, “Dindo” (padrinho). Com poucos recursos gráficos a criança apresenta os objetos do seu cotidiano. Figura 2 – Thaís, 2a10m, “É o Dindo!” George-Henri Luquet (1910, 1913, 1969), um pioneiro a observar a criança desenhando e a escrever uma teoria sobre o desenho infantil, já diferenciava, em 1910, três momentos distintos no transcurso dessa experiência infantil. Dizia, então, que em um primeiro momento a criança traça linhas no papel por imitação à escrita e depois, em um segundo momento, passa a estabelecer analogias visuais entre as linhas grafadas e determinados objetos. O desenho é, assim, uma descoberta que reúne um 6. A importância do desenho para crianças cegas 227 exercício motor – o gesto de traçar linhas – e um exercício visual de reconhecimento e assemelhamento entre formas e figuras (analogia). Segundo Luquet, apenas no terceiro momento do processo de aquisição da capacidade de grafar figuras o desenhar parece mesmo definido. Nesta etapa a criança se esforça para estabelecer semelhanças entre o seu desenho e um objeto qualquer do seu cotidiano. No exemplo apresentado acima, cabeça e pernas foram suficientes para que Thaís encontrasse feliz uma imagem do seu “Dindo”. O desenho que satisfaz a criança não é o desenho ambicionado pelos adultos. Não é um desenho que imita com precisão os objetos e artefatos da vida humana. A criança se satisfaz com um desenho que apresente suficientemente o objeto representado. Luquet denominou “realismo lógico” ou “realismo intelectual” esse modo infantil, específico, utilizado para representar os objetos experimentados. Figura 3 – Bia, 3a6m, Coelho 228 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Figura 4 – Bia, 3a6m, Cão Figura 5 – Bia, 3a6m, Urso Ainda segundo esse autor, o desenho infantil é realista, porque a criança desenha os objetos que fazem parte da sua “experiência de vida”, isto é, aqueles objetos que adquiriram para ela algum significado e que, de fato, fazem parte do seu cotidiano. Bia, com 3 anos e 6 meses, foi ao circo e ficou impressionada com o urso. Depois ela desenhou o urso que vira e também outros animais que conhecia. Na atualidade importa agregar ao cotidiano das crianças todas as imagens visuais que lhes são oferecidas pelos diversos meios de comunicação: a televisão, os vídeos, a internet e aqueles mais tradicionais, como os livros de histórias ilustrados ou as histórias em quadrinhos. Na primeira infância personagens reais ou fictícios podem, igualmente, integrar o mundo fantasioso da experiência “real” da criança. Uma vez que o meio no qual a criança se desenvolve ofereça-lhe oportunidades e materiais de desenhos, ela vai adotar a produção gráfica como uma das suas brincadeiras prediletas. Crianças cuja família é 6. A importância do desenho para crianças cegas 229 usuária de computador são capazes, antes mesmo de serem alfabetizadas, de usar as ferramentas desse equipamento para realizar os seus desenhos. Figura 6 e 7 – Anny, 5a4m, desenhando no computador e o seu desenho. Por meio do desenho a criança configura os objetos do mundo e passa também a identificá-los, diferenciá-los, compará-los e classificálos. Ao desenhar o seu “urso”, Bia salientou a capacidade desse animal de manter o seu corpo ereto sobre as duas patas (como os humanos), em uma atitude de ataque ou receptividade. Quando desenhou um “cão”, Bia ressaltou o seu rabo; e no “coelho”, ressaltou as longas orelhas. Em todos os desenhos ela evidenciou características físicas dos animais que, provavelmente, poderiam auxiliá-la em novas identificações sempre que estivesse diante de outros animais do mesmo tipo. Minha história com Felipe exemplifica esse processo. Estávamos sentados em um bar do aeroporto esperando o nosso vôo, e Felipe preenchia um álbum com figuras de animais. Estava muito atento à tarefa, considerando-se os seus 5 anos de idade. De repente ele levantou a sua cabeça e, encarando-me, perguntou: – Como eu sei qual é o pato e qual é o cisne? Sem refletir, respondi rápido: – O cisne tem o pescoço comprido. Felipe pareceu ter aprovado a resposta, porque imediatamente as figuras do pato e do cisne foram coladas no seu devido lugar. 230 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais “Cisnes têm o pescoço comprido” deve ter sido a primeira explicação que eu mesma recebi há muitos anos, quando, como ele, começava a diferenciar e classificar os objetos do mundo. Atualmente, neurólogos e psicólogos denominam “sobreapreendido” esse conhecimento primeiro, realizado na infância e utilizado para sempre como base para novas liações (BIDEAUD et al., 2004; HOUDÉ, 2005). Outras informações, como aquela que eu dera a Felipe, povoaram rapidamente a minha mente: pássaros têm asas e voam; a girafa é muito alta; o leão ruge; o boi muge... Penso que até hoje pais, tios, primos, babás não avaliam muito bem a importância, o valor e a permanência que essas primeiras e simples explicações diferenciadoras têm na nossa vida. Frio/quente, alto/baixo, grande/pequeno, perto/longe, liso/ rugoso são algumas das qualificações utilizadas para agrupar e/ou diferenciar os objetos em infinitos jogos e exercícios utilizados nas salas de aula de educação infantil. Mecanismos cognitivos de classificação a partir de semelhanças e diferenças formais, altamente utilizados na infância, permanecem ativos ao longo da vida. Classificações são recursos mentais de facilitação e organização dos processos de conceituação e pensamento. Compreende-se, então, que o desenho, na infância, é um forte recurso cognitivo de reconhecimento, classificação e identificação dos objetos do mundo. Dessa forma, eles foram certamente propriedades formais (possuem asas, pés com membranas natatórias, corpo coberto de penas, corpo maior do que o corpo de um pássaro) e propriedades funcionais (nadam, voam) que fizeram Felipe aproximar e assemelhar pato e cisne. Mas foi uma propriedade formal, o pescoço comprido, que permitiu a diferenciação. Os desenhos infantis são simples e neutros, capazes de representar toda uma categoria de objetos ou várias categorias de objetos, necessitando de apenas pequenos acréscimos identificatórios, como o pescoço do cisne de Felipe. Esses desenhos – e o primeiro conjunto de palavras que as crianças aprendem – passam a compor as referências de mundo por meio das quais elas interagem e passam a fazer parte da sociedade e sua cultura. São elementos de memória e pensamento que compõem, no 6. A importância do desenho para crianças cegas 231 âmbito cerebral, o nível cognitivo de base, isto é, os dados que, pelo resto da nossa vida, vão nos auxiliar a distinguir rapidamente, por exemplo, uma mosca de um elefante (DARRAS, 1996, 1998, 2003; RICHARD, 2004; ROSCH, 1978). Nesse processo algumas categorias de objetos vão sendo aprendidas, entre elas, por exemplo, passarinho, casa, pessoa, árvore, nuvem, sol, pato, gato e flor. Como as crianças cegas compreendem o que é uma árvore? O que é uma árvore para uma criança cega? DESENHO E INVISUALIDADE Muito freqüentemente crianças que nascem cegas ou ficam cegas nos primeiros anos de vida têm a cegueira como único fator de diferença e deficiência. Nós aprendemos a ver a pessoa cega como aquela que tem dificuldades para andar e se locomover sozinha. Não raro, desconhecemos outros impedimentos que a não-visualidade acarreta, tão habituados que estamos a viver em um mundo que conceituamos a partir de referências visuais. Mesmo as palavras da nossa língua ganham significado quando relacionadas à visualidade. Qualificamos o mundo em que vivemos a partir de observações visuais. Dizemos belo/feio, alto/baixo, grande/pequeno, limpo/sujo, azul/roxo, largo/estreito, longe/perto... Todos esses são conceitos apoiados na aparência das coisas e, portanto, na visualidade. O cego não pode prever uma distância com um “golpe de vista” antes de percorrer o caminho. Não pode saber a dimensão de uma mesa na qual seja convidado para sentar e almoçar sem que um tempo transcorra e outros recursos lhe permitam saber quantas são as pessoas assentadas, o provável tamanho da mesa e da reunião comensal (DUARTE, 2004). Como as demais crianças, a criança cega aprende por imitação. Quando conheci Manuella, então com 8 anos, ela já apresentava uma excelente verbalização. Apreciava contar histórias, descrever passeios, participar verbalmente das nossas brincadeiras, mas tinha 232 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais dificuldades para corresponder ao meu abraço, porque jamais havia visto pessoas se abraçando. Em pesquisa anterior eu já detectara os esquemas gráficos (desenhos simples e neutros) mais utilizados pelas crianças. São desenhos extremamente repetidos, tanto por uma só criança, em seus vários desenhos, como por todas as crianças que desenham (DUARTE, 1995). Esse fato levou-me a compreender que a utilização desses esquemas envolvia uma intenção bem diferente daquela presumida pela prática criativa do artista. A repetição dos esquemas gráficos estava embasada em outra função e em outra intenção. O objetivo ali era (e é) simplesmente comunicar: apresentar um objeto, descrever uma cena, narrar uma história. O esquema gráfico é quase uma palavra, um nome, a identificação desenhada de um objeto. Não é arte, nem poesia. É apenas o substituto mais simples e direto, um substituto visual para a visualidade do próprio objeto. O desenho infantil adquire, assim, uma função comunicativa para além da função cognitiva já indicada. No amplo campo da comunicação visual o desenho, ou “design”, tem múltipas funções. Envolve a produção de pictogramas para a identificação de lugares (como banheiros masculinos e femininos), a identificação de conteúdos nas embalagens de venda de produtos (como tipos de biscoitos), as especificidades de uso de cada ambiente (como a proibição de estacionar veículos), mapas e diagramas indicativos de espaços e circulações, etc. Saber ler essas mensagens visuais é uma exigência e condição de vida para os sujeitos na cultura. Ensinar desenho para Manuella, uma criança cega desde o nascimento, revelava-se, então, uma tarefa plena de objetivos. Por meio de maquetes tridimensionais foram apresentados a Manuella aqueles objetos cuja grande dimensão impedia que ela os percebesse como totalidade por meio do tato: casa e árvore, por exemplo. Juntas nós decidíamos, por meio de questões que envolviam raciocínio prático, qual a fachada, o objeto, que seria escolhida para a representação plana, bidimensional. 6. A importância do desenho para crianças cegas 233 Ao mesmo tempo, uma longa seqüência de exercícios foi sendo realizada, a fim de viabilizar o traçado das figuras: o desenho de linhas mais longas e mais curtas em várias direções; seqüências de movimentos ondulados e sinuosos; linhas traçadas ao som de ritmos e cantigas infantis. Com esses exercícios era trabalhado o controle do gesto necessário ao desenho (e à escrita). Simultaneamente, as figuras descobertas tatilmente nas maquetes tridimensionais recebiam uma versão bidimensional, mas ainda com espessura suficiente para serem percebidas tatilmente. Após, a figura conhecida por meio de maquetes tridimensionais e bidimensionais era apresentada em sua versão linear, por meio de um desenho realizado com linhas de contorno em relevo. Nesse momento, Manuella recebia para percepção tátil o desenho “já desenhado” que todas as crianças standards dispõem visualmente como modelo. Ela deveria imitar o desenho e ser acompanhada, ensinada, nessa imitação, como as demais crianças. Abaixo, um exemplo da seqüência de aprendizagem. Percepção t át il das linhas de cont orno Percepção dos quat ro lados da casa. A fachada com o o lado que se desenha A parede: um quadrado O t elhado: um t riângulo ( linha que sobe e desce) A port a: um ret ângulo ( apoiado sobre a linha de base do quadrado) Percepção t át il das linhas de cont orno Os lados e os cant os ( ângulos) das figuras geom ét ricas: quadrado, t riângulo e ret ângulo Posicionam ent o das form as: parede, t elhado e port a Percepção t át il da form a int eira sob a m ão Percepção t át il das linhas de cont orno O dedo acom panhando o t raj et o const ruído pela linha Percepção t át il da form a int eira sob a m ão Figura 8 – Esquema metodológico Como Hatwell (2003) alerta, o trabalho com a percepção tátil e sua memorização é bem mais difícil e demorado do que o trabalho usual com a visualidade. Ao longo do tempo foi possível perceber que eu estava 234 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais realizando quase dois processos de ensino/aprendizagem paralelos. No primeiro, por meio da percepção tátil, Manuella conhecia os objetos em versões simplificadas, esquemáticas, facilitadoras em relação ao tipo de percepção utilizada. Nesse processo, e por meio de etapas, evoluindo da configuração tridimensional à configuração bidimensional, Manuella estava adquirindo uma concepção de desenho que requeria a planificação do objeto e a sua tradução em linhas de contorno. Mas, no segundo processo, no qual o desenho linear deveria ser realizado e repetido, percebi que, para além da memória tátil da configuração do desenho, parecia atuar com ênfase a memória motora de uma seqüência gráfica necessária. Essa percepção teve origem em algumas pistas importantes: a) a manutenção de uma mesma seqüência de traçado da figura era essencial. Se, por engano, ao iniciar o traçado, havia alguma alteração na condução do exercício, esse fato acarretava claramente um desconserto e, não raro, um impedimento à conclusão da tarefa; e b) Manuella demonstrava prazer e atenção quando, com a sua mão sobre a minha mão, podia perceber a ação de desenhar, isto é, o movimento motor seqüencial que realizava o desenho. Figura 9 – Alguns desenhos de Manuella aproximados aos esquemas gráficos geradores Após aprender a reconhecer e a desenhar esquemas gráficos básicos como casa, sol, árvore, flor, nuvem, cadeira e cão, Manuella foi apresentada ao conceito de paisagem e espacialidade por meio dos mesmos recursos de experiência física e percepção tátil de maquetes. Além disso, ela passou a autonomamente inferir outras formas e a elaborar, sem o meu auxílio, representações gráficas de objetos presentes 6. A importância do desenho para crianças cegas 235 no seu cotidiano. Esse fato demonstrava que, no processo de repetição e aprendizagem, Manuella adquirira uma concepção de desenho e estava ganhando autonomia para realizar as suas próprias experiências (DUARTE; KLUG, 2004). Nos desenhos apresentados e comentados a seguir, Manuella enfrentou o desafio de desenhar a partir de uma palavra pronunciada por mim. As palavras foram selecionadas a partir de uma oposição concebida Figura 10 – Alguns desenhos criados por Manuella no percurso de aprendizagem gráfica (sua mão na máquina de raios X, uma máquina Braille, uma bengala) de modo simplista entre “concreto” e “abstrato”. Para essa experimentação considerei uma palavra “concreta” quando nomeava um objeto real passível de experimentação tátil; e “abstrata”, quando nomeava um sentimento, uma ação, uma percepção, isto é, construções verbais que não correspondem a uma existência visual ou tátil. A seqüência de desenhos tinha como objetivos: a) verificar se, após a aprendizagem do desenho de esquemas gráficos táteis bidimensionais, algumas memórias dos objetos desenhados se organizavam e persistiam como auxiliares nos processos cognitivos de significação e compreensão dos objetos do mundo físico, presentes no espaço relacional, mas nunca antes desenhados; e b) verificar se os desenhos aprendidos eram utilizados como recursos mentais e gráficos na construção de cenas e demais configurações gráficas bidimensionais que evidenciassem o significado atribuído a esta ou aquela palavra ouvida. 236 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Na grande maioria dos desenhos, Manuella representou-se como personagem central. Esse dado parece indicar que, em razão da sua incapacidade visual, a sua primeira referência de espaço é o seu próprio corpo como presença física, perceptível por meio de outras modalidades sensoriais que não a visual. As construções espaciais realizadas podem demonstrar que Manuella tem uma concepção de espaço, apesar de jamais ter experienciado visualmente as relações de proximidade e distância entre os objetos. Para representar a palavra “água” (Figura 11), ela posicionou corretamente o chuveiro sobre a sua cabeça ao desenharse tomando uma ducha. Igualmente, sob o estímulo da palavra “sono” (Figura 12), ela separou adequadamente a sua cama (à esquerda, possivelmente à frente) da cama dos pais (à direita, possivelmente atrás). Durante a realização dos desenhos, no final do ano de 2006, foi possível observar que Manuella demonstrava grande empenho e excitação. Ela desenhava rapidamente, sem muita atenção aos detalhes, como se a rapidez fosse condição necessária ao registro integral de uma ima- Figura 11 – Água (concreta) Figura 12 – Sono (abstrata/sensação física) gem mental fugaz. A análise dos desenhos e das narrativas posteriores realizadas pela menina permite ainda reconhecer que toda a palavra ouvida foi transformada em uma cena real, um registro de acontecimentos vivenciados por Manuella em tempo anterior e próximo. A aprendizagem do desenho lhe propiciaria a formação de um repertório de imagens mentais de cunho “visual” e gráfico? Essas imagens funcionariam como auxiliares na compreensão e significação das suas experiências de vida? 6. A importância do desenho para crianças cegas 237 Destaco a seguir alguns desenhos, entre o conjunto obtido, a fim de analisar aspectos compreendidos como relevantes. 1) O registro gráfico da audição como uma importante modalidade sensorial A palavra que originou esse desenho foi “Meg”. Meg é nome da cadelinha de Manuella, à qual ela é muito afeiçoada. Após desenhar, Manuella disse que a cena desenhada de fato ocorrera e que ela havia passado por um susto enorme. Ela percebera que Meg estava no parapeito da janela, no quarto andar do seu apartamento, e poderia cair. Figura 13 – Manuella, 12a, dez. 2006, Meg Manuella desenha a si mesma com orelhas (os dois pontos negros laterais na cabeça, um registrado internamente e o outro na lateral direita externa à face). Esse detalhe torna evidente que a modalidade sensorial auditiva de Manuella estava altamente ativada durante a vivência da cena. Orelhas não são elementos formais utilizados nos esquemas gráficos infantis para representar figuras humanas, por isso não haviam sido convocadas quando esse esquema foi ensinado. As partes componentes do corpo humano foram insistentemente reconhecidas tatilmente tanto no corpo de Manuella quanto no meu corpo durante o processo de ensino/aprendizagem, mas a decisão de agregar orelhas ao desenho foi 238 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais devida, acredito, à percepção da forte convocação da modalidade auditiva experienciada por Manuella naquele momento de susto e medo. 2) A difícil compreensão de termos verbais qualificativos de origem visual Nesse desenho Manuella apresenta uma cena após ouvir a palavra “bonito” como proposta para o ato de desenhar. A ilustração gráfica remete a uma cena na qual a palavra foi pronunciada por outra pessoa (sua mãe) significando “algo” de competência visual, que, portanto, ela desconhece. Manuella soube relacionar “bonito” com uma Figura 14 – Manuella, 12a, dez. 2006, Bonito fotografia recebida pela sua mãe (à direita, no desenho). Ela ouviu a sua mãe dizer que a fotografia era “bonita”, mas não foi capaz de representar pelo desenho um significado pessoal para essa palavra. “Bonito” era uma palavra sem sentido, sem uma concepção própria para Manuella. Essa percepção fez com que eu trabalhasse com ela o sentido da palavra “bonito” em nossa língua portuguesa, em nossa cultura. Imitei vários tipos de vozes, repetindo sempre a mesma frase verbal, e solicitei que ela me dissesse qual, entre as vozes, lhe parecia mais sonora, mais agradável e “bonita”. Falei dos cânones de beleza visual, demonstrei tatilmente no seu próprio rosto as relações (canônicas) de harmonia entre 6. A importância do desenho para crianças cegas 239 as partes que nos faziam identificar “beleza”. (Depois dessa nossa conversa, Manuella esteve um longo período tecendo, verbalmente, elogios à sua própria “beleza”!) Esse desenho foi, portanto, recurso para a compreensão de uma dificuldade de significação resultante da impossibilidade visual. 3) Uma palavra “abstrata” de significado pleno e valioso O desafio que ofereci a Manuella foi representar, desenhando, a palavra “esperança”. Ela desenhou a si mesma no centro da folha de papel, e sobre a sua mão direita (à esquerda no desenho) configurou as suas apostilas impressas em braile e, também, a máquina de digitar em braile. Disse-me, logo após desenhar, que a sua “esperança” era poder ver e, então, desfazer-se de todo material necessário às pessoas cegas. Figura 15 – Manuella, 12a, dez. 2006, Esperança Manuella evidenciou uma compreensão exata da palavra “esperança” e ali, na projeção de um tempo futuro, imprevisível e abstrato, depositou o seu maior desejo, revelado pelo desenho. Nesse desenho, como em tantos outros, Manuella figura-se ao centro da cena gráfica. Eu atribuo essa presença do “eu” em cena à escuridão que circunda as pessoas cegas. Para elas, a única presença física percebida constantemente é o seu próprio corpo elástico, sensível, vivo. O resto é escuridão preenchida apenas por sons, ou formas fugazmente tateáveis. 240 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 4) Um proto-espaço A palavra “caminhão” provocou um desenho de uma cena memorizada: Manuella aguardava na porta de casa (à direita no desenho apresentado abaixo), enquanto a sua tia buscava um material recémadquirido em um caminhão. Surpreendentemente, Manuella desenhou o caminhão do modo como o desenham as crianças videntes em fases gráficas iniciais. Estudiosos do desenho infantil denominam esse modo de representação do objeto pelo desenho “rebatimento” (das rodas) ou “ponto de vista aéreo” (a carroceria do caminhão vista de cima). Essas duas “definições” aplicam-se a soluções engendradas por crianças standards, uma vez que remetem à visualidade. Trata-se aqui, simplesmente, de uma solução conceitual. Manuella sabe conceitualmente que um caminhão possui quadro rodas, como um automóvel, para poder rodar nas ruas. Ela sabe, também, que um caminhão é maior, mais comprido, do que um carro e carrega mais objetos. Interessa-me evidenciar, especialmente nesse desenho, o fato de Manuella ter desenhado primeiro a si mesma e depois ter envolvido o esquema gráfico de si nessa figura retangular inconclusa que representa a porta. Trata-se, como no desenho dos personagens na cama em “Sono” (Figura 12), de uma compreensão rudimentar de espaço (estar dentro, estar “entre”). Entretanto, a dificuldade na compreensão e na representação do espaço torna-se clara nos desenhos da “Cidade” e do “Sítio”. Figura 16 – Manuella, Caminhão 6. A importância do desenho para crianças cegas 241 Foram evidentes o desinteresse e o desconforto de Manuella ao tentar desenhar uma cidade. Ela realizou o desenho em segundos: fechou um espaço com linhas configurando um quadrado e indicou rapidamente casas (à direita, no alto), praça (à esquerda, no alto) e escola. O desenho parece traduzir uma compreensão limitada pelo verbal, que denuncia a ausência da experiência visual. Cidade é, na concepção de Manuella, um espaço fechado (pela linha que configura um quadrado) onde existem casas, praças e escolas. Para desenhar um sítio, Manuella elaborou uma casa e uma montanha (na parte superior do desenho), conforme os esquemas gráficos aprendidos em nossos encontros semanais. Indicou a porteira do Figura 17 – Manuella, Cidade Figura 18 – Manuella, Sítio sítio com um traçado idêntico àquele aprendido para representar “porta”. Com uma forma triangular disse demonstrar as cercas do sítio. O pequeno retângulo, dentro da porteira e sob o triângulo-cerca, representa um ônibus (Manuella havia realizado um passeio a um sítio com seus colegas de escola). Com a idade de Manuella, as crianças videntes já adotam para desenhar o “ponto de vista único”, isto é, constroem o espaço de representação gráfica a partir de um observador, que vêem na frente de si mesmas, em ângulo máximo de 180º. Essa experiência de “pontos de vista”, da “direção do olhar”, é construtora da noção de espacialidade. A ausência de percepção espacial dificulta profundamente a locomoção 242 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais autônoma das pessoas cegas de nascimento. Essa dificuldade é muitas vezes superada por aqueles que preservam, especialmente na perda de visão progressiva, um percentual mínimo (5%) de percepção visual. 5) Desenho e cognição Em agosto de 2007, quando retomamos nossos encontros, Manuella havia mudado de residência. Seus pais e ela estavam morando em um apartamento maior. Manuella estava feliz com a sua casa nova. Ela perguntou-me de improviso: – Como é [o desenho de] um prédio de apartamentos? Respondi: – Primeiro eu quero que você me mostre como você imagina que seja... Então, Manuella realizou o primeiro desenho, à esquerda. Percebi que ela registrara graficamente a idéia de uma pluralidade de casas, apesar da sua dificuldade em construir mentalmente uma imagem vertical dessa pluralidade. Expliquei, então, que os prédios de apartamento possuem escadas ou elevadores porque as “casas” ficam umas sobre as outras. Com um jogo de cubos, mostrei tatilmente a posição sobreposta, verticalmente, de várias casas (cubos). Então, Figura 19 – Manuella, ago. 2007, Prédio 1 Figura 20 – Manuella, ago. 2007, Prédio 2, após aprendizagem Manuella fez o segundo desenho, vertical, sobrepondo “casas” como havíamos sobreposto os cubos. Depois, ela foi completando com porta e janelas, de acordo com a seqüência da nossa conversa sobre a fachada dos prédios de apartamentos. No final perguntei-lhe por que ela havia 6. A importância do desenho para crianças cegas 243 pedido para desenhar um prédio de apartamentos. A resposta foi rápida: – Porque desenhando eu posso conhecer! CONSIDERAÇÕES FINAIS Para conhecer as razões e o modo como crianças e adultos, videntes ou não-videntes, desenham, é necessário conhecer as origens, as histórias do ato de desenhar. Durante algumas décadas o princípio da “criatividade” foi, especialmente nos países do Novo Mundo (entre os anos 50 e 80 do século XX), considerado condição para uma atribuição de valor às produções gráficas ou pictóricas dos sujeitos. Nesse período, por exemplo, raramente as fontes de imagem dos desenhos infantis foram investigadas. Hoje já se reconhecem nos processos de cópia (de revistas, de desenhos de familiares e/ou de crianças mais velhas) as principais fontes desses desenhos. Como os cegos aprendem a desenhar? Com os dados já obtidos posso construir algumas hipóteses. 1. Para desenhar é necessário obter um conceito de desenho, isto é, compreender a possibilidade de transformar as bordas de superfície dos objetos do mundo físico, percebidas visual ou tatilmente, em linhas de contorno gráfico. Figura 21 – Manuella desenhando, 2008. 244 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais 2. As crianças videntes começam a realizar experiências gráficas espontaneamente, por imitação da escrita dos adultos. Após um período de rabiscos (garatujas) aleatórios, elas passam a controlar o movimento motor integrado de mão, dedos e braço, e a dirigir o seu traçado, descobrindo, por analogia morfológica, as primeiras representações gráficas. Quando a criança descobre a sua possibilidade de representação dos objetos do mundo pelo desenho e apresenta essa conquista aos pais ou professores, ela passa a ser auxiliada nessa tarefa. Pais, professores, irmãos mais velhos, coleguinhas já iniciados passam a indicar soluções e a construir exemplos gráficos que facilitem o desenhar do pequeno iniciante. 3. Crianças não videntes, como Manuella, embora desenhem rabiscos, não começam “naturalmente” a representar pelo desenho os objetos do mundo. Elas não podem construir sozinhas uma concepção de desenho porque não podem ver. Elas não podem imitar o ato de escrever ou desenhar dos pais e de crianças mais velhas. Elas poderão iniciar “natural” e “espontaneamente” os seus desenhos se alguma concepção de desenho for adquirida em situações como: a) aulas de geometria nas quais o desenho de sólidos geométricos seja realizado com linhas em relevo e desde que as relações entre as formas geométricas e os objetos do mundo sejam verbalmente explicitadas; e b) brincadeiras com familiares ou colegas em que o ato de desenhar seja compartilhado com a criança cega (ou adulto cego) por meio de desenhos realizados em linha de relevo tátil ou, no mínimo, que essa criança entre em contato com representações bidimensionais de objetos grafadas em linhas com relevo, como, por exemplo, ilustrações de personagens e objetos em livros de historinhas infantis. Nas duas situações hipotéticas, atribuo, como um a priori ao desenhar de crianças cegas, uma situação de aprendizagem do código linear do desenho, o qual, na ausência da visualidade, não pode ser apreendido como experiência visual, isto é, como um “golpe de vista”. Deverá, sim, ser aprendido como uma seqüência tátil perceptiva na qual a possibilidade de tatear o objeto em sua tridimensionalidade deve encontrar paralelismo com a necessária simplificação e esquematismo do desenho bidimensional em linha com relevo tátil. 6. A importância do desenho para crianças cegas 245 REFERÊNCIAS BIDEAUD, Jacqueline ; HOUDÉ, Olivier ; PEDINIELLI, J.-L. L'homme en développement. Paris: PUF, 2004. DARRAS, Bernard. Au commencement était l'image: du dessin de l'enfant à la communication de l'adulte. Paris: ESF, 1996. DARRAS, B. L'image un vue de l' esprit: étude comparée de la pensée figurative et de la pensée visuelle. Recherches en Communication, n. 9, p. 77-99, 1998. DARRAS, B. 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Paris: PUF, 2004 246 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais LUQUET, Georges-Henri. Sur les debuts du dessin enfantin. Texto apresentado no Congrès International d'Education Familiale, documentado e impresso pela Biblioteca Nacional da França – BNF, 1910. LUQUET, Georges-Henri. Les dessins d'un enfant. Paris: Félix Alcan, 1913. LUQUET, Georges-Henri. O desenho infantil. Tradução de Maria Teresa Gonçalves de Azevedo. Porto: Minho, 1969. RICHARD, Jean-François. Les activités mentales: de l'interprétation de l'information à l'action. Paris: Armand Colin, 2004. ROSCH, E. Principles of categorization. In: ROSCH, E.; LLOYD, B. (Ed.). Categorization and cognition. New Jersey: Hillsdale, 1978. p. 27- 47. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA DAMÁSIO, António. O mistério da consciência. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. DARRAS, B.; DUARTE, M. L. B. Regards aveugles, mains Voyantes. Reliance – Revue des situations de handicap, de l'education et des sociétés, Lyon, France: Éditions Éres, n. 25, p. 54-63, set. 2007. GUÉRIN, Fanny; SKA, Bernardette; BELLEVILLE, Sylvie. Cognitive processing of drawing abilities. Brain and Cognition, n. 40, p. 464-478, 1999. KENNEDY, John M. What can we learn about pictures from the blind? Blind people unfamiliar with pictures can draw in a universally recognizable outline style. American Cientist, US, v. 71, p. 19-26, Jan./Feb. 1983. 6. A importância do desenho para crianças cegas 247 ROCHA, Armando F. O cérebro: um breve relato de sua função. Jundiaí: EINA, 1999. SACKS, Oliver. Um antropólogo em marte: sete histórias paradoxais. 8. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. VYGOTSKY, Lev S. La imaginacion y el arte en la infancia. Madri: Akal, 1982. WALLON, Henri; LURÇAT, Liliane. El dibujo del personaje por el niño. Buenos Aires: Proteo, 1968. 248 Motivações hodiernas para ensinar Geografia: Representações do espaço para visuais e invisuais Sobre os Autores RUTH EMILIA NOGUEIRA (organizadora) Graduada em Engenharia Cartográfica pela UFPR, mestre em Geografia pela UFSC e doutora em Ciências Florestais pela UFPR. É Professora Associada I no Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora do Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE). Atua na Graduação e na Pós-Graduação em Geografia, nas linhas de pesquisa Geografia em Processos Educativos e Análise Ambiental. Também é professora no curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFSC. É vice-presidente da Comissão de Cartografia Escolar da Sociedade Brasileira de Cartografia, Geodésia, Fotogrametria e Sensoriamento Remoto. Contato: ruthenogueira@gmail.com ROSEMY DA SILVA NASCIMENTO Graduada em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) pela UFF-RJ, mestre em Cadastro Técnico Multifinalitário - Engenharia Civil e doutora em Gestão Ambiental - Engenharia de Produção e Sistemas pela UFSC. Atua profissionalmente como Professora Adjunto III do Departamento de Geociências da UFSC na Graduação e Pós-Graduação em Geografia e no LabTATE. É diretora de Produção Científica do Instituto Larus - Pesquisa, Proteção e Educação Ambiental. Contato: rosemys.nascimento@gmail.com MARIA LÚCIA BATEZAT DUARTE Possui graduação (Licenciatura) em Artes Plásticas pela UFRGS, mestrado em Ciências da Comunicação pela USP. É doutora em Artes pela ECA/USP, pós-doutorado pela Université Paris 1, Panthéon-Sorbonne. É Professora Adjunta da Universidade do Estado de Santa Catarina atuando em Ensino de Arte na Graduação e Pós-Graduação. É membro do Sobre os autores 249 Centre de Recherche Images, Cultures e Cognition (CRICC) junto à Université Paris 1, Panthéon-Sorbonne, líder do Grupo de Pesquisa Imagem, Arte e Desenho na Escola (GIADE, UDESC) e responsável pelo Laboratório de Pesquisa em Desenho Infantil e Adolescente (LabDIA, CEART, UDESC). Contato: malubatezat@uol.com.br KÊNYA NAOE DE OLIVEIRA Graduada em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) e mestre em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territoral Engenharia Civil pela UFSC. Desenvolveu a monografia de conclusão de curso e a dissertação de mestrado sob orientação da Prof.ª Ruth E. Nogueira. É doutoranda na pós-graduação em Geografia da UFSC e atua como professora de Geografia no ensino fundamental, no Colégio São José, em Itajaí, SC. Contato: kenyanaoe@gmail.com SIMONE BALLMANN DE CAMPOS É professora do ensino fundamental desde 1990. Possui graduação em Pedagogia pela UFSC, especialização em Psicopedagogia na UNISUL e mestrado em Educação e Cultura na UDESC. Atualmente atua como Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental e Coordenadora e Professora do Instituto Catarinense de Pós-Graduação (ICPG) em Florianópolis, SC. Contato: siballmann@yahoo.com.br LUCIANA CRISTINA DE ALMEIDA Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC e também em Geografia (Bacharelado) na UFSC. Mestre em Geografia pela UFSC. Foi bolsista do projeto Mapas Táteis no LabTATE. Desenvolveu a monografia de conclusão de curso e a dissertação de mestrado sob orientação da Prof.ª Ruth E. Nogueira. Contato: lualmeida4@gmail.com. MARCUS ANDRE FUCKNER Tem Licenciatura e Bacharelado em Geografia na UFSC e participou de projetos ligados à Cartografia Escolar e ao Ensino da Geografia sob a orientação da Prof.ª Ruth E. Nogueira. Lecionou na rede pública estadual de ensino e no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina. Mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de 250 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais Pesquisas Espaciais – INPE. Atualmente é Analista Intelectual do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, órgão da Casa Civil da Presidência da República, que atua na sistematização de informações e monitoramento ambiental da região amazônica. Contato: ysnaica@hotmail.com GEISA GOLIN É graduada em Design pela UFSC, especialização em Outdoor Design pelo Politecnico di Milano – Itália e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil - Cadastro Técnico Multifinalitário, UFSC. Foi bolsista do projeto Mapas Táteis no LabTATE. Desenvolve sua dissertação de mestrado sob a orientação da Prof.ª Ruth E. Nogueira, com enfoque em Design Universal e Acessibilidade à Web para Deficientes Visuais e Baixa Visão. Contato: geisagolin@gmail.com ANA PAULA NUNES CHAVES Graduada em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) e mestranda em Geografia pela UFSC. Foi bolsista do projeto Mapas Táteis no LabTATE. Desenvolve sua dissertação de mestrado sob a orientação da Prof.ª Ruth E. Nogueira. Hoje atua como professora do ensino fundamental. Contato: apgeografia@yahoo.com.br MAGNUN SOUZA VOGES Graduado em Geografia (Bacharelado e Licenciatura) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC na linha de pesquisa Geografia em Processos Educativos. Foi bolsista de iniciação científica participando de projetos ligados à Cartografia Escolar e ao Ensino da Geografia sob orientação da Prof.ª Ruth E. Nogueira. Atualmente, é professor do ensino fundamental da rede pública e privada na Grande Florianópolis. Contato: magnunvoges@gmail.com RAPHAELA DESIDERIO Licenciada em Geografia pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Foi bolsista de extensão universitária desenvolvendo projetos na área de ensino de geografia na rede pública de ensino. É mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC, na linha de pesquisa Geografia em Processos Educativos. Contato: raphaeladesiderio@yahoo.com.br Sobre os autores 251 SARAH ANDRADE É graduada em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (Bacharelado e Licenciatura). Foi bolsista do projeto Mapas Táteis no LabTATE. Atualmente atua como professora do ensino fundamental. Contato: santinhasarah@yahoo.com.br ROBERTA ALTHOFF SUMAR É graduada em Geografia (Licenciatura) pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, especialização em Gestão e Metodologia do Ensino Interdisciplinar pela Faculdade Dom Bosco/UNIESC (2008). Atualmente é professora de Geografia pela rede municipal e estadual na Grande Florianópolis, SC. Contato: roberta_sumar@yahoo.com.br FELIPE MENDES SILVA Tem formação de Técnico em Meteorologia e está cursando a última fase do Curso de Geografia na Universidade Federal de Santa Catarina. Foi bolsista de projeto de extensão no LabTATE. Contato: felipe2608@gmail.com GABRIELA ALEXANDRE CUSTÓDIO É graduanda do Curso de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina e atualmente bolsista do LabTATE. Contato: gabialexandre27@gmail.com GABRIEL MUNIZ DE ARAÚJO LIMA É graduando no Curso de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi bolsista do projeto Mapas Táteis no LabTATE. Contato: gabis_lima@hotmail.com LEONILDO LEPRE FILHO Tem Bacharelado em Turismo e Desenvolvimento Regional pela Universidade Internacional de Curitiba – UNINTER. Bolsista do projeto de extensão Maquetes Geográficas sob a coordenação da Prof.ª Rosemy da S. Nascimento. Estagiário do Projeto Mapas Táteis no tema Maquetes Geográficas Temáticas Táteis para Deficientes Visuais. Contato: nidolepre@hotmail.com 252 Motivações Hodiernas para ensinar Geografia Representações do espaço para visuais e invisuais