Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017
A Função Mediadora das Hashtags na dinâmica transmídia da Cerimônia de
Abertura das Olimpíadas 20161
Luciana Andrade Gomes BICALHO2
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG
Resumo
Os megaeventos esportivos têm sido marcados pela presença de hashtags, que são
largamente utilizadas nas coberturas midiáticas, dentro e fora das redes sociais online.
Nesse contexto, é possível notar um forte cruzamento entre as hashtags comerciais e
políticas, gerando novas camadas de significação, principalmente na interface com os
protestos de rua. Por essa razão, entendemos as hashtags como processos sígnicos que
cumprem uma função mediadora. A partir da semiótica de Peirce, vamos investigar
como as hashtags mediaram a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2016, entrelaçando
os ambientes online e offline. Os resultados apontam para uma dinâmica transmídia
ancorada no uso social de hashtags pela associação de novos signos à semiose, gerando
hábitos de ação provisórios a partir da experiência colateral.
Palavras-chave: Hashtags; Mediação; Semiose; Experiência Colateral, Transmídia.
Introdução: atravessamentos políticos
As hashtags foram fundamentais na repercussão das Olimpíadas 2016 nas redes sociais
online, especialmente no Twitter, sendo a plataforma mais utilizada durante o período.
Entre os dias cinco e 21 de agosto, foram publicados 187 milhões de tweets
relacionados ao tema, com 75 bilhões de visualizações, conforme relatório emitido pela
próprio Twitter no encerramento do evento3. A hashtag #rio2016 foi a mais
compartilhada na plataforma durante todo o ano, ocupando o primeiro lugar nos
Trending Topics4 do Brasil e do mundo5. De acordo com os dados, isso resultou no
evento olímpico que mais utilizou o Twitter até hoje, ultrapassando as expectativas dos
realizadores.
1
Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação do XVII Encontro dos Grupos de Pesquisa em
Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Bolsista CAPES /PROEX.. E-mail: lucianadrade@gmail.com.
3
Informação disponível em: <http://adnews.com.br/internet/twitter-divulga-dados-de-repercussao-dos-jogosrio2016.html>. Acesso em 10/12/2016.
4
Sistema que oferece visibilidade às hashtags e termos mais comentados durante um curto período de tempo.
5
Informação disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noticias/2016/12/06/rio2016-e-ahashtag-mais-comentada-no-twitter.html>. Acesso em 10/12/2016.
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Durante o evento também houve um forte incentivo comercial para o uso das
hashtags oficiais, ocasionando disputas entre as marcas para alcançar visibilidade no
Twitter. O Comitê Olímpico dos Estados Unidos (USOC) chegou a proibir o uso das
hashtags #rio2016 e #TeamUSA por marcas que não eram patrocinadoras do Comitê
Internacional6, por considerá-las propriedade intelectual. O acesso só seria liberado para
os veículos de comunicação tradicionais. Entretanto, as duas hashtags ganharam novos
significados pela dinâmica de compartilhamento da rede. Elas foram fortemente
vinculadas a outras hashtags, alterando a rota traçada inicialmente pelos patrocinadores.
Esse mosaico de associações abarcou também questões sociopolíticas, visto que
o pano de fundo das Olímpiadas era o processo de impeachment da presidente Dilma
Rousseff. Por ser palco de um megaevento esportivo mundial, o Brasil esteve no centro
das discussões midiáticas, o que ocasionou na visibilidade dos problemas sociais,
políticos e econômicos do país. Desde o começo de abril, quando ocorreu a primeira
votação do processo de destituição da presidente na Câmara dos Deputados, a imprensa
nacional e internacional especulou a influência da instabilidade política na realização
das Olimpíadas7. Isso se deve, fundamentalmente, às manifestações e protestos
recorrentes durante o período.
A reverberação desses movimentos nas redes sociais online começou a fazer
parte da agenda brasileira em 2013, durante as Jornadas de Junho em prol dos
problemas de mobilidade urbana dos estudantes e contra a corrupção. As manifestações
ganharam outros recortes a partir de 2014 e culminaram no pedido de impeachment em
2016. Durante esse processo, houve uma polarização política entre dois grupos
distintos: um a favor e o outro contra a destituição da presidente. Para dialogar e mostrar
seu posicionamento nas redes sociais online e nos protestos de rua, os usuários criaram
e compartilharam várias hashtags que marcaram o cenário político brasileiro. As
principais foram #foradilma, para expressar apoio ao recurso do impeachment, e
#naovaitergolpe, criada para denunciar o impeachment como um golpe contra a
democracia. Nos dias 11 e 12 de maio, aconteceu a votação no Senado que acatou o
protocolo de abertura do impeachment. A presidente foi afastada e o vice-presidente
Michel Temer assumiu o posto de forma interina até o julgamento final em agosto,
6
Informação disponível em: <https://www.theguardian.com/sport/2016/jul/22/us-olympic-committee-bullyingunofficial-sponsors-hashtags>. Acesso em 10/12/2016.
7
Informação disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/brazilian-protesters-censored-atolympics/2016/08/07/c8dfc014-5cca-11e6-84c1-6d27287896b5_story.html?utm_term=.5e82fa4fe489>. Acesso em
10/12/2016.
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quando se tornou oficialmente presidente pela concretização do impeachment. Isso
gerou grande revolta e intensificou os protestos entre aqueles que eram contra o
processo.
Poucos meses antes de dar início aos jogos olímpicos, o presidente interino
Michel Temer encontrou resistência e dificuldades para governar. Nas redes sociais
online, principalmente no Twitter, a hashtag #foratemer foi largamente utilizada. Esse
cenário gerou reflexos na mediação das Olimpíadas. Na cerimônia de abertura, que
aconteceu no dia cinco de agosto no estádio do Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro,
as hashtags #foratemer e #foraTemerRio2016 foram acionadas para demonstrar a
insatisfação com o governo e gerar visibilidade pela interseção com a temática do
evento esportivo, sendo muitas vezes vinculadas às hashtags #cerimoniadeabertura e
#rio2016, conforme veremos ao longo deste trabalho. Além de serem compartilhadas no
Twitter, também foram usadas em outras plataformas, como Facebook e Instagram, e
ocuparam lugar de destaque em cartazes expostos fora e dentro do estádio, mesmo com
a proibição do governo.
Apesar de terem sido criadas com o propósito de agrupamento e monitoramento
de conteúdos na internet – tendo o Twitter como plataforma principal -, as hashtags se
tornaram fundamentais para a demarcação de posicionamentos comuns dentro e fora do
ambiente digital. Isso significa que sua função extrapola a condição física do rastro para
se tornar um agente importante na produção de sentido. Com base nisso, entendemos as
hashtags como processos sígnicos que cumprem uma função mediadora. Nas redes
sociais online, elas vinculam inicialmente pela ação sociotécnica do seu rastro indicial.
Porém, pela repetição e comportamento intermídia8, - visto a conexão com outras
plataformas e redes -, ela assume também uma função normativa que indica a
construção de um pensamento. O mesmo acontece quando são usadas em camisetas e
cartazes nos protestos de rua. Elas se transformam em signos que buscam a
determinação e representação de um objeto. Assim, o que passa a operar é um processo
de semiose complexo e com infinitas possibilidades (PEIRCE, 2003).
No caso das Olimpíadas, o agrupamento de hashtags ressignifica tanto o evento
esportivo quanto o próprio contexto sociopolítico por meio do uso social e da
intervenção coletiva. E esse compartilhamento gera uma dinâmica reticular e
8
A dinâmica intermídia é resultado dos processos de intertextualidade entre diferentes gêneros e formatos midiáticos.
Isso significa que são interações midiáticas de natureza sincrônica e diacrônica, que podem resultar em experiências
estéticas diferenciadas. (MÜLLER, 2010).
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transmídia, que dissipa a fronteira entre os ambientes online e offline. Assim, as
hashtags deixam de operar apenas pela lógica do banco de dados e passam a vigorar na
construção de sentido. São histórias que se complementam em cada ambiente e que
possuem a hashtag como fio condutor. Por meio da experiência colateral, cria-se uma
rede de significados móveis.
Dessa forma, buscamos compreender como a mediação de hashtags operou na
construção da dinâmica transmídia da cerimônia de abertura das Olimpíadas, sendo um
processo comunicacional que se desenvolveu, particularmente no recorte apresentado,
na convergência entre entretenimento e política. Para isso, vamos nos ancorar no
suporte teórico-metodológico da semiótica de Charles Sanders Peirce (1983, 2003),
trabalhando os conceitos de mediação, semiose e experiência colateral para
compreender a aplicabilidade dos princípios da dinâmica transmídia propostos por
Henry Jenkins (2009).
A partir do site de monitoramento Hashtagify.me9, acompanhamos a progressão
das hashtags #cerimoniadeabertura, #rio2016 e #foraTemerRio2016, na noite de
abertura do evento, das 20h às 23h50. Com a ferramenta conseguimos identificar as
principais hashtags relacionadas e o grau de intensidade entre elas. Também
monitoramos os Trending Topics do Twitter e fizemos uma coleta manual no Facebook
no mesmo período.
A função mediadora das hashtags nas Olimpíadas
Segundo Bruns e Burgess (2015), o uso do Twitter para coordenar a discussão política e
social tem crescido muito nos últimos anos, principalmente nos processos eleitorais, nos
movimentos ativistas e nos eventos culturais, esportivos e televisivos. Nesse sentido, as
hashtags sempre tiveram o papel central de organizar essas questões dentro da
plataforma, atuando em contextos que vão desde a discussão geral sobre um tema até
discussões que acontecem no âmbito local, estadual e nacional. Elas podem surgir como
reflexo de um movimento bem planejado, sendo criada para um evento específico como
#rio2016, mas também pode nascer da espontaneidade das conversações em rede, como
#foraTemerRio2016. Para os autores, o mais importante é que as hashtags não são
estáticas, visto que o uso social muitas vezes altera o seu sentido, fazendo conexão com
outras hashtags e plataformas.
9
Ferramenta de uso online que oferece recursos para observar a rede de hashtags acionada por proximidade e ver
quais são os principais influenciadores no compartilhamento das hashtags.
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Neste trabalho, entendemos essa capacidade de conexão das hashtags como uma
função mediadora, capaz de conectar uma instância de significação a outra pela
vinculação sociotécnica e pelo uso social fora dos ambientes midiáticos (ALZAMORA,
ANDRADE, 2016). No primeiro caso, observamos que as hashtags deixaram de
permear apenas as conversações no Twitter, mas passaram a figurar também no
Facebook, Instagram, Youtube, blog e outras plataformas digitais, mesmo sem o papel
de agregar conteúdo em alguns casos. Para Bruns e Burgess (2015) esse é o resultado do
aprimoramento do uso comunicacional das hashtags, que hoje se encontram no cerne
das discussões sociais e políticas. Isso configura um comportamento intermídia que
influencia na construção de sentido das hashtags.
Já no segundo caso, a apropriação de hashtags pelos protestos de rua mostra o
aprimoramento da comunicação pela construção de ideias e pensamentos. Fora de sua
usabilidade como ferramenta de monitoramento por indexação de conteúdo, elas passam
a vigorar em cartazes, camisetas e materiais impressos como símbolos de um
posicionamento comum (ALZAMORA, ANDRADE, 2016). Isso cria uma dinâmica
transmídia, como veremos mais adiante, pois a hashtag perpassa por várias plataformas
e ambientes para a construção de novas semioses.
Dessa forma, uma hashtag pode ser vista como um signo capaz de representar um
posicionamento, criando uma interface entre as dinâmicas online dos ambientes
programáveis e as dinâmicas offline das ruas. Isso porque, para Peirce (2003), um signo
é, de certo modo, aquilo que representa algo para alguém, compreendendo a semiose
como um processo de interpretação ad infinitum, pois o significado de um signo é
sempre outro signo, e assim por diante. Portanto, podemos afirmar que o processo de
semiose é também um processo de mediação (PEIRCE, 1983), visto que um signo
sempre produz um efeito em uma mente, de natureza humana ou não, com intuito de
representar o objeto que o determinou.
Essa relação acontece por meio do engendramento lógico que existe entre o signo
(representâmen), o objeto e o interpretante (PEIRCE, 2003). Como um signo só
consegue revelar parcialmente o objeto pela representação, ele depende da experiência
colateral para formar novos interpretantes. Nesse caso, experiência colateral diz respeito
à familiaridade com o objeto, associando novos signos à semiose (COLAPIETRO,
2011). Isso acontece por aproximações sígnicas, como no caso das vinculações entre
hashtags que formam uma rede em constante expansão. Entendemos que sua atuação
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raramente acontece de forma isolada, temporal ou espacialmente, promovendo uma
forte conexão com outras hashtags. Esse processo garante a manutenção da referência
ao objeto sem comprometer a capacidade criativa da semiose. Por isso, para Colapietro
(2011), signo é um lugar que uma partícula ocupa apenas em um lapso de tempo.
Assim, quando concebemos as hashtags como signos, percebemos que elas se
relacionam com os objetos que as determinam em domínios distintos e provisórios de
representação. Na categoria de primeiridade, o signo se apresenta como um ícone em
relação ao objeto, remetendo a uma mera qualidade (sentimento), que não pode ser
apreendida ou descrita. Já em nível de secundidade, o signo é um índice que deixa um
rastro que aponta diretamente para o seu objeto. Por último, em nível de terceiridade,
percebemos que o signo opera pela força de uma lei, de uma convenção, tornando-se um
símbolo pela repetição indicial (PEIRCE, 2003). É a terceiridade que vai proporcionar a
mediação entre a primeiridade e a secundidade, estabelecendo um propósito para a ação.
Isso mostra que uma categoria prescinde da outra, formando o conceito de mediação de
Peirce, que está empiricamente atrelado à sua noção de signo.
Por meio da ferramenta Hashtagify.me, conseguimos rastrear as conexões dessas
e entre essas hashtags, mostrando quais outras foram acionadas por elas ao logo do
tempo. O que diferencia o processo de semiose é o grau de proximidade entre elas,
marcadas na ferramenta pela linha que relaciona umas às outras. Quanto mais próxima
da hashtag analisada, mais recente é a associação. Quanto mais grossa a linha, maior a
intensidade da ligação no contexto da conectividade. Porém, o único rastro que
conseguimos apreender dessas temporalidades distintas é a formação dos novos
interpretantes (novos signos), materializados na forma de hashtags relacionadas. Por
meio da associação de ideias, podemos perceber a não linearidade das hashtags e seu
potencial mediador.
No caso da hashtag #rio2016, por ser um signo oficial do evento e utilizado em
escala mundial, a formação de sua semiose é diversificada (FIG.1), principalmente pela
presença de hashtags em línguas diferentes, mas predominantemente relacionada às
hashtags e termos olímpicos. Pelo fato da análise ter sido realizada na noite da
cerimonia
de
abertura,
percebemos
uma
forte
conexão
com
a
hashtag
#openingceremony, manifestada por meio da linha encurtada e mais grossa que as
outras. Isso demonstra que a vinculação foi recente e bem significativa. Outra conexão
próxima é com a hashtag #teamUSA, pois ambas foram requisitadas pelo Comitê
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Olímpico dos Estados Unidos para serem utilizadas com exclusividade pelos
patrocinadores do Comitê Internacional.
FIGURA 1 - Relações estabelecidas pela hashtag #rio2016 no Twitter.
FONTE - print screen da análise realizada pela ferramenta Hashtagify.me.
Entretanto, quando olhamos para a semiose da hashtag #cerimoniadeabertura
(FIG.2), limitada ao âmbito nacional por estar na língua portuguesa, ela já apresenta
relações com as hashtags políticas #foraTemerRio2016, #foratemer e #eugritomoro10.
Porém, no horário do monitoramento, ela também demonstrava forte vinculação à
hashtag #openingceremony. Por outro lado, apesar de estabelecer uma conexão mais
distante, pela linha fina, a hashtag #somostodosolimpicos11 surgiu como um novo signo
na semiose. Ela foi muito propagada e utilizada pela cobertura midiática da Rede Globo,
conectando o conteúdo dos programas televisivos às discussões nas redes sociais online.
Porém, trata-se de um signo oposto às hashtags de protesto, visto que os manifestantes
contra o governo do presidente Michel Temer recorrentemente nomeiam a emissora
como “golpista”, inclusive utilizando muitas vezes a hashtag #globogolpista. Isso
10
Este trabalho não vai contemplar a análise da hashtag #eugritomoro, porém sua contextualização é fundamental
para o entendimento da semiose gerada. Trata-se de uma referência ao Juiz Sérgio Moro, que foi convocado para
assumir a operação Lava-Jato.
11
Ver explicação da hashtag em: http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2016/08/play-nos-jogosolimpiada-de-graca-no-globoesportecom-e-no-globo-play.html. Acesso em 20/08/2016.
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demonstra que os novos interpretantes são fruto de uma experiência colateral mais
heterogênea, que encontrou caminhos variados para a significação.
FIGURA 2 - Relações estabelecidas pela hashtag #cerimoniadeabertura no Twitter.
FONTE - print screen da análise realizada pela ferramenta Hashtagify.me.
Para Peirce (1983), isso acontece porque a experiência colateral induz a um
processo autocorretivo da ação sígnica, ou seja, da semiose. E essa autocorreção
pressupõe transmissão, atualização e tradução por associação sígnica. Segundo
Colapietro (2004), esse processo de significação não tem rotas pré-fixadas, mas
trajetórias emergentes e alteráveis, definidas pelos movimentos dos viajantes
(intérpretes). Por essa razão, não podemos entender o processo de semiose apenas pelo
viés da determinação, pressupondo um caminho imutavelmente apontado, como muitos
formalistas enxergam a teoria de Peirce, mas a partir de trajetórias fluidas, que podem
encontrar bifurcações, resultando em um grande labirinto.
Já a semiose da hashtag #foraTemerRio2016 (FIG. 3) é mais homogênea e
direcionada, o que significa que a experiência colateral encontrou maior familiaridade
com o objeto. Por um lado, ela faz conexão com as hashtags do evento: #rio2016,
#cerimoniadeabertura e #openingceremony, mostrando uma forte intenção em ser
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propagada durante a noite de abertura. Por outro lado, ela aparece como um
desdobramento da hashtag #foratemer, vinculando outras hashtags com o mesmo
posicionamento, porém com menor visibilidade: #stopcoupinBrazil, #outTemer,
#foraTemerOlimpico. Podemos notar que se trata de uma semiose mais enxuta, com
poucas associações na formação de novos interpretantes. Porém, suas ligações são mais
intensas quando observamos a espessura das linhas encontradas.
FIGURA 3 - Relações estabelecidas pela hashtag #foraTemerRio2016 no Twitter.
FONTE - print screen da análise realizada pela ferramenta Hashtagify.me.
3. Semiose e os princípios da dinâmica transmídia
A partir dessa análise entendemos que o potencial de mediação das hashtags
também delineia uma dinâmica transmídia por meio da experiência colateral. Existe um
propósito dinâmico de ação que se forma pelo processo de associação sígnica entre as
hashtags. Cada linha exibida nas redes de semiose representa um novo signo, ou seja,
um novo interpretante na construção de sentido da hashtag estudada. Esses novos
interpretantes podem ser vistos como desdobramentos provisórios da narrativa das
Olimpíadas. São ramificações que complementam o significado da semiose, mas que
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também constroem narrativas paralelas. Dessa forma, para Alzamora e Gambarato
(2014) apontam que a dimensão criativa oferecida pela experiência colateral denota
vitalidade para a narrativa. É justamente o domínio de representação do signo que leva à
incompletude produtiva do interpretante, visto que nunca conseguimos obter o
significado primário do objeto. Como a semiose nunca se fecha e não chegamos ao
interpretante final, tomamos esta incompletude como um parâmetro conceitual para
compreender a forma como o consumo de mídia regula hábitos e modela a dinâmica
transmídia nos processos de associação sígnica. (ALZAMORA; GAMBARATO, 2014).
Isso porque, na visão de Jenkins (2012), cada texto que se desenrola nos
ambientes midiáticos precisa contribuir de maneira distinta e valiosa para o todo. Não se
trata de um processo de adaptação que acontece em múltiplas plataformas, mas de uma
criação complementar que integre a comunicação em vários ambientes por mediações
sobrepostas. Entretanto, como pontua Jenkins (2012), é importante que cada texto
também ganhe sentido isoladamente. A narrativa transmídia é a soma de textos
independentes que referenciam uma narrativa determinante, mas que também constroem
significados de forma isolada. Assim, segundo Alzamora e Gambarato (2014), a
dinâmica transmídia pode ser tomada como uma ramificação pragmática da semiose na
mídia, uma perspectiva que explica a incompletude do interpretante na conformação de
hábitos provisórios de ação.
Isso é visível no caso das hashtags analisadas neste trabalho, visto que elas
conectam instâncias de significações distintas e trilham caminhos narrativos de forma
seriada e hipertextual. Quando olhamos, de maneira geral, para todas as semioses (FIGs.
1, 2 e 3), notamos uma convergência entre as hashtags. Assim, podemos identificar a
criação de um propósito comunicativo referente à cerimônia de abertura das
Olimpíadas. Porém, quando especificamos as trajetórias criadas pelas hashtags,
individualmente, percebemos outras conversações que atravessam o tema central. Ao
mesmo tempo, observamos que essas hashtags são também utilizadas em outros
ambientes, tanto online quanto offline. Essa movimentação entre representação e
determinação, abarcando plataformas e linguagens distintas, configura o que estamos
chamando de dinâmica transmídia.
Para determinar a potencialidade desse tipo de narrativa, Jenkins (2009)
descreve alguns princípios da dinâmica transmídia. O primeiro diz respeito à expansão
versus profundidade da narrativa. Segundo o autor, muitas vezes a narrativa com grande
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capacidade de expansão e adesão não garante um forte engajamento social em longo
prazo. Por outro lado, a profundidade pode gerar uma baixa audiência, mas absorve
mais tempo e energia do público envolvido. Os dois casos podem acontecer em uma
dinâmica transmídia, visto que a decisão é um processo único do usuário (intérprete).
Se pensarmos no universo das hashtags, nem sempre aquelas que chegam aos
Trending Topics do Twitter perduram no compartilhamento ao longo do tempo. Muitas
vezes, elas são criadas na efemeridade, sem abarcar um processo mais profundo de
discussão ou apenas cumprindo o domínio indicial que leva à repetição para dar
visibilidade a uma discussão geral. É o caso da hashtag #foraTemerRio2016, que foi
criada como um desdobramento semântico da hashtag #foratemer para atravessar e
alcançar visibilidade no evento. Na cerimônia de abertura, ela atingiu os Trending
Topics e se manteve no ranking até o final da noite, porém deixou de ser usada
progressivamente ao longo do evento. O ponto máximo de compartilhamento aconteceu
durante a fala de Michel Temer na cerimônia, por volta das 23h30, contando com 4.842
tweets. A mesma lógica foi aplicada na criação da hashtag #cerimoniadeabertura, usada
para descrever um curto período de tempo, mas que gerou picos de audiência na noite.
Por outro lado, algumas hashtags tornam-se símbolos narrativos, como é o caso, por
exemplo, das hashtags #rio2016 e #foratemer, que perduraram durante todo o contexto
das Olimpíadas. Assim, como a narrativa é fruto do uso social da hashtag, a expansão e
profundidade são essenciais para a sobrevida da semiose.
O segundo princípio é de continuidade versus multiplicidade. Jenkins (2009)
critica a ideia de uma narrativa que busca a continuidade desenvolvida em vários textos,
pois isso poderia limitar o consumo criativo da audiência. O ideal seria focar na
multiplicidade, abarcando todo o potencial de desenvolvimento do público. Como as
hashtags nasceram no âmbito da multiplicidade, sendo resultado do próprio
engajamento social, sua semiose já se desenvolve de forma reticular. Isso significa uma
abertura para a experiência colateral, prevendo a formação incessante de novos
interpretantes, como já vimos anteriormente nas análises exibidas. Porém, a
multiplicidade não pode perder de vista a referência ao objeto. Caso contrário, a
semiose será rompida.
Em terceiro lugar, Jenkins (2009) aponta para a imersão versus extratibilidade,
que dizem respeito à mistura entre a narrativa gerada e experiências cotidianas. Isso
significa que o público é capaz de mergulhar na narrativa, incorporando os
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micromundos construídos. Se pensarmos nas hashtags, elas ganham visibilidade por
aspectos sígnicos que envolvem empatia, adesão e argumentos lógicos, definidos pela
experiência colateral (PEIRCE, 2003). Como representam um posicionamento comum,
elas garantem a imersão no micromundo. No caso da hashtag #foraTemerRio2016,
vinculada a um contexto político, sua semiose é, predominantemente, gerada pelos
interpretantes afins. E a mediação acontece entre a primeiridade (sentimento gerado pela
hashtag) e a secundidade (rastro físico que a hashtag deixa na inscrição narrativa),
formando a terceiridade que aponta para um hábito de ação.
Outro aspecto importante listado por Jenkins (2009) é a construção de mundos.
Existe um desejo das audiências de mapear e dominar todo o conteúdo sobre a narrativa
criada, que indicaria um “impulso enciclopédico”. Por isso, o autor detalha a
importância da construção de mundos complexos, utilizando várias linguagens e mídias.
Essa complexidade é visível quando as hashtags são transpostas para o ambiente offline
com o caso da hashtag #foratemer que vigorou em cartazes e camisetas durante o
evento olímpico. Jenkins adverte que é preciso dominar as práticas comunicacionais e
entender bem os ambientes a serem explorados. Nas ruas, as hashtags se tornam
palavras de ordem por meio do uso social. É nessa transição entre o rastro indicial das
redes sociais online e a presença de símbolos nas manifestações de rua que determina o
grau de detalhamento do mundo criado.
O próximo princípio é da serialidade (JENKINS, 2009), que tem por objetivo
transformar a narrativa em fragmentos históricos dispersos em vários sistemas de mídia,
que só serão montados e remontados com a ajuda do consumidor (intérprete). Isso diz
respeito à natureza não linear do conceito de transmídia, que coincide com o
comportamento das hashtags que se desenvolvem de forma reticular na formação de
novos interpretantes. Por isso, seria inviável conceber a trajetória cronológica de uma
hashtag. De forma serial, linguagens e comportamentos de mídia vão se misturando nos
processos de significação, como no caso da hashtag #foratemer durante os jogos.
Podemos notar no Facebook o compartilhamento de algumas inscrições com a hashtag
#foraTemerRio2016 em cartazes e camiseta. Porém, o conteúdo da imagem também
traz uma forte simbologia por meio do uso da hashtag #foratemer. Quando ela sai do
Twitter e atravessa outras plataformas e ambientes, ela passa a compor um novo ciclo
comunicacional de maneira intermídia. É nessa conformação de hábitos provisórios de
ação que surge a dinâmica transmídia.
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Por fim, Jenkins (2009) sinaliza a importância da subjetividade e performance na
construção de uma narrativa. Ele afirma que devemos criar uma subjetividade em
camadas, com mais elementos emocionais. Isso garante o envolvimento da audiência,
por gerar empatia e energia. Já no caso da performance, o autor expõe dois tipos de
comportamentos para induzir a audiência. O primeiro é aquele que reuni uma
comunidade de pessoas que compartilham interesses comuns, como no caso das
hashtags #rio2016 e #cerimoniadeabertura, indicando uma relação direta com os jogos
olímpicos. O segundo, que ele chamou de ativadores culturais, dão a essa comunidade
algo para fazer, como no caso da militância política por meio das hashtags
#foraTemerRio2016 e #foratemer. A audiência é convocada para se manifestar por meio
da simbologia gerada pelas hashtags.
Assim, com base na análise dos princípios descritos por Jenkins (2009),
podemos considerar as semioses geradas pelas hashtags como uma dinâmica
transmídia. Ela apresenta expansão ou profundidade de acordo com o propósito da ação,
está sempre aberta à multiplicidade e à serialidade, cria proximidade com o cotidiano e
gera imersão por empatia. Além disso, constrói a subjetividade por meio das
associações sígnicas e reuni uma comunidade a partir de posicionamentos comuns na
produção e compartilhamento dos signos. Por isso, a narrativa transmídia está ligada à
experiência gerada pela audiência, que determina hábitos provisórios de ação.
4. Considerações finais
O pragmatismo peirceano pressupõe o aprimoramento contínuo do processo de
mediação sígnica, também chamado semiose, o qual configura hábitos provisórios de
ação. As hashtags são rastros digitais que podem operar na mediação de um
posicionamento comum, acionando outras hashtags na criação de uma rede complexa e
provisória de sentidos. Partindo desse pensamento, o estudo em questão teve por
objetivo investigar como o processo de semiose das hashtags #cerimoniadeabertura,
#rio2016 e #foraTemerRio2016 atuaram na construção da dinâmica transmídia da
cerimônia de abertura das Olimpíadas. Consideramos a semiótica de Peirce e os
princípios postulados por Jenkins para criar um paralelo entre experiência colateral e
consumo de mídia, a fim de perceber como o aprimoramento lógico da semiose,
mediada por hashtags, pressupõe a composição de uma dinâmica transmídia.
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Percebemos que a interface entre os ambientes online e offline definem um
processo comunicativo serial e hipertextual, emergindo novos hábitos de mídia a partir
do uso de hashtags. Tanto os protestos de rua, como os veículos de comunicação
offline, se apropriam hoje das hashtags para criar uma interseção com o ambiente
digital. Essa mistura potencializa o aprimoramento da semiose gerada por essas
hashtags. Por serem frutos da multiplicidade online, trata-se de signos que estabelecem
novas conexões por meio dos princípios postulados por Jenkins. Isso define uma
integração entre processos de comunicação verticais (corporações de mídia) e
horizontais (indivíduos e grupos) em conexões digitais. Assim, esse processo mediador
integra dinâmicas comunicacionais diferenciadas, as quais operam intramidiaticamente
e intermidiaticamente de modo interconectado.
Usando a semiótica de Peirce como suporte teórico-metodológico, analisamos as
hashtags escolhidas a partir de coletas manuais no Facebook e da utilização da
ferramenta de monitoramento automático Hashtagify.me, das 20h às 23h50. Com isso
conseguimos identificar as semioses geradas pelas hashtags, apontando aproximações e
incongruência entre elas. Cada ramificação da semiose em busca de novos interpretantes
contribui para o aprimoramento da comunicação, sendo a incompletude do interpretante
o fator principal para a abertura do processo criativo da semiose por meio da
experiência colateral, tecendo narrativas variadas e heterogêneas. Dessa forma, a
semiose das hashtags estudadas coloca em evidência uma rede variada de significados
tecida coletivamente ao longo do evento de abertura das Olimpíadas 2016,
compreendendo, assim, uma dinâmica transmídia.
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