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(INTERCOM 2017) A função mediadora das hashtags na dinâmica transmídia da cerimônia de abertura das Olimpíadas 2016

Os megaeventos esportivos têm sido marcados pela presença de hashtags, que são largamente utilizadas nas coberturas midiáticas, dentro e fora das redes sociais online. Nesse contexto, é possível notar um forte cruzamento entre as hashtags comerciais e políticas, gerando novas camadas de significação, principalmente na interface com os protestos de rua. Por essa razão, entendemos as hashtags como processos sígnicos que cumprem uma função mediadora. A partir da semiótica de Peirce, vamos investigar como as hashtags mediaram a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2016, entrelaçando os ambientes online e offline. Os resultados apontam para uma dinâmica transmídia ancorada no uso social de hashtags pela associação de novos signos à semiose, gerando hábitos de ação provisórios a partir da experiência colateral.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 A Função Mediadora das Hashtags na dinâmica transmídia da Cerimônia de Abertura das Olimpíadas 20161 Luciana Andrade Gomes BICALHO2 Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG Resumo Os megaeventos esportivos têm sido marcados pela presença de hashtags, que são largamente utilizadas nas coberturas midiáticas, dentro e fora das redes sociais online. Nesse contexto, é possível notar um forte cruzamento entre as hashtags comerciais e políticas, gerando novas camadas de significação, principalmente na interface com os protestos de rua. Por essa razão, entendemos as hashtags como processos sígnicos que cumprem uma função mediadora. A partir da semiótica de Peirce, vamos investigar como as hashtags mediaram a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2016, entrelaçando os ambientes online e offline. Os resultados apontam para uma dinâmica transmídia ancorada no uso social de hashtags pela associação de novos signos à semiose, gerando hábitos de ação provisórios a partir da experiência colateral. Palavras-chave: Hashtags; Mediação; Semiose; Experiência Colateral, Transmídia. Introdução: atravessamentos políticos As hashtags foram fundamentais na repercussão das Olimpíadas 2016 nas redes sociais online, especialmente no Twitter, sendo a plataforma mais utilizada durante o período. Entre os dias cinco e 21 de agosto, foram publicados 187 milhões de tweets relacionados ao tema, com 75 bilhões de visualizações, conforme relatório emitido pela próprio Twitter no encerramento do evento3. A hashtag #rio2016 foi a mais compartilhada na plataforma durante todo o ano, ocupando o primeiro lugar nos Trending Topics4 do Brasil e do mundo5. De acordo com os dados, isso resultou no evento olímpico que mais utilizou o Twitter até hoje, ultrapassando as expectativas dos realizadores. 1 Trabalho apresentado no GP Semiótica da Comunicação do XVII Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista CAPES /PROEX.. E-mail: lucianadrade@gmail.com. 3 Informação disponível em: <http://adnews.com.br/internet/twitter-divulga-dados-de-repercussao-dos-jogosrio2016.html>. Acesso em 10/12/2016. 4 Sistema que oferece visibilidade às hashtags e termos mais comentados durante um curto período de tempo. 5 Informação disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noticias/2016/12/06/rio2016-e-ahashtag-mais-comentada-no-twitter.html>. Acesso em 10/12/2016. 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 Durante o evento também houve um forte incentivo comercial para o uso das hashtags oficiais, ocasionando disputas entre as marcas para alcançar visibilidade no Twitter. O Comitê Olímpico dos Estados Unidos (USOC) chegou a proibir o uso das hashtags #rio2016 e #TeamUSA por marcas que não eram patrocinadoras do Comitê Internacional6, por considerá-las propriedade intelectual. O acesso só seria liberado para os veículos de comunicação tradicionais. Entretanto, as duas hashtags ganharam novos significados pela dinâmica de compartilhamento da rede. Elas foram fortemente vinculadas a outras hashtags, alterando a rota traçada inicialmente pelos patrocinadores. Esse mosaico de associações abarcou também questões sociopolíticas, visto que o pano de fundo das Olímpiadas era o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Por ser palco de um megaevento esportivo mundial, o Brasil esteve no centro das discussões midiáticas, o que ocasionou na visibilidade dos problemas sociais, políticos e econômicos do país. Desde o começo de abril, quando ocorreu a primeira votação do processo de destituição da presidente na Câmara dos Deputados, a imprensa nacional e internacional especulou a influência da instabilidade política na realização das Olimpíadas7. Isso se deve, fundamentalmente, às manifestações e protestos recorrentes durante o período. A reverberação desses movimentos nas redes sociais online começou a fazer parte da agenda brasileira em 2013, durante as Jornadas de Junho em prol dos problemas de mobilidade urbana dos estudantes e contra a corrupção. As manifestações ganharam outros recortes a partir de 2014 e culminaram no pedido de impeachment em 2016. Durante esse processo, houve uma polarização política entre dois grupos distintos: um a favor e o outro contra a destituição da presidente. Para dialogar e mostrar seu posicionamento nas redes sociais online e nos protestos de rua, os usuários criaram e compartilharam várias hashtags que marcaram o cenário político brasileiro. As principais foram #foradilma, para expressar apoio ao recurso do impeachment, e #naovaitergolpe, criada para denunciar o impeachment como um golpe contra a democracia. Nos dias 11 e 12 de maio, aconteceu a votação no Senado que acatou o protocolo de abertura do impeachment. A presidente foi afastada e o vice-presidente Michel Temer assumiu o posto de forma interina até o julgamento final em agosto, 6 Informação disponível em: <https://www.theguardian.com/sport/2016/jul/22/us-olympic-committee-bullyingunofficial-sponsors-hashtags>. Acesso em 10/12/2016. 7 Informação disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/brazilian-protesters-censored-atolympics/2016/08/07/c8dfc014-5cca-11e6-84c1-6d27287896b5_story.html?utm_term=.5e82fa4fe489>. Acesso em 10/12/2016. 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 quando se tornou oficialmente presidente pela concretização do impeachment. Isso gerou grande revolta e intensificou os protestos entre aqueles que eram contra o processo. Poucos meses antes de dar início aos jogos olímpicos, o presidente interino Michel Temer encontrou resistência e dificuldades para governar. Nas redes sociais online, principalmente no Twitter, a hashtag #foratemer foi largamente utilizada. Esse cenário gerou reflexos na mediação das Olimpíadas. Na cerimônia de abertura, que aconteceu no dia cinco de agosto no estádio do Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro, as hashtags #foratemer e #foraTemerRio2016 foram acionadas para demonstrar a insatisfação com o governo e gerar visibilidade pela interseção com a temática do evento esportivo, sendo muitas vezes vinculadas às hashtags #cerimoniadeabertura e #rio2016, conforme veremos ao longo deste trabalho. Além de serem compartilhadas no Twitter, também foram usadas em outras plataformas, como Facebook e Instagram, e ocuparam lugar de destaque em cartazes expostos fora e dentro do estádio, mesmo com a proibição do governo. Apesar de terem sido criadas com o propósito de agrupamento e monitoramento de conteúdos na internet – tendo o Twitter como plataforma principal -, as hashtags se tornaram fundamentais para a demarcação de posicionamentos comuns dentro e fora do ambiente digital. Isso significa que sua função extrapola a condição física do rastro para se tornar um agente importante na produção de sentido. Com base nisso, entendemos as hashtags como processos sígnicos que cumprem uma função mediadora. Nas redes sociais online, elas vinculam inicialmente pela ação sociotécnica do seu rastro indicial. Porém, pela repetição e comportamento intermídia8, - visto a conexão com outras plataformas e redes -, ela assume também uma função normativa que indica a construção de um pensamento. O mesmo acontece quando são usadas em camisetas e cartazes nos protestos de rua. Elas se transformam em signos que buscam a determinação e representação de um objeto. Assim, o que passa a operar é um processo de semiose complexo e com infinitas possibilidades (PEIRCE, 2003). No caso das Olimpíadas, o agrupamento de hashtags ressignifica tanto o evento esportivo quanto o próprio contexto sociopolítico por meio do uso social e da intervenção coletiva. E esse compartilhamento gera uma dinâmica reticular e 8 A dinâmica intermídia é resultado dos processos de intertextualidade entre diferentes gêneros e formatos midiáticos. Isso significa que são interações midiáticas de natureza sincrônica e diacrônica, que podem resultar em experiências estéticas diferenciadas. (MÜLLER, 2010). 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 transmídia, que dissipa a fronteira entre os ambientes online e offline. Assim, as hashtags deixam de operar apenas pela lógica do banco de dados e passam a vigorar na construção de sentido. São histórias que se complementam em cada ambiente e que possuem a hashtag como fio condutor. Por meio da experiência colateral, cria-se uma rede de significados móveis. Dessa forma, buscamos compreender como a mediação de hashtags operou na construção da dinâmica transmídia da cerimônia de abertura das Olimpíadas, sendo um processo comunicacional que se desenvolveu, particularmente no recorte apresentado, na convergência entre entretenimento e política. Para isso, vamos nos ancorar no suporte teórico-metodológico da semiótica de Charles Sanders Peirce (1983, 2003), trabalhando os conceitos de mediação, semiose e experiência colateral para compreender a aplicabilidade dos princípios da dinâmica transmídia propostos por Henry Jenkins (2009). A partir do site de monitoramento Hashtagify.me9, acompanhamos a progressão das hashtags #cerimoniadeabertura, #rio2016 e #foraTemerRio2016, na noite de abertura do evento, das 20h às 23h50. Com a ferramenta conseguimos identificar as principais hashtags relacionadas e o grau de intensidade entre elas. Também monitoramos os Trending Topics do Twitter e fizemos uma coleta manual no Facebook no mesmo período. A função mediadora das hashtags nas Olimpíadas Segundo Bruns e Burgess (2015), o uso do Twitter para coordenar a discussão política e social tem crescido muito nos últimos anos, principalmente nos processos eleitorais, nos movimentos ativistas e nos eventos culturais, esportivos e televisivos. Nesse sentido, as hashtags sempre tiveram o papel central de organizar essas questões dentro da plataforma, atuando em contextos que vão desde a discussão geral sobre um tema até discussões que acontecem no âmbito local, estadual e nacional. Elas podem surgir como reflexo de um movimento bem planejado, sendo criada para um evento específico como #rio2016, mas também pode nascer da espontaneidade das conversações em rede, como #foraTemerRio2016. Para os autores, o mais importante é que as hashtags não são estáticas, visto que o uso social muitas vezes altera o seu sentido, fazendo conexão com outras hashtags e plataformas. 9 Ferramenta de uso online que oferece recursos para observar a rede de hashtags acionada por proximidade e ver quais são os principais influenciadores no compartilhamento das hashtags. 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 Neste trabalho, entendemos essa capacidade de conexão das hashtags como uma função mediadora, capaz de conectar uma instância de significação a outra pela vinculação sociotécnica e pelo uso social fora dos ambientes midiáticos (ALZAMORA, ANDRADE, 2016). No primeiro caso, observamos que as hashtags deixaram de permear apenas as conversações no Twitter, mas passaram a figurar também no Facebook, Instagram, Youtube, blog e outras plataformas digitais, mesmo sem o papel de agregar conteúdo em alguns casos. Para Bruns e Burgess (2015) esse é o resultado do aprimoramento do uso comunicacional das hashtags, que hoje se encontram no cerne das discussões sociais e políticas. Isso configura um comportamento intermídia que influencia na construção de sentido das hashtags. Já no segundo caso, a apropriação de hashtags pelos protestos de rua mostra o aprimoramento da comunicação pela construção de ideias e pensamentos. Fora de sua usabilidade como ferramenta de monitoramento por indexação de conteúdo, elas passam a vigorar em cartazes, camisetas e materiais impressos como símbolos de um posicionamento comum (ALZAMORA, ANDRADE, 2016). Isso cria uma dinâmica transmídia, como veremos mais adiante, pois a hashtag perpassa por várias plataformas e ambientes para a construção de novas semioses. Dessa forma, uma hashtag pode ser vista como um signo capaz de representar um posicionamento, criando uma interface entre as dinâmicas online dos ambientes programáveis e as dinâmicas offline das ruas. Isso porque, para Peirce (2003), um signo é, de certo modo, aquilo que representa algo para alguém, compreendendo a semiose como um processo de interpretação ad infinitum, pois o significado de um signo é sempre outro signo, e assim por diante. Portanto, podemos afirmar que o processo de semiose é também um processo de mediação (PEIRCE, 1983), visto que um signo sempre produz um efeito em uma mente, de natureza humana ou não, com intuito de representar o objeto que o determinou. Essa relação acontece por meio do engendramento lógico que existe entre o signo (representâmen), o objeto e o interpretante (PEIRCE, 2003). Como um signo só consegue revelar parcialmente o objeto pela representação, ele depende da experiência colateral para formar novos interpretantes. Nesse caso, experiência colateral diz respeito à familiaridade com o objeto, associando novos signos à semiose (COLAPIETRO, 2011). Isso acontece por aproximações sígnicas, como no caso das vinculações entre hashtags que formam uma rede em constante expansão. Entendemos que sua atuação 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 raramente acontece de forma isolada, temporal ou espacialmente, promovendo uma forte conexão com outras hashtags. Esse processo garante a manutenção da referência ao objeto sem comprometer a capacidade criativa da semiose. Por isso, para Colapietro (2011), signo é um lugar que uma partícula ocupa apenas em um lapso de tempo. Assim, quando concebemos as hashtags como signos, percebemos que elas se relacionam com os objetos que as determinam em domínios distintos e provisórios de representação. Na categoria de primeiridade, o signo se apresenta como um ícone em relação ao objeto, remetendo a uma mera qualidade (sentimento), que não pode ser apreendida ou descrita. Já em nível de secundidade, o signo é um índice que deixa um rastro que aponta diretamente para o seu objeto. Por último, em nível de terceiridade, percebemos que o signo opera pela força de uma lei, de uma convenção, tornando-se um símbolo pela repetição indicial (PEIRCE, 2003). É a terceiridade que vai proporcionar a mediação entre a primeiridade e a secundidade, estabelecendo um propósito para a ação. Isso mostra que uma categoria prescinde da outra, formando o conceito de mediação de Peirce, que está empiricamente atrelado à sua noção de signo. Por meio da ferramenta Hashtagify.me, conseguimos rastrear as conexões dessas e entre essas hashtags, mostrando quais outras foram acionadas por elas ao logo do tempo. O que diferencia o processo de semiose é o grau de proximidade entre elas, marcadas na ferramenta pela linha que relaciona umas às outras. Quanto mais próxima da hashtag analisada, mais recente é a associação. Quanto mais grossa a linha, maior a intensidade da ligação no contexto da conectividade. Porém, o único rastro que conseguimos apreender dessas temporalidades distintas é a formação dos novos interpretantes (novos signos), materializados na forma de hashtags relacionadas. Por meio da associação de ideias, podemos perceber a não linearidade das hashtags e seu potencial mediador. No caso da hashtag #rio2016, por ser um signo oficial do evento e utilizado em escala mundial, a formação de sua semiose é diversificada (FIG.1), principalmente pela presença de hashtags em línguas diferentes, mas predominantemente relacionada às hashtags e termos olímpicos. Pelo fato da análise ter sido realizada na noite da cerimonia de abertura, percebemos uma forte conexão com a hashtag #openingceremony, manifestada por meio da linha encurtada e mais grossa que as outras. Isso demonstra que a vinculação foi recente e bem significativa. Outra conexão próxima é com a hashtag #teamUSA, pois ambas foram requisitadas pelo Comitê 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 Olímpico dos Estados Unidos para serem utilizadas com exclusividade pelos patrocinadores do Comitê Internacional. FIGURA 1 - Relações estabelecidas pela hashtag #rio2016 no Twitter. FONTE - print screen da análise realizada pela ferramenta Hashtagify.me. Entretanto, quando olhamos para a semiose da hashtag #cerimoniadeabertura (FIG.2), limitada ao âmbito nacional por estar na língua portuguesa, ela já apresenta relações com as hashtags políticas #foraTemerRio2016, #foratemer e #eugritomoro10. Porém, no horário do monitoramento, ela também demonstrava forte vinculação à hashtag #openingceremony. Por outro lado, apesar de estabelecer uma conexão mais distante, pela linha fina, a hashtag #somostodosolimpicos11 surgiu como um novo signo na semiose. Ela foi muito propagada e utilizada pela cobertura midiática da Rede Globo, conectando o conteúdo dos programas televisivos às discussões nas redes sociais online. Porém, trata-se de um signo oposto às hashtags de protesto, visto que os manifestantes contra o governo do presidente Michel Temer recorrentemente nomeiam a emissora como “golpista”, inclusive utilizando muitas vezes a hashtag #globogolpista. Isso 10 Este trabalho não vai contemplar a análise da hashtag #eugritomoro, porém sua contextualização é fundamental para o entendimento da semiose gerada. Trata-se de uma referência ao Juiz Sérgio Moro, que foi convocado para assumir a operação Lava-Jato. 11 Ver explicação da hashtag em: http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/noticia/2016/08/play-nos-jogosolimpiada-de-graca-no-globoesportecom-e-no-globo-play.html. Acesso em 20/08/2016. 7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 demonstra que os novos interpretantes são fruto de uma experiência colateral mais heterogênea, que encontrou caminhos variados para a significação. FIGURA 2 - Relações estabelecidas pela hashtag #cerimoniadeabertura no Twitter. FONTE - print screen da análise realizada pela ferramenta Hashtagify.me. Para Peirce (1983), isso acontece porque a experiência colateral induz a um processo autocorretivo da ação sígnica, ou seja, da semiose. E essa autocorreção pressupõe transmissão, atualização e tradução por associação sígnica. Segundo Colapietro (2004), esse processo de significação não tem rotas pré-fixadas, mas trajetórias emergentes e alteráveis, definidas pelos movimentos dos viajantes (intérpretes). Por essa razão, não podemos entender o processo de semiose apenas pelo viés da determinação, pressupondo um caminho imutavelmente apontado, como muitos formalistas enxergam a teoria de Peirce, mas a partir de trajetórias fluidas, que podem encontrar bifurcações, resultando em um grande labirinto. Já a semiose da hashtag #foraTemerRio2016 (FIG. 3) é mais homogênea e direcionada, o que significa que a experiência colateral encontrou maior familiaridade com o objeto. Por um lado, ela faz conexão com as hashtags do evento: #rio2016, #cerimoniadeabertura e #openingceremony, mostrando uma forte intenção em ser 8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 propagada durante a noite de abertura. Por outro lado, ela aparece como um desdobramento da hashtag #foratemer, vinculando outras hashtags com o mesmo posicionamento, porém com menor visibilidade: #stopcoupinBrazil, #outTemer, #foraTemerOlimpico. Podemos notar que se trata de uma semiose mais enxuta, com poucas associações na formação de novos interpretantes. Porém, suas ligações são mais intensas quando observamos a espessura das linhas encontradas. FIGURA 3 - Relações estabelecidas pela hashtag #foraTemerRio2016 no Twitter. FONTE - print screen da análise realizada pela ferramenta Hashtagify.me. 3. Semiose e os princípios da dinâmica transmídia A partir dessa análise entendemos que o potencial de mediação das hashtags também delineia uma dinâmica transmídia por meio da experiência colateral. Existe um propósito dinâmico de ação que se forma pelo processo de associação sígnica entre as hashtags. Cada linha exibida nas redes de semiose representa um novo signo, ou seja, um novo interpretante na construção de sentido da hashtag estudada. Esses novos interpretantes podem ser vistos como desdobramentos provisórios da narrativa das Olimpíadas. São ramificações que complementam o significado da semiose, mas que 9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 também constroem narrativas paralelas. Dessa forma, para Alzamora e Gambarato (2014) apontam que a dimensão criativa oferecida pela experiência colateral denota vitalidade para a narrativa. É justamente o domínio de representação do signo que leva à incompletude produtiva do interpretante, visto que nunca conseguimos obter o significado primário do objeto. Como a semiose nunca se fecha e não chegamos ao interpretante final, tomamos esta incompletude como um parâmetro conceitual para compreender a forma como o consumo de mídia regula hábitos e modela a dinâmica transmídia nos processos de associação sígnica. (ALZAMORA; GAMBARATO, 2014). Isso porque, na visão de Jenkins (2012), cada texto que se desenrola nos ambientes midiáticos precisa contribuir de maneira distinta e valiosa para o todo. Não se trata de um processo de adaptação que acontece em múltiplas plataformas, mas de uma criação complementar que integre a comunicação em vários ambientes por mediações sobrepostas. Entretanto, como pontua Jenkins (2012), é importante que cada texto também ganhe sentido isoladamente. A narrativa transmídia é a soma de textos independentes que referenciam uma narrativa determinante, mas que também constroem significados de forma isolada. Assim, segundo Alzamora e Gambarato (2014), a dinâmica transmídia pode ser tomada como uma ramificação pragmática da semiose na mídia, uma perspectiva que explica a incompletude do interpretante na conformação de hábitos provisórios de ação. Isso é visível no caso das hashtags analisadas neste trabalho, visto que elas conectam instâncias de significações distintas e trilham caminhos narrativos de forma seriada e hipertextual. Quando olhamos, de maneira geral, para todas as semioses (FIGs. 1, 2 e 3), notamos uma convergência entre as hashtags. Assim, podemos identificar a criação de um propósito comunicativo referente à cerimônia de abertura das Olimpíadas. Porém, quando especificamos as trajetórias criadas pelas hashtags, individualmente, percebemos outras conversações que atravessam o tema central. Ao mesmo tempo, observamos que essas hashtags são também utilizadas em outros ambientes, tanto online quanto offline. Essa movimentação entre representação e determinação, abarcando plataformas e linguagens distintas, configura o que estamos chamando de dinâmica transmídia. Para determinar a potencialidade desse tipo de narrativa, Jenkins (2009) descreve alguns princípios da dinâmica transmídia. O primeiro diz respeito à expansão versus profundidade da narrativa. Segundo o autor, muitas vezes a narrativa com grande 10 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 capacidade de expansão e adesão não garante um forte engajamento social em longo prazo. Por outro lado, a profundidade pode gerar uma baixa audiência, mas absorve mais tempo e energia do público envolvido. Os dois casos podem acontecer em uma dinâmica transmídia, visto que a decisão é um processo único do usuário (intérprete). Se pensarmos no universo das hashtags, nem sempre aquelas que chegam aos Trending Topics do Twitter perduram no compartilhamento ao longo do tempo. Muitas vezes, elas são criadas na efemeridade, sem abarcar um processo mais profundo de discussão ou apenas cumprindo o domínio indicial que leva à repetição para dar visibilidade a uma discussão geral. É o caso da hashtag #foraTemerRio2016, que foi criada como um desdobramento semântico da hashtag #foratemer para atravessar e alcançar visibilidade no evento. Na cerimônia de abertura, ela atingiu os Trending Topics e se manteve no ranking até o final da noite, porém deixou de ser usada progressivamente ao longo do evento. O ponto máximo de compartilhamento aconteceu durante a fala de Michel Temer na cerimônia, por volta das 23h30, contando com 4.842 tweets. A mesma lógica foi aplicada na criação da hashtag #cerimoniadeabertura, usada para descrever um curto período de tempo, mas que gerou picos de audiência na noite. Por outro lado, algumas hashtags tornam-se símbolos narrativos, como é o caso, por exemplo, das hashtags #rio2016 e #foratemer, que perduraram durante todo o contexto das Olimpíadas. Assim, como a narrativa é fruto do uso social da hashtag, a expansão e profundidade são essenciais para a sobrevida da semiose. O segundo princípio é de continuidade versus multiplicidade. Jenkins (2009) critica a ideia de uma narrativa que busca a continuidade desenvolvida em vários textos, pois isso poderia limitar o consumo criativo da audiência. O ideal seria focar na multiplicidade, abarcando todo o potencial de desenvolvimento do público. Como as hashtags nasceram no âmbito da multiplicidade, sendo resultado do próprio engajamento social, sua semiose já se desenvolve de forma reticular. Isso significa uma abertura para a experiência colateral, prevendo a formação incessante de novos interpretantes, como já vimos anteriormente nas análises exibidas. Porém, a multiplicidade não pode perder de vista a referência ao objeto. Caso contrário, a semiose será rompida. Em terceiro lugar, Jenkins (2009) aponta para a imersão versus extratibilidade, que dizem respeito à mistura entre a narrativa gerada e experiências cotidianas. Isso significa que o público é capaz de mergulhar na narrativa, incorporando os 11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 micromundos construídos. Se pensarmos nas hashtags, elas ganham visibilidade por aspectos sígnicos que envolvem empatia, adesão e argumentos lógicos, definidos pela experiência colateral (PEIRCE, 2003). Como representam um posicionamento comum, elas garantem a imersão no micromundo. No caso da hashtag #foraTemerRio2016, vinculada a um contexto político, sua semiose é, predominantemente, gerada pelos interpretantes afins. E a mediação acontece entre a primeiridade (sentimento gerado pela hashtag) e a secundidade (rastro físico que a hashtag deixa na inscrição narrativa), formando a terceiridade que aponta para um hábito de ação. Outro aspecto importante listado por Jenkins (2009) é a construção de mundos. Existe um desejo das audiências de mapear e dominar todo o conteúdo sobre a narrativa criada, que indicaria um “impulso enciclopédico”. Por isso, o autor detalha a importância da construção de mundos complexos, utilizando várias linguagens e mídias. Essa complexidade é visível quando as hashtags são transpostas para o ambiente offline com o caso da hashtag #foratemer que vigorou em cartazes e camisetas durante o evento olímpico. Jenkins adverte que é preciso dominar as práticas comunicacionais e entender bem os ambientes a serem explorados. Nas ruas, as hashtags se tornam palavras de ordem por meio do uso social. É nessa transição entre o rastro indicial das redes sociais online e a presença de símbolos nas manifestações de rua que determina o grau de detalhamento do mundo criado. O próximo princípio é da serialidade (JENKINS, 2009), que tem por objetivo transformar a narrativa em fragmentos históricos dispersos em vários sistemas de mídia, que só serão montados e remontados com a ajuda do consumidor (intérprete). Isso diz respeito à natureza não linear do conceito de transmídia, que coincide com o comportamento das hashtags que se desenvolvem de forma reticular na formação de novos interpretantes. Por isso, seria inviável conceber a trajetória cronológica de uma hashtag. De forma serial, linguagens e comportamentos de mídia vão se misturando nos processos de significação, como no caso da hashtag #foratemer durante os jogos. Podemos notar no Facebook o compartilhamento de algumas inscrições com a hashtag #foraTemerRio2016 em cartazes e camiseta. Porém, o conteúdo da imagem também traz uma forte simbologia por meio do uso da hashtag #foratemer. Quando ela sai do Twitter e atravessa outras plataformas e ambientes, ela passa a compor um novo ciclo comunicacional de maneira intermídia. É nessa conformação de hábitos provisórios de ação que surge a dinâmica transmídia. 12 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 Por fim, Jenkins (2009) sinaliza a importância da subjetividade e performance na construção de uma narrativa. Ele afirma que devemos criar uma subjetividade em camadas, com mais elementos emocionais. Isso garante o envolvimento da audiência, por gerar empatia e energia. Já no caso da performance, o autor expõe dois tipos de comportamentos para induzir a audiência. O primeiro é aquele que reuni uma comunidade de pessoas que compartilham interesses comuns, como no caso das hashtags #rio2016 e #cerimoniadeabertura, indicando uma relação direta com os jogos olímpicos. O segundo, que ele chamou de ativadores culturais, dão a essa comunidade algo para fazer, como no caso da militância política por meio das hashtags #foraTemerRio2016 e #foratemer. A audiência é convocada para se manifestar por meio da simbologia gerada pelas hashtags. Assim, com base na análise dos princípios descritos por Jenkins (2009), podemos considerar as semioses geradas pelas hashtags como uma dinâmica transmídia. Ela apresenta expansão ou profundidade de acordo com o propósito da ação, está sempre aberta à multiplicidade e à serialidade, cria proximidade com o cotidiano e gera imersão por empatia. Além disso, constrói a subjetividade por meio das associações sígnicas e reuni uma comunidade a partir de posicionamentos comuns na produção e compartilhamento dos signos. Por isso, a narrativa transmídia está ligada à experiência gerada pela audiência, que determina hábitos provisórios de ação. 4. Considerações finais O pragmatismo peirceano pressupõe o aprimoramento contínuo do processo de mediação sígnica, também chamado semiose, o qual configura hábitos provisórios de ação. As hashtags são rastros digitais que podem operar na mediação de um posicionamento comum, acionando outras hashtags na criação de uma rede complexa e provisória de sentidos. Partindo desse pensamento, o estudo em questão teve por objetivo investigar como o processo de semiose das hashtags #cerimoniadeabertura, #rio2016 e #foraTemerRio2016 atuaram na construção da dinâmica transmídia da cerimônia de abertura das Olimpíadas. Consideramos a semiótica de Peirce e os princípios postulados por Jenkins para criar um paralelo entre experiência colateral e consumo de mídia, a fim de perceber como o aprimoramento lógico da semiose, mediada por hashtags, pressupõe a composição de uma dinâmica transmídia. 13 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 Percebemos que a interface entre os ambientes online e offline definem um processo comunicativo serial e hipertextual, emergindo novos hábitos de mídia a partir do uso de hashtags. Tanto os protestos de rua, como os veículos de comunicação offline, se apropriam hoje das hashtags para criar uma interseção com o ambiente digital. Essa mistura potencializa o aprimoramento da semiose gerada por essas hashtags. Por serem frutos da multiplicidade online, trata-se de signos que estabelecem novas conexões por meio dos princípios postulados por Jenkins. Isso define uma integração entre processos de comunicação verticais (corporações de mídia) e horizontais (indivíduos e grupos) em conexões digitais. Assim, esse processo mediador integra dinâmicas comunicacionais diferenciadas, as quais operam intramidiaticamente e intermidiaticamente de modo interconectado. Usando a semiótica de Peirce como suporte teórico-metodológico, analisamos as hashtags escolhidas a partir de coletas manuais no Facebook e da utilização da ferramenta de monitoramento automático Hashtagify.me, das 20h às 23h50. Com isso conseguimos identificar as semioses geradas pelas hashtags, apontando aproximações e incongruência entre elas. Cada ramificação da semiose em busca de novos interpretantes contribui para o aprimoramento da comunicação, sendo a incompletude do interpretante o fator principal para a abertura do processo criativo da semiose por meio da experiência colateral, tecendo narrativas variadas e heterogêneas. Dessa forma, a semiose das hashtags estudadas coloca em evidência uma rede variada de significados tecida coletivamente ao longo do evento de abertura das Olimpíadas 2016, compreendendo, assim, uma dinâmica transmídia. REFERÊNCIAS ALZAMORA, Geane. ANDRADE, Luciana. A representação do Impeachment Day mediada por hashtags no Twitter e no Facebook: semiose em redes híbridas. Revista Interin. Curitiba, v. 21. n.2. p. 100-121, jul./dez. 2016. Disponível em: <http://interin.utp.br/index.php/vol11/article/view/478/pdf>. Acesso em 12 de janeiro de 2017. ALZAMORA, Geane; GAMBARATO, Renira. Peircean Semiotics and Transmedia Dynamics. Communicational Potentiality of the Model of Semiosis. Ocula - Occhio semiotico sui medi, v. 15, p. 1, 2014. Disponível em: <http://www.ocula.it/files/OCULA-15PEIRCEAlzamora_Gambarato_[270,532Kb].pdf>. Acesso em 12 de janeiro de 2017. 14 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017 BRUNS, Axel. BURGESS, Jean. Twitter Hashtags from Ad Hoc to Calculated Publics. In.: RAMBUKKANA, Nathan. Hashtag Publics: the power and politics of discursive networks. New York: Peter Lang Publishing, Inc., 2015. COLAPIETRO, Vincent. Ubiquitous mediation and critical interventions: reflections on the function of signs and purposes of Peirce’s semiotic. International Journal of signs and semiotics systems, vol. 1, issue 2, 2011. COLAPIETRO, Vincent. The routes of significance: reflections on Peirce’s theory of interpretants. Cognitio, São Paulo, v.5, n.1, p. 11-27, 2004. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Editora Aleph, 2012. JENKINS, Henry. The Revenge of the Origami Unicorn: Seven Principles of Transmedia Storytelling, 2009. 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