A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E O DIREITO À INFORMAÇÃO VERDADEIRA
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A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DA
LIBERDADE DE IMPRENSA E
O DIREITO À INFORMAÇÃO
VERDADEIRA
Orlando Luiz Zanon Junior1
Resumo: As instituições jornalísticas são titulares
do direito fundamental à liberdade de imprensa,
como modalidade qualiicada da livre manifestação de pensamento, que goza de posição privilegiada perante outras prerrogativas constitucionais, desde que estejam no exercício efetivo da
comunicação social (não externando mera opinião
de dirigentes ou jornalistas em particular) e de
que a informação seja verídica, em face da ponderação com o direito das pessoas de conhecer a
verdade. Tal posição privilegiada justiica-se pela
enorme importância que a disseminação de informações verdadeiras projeta na tomada de decisões quanto aos destinos político, econômico e
social do país, com relexos no desenvolvimento
da democracia e na criação de riquezas. Como
corolário da posição privilegiada, deve-se repudiar a censura prévia de informações jornalísticas
verdadeiras, pelas vias administrativa ou judicial,
resguardando-se tal possibilidade extrema para
os casos em que, lagrantemente, não se trate de
1 Magistrado em Santa Catarina. Mestre em Direito pela UNESA. Pós-graduado em
Preparação à Magistratura Federal pela UNIVALI e em Direito e Gestão Judiciária
pela UFSC. E-mail: orlandozanon@tjsc.jus.br
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comunicação social (mera manifestação de juízos
ou sentimentos de pessoas especíicas) ou reste
cabalmente comprovada a falsidade (não basta
a verossimilhança ou suspeitas, que geralmente
fundamentam as tutelas de urgência). Alternativamente, a tutela jurisdicional deve ser efetuada
na sua vertente reparatória, especíica (direito
de resposta proporcional ao agravo) ou reparatória (compensação material e/ou moral), ainda
que cumulativamente. Por outro lado, o direito
fundamental à liberdade de imprensa encontra
seu contraponto na prerrogativa também constitucional de acesso à informação verdadeira, reclamando das instituições jornalísticas a obrigação
de efetivamente investigar e apurar fatos relevantes que cheguem ao seu conhecimento, cuja
divulgação não pode ser protelada por interesses
econômicos, em razão da importância das notícias
para a tomada de decisões bem informadas no
cenário democrático.
Palavras-chaves: Proporcionalidade. Liberdade de
imprensa. Preferência abstrata (posição privilegiada).
Direito de saber a verdade. Obrigação de informar.
1 INTRODUÇÃO
A liberdade de manifestação de pensamento, mormente
no seu aspecto jornalístico (imprensa livre), é considerada uma
prerrogativa fundamental nas sociedades democráticas, assim
como os direitos à privacidade, à imagem e à honra. Alguns
países, além de incluírem a liberdade de imprensa no rol dos
direitos constitucionais, tratam de lhe assegurar uma proteção
especial perante quaisquer limitações, de modo a coibir censuras
sob as formas de lei ou de decisão judicial.
Tal temática é o plano de fundo deste estudo, cujo objetivo é abordar o problema da contradição entre o direito de
liberdade de imprensa perante outras prerrogativas essenciais
também previstas no texto constitucional, considerando,
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primeiro, a justificativa para lhe atribuir uma posição privilegiada e, segundo, a existência de uma obrigação jurídica de
informar a verdade.
Adota-se a teoria dos direitos fundamentais de Robert
Alexy como marco teórico, razão pela qual este estudo é balizado por seu modelo de norma. Assim, primeiro será esboçado
o quadro teórico referente à contradição de direitos, observada a
diferença estrutural entre normas da espécie regra, como razões
definitivas para algo, e da modalidade princípio, como mandamentos de otimização. Na sequência, será esmiuçada a metaregra da proporcionalidade, como parâmetro para resolução da
colisão entre princípios de direito fundamental, de acordo com
a lei da colisão. E, por fim, o referido substrato teórico será
empregado para subsidiar respostas ao problema proposto, no
tocante à explicitação das condições que justificam a preponderância do direito à liberdade de pensamento e, ainda, quanto à
existência da obrigação de informar a verdade.
2 A LEI DA COLISÃO
A teoria semântica da norma desenvolvida por Robert
Alexy, a exemplo daquelas mais difundidas, prevê a possibilidade
de se extrair ao menos uma norma de cada enunciado legislativo,
mediante a interpretação isolada dos dispositivos que compõem
o ordenamento jurídico (2008, p. 54). De acordo com tal proposição teórica, nada veda que a legislação de determinado país
contenha duas normas que disciplinem diferentemente uma
mesma situação concreta, de modo a consubstanciar uma contradição de direitos ou antinomia (BOBBIO, 1999, p. 81/86). Logo,
“conflito normativo nada mais é que a possibilidade de aplicação,
a um mesmo caso concreto, de duas ou mais normas cujas consequências jurídicas se mostrem, pelos menos para aquele caso,
total ou parcialmente incompatíveis” (SILVA, 2009, p. 47).
A contradição entre direitos é resolvida diferentemente
acaso se tratem de regras ou de princípios (ALEXY, 2008, p. 92).
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O conflito entre duas regras antagônicas é resolvido no
âmbito da validade, através da introdução de uma cláusula
de exceção, que retire a aplicabilidade de uma delas ao caso
concreto, ou então, mediante o reconhecimento de invalidade
de alguma das duas para resolução da controvérsia, extirpando-a
do ordenamento jurídico (ALEXY, 2008, p. 92). Ausente uma
previsão de exceção, a análise de validez reside na aplicação de
critérios de resolução de antinomias, segundo os quais a regra
superior revoga a inferior (lex superior derogat legi inferiori), a regra
posterior revoga a anterior (lex posterior derogat legi priori) e a regra
especial revoga a genérica (lex specialis derogat legi generali), consoante o entendimento doutrinário tradicional (ALEXY, 2008, p.
93).
A colisão entre princípios contraditórios, por outro lado,
é solucionada na dimensão do peso, sopesando-se os postulados
colidentes de acordo com a lei da colisão, para identificar qual
deles deve prevalecer no caso concreto, sem, todavia, eliminar o
outro do ordenamento jurídico, de forma a manter a integridade
do sistema e harmonizar os interesses em contradição. Segundo
a lei da colisão, quando se verificar a contradição entre um princípio (P1) e outro que lhe seja incompatível no caso concreto
(P2), o intérprete deverá sopesar a importância de ambos diante
das circunstâncias envolvidas (C1) para, então, decidir qual
deverá prevalecer (decisão D1). Desta forma, sempre que estes
dois princípios (P1 e P2) colidirem, e as circunstâncias forem
idênticas (C1), a decisão deverá ser automaticamente a mesma
(D1), sem margem para discricionariedade ou subjetivismo.
Porém, o princípio que não prevaleceu diante das circunstâncias
de um caso (C1), poderá preponderar perante outras circunstâncias (C2), ensejando decisão diversa (D2), pois ele não foi
excluído do ordenamento jurídico. Logo, o resultado da lei da
colisão, após a ponderação dos princípios orientada pela metaregra da proporcionalidade, consiste em uma nova regra, que
já contém as determinações quanto à otimização das possibiREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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lidades fáticas e jurídicas existentes para solução de futuros
casos similares (ALEXY, 2008, p. 94/99). Nesta linha lógica,
é possível concluir que o caminho que vai de um princípio até
o direito definitivo (que resolve o caso concreto) perpassa por
uma relação de preferência, de acordo com a lei da colisão, de
modo a fundamentar o estabelecimento de uma regra para
disciplinar casos futuros, mediante construção jurisprudencial
(ALEXY, 2008, p. 108/109).
A referida lei da colisão é de fundamental importância
quando se trata do equacionamento da contradição entre o
direito fundamental à liberdade de imprensa (arts. 5º, IV, e 220,
caput e §§ 1º e 2º, da CRFB) e aqueles que comumente lhe são
contrapostos no caso concreto, referentes à privacidade, honra
e imagem (art. 5º, IV, da CRFB). Isto porque “os direitos fundamentais, independentemente de sua formulação mais ou menos
precisa, têm a natureza de princípios e são mandamentos de
otimização” (ALEXY, 2008, p. 575), de modo a ensejar a aplicação da lei da colisão na hipótese de contradições entre eles.
Portanto, o embasamento teórico para resolução do tema
preposto perpassa pela exposição da meta-regra da proporcionalidade, a qual é empregada como critério de sopesamento entre
princípios contraditórios, para formação de uma regra de precedência condicionada, consoante a lei da colisão.
3 A META-REGRA DA PROPORCIONALIDADE
3.1 Questões Terminológicas
A primeira questão terminológica a ser dirimida diz
respeito à opção pelas designações razoabilidade ou proporcionalidade, as quais não podem ser empregadas como sinônimos
e tampouco confundidas, em razão de referirem institutos com
origens e estruturas jurídicas distintas.
A razoabilidade é figura jurídica de origem inglesa, cuja
referência mais remota documentada é a decisão do caso AssoREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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ciated Provincial Picture Houses Ltd. vs. Wednesbury Corporation, proferida por Lord Greene no ano de 1948. Naquela
deliberação, restou assentando o chamado Teste de Razoabilidade de Wednesbury (Wednesbury reasonableness ou Wednesbury
test), segundo o qual, em uma tradução livre, “se uma decisão é
de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoavelmente
a tomaria, então a corte pode intervir” (SUEUR, 2010, p. 01).
Entretanto, a partir da edição do Ato de Direitos Humanos de
1998 pelo parlamento inglês (Human Rights Act 1998), cogitase da superação do teste de razoabilidade pelo parâmetro de
proporcionalidade, antes desconhecido pelas cortes inglesas,
para fins de controle de atos públicos (SILVA, 2002, p. 29/30).
No direito consuetudinário norte-americano, o caso
Chevron Inc. vs. Natural Resources Defense Council Inc., 467
U.S. 837, resolvido em 1984, faz referência à possibilidade de
aferição judicial dos critérios de razoabilidade inerentes às interpretações legislativas praticadas por agências governamentais,
consoante o chamado Teste de Duas Etapas Chevron (Chevron
Two-Step). Entretanto, o parâmetro para aferição de razoabilidade mais difundido naquele país é o que decorre da violação
do direito ao devido processo legal no seu aspecto substantivo
(substantive due process of law), construído mediante interpretação das quinta e décima quarta emendas da Constituição
Norte-Americana, com a finalidade a preservar liberdades constitucionais em face de restrições públicas, embora não ausente
de críticas (BARROS, 2000, p. 60/66).
A proporcionalidade, por sua vez, possui origem na construção jurisprudencial do Tribunal Constitucional Alemão
(Bundesverfassungsgericht), em torno do estabelecimento de limites
contra excessos (übermassverbot) ou insuficiências (untermassverbot)
dos atos públicos, nas questões envolvendo direitos fundamentais (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, 364/367). Tratase de um método racionalmente estruturado para aplicação de
princípios de direito fundamental, ultrapassando a mera análise
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de racionalidade ou de correlação entre meios e fins de atos
públicos, para abranger a aferição da adequação, necessidade e
ponderação das justificativas das medidas estatais restritivas de
prerrogativas constitucionais (HESSE, 2009, p. 65). Outrossim,
evidente que “não só não tem a mesma origem que o chamado
princípio da razoabilidade, como frequentemente se afirma, mas
também deste se diferencia em sua estrutura e em sua forma de
aplicação” (SILVA, 2002, p. 30/31).
Por isso, a adoção da teoria dos direitos fundamentais,
desenvolvida pelo professor alemão Robert Alexy com base
na dogmática jurídica de seu país, recomenda a opção pela
expressão proporcionalidade, em detrimento da designação
razoabilidade, de modo a estabelecer uma referência precisa ao
instituto sob foco.
A segunda questão terminológica envolve indicar se a
proporcionalidade é uma norma do tipo princípio ou da modalidade regra.
De acordo com o marco teórico ora adotado, certamente
que não consubstancia um princípio, pois não se trata de um
mandado de otimização propriamente dito, mas sim de critério
para sopesamento entre postulados colidentes. Logo, muito
embora se trate da opção mais amplamente difundida na
doutrina brasileira, a nomeclatura princípio da proporcionalidade não guarda consonância com a teoria dos direitos fundamentais ora adotada.
Robert Alexy preferiu a designação máxima da proporcionalidade, por entender que existe uma exigência inderrogável
de sopesamento para viabilizar a inserção de normas da espécie
princípio em um ordenamento jurídico (ALEXY, 2008, p.
116/118). Por questões de fidelidade ao marco teórico, já se optou
pela designação máxima da proporcionalidade em trabalhos anteriores (ZANON, 2004, p. 100/101). Porém, o estabelecimento de
uma terceira modalidade de norma (máxima) não parece ser o
mais adequado, mormente porque, “na linguagem jurídica brasiREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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leira, ‘máxima’ não é um termo utilizado com frequência e, mais
que isso, pode às vezes dar a impressão de se tratar não de um
dever, como é o caso da aplicação da proporcionalidade, mas de
uma mera recomendação” (SILVA, 2009, p. 168).
Ademais, há de se concordar que a estrutura da proporcionalidade é de uma regra de segundo nível, ou seja, de uma metaregra, cuja finalidade é disciplinar a resolução de colisões entre
princípios. Com efeito, a proporcionalidade estabelece critérios
para superação de antinomias, assim como as meta-normas que
resolvem o conflito entre regras (lex superior derogat legi inferiori,
lex posterior derogat legi priori, e, lex specialis derogat legi generali).
Logo, a nomeclatura mais adequada é meta-regra (ou
simplesmente regra) da proporcionalidade, por oferecer maior
clareza conceitual com relação à sua efetiva estrutura normativa
(SILVA, 2009, p. 169).
3.2 Conceito
A meta-regra da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip) consiste na fórmula de sopesamento prevista na já explicitada lei da colisão, consubstanciando critério imprescindível
para resolução da colisão entre princípios de direito fundamental (ALEXY, 2008, p. 116/118). Com efeito, a opção por
um modelo constitucional misto, de regras e de princípios, pressupõe a existência de algum parâmetro para harmonização das
diversas prerrogativas essenciais, cabendo tal finalidade à metaregra da proporcionalidade, de acordo com o marco teórico ora
adotado.
Sob essa ótica, o sopesamento pela meta-regra da proporcionalidade “aqui defendido, é equivalente ao assim chamado
princípio da concordância prática”, na medida em que ambos
dizem respeito à tarefa de equalização dos diversos princípios
constitucionais (ALEXY, 2008, p. 173). Notadamente, também
a concordância prática refere que “a especificidade (conteúdo,
extensão e alcance) própria de cada princípio não exige o sacriREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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fício unilateral de um princípio em relação aos outros, antes
aponta para uma tarefa de harmonização, de forma a obter-se
a máxima efectividade de todos eles” (CANOTILHO, 2003, p.
1187).
A aplicação metódica da meta-regra da proporcionalidade
ocorre em três níveis distintos e sequenciais, correspondentes
às sub-regras da adequação, idoneidade ou conformidade (geeignetheit), da necessidade ou exigibilidade (erforderlichkeit) e da
proporcionalidade em sentido estrito ou ponderação (verhältnismässigkeit).
A sub-regra da adequação se refere à análise da suficiência
dos meios utilizados para obtenção do resultado almejado.
Nesta fase, o intérprete indaga se há uma correlação adequada
entre os meios empregados e os fins perseguidos. Outrossim,
a questão é se “a medida adotada é adequada para fomentar a
realização do objetivo perseguido?” (SILVA, 2009, p. 170).
O elemento da necessidade, por sua vez, resolve-se em
torno da aferição da imprescindibilidade fática de efetivação
ou manutenção da situação concreta apreciada, observado seu
grau de eficácia para promoção do objetivo almejado. A aferição
da exigibilidade da medida implica um teste comparativo com
outras alternativas viáveis para implementação do mesmo objetivo, devendo ser privilegiada aquela que seja a mais eficaz, ainda
que acarrete maior restrição ao direito fundamental oposto.
Somente em se tratando de duas soluções igualmente eficazes é
que se deve optar pela que implicar restrição em grau inferior.
Isto porque, acaso se adotasse sempre a medida menos restritiva,
ainda que pouco efetiva, o intérprete estaria fadado à promover
sempre a prática de atos de eficácia limitada e reduzida, independentemente da situação concreta. Justamente por isto, apesar da
intuição daqueles preocupados com a proteção das prerrogativas
constitucionais, “decisiva, no exame da necessidade, é a eficiência
da medida” (SILVA, 2009, p. 172). Assim, nesta etapa é mais
adequado se privilegiar a eficácia, relegando-se para fase posterior
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a verificação quanto à proporcionalidade da medida, de acordo
com a ponderação dos princípios em contradição.
A proporcionalidade em sentido estrito, por fim, diz
respeito à medida em que cada um dos princípios de direito
fundamental colidentes deve ser implementado na hipótese
em exame. Acaso fossem implementadas apenas as primeiras
duas fases, poderia se cogitar da constitucionalidade de “uma
medida que fomentasse um direito fundamental com grande
eficiência, mas que restringisse outros vários direitos de forma
muito intensa”, pois seria adequada e necessária (SILVA, 2009,
p. 174). Para evitar tais exageros, admite-se esta última fase, na
qual o hermeneuta passa das questões fáticas para o plano jurídico, ponderando o peso e o valor dos interesses em jogo, de
acordo com fundamentação hábil e suficiente para justificar sua
posição.
Importa salientar que a aplicação da meta-regra da proporcionalidade pode ser efetuada pelo congressista ou pelo magistrado, ou seja, “este juízo de ponderação e esta valoração de
prevalência tanto podem efectuar-se logo a nível legislativo (ex.:
o legislador exclui a ilicitude da interrupção da gravidez em caso
de violação) como no momento da elaboração de uma norma de
decisão para o caso concreto (ex.: o juiz adia a discussão de julgamento perante as informações médicas da iminência de infarte
na pessoa do acusado)” (CANOTILHO, 2003, p. 1274). Sem
embargo, é tarefa precípua do legislador conformar e restringir
direitos fundamentais, mediante sopesamento dos princípios
aplicáveis à situação hipotética a ser disciplinada, ainda que
segundo a forma assistemática inerente ao caráter político de seu
ofício, cujo resultado assume a forma de regra infraconstitucional
(SILVA, 2009, p. 178/179). Contudo, instaurando o conflito e
ausente tal prévia conformação legislativa, caberá ao magistrado
a ponderação direta dos princípios aplicáveis, de acordo com os
critérios jurídicos referentes à meta-regra da proporcionalidade,
de modo a criar uma decisão para solução do litígio, a qual deve
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ser equitativamente a mesma para eventuais novos casos com
idênticas peculiaridades (SILVA, 2009, p. 179).
2.3 Decisionismo judicial e sopesamento
A crítica mais frequente à teoria dos direitos fundamentais
de Robert Alexy reside justamente na aplicação da meta-regra da
proporcionalidade como parâmetro para resolução da colisão
entre princípios. Segundo os críticos, a fórmula do sopesamento
carece de racionalidade e, consequentemente, representa um
mero decisionismo disfarçado.
No Brasil, Lenio Luiz Streck bem resume as principais
críticas, ao afirmar que a aplicação de princípios mediante
ponderação revela mera nova roupagem para já conhecida
discricionariedade inerente ao positivismo jurídico, ainda que
mediante um método explicativo (STRECK, 2009, p. 462 e
503/504). Para ele, a “ponderação repristina a velha discricionariedade positivista”, implicando inegável protagonismo judicial
em prejuízo do Poder Legislativo, ao facultar ao magistrado a
possibilidade de optar pelos contornos da norma aplicável ao
caso (STRECK, 2009, p. 449/450). Ademais, a adoção da metaregra da proporcionalidade como parâmetro para resolução
da contradição entre princípios é incompatível com sua nova
teoria do direito (ou teoria hermenêutica do direito), que refuta
a adoção de métodos interpretativos, justamente porque estes
chegariam tarde, quando já percorrido o processo de conhecimento (STRECK, 2009, p. 452/452).
Em resposta aos críticos, Robert Alexy defende que “a
um tal modelo decisionista de sopesamento pode ser contraposto um modelo fundamentado. Em ambos os modelos o
resultado do sopesamento é um enunciado de preferências
condicionadas”, todavia, o modelo fundamentado “distingue
entre o processo psíquico que conduz à definição do enunciado
de preferência e sua fundamentação”, de modo a permitir a
“fundamentação racional de enunciados que estabeleçam prefeREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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rências condicionadas entre valores ou princípios colidentes”
(2008, p. 165). Nesta linha de raciocínio, “o modelo de sopesamento como um todo oferece um critério, ao associar a lei da
colisão à teoria da argumentação jurídica racional” (2008, p.
173/174). Logo, o controle da racionalidade referente aos sopesamentos é efetuado mediante a apreciação dos argumentos que
os sustentam, expressos na fundamentação das decisões judiciais, que necessariamente devem apreciar as teses ventiladas
pelas partes sobre os princípios aplicáveis.
Nesse ponto, Virgílio Afonso da Silva lembra que “não
é possível buscar uma racionalidade que exclua, por completo,
qualquer subjetividade na interpretação e na aplicação do
direito” (2009, p. 146/147). Segundo ele, a elevação de racionalidade depende, na verdade, da adoção de procedimentos
e métodos que, a exemplo do sopesamento, permitam a
“fixação de parâmetros que possam aumentar a possibilidade
de diálogo intersubjetivo, ou seja, de parâmetros que permitam
algum controle da argumentação” (2009, p. 148). Mediante tal
controle, efetuado principalmente pela doutrina jurídica ao
analisar o escólio jurisprudencial dos tribunais, poderá se estabelecer graus confiáveis de coerência, de previsibilidade e de
integridade da ordem jurídica, haja vista que “insegurança jurídica está intimamente ligada à ideia de decisão ad hoc, algo que
só é possível quando não há controle, independentemente do
método de interpretação e aplicação do direito e da teoria que
subjaz a esse método” (2009, p. 149/150).
Justamente por ser insubsistente uma proposta interpretativa que afaste completamente a possibilidade dos magistrados efetuarem a ponderação subjetiva de valores, devendo-se
“assumir tal possibilidade como real e inafastável”, justifica-se
o desenvolvimento de “formas de controle permanente dos
limites contingenciais (não universais, violando a especificidade
dos casos concretos) impostos para tal atividade” (LEAL, 2009,
p. 200). Com efeito, “a objetividade máxima que se pode perseREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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guir na interpretação jurídica e constitucional é a de estabelecer
os balizamentos dentro dos quais o aplicador da lei exercitará
sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer
a justiça do caso concreto” (BARROSO, 2008, p. 288).
Em síntese, os defensores da teoria de Robert Alexy
sustentam que o seu modelo de sopesamento representa uma
vantagem perante a discricionariedade de cunho positivista por
dois aspectos principais. Primeiro, porque se apresenta como
um método para permitir maior controle dos argumentos utilizados para a tomada das decisões, de modo a conferir maior
transparência à atividade jurisdicional e, desta forma, aprimorar
o diálogo democrático. E, segundo, porquanto prevê o estabelecimento de regras de precedência condicionada ao fim de
cada ponderação, as quais servem de subsídio para fiscalização
de coerência da jurisprudência pela doutrina especializada, de
modo a elevar o grau de confiabilidade no sistema jurídico.
Portanto, sob este prisma de análise, o sopesamento
mediante aplicação da lei da colisão associada à meta-regra da
proporcionalidade representa um avanço na sindicabilidade
(accountability) das decisões judiciais, tanto por viabilizar maior
visibilidade dos argumentos que embasam a fundamentação,
como também por estabelecer relações de precedência condicionada que conferem maior previsibilidade ao sistema jurídico.
4 PREFERÊNCIA ABSTRATA DA LIBERDADE DE
IMPRENSA
A inclusão da liberdade de imprensa dentro o rol dos
direitos fundamentais, como modalidade qualificada da livre
manifestação de pensamento, é questão já pacificada na doutrina
e na jurisprudência. Também já foram firmadas orientações
seguras sobre a resolução das contradições entre tal liberdade
e outras prerrogativas humanísticas, a exemplo daquelas referentes à privacidade, à honra e à imagem, mediante o método
de ponderação dos valores envolvidos, diante das peculiaridades
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de cada caso concreto. O que este estudo pretende é, com base
em tais premissas já estabelecidas (resolução das colisões entre a
liberdade de imprensa e outros direitos constitucionais mediante
ponderação) e de acordo com o substrato teórico antes apresentado
(lei da colisão associada à meta-regra da proporcionalidade), propor
seja atribuída à liberdade de imprensa uma posição privilegiada
perante outras prerrogativas fundamentais, desde que as notícias
veiculadas sejam verdadeiras, em razão da sua imprescindibilidade
para tomada de decisões informadas, essenciais à sublimação da
democracia.
A liberdade de imprensa deve ser compreendida como
uma especialidade do direito fundamental à livre manifestação
de pensamento, haja vista que, na atual conjuntura social e política, ultrapassa a esfera de proteção de pessoas individualizadas,
para abranger a tutela de entidades voltadas à relevante função
da comunicação social. Sem embargo, é possível apontar uma
diferença essencial e de altíssima relevância entre a liberdade
simples de expressão de ideias e aquela outra de cunho jornalístico, em razão das características inerentes a esta última.
A liberdade de expressão simples assegura ao indivíduo
(pessoa física ou jurídica) a faculdade de manifestar suas ideias
sem limitações, desde que não cause lesões injustificadas às prerrogativas fundamentais dos outros, mormente quanto à privacidade, à honra ou à imagem, com as quais deve se harmonizar
(concordância prática). Esta é a configuração básica do direito
constitucional de livre manifestação de pensamentos, titularizado por todas as pessoas sem exceção, inclusive pelos jornalistas
e pelas sociedades de comunicação em massa, na qualidade de
membros integrantes de determinado país.
A imprensa, entendida esta como o conjunto de sociedades de mídia (editoras de jornais, provedores de notícias
na Internet e emissoras de rádio e televisão, principalmente),
contudo, quando no exercício de sua atividade precípua, não
está exercendo a faculdade de expressão das suas razões ou de
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seus sentimentos acerca de determinados assuntos, mas sim
disseminando informações perante o conjunto de pessoas que
podem ter acesso à forma de transmissão escolhida (digital,
impressa ou recebida por aparelhos de rádio ou televisão). Logo,
no exercício de sua função, a imprensa está efetuando comunicação social, através de meios de propagação de informações em
massa, devendo observar as diretrizes técnicas e deontológicas
inerentes ao ofício do jornalismo.
Essa diferenciação é crucial, porquanto a comunicação
social (propagação de informações em massa), na forma que é
tradicionalmente reconhecível pelos receptores da mensagem,
não admite a livre manifestação de qualquer pensamento que
os controladores, administradores ou jornalistas integrantes
da sociedade de mídia queiram repassar. Quando no exercício
desta função, a transmissão de ideias deve observar a técnica
e a ética jornalísticas e estar voltada à propagação somente da
verdade, entendida esta como a aproximação mais próxima da
realidade fática quanto possível.
Ressalta-se que não se está negado à sociedade de mídia a
possibilidade de manifestar seu pensamento, conforme o direito
constitucional que também lhe é reconhecido. Ela pode fazê-lo
pelas vias adequadas e deixando isto bem claro e expresso para
os receptores da mensagem, para que não reste qualquer dúvida
de que se trata de uma opinião particular da sociedade empresária, ao invés de uma informação de comunicação social. Cabe
aos jornalistas “separar claramente em suas programações o que
é notícia do que é propaganda e opinião” (CARVALHO, 2003,
p. 100). Outrossim, admite-se tranquilamente que o canal de
comunicação apresente opiniões de pessoas integrantes da sociedade, como livre manifestação do pensar daquela instituição
ou do jornalista específico, que geralmente assumem a forma
de editoriais ou de colunas de opinião. De outro lado, quando
estiver efetuando a comunicação social, a pessoa jurídica (ou
mesmo física, se for o caso) titular do veículo de propagação de
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ideias deve cumprir a função de comunicar de acordo com os
ditames jornalísticos, com as responsabilidades inerentes a este
ofício.
Tal diferenciação é deveras importante, porque na hipótese do exercício da função de comunicação social (liberdade
jornalística), ao contrário da mera manifestação de juízos ou
sentimentos particulares (liberdade simples), a mídia deve ter
assegurada uma posição privilegiada para comunicar perante
outros direitos de cunho fundamental, desde que tenha diligenciado na busca pela verdade.
Tal posição privilegiada tem como fundamento basilar a
importância da comunicação social para a promoção da democracia e consiste, sob a ótica do jornalista, numa maior margem
de manobra contra eventuais restrições (censuras) decorrentes
da ponderação com os direitos fundamentais de outros. Cabe,
contudo, esmiuçar as justificativas e o conteúdo de tal preferência abstrata.
Como já visto anteriormente, o direito de liberdade de
expressão não tem limites previamente definidos, ou seja, o seu
titular não tem ciência exata até que ponto pode efetuar certas
denúncias ou quais os detalhes que deve omitir, quando estiver
em jogo a privacidade, a honra ou a imagem de outra pessoa.
Cabe a cada um efetuar uma ponderação prévia à manifestação
de seu pensamento, de modo a evitar a lesão ao direito do outro,
inclusive para assegurar-se em caso de eventual acionamento
das vias judiciais. Logicamente que a ponderação efetuada pelo
particular, por via de regra, será efetuada de acordo com critérios assistemáticos de bom senso, salvo se for um bacharel em
direito, cujo conhecimento pressupõe a lei da colisão e a metaregra da proporcionalidade, ou outra teoria com finalidade
similar.
Entretanto, as sociedades empresárias voltadas ao jornalismo,
ao contrário de particulares, diuturnamente estão veiculando
denúncias com relação à conduta de personalidades conhecidas
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A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E O DIREITO À INFORMAÇÃO VERDADEIRA
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ou autoridades públicas e comunicando fatos relacionados com os
ambientes econômico, político e social. A fiscalização dos poderes
constituídos e do exercício da atividade empresarial é, inclusive,
uma das atividades centrais do jornalismo. Além disso, tal propagação de informações deve observar um ritmo veloz, muitas vezes
verificando-se concomitância entre os fatos e a notícia (transmissão
ao vivo), a depender da relevância e da urgência da comunicação.
E, principalmente, a tomada de decisões em diversos cenários,
inclusive quanto à escolha dos detentores de mandatos eletivos e à
movimentação de riquezas no mercado, depende da possibilidade
de ampla e veloz disseminação de tais informações, de modo a
conferir à tal atividade a mais alta relevância. Chega-se à afirmar que
“a imprensa é o termômetro da democracia” (CARVALHO, 2003,
p. 03). Por estas razões, deve-se conferir à liberdade de imprensa
uma posição privilegiada perante outros direitos fundamentais, no
sentido de que prevalece em caso de ponderações de interesses,
ressalvado eventual abuso.
Tal posição privilegiada assume a forma de um critério
adicional para o sopesamento quando um dos interesses envolvidos for a liberdade de imprensa, no sentido de que esta tem
uma prevalência abstrata sobre outros princípios constitucionais, dentro de hipóteses normais. Como decorrência desta
preferência abstrata, resta inviabilizada a concessão de tutela
inibitória que implique censura prévia à disseminação de informações verídicas, ainda que potencialmente danosas a particulares. Estaria-se, então, estabelecendo abstratamente uma preferência valorativa em favor da liberdade de imprensa, a qual se
justifica, principalmente, em razão da importância de tal prerrogativa constitucional para a promoção da democracia.
Nessa linha de raciocínio, a instituição jornalística recebe o
mesmo grau de tutela jurídica de qualquer outra pessoa quando
estiver expressando juízos e sentimentos particulares. Porém,
quando estiver no exercício de sua função de comunicação social
de cunho jornalístico e, concomitantemente, a informação for
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verdadeira, ela encontra-se em uma posição privilegiada perante
o direito de outros, mormente em face da censura prévia.
No direito constitucional brasileiro, percebe-se a específica concessão da posição privilegiada ao direito de liberdade de
imprensa. Isto porque, ao lado do art. 5º, IV, da Constituição da
República Federativa do Brasil (CRFB), que estabelece o direito
fundamental à livre manifestação do pensamento (“é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”),
o constituinte originário deu conformação específica à forma
qualificada de liberdade de imprensa, ao fixar expressamente,
no art. 220, caput e §§ 1 e 2º, da CRFB, a inviabilidade de
qualquer restrição à atividade jornalística (“A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição”, “Nenhuma lei
conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e
XIV”, e, “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”). Ao lado da liberdade de imprensa,
contudo, restou confirmado o direito do público ser adequadamente informado, nos termos do art. 5º, XIV, da CRFB (“é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo
da fonte, quando necessário ao exercício profissional”).
Solução similar foi desenvolvida no direito consuetudinário norte-americano, onde as liberdades de imprensa, de
fala e de religião, decorrentes da interpretação da primeira
emenda, gozam de uma posição privilegiada quando balanceados com outras prerrogativas constitucionais. Naquele país, a
doutrina da posição privilegiada da livre manifestação de ideias
se iniciou com as ponderações do Juiz Oliver Wendel Holmes,
da Suprema Corte, quando, nos casos Lochner vs. New York,
de 1905, e Abrams vs. United States, de 1919, ele ressaltou que
a restrição da liberdade de fala só poderia se justificar perante
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A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E O DIREITO À INFORMAÇÃO VERDADEIRA
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claros e iminentes perigos (“clear and present danger”). Mais tarde,
no caso Murdock vs. Commonwealth of Pennsylvania, julgado
em 1943, restou assentado expressamente que as liberdades de
imprensa, de fala e de religião gozavam de posição privilegiada
(“Freedom of the press, freedom of speech, freedom of religion are in a
preferred position”). E, com maior clareza, extraí-se da decisão do
caso Branzburg vs. Hayes, 408 US 665, julgado pela Suprema
Corte em 29.06.1972, em uma tradução livre, que “a imprensa
tem uma posição privilegiada em nosso esquema constitucional
[norte-americano], não para permitir que ganhe dinheiro, não
para separar os jornalistas como uma classe favorecida, mas para
integralizar o direito do público de saber. O direito de saber é
crucial para os poderes de governo do povo e, parafraseando
Alexander Meiklejohn, conhecimento é essencial para decisões
informadas” (“The press has a preferred position in our constitutional
scheme, not to enable it to make money, not to set newsmen apart as
a favored class, but to bring fulfillment to the public’s right to know.
The right to know is crucial to the governing powers of the people, to
paraphrase Alexander Meiklejohn, knowledge is essential to informed
decisions”).
Repudiam-se, sob esta ótica, em regra geral, decisões administrativas ou judiciais que vedam a propagação de notícias, determinando o recolhimento de periódicos, excluindo informações
de sites na Internet ou proibindo a emissão de sinais televisivos ou
de rádio. Tal modalidade de censura é incompatível com a função
democrática exercida pela imprensa e com o direito do povo de
ser informado sobre a verdade. Muito embora a censura seja a
solução mais eficiente para afastar eventuais danos, configura a
medida mais danosa às liberdades democráticas do informador
(que tem a liberdade de propalar informações) e, por via oblíqua,
dos informados (que tem o direito de conhecer a verdade).
Muito embora a tutela inibitória não seja recomendável
nesta hipótese, nada veda a posterior reparação específica
ou pecuniária, ou mesmo ambas cumuladamente, quando
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demonstrada a lesão indevida. A reparação específica consistiria
em facultar o exercício do direito de resposta proporcional ao
agravo, ou seja, sob a forma e periodicidade suficientes para
dirimir eventual dano. A reparação pecuniária, por sua vez,
refere-se à compensação por eventuais prejuízos materiais e/
ou abalos morais demonstrados no caso concreto. Com efeito,
“a afirmação da liberdade de informação como direito fundamental e sua marcada importância no regime democrático
implica se evitar ao máximo qualquer restrição para a circulação
da informação”, razão pela qual, o órgão judicial “deverá adotar
como regra outras medidas, se possíveis e suficientes, como a
condenação civil e a determinação de publicação da resposta”
(CARVALHO, 2003, p. 142).
Todavia, conforme se pode extrair das considerações
acima expostas, é preciso ressaltar que a liberdade de imprensa
não goza de proteção absoluta, mas sim de posição privilegiada
dentro do esquema de concordância prática de princípios de
direito constitucional. E esta relativização, inerente a quaisquer
das prerrogativas fundamentais, expressa-se não só sob a possibilidade de concessão de tutela jurídica reparatória (específica ou
pecuniária) nos termos antes expostos, mas também mediante
o estabelecimento das circunstâncias excepcionais sob as quais
a preferência abstrata deixa de existir. Tais circunstâncias de
excepcionalidade são, basicamente, de duas ordens, residindo,
primeiro, na classificação da informação como efetiva notícia
jornalística (comunicação social, não mera opinião do jornalista), e, segundo, na condição de que tenha havido um efetivo
rastreamento das fontes pelo profissional de comunicação na
busca pela verdade (a informação deve ser verdadeira).
A primeira hipótese, conforme já mencionado, ocorre
quando a informação não puder ser enquadrada na categoria
comunicação social e, portanto, não se trata de efetiva liberdade de imprensa, mas sim de manifestação de algum juízo ou
sentimento despido de parâmetros técnicos e deontológicos
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inerentes ao jornalismo. Não é difícil caracterizar tal hipótese
quando se tratam de colunas de opinião e de editoriais devidamente demarcados em setores próprios do meio de divulgação,
pois, neste caso, configura-se a livre manifestação de pensamento simples, não a forma qualificada de liberdade que tutela
a imprensa, conforme já antes explicado, mormente porque
tais escritos não são imprescindíveis para o aprimoramento
da democracia (mediante tomada de decisões informadas pelo
povo) e, portanto, não gozam de posição privilegiada. Mais
difícil de diagnosticar é a propagação de meros juízos ou sentimentos do jornalista disfarçados de notícia, circunstância que
acarreta maiores complicações para resolução de eventuais questionamentos judiciais.
Em caso de judicialização de conflitos envolvendo alegações desta natureza, pode-se cogitar de, em situação extrema,
proibir a divulgação da informação (tutela inibitória), porque daí
efetivamente não se trata do exercício da liberdade de imprensa,
a qual é a única modalidade de expressão de ideias com posição
privilegiada perante as demais prerrogativas fundamentais
(como a honra, a imagem e a privacidade). Salienta-se que não
se pode invocar a proteção contra a censura prévia quando não
se tratar de efetiva comunicação social de conteúdo jornalístico,
pois somente ela é albergada pela posição privilegiada da liberdade de imprensa. A par da tutela inibitória, caberia ainda a
resposta proporcional ao agravo e a indenização pecuniária, no
caso de comprovação de danos materiais e/ou morais, por parte
do jornalista e, também, da sociedade empresária que integra,
solidariamente.
A segunda hipótese, por sua vez, ocorre quando restar
demonstrada a falsidade da informação divulgada, ou seja, que
a informação repassada não corresponde à efetiva reconstrução
dos fatos pretéritos. Sob este ângulo, conclui-se que o direito das
pessoas de serem corretamente informadas, ou seja, de saberem
a verdade, constituiu a restrição por excelência da liberdade
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de imprensa. Com efeito, pouco importa que a incursão nos
direitos de honra, imagem ou privacidade das pessoas tenha
sido de pequena dimensão, haja vista que a imprensa não pode
invadir a esfera de proteção de outros direitos para propalar
inverdades. Neste sentido, a liberdade de imprensa pressupõe a
verdade da informação, que é o seu contraponto constitucional.
Notadamente, “não resta dúvida de que a comunicação
social com conteúdo comercial está obrigada a não distorcer a
verdade”, haja vista que “a informação falsa não seria protegida
pela Constituição, porque conduziria a uma pseudo-operação
de formação de opinião” (MENDES; COELHO; BRANCO,
2009, p. 414). Então, “uma vez optando o órgão da imprensa
pela publicação da matéria jornalística, surge para o leitor um
direito: o direito à informação verdadeira” (CARVALHO, 2003,
p. 91).
Entende-se por verdade, nesse contexto, o resultado da
diligente busca da informação, de acordo com estritos parâmetros jornalísticos e sem ingenuidade, de modo a afastar a responsabilidade em caso de erro não intencional. Não há de se cobrar
a infalibilidade do jornalista, mormente em razão da agilidade
inerente à sua atividade, que visa fornecer informações tempestivamente. Com efeito, “o jornalista não merecerá censura se
buscou noticiar, diligentemente, os fatos por ele diretamente
percebidos ou a ele narrados, com a aparência de verdadeiro,
dadas as circunstâncias” (MENDES; COELHO; BRANCO,
2009, p. 415). Cabe à imprensa “o dever de averiguar a veracidade da notícia”, ou seja, “reivindica-se, assim, a diligência do
informador em envidar todos os esforços para atingir a verdade,
de boa-fé, com transparência e obstinação, ainda que não lhe
tenha sido possível atingi-la por inteiro” (CARVALHO, 2003,
p. 95 e 114).
A responsabilização judicial em caso de informação falsa
deve ser efetuada preferencialmente mediante a apresentação
de resposta, que discorra sobre o equívoco (falsidade), optandoREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E O DIREITO À INFORMAÇÃO VERDADEIRA
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se pela periodicidade e pelas vias que sejam suficientes para o
mais amplo conhecimento da correção e do desagravo. Cabe
também a compensação financeira pelo abalo material e/ou
moral sofrido. A tutela inibitória, por outro lado, somente será
cabível se a jurisdição puder formar de plano a convicção de
certeza, exauriente e extensiva, acerca da falsidade da informação, cujo conteúdo pôde analisar previamente, sob pena de
consubstanciar instrumento de censura prévia, repudiado no
cenário democrático.
5 A OBRIGAÇÃO DE INFORMAR A VERDADE
Uma última questão merece ser abordada, no tocante à
possibilidade das sociedades empresárias do ramo jornalístico
deixarem de publicar informações a que tiverem acesso, ainda
que verdadeiras, por questões internas ou políticas, baseadas nos
direitos à liberdade de imprensa, à livre iniciativa e à propriedade.
Embora o tema não seja enfrentado com frequência,
prevalece o entendimento de que as instituições jornalísticas
não estão obrigadas a revelar as informações verdadeiras a que
tenham acesso, residindo na sua esfera de conveniência e oportunidade a faculdade de deixar de informar, independentemente da importância da notícia. Tal inexistência da obrigação
de informar tem como base os direitos fundamentais da livre
inciativa privada e da independência funcional do jornalista.
Com base na liberdade de escolha de quais informações
serão noticiadas, seria admissível que determinada entidade de
imprensa deixasse de informar dados relevantes para a formação
da opinião pública quanto a determinado candidato a mandato
eletivo (Presidência da República, por exemplo), com base em
quaisquer motivos, a exemplo das preferências políticas dos dirigentes, acionistas ou administradores.
Um “exemplo bem marcante” de tal situação é narrado
por Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, ao referir
que, “na eleição presidencial de 1990, comentou-se que a Rede
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Globo teria editorado o último debate dos dois candidatos finalistas – Collor e Lula – de forma a exibir no Jornal Nacional os
melhores momentos do primeiro e os piores do segundo, em
uma síntese do debate” (2003, p. 109).
Poderia se cogitar, ainda, da não divulgação de informações cientificamente comprovadas acerca de malefícios que
determinados alimentos ou remédios possam causar à saúde
da população, que chegaram ao conhecimento de determinada editora de jornais ou emissora de sinais de televisão ou
de rádio, por questões meramente econômicas, como o risco de
perda de anunciantes do setor alimentício ou de investimentos
de grandes e ricos laboratórios, que pagam por promoções de
marketing de seus produtos.
Exemplificativamente, a emissora jornalística norte-americana Fox News Corporation teria resistido à divulgação de um
programa investigativo de sua própria produção que continha
informações sobre eventuais malefícios causados pela substância Posilac (um hormônio bovino), produzida pela Monsanto
Corporation. A substância teria o objetivo de aumentar a
produção de leite de vaca e, assim, majorar os lucros de pecuaristas. Os jornalistas, empregados da Fox, teriam produzido o
documentário contendo conclusões extraídas de estudos científicos, no sentido de que os consumidores do leite extraído
das vacas submetidas ao Posilac poderiam desenvolver câncer,
mas, a direção da entidade jornalística decidiu não veicular tais
informações, sob o argumento de liberdade empresarial. O caso
chegou à jurisdição norte-americana, em litígio envolvendo os
jornalistas investigadores e a Fox, restando decidido, em definitivo, dentre outros temas, que a empresa não tinha a obrigação
de prestar esta informação, em detrimento da saúde pública
(THE CORPORATION, 2003).
Em situações como as acima exemplificadas, a sociedade empresária jornalística estaria colocando seus interesses
empresariais particulares em detrimento do aprimoramento
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da ordem democrática e da saúde pública, alegando amparo na
ampla liberdade empresarial e na sua independência funcional.
Desvela-se aí que “os males atuais da imprensa capitalista vêm
da origem liberal da liberdade de imprensa”, carente de compromisso social (CARVALHO, 2003, p. 192).
Num esforço para superar as dificuldades decorrentes do
abuso do direito de liberdade empresarial e da independência
do jornalista, deve ser reconhecido o direito individual à informação verídica. O ordenamento jurídico brasileiro, inclusive,
estabelece tal o direito como uma prerrogativa fundamental,
consoante se extraí do art. 5º, XIV, da CRFB. Daí decorre a
obrigação das instituições de mídia informarem fatos verdadeiros, não se omitindo no cumprimento de tal múnus público.
As dificuldades, todavia, não residem na justificação do
direito à informação verdadeira, mas sim na operacionalização
de tal direito, haja vista ser rarefeita a fiscalização dos fatos que
chegam ao conhecimento da mídia, para se constatar se houve
omissão quanto à divulgação da informação por algum motivo
ilegítimo. No exemplo acima narrado, envolvendo a divulgação
de estudos sobre os malefícios causados por substância produzida pela Monsanto, os fatos só se tornaram públicos em razão
de questões organizacionais internas, que levaram os empregados da Fox a judicializarem o tema. Notadamente, é extremamente dificultoso comprovar quais fatos efetivamente eram de
conhecimento da empresa jornalística e esta se negou a publicar,
apesar de sua veracidade (CARVALHO, 2003, p. 89).
Mesmo assim, é possível se viabilizar uma fiscalização
pública da atividade jornalística, no sentido de obrigar as respectivas empresas a investigarem fatos que lhes forem noticiados por
particulares, desde que existam indícios da sua verossimilhança.
Nestes casos, tendo o particular comprovado a notificação da
empresa sobre determinado equívoco previamente publicado
que precisa ser corrigido tempestivamente, surge a obrigação
do meio de comunicação expor a contradita e se justificar sufiREVISTA DA ESMESC, v. 17, n. 23, 2010
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cientemente. E, ainda, havendo a demonstração da formulação
de denúncias relevantes perante a empresa jornalística, está
inaugurada a obrigação dela investigar os fatos. Trata-se de uma
obrigação fundamental (de informar a verdade) como contrapartida de uma prerrogativa fundamental (livre imprensa). A
posição privilegiada da liberdade de imprensa, nos termos antes
expostos, reclama este contraponto, no sentido de viabilizar o
exercício da ampla, adequada e verídica informação.
Exemplificativamente, há notícia de que, “na Inglaterra,
existe a obrigação de publicar cartas dos leitores de interesse geral,
cabendo recurso ao Press Council em caso de recusa” (CARVALHO,
2003, p. 90). De forma similar, cabe conferir eficácia ao art. 5º,
XIV, da CRFB, no sentido de assegurar sua mais ampla projeção
do direito à informação no cenário brasileiro.
E não se trata apenas da inclusão das já conhecidas seções
de cartas dos leitores. Para além disto, exige-se o dever de
apuração da verdade, por parte dos órgãos de imprensa, para
que possam bem e suficientemente informar. Somente assim,
se estará conferindo o amplo acesso da população aos órgãos de
mídia, não só para atenuar o domínio de grupos econômicos do
setor, mas principalmente para assegurar o direito fundamental
à informação verdadeira.
6 CONCLUSÕES
As instituições jornalísticas são titulares do direito fundamental à liberdade de imprensa, como modalidade qualificada
da livre manifestação de pensamento, que goza de posição privilegiada perante outras prerrogativas constitucionais, desde que
esteja no exercício efetivo da comunicação social (não externando mera opinião de dirigentes ou jornalistas em particular)
e de que a informação seja verdadeira, em face da ponderação
com o direito das pessoas de saber a verdade.
Tal posição privilegiada justifica-se pela enorme importância que a disseminação de informações verdadeiras na
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A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E O DIREITO À INFORMAÇÃO VERDADEIRA
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tomada de decisões quanto aos destinos políticos, econômicos e
sociais do país, com reflexos no desenvolvimento da democracia
e na criação de riquezas.
Como corolário da posição privilegiada, deve-se repudiar
a censura prévia de informações jornalísticas verdadeiras, pelas
vias administrativa ou judicial, resguardando-se tal possibilidade extrema para os casos em que, flagrantemente, não se trata
de comunicação social (mera manifestação de juízos ou sentimentos de pessoas específicas) ou restar cabalmente comprovada a falsidade (não basta a verossimilhança ou suspeitas).
Alternativamente, a tutela jurisdicional deve ser efetuada na sua
vertente reparatória, específica (direito de resposta proporcional
ao agravo) ou reparatória (compensação material e/ou moral),
ainda que cumulativamente.
Por outro lado, o direito fundamental à liberdade de
imprensa encontra seu contraponto na prerrogativa também
constitucional de acesso à informação verdadeira, reclamando
das instituições jornalísticas a obrigação de efetivamente investigar e apurar fatos relevantes que cheguem ao seu conhecimento, cuja divulgação não pode ser negligenciada ou protelada por interesses econômicos, em razão da importância das
notícias verídicas para a tomada de decisões bem informadas no
cenário democrático.
Abstract: The journalistic institutions are entitled
to the fundamental right of freedom of the press,
as qualiied form of free expression of thought,
which enjoys a preferred position before other
constitutional prerogatives, when in the efective exercise of the media (not mere opinion of
the newsmen) and when the information is true,
given the balance with the people’s right to know
the truth. This privileged position is justiied by
the enormous importance of the dissemination
of truthful information to decision-making about
political, economic and social question, relecting
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in the democratic development. As a corollary of
its special position, one must reject the censorship
of true journalistic information, by administrative
or judicial process, except in extreme cases where.
Alternatively, the judicial orders must provide
speciic reparations (right of proportional response
to the complaint) or idemnity (material and/or
moral damages), even cumulatively. Moreover, the
right of free press inds its counterpoint in the also
constitutional right to know the truth, claiming
journalistic institutions the obligation to efectively investigate and ascertain facts coming to their
knowledge, wich cannot be delayed by economic
interests, because of the importance of the news
for making informed decisions in the democratic
setting.
Keywords: Proportionality. Freedom of press (free
press). Preferred position. Right to know the truth.
Information duty.
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