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Fatores Associados À Polimedicação Em Idosos Dos Meios Rural e Urbano

2016, Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento

ARTIGOS Va n e s s a d a S i l v a C o r r a l o 1 Lilian Caroline Bohnen2 Clenise Liliane Schmidt3 Clodoaldo Antônio de Sá4 resumo Objetivou-se neste estudo avaliar a prática de polimedicação e fatores associados em idosos residentes nos meios rural e urbano de um município do extremo oeste catarinense. Realizou-se um estudo do tipo transversal com 242 idosos (148 do ambiente rural e 94 do ambiente urbano). A amostra foi obtida a partir de um sorteio 1 Graduada em Farmácia. Doutora em Ciências Biológicas-Bioquímica Toxicológica. Professora titular da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. E-mail: vcorralo@unochapeco.edu.br 2 Graduada em Farmácia. Mestre em Ciências da Saúde. Professora da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) vinculada às Ciências da Saúde. E-mail: lilian_06@unochapeco. edu.br 3 Graduada em Enfermagem. Mestre em Ciências da Saúde. Professora da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) vinculada às Ciências da Saúde. E-mail: clenise@unochapeco. edu.br 4 Graduado em Educação Física. Doutor em Ciência do Movimento Humano. Professor titular da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. E-mail: clodoaldo@unochapeco.edu.br Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. FAT O R E S A S S O C I A D O S À P O L I M E D I C A Ç Ã O EM IDOSOS DOS MEIOS RURAL E URBANO 195 ARTIGOS estratificada por sexo e local de residência. Para todas as análises, utilizou-se o pacote estatístico SPSS®, versão 20.0, e o nível de significância adotado foi de 5%. Quanto ao uso de medicamentos, 87,8% dos idosos residentes no meio rural e 86,2% dos idosos urbanos utilizavam algum tipo de medicamento. Dentre os resultados analisados, a média de fármacos utilizada foi de 3,94. A prática de polimedicação esteve presente em 38,84% da população estudada. A prevalência da polimedicação não esteve associada ao local de residência dos idosos (meio urbano ou rural), e sim ao sexo. Além da polimedicação ser mais prevalente entre as mulheres do que entre os homens (48,4% e 29,2%, respectivamente), esta foi associada ao estado civil, ao fato de saber ler e escrever e a autopercepção de saúde, somente para o sexo feminino. Com base nos resultados, evidencia-se que a promoção do uso racional de medicamentos pelos profissionais da saúde deve ser uma constante que proporcione diminuição das complicações relacionadas ao consumo de fármacos. palavras-chave Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. Envelhecimento. Saúde do Idoso. Uso de Medicamentos. Polifarmácia. Doença Iatrogênica. 196 1 Introdução O envelhecimento da população é um fenômeno mundial e representa um dos maiores desafios para a saúde pública (SANTOS et al., 2013). O Brasil é um país que se encontra nesse novo cenário, de uma forma radical e acelerada, adaptando-se a essa nova realidade (VERAS, 2009). Esse processo ocorreu de forma gradual em países desenvolvidos, normalmente acompanhados de políticas públicas, melhorias nos sistemas de saúde, saneamento básico, condições habitacionais, trabalho e alimentação, e também se percebe no Brasil por acarretar em profundas mudanças em todos os setores da sociedade (PEREIRA et al., 2006). Enquanto as políticas ainda eram voltadas para a mortalidade da população jovem, agora as enfermidades complexas e onerosas, crônicas e múltiplas, típicas de países longevos, tornaram-se preocupantes pois ocorreram em um contexto de desigualdades sociais (VERAS, 2009; PEREIRA et al., 2006). Neste cenário, emergem inúmeros fatores de risco ou vulnerabilidades que de alguma maneira acarretarão efeitos negativos à população idosa. Dentre eles, pode-se destacar a presença de múltiplas doenças, maior frequência de 2 Metodologia A pesquisa seguiu um modelo de estudo descritivo de corte transversal realizada no município de Paraíso, SC, entre os meses de setembro a dezembro de 2013. Paraíso é um município localizado no extremo oeste de Santa Catarina, com uma população de 4.218 habitantes. A população é predominantemente rural (64,4% do total), e a população idosa corresponde a 16,6% do total de habitantes (BRASIL, 2013). Considerando um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%, a amostra foi estimada em 240 sujeitos, os quais foram estratificados por sexo e local de residência. Dessa forma, foram selecionados 94 idosos residentes no meio urbano (50 mulheres e 44 homens) e 148 no meio rural (72 mulheres e 76 homens), totalizando 242 idosos. ARTIGOS Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. internações, situação econômica precária, uso contínuo de múltiplos fármacos e, consequentemente, seus diversos efeitos adversos (HANLON et al., 1992; LLOYD-SHERLOCK, 2000; LINJAKUMPU et al., 2002). Diante dessa nova realidade que muitos países se encontram, surge a preocupação com a polimedicação, que, de acordo com Flores e Mengue (2005), caracteriza-se como o uso de cinco ou mais medicamentos simultaneamente num período igual ou superior a uma semana. Essa associação de fármacos, aliada com as condições fisiológicas e clínicas debilitadas na terceira idade, tornaram-se alvo de preocupações para o setor saúde (NEVES et al., 2013). Além disso, a polimedicação favorece o descumprimento das prescrições, resultando em problemas relacionados com a segurança dos medicamentos, reações adversas graves, interações medicamentosas, aumento do uso de medicamentos inadequados e o surgimento de iatrogenias (SECOLI, 2010; LUCCHETTI et al., 2010). Observa-se ainda que com o passar dos anos, a população idosa é acometida por uma diminuição da massa muscular e água corporal, alteração do metabolismo hepático e mecanismos homeostáticos, bem como da capacidade de filtração e excreção renal, o que gera uma dificuldade de eliminação e metabolização de fármacos com acúmulo de substâncias tóxicas no organismo e reações adversas mais intensas (ROZENFELD; PEPE, 1992). Desta forma, objetivou-se neste estudo avaliar a prática de polimedicação e fatores associados em idosos residentes nos meios rural e urbano de um município do extremo oeste catarinense, pois os estudos que relacionam o uso de medicamentos com o local em que os idosos residem ainda são escassos devido à dificuldade de acesso, limitação de custos e tempo. 197 ARTIGOS Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. 198 Para seleção da amostra, foi realizado sorteio dos idosos residentes no município. Cada indivíduo sorteado foi visitado em sua residência pelos pesquisadores. Durante a visita, o pesquisador informou o idoso e/ou cuidador sobre os objetivos e procedimentos do estudo. Como critérios de exclusão, foram considerados: não ser encontrado em casa após três tentativas de visita e óbito nos meses da coleta. Dessa forma, dois idosos foram substituídos durante a pesquisa, sendo um por não concordar em participar do estudo e o outro por falecer previamente à aplicação do questionário. Todos os demais sorteados concordaram em participar da pesquisa e os dados foram incluídos no presente estudo. Para avaliação do uso de medicamentos, polimedicação e outras variáveis relacionadas ao perfil de vida e saúde dos idosos, foram realizadas entrevistas por meio do questionário adaptado de Morais (2007). Esse instrumento foi construído a partir do Projeto SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento na América Latina e Caribe) da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), com adaptações de acordo com os objetivos do estudo. O instrumento de coleta de dados abrange perguntas estruturadas e pré-codificadas, sendo composto por sete seções que abrangem as seguintes dimensões: informações pessoais, condições de moradia, composição familiar, condições de saúde e hábitos de vida, uso e acesso aos serviços de saúde e apoio familiar recebido (MORAIS, 2007). A capacidade cognitiva foi avaliada por meio da aplicação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), o qual avalia as funções cognitivas por meio de escores que podem variar de 0, que indica o maior grau de comprometimento cognitivo, até o máximo de 30 pontos, que corresponde à melhor capacidade cognitiva (FOLSTEIN; FOLSTEIN; MCHUGH, 1975). Para a classificação da polimedicação, foram considerados os indivíduos que utilizavam de zero a quatro medicamentos como não polimedicados e cinco ou mais medicamentos como polimedicados, durante um período igual ou superior a sete dias (FLORES; MENGUE, 2005). As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos. Os dados coletados foram reunidos e codificados em um banco de dados. Para a análise da prevalência de polimedicação, utilizou-se a distribuição de frequências (frequência absoluta e percentual). A análise das associações entre polimedicação e as variáveis independentes consiste em: sexo, local de residência, cor da pele, estado civil, tipo de aposentadoria, condição de ler e escrever, autopercepção de saúde e capacidade cognitiva, que foram utilizadas por meio do teste de Qui-quadrado de Pearson ou do teste Exato de Fischer, dependendo 3 ARTIGOS da frequência observada em cada categoria analisada. Para todas as análises, utilizou-se o pacote estatístico SPSS®, versão 20.0 e o nível de significância adotado foi de 5%. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (protocolo nº 030/2013). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados Foram entrevistados 242 idosos, sendo 50,41% do sexo feminino e 49,59% do sexo masculino, cujas características estão descritas na Tabela 1. Tabela 1 – Características gerais da amostra. Masculino Feminino Número de sujeitos 76 72 Percentual 51,4 70,54 (±7,69) Idade média (+ DP) Total Meio urbano Total Masculino Feminino 148 44 50 94 48,6 100 46,8 53,2 100 70,60 (±7,74) 70,57 (±7,69) 71,82 (±6,59) 71,14 (±7,06) 71,46 (±6,81) Quanto ao uso de medicamentos, 87,8% dos idosos residentes no meio rural e 86,2% dos idosos urbanos utilizavam algum tipo de medicamento. A média de fármacos utilizados por todos os idosos entrevistados foi de 3,94. A prática de polimedicação esteve presente em 38,84% da população estudada. A prevalência de polimedicação em função do local de residência (zona rural ou urbana) e sexo é mostrada na Tabela 2. A análise dos dados evidenciou que a polimedicação não apresentou associação estatisticamente significante (p> 0,05) com o local de residência (zona rural ou urbana), entretanto associou-se significativamente com o sexo (p<0,05). Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. Meio rural 199 ARTIGOS Tabela 2 – Prevalência de polimedicação em idosos residentes nos meios rural e urbano em função do local de residência e do sexo. Polimedicação NÃO TOTAL SIM Por local de residência Rural Urbano Total n 87 61 148 % 58,8 41,2 100 n 61 33 94 % 64,9 35,1 100 n 148 94 242 % 61,2 38,8 100 35 120 29,2 100 59 122 Sexo Masculino Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. Feminino* 200 Total n 85 % 70,8 n 63 % 51,6 48,4 100 n 148 94 242 % 61,2 38,8 100 *Significativa (p<0,05). A polimedicação não apresentou associação estatisticamente significante (p>0,05) com a cor da pele e com o tipo de aposentadoria, tanto para idosos do sexo masculino quanto do feminino (Tabela 3). Por outro lado, a análise da prevalência de polimedicação em função do estado civil (Tabela 3) evidenciou que essa condição foi significativamente mais prevalente (p<0,05) nas mulheres não casadas, enquanto que entre os homens, a polifarmácia não apresentou associação estatisticamente significativa com a condição destes estarem ou não casados (p>0,05). Polimedicação NÃO SIM TOTAL ARTIGOS Tabela 3 – Prevalência de polimedicação em função da cor da pele (autodeclarada), do estado civil e do tipo de aposentadoria em idosos do sexo masculino e feminino. Brancos Masculino Pardos ou Negros Total Brancos Feminino Pardos ou Negros Total n 68 30 98 % 69,4 30,6 100 n 17 5 22 % 77,3 22,7 100 n 85 35 120 % 70,8 29,2 100 n 51 52 103 % 49,5 50,5 100 n 12 7 19 % 63,2 36,8 100 n 63 59 122 % 51,6 48,4 100 n 18 7 25 % 72 28 100 n 67 28 95 % 70,5 29,5 100 n 85 35 120 % 70,8 29,2 100 n 10 21 31 % 32,3 67,7 100 n 53 38 91 % 58,2 41,8 100 n 63 59 122 % 51,6 48,4 100 Estado Civil Não Casadoa Masculino Casado Total Não Casadoa Feminino* Casado Total Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. Cor da pele (Autodeclarada) 201 ARTIGOS Tipo de aposentadoria Por Idade Masculinob Por Tempo de Serviço ou Invalidez Total Por Idade Feminino Por Tempo de Serviço ou Invalidez Total n 73 27 100 % 73 27 100 n 11 7 18 % 61,1 38,9 100 n 84 34 118 % 71,2 28,8 100 n 56 49 105 % 53,3 46,7 100 n 7 9 16 % 43,8 556,3 100 n 63 58 121 % 52,1 47,9 100 Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. a – A categoria “Não Casado” inclui: solteiros, divorciados, separados e viúvos; b – Dois sujeitos do sexo masculino e um do sexo feminino não estavam aposentados quando a coleta de dados foi realizada. * Significativa (p<0,05). 202 A prevalência de polimedicação em função da condição de saber ler e escrever, da autopercepção de saúde e da capacidade cognitiva é mostrada na Tabela 4. A polimedicação foi significativamente maior (p < 0,05) entre as mulheres que não sabiam ler e escrever ou apenas assinavam o nome do que entre as que sabiam ler, e também foi maior entre as mulheres com a autopercepção de saúde avaliada como regular, ruim ou péssima em comparação com as mulheres que autoavaliaram sua saúde como boa ou ótima. Já entre os homens, a polimedicação não apresentou associação estatisticamente (p > 0,05) significativa com essas condições. A avaliação da associação da capacidade cognitiva com a polimedicação não foi estatisticamente significativa (p > 0,05) tanto para homens quanto para mulheres. Polimedicação NÃO SIM Total ARTIGOS Tabela 4 – Prevalência de polimedicação em função da condição de saber ler e escrever, da autopercepção da condição de saúde e da capacidade cognitiva em idosos do sexo masculino e do feminino. Condição de saber ler e escrever Lê e Escreve Masculino Não Lê a Total Lê e Escreve Feminino* Não Lê a Total n 64 27 91 % 70,3 29,7 100 n 21 8 29 % 72,4 27,6 100 n 85 35 120 % 70,8 29,2 51 n 51 36 87 % 58,6 41,4 100 n 12 23 35 % 34,3 65,7 100 n 63 59 122 % 51,6 48,4 100 Ótimo ou Bom Regular Masculino Ruim ou Péssimo Total Ótimo ou Bom Regular Feminino* Ruim ou Péssimo Total n 44 13 57 % 77,2 22,8 100 n 32 19 51 % 62,7 37,3 100 n 9 3 12 % 75 25 100 n 85 35 120 % 70,8 29,2 100 n 41 26 67 % 61,2 38,8 100 n 19 23 42 % 45,2 54,8 100 n 3 10 13 % 23,1 76,9 100 n 63 59 122 % 51,6 48,4 100 Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. Autopercepção de saúde 203 ARTIGOS Capacidade Cognitiva Normal Masculino Déficit cognitivo Total Normal Feminino Déficit cognitivo Total n 38 17 55 % 69,1 30,9 100 n 47 18 65 % 72,3 27,7 100 n 85 35 120 % 70,8 29,2 100 n 21 24 45 % 46,7 53,3 100 n 42 35 77 % 54,5 45,5 100 n 63 59 122 % 51,6 48,4 100 Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. a – A categoria “Não Lê” inclui, além dos sujeitos que não leem, aqueles que somente assinam o nome. b – Avaliada pelo Mini Exame do Estado Mental – MEEM. * Significativa (p<0,05). 204 4 Discussão O principal achado do presente estudo foi o fato de que a prevalência da polimedicação não esteve relacionada ao local de residência dos idosos (meio urbano ou rural), e sim ao sexo (Tabela 2), sendo mais prevalente entre as mulheres que entre os homens (48,4% e 29,2%, respectivamente). Entre as mulheres, mas não entre os homens, o estado civil, a condição de saber ler e escrever e a autopercepção de saúde foram fatores associados a polimedicação. Em relação à polifarmácia em mulheres, estudos apontam que mulheres utilizam mais medicamentos quando comparadas com os homens (CARVALHO et al., 2012; SANTOS et al., 2013; GALATO; SILVA; TIBURCIO, 2010). Essa relação pode ser explicada pelo fato de que as mulheres procuram mais os serviços de saúde, pela maior expectativa de vida das mulheres, por conviverem por mais tempo com as doenças crônicas e por possuírem maior consciência referente aos problemas psíquicos e físicos (CASSONI et al., 2014). De acordo com Bardel, Wallander e Svärdsudd (2000), as mulheres apresentam maiores taxas de morbidade por doenças crônicas não fatais e menor exposição a determinados fatores de risco, principalmente no ambiente de trabalho. ARTIGOS Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. Além disso, o percentual de idosos polimedicados (38,84%) encontrado em nossa pesquisa foi bastante elevado quando comparado ao de outros estudos. Essas desigualdades podem ser explicadas pelas diferenças em relação aos serviços prestados à população e modelos de atenção à saúde de cada região (LOYOLA FILHO et al., 2005). Santos et al. (2013) registraram uma prevalência de 26,4% de idosos polimedicados em Goiânia, GO. Marin et al. (2008), avaliando idosos pertencentes ao Programa Saúde da Família de uma cidade do interior paulista, constataram que 22,8% dos indivíduos faziam o uso de polimedicação. Resultados similares foram encontrados por Flores e Mengue (2005). Cabe salientar que o uso de medicamentos se faz necessário para o tratamento das múltiplas enfermidades que acometem os idosos, contudo, também é considerado um fator de risco uma vez que o envelhecimento traz alterações fisiológicas importantes relacionadas ao metabolismo dos medicamentos, deixando essa parcela da população mais vulnerável a interações medicamentosas e reações adversas (CARVALHO et al., 2012). De acordo com o mesmo autor, por vezes, equivocadamente, as reações adversas são interpretadas como novas entidades clínicas e tratadas com novos fármacos, constituindo a cascata iatrogênica. Além disso, em muitas situações, o profissional não questiona o idoso em relação aos medicamentos que utiliza, podendo propiciar a duplicidade de prescrições (CARVALHO et al., 2012). A alta prevalência do uso de medicamentos encontrada em nosso estudo (87,2%) está coerente com os achados de outras pesquisas realizadas em diferentes regiões brasileiras como Recife (PE), Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG) e outras cidades da Região Sul do Brasil (NEVES et al., 2013; COELHO FILHO; MARCOPITO; CASTELO, 2004; LOYOLA FILHO et al., 2005; FLORES; MENGUE, 2005). Além disso, pesquisas feitas em outros locais do mundo como Estado Unidos e Alemanha também apontam o consumo elevado de medicamentos por idosos, chegando próximo a 100% (CRENTSIL et al., 2010; JUNIUS-WALKER; THEILE; HUMMERS-PRADIER, 2007). De acordo com Passarelli e Gorzoni (2008), o uso excessivo de medicamentos pela população idosa é um dos principais fatores relacionados a iatrogenias, reações adversas, interações medicamentosas e risco de intoxicações e hospitalizações. O fato do nosso estudo não ter evidenciado associação entre o local de residência e a polimedicação (Tabela 2) contradiz o estudo de Dal Pizzol et al. (2012), que, ao investigarem a polimedicação em idosos da área rural e urbana de um município do Sul do Brasil, evidenciaram uma maior prevalência dessa prática na população urbana. Segundo os autores, isso poderia ser justificado pela maior facilidade de acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, 205 ARTIGOS Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. 206 ao maior número de medicamentos prescritos. Por outro lado, a cor da pele autodeclarada não foi associada à polimedicação (Tabela 3), corroborando com o estudo de Flores e Mengue (2005), no qual também não foi observada relação entre a raça autodeclarada e o uso de medicamentos. O estado civil também foi um fator associado com a polimedicação entre as mulheres (Tabela 3), sendo que a prevalência de polimedicação foi maior entre as mulheres não casadas (não casadas: 67,7%; casadas: 41,8%). Santis (2009) evidenciou uma relação entre estado civil e o total de fármacos consumidos ao mostrar que 70% dos indivíduos não casados eram polimedicados. Por outro lado, não foram evidenciadas associações entre aposentadoria por idade, por tempo de serviço ou por invalidez e a polimedicação, tanto para as mulheres quanto para os homens (Tabela 3). A baixa escolaridade apresentou-se também como um fator predisponente para a polimedicação entre as mulheres, sendo que a prevalência foi maior entre as que não sabiam ler e escrever ou apenas assinavam o nome (Tabela 4). Corroborando, Galato, Silva e Tiburcio (2010) evidenciaram associação significativa entre polimedicação e menor nível de escolaridade. Acurcio et al. (2009) citam que a menor renda e escolaridade mais baixa se associam a regimes terapêuticos mais complexos, sugerindo que os idosos que possuem essas características pertencem a um grupo mais vulnerável às complicações advindas dessa complexidade. Complementam ainda que tais idosos necessitam de maior atenção por parte dos profissionais de saúde, que devem buscar adequação do regime terapêutico para facilitar o autocuidado. Outro achado importante refere-se à associação entre a autopercepção de saúde e a prevalência de polimedicação entre as idosas (Tabela 4), em que uma autopercepção de saúde mais negativa foi associada à maior frequência de polimedicação. Nesse sentido, Carvalho et al. (2012) salientam que indivíduos com autopercepção de saúde ruim buscam nos medicamentos uma solução para seus problemas de saúde, seja a perda de um familiar, a solidão de mulheres que residem sozinhas ou qualquer outro problema emocional ou físico. Outro fator avaliado nesta pesquisa foi a relação entre polimedicação e cognição visto que as disfunções cognitivas são frequentes na velhice e poderiam ser exacerbadas com o uso de medicamentos. Da mesma maneira, a disfunção cognitiva pode resultar do uso da polifarmácia ou da utilização de algumas classes de medicamentos como os anticolinérgicos, psicofármacos, cardiovasculares e outros (MOORE; O’KEEFFE, 1999). Não foi evidenciada nenhuma associação entre a prevalência de polifarmácia e a capacidade cognitiva (Tabela 4). López-Torres Hidalgo et al. (1997) e Klarin, Fastbom e Wimo (2003) evidenciaram um consumo maior de medicamentos entre idosos com Considerações finais De maneira geral, os dados deste estudo evidenciaram aspectos que são comuns e também aspectos que são divergentes em relação a estudos realizados em diferentes regiões do país ou mesmo em outros países. Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de se conhecer os fatores associados à polimedicação em idosos, sobretudo, a partir da análise deste fenômeno em diferentes contextos. Dessa forma, os resultados aqui apresentados e discutidos constituem elementos importantes para subsidiar a discussão e redefinição das políticas voltadas para as pessoas idosas, com ênfase na saúde e na qualidade de vida dessa população. F A C T O R S A S S O C I AT E D W I T H P O LY P H A R M A C Y I N T H E R U R A L A N D U R B A N E L D E R LY abstract The aim of this study was to evaluate the practice of polypharmacy and associated factors among rural and urban elderly. A cross-sectional and descriptive study conducted with 242 elderly (148 rural and 94 urban environment) in the municipality of Paraíso/SC. The sample was obtained from a draw, stratified by sex and place of residence. For all analyzes, we used the statistical package SPSS®, version 20.0 and the significance level was 5%. Regarding the use of drugs, 87.8% of elderly people living in rural areas and 86.2% of urban were using some kind of drug. Among these, the average drug used was 3,94. The polypharmacy was present in 38.84% of the study population. Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 195-210, 2016. 5 ARTIGOS comprometimento cognitivo. Entretanto, as associações não permaneceram significativas após o ajuste por outras variáveis. Já nos estudos de Rait et al. (2005) e Hanlon et al. (1996), realizados com idosos britânicos e americanos, respectivamente, o consumo de medicamentos foi menor entre os que apresentaram disfunção cognitiva, mas como nos estudos citados anteriormente, as diferenças não permaneceram significativas após o ajuste pelas demais variáveis. Dados de Loyola Filho et al. (2005) demonstraram que o consumo de medicamentos foi menor entre os idosos com disfunção cognitiva. Segundo os autores, idosos com disfunção cognitiva apresentam um maior número de problemas crônicos e limitações funcionais e, dessa forma, seria plausível esperar maior uso de polifarmácia entre eles. 207 ARTIGOS The prevalence of polypharmacy was not associated with place of residence of the elderly (urban or rural) and yes to sex. In addition to the polypharmacy be more prevalent among women than among men (48.4% and 29.2%, respectively), this was associated with marital status, the fact that reading and writing and self-rated health, only for sex female. Based on the results it is evident that the promotion a rational use of medications by health professionals must be a constant, providing a reduction of complications related to their consumption. keywords Aging. Health of the Elderly. Drug Utilization. Polypharmacy. Iatrogenic Disease. referências ACURCIO, Francisco de Assis et al. Complexidade do regime terapêutico prescrito para idosos. 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