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A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais The Establishment of Automotive Industries in São José dos Pinhais and its Effects on Social Indicators La Implantación de Industrias Automovilísticas en São José dos Pinhais e sus Efectos sobre Indicadores Sociales Camila Simoni Junqueira* e Simone Aparecida Polli** RESUMO Este artigo visa discutir se o incentivo à implantação de indústrias automobilísticas no município de São José dos Pinhais, na segunda metade da década de 1990, logrou obter resultados satisfatórios para além do aumento do PIB municipal. A partir de uma revisão bibliográfica acerca do histórico brasileiro de incentivo às indústrias automobilísticas, os dados levantados demonstram que o comportamento dos indicadores sociais no município não foi muito diferente da situação estadual e da Região Metropolitana de Curitiba. Conclui-se que os benefícios econômicos decorrentes da implantação de grandes montadoras são concentrados nas mãos de poucos e não representam melhoria da situação social da população. Palavras-chave: Indústria automobilística. São José dos Pinhais. Desenvolvimento econômico. Desenvolvimento social. Indicadores sociais. ABSTRACT This article’s goal is to discuss if the incentives to establish automotive industries in the city of São José dos Pinhais, in late 1990s, was successful in obtaining satisfactory social results besides increasing the local GDP. A literature review about the Brazilian car company incentive history shows that the social indicators’ behavior of the city was not very different from Paraná’s situation and from the Metropolitan Region of Curitiba. The conclusion is that * Graduada em Direito e em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná e em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas. Mestranda em Planejamento e Governança Pública da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: camila_junqueira@yahoo.com ** Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. Mestre e Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. E-mail: simonep.utfpr@gmail.com Artigo recebido em 31/07/2016 e aceito para publicação em 06/09/2016. REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 141 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais the economic benefits resulting from the implementation of big carmakers are concentrated in just a few hands and do not improve the citizens’ social condition. Keywords: Automotive industry. São José dos Pinhais. Economic development. Social development. Social indicators. RESUMEN El artículo tiene como objetivo discutir si los incentivos a la implementación de industrias automovilísticas en São José dos Pinhais, Paraná, en la segunda mitad de la década de 1990, obtuvieron resultados satisfactorios, además de aumentar el PIB local. Tras una revisión de la literatura sobre la historia de Brasil y sus incentivos a los fabricantes de automóviles, se demostró que el comportamiento de los indicadores sociales en la ciudad no fue muy distinto de la situación de Paraná y la Región Metropolitana de Curitiba en conjunto. Se concluye que los beneficios económicos que resultaron de la implantación de grandes fabricantes de automóviles se concentran en manos de una élite y no mejoran la situación social de los ciudadanos. Palabras clave: Industria automovilística. São José dos Pinhais. Desarrollo económico. Desarrollo social. Indicadores sociales. 142 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli INTRODUÇÃO As políticas industriais têm sido objeto de estudo dos economistas, com teorias divergentes sobre a viabilidade e até mesmo a necessidade de adotá-las (ALMEIDA, 2009; SUZIGAN; FURTADO, 2006). A economia clássica e a teoria proposta por David Ricardo acerca das vantagens comparativas constituem um dos óbices apresentados por aqueles que entendem ser desnecessário o incentivo a um setor industrial específico. Apesar disso, praticamente todos os países de desenvolvimento tardio adotaram algum tipo de política industrial desta natureza (ALMEIDA, 2009). Em São José dos Pinhais, município integrante da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a instalação de montadoras multinacionais de automóveis na segunda metade da década de 1990 efetivamente logrou êxito em aumentar sensivelmente o PIB do município. O objetivo deste estudo é descrever o contexto histórico-econômico brasileiro em que foram implantadas as montadoras Renault e Audi/Volkswagen em São José dos Pinhais, analisando essa implantação como uma política industrial de Estado e seus efeitos nos indicadores sociais do município, em especial para verificar se o desenvolvimento econômico decorrente da implantação de empresas multinacionais pode ser considerado sustentável social e territorialmente. A coleta de dados teve fontes bibliográficas e documentais, consistentes nos dados relativos a indicadores sociais e econômicos do município. Justifica-se a necessidade de avaliar o sucesso das políticas de desenvolvimento econômico para além dos dados relativos à economia, mas também examinando dados relativos ao desenvolvimento social, a fim de atestar se tais políticas foram efetivamente bem-sucedidas e se há vantagens em replicá-las em outras situações similares. 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS No Brasil, desde o pós-guerra, políticas desenvolvimentistas para incentivo da industrialização voltada à substituição de importações foram implantadas. Isto se deu em especial após a eleição de Juscelino Kubitschek, que assumiu um país de economia ainda predominantemente agrária, com um ambicioso “Programa de Metas” que teve como objetivo o investimento pesado em industrialização e infraestrutura e incentivo ao investimento privado nas indústrias: automobilística, construção naval, mecânica pesada e equipamentos elétricos. Nesse período houve um incentivo ao transporte rodoviário (e à indústria automobilística), reduzindo o crescimento do setor ferroviário e de produção de carvão mineral (VILLELA, 2011). A indústria automobilística, nesse período, instalou-se na região do Estado de São Paulo conhecida como “ABCD” (GUEDES; FARIA, 2002), formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema. Iniciou-se, assim, uma era de incentivo ao transporte rodoviário que até hoje perdura. Essa política foi, com algumas adaptações, REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 143 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais replicada nos governos seguintes, acumulando uma dívida externa elevada e índices de inflação altíssimos (CASTRO, 2011; HERMANN, 2011a, 2011b). Controlada a inflação com o Plano Real, a descentralização política instituída pela Constituição de 1988 gerou uma “guerra” entre os governos, cada qual buscando oferecer mais oportunidades a fim de atrair as montadoras que estavam buscando novos locais para se reinstalarem (GUEDES; FARIA, 2002). As políticas brasileiras no âmbito da “guerra fiscal” foram descoordenadas, ofereceram incentivos sem exigir em troca contrapartidas de eficiência e produtividade e sem estudos específicos sobre quais setores seriam mais adequados para receberem incentivos em cada arranjo específico (BRITTO; CASSIOLATTO, 2000) Glauco Arbix (2000) questiona esta substituição de investimentos privados por investimentos públicos, o que implicaria um desperdício de recursos públicos. A partir de 1996, dezesseis montadoras, 150 indústrias de autopeças e outras 29 empresas instalaram-se no Brasil, aderindo ao que foi chamado “Novo Regime Automotivo” (ARBIX, 2000, p.8). De fato, o que ocorreu no Brasil foi uma cessão de poderes estatais em favor de empresas privadas, sob a promessa de promoção do crescimento econômico e difusão da tecnologia: A guerra fiscal no setor automobilístico brasileiro é um salto no escuro. A abertura parcial e mesclada da economia, a fragilidade do governo central no balizamento e no controle dos processos de modernização industrial e o despreparo dos governos estaduais e municipais têm contribuído para amplificar os efeitos mais nocivos da globalização. Efeitos que podem até impulsionar o crescimento econômico a curto prazo e geograficamente localizado, mas que, a médio e longo prazo, certamente gerarão mais dependência e instabilidade. E, provavelmente, mais desigualdade. (ARBIX, 2002, p.126). O grande destaque da industrialização de São José dos Pinhais é a inversão da lógica de localização de indústrias no contexto metropolitano que havia sido proposta nos anos 1970. A orientação sempre havia sido de crescimento a Oeste, principalmente em razão de que, a Leste, inclusive no município de São José dos Pinhais, está localizada a maioria dos mananciais de abastecimento hídrico da Região Metropolitana (FIRKOWSKI, 2002). Provavelmente, a existência de importantes elementos de infraestrutura de transportes no município suplantou a lógica de proteção ambiental: [...] com a remodelação aeroportuária, em São José dos Pinhais, adequação do sistema viário, contornos metropolitanos, e reestruturação do sistema portuário, com ampliação do corredor de exportações em Paranaguá e revitalização do porto de Antonina. A fase recente de industrialização representa, de fato, um resgate, ampliado e atualizado, do projeto dos anos 1970, estancado pela crise dos anos 1980 (MOURA, 2009, p.148). 144 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli Outro elemento relevante é que as decisões foram tomadas a portas fechadas, através de protocolos sigilosos que ofereciam às indústrias não apenas as isenções fiscais, implantação de infraestrutura e garantias de rentabilidade, mas até mesmo a mudança da legislação ambiental para adequar a norma aos fatos, e não o contrário, que é o que se esperaria de um Estado de Direito: O poder expresso nessa escala, e que mantém um mesmo grupo, amplamente ramificado, no comando de suas decisões há mais de quatro décadas, consolidou as condições de atratividade e articulação vertical de investimentos públicos e privados para a constituição de um dos principais polos automotivos do país. [...] A retórica da época fez prevalecer a perspectiva do dinamismo da economia e da geração de empregos à necessidade de proteção ambiental. (MOURA, 2009, p.213-214). Assim, citou-se o conflito entre o capital estrangeiro, interessado no retorno que possa obter em curto prazo, e os ambientalistas e trabalhadores, que questionam os efeitos de longo prazo da implantação de tais indústrias (GUEDES; FARIA, 2002). Foi nesse contexto que São José dos Pinhais recebeu duas multinacionais montadoras de automóveis, a francesa Renault e a alemã Audi/Volkswagen. Os distritos foram implantados próximo a rodovias federais e ao contorno metropolitano, além de apresentarem a vantagem locacional de proximidade do aeroporto Afonso Pena e do Porto de Paranaguá. Dentro dos distritos, localizam-se a indústria-polo e os seus fornecedores tidos como mais importantes. Entretanto, existem fornecedores localizados fora do complexo, e até no exterior (FIRKOWSKI, 2002). Isto porque a infraestrutura instalada com o objetivo de facilitar as exportações (portos, aeroportos e rodovias) também acaba por servir ao aumento de importação de peças e outros insumos, o que também impactaria negativamente a geração de empregos indiretos (ARBIX, 2000). A Renault anunciou o seu interesse em se instalar no Brasil em julho de 1995, e em março de 1996 já havia assinado protocolo de intenções com o Estado do Paraná, o qual se associou com a empresa, responsabilizando-se por 40% dos investimentos necessários, além de oferecer infraestrutura rodoviária, aeroportuária e o porto de Paranaguá. Em dezembro de 1998, o complexo industrial foi inaugurado (GUEDES; FARIA, 2002). Guedes e Faria (2002) identificaram, mediante entrevistas, sérios questionamentos acerca do Estudo e Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do empreendimento, o qual foi elaborado por uma entidade criada pelo governo do Estado para prestar consultoria ambiental, a Universidade Livre do Meio Ambiente (UNILIVRE). Uma grande polêmica na instalação deste distrito é que ele foi localizado em Área de Proteção Ambiental (APA) do rio Pequeno, REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 145 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais instituída pelo Decreto Estadual 2.964/1980, por ser o referido rio um manancial de abastecimento hídrico. As autoridades afirmaram que a área já estava degradada e a implantação da indústria iria ajudar a reverter o processo de degradação ambiental. Os limites da APA foram posteriormente alterados para excluir a área de instalação da montadora (GUEDES; FARIA, 2002; TAVARES, 2005). Entretanto, “através do Decreto nº 4.267, de 31 de janeiro de 2005, o Rio Pequeno voltou a ser incluído na área das bacias dos rios que compõem os mananciais e recursos hídricos de interesse da RMC” (TAVARES, 2005, p.55). A justificativa de criação de 2.000 empregos diretos acabou não sendo cumprida, e houve dificuldades para a contratação de mão de obra local, pelo fato de o município ter um histórico de economia agropecuária (GUEDES; FARIA, 2002). Ademais, os empregos diretos provavelmente não aumentarão ao longo do tempo, pelo contrário, a tendência é de diminuição, em decorrência dos avanços tecnológicos e de novas estruturas administrativas (ARBIX, 2000). A implantação da Audi não foi cercada de tantas polêmicas ambientais, uma vez que se deu em região de tradição agropecuária. Inaugurada em janeiro de 1999, a indústria é considerada uma das mais modernas do mundo, e tem políticas que podem ser consideradas de marketing social, como patrocínio a entidades sociais e educacionais. Contudo, na sua inauguração enfrentou protesto de trabalhadores das empreiteiras responsáveis pela obra da planta, em razão de descumprimento de direitos trabalhistas (GUEDES; FARIA, 2002). 2 ANÁLISE DOS INDICADORES SOCIAIS MUNICIPAIS DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS APÓS A IMPLANTAÇÃO DAS INDÚSTRIAS AUTOMOBILÍSTICAS Em que pesem todas as polêmicas, de fato a implantação das indústrias automobilísticas logrou transformar o perfil econômico do município de São José dos Pinhais e consolidar o aglomerado urbano da RMC como o mais tecnológico dentre os paranaenses: A despeito dessas contradições, a leitura geral da dinâmica econômica torna incontestável a consolidação do arranjo urbano-regional de Curitiba como a porção mais concentradora e inserida nos circuitos mais modernos da economia paranaense. A consolidação da indústria, sua modernização no compasso dos tempos e toda uma gama de atividades de alta tecnologia que se desencadeou nesse arranjo marcaram sua distinção perante os demais (MOURA, 2009, p.203). Entretanto, passados 20 anos do anúncio da implantação das montadoras no município, ainda há muito debate sobre os resultados produzidos por esta implantação. 146 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli Se, de um lado, efetivamente o município de São José passou para a terceira colocação dentre os maiores PIBs municipais do Paraná – alcançando a segunda posição no ano de 2012 (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2016), quando houve muita disponibilidade de crédito para a aquisição de automóveis –, de outro questionam-se os resultados desse crescimento na efetiva redução da pobreza e das desigualdades no município, além de outras questões sociais e territoriais que emergiram após a implantação das indústrias. No dizer de Arbix (2000, p.1): No setor automotivo, dentre os incentivos que as grandes empresas vêm recebendo para alocar seus novos investimentos, destacam-se a renúncia fiscal, diferimento de impostos, crédito fácil e farto, obras de infra-estrutura e doações governamentais que, praticamente, estão financiando suas novas fábricas. Nada mais justo, portanto, que o retorno desse “investimento público” seja discutido, estimado, questionado e equacionado abertamente. A implantação das indústrias em São José dos Pinhais veio acompanhada de um expressivo aumento populacional (tabela 1), que, entretanto, pode ser considerado tendencial, pois já vinha sendo observado desde 1970 (TAVARES, 2005). TABELA 1 - EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS E DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 1991/2010 LUGAR POPULAÇÃO TOTAL 1991 São José dos Pinhais RM de Curitiba 1996 127.455 (1) 2.140.986 2000 2010 169.035 204.316 264.210 2.514.088 2.809.626 3.217.580 (1) FONTES: PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013); IBGE - Contagem da População (1996) (1) Soma da população (1991 e 1996) dos municípios que hoje integram oficialmente a Região Metropolitana de Curitiba, ainda que à época nem todos a integrassem oficialmente. Embora São José dos Pinhais tenha realmente apresentado um crescimento superior à média da região metropolitana, o crescimento demográfico de São José dos Pinhais no período de 1991 a 1996 foi mais expressivo que no período de 1996 a 2000, este último coincidente com o anúncio da instalação das montadoras. Também deve ser considerado que, no processo de migração, muitas pessoas não se instalam no município-polo ou no local de trabalho, mas sim em outros municípios integrantes do aglomerado metropolitano. Mesmo assim, entre 1995 e 2000 os migrantes representaram 48% do crescimento populacional de São José dos Pinhais, muitos deles oriundos de outros municípios da região metropolitana (TAVARES, 2005). No contexto intraurbano do município, Tavares (2005), analisando os dados dos censos e contagem populacional, verificou que os bairros que apresentaram maior crescimento foram Jardim Ipê, Renault, Borda do Campo e Rio Pequeno. Pode-se afirmar que o incremento da população nos bairros Renault e Borda do Campo foram consequência da implantação da montadora francesa, não apenas pelas oportunidades REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 147 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais de trabalho, mas também pela qualificação urbana e implantação de infraestrutura nesses bairros, os quais, contudo, já vinham apresentando crescimento expressivo antes mesmo de 1996. Tavares (2005), com base nos dados da RAIS, avaliou o crescimento dos empregos formais entre 1992 e 1996 e entre 1996 e 2002, concluindo que no primeiro período houve um aumento de 18,2% dos empregos em São José dos Pinhais, e no segundo este número passa para 70,2%, em decorrência da implantação das indústrias automobilísticas, mas também do crescimento de outros setores, como construção civil e comércio, os quais sempre são fomentados pelo acréscimo populacional. O emprego industrial em São José dos Pinhais também apresentou o maior incremento no período entre 1995 e 2005, com aumento de 12.162 postos de trabalho na indústria (MOURA, 2009, p.186). Em relação ao Valor Adicionado Fiscal (VAF), o município de São José dos Pinhais passou de 0,513% do total do Estado, em 1975, para 1,4% em 1985 e 7,731% em 2006, um incremento que apenas foi superado pelo município de Araucária (MOURA, 2009, p.182-183), onde, nesse período, foi implantada a REPAR, refinaria da PETROBRAS. O poder público municipal, no intenso incremento do PIB e, consequentemente, de seu orçamento, poderia considerar-se exitoso nos esforços empreendidos para a atração das montadoras para seu território: A Prefeitura de São José dos Pinhais concedeu isenção do IPTU, ISS e outras taxas municipais por dez anos, além da doação do terreno onde se instalou a Renault. O secretário de Indústria, Comércio e Turismo, Edilberto Valaski, enfatiza que “as isenções são modestas, considerando-se o retorno”. Para dar sustentação ao seu ponto de vista, apresenta o aumento do número de empresas cadastradas no município, que passou de 555 (1996) para 866 (1998). O PIB municipal, que estava em R$ 1 bilhão em 1997, teve um acréscimo de 30% em 1998 e poderá chegar a R$ 3 bilhões no ano 2000, segundo cálculos da prefeitura. Mesmo com os gastos sociais, sobretudo com saúde, educação e habitação, crescendo na mesma proporção do PIB, as autoridades locais mantêm uma visão extremamente positiva do investimento (ARBIX, 2000, p.25). O PIB Municipal evoluiu de 2,7 bilhões de reais em 1999 para 25,2 bilhões em 2013 (gráfico 1), com aumento mais expressivo a partir de 2006 (BRASIL, [ca2013]), coincidindo com o período do governo Lula em que houve grande incentivo ao consumo mediante ampliação do crédito (GIAMBIAGI, 2011), em especial para a aquisição de automóveis, o que obviamente impacta as contas de um município cuja receita majoritária decorre da produção automobilística. 148 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DO PIB DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - 1999-2013 PIB Municipal (R$1.000,00) 30.000.000 25.000.000 20.000.000 15.000.000 10.000.000 5.000.000 0 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 FONTE: BRASIL [ca2013] NOTA: Elaborado pelas autoras. A realização de receitas no orçamento municipal seguiu a mesma tendência. Partindo de 16,7 milhões de reais em 1994, ultrapassou os 100 milhões em 2000 com aumento expressivo a partir de 2006, alcançando quase um bilhão de reais em 2014 (BRASIL, [ca2013]). Contudo, o município recebe também os ônus, seja na forma de problemas sociais, seja como problemas de falta de poder de decisão sobre os próprios espaços da cidade, os quais, uma vez subordinados ao capital, seguem regidos por ele, enfraquecendo o poder público de decisão (ARBIX, 2000, p.40). O Índice de Desenvolvimento Humano do Município em 2010 ainda não estava acima de 0,800 (tabela 2), considerado como alto desenvolvimento humano pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, embora venha apresentando evolução desde 1991. TABELA 2 - ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL DO BRASIL, PARANÁ, REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - 1991/2010 LUGAR IDHM 1991 2000 2010 Brasil 0,493 0,612 0,727 Paraná 0,507 0,650 0,749 - 0,698 0,783 0,516 0,646 0,758 RM de Curitiba São José dos Pinhais FONTE: PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2003) Observa-se que o IDHM de São José dos Pinhais, apesar de ser o terceiro maior IDHM da região metropolitana (atrás apenas de Curitiba e Rio Negro), não apresentou aumentos muito díspares do restante da RMC. Embora o indicador de REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 149 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais São José dos Pinhais já fosse mais elevado em 1991 – o que implica aumentos menores do que aqueles que apresentam o indicador mais baixo –, ainda assim não se pode afirmar que as indústrias implantadas no final da década de 1990 tiveram um impacto expressivo no aumento do índice de desenvolvimento humano do município. Basta ver que Campo Largo, onde a montadora americana Chrysler esteve implantada apenas entre 1998 e 2001 (GUEDES, 2013), apresentou aumentos de IDHM equivalentes aos de São José dos Pinhais. Particularmente em relação à renda, indicador que deveria ter tido evolução mais expressiva tendo em vista os argumentos utilizados para defesa das políticas industriais implantadas no município, constata-se que o comportamento do indicador não foi muito diferente daquele observado no Brasil, no Paraná e na região metropolitana, como mostra a tabela 3. TABELA 3 - ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL (INDICADOR RENDA) DO BRASIL, PARANÁ, REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - 1991/2010 LUGAR IDHM RENDA 1991 2000 2010 Brasil 0,647 0,692 0,739 Paraná 0,644 0,704 0,757 - 0,759 0,803 0,648 0,699 0,749 RM de Curitiba São José dos Pinhais FONTE: PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013) O rendimento médio dos ocupados com mais de 18 anos em 2010, no município de São José dos Pinhais, foi de R$ 1.337,93, abaixo da média paranaense, que foi de R$ 1.368,65, e muito abaixo da média da RMC, onde foi de R$ 1.735,98 (PNUD, 2013). De fato, o indicador longevidade é que alavancou o IDHA do município (tabela 4). Embora tenha subido menos que o do Brasil e do Paraná, isto se explica porque o número já era relativamente alto em 1991. TABELA 4 - ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL (INDICADOR LONGEVIDADE) DO BRASIL, PARANÁ, REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - 1991/2010 LUGAR IDHM LONGEVIDADE 1991 2000 2010 Brasil 0,662 0,727 0,816 Paraná 0,679 0,747 0,830 - 0,793 0,853 0,725 0,797 0,859 RM de Curitiba São José dos Pinhais FONTE: PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013) 150 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli Por fim, no tocante à educação, o município, o Estado e o Brasil ainda têm muito a incrementar, sendo o indicador que apresenta os números mais baixos na composição do IDHM, como mostra a tabela 5. Entretanto, em todas essas escalas de análise foi o indicador que mostrou o aumento mais expressivo no período de 1991 a 2010. TABELA 5 - ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL (INDICADOR EDUCAÇÃO) DO BRASIL, PARANÁ, REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - 1991/2010 LUGAR IDHM EDUCAÇÃO 1991 2000 2010 Brasil 0,279 0,456 0,637 Paraná 0,298 0,522 0,668 - 0,565 0,701 0,293 0,485 0,678 RM de Curitiba São José dos Pinhais FONTE: PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013) Em se tratando de desigualdade, o índice de Theil-L1 dos rendimentos do trabalho no município, entre 1992, 2000 e 2010, era de 0,42, aumentou para 0,46 e baixou para 0,35, indicando que entre 1992 e 2000 houve um aumento da desigualdade na distribuição de rendimentos do trabalho (pessoas ocupadas com mais de 18 anos), desigualdade esta que diminuiu em 2010 (PNUD, 2013). O índice de Gini2, outro indicador de desigualdade, variou, no período entre 1991, 2000 e 2010, em 0,49, 0,51 e 0,45, respectivamente, corroborando os dados obtidos com o índice de Theil (PNUD, 2013). Isto é, embora seja comum a relação entre crescimento econômico e redução da pobreza, normalmente em um cenário de crescimento, a renda dos pobres cresce, proporcionalmente, menos do que a dos não pobres, resultando em aumento da desigualdade. Isto acontece porque os pobres não são tão fortemente interligados aos mercados a ponto de sempre se beneficiarem do crescimento destes (KIMENYI, 2007). Outro dado interessante é sobre a qualidade habitacional, medida pela densidade calculada pelo número de moradores por cômodo da casa. O percentual de domicílios com densidade maior do que 2 vem diminuindo drasticamente no município, mas em 2010 ainda era mais elevado do que o valor da Região Metropolitana e do Paraná (tabela 6). 1 Mede a desigualdade na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita, excluídos aqueles com renda per capita nula. É o logaritmo da razão entre as médias aritmética e geométrica da renda domiciliar per capita dos indivíduos, sendo nulo quando não existir desigualdade de renda entre eles e tendente ao infinito quando tender ao máximo (PNUD, 2013). 2 Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor é 0 quando não há desigualdade (a renda domiciliar per capita de todos os indivíduos tem o mesmo valor) e tende a 1 à medida que a desigualdade aumenta. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes (PNUD, 2013). REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 151 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais TABELA 6 - PERCENTUAL DA POPULAÇÃO RESIDENTE CONFORME DENSIDADE DOS DOMICÍLIOS (HABITANTES POR CÔMODO) DO BRASIL, PARANÁ, REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - 1991/2010 LUGAR PERCENTUAL DA POPULAÇÃO EM DOMICÍLIOS COM DENSIDADE >2 1991 2000 2010 Brasil 50,08 39,13 27,83 Paraná 41,05 27,53 16,85 - 26,67 17,16 44,84 29,76 18,95 RM de Curitiba São José dos Pinhais FONTE: PNUD - Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013) Apesar de o IBGE não ter identificado, nos censos, pessoas residentes em aglomerados subnormais em São José dos Pinhais, em 1997 foram contabilizadas, através de levantamento de campo, 69 ocupações irregulares no município, nas quais viviam 3.820 pessoas (COMEC, 2006). Em 2010, o Plano Local de Habitação de Interesse Social de São José dos Pinhais identificou 101 ocupações irregulares, com 5.779 domicílios, com base em levantamento de campo e estimativas a partir de imagens de satélite (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2010). Esses dados são corroborados pelo fato de que, na década de 1990, constatou-se a diminuição do ritmo de aprovação de novos loteamentos na Região Metropolitana de Curitiba, o que aconteceu também nos anos 2000, à exceção do município de Fazenda Rio Grande (COMEC, 2006). Ou seja, o crescimento populacional não veio acompanhado de maior produção de espaço urbano, o que implica concluir que boa parte da nova população ocupou áreas já aprovadas e áreas urbanas irregulares. Tais elementos demonstram a desigual distribuição dos ônus da industrialização, seja no espaço urbano, seja pelos diferentes segmentos sociais: Na história do Brasil, as distorções da industrialização, o esgotamento dos serviços que as cidades podem oferecer, a falência de sua infra-estrutura e as características agressivas do seu crescimento têm transformado muitos dos municípios, em especial aqueles que selaram seu futuro ao das montadoras, em conglomerados de não-cidades, onde a baixa qualidade de vida e a ocupação urbana caótica são marcas registradas (ARBIX, 2000, p.4). Essa distribuição desigual traz reflexos nos fluxos pendulares para estudo e trabalho. Conforme Moura (2009, p.168), São José dos Pinhais recebia, em 1980, 1,13% do fluxo pendular intraestadual do Paraná, número este que aumentou para 2,54% no ano 2000. Durante o mesmo período, o fluxo pendular de pessoas que saíam de São José dos Pinhais para outros municípios era de 4,95% do fluxo paranaense, e em 2000 este percentual era de 5,58%. Estes dados indicam que realmente houve um aumento nos empregos no município e uma reversão do status de “cidadedormitório”. Dos números relativos ao ano 2000, tem-se que 76,29% dos que saem 152 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli de São José dos Pinhais o fazem por motivo de trabalho, assim como 82,88% dos que entram no município (MOURA, 2009, p.164-167). Estas “trocas” intermunicipais resultam de um formato perverso de ocupação do espaço urbano qualificado de todos os municípios envolvidos: Mas, um percurso pelo entorno imediato de Curitiba confirma a presença de condomínios fechados e ocupações horizontais de populações de melhor renda, particularmente nos municípios limítrofes servidos pelas melhores infraestruturas de circulação e transporte. Pode-se perceber também a verticalização e a qualificação urbana das sedes desses mesmos municípios. Entretanto, a segregação velada nas relações sociais se mantém (MOURA, 2009, p.177). Este formato de ocupação apresenta resultados no custo da terra: o município de São José dos Pinhais, em 2002, tinha em sua região central um custo da terra comparável ao de vários bairros de Curitiba, entre R$ 150,00 e R$ 300,00 (COMEC, 2006, p.139). Áreas que tinham pequeno valor no mercado imobiliário – porque tinham restrições ambientais, no caso da Renault, ou eram áreas rurais, no caso da Audi – tiveram seu valor multiplicado, tendo em vista a alteração da legislação, bem como a implantação de infraestrutura necessária para a instalação das empresas. Assim, proprietários de terras e empresários do setor imobiliário foram muito beneficiados pelas políticas de atração de multinacionais. A terra urbana cara também é responsável por outro fenômeno observado em São José dos Pinhais: a coexistência de condomínios de luxo e ocupações irregulares. De um lado, famílias ricas que buscam qualidade de vida (e terrenos maiores) fora da cidade-polo da metrópole; de outro, famílias que, sem condições de adquirir um imóvel no mercado imobiliário formal, acabam ocupando áreas sem valor comercial, especialmente aquelas sobre as quais existem restrições ambientais. Guedes e Faria (2002) também questionam as consequências da instalação de montadoras em São José dos Pinhais, que beneficiaram apenas as próprias empresas e a elite local. Não houve discussões democráticas a respeito da relação custo-benefício da atração das montadoras, cujo poder de barganha é tão grande que permitiu até mesmo que fosse alterada a data-base dos funcionários paranaenses, para que as negociações no Estado de São Paulo não influenciassem as do Paraná, onde o salário é em média 30% mais baixo, ao argumento de um menor custo de vida. Entretanto, os dados sobre ocupações irregulares no município dão conta de que o fenômeno não foi maior do que em outros municípios, em especial na própria Região Metropolitana de Curitiba. Na verdade, sequer o maior crescimento populacional no município ocorreu no período de anúncio da implantação das montadoras em São José dos Pinhais, mas já era uma tendência que vinha sendo observada desde o final da década de 1970 e que teve maior expressividade no período de 1991-1996. REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 153 A Implantação de Indústrias Automobilísticas em São José dos Pinhais e seus Efeitos nos Indicadores Sociais CONCLUSÕES O Brasil historicamente ofereceu especial proteção à indústria automobilística em suas políticas industriais desde o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, que a partir de então priorizou, além de incentivos fiscais, a modalidade rodoviária de transporte como predominante no País, o que perdura até hoje. Com a Constituição de 1988 e a ampliação da autonomia de outros entes federados, estados e municípios passaram a agir de maneira independente, cada qual oferecendo maiores incentivos para que o capital estrangeiro se instalasse em seus territórios, o que ficou conhecido como “guerra fiscal”. Nesse contexto, para poder implantar o segundo maior polo automobilístico brasileiro, o Estado do Paraná e o município de São José dos Pinhais concederam elevados incentivos fiscais, doaram terrenos e, no caso da Renault, o Estado alterou a legislação ambiental e até adquiriu 40% da participação na empresa, além de oferecer garantias que compuseram um dos mais ousados protocolos do período de “guerra fiscal”. Analisando-se o comportamento do PIB municipal desde a implantação das montadoras, de fato constata-se um elevado incremento, chegando ao segundo lugar do Estado no ano de 2012. Durante este período, contudo, os dados sociais demonstram que à evolução econômica não correspondeu uma melhoria das condições sociais da população. Os dados examinados não demonstraram um incremento de qualidade de vida da população são-joseense superior à da média da RMC, a despeito de um elevado aumento do PIB e da receita orçamentária municipal. Assim, pode-se considerar que o aumento de recursos advindo do crescimento econômico não foi revertido para melhorar as condições de bem-estar social, concluindo-se que os benefícios provavelmente foram auferidos por uma pequena parcela da população, a qual já poderia ser considerada “elite”, antes mesmo da implantação das indústrias. Um estudo futuro que pode ser sugerido se refere à análise do orçamento público do município. Apesar do elevado incremento de recursos, chegando a quase um bilhão de reais no ano de 2014, percebe-se que o indicador “educação” do índice de desenvolvimento humano municipal, que depende diretamente do investimento público no setor, apresentou comportamento similar ao do Estado do Paraná e da média da região metropolitana no período 1991-2010, mais uma vez indicando a dificuldade de socialização dos benefícios advindos da industrialização. O número de empregos no município foi ampliado, uma vez que o modelo de industrialização adotado pelas montadoras impõe uma rede de fornecedores que efetivamente conformam uma cadeia produtiva. Entretanto, a renda dos empregos 154 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.37, n.131, p.141-157, jul./dez. 2016 Camila Simoni Junqueira e Simone Aparecida Polli do município é menor do que a média paranaense, e muito menor do que a média da região metropolitana, que é alavancada pelos números de Curitiba. Este é mais um elemento a indicar que os benefícios econômicos decorrentes da industrialização não foram efetivamente repartidos com os trabalhadores. Esta situação também remete à reflexão sobre a diminuição do poder estatal em face do capital estrangeiro. De fato, as negociações foram levadas a efeito por um grupo político que esteve por muitos anos à frente do governo do Estado do Paraná e da administração do município de São José dos Pinhais. Não houve discussões nem participação popular, e os protocolos firmados entre o Estado e as empresas foram considerados documentos sigilosos. Tais atitudes são notoriamente contrárias a tudo que se espera dos administradores da coisa pública. REFERÊNCIAS ALMEIDA. M. Desafios da real política industrial brasileira do século XXI. Texto para Discussão. Brasília: IPEA, 2009. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/ stories/PDFs/TDs/td_1452.pdf>. Acesso em: 07 maio 2016. ARBIX, G. 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