Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Foz do Iguaçu, PR – 2 a 5/9/2014
A Mídia Ninja e o Incentivo ao Jornalismo Cidadão no Cenário das Manifestações
Sociais Brasileiras1
Renata Alves de Albuquerque OTHON 2
Marcelo BOLSHAW3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN
Resumo
Este estudo pretende analisar o trabalho jornalístico desenvolvido pelo grupo de mídia
independente Mídia Ninja, cuja notoriedade se deu durante a cobertura das manifestações
de 2013, considerado um período de extrema importância histórica para o país. A análise se
dá pela avaliação de um jornalismo emergente caracterizado pela convergência da mídia e
pela ampla participação do cidadão na construção da notícia, que já está causando uma séria
de alterações na imprensa e nos modos de exercer a profissão.
Palavras-chave: jornalismo; mídia; manifestações; cidadania; notícia.
1 A PRESENÇA DA MÍDIA INDEPENDENTE NO BRASIL
A inserção e sobreposição de novos meios de comunicação provocaram – e ainda
provocam – mudanças no jornalismo. Foi assim com a invenção da prensa gráfica e a
construção dos primeiros jornais impressos, com as ondas de radiodifusão e a possibilidade
de receber a notícia em tempo real, pela leitura, audição ou visão (pelas imagens). E desde o
final do século XX, a sociedade vem passando por mais uma transformação que promove
profundas alterações no fazer jornalístico. A internet tem sido o principal mecanismo deste
processo, representando características peculiares quando comparada a outros meios de
comunicação, como a televisão e o jornal impresso, pois
[...] é única porque integra modalidades diferentes de comunicação
(interação recíproca, radiodifusão, busca-referência individual, discussão
em grupo, interação pessoa/máquina) e diferentes tipos de conteúdo
(texto, vídeo, imagens visuais, áudio), em um único meio de comunicação.
Essa versatilidade torna plausíveis afirmações de que a tecnologia vai
estar implicada em muitos tipos de mudanças sociais, talvez mais
1
Trabalho apresentado no GP Comunicação e Cidadania, XIV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,
evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Recém graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, email: renata.othon@hotmail.com.
3
Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da UFRN e doutor em Ciências Sociais pela UFRN, email:
marcelobolshaw@ufrnet.com.
1
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profundas do que a televisão ou o rádio (DIMAGGIO et al, 2001, p. 308,
tradução própria, apud VIEIRA, 2013, p. 05).
A democratização dos meios de comunicação se tornou um tema bastante discutido
com a chegada dessa nova mídia, que já traz e ainda promete trazer, juntamente com a
liberdade de expressão para os cidadãos que não tinham voz, veículos independentes e
paralelos que possam dar aos leitores e usuários uma visão diferente sobre determinados
assuntos, uma abordagem inusitada quando comparada àquela que é dada pelos tradicionais
meios de comunicação.
O conceito de mídia alternativa já existia muito antes, mas foi fortalecido e cresceu
no cenário online, reforçando o poder do cidadão e do jornalista no meio comunicacional.
Woitowicz (2009, p. 13) relembra:
Desde os pasquins que circulavam no Brasil Colônia, os jornais operários
do fim do século XIX e a imprensa alternativa do período da ditadura
militar, até o movimento de rádios e TVs comunitárias e as iniciativas
recentes de uso da mídia (impressa, rádio, TV e online) nos movimentos e
grupos sociais, a comunicação alternativa sempre participou ativamente de
diversas lutas e contribuiu para o fortalecimento dos espaços de
resistência, em meio ao processo de construção histórica.
De fato, com a flexibilidade na produção e divulgação de notícias, qualquer pessoa
ou grupo de comunicação pode criar um produto competitivo no mercado. Não é à toa que
estão surgindo grupos de mídia independentes, que atuam com equipamentos simples e
fazem do seu dia a dia uma eterna pauta, revolucionando a imprensa e as velhas formas de
se fazer jornalismo e apostando na interação e instantaneidade.
A internet deu vez ao trabalho comunitário e interativo, a uma era na qual a
informação é globalizada e a ação local. O fato de o usuário, sozinho com um aparelho
tecnológico, poder falar e emitir sua opinião a diversas pessoas que estão do outro lado da
tela já é um grande facilitador da comunicação, dando impulso à comunicação cidadã.
Partindo desse conceito, vemos o quão é importante “entender a globalização como um
fenômeno de comunicação, e não como um fenômeno econômico” (Claudio Prado,
produtor cultural, teórico da contracultura e membro da rede Fora do Eixo, em entrevista ao
programa brasilianas.org, exibido dia 23/08/2013).
No entanto, o cenário de mídia independente no Brasil ainda não surpreendeu. Para
muitos, o conceito de democratização da mídia não significa, necessariamente, a criação de
2
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veículos de comunicação que tenham a mesma abrangência e poder de grandes redes, como
a Globo ou o Grupo Folha. Nessa visão, esse conceito perpassa apenas pela perda de força
de grupos de mídia com grande influência, algo que até mesmo os grandes veículos
praticam (a Record, por exemplo, se apoia em um planejamento destinado a tirar a Globo
do topo da audiência).
Então qual seria o cenário ideal? Em artigo produzido para o Observatório da
Imprensa, o jornalista, blogueiro e editor do Mídia8, Cleyton Carlos Torres, faz uma breve
comparação do cenário jornalístico entre os Estados Unidos, o qual ele considera o mais
apropriado, e o Brasil:
Nos Estados Unidos, comumente observamos pequenas cidades com três
ou quatro emissoras de TV e três ou quatro jornais impressos, fora
emissoras de rádio, portais, sites e até blogs independentes. No Brasil não
há como negar que possuir apenas uma emissora de TV, como a Globo, e
três ou quatro jornais nacionais é muito nocivo. Esses números deveriam
ser a realidade de cada município ou região de municípios do Brasil.
Entretanto, não observamos projetos concretos por parte da mídia
alternativa em propor ideias realmente eficientes. Quando propõem, os
grandes veículos barram. É um contexto amarrado onde quem perde é o
brasileiro, mais uma vez.4
O que vem sendo percebido, no país, é um fervilhamento de portais, sites, blogs e
páginas em redes sociais independentes, principalmente durante o período político pelo qual
o brasileiro passou (durante as manifestações populares de 2013) e ainda está passando,
com os resquícios ideológicos provenientes das passeatas e a realização da Copa do Mundo.
As principais coberturas são as pautas sociais, que passam desde protestos por mais saúde,
educação e infraestrutura, até o campo dos direitos humanos (questões que envolvem
homofobia, violência sexual contra as mulheres, violência nas cidades, entre outros). A
ação da mídia independente brasileira parece desafiar o olhar tradicional da grande mídia de
forma criativa, moderna e livre, além de incentivar a participação do cidadão como
jornalista e como emissor da opinião cidadã.
A maioria desses grupos realiza coberturas através de depoimentos, curtas,
documentários, transmissões ao vivo, vídeos, textos e fotos, tendo a rede social facebook
como a principal plataforma de comunicação e divulgação do material produzido. No
entanto, os intitulados “coletivos” sentem a necessidade de um espaço na televisão, visto
4
TORRES, Clayton Carlos. A Internet e o (ainda) mito da mídia independente. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed750_a_internet_e_o_(ainda)_mito_da_midia_independente>.
Acesso em 30 de outubro, 2013.
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que há um grande controle da mídia por grupos políticos e econômicos. Um dos muitos
coletivos que existem no Rio de Janeiro, o Voz das Ruas, argumenta, em notícia publicada
no dia 28 de outubro de 2013 na fanpage, que a fragmentação de concessões dos meios de
comunicação ampliaria a democracia e abriria espaço para multiplicar vozes nos meios de
comunicação:
Milhares de brasileiros lutam hoje por uma mídia mais plural, criando
possibilidades para multiplicar vozes nos meios de comunicação. Mas
poucas famílias continuam controlando a comunicação no país. Temos
direito a um espaço na TV e vamos lutar por isso! Isso ampliaria a
democracia, já que a mídia hoje é um grande latifúndio controlado por
poucos, deixando a participação popular em segundo plano. O Rio de
Janeiro pode abrir espaço para uma TV coletiva, reunindo diversos
produtores audiovisuais e grupos culturais. Mas, para isso, o prefeito
Eduardo Paes deve solicitar a abertura do Canal da Cidadania ao
Ministério das Comunicações. Temos que pressionar a prefeitura para que
isso seja feito o quanto antes! Venha fortalecer a audiência pública sobre o
tema na Câmara dos Vereadores nesta terça (29/10), às 9h. Vamos ocupar
a Câmara com nossos vídeos e ideias! 5
Além do grupo Voz das Ruas (1.590 seguidores), o Rio abriga outros grupos, como
Rio na Rua (19.530 seguidores), Coletivo Carranca (5.650 seguidores), Coletivo Mariachi
(7.432 seguidores), Mídia Independente Coletiva (16.415 seguidores) e Coletivo Projetação
(12.868 seguidores). Há também mídias, com essa mesma essência, que atuam em outros
estados do Brasil, como o Foto Protesto SP (realiza a cobertura jornalística através do
fotojornalismo em São Paulo, 4.591 seguidores), Intervozes (com 7.812 seguidores, tem
como endereço São Paulo, mas é composto por ativistas e profissionais com formação em
Comunicação Social e outras áreas, distribuídos em 16 estados brasileiros e no Distrito
Federal), Nigéria (Ceará, 4.621 seguidores), Rede Coque Vive (Pernambuco, 491
seguidores), Maria Objetiva (Minas Gerais, 4.528 seguidores) e Mídia Ninja, que, com
mais de 250 mil seguidores, tem se destacado bastante no cenário nacional 6.
Todos esses grupos se consideram como independentes, pois presumivelmente não
estão sob controle de grandes grupos de comunicação e não tem nenhum vínculo com
anunciantes, grupos políticos ou instituições governamentais. Uma forte característica que
apresentam é a parcialidade exposta nas notícias e na forma de cobrir os fatos. O efeito do
“ao vivo” propiciado pelo trabalho desses novos jornalistas já não alimenta o mito da pura
imparcialidade, ainda pregada por universidades, jornalistas, veículos e por parte do próprio
5
6
Notícia retirada da página www.facebook.com/pororocadasruas. Acesso em 01 de novembro de 2013.
Dados retirados do facebook, atualizados no dia 29 de abril de 2014.
4
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público. Esses coletivos realizam uma cobertura assumidamente engajada, até porque o
simples fato de ligar uma câmera e selecionar o que e como mostrar determinada ação já
caracteriza um ponto de vista do grupo, além dos inúmero avisos e convites ao leitor a favor
de manifestações, atos públicos e reflexões sobre acontecimentos políticos e sociais.
A questão da imparcialidade tem causado bastante polêmica entre as mídias
independentes e a tradicional, que já chegou a apontar a manipulação dos fatos durante as
transmissões de grupos como o Mídia Ninja. Em debate promovido pelo Observatório da
Imprensa e capitaneado pelo jornalista Alberto Dines, transmitido ao vivo pela TV Brasil
em 30 de julho de 2013, o líder da Mídia Ninja, Bruno Torturra, defendeu seu grupo ao
ressaltar que eles não manipulam os fatos, mas deixam claro o seu ponto de vista: “É muito
diferente de você alterar informação ou de você ter uma agenda oculta, que caracterizaria
uma manipulação. A nossa agenda é muito clara, inclusive, na hora que a gente dá a nossa
opinião e se posiciona. O rótulo de manipulação eu não aceito tão facilmente assim”.
As mídias independentes e alternativas trazem, por meio da cobertura online, uma
nova proposta para as empresas jornalísticas, na qual quem sai ganhando é o próprio leitor,
com o amadurecimento do jornalismo e da sociedade. Os conceitos de parcialidade e até de
objetividade já não cabem mais ao jornalista do século XXI, que deve buscar transparência
no que faz, no que diz, no que mostra e no que escreve. A existência de engajamento nas
redes sociais só reforça a tese de que o papel do jornalista é lançar notícias contextualizadas
e incitar à reflexão crítica, ao debate e à participação do cidadão na construção da notícia.
2 A APOSTA DO NINJA
Em junho de 2013, a população brasileira eclodiu nas ruas com uma série de
manifestações nas principais cidades do país. No princípio, os quase dois milhões de
brasileiros que participaram das manifestações em 438 cidades 7 reivindicaram a revogação
do aumento das tarifas de transporte público liderado pelo Movimento Passe Livre. No
entanto, o movimento foi tomando proporções muito maiores com o forte apoio popular e
se tornou a maior manifestação política da história do Brasil (BOLSHAW, 2013),
abrangendo temas como a corrupção política, qualidade de serviços públicos no geral
(transporte, saúde e educação), gastos com a copa do mundo/das confederações, PEC 37
7
Agência Brasil. Correio Braziliense (21 de junho de 2013). Página visitada em 22 de junho de 2013.
5
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(Proposta de Emenda Constitucional que retira o poder de investigação de casos políticos
do Ministério Público, arquivada pela Câmara dos Deputados), “cura gay” (tratamento
psicológico proposto por deputado para pacientes que quisessem “reverter” a
homossexualidade, projeto que havia sido aprovado pela Câmara dos Direitos Humanos,
sendo também arquivado pela Câmara dos Deputados no início de julho de 2013) e
repressão violenta dos policiais contra manifestantes nas passeatas.
Os movimentos marcaram a história do Brasil não só pelo grande engajamento da
população, mas também por não terem um líder específico, uma direção única ou
coordenação centralizada, evoluindo e se organizando sem o controle de organizações
públicas ou entidades civis e sem o apoio dos meios de comunicação tradicionais (pelo
menos inicialmente) e, finalmente, por terem sido pautados pelas redes sociais, nas quais os
encontros e atos eram marcados e divulgados.
Nesse cenário, os meios de comunicação desempenharam um papel decisivo para a
repercussão dos protestos. Enquanto a mídia tradicional tentou, sem sucesso, esconder e
justificar as reações violentas da polícia ao dar ênfase nas coberturas às depredações
realizadas por parcelas mínimas de movimentos de caráter passivo, as redes sociais foram
palco de reclamações e acusações dos usuários em direção a esse comportamento e
serviram como uma “agenda” de passeatas que eram marcadas em grupos e comunidades.
Com a adesão da população aos movimentos e o acompanhamento via redes sociais,
um grupo de mídia independente que propôs um tipo de cobertura inovador ao se aproximar
do manifestante se destacou e promete reformar as velhas estruturas do jornalismo. O
coletivo Mídia Ninja pode ser visto como um fenômeno midiático que emergiu nesse
período, embasado nas práticas do jornalismo pós-industrial e cidadão.
2.1 COMO FUNCIONA A MÍDIA NINJA
Mídia Ninja – sigla para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação - atraiu e
ainda atrai a atenção e curiosidade de milhares de pessoas, cidadãos que admiram o tipo de
cobertura jornalística que o grupo promove e jornalistas, empresas e veículos de
comunicação que ainda tentam entender a logística e mecânica do grupo. Os jornalistas
“ninjas” já foram entrevistados e comentados por inúmeras revistas e jornais brasileiros e
internacionais, como o New York Times, Washington Post, AlJazeera e The Guardian.
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O coletivo já atua no país há três anos – a primeira transmissão foi realizada em
2011, durante a Marcha da Liberdade 8 -, mas só a partir das manifestações de junho de 2013
ganhou notoriedade entre o público, pois trouxe uma nova forma de abordagem da notícia,
um modelo de transmissão dos acontecimentos “sem corte e sem edição”, ao vivo, direto
das ruas, no qual o repórter assume o ponto de vista do manifestante, trazendo uma
identidade ativista e cidadã para o jornalismo. Em depoimento para o programa
brasilianas.org, Bruno Torturra, considerado como um dos líderes do coletivo, afirma que
“o espectador não pode comprar a informação, mas ajuda a construí-la financeiramente e
conceitualmente”, o que poderia ser visto como um grande diferencial dessa mídia, visto
que qualquer pessoa que queira fazer parte do grupo pode participar das coberturas e
contribuir na concepção da notícia – o que conceitua o chamado jornalismo colaborativo,
que se mostra fundamental para a manutenção dos ninjas, tanto no aspecto de produção de
conteúdo (através do recebimento de material, dicas e sugestões de pauta) quanto no
financeiro (por meio dos planos que os líderes tem em propor um financiamento coletivo), e
reforça o conceito de Lévy (1999) de inteligência coletiva, uma vez que os ninjas buscam
informações e conhecimento de diferentes usuários para chegar a um produto “final”.
O comunicador Filipe Peçanha, 24 anos, integrante do coletivo, que documentou ao
vivo em São Paulo, durante horas e sem edição, os embates entre manifestantes e a tropa de
choque da Polícia Militar, afirma:
Nós documentamos o que está acontecendo do ponto de vista de quem
participa também. A Mídia Ninja se compreende como narrativa
independente de jornalismo e ação, e essa ação é o ativismo, que nos
coloca em movimento em tempo real, não só fazendo produção de
conteúdo, mas também nos envolvendo com o processo. 9
Ao adentrar na atmosfera do manifestante, o jornalismo mídia ninja se distancia do
jornalismo tradicional, que busca um olhar distanciado, supostamente neutro, dos fatos.
Esses jovens buscam trazer ao público a informação mais próxima possível ao
acontecimento. Enquanto a mídia tradicional cobre manifestações e atos de helicópteros e
do alto de edifícios, por exemplo, os repórteres do grupo estão no ápice da ação, obtendo
8
A Marcha da Liberdade ocorreu no dia 18 de junho de 2011, em São Paulo, com a participação de cerca de 2.500
manifestantes. O movimento nasceu depois da repressão policial à Marcha da Maconha, realizada no dia 28 de maio.
Além da descriminalização da maconha, o ato era a favor da liberdade de expressão e contra a violência policial.
9
LORENZOTTI, Elizabeth. POSTV, de pós-jornalistas para pos-telespectadores. Disponível em
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/postv_de_pos_jornalistas_para_pos_telespectadores> Acesso em
02 de novembro, 2013.
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uma perspectiva praticamente inacessível aos jornalistas de alguns veículos de
comunicação, depoimentos e registros mais espontâneos.
A pauta não engloba somente manifestações. As coberturas envolvem fenômenos
sociais no geral, nos diversos estados do país - manifestações, movimentos ideológicos,
reuniões e debates de cunho político-social, greves, festivais culturais, projetos e trâmites
políticos, atos de violência, julgamentos e audiências. Apesar de estarem bem atuantes no
território brasileiro, o coletivo já chegou a cobrir notícias nos âmbitos sociais e políticos em
outros países – Egito, Síria, França e Palestina. O contato é feito através do envio de
repórteres do grupo por colaborações espontâneas (no início de julho de 2013, o
fotojornalista e um dos fundadores do Mídia Ninja, Rafael Vilela, foi enviado ao Cairo para
cobrir o golpe militar contra o então presidente Mohamed Morsi) ou por parcerias feitas
com jornalistas independentes que enviam fotografias e conteúdo para os ninjas.
Quanto às ferramentas utilizadas, a Mídia Ninja percebeu que os notebooks e
smartphones tem um potencial que vai muito além do simples uso pessoal, e exploram
fartamente a força midiática e jornalística desses equipamentos. Dessa forma, as
transmissões são feitas em grande parte por celulares e dispositivos 3G, acrescidas das
atualizações
constantes
e
rápidas
na
fanpage
do
grupo
no
facebook
(www.facebook.com/midiaNINJA), preenchida com vídeos, links, notícias e cobertura
fotojornalística. Para as transmissões ao vivo, os “ninjas” lançaram um canal chamado
Póstv, através do aplicativo TwitCasting, no qual lançam debates e coberturas em tempo
real, e mantém um perfil do youtube, com uma compilação dos vídeos transmitidos.
A maioria das pautas cobertas não tem um roteiro predefinido, até mesmo pelo
caráter imprevisível das manifestações sociais, e não há chefes de reportagem ou editores –
há certa horizontalização de cargos e deveres e não existe hierarquia editorial. Porém, desde
o ano passado, o grupo vem sendo representado em entrevistas pelo jornalista Bruno
Torturra, de 34 anos, que trabalhou na Revista Trip por 10 anos como repórter e diretor de
redação, e faz parte do grupo Fora do Eixo (ver Ilustração 01, a qual expõe alguns
integrantes, inclusive Torturra). Em relação à equipe, mais de 30 pessoas transmitem em
nome dessa mídia, mas um número muito maior já fez algum tipo de cobertura para eles –
entre repórteres, fotógrafos e estudantes.
Os ninjas divulgam seu conteúdo pelas redes sociais e têm uma resposta do público
que supera em muito a interação vista em páginas de veículos da grande mídia brasileira.
Eles já contam com mais de 258 mil curtidores no Facebook, cerca de 27.900 seguidores no
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Twitter e 784.575 visualizações de vídeos postados no canal da PósTV no Youtube10. Em
termos de “audiência”, Torturra destaca no programa brasilianas.org a ocasião que marcou
a consolidação do grupo como mídia para o público: a manifestação do dia 18 de junho de
2013, quando o painel da Coca Cola, na esquina da Avenida Paulista com a Consolação, foi
danificado por alguns manifestantes, que entraram em conflito com policiais (Ilustração
02). O tumulto foi transmitido ao vivo pelo ninja Filipe Peçanha e chegou a alcançar,
simultaneamente, cerca de 90 mil telespectadores, tendo naquela noite um público de
aproximadamente 180 mil pessoas que assistiram a transmissão em algum momento.
Apesar de estar sendo bem avaliada por uma parcela de leitores brasileiros, a Mídia
Ninja é alvo de críticas que apontam o despreparo do grupo para avaliar e lidar com
situações que requerem mais elaboração do trabalho. Uma evidência disso foi o
desempenho do grupo em entrevista com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (a
convite dele mesmo), no dia 19 de julho de 2013. Tratava-se de uma oportunidade ímpar
pois aquele momento representava a primeira vez que uma autoridade reconhecia e se
disponibilizava a dialogar com eles.
Após receber críticas do público relacionadas ao despreparo do repórter e a
malemolência do prefeito ao praticamente dominar a entrevista, os ninjas escreveram em
sua fanpage, no dia 20 de julho de 2013, que,
Com certo alívio, e muita indignação, encerramos nosso round com
Eduardo Paes. Não foi fácil. E isso não foi exatamente uma surpresa. [...]
Por isso, recebemos tranquilos as críticas - e as trolagens - que pipocaram
na rede nas últimas horas. [...] É no processo, na experiência, na
transparência, no teste real, ao vivo e sem cortes, que estamos avançando.
Construindo nossa base de público e equipe. E pensando, com os muitos
erros e acertos, em como entregar um jornalismo cada vez mais próximo
da enorme confiança e expectativa que tanta gente deposita na Mídia
NINJA.
A postagem rendeu 2.333 likes, 659 compartilhamentos e 436 comentários, sendo a
maioria deles de incentivo para que a Mídia Ninja continue o trabalho com destreza e
autocríticas (Ilustração 03).
10
Números coletados no dia 30 de abril de 2014.
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Ilustração 01: alguns dos integrantes do mídia ninja: Filipe Peçanha, Bianca Buteikis, Bruno Torturra, Felipe Altenfelder e
Thiago Dezan.
Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2013-07-15/lado-ninja-do-protesto.html
Ilustração 02: No dia 18 de junho, manifestantes danificaram painel da Coca Cola feito para a Copa das Confederações. O
movimento foi transmitido pelo ninja Filipe Peçanha.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
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Ilustração 03: Comentários acerca da postagem autocrítica sobre a entrevista com Eduardo Paes.
Fonte: Mídia Ninja (www.facebook.com/midiaNINJA)
2.2 MODELO ECONÔMICO PROPOSTO
Uma das questões mais curiosas que envolvem a Mídia Ninja é o modelo econômico
que ela vai seguir futuramente para aperfeiçoar os serviços e financiar o trabalho. Durante o
programa Roda Viva, Bruno Torturra explana algumas alternativas que serão levadas em
consideração e amadurecidas pelo grupo e aposta na maturidade do público para levar a
proposta adiante:
O que a gente confia hoje é que da mesma forma que estamos falando do
jornalismo pós-industrial, o leitor também tem que passar da sua
passividade, precisa entender que se ele valoriza o mercado de informação
democrático, também tem que ser responsável por ele, vai ter que
financiar isso.
Baseando-se na contribuição do cidadão, o jornalista acredita que será possível
aperfeiçoar o trabalho dos ninjas e publicar reportagens e notícias com mais qualidade. As
alternativas incluem um crowdfunding inicial com a Agência Pública para financiar o site e
equipar pessoas no Brasil, crowdfundings via redes sociais para editorias e reportagens
específicas (financiamento coletivo no qual pessoas físicas possam acessar uma página de
captação na internet – nesse caso as redes sociais - e doar qualquer valor para o
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produto/serviço em questão); um sistema de assinatura de baixo valor para que eles possam
ter uma renda mensal estável, destinada a financiar reportagens, produções em tempo real e
remuneração da equipe e, visto como uma saída mais complexa, um software de
microdoação para cada conteúdo (em vez de o leitor dar um “like” no texto, foto, vídeo ou
outro material, ele doaria 50 centavos, um real, dois reais, etc.).
Por enquanto, não há verba vinda diretamente de empresa pública ou governo que
financie o trabalho dos ninjas. Com relação ao investimento de empresas privadas, Torturra
afirma, ainda no programa Roda Viva, que prefere manter a independência do grupo através
da verba do público, pois acredita que a verba de empresas privadas possa comprometer a
logística da Mídia Ninja, uma vez que “é pela dependência do dinheiro privado de empresas
de patrocínio que o mercado da mídia tá tão quebrado”. Além disso, o jornalista destaca que
o investimento de empresas privadas “pode comprometer um pouco o imaginário que a
gente tá tentando criar pra o leitor se engajar mais na viabilidade do nosso projeto”. Por
outro lado, crê que as iniciativas de investimento público em comunicação, desde que sejam
totalmente abertas e possam ser disputadas por outros grupos, são legítimas.
3 JORNALISMO CIDADÃO E A COBERTURA DAS MANIFESTAÇÕES
A cobertura realizada pela Mídia Ninja durante as manifestações de 2013,
principalmente no estopim de junho, ficou conhecida por se diferenciar, sem dúvida, da
mídia tradicional. A internet foi palco de “encontros marcados”, fomentações e incentivo às
manifestações e às reivindicações por parte dos cidadãos.
Faz-se necessário ressaltar, nesse cenário, o conceito de Meyer (2007) de jornalismo
cívico, uma forma de usar a influência de um jornal para construir um sistema político mais
forte, que beneficie tanto a comunidade quanto o jornal, com o objetivo de fortalecer a
consciência política, ajudar a construir opiniões qualitativamente melhores e ampliar a
participação e confiança na mídia. O conceito foi criado no âmbito das eleições norteamericanas mas, trazido para o contexto político do Brasil, as ações do jornalismo cívico
citadas por Meyer podem ser adaptáveis ao contexto nacional - como recolher perguntas de
leitores e telespectadores para usar durante as entrevistas (jornalismo participativo); basear
amplamente as reportagens em questões desenvolvidas a partir do contato com os cidadãos
e fornecer informações para ajudar os cidadãos a se envolverem no processo político de
outras formas além do voto.
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No livro Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet,
Castells (2013) avalia os movimentos sociais impulsionados pelo povo e pelo uso da
internet como um contrapoder, analisando a formação, dinâmica, valores e perspectivas
desses movimentos.
Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da internet,
conectando-se entre si e concebendo projetos a partir de múltiplas fontes
do ser, indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões pessoais ou
filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a superar o
medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos se
sustentam para prosperar e se reproduzir, por intimidação ou desestímulo
– e quando necessário pela violência pura e simples, seja ela disfarçada ou
institucionalmente aplicada. Da segurança do ciberespaço, pessoas de
todas as idades e condições passaram a ocupar o espaço público, num
encontro às cegas entre si e com o destino que desejavam forjar, ao
reivindicar seu direito de fazer história – sua história –, numa
manifestação da autoconsciência que sempre caracterizou os grandes
movimentos sociais (CASTELLS, 2013, p. 10).
A Mídia Ninja soube aproveitar o cenário das manifestações políticas brasileiras e
conseguiu unir a cobertura jornalística dos protestos ao apoio dos cidadãos aos ninjas. A
cobertura jornalística utilizou bastante o apelo visual para chamar atenção nas redes sociais.
A atualização da fanpage no facebook se deu, majoritariamente, por fotografias e textos
curtos, sucintos, que resumiam o que estava acontecendo em determinada cidade, e links
que levavam o internauta à cobertura via vídeo, feita com o uso de smartphones e outros
dispositivos móveis. As transmissões foram hospedadas no canal criado por eles – PósTV -,
ao vivo, não havendo a possibilidade de edição.
O grupo já estava com bastante projeção no mercado nacional devido à cobertura
alternativa realizada durante os atos. No dia 22 de julho de 2013, durante a cobertura do
protesto que houve em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo do Rio de Janeiro, os
ninjas tiveram dois de seus integrantes detidos pela Polícia Militar, que os acusou de estar
incitando os manifestantes à violência. Os dois rapazes, no entanto, afirmam que foram
presos apenas por estarem filmando a manifestação. No momento da prisão, uma multidão
cercou o carro da polícia e se dirigiu à delegacia, onde gritos de “Ei polícia, solta a mídia
ninja!” foram entoados, mostrando claramente a repercussão positiva da mídia e a
participação do cidadão no cenário das manifestações e da mídia.
O momento da detenção e prisão foi registrado pelos ninjas que o transmitiram ao
vivo através de smartphone e conexão 3G. O fato teve uma enorme repercussão, tendo sido
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estampado em veículos de comunicação não só no Brasil, mas no New York Times e no The
Guardian. Um dos repórteres detidos, Filipe Peçanha, escreveu um depoimento na fanpage
da Mídia Ninja, um dia após o episódio, que rendeu 4.066 compartilhamentos, 5.151
curtidas e 279 comentários:
A comoção foi muito grande. Maior do que podia imaginar. Centenas de
pessoas cercaram o carro da polícia enquanto confiscavam meu celular a
força e tentavam partir para a 9ª DP. [...] Ao sair senti milhares de pessoas
vibrarem. Ali diante da 9ª DP - e diante de seus computadores, onde quer
que estivessem. A fusão entre a rede a rua se mostrou mais clara. Eles
tentaram derrubar nossa transmissão ao deter um, dois, três NINJAS. Mas
eles não entenderam que não é uma câmera, um repórter... é uma rede.
Podem até derrubar um. E assim surgem outros 1000.
Apesar de raros, esses depoimentos aproximam ainda mais o público com o repórter,
que aborda uma linguagem mais literária e faz com que o leitor se sinta emergido na
situação vivida pelo ninja, e incentivam a expressão da opinião cidadã, representada
principalmente pelos compartilhamentos e comentários.
CONCLUSÃO
O futuro do jornalismo tem se mostrado parcialmente incerto pela quantidade e
rapidez de mudanças que vem caracterizando o século XXI, sendo difícil afirmar o que de
fato vai acontecer com veículos jornalísticos, repórteres e redatores. A tecnologia da
informação, fundamental no universo jornalístico, tem se constituído num balizador
importante, num divisor de águas entre o jornalismo tradicional e o novo jornalismo
denominado de pós-industrial, sendo a internet, os meios que podem ser associados em
qualquer lugar e a qualquer momento a essa rede mundial de comunicação e os mecanismos
disponíveis para a apresentação de todo conteúdo de interesse público (homepages, blogs,
microblogs, facebook, instagram, twitter, youtube, etc.) o mecanismo dessa mudança.
Nesse universo em transformação, o que está chegando ao fim é a passividade do
público como receptor e, acima de tudo, uma lógica na qual a notícia é produzida apenas
por profissionais e consumida só por cidadãos “amadores”. Embora existirá sempre um
núcleo de profissionais dedicados em tempo integral à atividade jornalística, haverá cada
vez mais uma participação maior de pessoas que estarão em contato com o ofício apenas
parte do tempo ou mesmo ocasionalmente, atuando de forma a contribuir para a difusão da
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informação no papel de críticos, ativistas, cidadãos e voluntários, menos preocupados em
definir o que é notícia e mais concentrados na repercussão e alcance do conteúdo.
Os grupos de mídia independente que levam a sério a cobertura jornalística têm
exercido um importante papel em propor essas novas formas de produzir e consumir a
informação, mostrando ao público que é possível fazer novas abordagens na área - ao
utilizar equipamentos “comuns” e cobrir as pautas de uma visão diferente da mídia
tradicional - e incentivando a participação do cidadão na construção da notícia. A presença
dos coletivos é importante até mesmo para fortalecer a questão da credibilidade jornalística,
enfraquecida por alguns veículos de imprensa tradicionais.
A Mídia Ninja, coletivo de mídia independente formado por jovens jornalistas e
estudantes de comunicação, conseguiu captar o espírito desse novo jornalismo e conquistar
um nicho da sociedade ao camuflar o repórter em meio aos manifestantes e transmitir os
anseios do povo e ações que aconteciam no interior das manifestações.
REFERÊNCIAS
BOLSHAW, Marcelo. A transmidiatização da política: a convergência nos campos e as
manifestações populares de junho de 2013. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL
METODOLOGIAS TRANSFORMADORAS, 7., 2013, Natal.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da
internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2013 (p. 09-28).
LEVY, Pierre. Cibercultura. Tradução COSTA, Carlos I. São Paulo: ed. 34, 1999 (p. 123134).
WOITOWICZ, Karina Janz (org.). Recortes da mídia alternativa: histórias e memórias da
comunicação no Brasil. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2009.
VIEIRA, Vivian P. O papel da comunicação digital na Primavera Árabe: apropriação e
mobilização digital. In: Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em
Comunicação Política, 5, 2013, Curitiba.
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