Danilo José Zioni Ferretti
rev. hist. (São Paulo), n.183, a10023, 2024
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2024.215913
A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
A SOCIEDADE IPIRANGA DO
RIO DE JANEIRO: TENSÕES
E LIMITES DA EMERGÊNCIA
DO ASSOCIATIVISMO
ABOLICIONISTA GRADUAL
NO BRASIL IMPERIAL
(1855-1863)1
ARTIGO
Danilo José Zioni Ferretti2
Contato
Rua Gentil Palhares, 220
36300-119 – São João del Rei – Minas Gerais – Brasil
danilozf@ufsj.edu.br
Universidade Federal de São João del Rei
São João del Rei – Minas Gerais – Brasil
Resumo
O artigo trata da Sociedade Ipiranga (SI) do Rio de Janeiro, voltada à comemoração da
independência nacional por meio da concessão de alforrias, e da sua relação com a escravidão. Procura-se compreender se havia abolicionismo nas práticas da SI e como caracterizá-lo. Em termos mais amplos, discute-se a relação entre a escravidão e a constituição
do espaço público moderno no Brasil de meados do séc. XIX, avaliando-se suas potencialidades e limitações. Indicam-se ambiguidades das práticas de abolicionismo gradual
da SI, seus desdobramentos em âmbito nacional e transnacional, assim como as tensões
internas à associação que levaram ao fim de tais práticas, reforçadas pela intervenção do
Estado, mediante a aplicação da “Lei dos entraves”, de 1860.
Palavras-chave
espaço público – escravidão – associativismo – abolicionismo – alforrias.
1
2
Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas.
Os jornais citados foram acessados pela plataforma da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do
Brasil. Este artigo é resultado de pesquisa inédita que ampliou e redefiniu um trabalho que se iniciou
como uma pesquisa de iniciação científica por mim orientada. Trata-se do projeto “Intelectuais, espaço
público e escravidão: o caso da Sociedade Ipiranga (1855 -1858)”, desenvolvido, entre março de 2021 e
fevereiro de 2022, por David Guilherme Ferreira na modalidade PIDAC-AF/UFSJ, a quem agradeço a
bolsa concedida no âmbito do edital 004/2020/PROPE, código 21505.
Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP, professor do Curso
de História – Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ.
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Danilo José Zioni Ferretti
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A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
THE IPIRANGA SOCIETY
OF RIO DE JANEIRO:
TENSIONS AND LIMITS
OF THE EMERGENCE OF
GRADUAL ABOLITIONIST
ASSOCIATIVISM IN
IMPERIAL BRAZIL
(1855-1863)
ARTICLE
Danilo José Zioni Ferretti
Contact
Rua Gentil Palhares, 220
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danilozf@ufsj.edu.br
Universidade Federal de São João del Rei
São João del Rei – Minas Gerais – Brazil
Abstract
The article deals with the Ipiranga Society (SI) of Rio de Janeiro, dedicated to the celebration of national independence through the granting of manumissions and its relationship with slavery. It seeks to understand whether there was abolitionism in the
practices of the IS and how to characterize it. In broader terms, the relationship between
slavery and the constitution of modern public space in mid-nineteenth-century Brazil
is discussed, assessing its potentialities and limitations. The ambiguities of the IS’s practices of gradual abolitionism, their unfolding at the national and transnational levels,
as well as the internal tensions within the association that led to the end of such practices, reinforced by state intervention, through the application of the “law of obstacles” of
1860, are indicated.
Keywords
public space – slavery – associationism – abolitionism – manumissions.
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A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
Introdução
No dia 30 de agosto de 1855, por convite do capitão Francisco Maria Mafra, funcionário da alfândega da corte, reuniram-se em um salão da Sociedade Vestal de
bailes, no Rio de Janeiro, alguns convidados com a finalidade de criar uma associação voltada a incrementar as comemorações da independência do Brasil, realizadas no dia 7 de Setembro, “destarte despertando o patriotismo, e com ele o amor
da liberdade, e o ódio da escravidão” (SOCIEDADE, 22-03-1857, p. 1). Surgia, assim,
a Sociedade Ipiranga (SI) da corte, a primeira de uma série de homônimas com o
mesmo intuito comemorativo e patriótico que se espalhariam pelo país, tendo sido
achado notícia de sua atuação até 1863. Ela começou realmente a funcionar a partir
do ano seguinte, 1856, quando escolheu como forma principal de comemoração da
data máxima nacional a distribuição de alforrias a alguns escravizados nascidos no
Brasil. Ao sentido patriótico juntava-se outro, contrário à escravidão, que tendeu a
se projetar nos anos de 1856 e 1857, os únicos em que foram promovidas alforrias.
A maioria dos estudos sobre associações antiescravistas valoriza o período a
partir de finais da década de 1860, quando tais práticas foram mais presentes no
Império. A SI foi uma das primeiras experiências associativas críticas à escravidão,
precedida por poucas experiências, como a da Sociedade contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização e Civilização dos Indígenas (SCTA), de 1850, e
outras experiências efêmeras contemporâneas da Bahia (ALONSO, 2011). Estudando
a emergência da SI, buscamos lançar luz sobre o início do processo, olhar as contradições da “marola” que antecedeu ao “tsunami” associativo antiescravista dos anos
1860 a 1880, para ficarmos nas metáforas líquidas de Angela Alonso (2011).
O objetivo do artigo é compreender a natureza do posicionamento da SI diante
da escravidão, o que propôs como ação e como elaborou simbolicamente a questão da legitimidade do cativeiro. Procura-se compreender se havia abolicionismo
nas práticas da SI e como caracterizá-lo, avaliando-se suas potencialidades e limitações3 . Como questão mais ampla está a necessidade de conhecermos melhor o modo
como se deu a relação entre a escravidão e a constituição do espaço público moderno no Brasil de meados do séc. XIX. Considera-se o espaço público moderno em
3
Aqui considero que existe uma diferença entre antiescravismo e abolicionismo, ainda que houvesse
possibilidades de se imbricarem, como ocorreu no caso da SI. Antiescravismo seriam posicionamentos
que atestam o caráter ilegítimo da escravidão e divulgam seus males, normalmente restritos a manifestações discursivas, sem desdobramentos visando necessariamente seu fim. Por sua vez, o abolicionismo
implicaria não só a crítica à escravidão, mas a apresentação de propostas de ações efetivas para o seu
fim, podendo variar em suas modalidades: gradual ou imediata, pela persuasão ou ação direta (até o
uso da força), por via parlamentar ou mobilização da sociedade civil, com ou sem indenização, etc.
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sua especificidade de tempo e espaço (GUERRA e LAMPÉRIÈRRE, 2008; PICATTO,
2014), considerando-se o modo como se deu a emergência de sujeitos privados que
debatiam publicamente questões de interesse coletivo, até o início do séc. XIX restritas aos âmbitos privado ou estatal (HABERMAS, 2014). Procura-se verificar como
tal espaço público emergente se articulava com e tematizava a questão da escravidão (CASTILHO, 2019). Mas, principalmente, busca-se compreender como se deu a
organização de espaços de sociabilidade em que tais discussões e outras práticas,
algumas voltadas à ação, eram incentivadas (MOREL, 2005).
A partir do caso da SI, busca-se compreender não somente as condições que
permitiram o encontro do associativismo com o combate à escravidão, mas também suas características e o quanto a trajetória dessa instituição nos revela sobre os
limites desse associativismo crítico à escravidão no contexto da Corte dos anos 1850.
Surgimento e composição da Sociedade Ipiranga da corte
A Sociedade Ipiranga foi criada no Rio de Janeiro, como já indicado, em finais
de agosto de 1855, sendo seus estatutos aprovados pelos sócios somente em agosto
de 1856. Os estatutos da SI não foram publicados nos jornais, somente aparecendo
em notícias que nos informam sobre seus principais objetivos. Por ordem, eles seriam os seguintes:
comemorar o dia 7 de setembro, fazendo, segundo os meios de que puder dispor, iluminações,
coretos, e outras festas públicas; erguendo estátuas aos heróis da Independência, socorrendo
os descendentes destes heróis, que tenham caído em miséria, e dando finalmente cartas de
alforria a escravos nascidos no Brasil (SOCIEDADE, 03-08-1856, p. 1).
Não há, aqui, menção explícita a abolicionismo, à emancipação ou mesmo à
luta contra a escravidão, ainda que tais sentidos viessem a aparecer em outros discursos proferidos por membros da sociedade, conforme veremos adiante. A finalidade patriótica ao mesmo tempo se unia e se sobrepunha à “filantrópica”, de combate à escravidão, formando um amálgama multifuncional comum às associações da
primeira metade do séc. XIX (MOREL, 2005, p. 221). Como ressaltou Hendrik Kraay,
a SI foi responsável por dar inédita vitalidade às comemorações da Independência,
abrindo-as à participação de setores mais amplos da sociedade, mas de forma “ordeira”. Ela também foi pioneira em atrelar a comemoração da independência à questão da oposição à escravidão (KRAAY, 2007, p. 21; 2013, p. 335-365). Reforçava, assim,
no imaginário coletivo, o sentido nacional da luta contra a escravidão, mudança
significativa após a década de 1840, tão marcada pela apropriação da bandeira da
defesa da soberania nacional pelos defensores do tráfico de escravos contra as intervenções repressoras britânicas.
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A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
O primeiro relatório da SI publicado (SOCIEDADE, 22-03-1857, p. 1) consolidou o capitão Francisco Maria Mafra como seu idealizador. Ele também mostra
que as origens socioinstitucionais dos membros da SI estão na alfândega da corte
e em casas comerciais estrangeiras, de onde provieram sete membros de um núcleo de oito sócios identificados como seus fundadores. Tais figuras participaram
das primeiras reuniões e assumiram os principais cargos de direção entre os anos
de 1855 e 1858. Quanto aos que trabalharam na alfândega, cinco dos fundadores
eram empregados de carreira: o amanuense Ignácio José Caetano da Silva, o idealizador Francisco Maria Mafra, despachante como João Manuel Azevedo Corte
Real e José Cândido Gomes (ALMANACK, 1855, p. 155, 158), e o escrivão da entrada
e descarga Luiz Cypriano Pinheiro de Andrade (ALMANACK, 1857, p. 125). Um sexto fundador, Antonio Joaquim Ribeiro, era caixeiro despachante, ou seja, representava, na alfândega, determinado comerciante particular, a Casa Carruthers
(ALMANACK, 1853, p. 138), a mesma companhia comercial britânica onde se formara Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, sócio e figura central da SI e
para quem Antonio Joaquim Ribeiro também trabalharia. O sétimo sócio fundador, Antônio Marques Ferreira (filho), era caixeiro da casa Astley, Wilson and Co
(FORO, 1857, p. 128) e, ainda que não tenha sido encontrada informação de que tivesse trabalhado na alfândega, ligava-se a funcionários dessa repartição por laços
familiares, uma vez que, além de cunhado do idealizador Francisco Mafra, era filho
de Antônio Marques Ferreira (pai), na alfândega desde pelo menos 1844, atuando
como caixeiro despachante da Casa Moon and Co, em 1848 e, depois de 1851, como
despachante geral. Por fim, somente sobre um dos fundadores, Luiz Antonio da
Silva Nazareth, não foram encontrados laços profissionais diretos com a alfândega, sendo advogado e curador geral dos órfãos na corte (ALMANACK, 1855, p. 104).
No geral, esses primeiros membros não eram figuras conhecidas, ainda que todos tivessem posição social considerável, fossem respeitáveis funcionários públicos
ou comerciantes, cidadãos ativos elegíveis, metade deles membros da guarda nacional. Francisco Mafra era capitão, Inácio J. C. da Silva era tenente (ALMANAK, 1854, p.
147), havendo, ainda, dois alferes: José C. Gomes (ibidem, p. 104) e Antônio M. Ferreira
Filho (ibidem, 1852, p. 112). Também assumiram cargos relacionados à justiça e manutenção da ordem, como o de juiz de paz (casos de João M. A. Corte Real, Luiz A. da S.
Nazareth, Antonio J. Ribeiro, Luiz Cypriano P. de Andrade), inspetor de quarteirão
(Antonio J. Ribeiro, Luiz Cypriano P. de Andrade) e oficial de justiça de subdelegacia
(Ignácio J. C. da Silva).
Destacavam-se ainda mais por serem bastante ativos no universo associativo
da corte. Cinco deles pertenciam, normalmente em cargos de direção, à forma mais
tradicional das irmandades e ordens terceiras, como era o caso do próprio idealizador Francisco Maria Mafra (DEO, 1853, p. 3), além de Antonio J. Ribeiro (DECLARA5
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A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
ÇÕES, 1850, p. 2), Luiz C. P. Andrade, Antônio M. Ferreira (filho) e Luiz A. S. Nazareth
(DEO, 1857, p. 4).
Quanto às formas mais modernas de associativismo que, desde os anos 1830,
não paravam de crescer na corte, congregavam quatro fundadores. Seja pela inserção na recreativa Sociedade de Recreação Campestre, como eram os casos de Ignácio J. C. da Silva e João M. A. Corte Real; seja pela inserção nas filantrópicas Sociedade Amante da Instrução, voltada à educação de crianças e jovens pobres, como nos
casos de Antonio J. Ribeiro, Ignácio J. C. da Silva e Luiz A. da S. Nazareth, por anos seu
1.o Secretário, ou na Sociedade Brasileira de Beneficência, da qual Antonio J. Ribeiro
era vice-presidente; seja ainda pela participação em associações profissionais, como
o Instituto dos Advogados do Brasil (do qual Luiz A. da S. Nazareth e Carlos Antônio
de Carvalho, presidente da SI, foram conselheiros), que teve papel relevante em debater a escravidão; ou mesmo na SCTA, a pioneira do abolicionismo gradualista na
corte, surgida em 1850, de onde sairiam pelo menos quatro membros da direção da
SI: os fundadores Ignácio J. C. da Silva e João M. A. Corte Real, além de Antonio José
da Silva Rabello e Ezequiel Correia dos Santos, ambos eleitos para o conselho da SI
em 1856 (LISTA, 1850, p. 3). Havia, portanto, um grupo não desprezível de figuras de
direção da SI com um pé no associativismo abolicionista gradual então emergente.
Nenhum dos fundadores parece ter tido carreira literária ou mesmo de representação política, sendo poucas as informações encontradas sobre tal aspecto. A
esse respeito, a situação muda quando passamos dos fundadores a um outro grupo
de dirigentes da SI: os 15 membros eleitos, em outubro de 1856, para compor o conselho diretor (CORREIO, 1865, p. 1). Aí se destacavam, em meio a alguns dos fundadores
citados que também foram eleitos conselheiros, outras figuras de maior prestígio
social e político na sociedade imperial. Dentre elas, estavam Ezequiel Correia dos
Santos e o Barão de Suruí, os dois conselheiros mais votados. Eram, respectivamente, o farmacêutico filantropo e o chefe militar de altíssima patente, representantes
dos princípios sociais da mudança, o primeiro, e da ordem, o segundo, ambos próximos do Partido Liberal4.
4
Ezequiel era farmacêutico, lente da Faculdade de Medicina, liberal exaltado durante a Regência; nos
anos 1840 havia atenuado seu radicalismo, mantido causas filantrópicas (como o atendimento médico
aos pobres e o abolicionismo gradual da SCTA) e migrado para as fileiras do Partido Liberal, por onde
exercia o cargo de vereador na Câmara do Rio de Janeiro no momento em que foi eleito para o conselho
da SI (SANTOS, 2007). Manuel da Fonseca de Lima e Silva, o Barão de Suruí, vinha de uma dinastia de
militares de alta patente que, à exceção do futuro duque de Caxias, de quem era tio, eram próximos do
Partido Liberal, sendo, no momento de adesão à SI, tenente general do Exército, conselheiro da guerra
e comandante superior da guarda nacional do município da corte.
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Também das fileiras do Partido Liberal, mas desempenhando um papel mais
ativo na SI, veio a figura de maior protagonismo antiescravista da associação: Carlos Antônio de Carvalho, eleito conselheiro em 1856 e alçado à presidência da SI no
começo de 1857. Rico advogado, bem relacionado, com ares de filantropo, membro
do Partido Liberal com claras pretensões políticas, Carlos Antônio de Carvalho representava a face do progressismo possível da SI5.
Entretanto, esse era somente um dos prismas desse plural quadro de associados da SI. Não deixa de ser significativo de sua composição um terceiro grupo de
membros, que não eram fundadores nem conselheiros, mas foram apresentados pelos jornais como responsáveis por organizar as subscrições de escravos a concorrerem à alforria nas festas da independência do ano de 1856. Emergia, assim, um perfil
ainda mais exclusivista de membros, conforme se lia no Correio Mercantil:
Pela diretoria da Sociedade Ipiranga foram enviadas listas para a subscrição que tem por fim
libertar certo número de escravos, no faustoso dia 7 de setembro, aos sócios da mesma que
seguem abaixo: os Srs. marquês de Abrantes, barão de Mauá, barão de Itamarati, comendador
Jerônimo José de Mesquita, barão de Alegrete, barão de Nova Friburgo, barão de Gurupi, José
Maxwell, comendador Gabriel Pinto de Almeida, barão da Gamboa, João Caetano de Oliveira
Guimarães, Dr. Roberto Jorge Haddock Lobo, barão de Meriti, Dr. Martim Francisco Ribeiro
de Andrada, comendador Francisco José Gonçalves da Silva e visconde do Rio Bonito. Todas
as pessoas que quiserem contribuir para ato tão meritório podem dirigir-se a qualquer destes
senhores (Correio Mercantil, 30 de agosto de 1856).
Imediatamente, são identificáveis alguns políticos como Miguel Calmon du
Pin e Almeida, o marquês de Abrantes, ex-ministro, senador e um dos maiores chefes políticos do Partido Conservador da Bahia; ou Martim Francisco Ribeiro de Andrada, jovem representante do clã paulista dos Andrada e deputado geral pelo Partido Liberal; o barão de Gurupi, Antônio Raimundo Teixeira Vieira Belfort, senador
5
Carvalho era advogado vindo de São Paulo, membro do conselho diretor do Instituto dos Advogados
do Brasil (1846); atuou, por vezes (1844), gratuitamente em defesa de pobres e escravos. Contava com
fortuna suficiente para ser um acionista de alta cota (80 ações) do quarto Banco do Brasil, em 1853,
tendo também ações da estrada de Ferro D. Pedro II, em 1855. Politicamente, Carlos Antônio de Carvalho
envolveu-se com o Partido Liberal. Sua casa foi citada, em autocrime de 1843, como lugar de encontro, na
corte, de liberais envolvidos nos levantes paulistas e mineiros do ano anterior. Fora vereador (1849-1850)
da Câmara de Iguaçu, nas proximidades da corte, onde morou certo tempo, tendo seu nome inserido
em lista informal de candidatos liberais para concorrer a deputado provincial (1849) e na lista oficial de
candidatos do Partido Liberal à Câmara do Rio de Janeiro (1852), sem sucesso, porém. Em 1856, quando
assumia a presidência da SI, conseguiu ser eleito suplente do deputado geral Sérgio Teixeira de Macedo
que, nesse mesmo ano, seria nomeado, pelo gabinete conciliador, como presidente de Pernambuco, tendo como missão reforçar a repressão ao tráfico de escravos, comprometida com os desembarques ocorridos em Sirinhaém. Não há notícia de que Carlos Antônio Carvalho tenha tido atuação parlamentar.
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maranhense; ou, ainda, três vereadores então em exercício, que atestavam os laços
da SI com a Câmara Municipal da Corte: Haddock Lobo, médico do Partido Conservador; Jerônimo José de Mesquita e Francisco José Gonçalves da Silva (filho), de
quem trataremos melhor adiante.
Uma análise mais atenta dos nomes citados indica, também, a presença de
grandes fortunas do Império. A começar pelo famoso barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, proprietário de bancos, estradas de ferro e manufaturas, um dos
maiores homens de negócios do país; ou, ainda, João José de Araújo Gomes, o barão
de Alegrete, dono de fortuna colossal que o tornava um dos maiores credores internos do governo imperial (SUMMERHILL, 2015, p. 100). Ele era um dos quatro sócios
da SI citados no anúncio, também membros da Junta Administrativa da Caixa de
Amortização, um órgão do governo formado, desde 1827, por um seletíssimo comitê
dos maiores detentores privados de títulos que deveriam deliberar junto ao Ministro
da Fazenda sobre questões relativas à dívida interna e à política monetária do país
(SUMMERHILL, 2015, p. 33). Os outros membros da Junta citados eram o visconde do
Rio Bonito, João Pereira Darrigue Faro; o barão de Meriti, Manuel Lopes Pereira Bahia
e o Barão de Itamarati (o 2o), Francisco José da Rocha Leão (SUMMERHILL, 2015, p. 34).
Interessa-nos mais compreender as profundas relações que alguns desse seleto
grupo de sócios da SI tiveram com o tráfico de escravos. Entre os beneméritos citados no anúncio, conseguimos identificar, pelo menos, três filhos de comerciantes
que enriqueceram com o comércio humano, além de um sócio que fora, ele mesmo,
traficante: era o Barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, grande proprietário rural da região de Cantagalo e Nova Friburgo, na porção leste do vale do Paraíba
fluminense. Em 1869, quando foi aberto seu inventário, constava a propriedade de
2.180 escravizados. Há registros de que tenha traficado pessoas diretamente da África, entre 1827 e 1830, enquanto era prática legal, chegando a vender parte delas para
Minas Gerais. Quando participou da SI, atuava no tráfico interno, o que fez até a
década de 1860 (MARRETTO, 2020, p. 278-280, 289).
Os herdeiros de fortunas oriundas do tráfico de escravizados também tiveram
seu espaço na “filantrópica” SI. A começar pelo citado comendador Francisco José
Gonçalves da Silva (filho), que aparece como comerciante de tecidos no Almanack
Laemmert de 1849 e que, de 1852 a 1861, foi vereador do Rio de Janeiro. Seu pai, homônimo, morreu em 1848, e era originário do Rio Grande do Sul, tendo se estabelecido no Rio de Janeiro no começo do séc. XIX e se destacado por traficar escravos da corte para sua província natal, entre 1811 e 1830 (BERUTE, 2006, p. 270). Mais
que isso, enriqueceu inserindo-se nas rotas atlânticas do tráfico, pois, como indica
Manolo Florentino, em 1813 ele “atuava na rota escravista Rio-Luanda”, junto com
outros Gonçalves da Silva, em claro envolvimento familiar no comércio negreiro
(FLORENTINO, 1997, p. 122).
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do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
Outro filho de negreiro na SI era o citado “comendador Jerônimo José de Mesquita”, vereador na corte, capitalista, filho do conde de Bonfim, José Francisco de
Mesquita. Seu pai, José Francisco, era mineiro de Congonhas do Campo e, desde os
primeiros anos do séc. XIX, estreitou vínculos com o grande comércio do Rio de Janeiro (LENHARO, 1993, p. 84-89), que permitiram que se tornasse, entre 1809 e 1830,
o maior traficante de escravos da corte para Minas Gerais, responsável pela venda
documentada de, pelo menos, 1.453 pessoas (PINHEIRO, 2008, p. 11). Seu vínculo com
a escravidão extrapolava para o terreno político e permaneceu após o fim do tráfico,
pois, em 1871, participou da fundação do “Club da Lavoura e do Comércio”, na corte,
junto a seu filho, o citado Jerônimo José, sócio da SI. Tal Club foi uma experiência
de organização política senhorial para fazer frente às propostas emancipacionistas
emergentes (MIRANDA, 2021). Lutaram contra a aprovação da Lei do Ventre Livre e
a ameaça que sentiam a respeito da “imposição” da alforria que a proposta governamental continha na parte relativa ao fundo de emancipação (SILVA, 2018, p. 137-139).
Por fim, outro herdeiro do tráfico foi o citado José Maxwell (Junior), cujo pai,
homônimo, morreu em 1854. Joseph Maxwell (pai) era comerciante inglês, que chegou ao Brasil em 1809 e, junto com o estadunidense Willian DeCourcy Wright, chegado em 1823, criou aquela que talvez tenha sido a maior casa de exportação e importação do RJ de meados do séc. XIX: a Maxwell, Wright & Co. Dedicou-se a intenso
comércio com os EUA, principalmente exportando café e importando farinha de
trigo (RIBEIRO 2021, p. 58). Seu envolvimento no tráfico ilegal deu-se por vários modos, “desde o financiamento de expedições até a venda de embarcações, passando
pelo comércio com a costa africana” (RIBEIRO, 2021, p. 69).
Como vem apontando a historiografia, houve amplos setores do comércio inglês e estadunidense estabelecido no Império que participaram direta e indiretamente do comércio de escravos para o Brasil, mesmo após sua ilegalidade. Eles o
fizeram de várias formas. Poderia ser pelo financiamento aos contrabandistas, que
recebiam crédito com pagamento estendido para até 4 anos, como costumavam fazer os ingleses. Ou pelo fornecimento de mão de obra marítima especializada, ou
pela venda dos navios utilizados no contrabando, ambas especialidades dos estadunidenses. Ou, ainda, pela assinatura, em 1840, de manifesto pelas mais renomadas
casas inglesas e estadunidenses da Praça do Rio de Janeiro atestando a idoneidade
de Manoel Pinto da Fonseca, o maior contrabandista de escravos em atividade e parceiro de Maxwell em algumas transações (KUNIOCHI, 2015; GRADEN, 2007). Dentre
esses signatários, encontram-se, também, as casas dos comerciantes Moon, Astley e
Carruthers. Vimos que nelas trabalharam funcionários da alfândega fundadores da
SI, ou seus ascendentes, já indicados no começo deste tópico, assim como o próprio
barão de Mauá (GUIMARÃES, 2008). Contudo, o fato de estarem ligados a tais casas
não permite, por ora, afirmar que esses trabalhadores da alfândega e comerciantes
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tenham diretamente se envolvido com o tráfico, mas essa é uma possibilidade, a ser
mais bem esclarecida por pesquisas futuras.
O que parece certo, diante das evidências, é que a SI foi composta não somente
por proprietários de escravos, o que seria bastante provável em uma associação formada por membros de setores dominantes no Brasil ainda amplamente escravista
de meados do séc. XIX, mas por pelo menos um ex-traficante e por alguns herdeiros
de grandes fortunas formadas há pouco no tráfico de escravizados, que acabava de
ser definitivamente abolido no Império. A presença deles como sócios indica a possibilidade de a SI ter servido a essas figuras como meio de limpar a imagem pública,
sua e de suas famílias, da participação no comércio que então passava a ser definitiva e oficialmente chancelado com “infame”, mediante um amplo trabalho de
desqualificação social da figura do traficante junto à opinião pública (RODRIGUES,
2000, p. 127-130). Não seria a única vez que traficantes e seus descendentes fariam
uso da filantropia como instrumento de apagamento do seu passado de enriquecimento pelo comércio de seres humanos (ARAUJO, 2012, p. 15-35). E se a instituição
“filantrópica” fosse dotada de tinturas antiescravistas e de limitado impacto imediato efetivo sobre o status quo escravista, como era o caso da SI, tanto melhor para
o trabalho de esquecimento.
Contudo, se esse era um uso que alguns membros poderiam fazer da SI, a ela
interessava o sentimento de segurança e confiabilidade que a presença de tais figuras conferia à associação junto a setores de proprietários recalcitrantes. Nessa
mesma linha de conquistar credibilidade pública, a SI parece ter conseguido apoio
importante de parte dos principais órgãos de imprensa na corte. Ela foi amplamente noticiada e defendida pelo Correio Mercantil, próximo ao Partido Liberal, e por A
Marmota Fluminense, de propriedade de Francisco de Paula Brito, editor e livreiro
negro, então próximo do Partido Conservador (GODOI, 2016), ambos os periódicos
mais abertos às críticas ao tráfico e à escravidão. Mas também recebeu apoio do Jornal do Commercio e do Diário do Rio de Janeiro, mais conservadores, e até do Correio
da Tarde, tradicional porta-voz convicto dos interesses saquaremas e escravistas
(EL YOUSSEF, 2010, p. 250-263.). Para coroar esse processo de legitimação social, a SI
apelou para o próprio imperador. Este já havia aceitado participar das solenidades
promovidas pela associação no ano de 1856 (RIO, 1856, p. 1), mas, no ano seguinte, D.
Pedro II atendeu ao pedido de se tornar protetor da SI, garantindo-lhe o reconhecimento da maior autoridade do país (ESPELHO, 1857, p. 2), algo raro e almejado pelas
associações oitocentistas (MOREL, 2005).
Vemos, assim, que a SI possuía uma composição diversificada, mas, no geral,
formada por agentes em situação social dominante, sem marca político-partidária
exclusiva, o que era adequado ao ambiente de conciliação política em vigor, congre-
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gando representantes de ambos os partidos, e excluindo mulheres e escravizados
do conjunto dos sócios.
Práticas de alforria e representações sobre a escravidão na SI
Para compreender as ações relativas à escravidão da SI, convém não perder de
vista que elas se inseriam em um conjunto maior de iniciativas, voltadas a preparar
a festa do 7 de Setembro. Os membros da SI publicavam nos periódicos detalhes de
festividades e ainda convocavam a população para participar dos eventos, acendendo girândolas e luminárias nas portas das casas. Visavam não somente comemorar
a Independência do Brasil, mas também exibir publicamente suas próprias figuras
e assim angariar prestígio social.
A ação da SI relacionada à escravidão constituiu-se em levantamento de fundos, seleção de escravizados a serem alforriados e entrega das próprias alforrias durante o Te Deum comemorativo à Independência dos anos de 1856 e 1857. Ao escolher
agir por meio da alforria, a SI centrava-se na prática que constituía a única forma
social e judicialmente reconhecida de caminho à liberdade no sistema escravista.
Contudo, a alforria podia assumir múltiplos sentidos sociais e até políticos. Constituindo-se em uma concessão do senhor, ela reforçava seu poder sobre os escravos ao
exigir submissão, fidelidade e gratidão, a serem mantidos mesmo depois de formalmente livres (MATTOS, 2013 p. 160, 169). Indicava, ainda, uma via possível de liberdade futura, conferindo estabilidade ao sistema escravista (MARQUESE, 2006). Ainda
assim, a alforria era ansiada e podia ser compreendida também como um decisivo
ganho de autonomia pelo escravo (SOARES, 2006, p. 204).
Quanto à politização da alforria, desde fins do séc. XVIII, nos Estados Unidos,
onde manumissões eram menos correntes que no mundo ibérico e onde, em alguns
estados escravistas, foram mesmo proibidas, o incentivo à alforria foi incorporado
ao repertório de ações do abolicionismo nascente. Surgiram, no geral, entre 1784 e
1814, as Manumission Societies. Em termos propositivos, seguiam a defesa do abolicionismo gradual e politicamente bastante moderado, pautando-se pela defesa da
supressão imediata do tráfico e dos maus-tratos; no financiamento de alforrias; na
alfabetização e no ensino de libertos; no incentivo a sua inserção no mercado de trabalho e, eventualmente, no envio de petições pelo fim do tráfico ao Congresso. Não
se restringiram ao norte, se estendendo por quase todos os estados dos EUA, sendo
uma primeira modalidade de abolicionismo gradual e ultramoderado vigente mesmo no sul escravista (WINCH, 2006, p 1377-1378).
Não foram encontrados indícios diretos de transferência para o Brasil das Manumission Societies. Mas aqui, desde o início do séc. XIX, a alforria também vinha sendo
apresentada pelo emergente discurso antiescravista como uma das vias de supressão
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gradual e controlada do cativeiro. Fabiano Dauwe mostra como, nas memórias de José
Bonifácio (1823) e Frederico Burlamaque (1837), dentre outros, o incentivo à alforria
era sugerido na versão da criação de uma “Caixa de Piedade” alimentada pelos pecúlios, doações de terceiros e ativos provenientes da Igreja (DAUWE, 2004, p. 35 a 38).
Não foram encontradas menções explícitas a modelos ou práticas que inspiraram os idealizadores da SI. Mesmo tendo disponível o modelo religioso das irmandades (KARASCH, 2000, p. 465), o filantrópico das caixas pias, o das instituições de
crédito nagô conhecidas como esusu, vigentes na Bahia (REIS, 2019, p. 86-88), a SI
parecia aproximar-se mais do exemplo patriótico e festivo adotado pioneiramente
pela tradicional “Sociedade 2 de Julho”. Surgida em Salvador, em 1835, para comemorar a data da independência da Bahia, Kraay indica que desde pelo menos 1851 tal
sociedade baiana já financiava alforrias que seriam distribuídas nas comemorações
do 2 de julho (KRAAY, 2019, p 179-181), sendo encontrada divulgação de tal prática
baiana nos jornais da corte desde 1855, ano de criação da SI (INTERIOR, 1855, p. 1).
Entrando propriamente no terreno das práticas antiescravistas da SI, uma das
principais preocupações dos sócios dizia respeito às formas de financiamento das
cartas de alforria a serem distribuídas. No ano de 1856, ela contou, basicamente,
com as anuidades de 6 mil reis dos 500 sócios que dizia possuir (SOCIEDADE, 0308-1856, p. 1), além de subscrições e doações individuais de interessados em geral,
organizadas pelas ilustres personalidades, herdeiros do tráfico incluídos, que analisamos no tópico anterior. Não foi encontrada, no entanto, informação sobre o total
dos valores arrecadados e direcionados às alforrias nesse ano.
Em 1857, percebeu-se um claro empenho em reforçar as fontes de financiamento e o apoio às alforrias. Nesse ano, a SI pediu ajuda a entidades religiosas, como as
ordens terceiras de São Bento, S. Francisco de Paula, S. Francisco da Penitência, de
Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, do Senhor Bom Jesus do Calvário da Via-Sacra, de S. Domingos Gusmão, e a paróquia da freguesia de Santo Antônio (SOCIEDADE, 07-08-1857, p. 2). Algumas entidades ajudaram, como a ordem de São Bento,
assim como as ordens terceiras de Bom Jesus do Calvário e da Boa Morte, que forneceram recursos de subscrições que coletaram (SOCIEDADE, 01-09-1857, p. 1).
Também as instituições artísticas foram procuradas pela SI para auxiliar no
fundo de alforrias, tendo sido enviadas solicitações para o Teatro Lírico Nacional,
o Lírico Italiano, o Ginásio Dramático e o Teatro de São Januário. Como resposta, o
ator João Caetano dos Santos, considerado o maior ator de sua época e “pai do teatro
brasileiro”, ofereceu à sociedade toda a arrecadação de uma apresentação no teatro
de São Pedro de Alcântara (SOCIEDADE, 07-08-1857, p. 2). De modo semelhante, o ator
Florindo Joaquim da Silva recitou, em benefício da SI, a peça “Kean, ou desordem e
gênio” no Teatro São Januário (TEATRO, 1857, p. 4). Espontaneamente, alunos do 6o
ano da escola de Medicina e do 3o ano da de Farmácia contribuíram com 120$000
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para as alforrias (OS ALUNOS, 1857, p. 1). Entretanto, o incremento mais significativo, nesse ano de 1857, veio da iniciativa do presidente Carlos Antônio de Carvalho,
que decidiu ampliar significativamente o número de figuras públicas responsáveis
por recolher as subscrições. O presidente inovava ao incluir não sócios entre esses
coletores, o que motivou conflitos internos na SI, que veremos mais adiante. Assim,
em 1857, foram montadas as “comissões paroquiais” para subscrição, compostas, no
total, por 216 indivíduos, divididos entre 17 freguesias da cidade do Rio de Janeiro e
adjacências, cujos nomes foram citados nos jornais (SETE, 1857, p. 1-2).
Dando prosseguimento a suas iniciativas de expansão do campo de atuação da
SI, o presidente Carvalho conseguiu aprovar, no conselho da SI, a proposta para “que
fossem convidadas as pessoas mais notáveis e dedicadas de todas as cidades e vilas da
província do Rio de Janeiro para fundarem sociedades, quando não filiais da SI, suas
irmãs” (NOTÍCIAS, 1857, p. 1). Para se consolidar, a SI preparava a reprodução de seu
modelo associativo para além da cidade do Rio de Janeiro, priorizando, num primeiro momento, a homônima província, com resultados que indicaremos mais adiante.
Ainda naquele ano de 1857, a SI, novamente sob orientação do presidente Carvalho, solicitou à Assembleia Legislativa a concessão de loterias, o produto da taxa
sobre os escravizados do município e a autorização para possuir bens de raiz doados
em caridade (SESSÃO, 1857, p. 133). Com isso, ela visava garantir condições estáveis de
financiamento das alforrias, seja por fontes públicas (loteria, parte do imposto), seja
pela possibilidade de acumular propriedade visando geração de renda. Tais propostas foram acolhidas e encaminhadas à deliberação do plenário, mas não foram discutidas em função do fim da legislatura. Provavelmente, nunca foram implementadas,
pois nenhum anúncio ou notícia sobre elas foi encontrado. Esse conjunto de medidas aprovadas em 1857, sob a iniciativa do presidente Carvalho, indica o seu empenho em consolidar a dimensão antiescravista da SI, para além de seu caráter exclusivamente festivo e patriótico, o que criaria conflitos intensos, conforme veremos.
O requerimento enviado à Câmara nos informa, ainda, sobre o perfil dos escravizados a serem alforriados, almejado pela SI. Nele é solicitado que sejam libertados
“escravos nascidos no Brasil que se tornarem dignos de tal favor”, especificando que
as cartas de alforria seriam priorizadas para “os que se tiverem distinguido por sua
fidelidade para com seus senhores, ou praticado atos meritórios” (TRANSCREVEMOS, 1857, p. 1). A SI também dava preferência para mulheres, crianças e principalmente escravizados pardos, “que na maior parte eram de cor perfeitamente clara” (A
MARMOTA, 1857, p. 2), chegando mesmo ao caso de anunciarem a alforria de “uma
pobre menina branca, de 2 anos de idade” (SOCIEDADE, 03-08-1856, p. 1).
A “fidelidade” valorizada reforçava a lógica vigente da alforria como instrumento de controle senhorial ao fortalecer seu papel como prêmio ao comportamento submisso do escravo. Servia, ainda, para atenuar os receios do público livre com
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a sua segurança, do mesmo modo quando privilegiava a libertação de mulheres e
crianças, que também permitiam um maior número de alforrias por serem menos
caras e por potencializarem o efeito multiplicador da liberdade, ao incentivarem o
“ventre livre”. Como condição de tudo, havia o tom nacionalista da exclusividade
conferida aos “nascidos no país”. Os membros da SI buscavam evitar a libertação
dos africanos, homens e jovens, perfil ansiado pelos produtores agrícolas escravistas e por isso de mais elevado preço, ainda maior após o fim efetivo do tráfico. Desse
modo, a SI privilegiava “aquela classe de escravos, que menos úteis são ao serviço da
agricultura”, como ressaltou um jornalista simpático à associação (ESPELHO, 1857,
p. 2), evitando maiores confrontos com os interesses econômicos escravistas em um
contexto de escassez crescente de braços pelo fim efetivo do contrabando transatlântico de escravizados.
Na prática, os escravos efetivamente libertados variaram em número e perfil
entre os dois anos. Em 1856, foram seis os alforriados: “5 do sexo feminino, a saber:
uma de 3 anos de idade, outra de 6, outra de 13, outra de 18 e outra de 22, além de
um pequeno de 4 anos” (SOCIEDADE, 05-09-1856, p. 2). No ano seguinte, o número
de alforriados mais que triplicou, atingindo 22 pessoas, todas apontadas como pardas. Mudou a composição sexual, continuando com uma maioria de 13 do gênero
feminino, mas já surgindo 9 do gênero masculino. Somente de quatro alforriados
foram informadas as idades: foram indivíduos do gênero masculino de 5, 28 e 40
anos; e uma mulher de 20 anos (SOCIEDADE, 27-09-1857, p. 2). Dentre os 22 alforriados de 1857, dois o foram gratuitamente pelo senhor “em atenção à Sociedade e em
comemoração ao 7 de setembro”, e os demais sob o pagamento de uma quantia total
de 11:492$480 réis. O próprio secretário Luiz Antônio da Silva Nazareth, que assinava a nota, considerou que tal soma “parecerá módica”, e logo explicou que “alguns
destes libertos pelo seu bom comportamento puderam ajuntar algum dinheiro, e o
apresentaram” (SOCIEDADE, 16-10-1857, p. 3). Vemos, assim, que a SI fez uso também
do pecúlio acumulado por alguns dos escravos. Houve, portanto, uma brecha no
edifício da sociabilidade excludente da SI em que alguns escravizados, cujos nomes
não são indicados, assumiram um papel ativo no processo de bancar sua própria
liberdade (CASTILHO & COWLING, 2013).
Percebe-se que, no total, foram 28 as pessoas alforriadas, que tenderam a seguir, no geral, o perfil ansiado pela SI, sendo todas crioulas e pardas; e cerca de 65%
delas, mulheres, não havendo dados suficientes sobre idade e comportamento. Essa
predominância pela alforria feminina era compatível, ainda que um tanto superior
ao padrão vigente no Rio de Janeiro dos anos 1850, em que as mulheres eram cerca de
59% dos alforriados (FARIA, 2008). Por outro lado, a exclusividade conferida aos nascidos no Brasil divergia da tendência crescente de africanos serem alforriados. Con-
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forme indicado por Manolo Florentino, na corte dos anos 1840 e 1850, os nascidos
em África correspondiam a cerca de 55% dos alforriados (FLORENTINO, 2002, p. 22).
Havia, ainda, a dimensão simbólica que revestia tais iniciativas da SI, pois as
distribuições de alforrias não se apresentavam despojadas de formas de comunicação com o grande público. Muito pelo contrário. Elas eram inseridas em um conjunto de ritos e representações simbólicas que nos permitem vislumbrar os valores e
os sentidos que os membros da SI e a imprensa amiga procuravam conferir ao seu
posicionamento diante da escravidão.
No ritual da entrega das alforrias, a SI parece ter seguido o misto de elementos da liturgia tradicional cristã com a mais moderna patriótica, que as comemorações baianas do 2 de julho já realizavam desde pelo menos 1854, conforme visto.
Na SI, nos dois anos em que ocorreram, a entrega de alforrias se deu no espaço mais
reservado do interior da igreja do Carmo, no momento subsequente ao Te Deum
(SOCIEDADE, 09-09-1856, p. 2). Tratava-se do momento religioso por excelência das
comemorações da independência, e sua escolha para a entrega das manumissões
reforçava a relação que se buscava estabelecer entre tal ato e os valores da misericórdia cristã, da liberdade nacional e da filantropia civilizada antiescravista.
Outro dado revelador é que raramente a palavra “escravidão” era enunciada
explicitamente, como se houvesse um pudor ao abordar publicamente a questão.
Prevaleciam diferentes formas de referências oblíquas à escravidão, quando não
sua elisão. A começar dos objetivos de seu estatuto que, como vimos, não a citavam.
Mais significativo foi o sermão proferido no Te Deum de 7 de setembro de 1857 pelo
Cônego Pinto de Campos, que também era deputado do Partido Conservador em
Pernambuco, sua província natal. Trechos de seu sermão foram reproduzidos por ao
menos três jornais (Jornal do Commercio, Marmota Fluminense, Diário de Pernambuco) e
uma versão integral foi “impress[a] por conta da mesma sociedade [Ipiranga]” e posta “à venda por 500 réis cada exemplar” poucos dias após ter sido proferido (YPIRANGA, 24-09-1857, p. 4), sendo, por isso, o discurso de maior difusão produzido pela SI.
Nele não há utilização do termo “escravidão”, mas menção a “tristes manchas
da condição sujeita”, a “maldição que ainda conspurca a nossa sociedade”, a “conspira[ção] contra a liberdade” (SOCIEDADE, 10-9-1857, p. 2). O clérigo elidia o cativeiro
e, em vez de criticá-lo diretamente, preferia reforçar o elogio de seu contrário, das
“santas batalhas da liberdade pela causa do gênero humano” (ibidem). Nessa toada,
Pinto de Campos pensava a liberdade como indissociável da autoridade. O cônego
destacou o compromisso da SI com a ordem ao afirmar a liberdade que subordina o
homem “à grande lei do dever, aos ditames da justiça e aos preceitos da autoridade”,
desenvolvendo o pensamento da SI em relação a sociedade política: “Se a liberdade
é um direito, a autoridade é um dever (...) Dividi-los seria aniquilá-los, e nenhum
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povo será verdadeiramente livre se não acatar com a mesma veneração a liberdade e
a autoridade” (SOCIEDADE, 10-09-1857, p. 2).
O recado estava dado pelo cônego gabiru: a liberdade que comemoravam e concediam aos poucos escravizados escolhidos deveria vir limitada pela reverência à
autoridade, visando a manutenção da ordem social. Com teor igualmente ordeiro
era a oração com que o sócio Cândido José de Araújo Viana, o visconde de Sapucaí,
congratulou a presença do Imperador naquele festejo de 1857, ao destacar que a SI
agia por “atos de beneficência, que ao homem restituam, sem abalo da ordem social, sem quebra de legítimos interesses, o dom mais precioso de que a natureza o
enriquecera” (SOCIEDADE, 07-09-1857, p. 2). O princípio da propriedade (os “legítimos interesses”) estava resguardado pela SI que, sob tais limites, exercia sua concessão da liberdade. Também o presidente Carlos Antônio de Carvalho, no discurso
proferido ao Imperador, em 1857, apresentava a SI como tendo caráter filantrópico,
humanitário e civilizador. O presidente não citava diretamente a escravidão, nem
a desqualificava, preferindo destacar a missão de conferir “liberdade para os escravizados nascidos no Brasil que forem fiéis para com seus senhores” (ESPELHO, 1008-1857, p. 2). Em outra oportunidade, porém, explicitou o caráter de abolicionismo
gradual de suas iniciativas. Ao solicitar auxílio à Câmara dos Deputados, deixava
claro que as alforrias financiadas pela SI eram um “empenho, não só humanitário,
mas também patriótico, porque tende a dar o primeiro impulso à realização da ideia
de extinguir-se lenta e prudentemente no país a escravidão” (SETE, 07-08-1857, p. 2).
Também a imprensa simpática à SI seguia o tom das representações difundidas pela direção, sendo, por vezes, mais direta nas suas colocações. O Jornal do Commercio reforçava a fala do presidente Carlos Antônio de Carvalho ao lembrar que o
“pensamento filantrópico” da SI visava “a extinção lenta e prudente da escravidão”
(TRANSCREVEMOS, 30-7-1857, p. 2). O incógnito folhetinista desse mesmo periódico
saldava a SI por “festejar o dia da pátria quebrando ferros também da escravidão”
(FOLHETIM, JC 10-08-1857, p. 1). O anônimo jornalista do conservador Correio da Tarde, por sua vez, defendia que a SI servia “como germe fecundo para a abolição gradual neste belo país”. Ele ainda saía em defesa da prática de conceder alforrias da SI,
que “se tornará um incentivo poderoso para que nessa classe [dos escravos] mais se
desenvolvam e firmem os sentimentos de subordinação e respeito, anela dar assim
os primeiros passos para a realização de uma gradual e mui prudente emancipação
de tais indivíduos” (ESPELHO, 10-08-1857, p. 2).
Elogiando a liberdade, elidindo a escravidão, os discursos sobre a SI destacavam o seu objetivo de atingir gradualmente a abolição do cativeiro e não poucas
vezes resvalavam para o elogio da ordem e da autoridade, em um esforço tenso em
conciliar sentidos contrários.
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Boatos, conflitos e o fim das alforrias
Nem com todos esses cuidados, a SI e a imprensa a ela simpática conseguiram
anular os receios às práticas que adotava, indícios do quão estreita era a abertura do
espaço público de então para sociedades com algum tom antiescravista. Em 1856, no
primeiro ano em que foram propostas alforrias pela SI, surgiu uma série de boatos
pela cidade do Rio de Janeiro, como nos informa o Correio da Tarde:
Alguns noveleiros de mau gosto divertem-se atualmente em espalhar boatos assustadores sobre desordens no dia 7 de setembro. Até os há que procuram fazer incutir pelas classes ínfimas
que os escravos vão ficar forros nesse dia. Mal vão eles... O Sr. Dr. Godoy, muito digno chefe de
polícia, já por certo há de ter dado suas ordens para que esses novos cavaleiros de indústria estejam debaixo da vigilância da polícia. Confiemos que a autoridade vela pela segurança pública
(ESPELHO, 01-09-1856, p. 1).
A boataria, conforme apontou Hendrik Kraay (KRAAY, 2007, p. 22), seria reação
às propostas de alforria pela SI. Dias depois, o mesmo Correio da Tarde, que, anos antes, fora exímio difusor de temores de levantes escravos, voltava ao tema, mas desta
vez para colocar panos quentes sobre os rumores:
Reunidos hoje às 10hs da manhã, como lhes fora assinalado pelo digno chefe, asseveraram os
subdelegados a S Ex. que eram destituídas de fundamento essas notícias da meia noite. Hoje
não há ninguém que tenha interesse numa agitação popular; nem ela dorme no pensamento
do povo desta cidade (...) Tranquilizemo-nos pois (BOAS, CT 05-09-1856, p. 1).
A polícia da corte e a imprensa amiga da SI foram mobilizadas para anular
os boatos de alforria generalizada que ameaçavam o festejo patriótico. Boatos que
servem como indício das expectativas e ansiedades que o associativismo relativo
à escravidão então podia desencadear. Realizada com ordem e adesão inéditas, a
comemoração da Independência do ano de 1856 foi apresentada como um grande
sucesso e fez com que a SI saísse fortalecida diante do público “respeitável” da corte,
permitindo ampliar, no ano seguinte, as suas ações, conforme indicado.
Contudo, a repetição do bom êxito das comemorações em 1857 não pareceu ser
suficiente para apaziguar os ânimos de alguns sócios. Houve um grupo dentro da
própria SI que foi contrário à prática das alforrias, impedindo sua continuidade. A
fratura interna veio à tona a partir do pedido de demissão da presidência da SI por
parte de Carlos Antônio de Carvalho. Ele foi publicado nos jornais da corte cerca de
duas semanas após a exitosa comemoração do dia da Independência de 1857 (NOTÍCIAS, 22-9-1857, p. 1).
Mais que uma retirada voluntária, tudo indica que a saída de Carvalho foi uma
demissão por perda de apoio de um setor significativo da SI, concentrado em sua di17
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retoria. No centro do conflito, estavam a prática de alforrias e a própria compreensão dos objetivos da associação. Essa foi a tônica de um texto assinado sob o pseudônimo “Um Sócio”, que deu início a breve polêmica no Correio Mercantil. Em relação à
SI, ele acusava o ex-presidente Carvalho de “abrir-lhe maligna chaga”, extrapolando
as atribuições conferidas pelo conselho, mais especificamente por conceder “autorização para as comissões paroquiais darem, a seu arbítrio, cartas de liberdade a
escravos em nome da sociedade!”. Teria, ainda, escolhido um não associado para
presidir a comissão que foi felicitar o Imperador, preterindo sócios indicados pelo
conselho, além de ter assumido funções que cabiam ao 1o secretário. Mas a raiz do
problema estava no erro do presidente quanto à principal finalidade da SI:
O Sr. Carvalho entendia, cremos que funestamente, que o fim principal da sociedade era libertar
escravos, quando o seu fim principal é, em primeiro lugar, festejar devidamente o aniversário
glorioso da Independência do Brasil; 2o levantar estátuas aos grandes homens que mais se
distinguiram naquele magnânimo ato; 3o cuidar de melhorar a sorte dos descendentes desses
grandes homens, e finalmente libertar a escravos nascidos no Brasil (SOCIEDADE, 23-9-1857, p. 1).
Em suma, Carvalho tinha ido longe demais no incentivo às alforrias. O que
provavelmente foi pensado por muitos sócios como mero apêndice a conferir um
verniz filantrópico para as festas e exibições públicas de suas pessoas, não somente
tornava-se, para o presidente, o ponto central da associação como levou à mobilização de mais agentes no conjunto da sociedade – representados pelas juntas paroquiais – que escapavam ao controle do conselho da SI. Daí surgiu o embate entre
Carvalho e o conselho. O erro do presidente fora deixar claro que “só queria liberdade de escravos e nada mais!”, conforme reclamação do incógnito “Sócio” (ibidem).
No dia seguinte, veio a resposta à desqualificação do ex-presidente Carvalho.
Uma nota, assinada por “Brasileiro e sócio”, defendeu Carvalho, afirmando que ele
“procedeu como verdadeiro patriota e filantropo, antepondo a liberdade humana
aos foguetes e luminárias, com que muito se alegram os papalvos” (SOCIEDADE CM,
24-9-1857). O resultado de tal conflito interno foi a continuidade da SI, mas sem as
práticas de alforrias, a partir de 1858. Desse ano em diante, ela resolvia a tensão provocada pelo seu caráter multifuncional. E o fazia anulando seu lado filantrópico e
abolicionista gradual, passando a apresentar-se como exclusivamente patriótica e
festiva. A Marmota Fluminense, de Paula Brito, entusiasta defensora das iniciativas
de Carlos Antonio de Carvalho, também externou seu mal-estar com a situação. Referindo-se às comemorações da independência em 1858, o primeiro sem alforrias,
publicou uma poesia de ácida ironia:
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A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
(...) Pobre Ipiranga!... coitada!
Que de cólicas tem tido...
No espaço de doze meses
Quantas coisas tem havido!...
O seu belo presidente
Incansável e sisudo
Perdeu, por tristes misérias,
Que são a causa de tudo (...)
Em lugar de liberdades
Houve públicas funções:
A humanidade que gema,
Do cativeiro em grilhões.
No dia da Independência
Quebramos jugo servil,
E vemos filhos escravos
Dos escravos do Brasil!...
E filhos que, muitas vezes,
Dos próprios senhores são.
Ou são de algum senhor moço
Que pelas mães tem paixão.
E por quê? Porque assim quer
O pátrio legislador;
Entre nós a humanidade
Se aquilata pela cor (...)
(UM POUCO, 14-9-1858, p. 3).
A lamentada ausência de Carlos Antonio Carvalho, o fim das alforrias, o engavetamento, pela assembleia, do projeto de loterias para financiá-las, tudo reforçava
uma visão desencantada diante da continuidade da escravidão e das discriminações pela cor em um país que se pretendia livre. A ausência de qualquer forma de
assinatura indica que o jornal de Paula Brito assumia a responsabilidade pela poesia. Seu humor crítico revelava não somente sua frustração, mas o quanto e quão
significativas foram as expectativas antiescravistas despertadas pela SI em certo
público. Importante notar que as críticas à supressão das alforrias somente foram
difundidas pelas páginas do Correio Mercantil e da Marmota Fluminense. As folhas
mais conservadoras – Jornal do Commercio, Diário do RJ e Correio da Tarde – não deram
publicidade alguma ao caso, escolhendo alinhar-se à política do silêncio, em provável aceitação à expulsão de Carlos Carvalho e ao fim das manumissões.
Vez ou outra, após 1858, emergiam notícias que indicavam que a concessão de
alforrias ainda era ansiada por alguns simpatizantes e sócios. Mas se, em 1857, a própria direção da SI tolhera as iniciativas antiescravistas de seu presidente, censura
definitiva viria da instância estatal. Em 22 de agosto de 1860, foi aprovada a Lei 1.083.
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A Sociedade Ipiranga do Rio de Janeiro: tensões e limites da emergência
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Conhecida como “Lei dos entraves”, foi proposta pelo então ministro da Fazenda,
Ângelo Muniz da Silva Ferraz, como meio de garantir mais controle estatal de práticas financeiras em um contexto de criação de vários bancos e embate entre diferentes propostas de políticas econômicas. Se a preocupação prioritária era com companhias de finalidade econômica, a lei regulou o conjunto das associações do Império,
impondo um controle mais rígido do Estado sobre organizações da sociedade civil,
em plena expansão no período (ALMEIDA, 2014, p. 88-92). Quanto às associações sediadas na Corte, a Lei 1.083 passava a exigir que seus estatutos passassem pela aprovação do Conselho de Estado, órgão consultivo da coroa formado pelos expoentes
da política nacional.
Analisando, em 1862, os estatutos enviados pela SI, os pareceristas do Conselho
de Estado não viram maiores problemas na entidade, mas foram veementes na proibição de sua prática de alforrias:
Estas promessas ou incentivos de libertação de escravos por meio de associações particulares,
e sem regulamentos prévios em assuntos de tanta importância, que entende com uma instituição espinhosíssima do país, oferecem inconvenientes dignos de séria atenção. Por onde a
seção tem para si que convém suprimir também esta parte do artigo. Aos poderes supremos
do Estado compete providenciar oportunamente sobre matéria tão crespa de dificuldades e
perigos (ALMEIDA, 2014, p. 202).
“Instituição espinhosíssima”, “matéria tão crespa de dificuldades e perigos”:
as expressões são eloquentes ao revelarem a dificuldade de tratamento da questão
da escravidão e seu enfrentamento no espaço público. Sobre a SI, ainda foram encontradas notícias justificando a não realização de festejos nos anos de 1861 e 1863. A
partir desse último ano, cessam as notícias sobre a SI da corte que, provavelmente,
deixou de existir.
Repercussões internas e externas
Curiosamente, quanto mais escasseavam as pistas sobre a SI da corte, mais se
encontravam referências ao surgimento de sociedades com nome e finalidade semelhantes às dela, em vários lugares do país. Elas permitem avaliar a repercussão alcançada pela instituição em âmbito nacional. Identificaram-se as seguintes cidades
onde foram fundadas “Sociedades Ipiranga”: Belém-PA (1857); Paquetá-RJ (1859); São
João del Rei-MG (1859); Manaus-AM (1861); Vassouras-RJ (1862); São Fidélis-RJ (1863);
Diamantina-MG (1864), Paraíba do Sul-RJ (1864). Pelo nome, finalidade e datas posteriores de fundação, provavelmente tinham a SI da Corte como modelo. As citadas,
no entanto, estavam voltadas exclusivamente à comemoração da independência.
Diretamente relacionada à concessão de alforrias, consta o surgimento da Socieda20
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de Ipiranga Libertadora, em Campos-RJ (1856), sob a presidência do médico Miguel
Antônio Heredia de Sá, havendo indícios nesse sentido quanto à citada SI do Pará
(BEZERRA NETO, 2011). Todas atestam o caráter multiplicador da SI da corte, com
algum impacto também no modelo difundido, a partir do final dos anos 1860, de
sociedades antiescravistas centradas na concessão de alforria.
Mas as repercussões da SI da corte foram ainda mais longe, atingindo âmbito
transnacional. Sua atuação foi mobilizada pelo próprio governo brasileiro em sua
política diplomática junto ao Reino Unido. Mal havia sido criada, em outubro de
1856, a sociedade foi mencionada por José Maria Paranhos, o futuro Visconde do Rio
Branco, então ministro brasileiro dos Negócios Exteriores do gabinete conservador do Marquês de Caxias. Ele fez uso da SI em negociação com o representante do
Reino Unido no Rio de Janeiro, Sr. Scarlett, conforme ficamos sabendo por correspondência reservada deste último para Lord Clarendon, do Foreign Office britânico.
Nela, Scarlett informava que pressionou o ministro brasileiro para libertar definitivamente os africanos livres emancipados pela Comissão Mista do Rio de Janeiro e
que ainda se encontravam sob tutela do governo. Paranhos, então, teria respondido
ao representante britânico:
(...) que, como havia uma firme determinação de abolir a escravidão no Brasil, eu [M. Scarlett]
não deveria duvidar da sinceridade do governo [brasileiro], e que, embora fosse inconveniente
ou seguro fazê-lo muito subitamente, eu poderia confiar que essa determinação seria realizada.
Era impossível, disse ele [Paranhos], com segurança emancipar muitos de uma só vez, tanto por
conta deles mesmos como por razões políticas, pois causaria uma sensação muito grande entre os
escravos crioulos; mas, como prova de sua boa-fé, advertiu para a atuação da Sociedade chamada
Ipiranga, da qual Sua Excelência é membro, e que é protegida pelo Imperador. Esta sociedade,
formada em memória da Independência do Brasil, tem o costume de libertar anualmente certo
número de escravos, valendo-se de seus fundos para presenteá-los com sua alforria (FO, 1856).
Vemos que a SI era usada por um alto dignatário do Estado brasileiro para provar um empenho abolicionista do governo de uma sinceridade para inglês ver. Sua
menção como caução de boa-fé abolicionista era um subterfúgio ilusório, mobilizado pelo governo brasileiro para encobrir a prática que ele mesmo adotava, a partir
de meados da década de 1850, de impedir a aprovação dos crescentes pedidos de fim
da tutela dos africanos livres a serviço do Estado, pedidos apresentados pelos próprios africanos e reforçados por autoridades britânicas (MAMIGONIAN, 2017, p. 337).
Contudo, o que surgiu inicialmente como declaração reservada do ministro
Paranhos foi apropriado e projetado no espaço público, assumindo uma difusão
considerável nos meios letrados e políticos internacionais. Isso foi feito por Augustin Cochin, político e intelectual francês, católico e liberal, que se envolveu com a
luta abolicionista. Em 1861, ele publicou L´abolition de l´esclavage, livro em que pro21
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curava mostrar o papel central do cristianismo na supressão antiga e moderna da
escravidão, tendo repercussão internacional no momento em que a Guerra Civil
nos EUA conferia maior interesse ao tema (KARSKY, 1974). O Brasil aí recebeu certo
destaque, tendo sido apresentado como uma monarquia católica que deveria dar
o exemplo de supressão pacífica e ordeira que parecia faltar aos EUA conflagrado.
Nesse contexto, o abolicionista Cochin se apoiava na correspondência citada
anteriormente entre Scarlett e Lord Clarendon, publicada pelo Foreign Office britânico em 1857, para apresentar a Société nommée Ypiranga como exemplo de “resolução tomada pelo governo brasileiro de abolir gradualmente a escravidão no Brasil”.
Essa projeção, em um primeiro momento, reforçava a mensagem internacional que
o próprio estado brasileiro, via Paranhos, procurava, inicialmente, difundir, com
a SI: a de que o Brasil entrava em uma nova era, marcada pelo compromisso com
a supressão paulatina e pacífica da escravidão. Mas, em um segundo momento de
seu argumento, a propaganda de Cochin assumia a forma de cobrança ao governo
brasileiro. Pelo tom adotado, Cochin parecia pressionar para que “o Brasil deix[asse]
os loucos receios e os argumentos miseráveis a débeis colônias (...) e seria belo que os
latinos da América do Sul, abolindo categoricamente a escravidão, tivessem a honra
de dar o exemplo aos saxões da América do Norte” (COCHIN, 1861, p. 243-244).
Na história, no entanto, as belas projeções nem sempre se cumprem. Se nem o
modesto caráter abolicionista gradual da SI foi mantido, o que dizer da abolição “categórica” da escravidão em todo o Império? Nesse quesito, sabemos hoje, os “latinos
da América do Sul” fomos os últimos a suprimir a escravidão.
Considerações finais
No Brasil da década de 1840, quando a escravidão tomava novo vigor com a
cafeicultura do Vale do Paraíba e o tráfico de escravos nunca fora tão intenso, apesar
de sua ilegalidade, o moderno espaço público do Império era marcado por relativo
fechamento ao questionamento da escravidão, como se um pudor pairasse sobre a
sociedade em tematizá-la clara e diretamente. Não que houvesse plena proibição;
afinal, o Brasil era uma monarquia liberal, desde 1820 sem censura prévia, exceto
para o teatro. Há mais de duas décadas, o tema da escravidão era discutido pela imprensa, no parlamento, em sociedades letradas e vendido pelo mercado de impressos. Ainda assim, era evitado e sofria formas de controle de sua divulgação pública
por setores envolvidos na defesa da ordem privada escravista, como atestam, dentre
outros casos, as sessões secretas para tratar da questão do tráfico no parlamento, no
ano de 1850, e que deixariam de ocorrer a partir dessa data, ainda que sob protestos.
Nesse mesmo sentido, claramente não havia, nos anos 1840, espaço para organiza-
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ção coletiva antiescravista, na forma de associações voltadas a atuar explicitamente
contra a escravidão.
Os anos 1850 constituem, em relação ao período anterior, uma expansão do tratamento da escravidão no espaço público, a começar pelo surgimento do associativismo contrário ao cativeiro, ainda que gradual, representado pela criação, em 1850,
da SCTA e outras iniciativas (ALONSO, 2011). A intensificação do debate sobre o tráfico, a aprovação, em 1850, de uma segunda lei antitráfico, o empenho do governo em
cumpri-la, a institucionalização dos conflitos políticos e sociais, que assumiam formas menos violentas, dentre outros aspectos, ajudam a compreender tal movimento. O surgimento da SI é fruto e sintoma dessa expansão que, no entanto, não suprimia de todo as tensões e os entraves relativos ao tratamento público da escravidão.
As disputas em torno da finalidade da associação, com suas indefinições quanto ao caráter prioritariamente festivo ou antiescravista, e as elisões deste último podem ser tomados como indícios desse mal-estar em abordar a escravidão no espaço
público. Ela deixou uma sombra de ambiguidade em vários aspectos instituintes
da SI. Quanto ao perfil dos agentes, se há segurança quanto à origem socialmente bem-posicionada de seus sócios, todo o mais é diversidade, seja na composição
partidária, marcada tanto por liberais quanto por conservadores, seja no posicionamento frente à escravidão, que absorvia desde abolicionistas graduais da SCTA até
ex-traficantes de escravos e seus herdeiros.
Em termos da prática antiescravista adotada – a alforria –, era, por si só, cheia
de ambiguidades. Ao mesmo tempo que era secularmente reconhecida no escravismo, onde era uma conceção senhorial que fortalecia sua autoridade, também
começava a ser identificada como alternativa moderada e gradual de supressão da
escravidão. O lado sistêmico da alforria foi reforçado na SI ao valorizar um perfil
já consagrado e seguro (do ponto de vista senhorial) de alforriado: fiel, crioulo, do
gênero feminino, de pouca idade, de fenótipo o mais claro possível. Mais ainda, ao
não questionar a vontade soberana do senhor, mantinha-se ileso um dos pilares da
ordem privada escravista.
Em termos de representações e aparato simbólico produzido sobre a escravidão, a ambiguidade da SI continuava, na medida em que afirmava o valor da liberdade e mesmo identificava-se com a abolição gradual, mas também elidia o tratamento público da escravidão e reforçava o princípio da autoridade e da manutenção
da ordem social. A SI não se empenhou em realizar uma crítica racional sistemática
à legitimidade da escravidão e dessa crítica fazer proselitismo, ao modo das academias eruditas ou das sociedades e imprensa abolicionistas do Atlântico Norte, reproduzidas em versões próprias por periódicos e sociedades brasileiras do período,
como a SCTA e seu jornal O Philantropo. Investiu na forma de sociabilidade patriótica e festiva, com traços do modo tradicional das irmandades, centrada em exibição
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pública de aparatosos rituais, como também seria comum no movimento abolicionista brasileiro posterior (DRESCHER, 2015).
A SI, na melhor das hipóteses, surgia como uma via ultramoderada de questionamento da escravidão. Se possível, para muitos sócios, com o máximo de projeção
simbólica e o mínimo de impacto efetivo. O aspecto simbólico da SI não deixou de
ser usado para propagandear um suposto empenho abolicionista no Império, como
indício de sua “civilização” e renovação nos novos tempos posteriores à supressão
do tráfico. A existência e o reconhecimento da SI pelo Imperador ajudariam a atenuar, no exterior, a imagem de bastião escravista colada ao Brasil. Isso era importante no contexto imediato dos desembarques de escravos em Sirinhaém-PE e ficaria patente no uso diplomático da SI feito pelo ministro Paranhos e na divulgação
transnacional proporcionada pelo livro do abolicionista Cochin. Internamente, a
projeção simbólica antiescravista da SI ainda poderia servir para limpar a imagem
pública de sócios pertencentes a setores envolvidos com o tráfico, em vias de tornar-se socialmente degradante. Nesses casos, a SI desempenhava o papel de uma
máscara filantrópica para agentes esconderem seu envolvimento, no passado ou no
presente, com a reprodução da escravidão.
Todavia, a SI foi também entendida por alguns sócios e simpatizantes como
brecha de abolicionismo gradual. O principal deles foi o presidente Carlos Antônio
de Carvalho, que procurou, em 1857, reforçar o caráter contrário à escravidão. Para
isso, Carvalho buscou reforçar as condições que tornassem efetiva essa pretendida
finalidade abolicionista gradual, garantindo fonte segura de financiamento de alforrias e expandindo significativamente o número de agentes envolvidos nas subscrições, mobilizando figuras para além do controle da SI. Tais ações foram entendidas, por parte dos próprios membros da direção, como excessivas, supostamente
abrindo-se para eventuais levantes escravos.
A princípio, não foi necessário mobilizar qualquer aparato de censura estatal,
vigorando mecanismos de impedimento internalizados pelos próprios sócios. Ainda assim, somente três anos depois do caso da SI, o governo imperial aprovaria uma
legislação que endurecia as condições de funcionamento das associações. Seguramente, com a nova “Lei dos entraves”, o Estado brasileiro dotava-se de meios mais
eficazes de controlar o espaço público em expansão pelo surgimento de associações
que então começavam a se vincular – perigosamente para alguns – à temática da escravidão. Desse modo, estreitava, novamente, as condições que permitiram o significativo aumento da inserção do tratamento crítico à escravidão no espaço público
brasileiro vivido nos anos 1850.
A SI foi, em suma, uma experiência pioneira e contraditória de ação abolicionista gradual, vista como excessiva por parte dos próprios membros da associação,
que a cercearam. Ainda assim, despertou expectativas abolicionistas e permitiu
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do associativismo abolicionista gradual no Brasil Imperial (1855-1863)
acumular experiência para a definição de um modelo de associação centrado na
concessão de alforria e em aparatosos rituais públicos, que se desenvolveria a partir
dos anos 1860 e embalaria o movimento abolicionista imediatista dos anos 1880.
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Recebido: 12/09/2023 – Aprovado: 21/02/2024
Editores Responsáveis
Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco
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