Reabilitação do Castro de Sabroso
Gonçalo Cruz
Os vestígios de Sabroso, em São Lourenço de Sande, Guimarães, passaram vários séculos incógnitos
para as populações do entorno. Quando, em 1758, no inquérito conhecido como memória paroquial, se perguntava se existia algum castelo ou antiga torre na área da freguesia, o vigário Miguel de Abreu Pereira respondeu que não, mas, noutra parte do inquérito, em que se indagava sobre a existência de pedreiras, menciona o topónimo Sabroso, como um local onde se ia buscar pedra para construção das casas, "por ser boa".
Sabemos assim que, não existindo então
qualquer noção sobre a antiguidade ou
função dos vestígios, o Castro de Sabroso
foi sendo desmantelado pelas populações
locais, reutilizando os elementos pétreos
ali existentes.
Em setembro de 1877, o arqueólogo
Francisco Martins Sarmento, à vista de alguns achados de superfície, entre pedras
esculpidas, fragmentos cerâmicos e carvões, resolveu colocar ali uma equipa de
trabalhadores das escavações da Citânia
de Briteiros. Foi então que sucedeu a recolha de um considerável volume de achados
e de elementos construídos, que impressiEstrutura circular do Castro de Sabroso, que preserva parte do lajeado de pedra
interior.
onaram Sarmento e outros estudiosos do
século XIX, que ali foram de visita. Entre 1877 e 1878, Martins Sarmento colocou à vista praticamente todos
os vestígios atualmente visíveis. Nem tudo foi escavado, e muitos vestígios foram destruídos, inclusive depois
das campanhas de Sarmento, nomeadamente as depredações documentadas em 1919, mormente a classificação do sítio arqueológico como Monumento Nacional, em 1910.
Ali se veem os vestígios de um povoado da segunda metade do primeiro milénio a. C., que terá sido
abandonado poucos anos antes da transição para a Era Cristã. Foi habitado durante alguns séculos por uma
comunidade aparentemente empenhada na sua defesa, mas também na sua subsistência, valorizando a, talvez perigosa, proximidade às terras do vale, às quais se acede em poucos minutos. O aglomerado estava,
assim, localizado a uma cota relativamente baixa, embora num monte destacado.
As condições defensivas, facilitadas pelo relevo natural, foram asseguradas com a construção de uma
espessa muralha, que é, ainda hoje, o elemento que mais se destaca no local. A espessura desta muralha ultrapassa os quatro metros em vários pontos, formando
uma plataforma do lado de dentro, sobre
a qual se construíram várias habitações.
Do lado exterior, a muralha atingia os cinco
metros de altura, sendo muito difícil de
transpor. Também do lado de fora há vestígios da existência de fossos e taludes de
terra, que dificultavam a aproximação à
muralha pétrea. A porta de entrada tinha
um muro de pedra em frente da passagem,
que tinha que ser contornado para entrar
ou sair e tornando praticamente impossí- Vestígios da porta Norte do Castro de Sabroso, que era protegida por uma cortina de
pedra exterior.
vel o arrombamento da porta.
Tínhamos, assim, uma comunidade cuja preocupação defensiva parece, hoje, evidente. A dada altura,
pelos finais do século II a. C., a área do povoado foi aumentada, construindo-se uma segunda muralha, para
o lado Sul. Esta segunda linha, no entanto, era muito menos espessa, dando a entender que já não se vivia,
então, a necessidade de segurança que parece ter orientado os primeiros habitantes do castro.
Dentro das muralhas encontram-se os vestígios das habitações. Tinham paredes construídas em pedra,
na sua maioria de forma circular, cobertas com uma estrutura de madeira e colmo. Cada família ocuparia
mais do que uma construção, servindo algumas de habitação, outras de celeiro, estábulo ou oficina, formando assim pequenos conjuntos familiares. Em Sabroso, tal como noutros castros, o espaço interior dos
conjuntos familiares, um pequeno pátio para onde abriam as portas das construções, tinha um pavimento
de pedra.
Os objetos recolhidos nas escavações testemunham a vida quotidiana das pessoas que habitaram o
povoado fortificado, sobretudo as louças de cozinha e de ir à mesa, em milhares de fragmentos cerâmicos,
mas também restos de armas em bronze ou ferro. Apareceram também algumas ferramentas, como é o caso
de uma característica enxada em ferro, e outras alfaias, como vários pesos de rede, em pedra, utilizados na
pesca fluvial. Estes materiais permitem-nos perceber que os habitantes do Castro de Sabroso se dedicavam
à agricultura e à utilização dos recursos naturais, mas provavelmente também à pastorícia. Com efeito, um fragmento de estátua de um porco doméstico, com provável
função ritual, bem como algumas gravuras
de cavalos, já perto do sopé do monte, sugerem que a criação de animais estava
também entre as atividades destas populações.
Além disto, os vestígios de escultura,
de elementos arquitetónicos decorados e
alguns objetos de prestígio, sobretudo
adornos em metal ou vidro, indiciam também a presença de uma elite socioeconóAspeto das ruínas no interior das muralhas do castro, com a sinalética colocada
mica, que poderá estar relacionada com a
recentemente.
monumentalidade das muralhas e o notável trabalho de cantaria do aparelho exterior, poligonal, da muralha.
A integração do território no Império Romano, no final do século I a. C., parece ter determinado o abandono definitivo do castro, que não mostra indícios de ter sido habitado em época romana ou em períodos
históricos posteriores.
Em meados do século XX, o Castro de Sabroso foi alvo da atenção de uma equipa de especialistas britânicos, coordenados por Christopher Hawkes, que ali fizeram escavações em 1958. Também em 1981, arqueólogos da Universidade do Porto realizaram uma sondagem junto à primeira muralha, obtendo dados sobre a
construção da mesma.
Verificou-se, ao fim de algumas décadas, a ocupação progressiva do espaço por uma população de
acácias que, dificultando uma manutenção regular, acabou por provocar a degradação dos vestígios. Em
2015, voltaram a realizar-se escavações no Castro de Sabroso, numa colaboração entre a Sociedade Martins
Sarmento, a Universidade do Minho e a Junta de Freguesia de Sande São Lourenço e Balazar. Elaborou-se um
plano de reabilitação do sítio arqueológico, que orientou a intervenção realizada ao longo de grande parte
do ano de 2022. Esta intervenção de recuperação, financiada pelo Município de Guimarães, e executada pela
empresa Era, Arqueologia S.A., com o acompanhamento da Sociedade Martins Sarmento, permitiu a reabertura do monumento à visita pública. Foi,
assim, feita a limpeza e manutenção da vegetação, privilegiando a floresta autóctone, foi vedado o espaço do monumento,
fizeram-se intervenções de limpeza e conservação das ruínas arqueológicas e foi colocada sinalética no local, garantindo informação ao visitante.
Face exterior da primeira muralha, revestida por um aparelho poligonal em granito.
O Castro de Sabroso pode, hoje, ser
visitado através de uma curta caminhada
que promete uma viagem ao tempo dos
castros e a observação de um território
onde nos sentimos em casa, mas que podemos olhar de uma perspetiva diferente.