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Memórias musicais em pessoas idosas: Estudo de caso

2020, II Conferência Internacional Envelhecimento Ativo e Educação

View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk brought to you by CORE provided by Sapientia 11. Memórias Musicais em Pessoas Idosas. Estudo de Caso Cátia Almeida Caro1 Aurízia Anica2 Resumo As memórias, imersas em aspetos emocionais e afetivos, influenciam e são determinadas pelo percurso de vida das pessoas. Nesta investigação o desafio é estudar esta problemática relativamente às pessoas idosas: “Quais as memórias musicais do percurso de vida das pessoas idosas e que significados assumem?”. Este estudo incide nas memórias musicais de pessoas com mais de 64 anos de idade, que frequentam a Universidade do Algarve para a Terceira Idade (UATI). O paradigma de investigação em que se insere este estudo é de caráter predominantemente qualitativo. Aplicou-se o método etnográfico e desenvolveu-se uma estratégia metodológica que assumiu um caráter exploratório, descritivo e interpretativo. As técnicas e instrumentos utilizados para a recolha de dados foram a entrevista semiestruturada vídeo-gravada, o questionário e a análise documental. Na análise estatística recorreu-se ao programa Excel®. O método fenomenológico de Max Van Manen foi utilizado na interpretação das entrevistas. O estudo contemplou vinte seis participantes, dos quais vinte participaram nos questionários e seis nas entrevistas. As memórias musicais apresentam significados diferentes em função dos percursos de vida dos participantes. Fatores como a educação, a cultura, as conjunturas e as vivências pessoais são determinantes nesta questão. As recordações são marcadas positiva ou negativamente, de acordo com os acontecimentos de vida às quais as memórias musicais estão associadas. O processo de recolha de dados funcionou como um estímulo cognitivo-emocional para os participantes, ao permitir resgatar memórias e (re)viver o passado, o que sugere a utilização de estratégias baseadas no conhecimento concreto das memórias musicais dos intervenientes nos programas de ativação cognitiva e emocional e na musicoterapia destinados a pessoas idosas. Palavras-chave: Idosos, Memórias, Música, Memórias Musicais Memórias Musicais em Pessoas Idosas A Gerontologia dedica-se ao estudo do envelhecimento humano e dos mais velhos (Paúl, 2012), ao passo que a Gerontologia Social se centra no impacto das condições socioculturais e ambientais sobre o processo de envelhecimento, nas consequências sociais desse processo e nas ações que o podem otimizar (Fernández-Ballesteros, 2000, citado por Paúl & Fonseca, 2005). 1 Centro Hospitalar Universitário do Algarve. caro.catia@gmail.com Universidade do Algarve. Instituto de Estudos de Literatura e Tradição - Patrimónios, Artes e Culturas. aanica@ualg.pt 2 151 Após a II Guerra Mundial, o aumento da população idosa foi bastante notório. A evolução científica, possibilitou melhores cuidados de saúde e melhorando as condições de vida em geral, contribuindo para o aumento da esperança média de vida da população. Com a proximidade da velhice, a probabilidade de vir a sofrer ou desenvolver uma doença aumenta, sendo crucial o acompanhamento e a adoção de estilos de vida mais saudáveis (Fontaine, 2000). A ausência de saúde provoca nos indivíduos um conjunto de alterações bio-psicosociais, causando sofrimento e interferindo na qualidade de vida das pessoas, especialmente nas de maior idade. Atuar na prevenção de um processo de envelhecimento patológico exige uma atuação direcionada para a promoção de um envelhecimento positivo. O desenvolvimento de diversas atividades com pessoas idosas contribui para um melhor relacionamento entre pares e para uma melhor integração social, devendo proporcionar estímulos cognitivos, sociais, afetivos e motores que são fundamentais para a saúde e o bem-estar do indivíduo (Fontaine, 2000). Neste estudo pretende-se compreender a relação das memórias musicais das pessoas idosas com o seu percurso de vida, identificar os significados destas memórias e, por fim, as emoções que podem emergir das mesmas. Para tanto, foi necessário promover contactos formais e informais com os participantes. A principal finalidade destes “encontros” entre a investigadora e os alunos consistiu em apresentar os objetivos e a metodologia da investigação, bem como em estabelecer uma relação de confiança mútua que facilitasse a recolha de dados. Ao mesmo tempo, pretendia-se ampliar a compreensão do envelhecimento como uma experiência humana, abrangente e dinâmica, em toda a sua complexidade e subjetividade, sublinhando a importância do meio envolvente, onde os indivíduos nasceram e evoluíram ao longo do seu percurso de vida. Neste sentido, foram tidos em consideração aspetos demográficos, sociais, culturais e físico-naturais que influenciam as vivências de cada indivíduo. A presente investigação inscreve-se num paradigma predominantemente qualitativo. O método de investigação utilizado foi o método etnográfico e a estratégia metodológica assumiu um caracter exploratório, descritivo e interpretativo. As técnicas e instrumentos utilizados para a recolha de dados foram: observação participante; entrevista semiestruturada vídeo-gravada e questionários. As técnicas e instrumentos utilizados para a análise de dados envolveram análise de notas de campo, interpretação da narrativa autobiográfica dos participantes, com recurso ao método fenomenológico e análise de dados com recurso ao programa informático Excel. O Método Fenomenológico Hermenêutico foi um instrumento fundamental para a análise dos dados recolhidos para o estudo. Este método possibilitou uma análise descritiva da experiência humana e interpretativa das expressões dessa experiência. As técnicas e instrumentos de recolha e análise de dados permitiram identificar as memórias associadas à infância, à adolescência e à fase adulta, bem como identificar os significados dessas memórias na vida dos participantes. A pesquisa fenomenológica constitui uma tentativa sistemática de descobrir e descrever a natureza da experiência vivida, através das estruturas de significado interno. Van Manen entende este método como um projeto poético, estimulando a criatividade de quem dirige a investigação (Max Van Manen, 1990). A observação participante que foi desenvolvida ao longo de seis meses no contexto da UATI teve por objetivo mitigar as diferenças de idade, de género ou de estrato social que pudessem dificultar a relação com os participantes no estudo, o que em grande medida consideramos que foi alcançado. Memória 152 A memória é definida como um sistema que permite ao organismo obter a informação necessária, sempre que for preciso e durante um período de tempo variável (Fernandez & Fluente, 2005). As funções cognitivas são aquelas funções e processos pelos quais o indivíduo recebe, armazena e processa a informação relativa a si e aos outros. De entre as várias funções destacam-se a atenção, a perceção, a memória, a orientação e o juízo. A memória é a função cognitiva mais importante, pois está relacionada com as mudanças globais e intelectuais das pessoas idosas, sendo fundamental para a resolução de problemas e para a adaptação ao meio (Yanguas, Leturia, Leturia & Uriarte, 2002). A memória é o que mais simboliza a vida longa dos mais idosos. A psicologia do envelhecimento destaca três tipos de memória: primária, secundária e terciária. A memória primária é aquela que é efémera, ou seja, de curto prazo. A memória secundária é aquela que é responsável pela retenção ilimitada a longo prazo. A memória terciária é aquela que retém episódios de vida marcantes, relativamente à infância e à adolescência (Belsky, 2001). O envelhecimento cognitivo é caracterizado por algumas modificações cerebrais, estruturais e funcionais; o volume encefálico diminui, sendo o córtex frontal a região mais afetada. Todavia, os estudos sobre a plasticidade cognitiva demonstram que o cérebro tem capacidade de modificação e de adaptação (Haug & Eggers, 1991; Lopes, 2011). A estimulação cognitiva em idosos contribuí para a preservação da sua capacidade cognitiva e funcional, possibilitando um maior nível de independência. Por outro lado, esta atividade permite uma boa relação custo-benefício, aliada à medicação. Em contexto comunitário têm-se realçado os efeitos positivos de programas de estimulação cognitiva nos idosos. A utilização destes programas de estimulação cognitiva permitem inserir a pessoa idosa em diversas atividades, promovendo a sua saúde mental (Fiske, Wetherell & Gatz, 2009; Castro, 2011). Segundo um estudo realizado em idosos cognitivamente normais e em idosos com problemas cognitivos leves, concluiu-se que as intervenções não-farmacológicas apresentam efeitos positivos na prevenção do atraso cognitivo de ambos os grupos de participantes (Mahendran et al., 2017). O neurocientista Daniel Levetin (2010) afirma que a neurologia tem explorado a utilização da música na área da reabilitação, devido ao facto de o cérebro apresentar neuroplasticidade, sendo capaz de substituir regiões responsáveis por determinadas funções em outras áreas com funções distintas, quando estas são lesadas. Música A música tem acompanhado o homem desde a sua origem, apresentando um significado diferente para cada indivíduo, pois está relacionada com a identidade cultural de cada um (Jacob, 2007). Através da música, a pessoa idosa pode entrar em contacto com as suas recordações e emoções, compreendendo e manifestando essas memórias dentro da sua capacidade cognitiva e/ou motora. A música expressa crenças religiosas e políticas, podendo ao mesmo tempo descrever histórias que são passadas de geração em geração por meio da oralidade. Desta forma, a musicalidade transporta cultura e informação, traduz a história e faz parte da memória dos idosos (Scherer, 2010). A música encontra-se presente na história de vida de cada indivíduo, apresentando um papel fundamental na comunicação, representando os hábitos e tradições de um povo. Nas pessoas idosas, as narrativas biográficas são fontes ricas de informação, geralmente relacionadas com o seu vasto percurso de vida (Nunes, 2011). Através da música tornase possível reconstituir o passado, registando momentos marcantes da vida; o idoso 153 reconstrói experiências do presente e do passado, sendo a música uma representação nãoverbal da emoção, atuando como um veículo de comunicação direta (Al-Assal, 2008). A música desempenha um papel importante em diferentes atividades cerebrais, nomeadamente na comunicação, na interação, na memória, na emoção e no raciocínio. Segundo alguns autores, a musicoterapia influencia a atividade sensorial e a atividade motora, atuando, também, ao nível do metabolismo e da perceção da dor. Os estímulos podem ser usados como uma ferramenta na prática médica, pelo forte impacto que podem ter sobre o indivíduo, nomeadamente ao nível dos efeitos no córtex auditivo e na ampla conexão deste com outras regiões do cérebro (Quintero-Moreno, C., Cuspoca-Orduz, A. & Siabato-Barrios, J., 2015). A musicoterapia promove as funções físicas e psíquicas, conduzindo a um maior relaxamento e, consequentemente, à sensação de bem-estar. A música potencia a autonomia do ouvinte, pode contribuir para um menor isolamento social e afetivo e, consequentemente, para melhorar a autoestima (Padilha, 2008). Através do uso da música, o sujeito consegue resgatar a sua identidade tanto pessoal como social (Nunes, 2011). A evidência aponta para os benefícios da combinação da música e da reminiscência, a fim de produzir resultados de bem-estar para populações mais velhas, com e sem doenças cognitivas. Uma revisão sistemática da literatura sobre o tema demonstrou os efeitos positivos da terapia da música sobre o bem-estar mental, especialmente na gestão do stress, da ansiedade e da depressão (Istvandity, 2017). Através do uso da música vários são os sentimentos e emoções que podem ser espoletados nas pessoas que a escutam. As atividades musicais também tendem a facilitar a interação social, particularmente entre grupos que de outra forma não interagiriam (Wood, S., 2004). Memória Musical A relação entre música e cognição foi estudada pela neurociência cognitiva com a finalidade de conhecer a organização neural para a música e o comportamento musical. A audição de uma determinada música exige processos complexos e difíceis de explicar. As operações cognitivas e preceptivas que envolvem este processo são representativas do sistema nervoso central que, independentemente da ligação entre estas operações, estão ligadas ao sistema de memória responsável pelo significado que uma experiência musical adquire. O processamento auditivo central depende de um conjunto de aptidões específicas, sem as quais não seria possível a compreensão do que é ouvido. Este processo é uma atividade mental, ou seja, uma função cerebral (Buss, Graciolli, & Rossi, 2010). A música está intimamente ligada à memória, ambas possuem aspetos em comum, pois estão repletas de aspetos emocionais, efetivos e sentimentais. A música tem a capacidade de estimular as diferentes partes do cérebro, contribuindo para que ele se reorganize. É através da audição de uma música que as estruturas subcorticais e o córtex auditivo, de ambas as partes do cérebro, são estimuladas (Levetin, 2010). Assim sendo, a música pode ser considerada como uma terapia aliada à prática clínica que possibilita a promoção da saúde, a prevenção da doença e a reabilitação da saúde mental. O uso da música pode contribuir para melhorar o bem-estar das pessoas com vista ao envelhecimento bem-sucedido (Gomes & Amaral, 2012). A musicoterapia é caracterizada por ser uma terapia que possibilita um tratamento não farmacológico seguro e eficaz, contribuindo para minimizar os níveis de ansiedade e de agressividade em pessoas com doença de Alzeimer (Kampragkou, C., Iakovidis, P., Kampragkou, E., & Kellis, E., 2017). 154 A terapia musical está associada à redução nos níveis de ansiedade, no stress e na depressão (Irish, M. et al., 2006; Istvandity, 2017). A música pode ser usada como terapia no tratamento não farmacológico de pessoas com demência, possibilitando uma melhoria no humor dos participantes e promovendo o relaxamento dos mesmos (Van der Steen JT et al., 2017). A ativação de memórias musicais constitui uma atividade de estimulação cognitiva, permitindo estimular diferentes funções, tais como: a memória, a atenção, a concentração, a perceção, o raciocínio, o pensamento, a imaginação, a linguagem, a capacidades visual-espaciais e a associação de ideias. Assim, pretende-se melhorar as capacidades cognitivas e a interação social, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida (Castro, 2011). Estudos realizados sobre esta temática mostraram que a música contribui para evocar a memória autobiográfica. Para alcançar tal objetivo, os participantes foram expostos à audição de várias músicas, à leitura das respetivas letras e à visualização imagens dos respetivos artistas, com a finalidade de recuperar memórias (Cady, ET, Harris, RJ, & Knappenberger, JB, 2008). Existem diversas formas de abordar a música e isso faz-nos refletir sobre a sua influência na ativação da memória. A utilização da música, individualmente ou em grupo, num processo estruturado, pode promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização tanto a nível físico como a nível cognitivo e emocional, permitindo a recuperação de funções no indivíduo e facilitando a integração intra e interpessoal do mesmo (Backes et al, 2003). É benéfico recomendar às pessoas idosas a prática de exercício físico com atividades de estímulo cognitivo, dado que os primeiros contribuem para a saúde física e os segundos para a manutenção da saúde mental. Recorrer a exercícios que exigem atenção, concentração e pensamento lógico, contribui para o aumento da densidade sináptica cerebral, sendo a rede de transmissão a responsável pela dinâmica e plasticidade do cérebro (De Souza & Chaves, 2005). É conveniente realçar neste contexto que o processamento da informação auditiva é crucial na forma como a informação é recebida. A informação sensorial fica armazenada durante um curto período de tempo, de modo a que seja possível agregá-la com a informação que chega alguns segundos depois (Pinto, 2011). Quando alterações ocorrem ao nível da audição, o impacto é grande na comunicação. A diminuição da perceção auditiva ao longo do processo de envelhecimento afeta o desempenho cognitivo dos idosos (Lopes, 2011). A música interfere de forma direta na recuperação da memória, tornando-se uma terapia auto expressiva e de atuação, relevante tanto na prevenção da saúde mental dos idosos como na reabilitação dos mesmos. A música faz parte da memória e das vivências das pessoas, uma vez que se relaciona com os episódios de vida. A memória musical e a memória auditiva fazem parte da cultura, devendo ser divulgadas, disseminadas e socializadas (Gomes & Amaral, 2012). Preservar a capacidade funcional do indivíduo, significa valorizar a sua autonomia, tornando a sua autoestima mais elevada e possibilitando uma senescência proveitosa. Isso pode ser proporcionado pelo estímulo mental e físico constante, pelas atividades que retardam um possível declínio cognitivo e que preservam habilidades cerebrais presentes (De Mello et al., 2011). A música está fortemente interligada com a memória, fazendo-nos viajar no tempo, recordando imagens, pessoas, sons e sentimentos associados a um evento específico. A evidência científica refere que a música pode induzir a uma mistura de emoções, embora esta situação seja menos frequente. Juslin (2016) resume a importância 155 da música nas emoções nos seguintes pontos fundamentais: 1) A música pode conduzir a um conjunto de emoções; 2) A música induz maioritariamente emoções positivas; 3) A música pode espoletar emoções básicas e complexas; 4) A maioria dos estudos sobre a música e as emoções incluem algumas categorias emocionais como: a calma, a felicidade, a nostalgia, a tristeza, a energia, o interesse, o prazer, o amor e o orgulho, entre outras. Outros estudos sugerem que as experiências emotivas de maior intensidade ocorrem em concertos, o que se explica pela interação coletiva e componente social intensa (Lamont, 2011). Alguns investigadores falam de uma emoção coletiva desencadeada a partir de um estímulo social comum (Von Scheve y Salmela, 2014). Conclusões A música faz parte da memória e das vivências de cada um dos participantes neste estudo. A recolha de dados permitiu o acesso às memórias musicais dos participantes relacionadas com momentos do seu percurso de vida, tanto positivos como negativos. Os participantes revelaram que recordar músicas facilita o acesso a memórias antigas, influenciando o estado de espírito no presente. Este processo acontece de forma automática e inconsciente, uma vez que as memórias musicais estão intrinsecamente relacionadas com os episódios de vida, espoletando diversas emoções. Tal como a revisão da literatura revela, a música apresentou-se como uma terapia auto-expessiva que pode ser utilizada, também, na manutenção e recuperação da memória. A audição de músicas e/ou cantar a letra das mesmas desperta diversos sentimentos, como nostalgia, saudade, alegria, tristeza, angústia, entre outros. Esta transformação deve-se ao facto de a música ser um meio facilitador que transporta cultura e tradições, traduzindo a história e o percurso de vida de cada pessoa. Alguns relatos dos participantes neste estudo revelaram que a música é uma forma de ajudar a superar a solidão e de manter a mente ocupada, contribuindo para ultrapassar os desafios inerentes ao envelhecimento. Esta investigação permitiu conhecer a importância da música na vida daqueles que na mesma participaram, nomeadamente no que se refere a alguns estilos musicais, como: a música tradicional portuguesa, o cante Alentejano, o folclore Algarvio, a música de intervenção, bem como as músicas para a infância que marcaram momentos dos percursos de vida diferenciados, revelando a identidade cultural e geracional de cada indivíduo. As entrevistas permitiram estabelecer a interligação entre a música vivida em determinado período do percurso de vida e a cultura ou eventos específicos de um determinado espaço-tempo: música dos bailes, festas e romarias, matinés nos tempos livres da juventude e no namoro, canções para a infância ou canções entoadas durante o trabalho doméstico ou nos trabalhos agrícolas). Os percursos de vida não proporcionam as mesmas experiências e estas não têm necessariamente o mesmo significado para todas as pessoas. Foi possível observar que a música é representativa da experiência de vida dos participantes, podendo estar associada a diferentes momentos e emoções. Sentimentos de tristeza são relatados pelos participantes e estão, geralmente, associados a episódios de vida que os marcaram negativamente. Momentos designados como «menos bons» estão relacionados com acontecimentos de vida como desemprego, divórcio, luto por morte de familiar, reforma, entre outros. Por outro lado, a música também pode ser representativa de «bons momentos» da vida, isto é, pode estar associada a acontecimentos relacionados com viagens, festas, nascimento de um novo membro da família, namoro, casamento, conclusão de um curso ou uma revolução. Neste sentido, sentimentos de felicidade e saudade estão relacionados com momentos do percurso de vida que marcaram 156 positivamente a vida das pessoas, recordando esses momentos com vontade de os voltar a viver. Tomar conhecimento das memórias musicais de cada participante permitiu conhecer fragmentos de narrativas biográficas de cada um e compreender o significado que as mesmas adquiriram. As memórias musicais estão presentes na vida de todos os participantes neste estudo, todavia as mesmas assumem conteúdos e significados diferenciados. Por outro lado, o processo de recolha das memórias musicais funcionou como um estímulo cognitivo e emocional para os participantes no estudo ao permitir o resgate de memórias e ao mesmo tempo o (re)viver o passado no presente, (re)significando-o. Intervenções desta natureza podem contribuir para fundamentar o desenho de programas de promoção ou manutenção das capacidades cognitivas e socioafetivas, proporcionando melhor conhecimento e interação entre os pares e entre os técnicos e os participantes. A musicoterapia, que poderá integrar a aplicação da metodologia e dos resultados do presente estudo, é relevante na preservação e promoção da memória em pessoas idosas. Quando as escolhas das músicas a utilizar nas intervenções com musicoterapia estão bem ancoradas nas memórias musicais concretas dos intervenientes e quando esta se complementa com atividades físico-motoras, a musicoterapia proporciona sentimentos de bem-estar físico e psicológico e pode facilitar um envelhecimento positivo ou bemsucedido. Referências Bibliográficas Al-Assal, C.T. (2008). Música lugar de Memória e morada do Ser. Instituto Psicologia da Universidade São Paulo. Dissertação Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Psicologia. S. Paulo. Backes, D.S. et al. (Nov. 2003). Música: terapia complementar no processo de humanização de uma CTI. Revista Nursing, 66 (6), 37-42. Belsky, J. (2001). Picologia del Envejecimento. Madrid: Thomson. Buss, L.H., Graciolli, L. & Rossi, A. (2010). Processamento Auditivo em Idosos: Implicações e Soluções. Revista CEFAC, 1, 146-151. Cady, E.T, Harris, R.J, & Knappenberger, J.B (2008). 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